–
MARIA LÚCIA DALOCE CASTANHO
Bandeirantes
Imortal, não sou agora,
mas eu tenho uma alegria:
– Sou poeta e ao “ir-me embora”…
deixo um rastro de poesia!
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Uma Trova sobre Saudade, do Rio de Janeiro
–
ANIS MURAD
Saudade – rede vazia
a balançar tristemente…
minando a melancolia
que dorme dentro da gente.
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Uma Trova do Izo
–
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS 1932 – 2013 São Paulo/SP
–
Nesta “corrida” da vida,
quando o Destino nos solta,
só sabemos na “saída”,
que a “corrida”… não tem volta!
============================
Uma Trova Lírica/ Filosófica, de Juiz de Fora/MG
–
DORMEVILLY NÓBREGA
Na Vila Rica de então,
quis o destino imprevisto,
que um pobre artista sem mão
esculpisse as mãos de Cristo.
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Uma Trova Humorística, de São Gonçalo/RJ
–
GILVAN CARNEIRO DA SILVA
O truque falha…vermelho,
o mágico diz que o enguiço
é culpa do seu coelho
que ainda é novo no serviço…
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Uma Trova do Ademar
–
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN 1951 – 2013 Natal/RN
–
Descobri no envelhecer,
em meus momentos tristonhos,
que eu não tive, em meu viver,
nada mais além de sonhos!…
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Uma Trova Hispânica, da Espanha
–
MADRESSELVA
A mi vida tú llegaste
¡oh! gran Sol del Universo
y en ella tú te quedaste
como regalo del verso.
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Uma Trova sobre Respeito, de São Paulo/SP
–
DARLY O. BARROS
Não somos um par perfeito,
mas, nas rusgas entre nós,
a batuta do respeito
rege sempre o tom da voz…
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Trovadores que deixaram Saudades
–
ARCHIMINO LAPAGESSE
Florianópolis/SC (1897 – 1966) Rio de Janeiro/RJ
Saudade, a ponte encantada
entre o passado e o presente,
por onde a vida passada
volta a passar novamente
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Uma Trova do Príncipe dos Trovadores
–
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ 1916 -1977 Santos/SP
–
“Meu Deus como o Tempo passa!…”
— Nós, às vezes, exclamamos…
Mas por sorte ou por desgraça,
fica o tempo… e nós passamos..
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Um Haicai de Guarulhos/SP
–
JOÃO TOLOI
Silêncio na estação
Sobre o trem que parte
A chuva de outono.
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Uma Trova da Rainha dos Trovadores
–
LILINHA FERNANDES
(Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva)
Rio de Janeiro 1891 – 1981
–
A cordilheira hoje à tarde,
de um verde claro e bonito,
era um colar de esmeraldas
no pescoço do infinito.
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O Universo de Leminski
–
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
–
veloz
como a própria voz
elo e duelo
entre eu e ela
virando e revirando nós
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O Universo das Glosas de Gislaine
–
GISLAINE CANALES
Balneário Camboriú/SC
–
Glosando Arlindo Tadeu Hagen
ROSA ORVALHADA
MOTE:
POBRE HORIZONTE PEQUENO
DE QUEM CRÊ, SEM VER MAIS NADA,
QUE UMA ROSA COM SERENO
É SÓ UMA ROSA MOLHADA!
GLOSA:
POBRE HORIZONTE PEQUENO
de quem não vê mais além…
que ao receber um aceno,
não sabe o valor que tem.
É triste, sempre, o caminho,
DE QUEM CRÊ, SEM VER MAIS NADA,
que nunca estará sozinho
ao longo da caminhada.
Ter um sentimento pleno
faz sentir, com alegria,
QUE UMA ROSA COM SERENO
é a mais pura poesia.
Vendo essa rosa feliz,
suavemente orvalhada,
só quem não ama é que diz:
É SÓ UMA ROSA MOLHADA!
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Uma Trova do Rei dos Trovadores
–
ADELMAR TAVARES
Recife/PE 1888 – 1963 Rio de Janeiro/RJ
–
Afeições enternecidas,
Meus derradeiros amores!…
Deus vos salve, mãos queridas,
Que me cobristes de flores!…
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O Universo Triverso de Pellegrini
–
DOMINGOS PELLEGRINI
(Londrina/PR)
–
Montanha que brilha
a louça lavada
empilhada na pia
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O Universo Poético de Emilio
–
EMÍLIO DE MENESES
(Emílio Nunes Correia de Meneses)
Curitiba/PR (1816– 1918)
Tarde na Praia
A Leal de Sousa
Quando, à primeira vez, lhe via grandeza,
Foi nos tempos da longe meninice.
E quedei-me à mudez de quem sentisse
A alma de ‘pasmos e terrores presa.
Depois, na mocidade, a olhá-lo, disse:
É moço o mar na força e na beleza!
Mas, ao dia apagado e à noite acesa,
Hoje o sinto entre as brumas da velhice.
Distanciado de escarpas e barrancos,
Vejo-o a morrer-me aos pés, calmo, ao abrigo
Das grandes fúrias e os hostis arrancos.
E ao contemplá-lo assim, tristonho digo,
Vendo-lhe, à espuma, os meus cabelos brancos:
O velho mar envelheceu comigo!
============================
O Universo Poético de Sardenberg
–
ANTONIO MANOEL ABREU SARDERNBERG
São Fidélis/RJ (1947)
–
Alucinação
Tentei em vão suavizar a vida,
Tornar mais leve o fardo tão pesado,
Fazer da volta o ponto de partida,
Buscar na ida o amor tão cobiçado!
Eu quis fazer da pauta a partitura
De um canto leve, doce e tão suave,
Cantar a vida com toda a ternura,
Voar em sonhos como uma ave!
Eu quis da luz o raio de esperança
Mas, por castigo, só me veio a treva.
Não me atrevo e guardo na lembrança
O que a serpente aprontou pra Eva…
E desse jeito fico aqui quietinho,
No meu cantinho, bem acompanhado,
Pois não será por falta de carinho
Que comerei a fruta do pecado!
============================
O Universo Poético de Cecília
–
CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio de Janeiro/RJ (1901 – 1964) Rio de Janeiro/RJ
–
Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto
Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.
Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!
E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado – melhor que nós todos!
– que tinhas tu com este mundo
dos homens?
Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam…
Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos…
Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!
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O Universo Melódico de Assumpção
–
MARCOS ASSUMPÇÃO
(Marcos André Caridade de Assumpção)
Niterói/RJ
–
Nem Toda Bruxa é Malvada
Nem toda bruxa é malvada,
Nem toda bruxa é tão feia,
Nem toda bruxa mora numa floresta,
Dentro de uma gruta encantada,
Nem toda bruxa tem caldeirão,
Tem bruxa de bom coração
Nem toda bruxa é malvada,
Nem toda bruxa é tão feia,
Nem toda bruxa gosta de uma maldade
Tem bruxa que é boa e ninguem sabe,
Tem bruxa que o feitiço é legal
Tem bruxa que não curte o mal
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O Universo Haicaista de Guilherme de Almeida
–
GUILHERME DE ALMEIDA
(Guilherme de Andrade de Almeida)
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP
–
Outono
Sistema nervoso,
que eu vi, da folha sorvida
pelo chão poroso.
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O Universo Sonetista de Alma Welt
–
ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)
–
Dualidade
Que imensa dualidade é a Arte!
Resultado da perfeita sintonia
Com a própria alma em harmonia
Com o Cosmo e o Caos, a contraparte.
Pois tudo o que há no Universo
Tem a sua razão, mas o absurdo
Quando existe cai muito bem em verso,
Como a Nona foi feita por um surdo.
Até o Bem e o Mal se complementam
Na estrutura perfeita de uma obra
Pois que na falta de um, poucos agüentam.
Eis então porque consigo ser artista:
Porque a minha alma não me cobra
Ser boa ou ser malvada, senão mista.
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Uma Poesia de Caicó/RN
–
MARA MELINNI
O Tempo do Amor
Às vezes a resposta que eu preciso
Não vem de uma palavra, em expressão…
Mas do calmo calor do teu sorriso
Que manda embora a dor da solidão.
Se o meu gostar não encontra o jeito certo
Ou se é preciso um jeito de existir,
Que exista um jeito de estar sempre perto
E nesse jeito eu possa te sentir.
Nenhum querer possui uma medida,
Ninguém pode gostar pela metade.
Amar é o que dá vida à própria vida…
Ou ama, ou não se ama… Esta é a verdade.
O tempo não espera na estação
E o preço, embora pague um bom lugar,
Não traz escolha a quem, sem ter razão,
Não segue atrás do trem que viu passar…
As portas do destino guardam planos
Que as chaves certas abrem, logo à frente.
E às vezes, sem ter chave ou sofrer danos,
Há portas que se abrem, simplesmente.
Por isso, a cada sol, nascendo o orvalho,
Se vão, pelas manhãs, em cada flor,
As gotas tristes, no chorar do galho,
deixando suas lágrimas de amor.
A vida é a seiva mais pura do mundo,
é o mel que adoça o sonho de quem clama…
E o tempo, embora dure um só segundo,
se faz tempo bastante a quem se ama.
Eis sim, uma viagem passageira…
Que cumpre as curvas todas de uma estrada.
E um dia, já na curva derradeira,
Se não faltou amor… Não faltou nada!
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O Universo de Francisca
–
FRANCISCA JÚLIA
1871, Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP – 1920, São Paulo/SP)
–
Natureza
Um contínuo voejar de moscas e de abelhas
Agita os ares de um rumor de asas medrosas;
A Natureza ri pelas bocas vermelhas
Tanto das flores más como das boas rosas.
Por contraste, hás de ouvir em noites tenebrosas
O grito dos chacais e o pranto das ovelhas
Brados de desespero e frases amorosas
Pronunciadas, a medo, à concha das orelhas…
Ó Natureza, ó Mãe pérfida! tu, que crias,
Na longa sucessão das noites e dos dias,
Tanto aborto, que se transforma e se renova,
Quando meu pobre corpo estiver sepultado,
Mãe! transforma-o também num chorão recurvado
Para dar sombra fresca à minha própria cova.
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Velhas Lengalengas e Rimas do Arco-da-Velha Portuguesas
–
A PIPA
Pipa roxa
Pipa coxa
Foi ao mar
E se afundou.
Veio o peixe
Lá do fundo
E na Pipa se empinou.
OUTRA PIPA
Debaixo daquela pipa
Está uma pita
Pinga a pipa
Pia a pipa
Pia a pita
Pinga a pipa
Fonte:
E-book da equipa do Luso-Livros
http://luso-livros.net/
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O Universo de Fernando Pessoa
–
FERNANDO PESSOA
(Fernando António Nogueira Pessoa)
Lisboa/Portugal 1888 – 1935
–
Eu bem sei que me desdenhas
Mas gosto que seja assim,
Que o desdém que por mim tenhas
Sempre é pensares em mim.
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O Universo Poético de Vinicius
–
VINICIUS DE MORAES
(Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes)
Rio de Janeiro (1913 – 1980)
–
Ânsia
NA TREVA que se fez em torno de mim
Eu via a carne.
Eu senti a carne que me afogava o peito
E me trazia à boca o beijo maldito
Eu gritei.
De horror eu gritei que a perdição me possuía a alma
E ninguém me atendeu.
Eu me debati em ânsias impuras
A treva ficou rubra em torno a mim
E eu caí!
As horas longas passaram.
O pavor da noite me possuiu.
No vazio interior ouvi gritos lúgubres
Mas a boca beijada não respondeu aos gritos.
Tudo quedou na prostração.
O movimento da treva cessou ante mim.
A carne fugiu
Desapareceu devagar, sombria, indistinta
Mas na boca ficou o beijo morto.
A carne desapareceu na treva
E eu senti que desaparecia na dor
Que eu tinha a dor em mim como tivera a carne
Na violência da posse.
Olhos que olharam a carne
Por que chorais?
Chorais talvez a carne que foi
Ou chorais a carne que jamais voltará?
Lábios que beijaram a carne
Por que tremeis?
Não vos bastou o afago de outros lábios
Tremeis pelo prazer que eles trouxeram
Ou tremeis no balbucio da oração?
Carne que possuiu a carne
Onde o frio?
Lá fora a noite é quente e o vento é tépido
Gritam luxúria nesse vento
Onde o frio?
Pela noite quente eu caminhei …
Caminhei sem rumo, para o ruído longínquo
Que eu ouvia, do mar.
Caminhei talvez para a carne
Que vira fugir de mim.
No desespero das árvores paradas busquei consolação
E no silêncio das folhas que caíam senti o ódio
Nos ruídos do mar ouvi o grito de revolta
E de pivor fugi.
Nada mais existe para mim
Só talvez tu, Senhor.
Mas eu sinto em mim o aniquilamento…
Dá-me apenas a aurora, Senhor
Já que eu não poderei jamais ver a luz do dia.
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Uma Poesia de Portugal
–
AFONSO DUARTE
(1884 – 1958)
Romanceiro das Águas
Água da Altura, límpida e sonora,
Aos desejos do vento num descuido,
Tu és da vida a fonte criadora:
Corpo de nuvens ondeante e fluído.
Por teu peito balsâmico de seivas
Há nos montes fartura reluzente:
Domam-se as terras de lavoura, as leivas,
E ergue-se à flor a túmida semente.
Água da chuva em móbil revoltura
No oceano do ar, no firmamento:
Rega divina a que esse artista, o vento,
Dá forma esculturada, a tecitura.
No nebuloso olimpo concebeste:
E à crusta insenta, ressequida e nua,
Trazes perfumes, o frescor celeste
Dos alvos saibros místicos da Lua.
Euritmias moduladas, feitas
Por cadências de versos diluídos:
Bátegas recortando os meus sentidos
De furtivas palavras liquefeitas.
Água que o ar frio arrasta e desencanta:
A que dá vida, a que renova a planta;
Água que antigamente foi suor
No rochedo e na flor.
E baga do suro da tua fronte
na labuta da vida pelo monte,
Ó cavador cansado!
Respiração carnosa que ao depois
Foi ser chuva e crepúsculo doirado.
Gotas de orvalho,
Irmãzinhas das lágrimas, vós sois
O suor do trabalho.
Respiração dos rios e florestas
E fumo do meu lar;
E pragas das palavras desonestas
Dos pântanos e charcos ao luar;
Respiração de bocas amorosas
E de hálitos das fontes;
E aroma suavíssimo das rosas…
No longe e fluido olhar dos horizontes
Tudo se casa e funde: e é nuvem densa,
—Habitação de lágrimas suspensa.
============================
O Universo de Auta
–
Auta de Souza
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN
–
Página Azul
No país de minh’alma há um rio sem mágoas,
Um rio cheio de ouro e de tanta harmonia,
Que se cuida escutar no marulhar das águas
Do sussurro de um beijo a doce melodia.
Este rio é o meu sonho, um sonho azul e puro,
Como um canto do Céu, como um braço do Mar;
Loura réstia de sol a rebrilhar no escuro,
Casta luz que cintila em torno de um altar.
De um altar que palpita e que sofre e que sonha,
Soletrando a cantar a linguagem do Amor…
Do altar do Coração, a paisagem risonha
Onde brotam sorrindo as ilusões em flor.
Vem beber, meu amor, neste rio que é fonte,
É fonte de esperanças e lago de quimera…
Vem morar n’um país que não tem horizonte,
Onde não chora o Inverno e só há Primavera.
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O Universo Triverso de Millôr Fernandes
–
MILLÔR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
Rio de Janeiro (1923 – 2012)
–
A vida é bela
Basta saltar
Pela janela
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O Universo de J. G.
–
J.G. DE ARAÚJO JORGE
(Jorge Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC 1914 – 1987 Rio de Janeiro/RJ
–
Ah, Se Tu Voltasses…
Fico a me repetir, que se voltares
te olharei nos olhos sem tremer
e te direi, vingando a minha mágoa:
– já não te quero mais.
Mantenho assim de pé o orgulho
a esta espera…
………………………………………………….
Ah, se tu voltasses!
(Só de pensar, sinto uma angústia, um nó
a me apertar o peito…)
– seria até capaz de ter um infarto
com este coração já tão batido
e que morre por ti, de qualquer jeito.
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Um Soneto do Rio de Janeiro
–
SÔNIA SOBREIRA
A Semente
Não vou plantar semente que me afaste
da luz perene e clara do luar,
nem vou deixar que a mágoa me desgaste,
ou que me faça em pedras tropeçar.
Não vou deixar que a solidão me arraste
nas tramas de uma história secular,
nem que uma dor no coração se engaste
e esta semente venha a germinar.
Eu vou plantar sementes de alegria
flores vermelhas, rimas de poesia
colher nas mãos um sonho que brotou.
Vou ser poeta e em minha estrada infinda,
mostrar que posso ser feliz ainda
e nunca mais serei o que hoje sou!
============================
O Universo do Martelo Agalopado de Prof. Garcia
–
PROF. GARCIA
(Francisco Garcia de Araújo)
Caicó/RN (1946)
–
Nem o canto feliz da saracura
que cantava em lagoa e pantanais,
eu escuto nos velhos mofumbais
que abrigavam tão bela criatura.
Se o destino ou a própria desventura
prescreveram tristonha profecia,
meu sertão chora a dor de cada dia
lamentando o passado que se foi,
e a toada do meu carro de boi
era a orquestra mais linda que se ouvia!
============================
O Universo Poético de Lúcia Constantino
–
LÚCIA CONSTANTINO
(Maria Lúcia Siqueira)
Curitiba/PR
Essa Paz Dolorosa
Essa paz dolorosa,
perfume que no vento
traz espinhos
e não a rosa.
Essa paz cansada
de escolher um novo caminho
e sempre e de novo
errar a estrada.
Essa paz que nos vãos da noite
procura estrelas nos abismos
onde elas brilham tão fortes.
Sentinelas do deus destino.
Paz dolorosa e imensurável
e por demais amiga:
minha mesa, meu vinho,
meu pão.
Deixarei que nela
minha alma refaça caminhos,
vertendo saudade nos linhos
aonde um dia pousei
o teu coração.
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Uma Poesia Além Fronteiras
–
WILLIAM BLAKE
Inglaterra (1757 – 1827)
O Jardim do Amor
O Jardim do Amor fui visitar,
E vi então o que jamais notara:
Lá bem no meio estava uma Capela,
Onde eu no prado correra e brincara.
E os portões desta Capela não abriam,
E “Não farás” sobre a porta escrito estava;
E voltei-me então para o Jardim do Amor
Lá onde toda a doce flor se dava;
E os túmulos enchiam todo o campo,
E eram esteias funerárias as flores;
E Padres de preto, em seu passeio secreto,
Atando com pavores minhas alegrias & amores.
(Tradução de Hélio Osvaldo Alves)
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O Universo de Adélia
–
ADÉLIA PRADO
(Adélia Luzia Prado Freitas)
Divinópolis/MG (1935)
–
Corridinho
O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
se descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
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O Universo Poético de Olavo Bilac
–
Olavo Bilac
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
Rio de Janeiro/RJ (1865 – 1918)
–
As Flores
Deus ao mundo deu a guerra,
A doença, a morte, as dores;
Mas, para alegrar a terra,
Basta haver-lhe dado as flores.
Umas, criadas com arte,
Outras, simples e modestas,
Há flores por toda a parte
Nos enterros e nas festas,
Nos jardins, nos cemitérios,
Nos paúes e nos pomares;
Sobre os jazigos funéreos,
Sobre os berços e os altares,
Reina a flor! pois quis a sorte
Que a flor a tudo presida,
E também enfeite a morte,
Assim como enfeita a vida.
Amai as flores, crianças!
Sois irmãs nos esplendores,
Porque há muitas semelhanças
Entre as crianças e as flores…
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O Universo de Carlos Drummond de Andrade
–
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG (1902 – 1987) Rio de Janeiro/RJ
–
Canto do Rio em Sol
Guanabara, seio, braço
de a-mar:
em teu nome, a sigla rara
dos tempos do verbo mar.
Os que te amamos sentimos
e não sabemos cantar:
o que é sombra do Silvestre
sol da Urca
dengue flamingo
mitos da Tijuca de Alencar.
Guanabara, saia clara
estufando em redondel:
que é carne, que é terra e alísio
em teu crisol?
Nunca vi terra tão gente
nem gente tão florival.
Teu frêmito é teu encanto
(sem decreto) capital.
Agora, que te fitamos
nos olhos,
e que neles pressentimos
o ser telúrico, essencial,
agora sim és Estado
de graça, condado real.
II
Rio, nome sussurrante,
Rio que te vais passando
a mar de estórias e sonhos
e em teu constante janeiro
corres pela nossa vida
como sangue, como seiva
— não são imagens exangues
como perfume na fronha
… como pupila do gato
risca o topázio no escuro.
Rio-tato-
-vista-gosto-risco-vertigem
Rio-antúrio
Rio das quatro lagoas
de quatro túneis irmãos
Rio em ã
Maracanã
Sacopenapã
Rio em ol em amba em umba sobretudo em inho
de amorzinho
benzinho
dá-se um jeitinho
do saxofone de Pixinguinha chamando pela Velha Guarda
como quem do alto do Morro Cara de Cão
chama pelos tamoios errantes em suas pirogas
Rio, milhão de coisas
luminosardentissuavimariposas:
como te explicar à luz da Constituição?
III
Irajá Pavuna Ilha do Gato
— emudeceram as aldeias gentílicas?
A Festa das Canoas dispersou-se?
Junto ao Paço já não se ouve o sino de São José
pastoreando os fiéis da várzea?
Soou o toque do Aragão sobre a cidade?
Não não não não não não não
Rio, mágico, dás uma cabriola,
teu desenho no ar é nítido como os primeiros grafismos,
teu acordar, um feixe de zínias na correnteza esperta do tempo
o tempo que humaniza e jovializa as cidades.
Rio novo a cada menino que nasce
a cada casamento
a cada namorado
que te descobre enquanto rio-rindo.
assistes ao pobre fluir dos homens
e de suas glórias pré-fabricadas.
============================
UniVersos Melodicos
–
Alcir Pires Vermelho, Alberto Ribeiro e Braguinha
ONDE O CÉU AZUL É MAIS AZUL
(samba, 1941)
Eu já encontrei, um dia alguém
Que me perguntou assim, Iaiá
O seu Brasil, o que é que tem ?
O seu Brasil, onde é que está ?
Onde o céu é mais azul
E uma cruz de estrelas, mostra o sul
Aí, se encontra o meu país
O meu Brasil, grande…, tão feliz !
Que tem junto ao mar, palmeirais
No sertão, seringais
E, no sul, pinheirais
Um jangadeiro que namora o mar
Verde mar, a beijar,
Brancas praias, sem fim…
Quando faz luar
Um garimpeiro que, lá no sertão
Procura estrelas, raras pelo chão
E um boiadeiro que, tangendo os bois
Trabalha muito, pra sonhar depois !
E…, se é grande o céu, a terra e o mar
O seu povo bom, não é menor
Mas o que faz admirar
Eu vou dizer, guarde bem de cor
Quem vê o Brasil, que não tem fim
Não chega a saber, por que razão
Este Pais, tão grande assim
Cabe, inteirinho, em meu coração !…
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Uma Cantiga Infantil de Roda
–
Senhora dona Arcanjila
Todas ficam de cócoras. A menina do centro põe a mão nos olhos. As da roda miam. A do meio tem um pauzinho na mão e com ele vai batendo nas outras, até conhecê-las. Cantam as da roda:
Senhora dona Arcanjila
Coberta de ouro e prata
Descubra o seu rosto
Quero ver a sua cara
Canta a do centro:
Que anjos são estes
Que estão me arrodiando
De noite e de dia
Padre Nosso, Ave Maria!
Cantam as da roda:
São filhos do rei
E netos do conde
Que eles já se escondem
Embaixo da pedra
Do anjo São Miguel
Fonte:
Veríssimo de Melo. Rondas infantis brasileiras. São Paulo: Departamento de Cultura, 1953.