Arquivo do mês: outubro 2008

Ademir Braz (1947)

Ademir Braz é de Marabá (Pará). Iniciou-se em Jornalismo na “Província do Pará”, de Belém, em 1972. É advogado desde 2000, formado na primeira turma do campus da UFPA em sua cidade.

Poeta, publicou uma trilogia poética: “Esta terra” (1981, pela Editora Neo-Gráfica, de Belém, edição pessoal rapidamente esgotada); “Antologia Tocantina” (1998), patrocinada pela Fundação Casa da Cultura de Marabá, e produto de pesquisa de 8 anos sobre a poesia produzida em Marabá desde 1917; “Rebanho de pedras” (2003), dentro do Projeto Usimar Cultural. Em 2003, participou da VII Feira Pan-Amazônica do Livro em Belém, como palestrante e expositor, fazendo o lançamento de seu “Rebanho de pedras”.

Suas poesias constam da IX e X Antologias Poéticas Hélio Pinto Ferreira, Concurso Nacional da Fundação Cassiano Ricardo (São José dos Campos, SP, 1995 e 1996) Edição Comemorativa dos 100 anos do Poeta Brasileiro Cassiano Ricardo. Participou, em 1992, do Projeto “O Escritor na Cidade”, com palestras em Belém, Santarém, Bragança, Barcarena e Ananindeua, por iniciativa da Secult-Pará e Instituto Nacional do Livro. Medalha de Ouro no III Concurso Nacional de Poesias, da Editora Brasília (DF). Integra a “I Antologia de Poetas Paraenses”, (Ed. Shogun, Rio de Janeiro).

Tem contos publicados no III e V Concursos de Contos da Região Norte, Novos Contistas da Amazônia, (Editora Universitária UFPA, Belém, 1995 e 1997). Em 1997, classificou-se entre os 20 finalistas do Concurso de Contos Guimarães Rosa, promovido pela Radio France Internationale, do qual participaram 1.584 contos de escritores da França, Portugal, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Espanha, São Tomé e Príncipe, Uruguai, Japão, Canadá, Alemanha, USA, Colômbia, Bélgica, Noruega, Bolívia, Panamá, Itália, Equador, Argentina, Suíça e Brasil.

Organizou a Antologia do “II Festival de Poesia, Conto e Fotografia”, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, Desportos e Turismo (Secdetur), lançada em março/2000. Seus versos ilustram o mês de janeiro da agenda “Brasil – Retratos Poéticos 2001”, publicada por Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda., em São Paulo (SP), com circulação nacional e internacional. E estão na antologia “Poesia do Grão-Pará”, seleção e notas de Olga Savary (Rio de Janeiro, Graphia Editorial, 2001). Recebeu também o “Prêmio Buiúna 1999”, conferido pela Secdetur, Associação dos Artistas Plásticos de Marabá e Secretaria Municipal de Educação, como Destaque da Cultura Marabaense.

Fonte:
http://www.culturapara.art.br/Literatura/

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Ezra Pound (1885 – 1972)

Ezra Weston Loomis Pound (Hailey, Idaho, 30 de outubro de 1885 — Veneza, 1 de novembro de 1972) foi um poeta, músico e crítico que, junto com T. S. Eliot, foi uma das maiores figuras do movimento modernista da poesia do início do século XX. Ele foi o motor de diversos movimentos modernistas, notadamente do Imagismo e do Vorticismo.

Cresceu em Wyncote, perto de Filadélfia e formou-se na universidade da Pennsylvania em 1906. Durante um breve período deu aulas em Crawfordsville, Indiana, e entre 1906-1907 viajou por Espanha, Itália e França. O seu primeiro livro de poemas, A Lume Spento, foi publicado em Veneza em 1908. Nesse ano fixou-se em Londres, onde viveu até 1920 e onde travou conhecimento com alguns dos mais importantes escritores da época: Ford Madox Ford, James Joyce, Wyndham Lewis, W. B. Yeats e T. S. Eliot, entre outros.

Em 1909 publicou Personae e Exultations, a que se seguiu um volume de ensaios críticos intitulado The Spirit of Romance de 1910. Entre 1914-1915 foi co-editor da revista do movimento Vorticista, Blast. Em Londres teve ainda a seu cargo a edição da revista de Chicago Little Review (1917-1919) e a partir de 1920 tornou-se correspondente da publicação The Dial na capital francesa, para onde se mudou em 1921.

Datam de 1920 as publicações de um segundo volume de textos críticos, Instigations, e de Hugh Selwyn Mauberley, uma das suas obras-primas. O poema Homage to Sextus Propertius foi publicado no ano anterior. Conhecedor das literaturas europeia e oriental, Pound associou-se desde muito cedo à escola dos imagistas, que liderou de forma particularmente enérgica. Os adeptos desta corrente poética, fundada em 1912 sob inspiração das ideias de T. E. Hulme, pretendiam explorar de forma disciplinada as potencialidades da imagem e da metáfora, consideradas a essência da poesia. O movimento, que Pound abandonou em 1914, teve a sua expressão na revista inglesa The Egoist (iniciada em 1912) e na revista americana Poetry (a partir de 1914). As raízes do movimento encontravam-se fundamentalmente na poesia chinesa e japonesa, mas os imagistas inspiraram-se também na poesia latina, em poemas da tradição medieval inglesa, nas composições poéticas dos trovadores provençais e em alguns poetas italianos. Nos seus Cantos, publicados numa longa série entre 1917-1949 e inacabados, Pound procurou elaborar uma versão moderna da Divina Comédia.

A fase de maior proximidade do escritor em relação ao movimento imagista é ilustrada pelas obras Ripostes (1912) e Lustra (1916). Em 1924 Pound mudou-se para Itália, onde as teorias económicas que defendeu o associaram ao fascismo, tendo chegado a proferir comunicações anti-democráticas na rádio italiana durante a Segunda Guerra Mundial. Nos seus tratados económicos e históricos, Jefferson and/or Mussolini de 1935 e Guide to Kulchur de 1938, Pound comprometeu-se definitivamente com o fascismo e foi preso em 1945, tendo sido posteriormente repatriado.

Considerado mentalmente incapaz, foi internado durante 13 anos num hospital psiquiátrico em Washington DC. A acusação de traição foi retirada em 1958 e Pound voltou a Itália depois da sua libertação. Trabalhou nos seus Cantos até 1972, ano da sua morte. A obra, carregada de citações e alusões históricas, permanece uma das mais controversas da poesia deste século. A influência de Ezra Pound e do seu projecto de renovação da linguagem poética fez-se sentir em Joyce, Yeats, William Carlos Williams e particularmente em T. S. Eliot, que submeteu o manuscrito da sua obra The Waste Land à apreciação de Pound antes de o publicar em 1922. As correcções feitas por Pound mereceram-lhe a dedicatória de Eliot: “For Ezra Pound, il miglior fabbro” (A Ezra Pound, o melhor artífice).

Síntese biobibliográfica
1885 Nasce em Hailey, Idaho (30 de outubro).
1901/5 Estudos na Universidade de Pennsylvania e no Hamilton College.
1906 Professor de letras românicas na Universidade de Pennsylvania. Viagem à Europa (Bolsa Harrison).
1907 Leciona francês e espanhol no Wabash College, Crawfordsville, Indiana.
1908 Itália. A Lume Spento, Veneza. Vai para Londres, onde reside até 1920.
1909 Personae e Exultations. Primeiro estudo sobre Arnaut Daniel (“II Miglior Fabbró’).
1910 Provença. The Spirit of Romance.
1911 Canzoni.
1912 The Sonnets and Ballate of Guido Cavalcanti. Rispostes.
1913 Personae and Exultatíons. Canzoni and Ripostes. Revista Poetry (abril): A Few Don’ts, postulados do Imagismo. Colabora com Walter Morse Rummel na publicação de Neuf Chansons de Troubadours des Xlle et Xllle Siècles. que inclui a transcrição de duas canções de Arnaut Daniel localizadas por EP na Biblioteca Ambrosiana em Milão e por ele referidas no Canto 20.
1914 Casa-se com Dorothy Shakespear. Edita a antologia Des Imagistes.
Publica Vorticism na Fortnight Review. Participa de Blast, de Wyndham Lewis. (1914-15)
1915 Cathay. Edita a Catholic Anthology.
1916 Lustra. Gaudier Brzeska. “Noh” or Accomplishment e Certain Noble Plays of Japan, dos manuscritos de Ernest Fenollosa. Começa a escrever os Cantos.
1917 A primeira versão dos Cantos 1 a 111 é publicada em Nova York.
1918 Pavannes and Divisions.
1919 Quia Pauper Amavi e Homage to Sextus Propertius. Primeira versão do Canto IV. Começa a compor a ópera Le Testament, sobre textos de Villon.
1920 França (Paris), até 1924. Hugh Selwyn Mauberley. Umbra. Instigations, incluindo as traduções de 10 canções de Arnaut Daniel.
1921 Os Cantos V a VII são publicados em Dial.
1922 The Eight Canto (mais tarde, Canto II).
1923 Indiscretions ou Llne Revue des deux mondes. Os Malatesta Cantos (mais tarde, Cantos VIII, IX, X e XI).
1924 Itália. Antheil and the Treatise on Harmony. O canto XIII e o trecho de “Baldy Bacorí’ do Canto XII aparecem na Transatlantic Review, de Ford Madox Ford.
1925 Instala-se em Rapallo. A Draft of XVI Cantos of Ezra Pound for the Beginning of a Poem of some Length (Paris).
1926 Personae: The Collected Poems of Ezra Pound. Apresentação,. em Paris, de “Parolles de Villorí’, árias e fragmentos da ópera Le Testament.
1928 A Draft of the Cantos 17-27 of Ezra Pound. Selected Poems, com introdução de T.S Eliot.
1930 A Draft of XXX Cantos. Imaginary Letters.
1931 Guidg Cavalcanti: Rime. How to Read.
1932 Profile: An Anthology.
1933 Active Anthology. ABC of Economics.
1934 Eleven New Cantos: XXX XLI. ABC of Reading. Make it New.
1935 Alfred Venison’s Poems. Jefferson andlor Mussolini. Social Credit: An Impact.
1936 The Chinese Written Character as a Medium for Poetry, por Ernest Fenollosa, introdução e notas de E.P. Ta Hio, the Great Learning (tradução).
1937 The Fifth Decade of Cantos. Polite Fssays.
1938 Guide to Kulchur.
1939 Visita aos EE.UU. Doutor honoris causa pelo Hamilton College.
1940 Itália. Cantos LII-LXXI. Começa a fazer transmissões pela Rádio Roma.
1943 O Tribunal do Distrito de Colúmbia formula acusão de traição contra E.P.
1945 Entrega-se em Gênova à tropas norte-americanas (maio). Internação no Campo de Pisa (Disciplinary Training Center). 3 semanas numa gaiola de aço (“gorilla cage”). Após 6 meses de pressão, é transportado de avião aos EE.UU. para ser julgado (novembro). ‘
1946 Declarado louco e internado no Hospital de Sta. Elisabeth, em Washington, até 1958
1947 The Unwobbling Pivot and the Great Digest of Confucius.
1948 The Cantos of Ezra Pound (incluindo os Pisan Cantos).
1949 O Prêmio Bollingen é outorgado aos Cantos Pisanos.
1950 The Letters of E.P. (1907-1941). Patria Mia. Money Pamphlets.
1953 The Translations of E.P.
1954 Literary Fssays of E.P.
1955 The Classic Anthology defined by Confucius (305 odes).
1956 Section Rock-Drill: 85-95 de los Cantares. Women of Trachis, de Sófocles.
1958 Libertação de Pound. Regresso à Itália.
1959 Thrones: 96-109 de los Cantares.
1960 Impact: Essay on the ignorance and the decline of American Civilization.
1962 A revista The Paris Review publica fragmentos dos Cantos 115 e 116.
1963 Concede entrevista à revista italiana Epoca (24 de março): “Io so di non sapere nulla.”.
1965 Assiste aos funerais de Eliot em Londres (4 de fevereiro). Visita Paris, para ser homenageado pelos seus 80 anos com a edição do 1° dos dois grandes volumes consagrados a sua obra pela editora L’Herne e com o lançamento da tradução francesa dos Cantos Pisanos.
1967 Visita o túmulo de Joyce, em Zürich.
1969 Viaja para Nova York, onde lhe exibem o recém-descoberto manuscrito de The Waste Land, corrigido por ele. Late Cantos and Fragments.
1970 Primeira publicação dos Cantos 1 a 117 no volume The Cantos of Ezra Pound (New Directions, Faber & Faber).
1972 Ezra Pound morre em Veneza (1° de novembro). Sepultado no cemitério da ilha de San Michele. Á nova edição de The Cantos (New Directions) inclui um fragmento do Canto 120.

Fonte:
Ezra Pound – Poesia. Editora Universidade de Brasília – 1983.
http://pt.wikipedia.org

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Ezra Pound (Poemas Avulsos)

ENVOI (1919)

Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz

Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.

Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.
(tradução de Augusto de Campos)

E ASSIM EM NÍNIVE

“Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.

“Veja! não cabe a mim
Nem a ti objetar,
Pois o costume é antigo
E aqui em Nínive já observei
Mais de um cantor passar e ir habitar
O horto sombrio onde ninguém perturba
Seu sono ou canto.
E mais de um cantou suas canções
Com mais arte e mais alma do que eu;
E mais de um agora sobrepassa
Com seu laurel de flores
Minha beleza combalida pelas ondas,
Mas eu sou poeta e sobre minha tumba
Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a noite mate a luz
Com sua espada azul.

“Não é, Ruaana, que eu soe mais alto
Ou mais doce que os outros. É que eu
Sou um Poeta, e bebo vida
Como os homens menores bebem vinho.”

(tradução de Augusto de Campos)

SAUDAÇÃO

Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.
(tradução de Mário Faustino)

SAUDAÇÃO SEGUNDA

Fostes louvados, meus livros,
porque eu acabara de chegar do interior;
Eu estava atrasado vinte anos
e por isso encontrastes um público preparado.
Não vos renego,
Não renegueis vossa progênie.

Aqui estão eles sem rebuscados artifícios,
Aqui estão eles sem nada de arcaico.
Observai a irritação geral:

“Então é isto”, dizem eles, “o contra-senso
que esperamos dos poetas?”
“Onde está o Pitoresco?”
“Onde a vertigem da emoção?”
“Não ! O primeiro livro dele era melhor.”
“Pobre Coitado ! perdeu as ilusões.”

Ide, pequenas canções nuas e impudentes,
Ide com um pé ligeiro !
(Ou com dois pés ligeiros, se quiserdes !)
Ide e dançai despudoradamente !
Ide com travessuras impertinentes !

Cumprimentai os graves, os indigestos,
Saudai-os pondo a língua para fora.
Aqui estão vossos guisos, vossos confetti.
Ide ! rejuvenescei as coisas !
Rejuvenescei até The Spectator.
Ide com vaias e assobios !

Dançai a dança do phallus
contai anedotas de Cibele !
Falai da conduta indecorosa dos Deuses !

Levantai as saias das pudicas,
falai de seus joelhos e tornozelos.
Mas sobretudo, ide às pessoas práticas –
Dizei-lhes que não trabalhais
e que viverei eternamente.

(tradução de Mário Faustino)

TENZONE

Será que as aceitarão ?
(i.é., estas canções).
como tímida fêmea perseguida por centauros
(ou por centuriões),
Elas já vão fugindo, urrando de terror.

Ficarão comovidos pelas verossimilitudes ?
Sua estupidez é virgem, é inviolável.
Eu vos imploro, meus críticos amistosos,
Não saiais por aí procurando-me um público.

Deito-me com quem é livre em cima dos penhascos;
os recessos ocultos
Já têm ouvido o eco de meus calcanhares
na frescura da luz
e na escuridão.

(tradução de Mário Faustino)

CINO

Arre! Já celebrei mulheres em três cidades,
Mas é tudo a mesma coisa;
E cantarei ao sol.

Lábios, palavras, e lhes armamos armadilhas,
Sonhos, palavras, e são como jóias,
Estranhos bruxedos de velha divindade,
Corvos, noites, carícia:
E eis que não o são;
Já se tornaram almas de canção.

Olhos, sonhos, lábios, e a noite vai-se.
Em plena estrada, uma vez mais,
Elas não são.
Esquecidas, em suas torres, de nossa toada,
Uma vez por causa do vento, da revoada
Sonham rumo de nós e
Suspirando dizem, “Ah, se Cino,
Apaixonado Cino, o de olhos enrugados,
Alegre Cino, de riso rápido.
Cino ousado, Cino zombeteiro,
Frágil Cino, o mais forte de seu clã bandoleiro
Que bate as velhas vias sob o sol,
Se Cino do alaúde aqui voltasse!”

Uma vez, duas vezes, um ano –
E vagamente assim se exprimem:
“Cino ?” “Oh, eh, Cino Polnesi
O cantor, não é dele que se trata ?”
“Ah, sim, passou uma vez por aqui,
Sujeito atrevido, mas…
(São todos a mesma coisa, esses vagabundos)
Peste! As canções eram dele ?
Ou cantava as dos outros ?
Mas e o senhor, Meu Senhor, como vai sua cidade ?”

Mas e senhor, “Meu Senhor”, bá! por piedade!
E todos os que eu conhecia estavam fora, Meu Senhor, e tu
Eras Cino-Sem-Terra, tal como eu sou,
O Sinistro.

Já celebrei mulheres em três cidades.
Mas é tudo a mesma coisa.
E cantarei do sol.
…eh?… a maioria delas tinha olhos cinzentos,
Mas é tudo a mesma coisa, e cantarei do sol.

“Pollo Phoibeu, panela velha, tu,
Glória da égide do Zeus do dia,
Escudo d’azul aço, o céu lá em cima
Tem por chefe tua rútila alegria!

Pollo Phoibeu, ao longo do caminho,
Faze do teu riso nossa chanson;
Que teu fulgor ofusque nossa dor,
E que o choro da chuva tombe sem som!

Buscando sempre o rastro recente
Rumo aos jardins do sol…
……………………………………….
Já celebrei mulheres em três cidades
Mas é tudo a mesma coisa.

E cantarei das aves alvas
Nas águas azuis do céu,
As nuvens, o borrifo de seu mar.
(tradução de Mário Faustino)

Fonte:
http://www.culturapara.art.br/opoema/ezrapound/ezrapound.htm

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Ademir Braz (Poesias Avulsas)

Quando saem os tigres

Mal freqüento esta casa
em que os frutos apodrecem sobre a mesa.
No entanto, trouxe flores – duas,
que fizeram bem aos olhos na rua
e deram essa ilusão de ter quem recebê-las.
(Quando puder consumir-me, talvez a casa
não será imensa nem a solitude tanta
nem no espelho brotarão gerúndios).

Trouxe também n’alma a vaga sede
dos pântanos e no coração um sobressalto.

Enquanto ponho n’água as flores soturnas
penso que os astros aconselham um largo
passeio (sozinho) pelos lugares que você
gosta e penso nos lugares que gostaria
e não os acho em meio a esta enorme sedução.
Quem estará hoje nas ruas?
Os loucos e os distraídos… E eu, sairei?

Sim, sairei… Talvez eu siga existindo por uma rua
que me faça lembrar dos acenos
que chamam a aurora sem degredos
a tessitura da pedra sob o orvalho
a enegrecida substância do poema.
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Elegia de verão

Enquanto Pedro agoniza
e sangra a vida nas pedras
do chão estreito da praça
na praça tonta de luz
acácias douram o dia
aves alegres revoam
na praça tonta de luz.

Pedra entre pedras a poça
dos olhos vítreos de Pedro
reflete lotes de nuvens
no latifúndio do céu.

Enquanto Pedro agoniza
e um sol perfeito resseca
o sangue espesso nas pedras
Pedro ignora que a terra
a terra amante e mãe
com leves dedos afaga
o corpo que a desejou.

Inacabado horizonte
exangue pássaro Pedro:
seu corpo é sua sina
de pedra a mão campesina

Seu corpo é sua sina
de pedra a mão campesina.
=====================
Em carne viva

Juntam gravetos e lume,
arde a fogueira na rua.
No sete-estrelo dos céus
Canções de roda e lembranças
Giram os vitrais da infância
na viuvez das estrelas.

Sobe da ilharga do fogo
um alarido tribal.
Ora pro nobis nas velas
Outro obscuro Natal.

Fazíamos assim, no tempo
que esta noite resgata:
Adultos sobre a calçada,
boca-de-forno, crianças,
Voz do Brasil no Transglobe
de válvula e bateria.

Com a seda garça da lua,
e fios de fada e encantos,
à luz de vela tecia
dona Itália o manto
da virgem que desencanta
(fiando fibras de urtiga
na carne viva da mão)
o príncipe que a bruxa má
tornara ave infeliz.

A cada noite a vida
ganhava em luz e magia
quando Itália na porta
cercada pelos meninos
contava histórias perdidas
entre degraus da calçada:
“Era uma vez…”, e girava
a estrela azul entre as algas
e o fogo-fátuo dos astros
nos infinitos luzia.
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Celebração

Abre a geladeira quase com ternura:
entre sua mão
os soníferos
o uísque
as ternas pedras de gelo
há uma espécie de traição.
.
Lá fora o sol corrosivo
entontece as árvores.

Uma mulher sorri.
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Quermesse

Quase contraforte ergue-se o muro.

Luzem nele opalas metálicas
rubis topázios em navalha
metódicas esmeraldas
incrustradas
na gengiva de tijolos nus.

Ruas de luz trafegam sobre o muro.

Detrás do muro:
grades portas janelas (crianças
invisíveis às vezes riem).

Na rua, além do litoral,
sacis e vento inventam cabra-cega
entre saias floridas e quintais.

Fonte:
http://www.culturapara.art.br/Literatura/

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Ademir Braz (Vestígios de Duília)

Foi só enquanto saltava amarelinha sobre o calçamento irregular que ia da casa dela até à esquina, sob a rama de oitizeiros, que me apercebi: nunca mais nos veríamos. Recordo que, tonto, sentei-me no meio-fio e permaneci horas olhando a madrugada rabiscar adeuses naquela porta. Eu ainda a vi num sonho: o ônibus alcançava o extremo da rua e a amada, num gesto insano, lançava um beijo por trás dos vidros; então o sol dourava a rua cheia de pó, andava um alarido de carros no ar, sobre a banca de revista flamejava a cidade irreal. Ela foi embora, dei-me conta ao acordar. “Ela foi embora”, eu disse e mãe pôs de lado a cabeça num gesto seu e acenou assim a cabeça me fitando em silêncio, nesse mistério que as palavras não alcançam. Nenhum símbolo tem a exatidão do silêncio, eu sei, e dito assim soa trágico – eu sou trágico mas não quero ser trágico -, embora esta bebida solitária tenha hoje gosto de pólvora e eu sequer consiga passar minha saudade a limpo. Na noite seguinte vesti a roupa mais sóbria, colhi duas pequeninas flores vermelhas, deixei os cabelos por enxugar, pentear – eles que se arrumassem, se quisessem. Aquele ônibus talvez vadeasse ainda o caldo espesso da noite, longe, atônito. Sentia-me frágil, limpo e docemente triste. Levei as flores ao bar na intenção de dá-las. Em casa, quase amanhecia quando consegui colocá-las num copo d’água antes de despencar bêbado entre a cama e a mesinha de leitura.

A carta veio certa manhã pelo amigo comum e dizia dos filhos do casamento em ruínas no planalto distante. Durante dias levei-a no bolso aonde fosse, parava na rua para acariciá-la, atrás de qualquer coisa das mãos de Duília. Também escrevia, sempre, como se atirasse garrafas ao mar, certo que chegariam a lugar nenhum mas certo de livrar-me da alma que aos poucos destruía e deixava destruir. Os escritos nunca enviados guardei-os numa caixa todos esses anos, até incinerá-los ao certificar-me que o tempo me cobrira de escamas enquanto cercava em muralhas um sentimento desde sempre inútil. Acho que a mãe pressentiu quando libertei no quintal meus pássaros de criação, porque eu nada disse antes de desterrar-me.

Minha solidão tornou-se uniforme, indivisível. É certo que andei por aí, mochila às costas, muitas amantes, raros amores, vi o sol ácido do mar entre pescadores de taínha. Mas por que falar nisso, no mistério das pedras ou na semente que a mão gredosa atirou em solo infértil? Debaixo da pele o rosto da esfinge permanecia violáceo, mais seu olhar, sabor, a flor exótica do rosto. Certa feita, quantos anos depois?, entre búfalos e andorinhas sonhei com uma praia. À tona d’água o sol ensandecia, o vento uivava entre mechas de cabelo, e lá estava ela – gaivota breve e tão translúcida no ar que parecia gota de luz no azul sem fim. Diziam, quando nasci, que chorei na barriga da mãe e cresci entre visões dolorosas que as tias exorcizavam com cânticos, rezas, defumações. Pensava haver-me libertado de tudo isso, do lar não construído, da insurreição não feita. Agora, o que eu tinha? Terra sob as unhas, sonhos derruídos, histórias de pesadelos, mares e pescarias, amores contingentes exatos em si mesmos. Pássaro reencarnado, doeu-me até onde sentia, em todas as dobras do meu tempo, na carne, no sonho voando em círculos.

Atrás dos óculos olho a cidadela de cal e sol na cruz dos rios. Para lá da janela do quarto de hotel a luz devora montes de lixo no leito arruinado das ruas. Choveu parte da noite, vai o dia lavado chegando às onze e estou aqui, barbeado, em bermudas, essa bebida intragável nas mãos, um bem-te-vi trinando na mangueira do outro lado da rua. Deve ter sido este, mal desnuda a pele do primata, o sentimento de poderosa gratuidade que teve o homem ao sentir-se imerso nas coisas do mundo. Neste momento não há deuses além do sol. Só uma voz pontiaguda, rara, gimme somebody, entre guitarras plangentes. Tudo e tão perfeito! Mesmo esta secreta decisão de só estar aqui vendo enquanto posso o vento nas folhas da palmeira nos fundos do hotel; a trepadeira agarrou-se na janela e, por trás dela, os cachos de carambolas, entre laivos verdes, têm a síntese da vida. “Não estou pensando em nada/ E essa coisa central, que é coisa nenhuma/ É-me agradável como o ar da noite,/ Fresco em contraste com o Verão quente do dia”.

Enquanto caminho, o cheiro da chuva impregna o ar. Na outra margem da rua uma mulher estende roupas no varal e tudo é espantosamente singelo e real, como a menina que imita agora mesmo o cantar de galos e sua voz sobrepõe-se a um rádio, restos de palavras, o ruído da carroça puxada a burro que sacoleja sobre o chão molhado; ouço pássaros – as cambaxirras de outrora! – cantarem próximo e vejo uma revoada de pardais entre oitizeiros. Um tanto mais distraído, sou hoje contemplativo do mundo e das pessoas, observo enquanto os pés roçam o sagrado das pedras e revejo agastado os lugares lembrados em noites de angústia e perda. Não há mais qualquer vestígio do corpo de Duília, do seu cheiro de pau-dangola. Eu sou o estranho na paisagem, o estrangeiro do ontem. Não fora o que sou, poeta, seria mar: todo cheio de velas e adeuses. O bar antigo não existe mais, soterrado entre prateleiras e pares de sapatos. Sei que a amada está aqui e penso que se pudesse ocultaria a alma em sobressalto exposta às memórias que vêm do pó, enquanto o aço da arma pesa toneladas no cós da calça. Eu não quero pensar, recordar, olhar sobre o ombro para o mar que uniu-se ao precipício e soterrou pássaros e tigres. Sou o estranho na paisagem, o passageiro do ontem refletido nos vidros da sapataria. O que deve ser feito, será feito, para isso eu vim. Antes, quero apenas rever os olhos da esfinge.

Fonte:
http://www.culturapara.art.br/Literatura/

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Ademir Braz (Nas cores da vida, com Rajinheeshi)

Esta noite sairei, beberei um vinho tinto, ficarei à margem do rio sob as estrelas. Em junho as noites são frescas e doces, os bares põem cadeiras ao longo do cais e ao embalo das águas passa-se o tempo. Toca às vezes música dos anos sessenta e ouço a brisa em minha pele ressequida por antigos verões. Na outra margem, a praia é um corpo de mulher esparramado ao luar.

A praia!… Do alto da montanha que abriga a igreja de Nossa Senhora da Penha, meu coração incontrolável arremessou-se aos ventos e espatifou-se para sempre nas areias da capixaba Vila Velha. (De Alagoas, não falo. Sob o céu alagoano respira uma pequena sereia de olhos claros e ferro nos dentes que faz programas com marujos e bucaneiros enquanto sonha com um cavaleiro encantado que virá, entre fadas, arrebatá-la num corcel alado).

A luz do verão, para mim, animal notívago, recorda crises de sinusite. Doem-me a fronte e as têmporas, dói o respirar, é difícil conciliar com o sol a ternura da cerveja repousada entre espumas. Um dia, um amigo ensinou-me um remédio caseiro: eu deveria, disse ele, cortar em 4 partes uma buchinha, depois em outras 4 porções e, por fim, colocar uma dessas divisões mínimas de molho durante um dia em 20 mililitros de água destilada. Segui à risca o conselho. Depois bebi, envenenei-me, morri. Não era de beber: era pra botar uma gota duas vezes por dia no nariz.

Todas as praias são bonitas, suponho. Do Nordeste conheço poucas – uma ou duas de Fortaleza, uma de São Luiz – e algumas, no Pará, que sequer constam dos mapas turísticos. Ilha de Romana é uma dessas, até onde sei. Para alcançá-la, tive de adular quase uma semana os pescadores artesanais que partem da corrutela chamada “Abade”, entre as espantosas ruínas de Curuçá, e que me largaram em pleno mar, distante da praia, a pretexto de que era raso e não havia porto nem como o barco chegar mais perto da terra firme.

Caminhei mais de um quilômetro no mar, com a água pela cintura, mochila às costas, a companheira travada de pavor. Então o paraíso desabou diante dos meus olhos: uma prancha de areias finas como sal, igualmente brancas, 16 pessoas vivendo entre “currais de peixe”, muito sol e uma solidão luminosa sob a qual se passa e repassa o sentido da vida e de repente nada existe além da cumplicidade eleita entre o olhar e a presença áspera do mar.

Recordo que fiquei um mês longe de rádios, tevês, jornais, vendo a luz dar ao mar nuanças do verde-safira ao róseo-açafrão, cores que tive de nomear assim mesmo para melhor retê-las no fundo dos olhos e do coração. Lembro de um único livro que andava comigo, então, entre pães ressequidos, aguardente, charque, açúcar e saquinhos de café: uma coletânea dos ensinos de Rajnheeshi sobre o amor sem fronteiras e sem normas e da necessidade de perceber-se que viver é o ato que se renova permanentemente, a cada instante.

Fonte:
http://www.culturapara.art.br/Literatura/

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Yasunari Kawabata (1899 – 1972)

Yasunari Kawabata (Osaka, Honshu, 14 de Junho de 1899 – Zuschi, 16 de Abril de 1972), escritor japonês, foi o primeiro japonês a ser laureado com o Prémio Nobel da Literatura, em 1968.

Infância

Enquanto criança, Kawabata desejava tornar-se pintor, mas optou por se tornar escritor após publicar alguns contos durante o tempo em que frequentava o liceu.

Ainda jovem foi marcado por acontecimentos trágicos e pela solidão, ficando órfão com três anos, passando então a ser criado pelos avós, no campo. Perdeu a avó com apenas sete anos, a única irmã com nove anos e o avô com catorze.

Juventude

Estudava Literatura na Universidade Imperial de Tóquio quando formou, juntamente com Yokimitsu Riichi, um jornal de letras – Bungei Jidai – que ajudava a promover um novo movimento literário (Shinkankakuha) que, segundo Kawabata e Yokomitsu, tinha como principais preocupações a apresentação de “novas sensações” na literatura, considerando a arte pura como missão primordial do escritor. Nessa revista publicou, em 1926, “Izu no Odoriko” (“A Dançarina de Izu”), uma história que explorava o erotismo do amor juvenil, com imagens líricas inspiradas em escrituras budistas e poetas medievais japoneses.

Idade adulta

O seu primeiro romance foi Yukiguni (“Terra de Neve” em Portugal e “O país das neves ” no Brasil), começado em 1934 e publicado gradualmente de 1935 a 1937. Relata a história de amor entre um homem diletante da cidade de Tóquio e uma gueixa de uma povoação remota onde este encontra um refúgio do stress da sua vida citadina. Este romance colocou Kawabata imediatamente na posição de um dos escritores japoneses mais importantes e promissores, tornando-se o romance num clássico instantâneo que é, hoje, considerado uma das suas mais importantes obras-primas.

Iniciou em 1949 a série “Mil Garças”, em que consta o célebre “Nuvens de Pássaros Brancos”, e “O Som da Montanha”.

Após o final da Segunda Guerra Mundial Kawabata continuou a publicar romances como Senbazuru, Yama no Oto, “A Casa das Belas Adormecidas”, Utsukushisa to Kanashimi to e Koto (“Kyoto” em Portugal). No entanto o romance que Kawabata considerava ser o seu melhor foi Meijin, publicado entre 1951 e 1954.

Kawabata foi ainda membro da Academia Imperial e presidente do Pen Club do Japão, atuando em várias reuniões internacionais de escritores.

Suicidou-se em meio a um surto depressivo, em Zushi, perto de Yokohama.

Estilo

O estilo de escrita de Yasunari Kawabata distingue-se por uma linguagem suave, mais abstracta que descritiva, onde predomina a subjectividade em relação à objectividade, aproximando-se muitas vezes da prosa poética.

Por seu tratamento de atmosferas e cores, ficou conhecido como alguém que “pintava as palavras” de branco irradiante, praticamente sem outras cores, como se vê em “O País das Neves” e em “Nuvens de Pássaros Brancos”.

A solidão, a angústia da morte e a atração pela psicologia feminina foram seus temas constantes.

Títulos mais importantes
A Dançarina de Izu (Izu no Odoriko 1926)
Terra de Neve (Yukiguni, 1935-1937, 1947)
The Master of Go (Meijin, 1951-4)
Thousand Cranes ( Senbazuru, 1949-52)
O som da montanha ( Yama no Oto, 1949-54)
O lago (() Mizuumi, 1954)
A Casa das Belas Adormecidas ( Nemureru Bijo, 1961)
Kyoto (Koto, 1962)
Contos da palma da mão (Palm-of-the-Hand Stories)
Beauty and Sadness (Utsukushisa to Kanashimi to, 1964)

Lançamento de Livros no Brasil

Segundo o diretor editorial da Estação Liberdade, Angel Bojadsen, nos títulos Kyoto ou A Velha Capital e Mil Tsurus, o primeiro sobre o processo de ocidentalização do Japão e o último sobre antigas tradições japonesas, entre elas a cerimônia do chá. Kawabata, um conservador, como seu amigo Mishima, era um poço de contradições. Ao receber o Nobel, em 1968, condenou com veemência o suicídio, mas se matou (como Mishima) quatro anos depois, por não suportar a doença que o levou à depressão.

Melancólico, Kawabata identificava-se com Mishima em muitos aspectos. Nenhum dos dois teve uma infância feliz. Enquanto o primeiro, criado pela avó, reprimiu sua homossexualidade e formou um exército particular para defender o imperador e os valores tradicionais do Japão, Kawabata, órfão aos três anos, jamais conseguiu se recuperar do sentimento de perda provocado pelas sucessivas mortes em família. Fatos inspirados em sua vida aparecem camuflados em grande parte de seus livros, a exemplo dos relatos autobiográficos de García Márquez — e Memoria de Mis Putas Tristes não é exatamente uma exceção.

Se Márquez faz do bordel uma confessionário, Kawabata o transforma num templo, como em A Casa das Belas Adormecidas. No prefácio que Mishima escreveu para o livro (não incluído na edição brasileira), o escritor o define como uma perturbadora reflexão sobre “o terror da luxúria no prelúdio da morte”. De fato, Kawabata escreve sobre a impossível relação amorosa entre um ancião e as jovens de um estranho bordel. Nele, as garotas não podem ser violadas, apenas contempladas. Dormir ao lado dessas criaturas dopadas (as meninas dormem sob efeito de narcóticos) é a única compensação para a senilidade de Eguchi, em busca do tempo e dos prazeres perdidos da juventude.

O livro começa com a dona da “hospedaria” recomendando a Eguchi que não enfie o dedo na boca da menina adormecida ou faça qualquer outro gesto obsceno. Kawabata constrói uma narrativa circular. Dá voltas e termina na fronteira entre o profundo sono da garota e uma morte. O que era uma possibilidade de amor (a vida, a juventude) se desfaz com a proximidade do fim. Kawabata costumava definir essa identificação entre paixão senil e morte como a tragédia inconsolável de um amnésico tentando conjurar fantasmas do passado.

Um parente literário de Kawabata no Ocidente bem poderia ser o austríaco Arthur Schnitzler, que, em Breve Romance de Sonho contrapõe igualmente o impulso erótico à morte, jogando seu protagonista numa situação limite, como Kawabata no epílogo de A Casa das Belas Adormecidas.

O País da Neves (tradução de Neide Hissae Nagae, 160 págs., R$ 29) acentua ainda mais essa proximidade com Schnitzler. Nele, a relação entre o rico Shimamura, a gueixa Komako e a jovem Yoko é mais lírica, mas não menos trágica. Kawabata começou a escrever o livro em 1937, mas só o concluiu dez anos depois. A fantasmagoria do protagonista do romance de Schnitzler (que deu origem ao filme De Olhos Bem Fechados, o último de Kubrirck) é um tanto semelhante ao delírio do esteta Shimamura de O País da Neves, que vê o objeto de seu desejo como uma projeção, um reflexo no espelho, como a gueixa Yoko. Daí para o cinema foi um pulo. O livro foi filmado por Shiro Toyoda em 1957.

Em Kawabata, os personagens masculinos são quase sempre eclipsados pela presença da mulher. Shimamura, o esteta, é bem menos real aos olhos do leitor que a aprendiz de gueixa, que vê esporadicamente em suas incursões pelo mundo bucólico das montanhas, fugindo de um casamento frustrado e de uma Tóquio já descaracterizada. Shimamura é incapaz de ter uma relação real com as mulheres. Nele, tudo é idealizado (como o protagonista da novela de Schnitzler).

Já as mulheres de Kawabata são tão concretas que até mesmo a gueixa Komako — ele admitia — foi inspirada num modelo real, mas o escritor, como de costume, deixa bastante espaço para a imaginação do leitor. Kawabata, nascido numa família próspera e culta de Osaka, começou a estudar literatura aos 21 anos e publicou sua primeira novela cinco anos depois. Quase sempre tratou da incapacidade do homem de amar, mesmo desejando as mulheres. Paradoxo incontornável.

Fontes:
GONÇALVES FILHO, Antônio. O Estado de São Paulo. 29 de novembro de 2004
http://www.estacaoliberdade.com.br/
http://pt.wikipedia.org/

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Livros de Yasunari Kawabata

A DANÇARINA DE IZU

A dançarina de Izu, lançado originalmente em 1926, é uma novela baseada em anotações autobiográficas e tem como temas o amor impossível, a solidão e a sexualidade velada, recorrentes na extensa e brilhante obra de Yasunari Kawabata.

Neste livro, primeira obra de destaque do autor, um jovem de dezenove anos, da elite japonesa, viaja até a península de Izu, região que fica a oeste da capital Tóquio, e lá trava contato com artistas viajantes, com quem faz amizade, e se encanta com uma artista da trupe: a pequena dançarina Kaoru, de treze anos.

A viagem tem início nas termas de Shuzenji, seguindo depois para as de Yugashima. Cruzando as cidades de Oginori e Nashimoto, o estudante chega a uma hospedaria em Yugano. Em companhia dos saltimbancos, na melhor tradição nômade japonesa, segue ao longo do rio Kawazu. Passam a noite na hospedaria Koshuya e finalmente chegam até Shimoda.

Em cada ponto percorrido uma modulação diferente, percepções, por parte do jovem estudante, de coisas que tornam a vida maior e mais intensa. Kawabata queria ser pintor e talvez por isso seus cenários sejam meticulosamente descritos e possuam cores inesquecíveis. Como um pintor, cria o fundo e insere nele os personagens que darão intensidade ao conjunto.

As personagens femininas, sempre melhor compostas que os masculinos, representam papel importante na obra de Kawabata, talvez como antídoto para uma solidão perene que o acompanhou durante toda a vida — o autor teve a trajetória costurada por mortes seguidas e precoces, o que marcou profundamente sua infância. Em A dançarina de Izu a situação não é diferente, pois se trata de um amor platônico, consumado nas profundezas do coração lírico do protagonista.

Nesta novela, a viagem do estudante, a sexualidade guardada e sua solidão são marcas que se sobressaem. A figura do outro (como a do personagem Eikichi, com quem o jovem troca experiências) é de extrema importância. Em muitas passagens do livro, o protagonista se emociona com situações alheias, e estas são necessárias para a apreensão do mundo que o cerca.
A dançarina de Izu é um livro muito lido até hoje no Japão. Teve várias versões cinematográficas, sendo a primeira de 1933, sob a direção de Heinosuke Gosho. Ganha sua versão brasileira traduzida do japonês por Carlos Hiroshi Usirono. Este volume também traz um competente estudo feito pela professora Meiko Shimon, especialista na obra de Kawabata, que traça um panorama crítico da trajetória do autor, tocando em pontos centrais de sua vida e escrita, além de se debruçar sobre algumas de suas importantes obras, como Kyoto ou Contos da palma da mão.

Trechos

“Ele apontou em direção ao banho público, no outro lado do rio. Sete ou oito figuras surgiram vagamente em meio ao vapor. Pude ver então o vulto de uma mulher nua sair correndo da sala de banhos mal iluminada. Em frente ao vestiário, postou-se na ponta dos pés, parecendo que iria pular no rio. Com as mãos e braços bem esticados, parecia dizer algo. Não trajava sequer uma toalha. Era ela, a pequena dançarina. Observando suas pernas, que eram como tenros caules, e seu corpo alvo e bem torneado, senti meu coração mergulhar em êxtase. Por final, soltei um profundo suspiro e sorri maliciosamente.” (p. 25-26)

“Era uma criança. Uma criança que ao nos descobrir em sua alegria, exibia seu corpo aos raios do sol, equilibrando-se e esticando-se completamente. Tomado por um caloroso prazer, continuei a sorrir, e minha mente purificou-se inteiramente.” (p. 26)

“Suas lindas e intensas pupilas negras encerradas em seus grandes olhos eram de rara beleza. Suas sobrancelhas também eram belas. Lembrava uma flor sorrindo. Exatamente: uma flor sorrindo era a melhor definição.” (p. 37)

“Ao me aproximar do píer, meu coração deu um sobressalto ao ver a pequena dançarina agachada perto da borda. Enquanto me aproximava, ela olhava o mar fixamente. Em silêncio, permitiu minha aproximação. A maquiagem era a mesma da noite anterior, deixando-me mais emocionado. O carmim que contornava seus olhos revelava uma certa ira, um ar de valentia infantil.” (p. 54)
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O PAÍS DAS NEVES

Obra máxima de Kawabata, O País das Neves é considerada um marco da literatura intimista e neo-sensorialista que deu destaque mundial ao Prêmio Nobel de 1968

A primeira versão desta obra foi publicada originalmente em 1937, mas foi apenas dez anos depois, já influenciado pelos acontecimentos da Segunda Guerra, que o escritor japonês terminou a versão final deste romance sobre o amor espontâneo e sem nenhuma esperança de retribuição.

Neste livro, de grande repercussão no Japão e no exterior (inclusive com adaptações para o cinema), Kawabata expõe a densidade e as contradições das relações humanas por meio do encontro entre Shimamura, um culto senhor de posses, Komako, uma gueixa das montanhas, e Yoko, uma bela jovem provinciana, trazendo ao leitor um texto comovente e lírico ao extremo.

Em vez de provocantes paixões, o desperdício do amor e o sacrifício pessoal dos personagens conduzem-nos a uma atmosfera gélida, com pinceladas de forte afetividade, em que o branco da neve e o frio penetrante contribuem para dar o tom melancólico da narrativa. Não à toa: a estação termal de Yusawa, que o escritor visitou pela primeira vez em 1934, serviu de inspiração para a criação do cenário onde a história se passa.

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Em mais um hino dedicado à beleza e à alma femininas, Yasunari Kawabata literalmente nos transporta para uma região mágica do Japão, o País das Neves, onde ruídos, sentimentos, embates amorosos assumem contornos irreais abafados por densas camadas brancas, cenário ideal para os paralelos que tanto aprazem o Prêmio Nobel de 1968, ao cotejar a pele de suas onipresentes jovens com a tradicional cerâmica japonesa, igualmente perfeitas ao toque.

Shimamura, escritor ora refinado ora diletante, sobre o qual pouco sabemos — qualquer desprezo de Kawabata por seus personagens masculinos não será mero acaso —, deixa para trás casa e família e parte com o rigor de uma missão a cumprir rumo ao reencontro com seus anos jovens (“no final das contas, só esse dedo guardava a memória crua da mulher com a qual estava indo se encontrar”).

Entre casas termais, gueixas aprendizes e paisagens gélidas, revela-se uma insistente busca do eu em um correr do tempo estancado desde que o protagonista desceu do trem após longo trecho de narrativa antológica retomando, via reflexos em janelas, o constante tema do espelhamento na obra de Kawabata. E logo de início, ainda no longo túnel levando de Tóquio ao famoso País das Neves, travessia simbólica que conduz de um Japão do Pacífico ao mundo mais irrequieto do Mar da China, o autor nos leva a um magistral mergulho nos mistérios do relacionamento humano. No caso, um velado triângulo amoroso cujos contornos parecem jamais fechar, mas que inevitavelmente alcançarão um fogoso ponto de ruptura.

O País das Neves pode — e deve — ser visto como ponto crucial na obra de Kawabata, e não é por acaso que Shuichi Kato, o papa japonês da história da literatura, escreve que esta é “claramente a obra-prima de Kawabata” — não por outro motivo que pela construção e caracterização dos personagens. Ao contrário do que ocorre no mundo de Kawabata em geral, no qual os personagens femininos são inteiramente inventados, a gueixa Komako existiu na vida real — e mesmo para um autor deste calibre, alguma diferença parece ter havido.

Trechos

“Como o interior do trem não era muito claro, aquele espelho não era tão nítido quanto deveria ser. Ele não refletia bem as imagens. Por isso, enquanto Shimamura olhava compenetrado, foi se esquecendo da existência do espelho e começou a pensar que a moça flutuava na paisagem do entardecer.

Foi nesse momento que os raios de sol, já tênues, iluminaram o rosto dela. O reflexo do espelho não era suficiente para apagar a claridade de fora, nem esta, forte o bastante para ofuscar a imagem refletida no espelho. A claridade passava como um relâmpago pelo seu rosto, mas não era suficiente para iluminá-lo. A luz era fria e distante. No momento em que o contorno de sua pequena pupila foi se iluminando, como se os olhos da moça e a luz se sobrepusessem, seus olhos se tornaram um vaga-lume misterioso e belo que pairava entre as ondas da penumbra do cair da tarde.” (p. 15)

“… sob a sombra de um beiral, cinco ou seis gueixas conversavam em pé. Shimamura pensou que Komako — nome artístico que ficara conhecendo graças à empregada da hospedaria naquela manhã — poderia estar por ali; de fato, parecendo perceber que ele se aproximava, seu semblante sério a distinguia das outras. Sem que houvesse tempo para Shimamura pensar que ela ficaria ruborizada, desejando que um vento desinteressado a refrescasse, o rosto de Komako já estava vermelho até o pescoço. Já que era assim, ela deveria ter ficado de costas, mas desviando o olhar, visivelmente incomodada, movia aos poucos o rosto na direção em que ele andava.” (p. 48)

“No entanto, ao pensar que Yoko estava naquela hospedaria, Shimamura, sem saber por que, sentiu receio de chamar Komako. Embora o amor de Komako fosse destinado a ele, sentia um vazio como se isso fosse mais um belo esforço em vão. Ao mesmo tempo, também sentia a vida que Komako tentava viver roçar nele tal qual uma pele nua. Compadecendo-se dela, também se compadeceu de si mesmo. Julgou que Yoko era possuidora de um olhar semelhante a uma luz que pungia tal situação, e, por algum motivo, se sentiu atraído por ela também.” (p. 114)

O livro teve duas adaptações para o cinema, em 1957 e 1965, ambas chamadas Yukiguni.
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MIL TSURUS

Tradicional cerimônia do chá serve de cenário para autor expor a complexidade das relações humanas

Publicado originalmente em capítulos por revistas japonesas, este romance foi escrito entre os anos 1949 e 1951, período de reconstrução de um Japão devastado pela Segunda Guerra. Nesse contexto em que a sociedade japonesa se reestruturava e também se defrontava com valores culturais vindos do Ocidente, Kawabata resgata valores tradicionais de seu país, fazendo da cerimônia do chá o pano de fundo para a história de Mil tsurus.

Kikuji Mitani é um jovem que, durante uma cerimônia do chá, reencontra duas antigas amantes de seu falecido pai, Chikako Kurimoto e a viúva Ota, e de repente se vê profundamente envolvido com elas. Enquanto Chikako tenta arranjar um casamento para Kikuji, este inicia um inesperado romance com a senhora Ota, que por sua vez tem uma filha chamada Fumiko, de quem Kikuji também irá se aproximar. Mas há ainda Yukiko, a delicada jovem pretendente a se casar com Kikuji, personagem que representa serenidade num ambiente repleto de ressentimentos e intrigas. Não é por acaso que a moça é descrita usando um lenço de seda ilustrado com tsurus, ave que simboliza nobreza e felicidade na tradição japonesa.

Nessa história em que o passado, através da figura do pai do protagonista, desperta sentimentos em conflito, Kawabata demonstra, mais uma vez, seu profundo conhecimento da antiga cultura de seu país e enaltece a importância da arte oriental, representada nas cerâmicas seculares do ritual do chá. Ao mesmo tempo em que discorre sobre a permanência da arte no decorrer dos séculos, sobrevivendo a gerações, o autor nos mostra o lado efêmero da vida e das relações humanas.

No Brasil, a obra foi publicada pela primeira vez no início dos anos 70, sob o título Nuvens de pássaros brancos (Ed. Nova Fronteira), emprestando-se o título da edição francesa (Nuée d’oiseaux blancs). Preferimos nos reportar ao título original japonês, Senbazuru correspondendo a Mil tsurus.

Trechos

“Da janela do trem, avistava uma larga avenida com altas árvores que despontava logo após a estação Yurakucho e se estendia até a estação de Tóquio, cruzando de leste a oeste a linha do trem. Naquele momento, o asfalto refletia o pôr-do-sol tal qual um cinturão de metal radiante. Contudo, as árvores estavam à contraluz e apenas insinuavam-se suas silhuetas. As sombras pareciam frescas. Os galhos se expandiam para todos os lados, cobertos de folhas. Em ambas as calçadas, havia sólidas mansões de estilo ocidental. Estranhamente, poucas pessoas passavam por ali. Não havia viva alma até bem próximo do fosso do Palácio Imperial. Nem carros havia no asfalto que refletia a luminosidade. Observando de dentro daquele trem lotado, o lugar parecia estar suspenso no entardecer de algum mundo além da imaginação. Havia uma atmosfera estrangeira em tudo.” (p. 63)

“O verniz arranhado daquele vaso antigo deixava semi-aparente a assinatura da peça, ‘Soutan’, que também estava presente na caixa onde ele era guardado. Caso fosse autêntica, a cabaça teria cerca de trezentos anos. Kikuji não conhecia as flores usadas na cerimônia do chá, tampouco sua criada o sabia. Apesar disso, aquela bela-da-manhã parecia ideal a uma cerimônia das primeiras horas do dia. Ficou a observar o arranjo por algum tempo. Que fascinante era ver aquele ramo de vida tão efêmera dentro de uma cabaça tão antiga! Aquela singela flor combinaria melhor com o mizusashi de Shino que o ramalhete de estilo ocidental que comprara? Quanto tempo poderia durar num vaso uma bela-da-manhã? Kikuji sentiu certa inquietude ao pensar na sua fugacidade.” (p. 112)

“A peça era exatamente como Fumiko havia descrito ao telefone naquela manhã. Seu esmalte branco apresentava um leve toque avermelhado. Observando-o por algum tempo, parecia que aquela tonalidade rubra emergia de dentro do branco. Toda a borda era ligeiramente amarronzada, havendo apenas uma faixa mais escura. Seria ali onde a boca tocava? A bebida bem podia ter-lhe tingido a borda, ou então, seriam os lábios de alguém que a maculara. Aquela suave mancha marrom, à medida que era olhada, começava a parecer rosa. Seria mesmo a marca de batom da viúva impregnada na cerâmica, como Fumiko lhe contara? Kikuji também reparou numa coloração marrom-avermelhada nas trincas naturais da cerâmica. Era um tom parecido com o de um batom desbotado, uma rosa vermelha murcha… Mas quando o associou a uma mancha seca de sangue, sentiu-se enjoado. Tinha a sensação de um embrulho no estômago mesclado a uma certa sedução que o fascinava.” (p. 128-9)

“Ele só havia visto Yukiko duas vezes. A primeira, na cerimônia do chá no templo Engakuji, quando Chikako levara a jovem a fazer uma demonstração, com a função de exibi-la a ele. Durante o preparo do chá, seus gestos eram simples e elegantes. Kikuji ainda trazia fresca na memória a imagem dos ombros e das mangas do quimono de Yukiko, bem como de seus cabelos, iluminados sob a divisória de papel-arroz por onde se projetavam suavemente as sombras das árvores próximas. Só não conseguia recordar-se muito bem de suas feições. Já o fukusa vermelho e o lenço de tsurus brancos que a jovem levava quando se dirigia à sala de chá eram-lhe vivas lembranças.” (p. 144)
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A CASA DAS BELAS ADORMECIDAS

Obra serviu de inspiração para o recém-lançado e aclamado Memória de mis putas tristes, de Gabriel García Márquez

Imbuída de um erotismo inusitado, esta obra, escrita em 1961, demonstra a maturidade estilística do autor, que se utiliza de sua virtuose descritiva para contar a história de Eguchi, um senhor de 67 anos que freqüenta a “casa das belas adormecidas”, uma espécie de bordel onde moças encontram-se em sono profundo, sob efeito de narcóticos. Apesar da idade avançada, o protagonista parte em busca dos prazeres perdidos e se depara com moças virgens, que os visitantes podem tocar, mas são proibidos de corromper. Daí derivam passagens antológicas de rememorações pessoais e fantasia.

Kawabata procura desvendar o enigmático universo do corpo feminino em um culto ao belo e ao inalcançável, investigando as dores da solidão a partir da sutileza de um erotismo expressivo, constantemente atravessado por passagens de fina ironia e perturbadora consciência da passagem do tempo, do vazio existencial que permeia as relações humanas.

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É objeto de consenso na crítica literária mundial que Yasunari Kawabata descreveu com meticulosa concisão as profundezas da alma feminina e revelou o corpo da mulher em seu mais sutil esplendor. Dono de uma capacidade de observação única, nenhum detalhe, nenhuma verdade escapam de seu olhar incomum. Em A casa das belas adormecidas, Kawabata dedicou-se obsessivamente a esta marca de sua literatura. Imbuído do matsugo no me, que talvez pudéssemos traduzir por “o olhar derradeiro”, Kawabata nos dá a impressão de pintar em cores vivas as últimas imagens de quem vai partir deste mundo.

A sexualidade na idade madura aflora nua e crua num cenário composto para o deleite de quem não mais pode procurá-lo por conta própria. Contrapartida mais fantasiosa e ao mesmo tempo mais radical, apresenta um inegável parentesco com Diário de um velho louco, de Jun’ichiro Tanizaki, outro grande mestre da literatura japonesa moderna. Se este último trata da sensualidade a priori contida que acomete um idoso no cotidiano, Kawabata nos leva aqui em singela exploração sensorial do corpo feminino oferecido em estado de torpor controlado. Os meandros da sexualidade — assim como a inexistência dela — em situações limite, da repressão do desejo e do autocontrole exacerbado compõem um jogo perverso que assume todo seu significado quando o protagonista tem de lidar com a noção de virgindade em seu sentido mais amplo. Temos aqui um indício de até que ponto Kawabata, sempre fiel a si mesmo, foi deliberadamente aos alicerces das estruturas mentais. Yukio Mishima, que louvava Kawabata, escreveu de forma reveladora em seu prefácio à edição norte-americana desta obra: “E será que a impossibilidade de obtenção não coloca definitivamente o erotismo e a morte no mesmo nível? E se nós romancistas não estamos do lado da ‘vida’ (se estamos confinados a uma abstração de certo tipo de neutralidade perpétua), então ‘a radiação da vida’ somente pode aparecer onde morte e erotismo caminham juntos.”

Trechos

“Uma mulher mergulhada no sono, que não fala nada, que não ouve nada: não seria, por outro lado, o mesmo que falar tudo, escutar tudo de um velho que já não tem virilidade para fazer companhia a uma mulher? Para Eguchi, entretanto, essa era sua primeira experiência com uma mulher desse tipo. A garota, por certo, já devia ter experiência de deitar-se com velhos como ele. Entregava-se totalmente e ignorava tudo, mergulhada no sono letárgico tal como uma morte aparente, deitada com um rosto quase infantil e respirando com tranqüilidade.” (p. 22)

“A decrepitude hedionda dos pobres velhotes que procuravam aquela casa ameaçava atingi-lo dentro de alguns anos. Quanto da imensurável amplitude do sexo, da insondável profundidade do sexo ele teria tocado na sua vida de 67 anos? Além disso, em volta dos velhotes nasciam incontáveis peles renovadas de mulheres, peles jovens, de garotas bonitas. Os desejos de sonhos impossíveis, o lamento pelos dias que lhes escaparam e que estavam perdidos para sempre não estariam impregnando os pecados daquela casa secreta? Eguchi já havia pensado que as garotas adormecidas o tempo todo seriam uma eterna liberdade para os velhotes. As garotas adormecidas e mudas certamente lhes falavam tudo que eles gostariam de ouvir.” (p. 43)

“Eguchi afrouxou o braço que apertava a garota com força, abraçou-a com carinho e ajeitou seus braços nus de modo que ela o enlaçasse. E ela o abraçou docilmente. O velho manteve-se nessa posição e permaneceu quieto. Fechou os olhos. Aquecido, sentia-se num deleite. Era quase um êxtase inconsciente. Parecia compreender o bem-estar e a felicidade sentidos pelos velhotes que freqüentavam a casa. Ali eles não sentiriam apenas o pesar da velhice, sua fealdade e miséria, mas estariam se sentindo repletos de dádiva da vida jovem. Para um homem no extremo limite da sua velhice, não haveria um momento em que pudesse se esquecer por completo de si mesmo, a não ser quando envolvido por inteiro pelo corpo da jovem mulher.” (p. 53-4)

“Quando se deitavam em contato com a nudez da jovem mulher, os sentimentos que ressurgiam do fundo do seus âmagos talvez não fossem apenas o medo da morte que se aproximava ou o lamento pela juventude perdida. Talvez houvesse neles também certo arrependimento pelos pecados cometidos, ou pela infelicidade no lar, coisa muito comum nas famílias dos vencedores. Decerto os velhotes não possuíam seu Buda, diante do qual pudessem ajoelhar-se e orar. Por mais que abraçassem fortemente a bela desnuda, derramassem lágrimas frias, se desmanchassem em choro convulsivo ou berrassem, a garota nada ficaria sabendo e jamais acordaria.” (p. 80)
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CONTOS DA PALMA DA MÃO

Produção que acompanhou praticamente toda a vida do autor — o mais antigo data de 1923 e o mais recente, de 1964 —, esses brevíssimos contos, gênero literário dileto de Kawabata, foram reunidos pela primeira vez em 1971. Eram, então, 111, de acordo com a seleção acompanhada pelo próprio escritor, que, na época, declarou: “A maioria dos escritores, quando jovens, escreve poemas, enquanto eu escrevia ‘contos da palma da mão’”. Dez anos mais tarde, numa edição já póstuma, e que se tornaria corrente, acrescentaram-se outros onze. É essa, da editora Shinchosha, a referência para a edição lançada agora no Brasil. Quantos são, de fato, os “contos da palma da mão”, é difícil saber ao certo: há pesquisadores que afirmam existirem 175; outros falam em 146.
Em cada uma das narrativas chama a atenção, em primeiro lugar, o poder de concisão. Ao tratar de uma rica variedade de temas — na qual, aqui e ali, identificam-se recorrências que voltaremos a encontrar também nos romances do autor —, Kawabata sabe escolher o essencial, a palavra precisa, e descartar tudo o que não é absolutamente necessário. As imagens são fortes, a escrita é sinestésica e não há lugar para sentimentalismo, divagações e explicações. Muitas vezes encerra-se a leitura de um conto — que contém, numa média de duas a quatro páginas, tamanho que “cabe na palma da mão”, todo um universo dramático — sem a noção exata de seu significado. Paira no ar uma impressão, algo que, a um só tempo, é capaz de impregnar a imaginação do leitor e ficar além do seu entendimento. E então, em algum momento posterior, essa sensação difusa pode vir a se transformar em revelação plena de sentido.

A morte, o amor, a infância, a cegueira, a sensualidade, os laços de família, os sonhos, as expectativas são alguns dos temas que perpassam os contos, e que muitas vezes nascem da observação do que há de mais cotidiano — e, nesse sentido, invisível — na existência. “[…] entre eles há algumas peças não muito razoavelmente fabricadas, mas há algumas boas, que jorraram de minha pluma naturalmente, de seu próprio aval. […] Vive neles o espírito poético de meus dias jovens”, disse o autor certa vez.

Trechos

“E, por fim, quando chegar o dia em que seu coração nublado e ferido fizer com que veja um gafanhoto como um autêntico suzumushi, ou se vier a sentir que o mundo está repleto de gafanhotos, então, nesses momentos, sentirei pena de você por não possuir meios de recordar esta noite; a brincadeira das luzes verdes de sua bela lanterna que desenhavam seu nome no peito daquela menina.” (p. 43)

“Atraído pelo olhar da moça, o homem também me olhou. Esboçou um sorriso safado, por um instante, e logo voltou à expressão séria de antes. No mesmo instante, fiquei sem graça. Então, a moça também corou um pouco e, como se ajeitasse os cabelos, levantou a mão esquerda para seu momoware. Seu rosto ficou oculto atrás da manga do braço erguido. Tudo isso aconteceu num instante, que se seguiu depois que ela tentou arrebatar a vara da mão do homem pela segunda vez. Sentindo ligeira revolta por aquele quê de maldade lançado pelo vendedor de óculos, e com um pouco de remorso por ter espiado os segredos dos outros, retomei a minha caminhada.” (p. 189-90)

“Quando vira o garoto passar na frente da lojinha, ela saíra voando, sem ter tempo de ajeitar o cabelo. Como se acabasse de tirar a touca de banho de mar, seus cabelos estavam em desalinho, deixando-a ansiosa. No entanto, na frente dele, ela era uma menina inibida que não conseguia arriscar um gesto para ajeitar os fios rebeldes de seus cabelos. O garoto, por sua vez, temia que pudesse ofendê-la se lhe pedisse para ajeitá-los.” (p. 334)

“Ela, que vivera sempre perseguindo amores intensos, mesmo agora que estava enferma, não conseguia conciliar o sono sossegado sem sentir, no seu pescoço ou no peito, o braço de um homem. Entretanto, quando seu estado se agravou, ela implorava:
— Segure meus pés! Não posso suportá-los tão tristes.
[…]
No entanto, inesperadamente, as mãos dele tremeram. Sentiu a sensualidade da mulher vinda dos pequenos pés. Aqueles pequenos e frios pés nas palmas de suas mãos suscitaram nele o mesmo prazer de tocar nos pés quentes e úmidos dela. Envergonhou-se das próprias sensações que pareciam profanar os momentos sagrados da morte da namorada. Mas aquele pedido para ele segurar os pés dela não teria sido seu último recurso da arte do amor? Ao pensar nisso, ficou aterrorizado ante a exacerbada feminilidade daquela mulher.” (p. 348-9)
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KYOTO

Obra que deu reconhecimento internacional ao escritor japonês e foi uma das três citadas pela comissão quando este recebeu o Nobel em 1968

Rico em descrições da cidade que foi a capital do Japão por cerca de mil anos (794-1868), Kyoto, de 1962, foi uma das últimas obras finalizadas pelo autor antes de sua morte dez anos mais tarde. Ambientado no período pós-guerra, o livro narra a trajetória de Chieko, filha adotiva de Takichiro, um comerciante de quimonos, e de sua esposa, Shige.

Chieko é uma jovem que trabalha na loja da família e a vê em processo de falência, assim como vários outros pontos comerciais da antiga capital japonesa, em razão de mudanças nos valores culturais, agora fortemente influenciados pelo Ocidente. Durante um passeio pela aldeia de Kitayama, região montanhosa na periferia de Kyoto onde são cultivados cedros, Chieko acidentalmente conhece sua irmã gêmea, Naeko. Separadas ainda quando bebês, criadas em ambientes hierarquicamente distantes entre si, as irmãs agora tentam se aproximar, e se deparam com a inevitabilidade do destino, o afloramento da sexualidade e o surpreendente curso do acaso.

Kawabata desenvolveu uma extensa e profunda pesquisa para mergulhar na cultura, nos costumes e no dialeto da cidade mais tradicional do Japão, revelando na obra aspectos da região de Kyoto desconhecidos mesmo de japoneses, provenientes de localidades distantes, como o próprio autor, nascido em Osaka. As líricas descrições de Kawabata sobre a cidade, sua mescla de antigas e modernas construções, suas datas festivas e belezas naturais, inspiraram duas versões para o cinema, uma do diretor Noboru Nakamura, indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1964, e outra de Kon Ichikawa, de 1980.

Trechos

“A maioria das casas de Nakagyo tinha virado cinzas na conturbada época que precedera a Restauração Meiji, em 1867, em decorrência de incêndios, os quais ficaram conhecidos como ‘das Espingardas’ e ‘dos Canhões’. A loja de Takichiro tampouco escapara do mesmo destino. Por isso, mesmo que tenha sido preservado o estilo tradicional das lojas da antiga Kyoto, com as portas frontais gradeadas e pintadas de bengara e janelas do tipo mushiko, na realidade, nenhuma delas tinha mais de cem anos. Dizem, contudo, que o grande depósito nos fundos da loja de Takichiro havia escapado daqueles incêndios… Seu estabelecimento praticamente não fora modernizado, em parte devido ao caráter de seu proprietário, mas também por ser um atacado cuja administração não prosperara.” (p. 47-8)

“A beleza das árvores era sem dúvida proporcionada pela beleza da cidade, pelos cuidados com a limpeza em todos os recantos. No bairro de Gion, até mesmo as ruelas mais recolhidas, onde há muitas casas antigas, pequenas e mal iluminadas, são asseadas. O mesmo pode ser dito de Nishijin, bairro conhecido por seus quimonos. Nas imediações, onde se espremem minúsculas lojas que só de olhar causam pena, as ruas são relativamente limpas. Mesmo as pequenas grades de madeira nunca estão empoeiradas. Assim também é no Jardim Botânico, onde não se vêem papéis espalhados no chão. O exército de ocupação norte-americano havia construído ali casas para seus militares e, naturalmente, a entrada fora proibida aos japoneses. Mas, desde a retirada das tropas, o Jardim Botânico voltara a ser como antes.” (p. 63-4)

“Os cedros da aldeia de Kitayama eram todos administrados por pequenos empresários. Contudo, nem toda família era dona de terra. Pelo contrário, poucos o eram. Chieko cogitava se seus pais também teriam sido empregados de alguma família proprietária. A própria Naeko dissera: ‘Estou trabalhando para…’ Tudo havia acontecido vinte anos antes. Chieko teria sido abandonada porque, na época, ter filhos gêmeos era considerado uma vergonha, além do que se acreditava na dificuldade de criá-los com saúde. Era possível que tivessem se preocupado também com os escassos rendimentos da família. Chieko esquecera de perguntar três coisas a Naeko. Por que abandonaram a ela e não a irmã? Quando ocorrera o acidente do pai, sua queda do alto do cedro? Naeko dissera ser ‘recém-nascida’ na época, no entanto… Havia dito também ter nascido na casa do avô materno, um lugar bem mais remoto do que a aldeia dos cedros. Nesse caso, qual seria o nome do lugar?” (140-1)

Fonte:
http://www.estacaoliberdade.com.br/

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José Rubem Fonseca (A Grande Arte)

Parte I

O narrador – protagonista Mandrake e seu sócio judeu Wexler mantêm um escritório de advocacia. Às vezes perdem suas causas, outras ganham (exemplo: o caso da cafetina Miriam). Recebem a visita da prostituta Gisela, ameaçada de morte por Roberto Mitry (tentara chantageá-lo com uma fita de vídeo). Não aceitam o caso por se tratar de chantagem. R. Mitry tenta contratá-los em seguida, para recuperar a fita; paga qualquer preço. No dia seguinte, Gisela aparece morta. Dois dias depois, sua amiga massagista Danusa – ambas estranguladas e com letra P desenhada a faca na bochecha.

Alfredo (marido de Danusa) conta a Mandrake sobre a relação das moças com Cila (ou Laura Lins, dona da butique Messina e de um bom apartamento), aventureira que chegara do NE para “subir na vida”. Na casa de Laura Lins, alertado pela empregada do “sumiço da patroa”, o detetive chama o delegado e amigo de faculdade, Raul. Arrombam a porta e acham Laura morta. Ao sair, Mandrake leva uma carta recém-chegada, através da qual descobre que ela tem um amante e uma amante: Rosa Leitão, casada com o vice-presidente do Banco Aquiles, mas não consegue localizá-la. Raul procura-a inutilmente na boate Lesbos, do anão preto José Zakkai, o “Nariz de Ferro”, inescrupuloso, vaidoso e falador (cita constantemente pensamentos próprios, que atribui a escritores ou pessoas de renome).

Mandrake e Wexler conversam sobre o passado de Mandrake e a situação do escritório (ausências contínuas do primeiro), quando chega Bebel, filha de Rosa Leitão, propondo-se a levar Mandrake até a mãe, que se escondera num sítio em Itaipava. Apesar de Wexler ser contra a idéia de Bebel para o tal sítio acabam indo. Passam a noite juntos e encontram Rosa no dia seguinte. Ela conta a história de Cila e o estabelecimento da relação entre ambas. Mostra ressentimento contra a amante morta e diz que não imagina quem a matou. Talvez o amante “coronel”. Rosa conversa com a filha Bebel. No jardim, Mandrake pensa em Ada, que quer casar-se com ele e ter filhos, e na gata Elizabeth, a “dona” do seu apartamento (o mundo precisa mais de gatos que de gente). Ele ama Ada, mas não consegue ser-lhe fiel.

No Rio, sai com Ada para jantar. Na volta, são surpreendidos no apartamento por dois homens à procura da fita de vídeo. Um deles esfaqueia Mandrake no abdômen e sevicia (violenta) Ada com o cabo da faca. Os dois vão parar no hospital. Mandrake quer vingança. Pede a Hermes (ex-sargento do exército, que livrara da prisão) especialista no manejo de armas brancas, que lhe ensine a arte do Percor (“perfurar” e “cortar”). Ficam quites. Lê e treina muito. Deixa a barba crescer. Ada volta para a casa dos pais, em Pouso Alto. Uma semana depois, o namorado vai atrás dela. Volta sozinho, chamado por Raul. Identifica Camilo Fuentes (boliviano bruto, forte, que odeia brasileiros e é matador profissional) como o homem que os feriu (usava um cordão de ouro com um unicórnio, presente de Berta). Sem provas concretas, Camilo é libertado e viaja para a Bolívia. É seguido pela polícia federal, que pretende flagrá-lo traficando cocaína.

Mandrake resolve segui-lo disfarçado. No trem Mandrake encontra Camilo no restaurante com duas prostitutas, Zélia e Mercedes. Aproxima-se da Mercedes, a mais velha, quando os outros dois se retiram para a cabine. Apresenta-se como comprador de gado. Mercedes finge que acredita. Começa a informá-lo sobre o boliviano e acabam ficando juntos. Camilo Fuentes odeia os brasileiros, pois seu tio Miguel lhe contara que um deles havia assassinado seu pai. Desconfia de Mandrake e de Mercedes (bebe, mas nunca se embriaga). Odeia Rafael (o outro matador de aluguel, que o chama de China), mas vai encontrá-lo para tratarem de “negócios” em Quijarro e depois em Puerto Suárez. Encontram-se todos no “Dancing Days”. Sentindo-se seguidos, adiam os negócios: Mateus manda Fuentes matar Mandrake e volta com Rafael para o Rio. Mandrake, após segui-los até o aeroporto, vai ao restaurante de Alberto e fica conhecendo sua história. De volta ao quarto, encontra Mercedes com o pescoço quebrado: ela fora descoberta por Fuentes, lutaram e ela o cegara, sendo morta. Chama a polícia e depois acompanha o enterro. No cemitério, fica sabendo que Mercedes era agente federal e que ele, com sua bisbilhotice, estragara o plano da captura de Fuentes.

De volta a São Paulo, antes de entrar no apartamento, na Av. São João, Camilo Fuentes procura o jornaleiro Benito, que o avisa que ele está sendo vigiado. Decide ir ao Rio e combinam um encontro no cine Marabá, daí a quinze dias. No Rio procura um oftalmologista, que lhe recomenda um transplante de córnea, pois não enxerga mais com o olho ferido. Conhece Míriam em um supermercado e gosta dela. Apesar de brasileira e ex-cafetina. Volta a São Paulo, mas encontra Benito morto no apartamento. Vai ao cine Marabá, onde percebe uma armadilha para pegálo.

Mata dois homens, mas antes fica sabendo que foram contratados por Mateus (“queima de arquivo”), a mando do Chefe. Mandrake é procurado por José Zakkai (“Nariz de Ferro”), o anão negro, que lhe conta sua história: “Já cuspiram e cagaram em mim. Ou eu morria ou virava essa maravilha que sou” (pg. 151). Por dever favores a Raul, o anão procura Mandrake e o avisa sobre a lista de “queima de arquivo” da Organização (tóxicos, diversões eletrônicas, mulheres, rede de fast-food e de pornografia). Fazem o jogo do “sim” e do “não”, mas Mandrake deixa a última pergunta para outra oportunidade e não aceita a aliança proposta.

Zakkai vai em busca de Camilo Fuentes e os dois se unem para enfrentar o Escritório Central (Org. Aquiles). Começa a “briga” entre Ada e Bebel por Mandrake.

Parte II
Inicia-se com um “flash-back” para explicar a origem da família Lima Prado e da Organização Aquiles. 1845: José Joaquim de Barros Lima nasce no Rio, filho de imigrantes portugueses. O pai é carvoeiro, mas o filho vira bacharel em Coimbra. Aos 42 anos casase com Vicentina Cintra, filha do senador Abelardo Cintra. Sua banca de advogado prospera com a abolição e a república. Trava amizade com políticos e escritores ilustres, mas tem uma frustração literária: não consegue ser reconhecido como grande poeta. Também se frustou como político: morre na véspera de tomar posse como ministro do S.T.F. (Supremo Tribunal Federal). Sua maior frustração provém das duas filhas, que não o amam: Maria do Socorro leva vida dupla: à noite veste-se de homem, chama-se Mário e freqüenta prostitutas em bordéis. Acaba assassinada por uma delas. A outra filha, Laurinda, casa-se grávida aos 16 anos com José Prescilio Prado, de dezessete anos e sobrenome próspero. Após a morte do pai sustenta a mãe no Rio. Laurinda vive em São Paulo e tem três filhos – Fernando, Maria Augusta e Maria Clara.

Torna-se patronesse das artes, recebe escritores, artistas e amantes, patrocina revistas literárias. O marido perde fortunas no pôquer e no vício (drogas), suicidando-se no aniversário de casamento (31 anos de casados). Laurinda vende sua mansão na Av. Paulista e muda para o Rio, com os três filhos: Maria Augusta casa-se com um “nobre” francês, Bernard Mitry, que a abandona e ao filho Roberto; Maria Clara era doente mental, uivava feito lobo e vivia presa no porão; Fernando, casado com Luísa Montillo, vive de um emprego modesto na prefeitura do Rio. Seu filho, Thales Lima Prado, guarda cioso um livro de 500 páginas sobre a vida da família Prado (Retrato de família, de Basílio Peralta, 1949) e sonha tornar-se escritor famoso. Enquanto isso, torna-se banqueiro famoso e presidente da Organização Aquiles. Desde os 19 anos, a avó Laurinda, que o adora, dissera-lhe não ser ele filho de Fernando, mas de Bernard Mitry. Segundo ela, só Thales teria escapado do destino trágico da família Prado. Como presidente da poderosa organização, corrompe políticos, “lava” dinheiro proveniente do tráfico de drogas e outros serviços escusos.

Mantém hábitos estranhos e defende as idéias de Hitler e do nazismo. Ordena a Mateus a “queima de arquivos”: o primo Roberto Mitry (fita de vídeo), Mandrake, Fuentes e o anão Zakkai, que ameaça seu poder. Rafael inicia o “trabalho” com R. Mitry, Titi e Tatá, duas ninfetas com quem este dormia depois de uma festa pesada” em seu apartamento. O crime triplo repercute na imprensa muito mais que as matanças nas favelas. No clube, Lima Prado conversa com um senador sobre “negócios” e sai para encontrar-se com Mônica, com quem faz sexo. Tornam-se amantes. Na verdade, Thales (ou Ajax) é filho de Fernando com a irmã louca. Daí a preferência da avó por ele. Pensa na loucura. Fuentes e Miriam querem começar nova vida. Ela conta a ele sobre o advogado Mandrake. Camilo e Zakkai encontram-se em um circo. O casal muda para uma casa na ladeira Madre de Deus (tentando fugir).

Camilo e Zakkai encontram Rafael em seu sítio. Torturam-no (comer barata) e o anão o mata com uma tesoura. Acham a fita. Zakkai assiste ao vídeo e liga para Thales Lima Prado, que combina um encontro: Hermes vai buscar a fita, mas é morto por Camilo Fuentes. Thales, acuado, suicida-se enfiando uma faca na axila. Deixa seus cadernos de anotações na mesa da cozinha, ao lado de uma garrafa de álcool. Mandrake é abandonado pelas três mulheres. Lilibeth, Bebel e Ada (que viaja com Wexler). Miriam visita o advogado para contar sobre a morte de Camilo Fuentes e para devolver-lhe o unicórnio de ouro. Mandrake decifra os cadernos de Lima Prado, que a polícia não conseguira entender, e soluciona a trama: Thales, em busca da fita, matou as prostitutas e marcou-as com o P. Rosa Leitão, que ascendera socialmente até se casar com o vice-presidente do banco e tornar-se amante do presidente da Organização, assassinou Cila por ciúme, ao flagrá-la com outra mulher. Todos os outros crimes foram atribuídos à “queima de arquivos”. Zakkai assume o controle da Holding que controlava a Pleasure, a Fun e a Fastfood, separando-se do banco. Procurado por Mandrake, responde à terceira pergunta de Mandrake (O que havia na fita? – Nada, só risquinhos). Bebel volta para Mandrake. Falam de amor.

Personagens

Mandrake: narrador-personagem. Advogado com tendências a detetive, solteirão irresistível às mulheres, extremamente sedutor. Aprecia vinhos finos e charutos. Foi menino introvertido e solitário. Embora tenha fobia a sangue, inicia-se na arte do PERCOR (perfurar e cortar), mas não consegue encontrar-se na arte do amar (“amo aqueles que me amam”). Cinismo disfarça insegurança.

Ada: namorada “oficial” de Mandrake, corpo bonito e atlético, acaba desencantando-se e optando pela serenidade de Wexler.

Wexler: advogado judeu, sócio de Mandrake. Apaixonado por Ada, mantém-se ético até o final, quando sai de viagem levando Ada junto.

Thales Lima Prado: Chefe da Organização criminosa “Escritório Central”, constitui-se no grande vilão do livro. Foi militar. Ao tentar escrever um livro sobre a família Prado, descobre-se filho incestuoso e sua personalidade começa a desintegrar-se na loucura. “Patrocina” a grande maioria dos assassinatos do livro, suicidando-se no final (como o Ajax mitológico).

José Zakkai (o Nariz de Ferro): Anão negro, feio e inescrupuloso. Sai do esgoto para tornar-se “uma maravilha”. Vive citando pensamentos e atribuindo-os a escritores e filósofos, para simular erudição.Ambicioso, torna-se o principal adversário de Thales, a quem trai para conseguir a direção dos braços da organização ligados ao tráfico, jogo e prostituição.

Roberto Mitry: primo de Thales, que o usava para desviar recursos ao exterior. Cultivava aberrações sexuais (sado-masoquismo). É assassinado na “queima de arquivos”.

Camilo Fuentes: matador boliviano que odeia brasileiros. Esfaqueia Mandrake e sevicia Ada com o cabo de sua faca. Frio e cuidadoso, bandeia-se para o lado de Zakkai. Morre fuzilado (queima de arquivo).

Hermes: professor na arte do PERCOR, quando militar, assassinou um superior e foi defendido por Mandrake, a quem dá aulas para livrar-se da dívida. É morto por Camilo Fuentes.

Rafael: membro da Organização, é assassino cruel. Ao mesmo tempo, cultiva rosas. É assassinado por Zakkai, com uma tesoura. namoradas de Mandrake: Ada, Bebel, Lilibeth, Berta.

prostitutas: Miriam (cafetina), Gisela, Danusa, Cila, Titi e Tatá…

mulheres arrivistas: Rosa Leitão, Laura Lins (Cila) a família Lima Prado (avós, filhos e netos), de trágica linhagem.

Tempo

Embora procure seguir certa cronologia, apresenta vários cortes: em função das informações fragmentárias que o narrador vai recolhendo sobre os crimes; apresenta cortes cinematográficos e simultaneidade de cenas; há um grande “flash-back” no início da Parte II para que a genealogia da família Prado seja conhecida.

Espaço
Rio de Janeiro: a alta e a baixa sociedade, convivendo violentamente em busca de riqueza e poder. São Paulo – Cuiabá – Bolívia – Pouso Alto (MG).

Sobre o autor postagem em 14/04/08

Fonte:
Digerati CEC 003. (CD Rom)

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Colar de Pérolas Culturais

Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio.

O nervo ótico transmite idéias luminosas ao cérebro.

O vento é uma imensa quantidade de ar.

O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas.

Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor.

Péricles foi o principal ditador da democracia grega.

O problema fundamental do terceiro mundo e a superabundância de necessidades.

O petróleo apareceu há muitos séculos, numa época em que os peixes se afogavam dentro d’água.

A principal função da raiz é se enterrar.

O sol nos dá luz, calor e turistas.

As aves têm na boca um dente chamado bico.

A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrario.

Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso.

A harpa é uma asa que toca.

A febre amarela foi trazida da China por Marco Pólo.

Os ruminantes se distinguem dos outros animais porque o que comem, comem por duas vezes.

O coração é o único órgão que não deixa de funcionar 24 horas por dia.

Quando um animal irracional não tem água para beber, só sobrevive se for empalhado.

A insônia consiste em dormir ao contrário.

A arquitetura gótica se notabilizou por fazer edifícios verticais.

A diferença entre o Romantismo e o Realismo é que os românticos escrevem romances e os realistas nos mostram como está a situação do país.

O Chile é um país muito alto e magro.

As múmias tinham um profundo conhecimento de anatomia.

O batismo é uma espécie de detergente do pecado original.

Na Grécia a democracia funcionava muito bem porque os que não estavam de acordo se envenenavam.

A prosopopéia é o começo de uma epopéia.

Os crustáceos fora d’água respiram como podem.

As plantas se distinguem dos animais por só respirarem à noite.

Os hermafroditas humanos nascem unidos pelo corpo.

As glândulas salivares só trabalham quando a gente tem vontade de cuspir.

A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos.

Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia.

O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fabricas desconhecidas.

A Previdência Social assegura o direito a enfermidade coletiva.

O Ateísmo é uma religião anônima.

A respiração anaeróbia é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos.

O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo.

Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.

Fonte:
“Jornal do Brasil”. Rio de Janeiro: 21/10/84

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Machado de Assis (A Desejada das Gentes)

— Ah! conselheiro, aí começa a falar em verso.

— Todos os homens devem ter uma lira no coração, — ou não sejam homens. Que a lira ressoe a toda hora, nem por qualquer motivo, não o digo eu; mas de longe em longe, e por algumas reminiscências particulares… Sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das Ordenações do Reino e dos cabelos grisalhos? É porque vamos por esta Glória adiante, costeando aqui a Secretaria de Estrangeiros… Lá está o outeiro célebre… Adiante há uma casa…

— Vamos andando.

— Vamos… Divina Quintília! Todas essas caras que por aí passam são outras, mas falam-me daquele tempo, como se fossem as mesmas de outrora; é a lira que ressoa, e a imaginação faz o resto. Divina Quintília!

— Chamava-se Quintília? Conheci de vista, quando andava na Escola de Medicina, uma linda moça com esse nome. Diziam que era a mais bela da cidade.

— Há de ser a mesma, porque tinha essa fama. Magra e alta?

— Isso. Que fim levou?

— Morreu em 1859. Vinte de Abril. Nunca me há de esquecer esse dia. Vou contar-lhe um caso interessante para mim, e creio que também para o senhor. Olhe, a casa era aquela… Morava com um tio, chefe de esquadra reformado; tinha outra casa no Cosme Velho. Quando conheci Quintília… Que idade pensa que teria, quando a conheci?

— Se foi em 1855..

— Em 1855.

— Devia ter vinte anos.

— Tinha trinta.

— Trinta?

— Trinta anos. Não os parecia, nem era nenhuma inimiga que lhe dava essa idade. Ela própria confessava e até com afetação. Ao contrário, uma de suas amigas afirmava que Quintília não passava de vinte e sete; mas como ambas tinham nascido no mesmo dia, dizia isso para diminuir-se a si própria.

— Mau, nada de ironias; olhe que ironia não faz boa cama com a saudade.

— Que é a saudade senão uma ironia do tempo e da fortuna? Veja lá; começo a ficar sentencioso. Trinta anos; mas em verdade, não os parecia. Lembra-se bem que era magra e alta; tinha os olhos, como eu então dizia, que pareciam cortados da capa da última noite, mas apesar de noturnos, sem mistérios nem abismos. A voz era brandíssima, um tanto apaulistada, a boca larga, e os dentes, quando ela simplesmente falava, davam-lhe à boca um ar de riso. Ria também, e foram os risos dela, de parceria com os olhos, que me doeram muito durante certo tempo.

— Mas se os olhos não tinham mistérios…

— Tanto não tinham que cheguei ao ponto de supor que eram as portas abertas do castelo, e o riso o clarim que chamava os cavaleiros. Já a conhecíamos, eu e o meu companheiro de escritório, o João Nóbrega, ambos principiantes na advocacia, e íntimos como ninguém mais; mas nunca nos lembrou namorá-la. Ela andava então no galarim; era bela, rica, elegante e da primeira roda. Mas um dia, no antigo teatro Provisório, entre dois atos dos Puritanos, estando eu num corredor, ouvi um grupo de moços que falavam dela, como de uma fortaleza inexpugnável. Dous confessaram haver tentado alguma cousa, mas sem fruto; e todos pasmavam do celibato da moça que lhes parecia sem explicação. E chalaceavam: um dizia que era promessa até ver se engordava primeiro; outro que estava esperando a segunda mocidade do tio para casar com ele; outro que provavelmente encomendara algum anjo ao porteiro do céu; trivialidades que me aborreceram muito, e da parte dos que confessaram tê-la cortejado ou amado, achei que era uma grosseria sem nome. No que eles estavam todos de acordo é que ela era extraordinariamente bela; aí foram entusiastas e sinceros.

— Oh! ainda me lembro!… era muito bonita.

— No dia seguinte, ao chegar ao escritório, entre duas causas que não vinham, contei ao Nóbrega a conversação da véspera. Nóbrega riu-se do caso, refletiu, e depois de dar alguns passos, parou diante de mim, olhando calado. —Aposto que a namoras? perguntei-lhe. —Não, disse ele; nem tu? Pois lembrou-me uma cousa: vamos tentar o assalto à fortaleza? Que perdemos com isso? Nada; ou ela nos põe na rua e já podemos esperá-lo, ou aceita um de nós, e tanto melhor para o outro que verá o seu amigo feliz. — Estás falando sério?

— Muito sério. — Nóbrega acrescentou que não era só a beleza dela que a fazia atraente. Note que ele tinha a presunção de ser espírito prático, mas era principalmente um sonhador que vivia lendo e construindo aparelhos sociais e políticos. Segundo ele, os tais rapazes do teatro evitavam falar dos bens da moça, que eram um dos feitiços dela, e uma das causas prováveis da desconsolação de uns e dos sarcasmos de todos. E dizia-me: — este relógio, por exemplo. Combatamos pela nossa Quintília, minha ou tua, mas provavelmente minha, porque sou mais bonito que tu.

— Conselheiro, a confissão é grave; foi assim brincando…?

— Foi assim brincando, cheirando ainda aos bancos da academia, que nos metemos em negócio de tanta ponderação, que podia acabar em nada, mas deu muito de si. Era um começo estouvado, quase um passatempo de crianças, sem a nota da sinceridade; mas o homem põe e a espécie dispõe. Conhecíamo-la, posto não tivéssemos encontros frequentes; uma vez que nos dispusemos a uma ação comum, entrou um elemento novo na nossa vida, e dentro de um mês estávamos brigados.

— Brigados?

— Ou quase. Não tínhamos contado com ela, que tinha nos enfeitiçado a ambos, violentamente. Em algumas semanas já pouco nos falávamos de Quintília, e com indiferença; tratávamos de enganar um ao outro e dissimular o que sentíamos. Foi assim que as nossas relações se dissolveram, no fim de seis meses, sem ódio nem luta, nem demonstração externa, porque ainda nos falávamos, onde o acaso nos reunia; mas já então tínhamos banca separada.

— Começo a ver uma pontinha do drama…

— Tragédia, diga tragédia; porque daí a pouco tempo, ou por desengano verbal que ela lhe desse, ou por desespero de vencer, Nóbrega deixou-me só em campo. Arranjou uma nomeação de juiz municipal lá para os sertões da Bahia, onde definhou e morreu antes de acabar o quatriênio. E juro-lhe que não foi o inculcado espírito prático de Nóbrega que o separou de mim; ele, que tanto falava das vantagens do dinheiro, morreu apaixonado como um simples Werther.

— Menos a pistola.

— Também o veneno mata; e o amor de Quintília podia dizer-se alguma cousa parecido com isso; foi o que o matou, e o que ainda hoje me dói… Mas, vejo pelo seu dito que o estou aborrecendo…

— Pelo amor de Deus. Juro-lhe que não; foi uma graçola que me escapou. Vamos adiante, conselheiro; ficou só em campo.

— Quintília não deixava ninguém estar só em campo, — não digo por ela, mas pelos outros. Muitos vinham ali a tomar um cálix de esperanças, e iam cear a outra parte. Ela não favorecia a um mais que a outro; mas era lhana, graciosa e tinha essa espécie de olhos derramados que não foram feitos para homens ciumentos. Tive ciúmes amargos e, às vezes, terríveis. Todo argueiro me parecia um cavaleiro, e todo cavaleiro um diabo. Afinal acostumei-me a ver que eram passageiros de um dia. Outros me metiam mais medo, eram os que vinham dentro da luvas das amigas. Creio que houve duas ou três negociações dessas, mas sem resultado. Quintília declarou que nada faria sem consultar o tio, e o tio aconselhou a recusa, — cousa que ela sabia de antemão. O bom velho não gostava nunca da visita de homens, um receio de que a sobrinha escolhesse algum e casasse. Estava tão acostumado a trazê-la ao pé de si, como uma muleta da velha alma aleijada, que temia perdê-la inteiramente.

— Não seria essa a causa da isenção sistemática da moça?

— Vai ver que não.

— O que noto é que o senhor era mais teimoso que os outros…

— … Iludido, a princípio, porque no meio de tantas candidaturas malogradas, Quintília preferia-me a todos os outros homens, e conversava comigo mais largamente e mais intimamente, a tal ponto que chegou a correr que nos casávamos.

— Mas conversavam de quê?

— De tudo o que ela não conversava com os outros; e era de fazer pasmar que uma pessoa tão amiga de bailes e passeios, de valsar e rir, fosse comigo tão severa e grave, tão diferente do que costumava ou que parecia ser.

— A razão é clara: achava a sua conversação menos ensossa que a dos outros homens.

— Obrigado; era mais profunda a causa da diferença, e a diferença ia-se acentuando com os tempos. Quando a vida cá embaixo a aborrecia muito, ia para o Cosme Velho, e ali as nossas conversações eram mais frequentes e compridas. Não lhe posso dizer, nem o senhor compreenderia nada, o que foram as horas que ali passei, incorporando na minha vida toda a vida que jorrava dela. Muitas vezes quis dizer-lhe o que sentia, mas as palavras tinham medo e ficavam no coração. Escrevi cartas sobre cartas; todas me pareciam frias, difusas, ou inchadas de estilo. Demais, ela não dava ensejo a nada; tinha um ar de velha amiga. No princípio de 1857 adoeceu meu pai em Itaboraí; corri a vê-lo, achei-o moribundo. Este fato reteve-me fora da Corte uns quatro meses. Voltei pelos fins de maio. Quintília recebeu-me triste da minha tristeza, e vi claramente que o meu luto passara aos olhos dela…

— Mas que era isso senão amor?

— Assim o cri, e dispus a minha vida para desposá-la. Nisto, adoeceu o tio gravemente. Quintília não ficava só, se ele morresse, porque, além dos muitos parentes espalhados que tinha, morava com ela agora, na casa da rua do Catete, uma prima, D. Ana, viúva; mas, é certo que a afeição principal ia-se embora e nessa transição da vida presente à vida ulterior podia eu alcançar o que desejava. A moléstia do tio foi breve; ajudada da velhice, levou-o em duas semanas. Digo-lhe aqui que a morte dele lembrou-me a de meu pai, e a dor que então senti foi quase a mesma. Quintília viu-me padecer, compreendeu o duplo motivo, e, segundo me disse depois, estimou a coincidência do golpe, uma vez que tínhamos de o receber sem falta e tão breve. A palavra pareceu-me um convite matrimonial; dois meses depois cuidei de pedi-la em casamento. D. Ana ficara morando com ela e estavam no Cosme Velho. Fui ali achei-as juntas no terraço, que ficava perto da montanha. Eram quatro horas da tarde de um domingo. D. Ana, que nos presumia namorados, deixou-nos o campo livre.

— Enfim!

— No terraço, lugar solitário, e posso dizer agreste, proferi a primeira palavra. O meu plano era justamente precipitar tudo, com medo de que, cinco minutos de conversa, me tirassem as forças. Ainda assim, não sabe o que me custou; custaria menos uma batalha, e juro-lhe que não nasci para guerras. Mas aquela mulher magrinha e delicada, impunha-se-me, como nenhuma outra, antes e depois…

— E então?

— Quintília adivinhara, pelo transtorno do meu rosto, o que lhe ia pedir, e deixou-me falar para preparar a resposta. A resposta foi interrogativa e negativa. Casar para quê? Era melhor que ficássemos amigos como dantes. Respondi-lhe que a amizade era, em mim, desde muito, a simples sentinela do amor; não podendo mais contê-lo, deixou que ele saísse. Quintília sorriu da metáfora, o que me doeu, e sem razão; ela, vendo o efeito, fez-se outra vez séria e tratou de persuadir-me de que era melhor não casar. — Estou velha, disse ela; vou em trinta e três anos. Mas se eu a amo assim mesmo, repliquei, e disse-lhe uma porção de cousas, que não poderia repetir agora. Quintília refletiu um instante; depois insistiu nas relações de amizade; disse que posto que mais moço que ela, tinha a gravidade de um homem mais velho, e inspirava-lhe confiança como nenhum outro. Desesperançado, dei algumas passadas, depois sentei-me outra vez e narrei-lhe tudo. Ao saber da minha briga com o amigo e companheiro da academia, e a separação em que ficámos sentiu-se, não sei se diga, magoada ou irritada. Censurou-nos a ambos; não valia a pena que chegássemos a tal ponto. — A senhora diz isso, porque não sente a mesma cousa. — Mas então é um delírio? — Creio que sim; o que lhe afianço é que ainda agora, se fosse necessário, separar-me-ia dele uma e cem vezes; e creio poder afirmar-lhe que ele faria a mesma cousa. Aqui olhou ela espantada para mim, como se olha para uma pessoa cujas faculdades parecem transtornadas; depois abanou a cabeça, e repetiu que fora um erro; não valia a pena. — Fiquemos amigos, disse-me, estendendo a mão. — É impossível; pede-me cousa superior às minhas forças, nunca poderei ver na senhora uma simples amiga; não desejo impor-lhe nada; dir-lhe-ei até que nem mais insisto, porque não aceitaria outra resposta agora. Trocámos ainda algumas palavras, e retirei-me… Veja a minha mão.

— Treme-lhe ainda …

— E não lhe contei tudo. Não lhe digo aqui os aborrecimentos que tive, nem a dor e o despeito que me ficaram. Estava arrependido, zangado, devia ter provocado aquele desengano desde as primeiras semanas; mas a culpa foi da esperança, que é uma planta daninha , que me comeu o lugar de outras plantas melhores. No fim de cinco dias saí para Itaboraí, onde me chamaram alguns interesses do inventário de meu pai. Quando voltei, três semanas depois, achei em casa uma carta de Quintília.

— Oh!

— Abri-a alvoroçadamente: datava de quatro dias. Era longa; aludia aos últimos sucessos , e dizia cousas meigas e graves . Quintília afirmava ter esperado por mim todos os dias, não cuidando que eu levasse o egoísmo até não voltar lá mais, por isso escrevia-me, pedindo que fizesse dos meus sentimentos pessoais e sem eco uma página de história acabada; que ficasse só o amigo, e lá fosse ver a sua amiga. E concluía com estas singulares palavras: “Quer uma garantia? Juro-lhe que não casarei nunca.” Compreendi que um vínculo de simpatia moral nos ligava um ao outro; como a diferença que o que era em mim paixão específica, era nela uma simples eleição de caráter. Éramos dois sócios, que entravam no comércio da vida com diferente capital: eu, tudo o que possuía; ela, quase um óbulo. Respondi à carta dela nesse sentido; e declarei que era tal a minha obediência e o meu amor, que cedia, mas de má vontade, porque, depois do que se passara entre nós, ia sentir-me humilhado. Risquei a palavra ridículo já escrita, para poder ir vê-la sem este vexame; bastava o outro.

— Aposto que seguiu atrás da carta? É o que eu faria, porque essa moça, ou eu me engano ou estava morta por casar com o senhor.

— Deixe a sua fisiologia usual; este caso é particularíssimo.

— Deixe-me adivinhar o resto; o juramento era um anzol místico; depois, o senhor, que o recebera, podia desobrigá-la dele, uma vez que aproveitasse com a absolvição. Mas, enfim, correu à casa dela.

— Não corri; fui dois dias depois. No intervalo, respondeu ela à minha carta com um bilhete carinhoso, que rematava com esta idéia: “não fale de humilhação, onde não houve público.” Fui e voltei uma e mais vezes e restabeleceram-se as nossas relações. Não se falou em nada; ao princípio, custou-me muito parecer o que era dantes; depois o demônio da esperança veio outra vez pousar no meu coração; e, sem nada exprimir, cuidei que um dia, um dia tarde, ela viesse a casar comigo. E foi essa esperança que me retificou aos meus próprios olhos, na situação em que me achava. As boatos de nosso casamento correram o mundo. Chegaram aos nossos ouvidos; eu negava formalmente e sério; ela dava de ombros e ria. Foi essa fase da nossa vida a mais serena para mim, salvo um incidente curto, um diplomata austríaco ou não sei quê, rapagão, elegante, ruivo, olhos grandes e atrativos, e fidalgo ainda por cima. Quintília mostrou-se-lhe tão graciosa, que ele cuidou estar aceito, e tratou de ir adiante. Creio que algum gesto meu, inconsciente, ou então um pouco da percepção fina que o céu lhe dera, levou depressa o desengano à legação austríaca. Pouco depois ela adoeceu; e foi então que a nossa intimidade cresceu de vulto. Ela, enquanto se tratava, resolveu não sair, e isso mesmo lhe disseram os médicos. Lá passava eu muitas horas diariamente. Ou elas tocavam, ou jogávamos os três, ou então lia-se alguma cousa; a maior parte das vezes conversávamos somente. Foi então que a estudei muito; escutando as suas leituras vi que os livros puramente amorosos achava-os incompreensíveis, e, se as paixões aí eram violentas, largava-os com tédio. Não falava assim por ignorante; tinha notícia vaga das paixões, e assistira a algumas alheias.

— De que moléstia padecia?

— Da espinha. Os médicos diziam que a moléstia não era talvez recente, e ia tocando o ponto melindroso. Chegámos assim a 1859. Desde março desse ano a moléstia agravou-se muito, teve uma pequena parada, mas para os fins do mês chegou ao estado desesperador. Nunca vi depois criatura mais enérgica diante da iminente catástrofe; estava então de uma magreza transparente, quase fluida; ria, ou antes, sorria apenas, e vendo que eu escondia as minhas lágrimas, apertava-me as mãos agradecida. Um dia, estando só com o médico, perguntou-lhe a verdade; ele ia mentir; ela disse-lhe que era inútil, que estava perdida. — Perdida, não, murmurou o médico. — Jura que não estou perdida? — Ele hesitou, ela agradeceu-lho. Uma vez certa que morria, ordenou o que prometera a si mesma.

— Casou com o senhor, aposto?

— Não me relembre essa triste cerimônia; ou antes, deixe-me relembrá-la, porque me traz algum alento do passado. Não aceitou recusa nem pedidos; casou comigo à beira da morte. Foi no dia 18 de Abril de 1859. Passei os últimos dois dias, até 20 de Abril, ao pé da minha noiva moribunda, e abracei-a pela primeira vez, feita cadáver.

— Tudo isso é bem esquisito.

— Não sei o que dirá a sua fisiologia. A minha, que é de profano, crê que aquela moça tinha ao casamento uma aversão puramente física. Casou meia defunta, às portas do nada. Chame-lhe monstro, se quer, mas acrescente divino.

Fonte:
Biblioteca Virtual da USP.

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Eça de Queirós (O Tesouro)

I

Os três irmãos de Medranhos, Rui, Guanes e Rostabal, eram então, em todo o Reino das Astúrias, os fidalgos mais famintos e os mais remendados.

Nos Paços de Medranhos, a que o vento da serra levara vidraça e telha, passavam eles as tardes desse Inverno, engelhados nos seus pelotes de camelão, batendo as solas rotas sobre as lajes da cozinha, diante da vasta lareira negra, onde desde muito não estalava lume, nem fervia a panela de ferro. Ao escurecer devoravam uma côdea de pão negro, esfregada com alho. Depois, sem candeia, através do pátio, fendendo a neve, iam dormir á estrebaria, para aproveitar o calor das três éguas lazarentas que, esfaimadas como eles, roíam as traves da manjedoura. E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.

Ora, na Primavera, por uma silenciosa manhã de domingo, andando todos três na mata de Roquelanes a espiar pegadas de caça e a apanhar tortulhos entre os robles, enquanto as três éguas pastavam a relva nova de Abril — os irmãos de Medranhos encontraram, por trás de uma moita de espinheiros, numa cova de rocha, um velho cofre de ferio. Como se o resguardasse uma torre segura, conservava as suas três chaves nas suas três fechaduras. Sobre a tampa, mal decifrável através da ferrugem, corria um dístico em letras árabes. E dentro, até às bordas, estava cheio de dobrões de ouro!

No terror e esplendor da emoção, os três senhores ficaram mais lívidos do que círios. Depois, mergulhando furiosamente as mãos no ouro, estalaram a rir, num riso de tão larga rajada que as folhas tenras dos olmos, em roda, tremiam… E de novo recuaram, bruscamente se encararam, com os olhos a flamejar, numa desconfiança tão desabrida que Guanes e Rostabal apalpavam nos cintos as cabos das grandes facas. Então Rui, que era gordo e ruivo, e o mais avisado, ergueu os braços, como um árbitro, e começou por decidir que o tesouro, ou viesse de Deus ou do Demónio, pertencia aos três, e entre eles se repartiria, rigidamente, pesando-se o ouro em balanças. Mas como poderiam carregar para Medranhos, para os cimos da serra, aquele cofre tão cheio? Nem convinha que saíssem da mata com o seu bem, antes de cerrar a escuridão. Por isso ele entendia que o mano Guanes, como mais leve, devia trotar para a vila vizinha de Retortilho, levando já ouro na bolsilha, a comprar três alforges de couro, três maquias de cevada, três empadões de carne e três botelhas de vinho. Vinho e carne eram para eles, que não comiam desde a véspera: a cevada era para as éguas. E assim refeitos, senhores e cavalgaduras, ensacariam o ouro nos alforges e subiriam para Medranhos, sob a segurança da noite sem lua.

— Bem tramado! — gritou Rostabal, homem mais alto que um pinheiro, de longa guedelha, e com uma barba que lhe caía desde os olhos raiados de sangue até á fivela do cinturão.

Mas Guanes não se arredava do cofre, enrugado, desconfiado, puxando entre os dedos a pele negra do seu pescoço de grou. Por fim, brutalmente:

— Manos! O cofre tem três chaves… Eu quero fechar a minha fechadura e levar a minha chave!
— Também eu quero a minha, mil raios! — rugiu logo Rostabal.

Rui sorriu. Decerto, decerto! A cada dono do ouro cabia uma das chaves que o guardavam. E cada um em silêncio, agachado ante o cofre, cerrou a sua fechadura com força. Imediatamente Guanes, desanuviado, saltou na égua, meteu pela vereda de olmos, a caminho de Retortilho, atirando aos ramos a sua cantiga costumada e dolente:

Olé! Olé! Sale la cruz de la iglesia, Vestida de negro luto…

II

Na clareira, em frente à moita que encobria o tesouro (e que os três tinham desbastado a cutiladas) um fio de água. brotando entre rochas: caía sobre uma vasta laje escavada, onde fazia como um tanque, claro e quieto, antes de se escoar para as relvas altas. E ao lado, na sombra de uma faia, jazia um velho pilar de granito, tombado e musgoso. Ali vieram sentar-se Rui e Rostabal, com os seus tremendos espadões entre os joelhos. As duas éguas retouçavam a boa erva pintalgada de papoulas e botões-de-ouro. Pela ramaria andava um melro a assobiar. Um cheiro errante de violetas adoçava o ar luminoso. E Rostabal, olhando o Sol, bocejava com fome.

Então Rui, que tirara o sombrero e lhe cofiava as velhas plumas roxas, começou a considerar, na sua fala avisada e mansa, que Guanes, nessa manhã, não quisera descer com eles à mata de Roquelanes. E assim era a sorte ruim! Pois que se Guanes tivesse quedado em Medranhos, só eles dois teriam descoberto o cofre, e só entre eles dois se dividiria o ouro! Grande pena! Tanto mais que a parte de Guanes seria em breve dissipada, com rufiões, aos dados, pelas tavernas.

— Ah! Rostabal, Rostabal! Se Guanes, passando aqui sozinho, tivesse achado este ouro, não dividia connosco, Rostabal!

O outro rosnou surdamente e com furor, dando um puxão às barbas negras:

— Não, mil raios! Guanes é sôfrego… Quando o ano passado. se te lembras, ganhou os cem ducados ao espadeiro de Fresno, nem me quis emprestar três para eu comprar um gibão novo!
— Vês tu? — gritou Rui, resplandecendo.

Ambos se tinham erguido do pilar de granito, como levados pela mesma ideia, que os deslumbrava. E, através das suas largas passadas, as ervas altas silvavam.

— E para quê — prosseguia Rui. — Para que lhe serve todo o ouro que nos leva? Tu não o ouves, de noite, como tosse? Ao redor da palha em que dorme, todo o chão está negro do sangue que escarra! Não dura até ás outras neves, Rostabal! Mas até lá terá dissipado os bons dobrões que deviam ser nossos, para levantarmos a nossa casa, e para tu teres ginetes, e armas, e trajes nobres, e o teu terço de solarengos, como compete a quem é, como tu, o mais velho dos de Medranhos…
— Pois que morra, e morra hoje! — bradou Rostabal.
— Queres?

Vivamente, Rui agarrara o braço do irmão e apontava para a vereda de olmos, por onde Guanes partira cantando:

— Logo adiante, ao fim do trilho, há um sítio bom, nos silvados. E hás-de ser tu, Rostabal, que és o mais forte e o mais destro. Um golpe de ponta pelas costas. E é justiça de Deus que sejas tu, que muitas vezes, nas tavernas, sem pudor, Guanes te tratava de «cerdo» e de «torpe», por não saberes a letra nem os números.
— Malvado!
— Vem!

Foram. Ambos se emboscaram por trás de um silvado que dominava o atalho, estreito e pedregoso como um leito de torrente. Rostabal, assolapado na vala, tinha já a espada nua. Um vento leve arrepiou na encosta as folhas dos álamos — e sentiram o repique leve dos sinos de Retortilho. Rui, coçando a barba, calculava as horas pelo Sol, que já se inclinava para as serras. Um bando de corvos passou sobre eles, grasnando E Rostabal, que lhes seguira o roo, recomeçou a bocejar, com tome, pensando nos empadões e no vinho que o outro trazia nos alforges.

Enfim! Alerta! Era, na vereda, a cantiga dolente e rouca, atirada aos ramos:

Olé! Olé! Sale la cruz de la iglesia, Vestida de negro luto…

Rui murmurou: — Na ilharga! Mal que passe! — O chouto da égua bateu o cascalho. uma pluma num sombrero vermelhejou por sobre a ponta das silvas.

Rostabal rompeu de entre a sarça por uma brecha, atirou o braço, a longa espada — e toda a lâmina se embebeu molemente na ilharga de Guanes, quando ao rumor, bruscamente ele se virara na sela. Com um surdo arranco, tombou de lado, sobre as pedras. Já Rui se arremessava aos freios da égua — Rostabal. caindo sobre Guanes, que arquejava, de novo lhe mergulhou a espada, agarrada pela folha como um punhal, no peito e na garganta.

— A chave! — gritou Rui.

E arrancada a chave do cofre ao seio do morto, ambos largaram pela vereda — Rostabal adiante, fugindo, com a pluma do sombrero quebrada e torta, a espada ainda nua entalada sob o braço, todo encolhido, arrepiado com o sabor do sangue que lhe espirrara para a boca: Rui, atrás, puxava desesperadamente os freios da égua, que, de patas fincadas no chão pedregoso, arreganhando a longa dentuça amarela. não queria deixar o seu amo assim estirado, abandonado, ao comprido das sebes

Teve de lhe espicaçar as ancas lazarentas com a ponta da espada — e foi correndo sobre ela, de lâmina alta, como se perseguisse um mouro, que desembocou na clareira onde o sol já não dourava as folhas. Rostabal arremessara para a relva o sombrero e a espada; e debruçado sobre a laje escavada em tanque, de mangas arregaçadas, lavava, ruidosamente, a face e as barbas.

A égua, quieta, recomeçou a pastar, carregada com os alforges novos que Guanes comprara em Retortilho. Do mais largo, abarrotado, surdiam dois gargalos de garrafas. Então Rui tirou, lentamente, do cinto, a sua larga navalha. Sem um rumor na relva espessa, deslizou até Rostabal, que resfolegava, com as longas barbas pingando. E serenamente, como se pregasse urna estaca num canteiro, enterrou a folha toda na largo dorso dobrado, certeira sobre o coração.

Rostabal caiu sobre o tanque, sem um gemido, com a face na água, os longos cabelos flutuando na água. A sua velha escarcela de couro ficara entalada sob a coxa. Para tirar de dentro a terceira chave do cofre, Rui solevou o corpo — e um sangue mais grosso forrou, escorreu pela borda do tanque, fumegando.

III

Agora eram dele. só dele, as três chaves do cofre! E Rui, alargando os braços, respirou deliciosamente. Mal a noite descesse, com o ouro metido nos alforges, guiando a fila das éguas pelos trilhos da serra, subiria a Medranhos e enterraria na adega o seu tesouro! E quando ali na fonte, e além rente aos silvados, só restassem, sob as neves de Dezembro. alguns ossos sem nome. ele seria u magnífico senhor de Medranhos, e na capela nova do solar renascido mandaria dizer missas ricas pelos seus dois irmãos mortos… Mortos como? Como devem morrer os de Medranhos — a pelejar contra o Turco!

Abriu as três fechaduras, apanhou um punhado de dobrões, que fez retinir sobre as pedras. Que puro ouro, de fino quilate! E era o seu ouro! Depois foi examinar a capacidade dos alforges — e encontrando as duas garrafas de vinho, e um gordo capão assado, sentiu uma imensa fome. Desde a véspera só comera uma lasca de peixe seco. E há quanto tempo não provava capão!

Com que delícia se sentou na relva, com as pernas abertas, e entre elas a ave loura, que rescendia, e o vinho cor de âmbar! Ah! Guanes fora bom mordomo — nem esquecera azeitonas. Mas porque trouxera ele, para três convivas, só duas garrafas? Rasgou uma asa do capão: devorava a grandes dentadas. A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa. Para além, na vereda, um bando de corvos grasnava. As éguas fartas dormitavam, com o focinho pendido. E a fonte cantava, lavando o morto.

Rui ergueu à luz a garrafa de vinho. Com aquela cor velha e quente, não teria custado menos de três maravedis. E pondo o gargalo à boca, bebeu em sorvos lentos, que lhe faziam ondular o pescoço peludo. Oh vinho bendito, que tão prontamente aquecia o sangue! Atirou a garrafa vazia — destapou outra. Mas, como era avisado, não bebeu, porque a jornada para a serra, com o tesouro, requeria firmeza e acerto. Estendido sobre o cotovelo, descansando, pensava em Medranhos coberto de telha nova, nas altas chamas da lareira por noites de neve, e o seu leito com brocados, onde teria sempre mulheres.

De repente, tomado de urna ansiedade, teve pressa de carregar os alforges. Já entre os troncos a sombra se adensava. Puxou uma das éguas para junto do cofre, ergueu a tampa. tomou um punhado de ouro… Mas oscilou, largando os dobrões, que retilintaram no chão, e levou as duas mãos aflitas ao peito. Que é, D. Rui? Raios de Deus! Era um lume, um lume vivo, que se lhe acendera dentro, lhe subia até às goelas. Já rasgara o gibão, atirava os passos incertos, e, a arquejar, com a língua pendente. limpava as grossas bagas de um suor horrendo que o regelava como neve. Oh Virgem Mãe! Outra vez o lume, mais forte, que alastrava, o roía! Gritou:

— Socorro! Alguém! Guanes! Rostabal!

Os seus braços torcidos batiam o ar desesperadamente. E a chama dentro galgava — sentia os ossos a estalarem como as traves de uma casa em fogo.

Cambaleou até à fonte para apagar aquela labareda, tropeçou sobre Rostabal; e foi com o joelho fincado no morto, arranhando a rocha, que ele, entre uivos, procurava o fio de água. que recebia sobre os olhos, pelos cabelos. Mas a água mais o queimava, como se fosse um metal derretido. Recuou. caiu para cima da relva. que arrancava aos punhados, e que mordia, mordendo os dedos, para lhe sugar a frescura. Ainda se ergueu. com uma baba densa a escorrer-lhe nas barbas: e de repente; esbugalhando pavorosamente os olhos, berrou, como se compreendesse enfim a traição, todo o horror:

— É veneno!

Oh! D. Rui, o avisado, era veneno! Porque Guanes, apenas chegara a Retortilho, mesmo antes de comprar os alforges, correra cantando a uma viela, por detrás da catedral, a comprar ao velho droguista judeu o veneno que, misturado ao vinho, o tornaria a ele, a ele somente, dono de todo o tesouro.

Anoiteceu. Dois corvos, de entre o bando que grasnava além nos silvados, já tinham pousado sobre o corpo de Guanes. A fonte, cantando. lavava o outro morto. Meio enterrado na erva negra, toda a face de Rui se tornara negra. Uma estrelinha tremeluzia no céu.

O tesouro ainda lá está, na mata de Roquelanes.

Fontes:
http://paginas.terra.com.br/arte/ecandido/mestre21.htm
Imagem =
http://leninazz.wordpress.com

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Aluisio de Azevedo (O Japão Cronica – Capitulo 1)

Graças à recente vulgarização das crônicas japonesas, dantes inacessíveis a todo e qualquer estranho, poucos segredos haverá de virgindade inteira sobre o Japão remoto, e nenhum absolutamente a respeito dos fatos políticos que no moderno determinaram a restauração micadoal, podendo-se num punhado de capítulos despretenciosos dar exata notícia do que foi aquele passado, outrora tão misterioso e sem fundo, e do que vem a ser ao justo essa famosa revolução que num momento de frenesi histórico derrocou, em nossos dias, um mundo insondável de tradições acumuladas durante vinte e dois séculos de sigilo nacional. Isto, conquanto um pouco fora do meu programa, faz-se indispensável para clareza do resto desta singela obra de impressões pessoais; sem contar que o caso é de si bonito e novo, pois começa poeticamente por uma lenda maravilhosa e risonha, palpitante de quimeras e ficções divinas, e acaba na mais engravatada e burocrática monarquia constitucional, com os seus ministérios de casaca bordada, com as suas secretarias de Estado e os seus competentes amanuenses de calças puídas, e até, acreditai se quiserdes! com o pálido bacharel apenas desabrochado da academia sem outro ideal na vida além de apanhar por empenho qualquer emprego público.

JIMMU TENNÓ
JINGÓ KOGÓ – YORITOMO

Um dia, o tonante Izanangui, que habitava com a formosa e divina Izananmi o empíreo celeste, indiferentes ao mundo ainda descampado, teve a fantasia de sondar com a ponta ciclópica da sua lança de deus as profundezas do oceano e, ao recolhê-la d’agua, as gotas que escorreram e pingaram no mar viraram-se numa ilha esmeraldina, Awaji, da qual os dois altos amantes, cansados do céu impassível, fizeram o éden dos seus amores terrestres e sensuais. Izananmi, meiga e fecunda, deu deles então a luz da vida as oito mais bonitas ilhas de Dai-Nipão e logo, para as não deixar tristes e desertas, produziu do seu ventre trinta e cinco kamis ou deuses já humanizados pelo amor sexual feito por ela na terra. Dentre esta nova sucessão de Izananmi surtiu Amateras, deusa do sol, a dona do divino espelho de Shinto, em cuja luz a sua futura descendência mortal e sensitiva poderia, e nos escassos tempos e dias aziagos do porvir, contemplar-lhe o rosto amigo e ler-lhe nas benignas feições os desígnios providenciais. Amateras, cônscia do que lhe reservava o destino, queria também ser fecundada, mas, orgulhosa dos seus incompensáveis encantos, não achava entre deuses e kamis varão assaz luzido e belo para o amor do seu corpo, e então, num singular enlace, concebeu um filho com os ardentes carbúnculos do seu próprio diadema de princesa celestial. O filho, da têmpera rija e cristalina das gemas que o geraram, foi posto na ilha de Kiuciu, que ele povoou de heróis, vindo dois de seus descendentes, guiados pelo divino falcão de oito cabeças, a atravessar o Mar Interior e a cair sobre o Japão central, de pronto por ambos conquistado contra o poder dos maus deuses e homens rebeldes que o ocupavam.

Um desses dois conquistadores, Iware Hito, foi o primeiro soberano do Japão e morreu, com mais de um século de idade, 585 anos antes de Jesus Cristo. Seu nome póstumo é Jimmu Tennô, como está na História e com o qual abre o almanaque de Gotha a lista cronológica e genealógica dos Micados e Shoguns de Dai-Nipão; ocupa hoje o trono o seu descendente em linha reta Mutsu Hito, que e o 122o da divina série micadoal.

Assim, o atual Imperador, apesar da sua constituição parlamentar, apesar do seu prosaico uniforme de General de Divisão, é nada menos do que descendente direto da formosa Deusa do Sol e tem com certeza na augusta fíbrina centelhas das luzes cambiantes do ilustre diadema seu antepassado; sacrossanta procedência donde lhe deriva indiscutível supremacia sobre todos os seus compatriotas terrestres e logo o direito absoluto de ser, nem só obedecido e cegamente respeitado por eles como soberano, mas adorado como divindade que é e como foram todos os seus consubstanciais antepassados.

O espelho por Amateras transmitido carinhosamente a seus filhos, representa o símbolo da religião shintoísta, à qual não pode o Micado renegar sem com ela renegar também a qualidade divina da sua própria essência. O Shintoísmo é pois no Japão ainda hoje a religião do Estado; mas a religião popular e verdadeiramente querida, talvez por mais folgada e vistosa, é o Budismo, introduzida no país pelos coreanos no século sexto da era cristã.

Esta tão negativa preferência do Japonês pela religião alheia levou hábeis casuístas, zelosos da divina procedência do trono, a tecerem em épocas hoje longínquas sutis relações entre os dois cultos, aliás bem divergentes na forma externa como no íntimo espírito; laços de origem e de doutrina estabeleceram-se engenhosamente entre o letárgico Buda e a palpitante deusa do sol, permitindo assim aos fiéis de ambas as seitas queimarem o seu incenso e os seus papéis dourados facultativamente aos pés do altar de uma como da outra divindade. E destarte conseguiu o trono, sem abrir luta com a nação, ou antes sem insistir na luta começada, guardar íntegro o seu caráter divino e permitir que o povo conservasse o seu culto pueril pelo espetaculoso Budismo, alegremente exercido em paz ao lado da pobre e desguarnecida religião do Estado. Buda no Japão ganhou um nome japonês: chama-se “Ammiddah”.

De Jimmu Tennô até duzentos anos depois de Jesus Cristo (860 da era japonesa) o Japão pouco mais seria do que uma extensa região completamente bárbara e desconhecida, em luta constante entre as suas tribos de caráter nômade e guerreiro, cujos vestígios ainda hoje se encontram puros ao extremo norte da ilha de Yezo onde se refugiaram e habitam os cabeludos Amos e os quase extintos selvagens Koropukgurus; mas por aquela época, a célebre imperatriz Jingô Kogô, divinizada hoje com o nome de Hachiman Daibosatsu no seu templo de Otokoiama, resolveu, sob inspiração do céu, organizar e ela própria conduzir, acompanhada do seu fiel valido Take-no-utschi, uma grande expedição contra a Coréia, então tributária da China que florescia à sombra da dinastia dos Thsin.

A expedição obteve o melhor resultado possível: ao fim de três anos volvia à pátria a gloriosa imperatriz, senhora da vassalagem de três reis vencidos com a submissão da Coréia. Logo porém ao partir para a guerra, Jingô Kogô notara-se pejada e, como esta imprevista circunstância lhe podia estorvar os planos militares, ela, invocando a proteção dos deuses, amarrou uma pedra no ventre. Produziu ótimo efeito o talismã: o céu atende às suplicas da guerreira e a gestação esperou miraculosamente os três largos anos da campanha. Ao fim desse tempo a imperatriz, de volta aos seus penates, recolhe-se apressada ao castelo sem atender a aclamação nem parabéns, corre ao quarto, desaperta-se, lançando fora couraça e capacete, e deixa-se cair por terra nos braços do marido a quem, entre gemidos de mulher, explica o caso maravilhoso. O feliz cônjuge prosterna-se, agradecendo aos céus a graça e o benefício, e ela entrementes dá à luz o príncipe Ojin, mais tarde divinizado com o título de Deus da Guerra, a cuja alta influência foi logo, nem era de esperar coisa melhor, atribuída toda a honra da vitória.

Com esta vitória sobre a Coréia, entra no Japão a civilização chinesa, que no continente vizinho tinha já nessa época chegado ao seu máximo desenvolvimento, assim nas artes, como na literatura e na moral filosófica de Kang, conhecido no Ocidente pelo ilustre nome de Confúcius. E a imigração, que logo se fez caudalosa, vem espontaneamente favorecer a ação da corrente civilizadora; chamados pelos japoneses ou puxados uns pelos outros, começam os chins a instalar-se no arquipélago fronteiro; “de uma só vez, diz a crônica por intermédio de Georges Bousquet, dezessete distritos do sul do Celeste Império arribam em massa para os verdejantes portos de Kiuciu”; o erudito Wang Ien, maior poço de ciência que possuía a Coréia, é atraído às cortes do micado Ojin para iluminá-lo de perto, e com ele atravessa o Mar do Japão um fator decisivo —o alfabeto chinês. O Japão começa a ler e a escrever e não se forra a sacrifícios para aumentar o seu cabedal de luzes; acumula de garantias e favores os artistas, artesãos e operários de valia, que logo acodem avidamente da outra banda asiática de ferramenta em punho; chama a si cabalísticos astrólogos, facultativos e alquimistas, carregados de misteriosas retortas e alfarrábios. E com esta gente da sabedoria do tempo vem o segredo da porcelana; vem a bússola; vem a indústria da seda; vem a arte de construir casas de mais de um andar; vem, com as primeiras noções de astronomia, a organização cronográfica e o calendário; vem a fabricação do papel e da tinta de Nankin; vem o moinho de pilar o arroz, e as rodas hidráulicas substituem a mó girada a braço vivo; vem o relógio com o seu maquinismo movido pela água; vem a metalurgia, e descobrem-se minas preciosas e cunha-se a primeira moeda de metal na terra dos micados; e finalmente vem a imprensa, e estampa-se as literárias primícias japonesas, entre as quais o mítico “Kodziki”, a mais remota história escrita do Japão. Foi ditada esta história por uma mulherzinha de fenomenal retentiva, a quem o Imperador Jimmu no século sexto ordenara de guardar na memória todos os passos e episódios da vida pública japonesa, transmitidos até aí de geração em geração pela voz dos trovadores e menestréis ambulantes.

E o Japão acerta afinal o passo do seu progresso com o da China e entra, por diante, a caminhar tão seguro e firme, que em breve já não se contenta só com imitar os translados da mestra e vai por conta própria modificando alguns deles para melhor e mais bonito; e já em 643 manda à metrópole da sua civilização o primeiro embaixador que veio ao mundo, o Adão dos diplomatas — Onono-Imokô, encarregado de regular a favor da sua pátria os tributos de guerra, que a Coréia começava a saldar, e de estabelecer a permanência de uma comissão japonesa na China para estudar ciências ocultas e reveladas.

Todas essas maravilhas, perfeitas pelos nipons entre o ano 284 e o 703 da nossa era, só muitos séculos depois foram sabidas e exercidas pela então agreste Europa, onde todavia por tal modo se desenvolveram e apuraram que é agora a cultura ocidental, hoje rematada e extrema, que, refluindo, vem civilizar de novo a velha terra do Oriente, de cujo seio abundante Árias nasceu para gerar novas e mais formosas raças.

Rezam entretanto as crônicas indígenas que não foi por mero espírito de generosidade que o governo chinês cedeu ao vizinho oriental a sua civilizadora emigração; sobre a primeira leva de emigrados corre uma lenda que não resisto ao desejo de contar:

A certo imperador da China, notável só pela assombrosa estupidez e tartárica dureza de entranhas que o distinguiam, meteu-se em cabeça escapar à lei fatal da morte e pôs logo em ação toda a sua autoridade para que lhe descobrissem o segredo de perpetuar a vida. Imaginai daí o sangue que não correu por causa disto! Mas Jokufu, médico e astrólogo da corte, propôs-se afinal realizar o desejo do tirano, contanto que lhe facultasse este os meios de obter um misterioso filtro para isso indispensável, e o qual consistia no extrato de certa flor só existente nas ilhas vulcânicas de Nipão, flor de tal melindre que, para nada perder da sua amaviosa virtude, tinha que ser colhida por mãos juvenis de imaculada pureza. O imperador estava por tudo, autorizou o médico a organizar o pessoal de que houvesse mister e abriu a régia bolsa para todos os custos; pôs-se então o astrólogo em diligência e escolheu) um por um, cuidadosamente, entre a parte melhor do povo, trezentos rapazes e trezentas e uma raparigas que, de corpo e alma, lhe pareceram os mais perfeitos do país, e com esta alegre companhia fez-se de velas para as plagas do Sol Nascente. O monarca, se conseguisse afinal realizar por outro meio o seu sonho de vida perpétua, ainda agora estaria à espera do facultativo, cujo fim era só escapar à crueldade do déspota a quem servia, e tentar vida nova em país novo no meio de uma alegre colméia de patrícios por ele escolhidos a dedo.

Fosse este ou não o ponto inicial da emigração chinesa, o fato é que só com esta começa verdadeiramente a história do Japão, como é também daí que começa e se vai estendendo pelos séculos novos a lenta e surda elaboração homogênica da raça, até conseguir fixar o seu tipo, depois da eterna luta etnológica, em que os elementos contrários se repelem entre si e os de afinidade eletiva se combinam e se fundem para sempre. E assim, pouco a pouco, de século a século, se vão destacando e acentuando as castas em volta de um centro comum, espiritual e supremo, que é o micado; começam então as agrupações sociais, a formação das classes: de um lado condensa-se o lavrador, que nunca mais deixará os campos produtores e será o passivo e silencioso lastro da nação inteira; de outro lado constitui-se o militar, a quem o agricultor sustenta, confiando-lhe a guarda das suas terras lavradas, e o qual há de ser no futuro o “Samurai”, suscetível de enobrecimento pelas armas, e em que o feudalismo vindouro encontrará cavaleiresco esteio para a sua violenta expansão; de outro lado concentra-se a aristocracia de sangue, criada e mantida tranqüilamente pelos fidalgos da família micadoal, parentes do imperador ou da imperatriz, e de cujo núcleo privilegiado se formará a classe principesca dos “Kugês”, que serão conselheiros áulicos e pares do trono, gozando da prerrogativa exclusivíssima de fornecer da sua descendência as mulheres do soberano, legítimas como ilegítimas, com direito qualquer delas a dar herdeiros à coroa. E desta nobreza consangüínea dos kugês, combinada com a outra militar dos samurais, resultará o “Daimo”, que já é o puro chefe feudal, com senhorio e rendas territoriais e faculdade autoritária para lançar impostos, estabelecer tenças, fortificar castelos, construir navios e ferir batalhas. E uma vez retalhado o país em principados autônomos, começarão estes em viva guerra a disputar entre si a supremacia, até que uma família triunfe, aniquilando as outras, e crie o poder suserano do “Shogun”, isto é, o chefe dos chefes feudais, o generalíssimo dos príncipes militares, só dos militares, porque quanto aos do conselho áulico, esses continuarão exclusivamente sob a alçada espiritual do micado.

A original instituição do Shogunato, que redundou em cisão do governo soberano é, a contar depois da conquista da Coréia, o marco mais saliente da antiga história política japonesa. Até essa época, 1185, os micados governaram unitariamente; oitenta e um se sucedem no trono, por hereditariedade, sem interrupção, desde Jimmu Tennô até Antoku; dai para cá a série continua firme e seguida, mas já ladeada pelo shogunato que se apossou do poder militar e civil, deixando ao imperador apenas o espiritual e convertendo-o num simulacro de Papa privativo do Estado, embastilhado por uma etiqueta ainda mais inexpugnável que as muralhas do seu gocho imperial; verdadeiro ídolo, que o povo devia adorar, mas sem ver, sob pena de morte ou do esvazamento dos olhos, e para quem as estradas públicas eram rigorosamente veladas, “Porque —diz o primeiro shogun na sua proclamação —a terra vulgar e rasa é indigna de pôr-se em contato com os divinos pés do filho dos deuses”.

O primeiro shogun foi o grande Yoritomo, príncipe inteligente e bravo, celebrizado em prosa e verso na literatura japonesa. Era ele então o último vestígio da família Minamoto, cruamente exterminada pelos Taíras. De todos os feudos, inimigos irreconciliáveis, que procuravam firmar, cada um de per si, a sua hegemonia pelo aniquilamento dos rivais, só essas duas casas haviam resistido, e o duelo final e decisivo que se travou entre elas deixou os Taíras inteiramente senhores do campo. Yoritomo escapou miraculosamente à carnificina; teria dez ou doze anos quando o resto de sua família, sobejado à sanha das pelejas, fora passada pelas armas inimigas; fizeram-no prisioneiro e iam matá-lo, apesar da tenra idade, quando uma mulher compassiva intercedeu por ele, obtendo dos Taíras deixarem-no viver.

O último descendente dos Minamotos cresceu pois entre os destruidores da sua estirpe, afagado pelas mesmas mãos que o fizeram órfão; mas posto homem casou-se calculadamente com a filha de Hojô, de cuja influência militar contava ele tirar partido. Recolhe-se com a mulher às províncias mais remotas do Japão, organiza em sigilo como o herói do Rubicon uma coorte de bravos e, depois de algumas vitórias fáceis, alcançadas só com o fim de engrossar as suas hostes, arroja-se sobre os Taíras, bate-os em terra, cerca-os por todos os lados, sem dar quartel a nenhum, e acaba por exterminar o que deles resta em um decisivo combate naval nas águas de Daneira. Feito isto e repelida uma invasão de mongóis que abalançava a independência do país, Yoritomo, declarando-se Primeiro Vassalo do Imperador, a quem rende pública homenagem e em cujo poder espiritual, só espiritual, jura defender de qualquer pretensão externa ou interna, assume o posto de comandante em chefe das armas com o título de Bakufu ou Shogun. Estabelece a sua corte em Kamakura, guarnece-a de artistas, poetas e aprazíveis sábios, fundando nesse distrito uma segunda capital do Estado, sede do poder civil e ao mesmo tempo o centro de operações das forças militares do norte, em flagrante oposição à de Kioto, ao sul, onde, na imperial custódia do espiritualismo sacro, ostraceava o pobre Micado com o seu conselho de mãos finas e perfumadas, muito feitas à difícil execução da música religiosa, mas de todo alheias ao manejo das armas de combate.

E eis aí como se deu a estranha cisão no poder soberano do monarca, criando-se quase ao nível do trono a suserania shogunal, que aliás só atingiu ao auge da sua autoridade anômala quatro séculos depois quando Ieiás fundou de vez a sua dinastia e tornou a função hereditária, fazendo desde essa época a Europa acreditar até há bem pouco tempo que o Japão mantinha dois imperadores, como se vê pelos seus ajustes internacionais com ele firmados dentro já do nosso século. Naquela época é já com efeito o shogun quem governa, mas ainda é o imperador quem reina, pois que teoricamente nada pode decidir o chefe militar sem a sanção do micado.

Yoritomo fez da sua capital uma cidade relativamente importante e poderosa, cidade todavia de madeira e bambu que, depois dele e da sua curta descendência direta, desapareceu substituída por infinitos arrozais e canteiros de hortaliça; a estrada de ferro passa hoje por ela ligando-a a Yokohama e Tókio; do seu passado fausto só perduram alguns ídolos e reconstruídos templos. É aí, nesse ameno canto mal povoado, que está o famoso Buda de bronze “Daibutsu” de que em lugar competente darei a descrição. O fundador do Shogunato morreu em 1199, com cinqüenta e três anos de idade, depois de quatorze de indiscutido e absoluto poder.

Com a sua morte desencadeia-se o feudalismo militar que ele sistematizara, e desde essa época até 1573, tendo tido vinte e seis micados e vinte e quatro shoguns, o Japão mal encontra alguns momentos de refolga entre as implacáveis guerras civis que o dilaceram. O militarismo degenera em paixão e invade às raias da vesânia, lavra por todas as classes, apodera-se de todos os espíritos, e a nação inteira desfalece moralmente arriscando retroceder as tontas para o barbarismo primitivo; desaparecem os artistas, desaparecem os obreiros, a gleba corrompe-se e pega em armas; os poetas arribam da pátria com as asas sujas de sangue, e até os sacerdotes, os meigos bonzos de crânio raspado e túnica branca, dantes fechados na sua fé sinistra que lhes vedava comer carne, beber licores e tocar em mulheres, endurecem de alma e fazem-se guerrilheiros; os santuários do budismo convertem-se em fortalezas e arsenais; o monastério de Higeizen, maior de todos, às margens quietas do formoso lago de Biwa, com os seus quinhentos templos boscarejados de sagradas cliptomérias, transforma-se em reduto inexpugnável, onde as súplicas do próprio Micado são repelidas com duras blasfêmias e pedradas. Alguns japoneses, caindo de fome, vendem-se então como escravos para as Filipinas e para a China, levando olhos e alma consumidos de fitarem inutilmente o frio espelho de Amateras, a deusa-mãe degenerada.

E nesse largo e negro período de decomposição geral que os militantes samurais, homens d’armas, com direito a usar duas espadas e direito a deixar crescer a barba, se desenvolvem e consubstanciam numa classe privilegiada e turbulenta, podendo comer, beber e dormir pelas locandas e hospedarias de todo o país sem obrigação de pagar os gastos, pronto sempre a qualquer deles a castigar com a morte o kuli ou plebeu que ousasse contrariá-lo no meio das suas correrias e aventuras soltas. Como desdobramento espúrio dessa classe de fundo cavaleiresco em que, seja dito com justiça, havia por vezes mau grado a dura escuridão dos tempos, altruísmo nacional e nobreza de sentimentos, esgalhou a facção fragueira dos roninos, homens que não são já soldados, mas nem por isso menos ardidos e belicosos; gente de arma encoberta e arbitrária, mas com quem podiam os príncipes senhoriais contar em caso de guerra, transformando em instrumento de ação política o que era desclassificado produto do meio corrompido; fatores e auxiliares inconscientes, ora do bem, ora do mal, vigoroso elemento étnico, cujo naturalismo heróico se dispersava à toa numa exaltação brigalhona e constante, às vezes generosa, quase sempre porém inconfessável e perversa, porque lhes faltava, a esses como aos seus originadores, o sustinente ideal piedoso que continha na mesma época os seus congêneres ocidentais, pondo ao lado da espada ensangüentada desses tempos cruéis o lírio místico da fé cristã. Mas, nos curtos intervalos da guerra, dessa guerra civil que durou perto de quatro séculos; o ronino volvia-se salteador e pirata, ao passo que o samurai, depostas transitoriamente as duas espadas, ia para o campo administrar a própria fazenda e criar os filhos para dá-los depois ao seu príncipe e senhor, ensinando-lhes desde o berço que os deveres da vida militar são carga pesada como as armas e que a morte nas batalhas é leve como a pluma.

Esta desoladora situação, em que o país esteve prestes a desfazer-se em sangue, e em que apenas prosperaram os artefatos e produtos industriais concernentes à arte da guerra, só veio a ceder, esbarrando de encontro à ação bravia de três grandes vultos consecutivos: Nobunaga – Taiko Sama – Ieiás, e dissolvendo-se enfim de todo contra a maquiavélica resistência do último destes, que é incontestavelmente o maior homem do Japão medieval, como por si mesmo julgará o leitor, se tiver a paciência de ler o seguinte capítulo.

continua…cap.2= NOBUNAGA – TAIKO~SAMA – IEIAS

Fontes:
http://www.biblio.com.br

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Dúvida de uma leitora

Mensagem Recebida:
Meu professor recomendou o livro “A saga de Antônio João”, sobre a guerra do Paraguai.
Ocorre que, pesquisando na internet, não encontrei o título, mas a referência existe, como expressa o texto acima.
Saberia dizer o nome exato do livro?
Agradeceria muitíssimo.

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Autor: Mello, Raul Silveira de
Título: Epopéia de Antônio João
1969, 554p., Biblioteca do Exército
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Tomada da Colônia de Dourados –
Os paraguaios em número de 300 homens, atacaram Dourados, que era defendida pelo bravo e brioso Tenente de Cavalaria Antônio João e quinze homens. Resistiu até a morte esse herói. A queda de Dourados se deu a 29 de Dezembro de 1864. Antes do combate, Antônio João escreve para Urianda comunicando a presença do inimigo e assim termina:
“Sei que morro mas o meu sangue e de meus companheiros servirá de protesto solene contra a invasão do solo de minha Pátria”.
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Na Biblioteca do Exército não há e nem em livrarias virtuais.
Recomendo procurar na Estante Virtual, aqui no blog, no lado esquerdo, é só colocar o nome do livro que entra no site. Existem 30 sebos com o livro, com os preços entre R$10,00 e R$ 40,00.

Boa Sorte e Boa Leitura!

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“Caravana da Leitura” e palestras do escritor Laé de Souza na Expo Literária de Sorocaba

Durante a realização da segunda edição da Expo Literária de Sorocaba, o escritor Laé de Souza fará palestras nos dias 30 e 31 de outubro para 600 estudantes da rede pública que participaram do projeto “Ler é Bom, Experimente!”, no decorrer do mês de setembro. Cada aluno recebeu gratuitamente um exemplar do livro Nos Bastidores do Cotidiano para leitura e desenvolveu diversas atividades pedagógicas que compõem a aplicação do projeto sob a coordenação dos professores.

Na palestra Encontro com o Escritor, Laé falará da importância da leitura, do seu processo de criação, da composição dos personagens, as histórias mais marcantes dos seus livros e responderá questões dirigidas pelos estudantes.

Em mais uma ação de incentivo à leitura do “Projetos de Leitura”, o público que for prestigiar a Expo Literária terá acesso aos livros do autor pelo preço simbólico de R$1,00 na tenda Caravana da Leitura, localizada na área externa da Biblioteca Municipal “Jorge Guilherme Senger”, nos dias 30 e 31 de outubro e 1º de novembro.

Estarão expostos os livros Nos Bastidores do Cotidiano, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Acontece…, Espiando o Mundo pela Fechadura, crônicas que retratam o cotidiano, e o infantil Quinho e o seu cãozinho – Um cãozinho especial que narra aventuras de um garoto e seu inseparável cãozinho, apresentando conceitos éticos para o pequeno leitor, publicados pela Editora Ecoarte.

Será distribuído material informativo dos outros projetos de fomento à leitura de Laé de Souza em execução há dez anos, subsidiados pelas leis de incentivo à cultura, aplicados em escolas, parques, praças, hospitais, transportes coletivos, hipermercados e outros, com o intuito de formar leitores de todas as etnias, faixas etárias, credos e classes sociais.

Palestra – Ler é Bom, Experimente!
Data: 30 de outubro de 2008 – quinta-feira
Local: Tenda Machado de Assis
Horário: 13h30

Palestra – Encontro com o Escritor
Data: 31 de outubro de 2008 – sexta-feira
Local: Auditório da Biblioteca
Horário: 8h

Caravana da Leitura
Preço de venda dos livros: R$ 1,00
Data: 30, 31/10 e 01/11 – quinta-feira a sábado
Horário: 8h às 18h

Fonte:
E-mail enviado por Douglas Lara (www.sorocaba.com.br/acontece)

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Entrevista com José Saramago

Saramago conversa sobre o ofício do escritor

O escritor português José Saramago esteve na Folha de São Paulo dia 27 de abril para uma conversa informal sobre o trabalho do escritor. Como um escritor escreve? Por que escreve? Há vocação, não há vocação, há livros mais ou menos fortes, os autores projetam seus livros? Saramago, um homem afável e elegante de 65 anos respondeu a todas as perguntas, “sem fintas”. Estavam presentes também a escritora Lygia Fagundes Telles, o poeta e tradutor Horácio Costa, o escritor José Silvério Trevisan e as professoras Maria Aparecida Santilli e Wilma Arêas. Falou-se de livros, máquinas de escrever, transverberação e enfartes, da crítica e da relação entre os comunistas e os escritores. A reunião durou duas horas.

Folha — Como o sr. escreve? Começa o livro escrevendo à caneta e passa à máquina de escrever, usa o computador direto, dita em um gravador?

José Saramago — Eu escrevia numa máquina de escrever. Depois de ter começado numa caneta, há muitos e muitos anos, quando não havia sequer esferográficas – nunca usei esferográfica, porque é um tipo de escrita que nunca me agradou, uma escrita sempre igual – passei a escrever diretamente à máquina, a partir de uma experiência jornalística que tive em 72/73. Por circunstâncias alheias à minha vontade eu estava a trabalhar numa editora e tive de ir trabalhar para um jornal. Evidentemente eu nunca tive uma formação jornalística, nem uma vocação jornalística, digamos; foi alguma coisa que tive de fazer contra vontade. E aí a regra mandava que se tinha de escrever à máquina. Devo algumas coisas ao jornalismo. Com certeza, do ponto de vista tecnológico devo isso. Como estava obrigado a escrever à máquina, habituei-me de tal forma a isso que depois e até hoje, seria completamente incapaz de escrever, enfim, com a velha caneta a tinta permanente, e tampouco com a esferográfica, porque me dá a idéia de que tudo escreve mais depressa – ou que tudo escreve mais devagar do que aquilo que eu necessito. A minha máquina era uma máquina velhíssima, que tinha pelo menos 30 anos, uma Hermes Média, toda ela metálica, que já não se fabrica mais, evidentemente. Chegou a um tal estado de depauperamento físico, que quando se avariava, o mecânico, por duas ou três vezes, teve de fabricar peças para que ela pudesse continuar a funcionar. Essa máquina de escrever deu o último suspiro com o final da história do cerco de Lisboa.

Folha — E agora?

José Saramago — Neste momento tenho um processador de texto, atualizei-me tecnologicamente e estou diante duma inquietante dúvida: do que serei capaz de escrever com essa figura nova, que já não tem aquele ar familiar da minha máquina de escrever e é uma coisa que tem umas luzes que acendem e apagam e tudo o mais? Enfim, eu já me habituei e penso que vou continuar com ele. Eu sempre tive a preocupação de folha limpa, sem correções. Agora com as novas tecnologias isto já não é assim, porque o texto está sempre limpo. Eu levava tão longe esta preocupação, que se me enganava, por exemplo com um erro de digitação – em vez de pôr um “m” metia o “o”, por exemplo, na primeira, segunda ou terceira linhas -, minha dificuldade em aguentar o texto sujo ia ao ponto de arrancar a folha e tirá-la fora. A partir da décima linha ou coisa que o valha, já admitia que me pudesse enganar, mas normalmente, e isso verificou-se muito neste último livro. Se ao fim de um dia de trabalho escrevia três ou quatro páginas, por exemplo, vinha um segundo tempo, digamos, desse mesmo trabalho: corrigir essas três ou quatro páginas e limpá-las de forma que quando fossem juntar-se às outras já estivessem limpas. Isto significa que quando eu cheguei ao fim do livro tinha praticamente o livro escrito e revisto, apenas com algumas emendas que eram necessárias. Tanto assim que nem foi preciso passar outra vez a limpo para o entregar ao editor. Tenho, de fato, a mania da página higiênica, embora ache perfeitamente fascinante olhar para uma prova vista pelo Eça de Queiroz, por exemplo, ou por Balzac, que são coisas perfeitamente alucinantes. Há provas do Eça de Queiroz, e são já as provas tipográficas, em que aquilo que ficou de 20 linhas, por exemplo, é uma linha e meia, porque o resto foi todo destruído, modificado. Eram tempos em que a mão-de-obra era barata e o compositor tipográfico podia fazer e desfazer e tornar a fazer, que o livro nunca saía caro.

Folha — Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro?

José Saramago — Eu penso que sofro apenas de um tipo de condicionamento: sou incapaz de escrever fora de casa. Escrever num hotel ou coisa assim. Há, realmente, colegas meus que vão acabar um livro em um hotel. Sou um homem que tem uma rotina, sou muito rotineiro a trabalhar. Não atuo por impulso, tenho consciência de que a primeira coisa necessária para escrever é sentar-se uma pessoa na cadeira e esperar. Eu não vou sentar porque tenho o impulso de escrever, eu sento-me para que esse impulso venha. É como quem tem que se pôr a jeito para que as coisas sucedam. Provavelmente isto desilude, vai decepcionar aquelas pessoas que têm do ofício do escritor uma visão romântica, arrebatada, byroniana, se quisermos. Eu não sou, quer dizer, não me vejo como um funcionário da escrita.

Folha — Você projeta os seus romances? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os romances? Eu sei, por exemplo, que essa história do cerco de Lisboa já vem de alguns anos.

José Saramago — A idéia inicial da “História do Cerco de Lisboa” é de 72 ou 73. Já é uma idéia, mas não é mais que uma idéia, um cerco de Lisboa. Naquela altura nem sequer tinha algo a ver com um cerco histórico. Era uma situação de cerco um pouco fantástica. Depois deste tempo todo nem sou capaz de ter uma idéia já muito definida disso. Essa idéia foi de 72 ou 73. Desde então eu escrevi sete ou oito livros com esse tema sempre vivendo cá dentro. Já se vê que há um tempo para ter as idéias e há um tempo para que elas possam ser realizadas. Mas como é que as idéias surgem? É um bocado difícil. Eu não tenho um plano, eu não fiz como, digamos, o grande mestre Balzac, que fez um plano, numa certa altura de sua vida e depois resolveu arregaçar as mangas e dizer agora vou fazer isto, realizar este plano. Um livro nasce-me porque tem que nascer e não porque eu tenha decidido antes.

Folha — Na entrevista que o sr. deu à Folha há quinze dias, o sr. comentou a questão da força de dois livros, a Bíblia e o Alcorão. Como escritor, essa força que os livros têm sempre esteve na sua consciência ou de repente foi uma surpresa?

José Saramago — Eu acho que os livros não têm essa força. Os livros não têm força alguma. O que acontece é que um ou dois ou três tenham uma força, que não lhes vêm do fato de ser um livro, mas do fato de serem códigos. De serem códigos, de serem leis, porque no fundo o Alcorão não é outra coisa se não isso, a Bíblia não é outra coisa se não isso e a Torá não é outra coisa se não isso. Representa uma lei que tem duas faces, uma lei que é lei humana, porque a Bíblia sabemos muito bem que no Antigo Testamento é feita por uma sociedade concreta, de homens concretos, que estão ali e que vão ser regidos por aquelas leis. E há o lado que é o da suposta revelação, a face divina. Dois livros ou três tomaram realmente uma força exorbitante. Não há nenhuma razão para que esses livros tenham mais força do que qualquer outro livro. Objetivamente não há, porque foram escritos pelas mãos de homens, não com processadores de textos, nem com máquinas de escrever, mas foram as mesmas mãos de homens que os escreveram. O que pode ser assustador – porque o é de fato – é como é que em nome dum livro se faz o que se faz. Se nós pensarmos, tudo isto é assustador. É evidente que esta súbita revelação, esta revelação do escândalo, eu a chamo assim, é muito recente.

Folha — Você considera escrever um ato de que? Você classificaria como o quê esse gesto extremo, coragem?

José Saramago — Eu diria assim, desta maneira muito simples, um ato de escrever é só um ato. Não é nada mais do que isto. Não lhe chamo ato de coragem. Eu sou provavelmente, escandalosamente, prosaico. Não acredito em vocação. Só se pode ter – imaginando que a vocação exista – vocação para as profissões que já existem. Na verdade é a própria necessidade social que vai criando as atividades e as profissões e depois nós vamos para elas. Às vezes, dizemos que fomos para elas porque não tivemos outra solução. Mas, também podemos, somos capazes de dizer, ah, eu fui para isto pela minha vocação. Mas qual vocação? Ninguém pode ter a vocação para a informática antes de a informática existir. Eu vou dizer uma coisa terrível. A transverberação de santa Teresa de Jesus, santa Teresa D´Ávila, o êxtase dela, e peço desculpas se ofendo os crentes, acho que ela teve simplesmente um enfarte do miocárdio. Quer dizer, a agudíssima dor no coração que ela atribuía a Jesus, que a estava transpassando com o raio fulminante do seu amor, não era mais que um enfarte do miocárdio, porque eu presumo que naquele século já havia enfartes de miocárdio.

Folha — Como você concilia o escritor e o comunista? Como é que a coisa se processa agora no seu cotidiano?

José Saramago — Eu acho extremamente interessante essa pergunta, que é fatal, é uma pergunta que vem sempre: como é que você sendo comunista e escritor, como é sua relação com o partido e tudo isso e tal. Mas, é lamento, uma pergunta feita como se um comunista fosse um caso particular da humanidade. Essa pergunta nunca é feita a um escritor de direita. Nunca. Não há memória de que a um escritor de direita, mesmo que seja um reacionário completo, de alguém perguntar-lhe que relação você tem, sendo escritor, com o partido onde você está, que é a coisa pior que há no mundo, de reacionarismo, fascista e tudo o mais. A esse nunca se pergunta. Mas ao escritor que caiu em comunista ou comunista que caiu em escritor, sempre a pergunta vem. Então, eu direi que, tal como no conjunto dessas coisas já ficou claro que tenho uma relação pacífica com as coisas do meu trabalho e na relação que o meu trabalho tem com os outros, que não há relação mais pacífica que aquela que eu tenho com as minhas convicções, em primeiro lugar, com o partido que consubstancia, digamos, assim, essas mesmas convicções. Sou dentro e fora desse partido – fora quando não estou em relação direta com ele, dentro quando há o momento, quando estou em seu nome -, digamos assim, há uma relação de perfeita lealdade, de perfeita responsabilidade e de perfeita liberdade. Quer dizer, eu escrevo exatamente o que quero, exatamente como quero, sem nenhuma prévia determinação, orientação, conselho, aviso, prevenção, arranjo todas as palavras que quiserem, vindas direta ou indiretamente do meu partido. E por uma razão imediata e simplicissima, é que eu sendo convictamente aquilo que sou, também convictamente acho que o meu partido não é competente em matéria literária.

Folha — Como é o seu diálogo com a crítica, se é que existe ou lhe interessa?

José Saramago — Há, realmente, uma certa crítica, que se comporta, digamos, atravessando os passos às escuras, onde se pode pensar porque não se vê o que lá está, está vazio. Esse tipo de crítica leva archote e escolhe um caminho, vai às escuras. Só vê aquilo que o seu próprio archote vai iluminando. Essa é a crítica que, no fundo, só vê o que está no seu caminho, o que significa que só vê o que está no caminho que escolheu. Se escolheu ignorar o resto, o archote não chega lá. Não vai usar archote. Só falará daquilo que o seu próprio archote iluminará. Bom, isso aplica-se a qualquer país do mundo porque, infelizmente, há muita crítica que se comporta desta maneira. A relação com a crítica em Portugal, neste momento, é bastante boa, provavelmente porque praticamente não existe crítica. Há um outro jornal que faz recensões. Quer dizer, algo que não é o que estamos a falar, da crítica, crítica, crítica. Às vezes, recensões feitas com inteligência, com sensibilidade, feitas por pessoas que, enfim, tem alguma capacidade, mas que não significa, de modo geral uma preparação clara, enfim, quer acadêmica, quer não, mas que justifique exatamente essa espécie de missão, de intermediários entre o autor e o público. Já que, realmente, a grande função da crítica é essa. Não é dar lições ao autor, porque o autor não as quer. Não as quer e ainda que quisesse recebê-las, não pode. Não pode, o autor tem o seu caminho próprio e ficará muito aborrecido se lhe disserem que seu livro é mau. Ele, aliás, vai escrever outro livro mau pelas mesmas suas próprias razões. Enfim, não há que fugir disto. Agora, para o público é indispensável. Então, digamos, o que está a acontecer hoje numa relação, a relação entre o público e o autor em Portugal está a fazer-se diretamente. Não passa pela mediação da crítica. A crítica, enfim, vai falando. Os críticos que há, que —repito— não são muitos, vão, enfim, falando dos livros e tudo o mais, mas é realmente uma relação direta entre público e autor.

Folha — Que é o ideal.

José Saramago — Eu não diria que é o ideal, porque, na verdade, embora eu tenha dito aqui algumas palavras, enfim, não muito lisonjeiras para um certo tipo de crítica, a verdade é que eu considero a crítica necessária. Eu considero a crítica indispensável.

Fonte:
Publicado na Folha de São Paulo, São Paulo, sábado, 6 de maio de 1989.
http://almanaque.folha.uol.com.br/entsaramago.htm

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Francisco José Sobreira de Matos (Poesias Dispersas)

O produto dos meus sonhos

O produto dos meus sonhos
Que agora se concretizou
Tenta me deixar
E as pilastras de minha vida esfacelar
Feito lágrima ao tocar o chão

Depois de violar
Com sentimento tão lindo meu mundo
Como podes, por um segundo,
pensar em abandonar

Proponho um amor diferente
Daqueles que poucas pessoas buscam,
sentem ou querem encontrar
Erguido sobre paredes de virtudes
Que o tempo poupará
Pois seu constituto é permanente
Diferente de que com o tempo irá se desmanchar

O amor não é racional
E sendo assim, não tem que torná-lo banal
Como se a toda hora outro novo fossemos encontrar

E todo mal que me traz
Não se compara a paz
Que seu amor me dá

Abrindo as portas do meu pensamento
Para que todo esse excremento efêmero que nos mandam pensar
Dinheiro, velhice, fama e morte
Não consigam me dominar

E se de alguma forma sou forte
Nas dificuldades da vida
É apenas o produto
Do amor que me remete a verdade
Que está para além dos sentidos
E prossigamos unidos
Pois o amor é mais sutil e verdadeiro
Do que toda essa verdade que juras enxergar.
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Sentimentos Calados

Sentimentos calados
Em espaços fechados
Numa luz que se apaga

Do bréu que se anuncia
Minha alma irradia
Uma fagulha de esperança

Em amores latentes
Florescem pungentes
Herança da filosofia

Caminho que se abre
Entre as sombras que já sabem
Que este ser não podem assombrar

Uma razão treinada
Visceralmente incrustada
De uma sutil sensibilidade
É condição para a liberdade
E todo medo enfrentar
===========================
Espelhos

No espelho que nos vemos
Nunca nos reconhecemos
Pois nestas figuras decrépitas que percebemos
Nem de longe são as imagens complexas e difusas
Do que realmente somos

Vemos nossa imagem através de pressupostos
De interpretações que nos sublimam as noções
E naquelas formas projetadas que nos aparecem
São frutos das imaginações
Do acumulo de percepções e interpretações
Que formam as projeções da figura que se expõe

O ser é pensamento,
o ser não é imagem
Imagens, cor, som são tentações
Que nos levam a alçapões de obscuridades
Se assim o desejarmos

Se pensarmos que somos corpos animados
Visivelmente incrustados de falsos baluartes
Prosseguiremos e mataremos em todos os milionésimos momentos
o verdadeiro esplendor do nosso ser
Que é pensamento

O corpo não sente nada
Nunca tocamos em nada
Pois em campos magnéticos
De causas e efeitos,
em repulsões e atrações
É que o mundo empírico se mostra
Muitas vezes entendido de maneira torta
E desprezamos o pensar sem nem tentar conceituar
O mais fundamental “o que sou eu?”

Não somos imagens em espelhos
Somos amálgamas de pensamento
E todo esse excremento que nos mandam pensar
É nosso dever duvidar
E buscar na mais simples dúvida uma certeza
E vislumbrar com clareza a base de onde
A partir daí a tudo, novamente, devemos questionar.
=========================

Francisco José Sobreira de Matos, 23, estudante de filosofia na Universidade Federal do Pernambuco – UFPE, natural da cidade cearense de Juazeiro do Norte, cidade esta, grande expoente da cultura popular nordestina. Procurando unir os conhecimentos obtidos pela temática diversa e profícua dos estudos de filosofia com a forma poética de se transmitir o conhecimento apreendido, produziu uma série poética com temas cotidiano-filosóficos, que buscam angariar o leitor para uma discussão acerca de temas inerentes à questão da formação do sujeito contemporâneo, almejando ser um fomento para auto-reflexão e desenvolvimento da criticidade do leitor
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Fonte:
Poesias enviadas pelo autor.

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Débora Tavares (Santuário da Poesia)

Líbano

ainda se esses olhos baixos se curvassem
ao excesso de sol

mas eles miram os pés a lamentar
o excesso de sombra
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Calmaria

Guarda a tua voz
quando o silêncio grita.

Mareja nos teus olhos
uma ilha.

Descansa o teu barco,
recolhe a vela

Espera
que o ondular das águas
e algum vento
te devolvam a
terra
=======================
Polvo

Liberta tua tinta nanquim
Esfumaça a água
Acende uma coragem qualquer
Alivia teu corpo
Protege-te dele
=======================
Âmago

Render-se à simplicidade das horas.
Apanhar um punhado de areia,
ampulheta viva, esvaindo sais e pedras.
Diluir o gozo da posse
para que restem
apenas as curvas da mão.

=======================
Long, long play

Billy Holiday no vinil,
livros usados e
eu
neste teatro.
Hoje não quero palco.

Avisto olhares cegos.
Rodo invisível e escuro.
Roda escuro e lento o long play.
A paciência da agulha,
o risco,
o pó.

As faixas definidas.
O tempo de atravessar.

Um Rolling Stones agora
I’m “waiting on a friend”.
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Serena

Esqueçamos o crepúsculo tristonho
E qualquer longitude
Estejamos rentes
Onde os dedos se enlaçam
Onde os olhos se adentram

Acolhamos nossas raízes
Entendamos que delas depende
O sol da longevidade
Onde os dedos se enlaçam
Onde os olhos se adentram
=======================
Cerrada

Quero

o murmúrio do ouvido na água

o estado de minério
a quietude da rocha

o mergulho da retina no escuro
a densidade da mata

a fundura de um leito de rio
para uma raiz alimentada

e então a voz.
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Anzol

Meu pai não teve filho.
Meu pai aos quatro anos não teve mais pai.
Meu filho de quatro anos senta a seu lado.
Eles pescam a companhia que faltava.
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Sobre a autora
Débora Tavares mora em São Paulo (SP). É graduada em letras. Tem poemas publicados em sites e revistas literárias: http://www.bestiario.com.br; http://www.revistazunai.com.br; revista Cigarra; revista Puçanga 2; jornal Casulo 3, entre outros. Está reunindo material para a publicação de seu primeiro livro.
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Fonte:
Jornal de Literatura “O Rascunho” – Curitiba/PR
http://rascunho.rpc.com.br/

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Antonio Carlos Olivieri (Uma História Esquisita)

Sabe um dia daqueles? Foi um dia daqueles, relembrou José Carlos, desmilingüido. Para começar, acordou atrasado. Tinha esquecido de botar o despertador. Na garagem, o motor do carro não pegava de jeito nenhum. Depois, nos primeiros quarteirões, a caminho do trabalho, trânsito arrastado, moroso, muito mais lento que o de costume. Para ganhar tempo, recorreu a um atalho pela contramão. Aquela era uma rua tranqüila, quase deserta. Nunca tinha visto um guarda ali. Naquele dia, porém…

O guarda, escondido atrás do poste, mal avistou a infração, mandou o motorista parar.

José Carlos estacionou e aproximou-se dele, que lavrava a multa no talão.

– Não viu a placa? – perguntou o PM, com ironia (autoritária, no topo de uma estaca amarela, pairava o círculo vermelho com a seta preta cortada pela barra transversal).

– Na verdade, não vi o senhor – respondeu José Carlos, querendo fazer graça, para ganhar a simpatia do policial.

Não adiantou. O guarda, bélico, continuou a canetar. José Carlos fez um ar reservado, mas descontraído. Explicou a urgência de bater o cartão de ponto e ofereceu uma cervejinha, pela vista grossa. O olhar do outro, afiado, deixou claro que ele incorrera num agravante. Um guarda honesto! José Carlos desesperou-se. Questionou a gravidade do delito e começou uma discussão. Resultado: teve a carta de motorista apreendida. Quanto ao automóvel, só poderia sair dali se alguém devidamente habilitado viesse retirá-lo. Ponto final.

De resto, o guarda deu-lhe as costas e voltou para trás do poste, em prontidão. Num rádio longínquo, nesse momento, o vozeirão grave de Nelson Gonçalves cantava “Vitrines”, de Chico Buarque:

– Eu te vejo sumir por aí, te avisei que a cidade é um vão, dá tua mão, olha pra mim, não faz assim, não vai lá não…

José Carlos deixou o local do incidente como que arrancado a fórceps, pela necessidade. Não podia faltar ao serviço. O chefe andava na sua cola havia meses. Afastou-se do carrinho, humilhado por abandoná-lo ali, estacionado numa rua anônima, sozinho. A quem poderia pedir auxílio? Que amigo se disporia a ajudá-lo naquela hora, quando todo mundo começava a trabalhar? E, falando sério, quantos amigos de verdade tinha mesmo?

Chegou à conclusão de que só poderia retirar seu automóvel dali com os préstimos de um despachante, que resgatasse sua habilitação. De alguém que se incumbisse de vencer os trâmites legais. Era isso, sim, com certeza. Ainda bem que trabalhava nas redondezas da praça da República, onde funcionavam centenas de despachantes. Não seria difícil encontrar um para socorrê-lo.

José Carlos desceu de ônibus do bairro até o Centro. De pé, espremido entre os outros passageiros, arrasado, mas decidido a entregar seu problema a alguém do ramo. Depois, rumar o quanto antes para a firma. Respirou fundo, quase relaxado. O fantasma do atraso desapareceu do seu peito, mas deu lugar ao pavor com essa despesa extra, a do despachante, inesperada, com um preço que aumentava gradativamente em sua preocupação. Fatalmente, o orçamento do mês já estava comprometido. Ganhava tão pouco!

Na verdade, não foi pequena a quantia que lhe pediu o profissional, um sujeitinho pernóstico, que a todo o momento ajeitava o nó da gravata na folga do colarinho. Demonstrava, porém, inabalável segurança na sua perícia, através de um sorriso displicente, sob o risco grisalho do bigode. Com certeza, podia ser considerado um doutor em burocracia, embora só um diploma de torcedor corintiano enfeitasse as paredes desbotadas de seu gabinete.

– Até as cinco horas, o mais tardar, eu lhe trago para o senhor a sua habilitação de volta – garantiu a José Carlos. – É líquido e certo. Vá tranqüilo que eu lhe telefono para o seu escritório logo em breve. Falo consigo quando tudo estiver pronto e terminado.

O cliente agradeceu, entregou dois pré-datados e deixou a saleta entulhada de arquivos de aço, entreabertos, entupidos de pastas suspensas, abarrotadas de formulários e boletos. Mas francamente, não conseguia se sentir tranqüilo, seguro, despreocupado… Ao contrário, como uma pedra no sapato, a insegurança passou a cutucá-lo a cada passo, tão logo se afastou do homem que havia contratado. Alguma coisa o incomodava no tipo. A certeza de ser enganado ou traído apoderou-se de José Carlos, nesse momento, mesmo sem um motivo claro. Afinal, seu despachante não era em nada diferente de outra centena de despachantes estabelecidos na região.

A carta apreendida, o atraso ao trabalho, o despachante suspeito, o chefe intransigente… Aos poucos, o dia adquiria a consistência gelatinosa de um pesadelo. José Carlos sufocava. Todavia, agüentou firme, sabe lá como. Só não podia atrasar mais um minuto para o serviço. Então, marchou para a firma, acelerado, nas brechas da multidão que atulhava a rua Barão de Itapetininga. Interrompeu-se apenas por uma fração de segundos, na esquina da rua Marconi, onde um menino distribuía filipetas sobre a inauguração de um vegetariano na Xavier de Toledo. José Carlos não tinha tempo para o almoço: passavam vinte e cinco do meio-dia.

No escritório, procurou entrar sem ser notado, acreditando que isso não seria impossível, no ambiente labiríntico do seu andar, loteado por duas dúzias de divisórias de eucatex. Aumentando deliberadamente o itinerário até seu cubículo, evitou passar em frente à sala do gerente, seu chefe, o doutor Camargo. Caminhava devagar, na defensiva, os ombros contraídos, como se temesse deparar, a qualquer momento, com um monstro mitológico.

Afinal, quando estava quase chegando, tropeçou no gerente, que avançava em sentido contrário, voltando provavelmente da sala do cafezinho. Tão logo botou os olhos em José Carlos, o homem disparou:

– É o seu terceiro atraso este ano, não sabe?

– Eu…

– Não posso transigir com uma coisa dessas, posso?

– Não… eu…

– Como é que eu posso confiar em quem não consegue cumprir nem sua obrigação com o relógio, não é verdade?

– É… eu…

– Olha que hoje em dia está cada vez mais difícil de arranjar emprego, concorda?

– Sim… eu…

– Ainda mais para quem não tem grande qualificação como o senhor, não é mesmo?

A essa altura, em cada uma das pontas do corredor onde os dois se espremiam, apareceram as caras curiosas de um punhado de colegas de José Carlos. Nem por isso o doutor Camargo interrompeu o sermão. Antes, tornou-se ainda mais veemente, acentuando as questões retóricas do final de cada frase. Do fundo do labirinto de divisórias, para escutar melhor, alguém desligou o sistema de música ambiente, encerrando abruptamente uma versão pasteurizada de “O calhambeque”.

Ao dar a bronca por encerrada, o chefe olhou feio para os espectadores nas pontas do corredor. Como um enxame de moscas, que se esgarça a uma palmada, a platéia desapareceu. José Carlos achou melhor segui-la, rapidinho. Resmungando uma hesitante promessa de pontualidade, retrocedeu sobre seus passos, caminhando para trás, de modo a não dar as costas ao doutor Camargo. Este, com a empáfia de um monumento, não arredou um pé de onde tinha se postado até vê-lo sumir. Em seu cubículo, José Carlos sentou-se e ligou seu terminal de computador, ruminando as ameaças do chefe e a vergonha diante dos colegas.

Na parede do escritório, o relógio resolveu fazer cera todo o resto da tarde, uma tarde esparsa, esgarçada, interminável. Cada minuto se arrastava vagarosamente no mostrador sem a mínima pressa. Para piorar, José Carlos não conseguia alinhavar as palavras no monitor, por mais que se esforçasse: não encontrava os termos adequados, confundia-se com os pontos e acentos, dedilhava frases desconcatenadas que nunca chegavam ao final.

Na única ocasião em que um parágrafo parecia encaminhar-se, um colega veio lhe contar uma piada:

– Conhece a do português que comprou uma coruja pensando que fosse um papagaio…

Além disso, antes do fim do expediente, o telefone o assaltou três vezes. Ao toque da campainha, estremecia sempre, como se atravessado por um choque elétrico. Atendia numa espécie de transe atrapalhado, mas em nenhuma delas escutou a voz do despachante do outro lado da linha. Mesmo assim, as três ligações foram de cunho pessoal e as duas últimas – ambas da namorada – aconteceram justamente quando o chefe tinha ido lhe cobrar o relatório. José Carlos, embaraçado, foi tão evasivo com a namorada, que ela se irritou e bateu o telefone na sua cara. Isso, porém, não contribuiu para acalmar o doutor Camargo, que se afastou brandindo os braços.

O gerente, enigmático, não lhe dirigiu mais uma palavra até o final do dia, mas fez questão de acompanhá-lo com o olhar, na fila do relógio de ponto, na hora da saída. Nos olhos do chefe, o funcionário acreditava decifrar o alívio de quem vai se livrar de um trambolho. No entanto, para José Carlos, agora, o doutor Camargo e até mesmo a namorada, enraivecida, tinham passado a habitar um distantíssimo segundo plano, em outro planeta. Só queria saber do despachante e descobrir: por que ele não tinha dado notícia?

No escritório do tipo, apenas a porta fechada esperava por José Carlos, com uma tabuleta a informar que o expediente acabava às 18h. Eram 17h45. Atordoado, José Carlos desceu pelas escadas os quatro andares até o térreo e se colocou de sentinela na entrada do prédio, onde permaneceu até as 19h30, em vão. Noventa minutos de puro sofrimento, em especial devido à batucada que jorrava do botequim na esquina da rua dos Timbiras. Quatro gaiatos, cada vez mais bêbados, executavam interminavelmente “Aquarela Brasileira”, recomeçando novamente sempre que chegavam ao final:

– Vejam, essa maravilha de cenário, é o episódio, o relicário, que o artista, num sonho genial, escolheu…

José Carlos cuspiu na calçada e se deu por vencido. Foi mastigar um sanduíche no bar e aceitou deixar o despachante para o dia seguinte. Aliás, não havia alternativa: o que mais poderia fazer? Voltaria pela manhã, na primeira hora. Exigiria uma boa explicação. Mas não podia deixar seu carro dormir ao relento, sob risco de roubo ou vandalismo. Não, isso não. Resolveu que, mesmo sem a carta, iria buscá-lo e conduzi-lo ao aconchego de seu lar. Seu azar não podia ser tanto que a polícia resolvesse implicar novamente com ele naquele dia (dessa vez por dirigir sem a habilitação).

Realmente, conseguiu pegar o carro e chegar em casa sem problemas. A essa altura, tanta facilidade começava a lhe parecer uma coisa suspeita. Deixou o veículo na garagem e subiu para o apartamento, onde entrou sem acender as luzes. Caminhou até a janela e, pela fresta da cortina, olhou para a rua lá embaixo, à espreita de um policial imaginário, de um agente secreto que talvez o tivesse seguido.

Alguns momentos depois, foi abatido pela granada de um cansaço estarrecedor. Desmoronou no sofá, apoplético, desmilingüido. Tinha sido um dia daqueles…

Ali, enquanto a noite avançava, deixou-se consumir, sem resistência, pela premente sensação de ser o culpado por um crime que jamais havia cometido.

Em algum momento, lá pelas nove e meia, uma lembrança retirou José Carlos desse estupor. Recordou-se de um oficial de justiça que um conhecido lhe apresentou, num final de tarde, no Bar do Léo. O homem tinha simpatizado com ele, após conversarem sobre a pena de morte, da qual eram a favor.

Depois daquela ocasião, voltaram a tomar umas Brahmas juntos, pelo menos duas vezes, conforme se lembrava. Como era mesmo o nome dele? Não tinha idéia, mas havia guardado seu cartão de visita, pois sempre considerou conveniente manter uma boa relação com autoridades. Talvez pudesse conversar com o oficial e pedir que ele fizesse uma pressãozinha no despachante, por que não?… A maioria das pessoas só trabalha mesmo sob pressão.

No fundo do armário do quarto, por trás dos ternos pendurados nos cabides, buscou a caixa de sapatos onde arquivava seus documentos e as garantias dos eletrodomésticos. Não achou o cartão que queria, mas descobriu um livro que tinha ganhado havia muito tempo, sabe lá de quem. Não era de ler nada além de uma gazeta esportiva. Não deu maior atenção ao volume nem no dia em que o ganhou. O livro – uma brochura de trezentas páginas – tinha rolado por todos os cantos do apartamento, da sacada à cozinha, até ser depositado ali, sabe Deus quando.

Sem pensar no motivo do gesto, enfiou o volume debaixo do sovaco e voltou para a sala. Esparramou-se no sofá e começou a imaginar que o livrinho poderia distraí-lo e ajudá-lo a relaxar, pois a televisão estava quebrada. Encarou a capa da brochura, intrigado, para matar a charada da abstração que a ilustrava. Leu e releu o título da obra, a marca da editora, o nome estrangeiro do autor, que lhe era totalmente desconhecido.

Então, com a ponta do polegar e do indicador, sentiu a textura da folha de papel. Por fim, abriu o livro e patinou as retinas nas primeiras linhas do parágrafo inicial:

“Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum. A cozinheira da senhora Grubach, sua locadora, era a pessoa que lhe trazia o café todos os dias por volta de oito horas, mas desta vez ela não veio. Isso nunca tinha acontecido antes. K. esperou mais um pouquinho, olhou de seu travesseiro a velha senhora que morava em frente e que o observava com uma curiosidade nela inteiramente incomum, mas depois, sentindo estranheza e fome ao mesmo tempo, tocou a campainha.”

Supondo que se tratava de uma história policial, José Carlos seguiu adiante, mas o inesperado desdobramento do enredo começou a perturbá-lo. Sentia-se confuso, desorientado, perplexo. Como é que alguém poderia ser processado sem saber qual o motivo? Por que diabo K. não conseguia obter com ninguém nenhuma informação? Que país poderia ter um sistema judicial tão arbitrário? Como um autor se atrevia a escrever assim, de maneira tão surpreendente, de modo a desatinar o leitor?

Cinco dezenas de páginas à frente, desnorteado, cogitou interromper a leitura. Porém, como lhe tornassem à mente a figura do despachante, do chefe, da namorada, retornou às absurdas peregrinações do tal Josef K., até sua inexplicável execução – a facadas! – no décimo capítulo.

Então, José Carlos fechou o volume, atônito. Ficou a observar um ponto inexistente acima da luminária do teto e até do globo terrestre no exato lugar onde as paralelas se encontram. Assim permaneceu, imóvel, durante muito tempo, reflexivo, absorto, concentrado, como se, a partir do que leu, algo fermentasse em sua imaginação e o fizesse descobrir uma verdade pungente, que o atingia em seu âmago. Às três da madrugada, espreguiçando, jogou o livro de lado e se rendeu: aquela história esquisita não lhe dizia absolutamente nada.
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ANTONIO CARLOS OLIVIERI, 51 anos, nasceu no Rio de Janeiro (RJ), mas mora em São Paulo desde a infância. É formado em Letras pela USP e em jornalismo por exercício da profissão. É autor de livros paradidáticos e ficção infanto-juvenil.
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Fonte:
Jornal de Literatura “O Rascunho” – Curitiba/PR
http://rascunho.rpc.com.br/

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Carlos Ribeiro (O Conto: Arte do Efeito Único)

Gênero de difícil definição, o conto tem sofrido grandes transformações, mas mantém o vigor neste início do século 21

Não poucos autores dedicaram-se, com competência, mas também com alguma temeridade, à ingrata tarefa de definir o conto, esse gênero ardiloso, capaz de adotar, com familiaridade, os disfarces da crônica, da novela, da fábula, da poesia, das memórias e até do romance. Sherwood Anderson disse, de forma perspicaz, que o mais importante, no conto, não é o que as personagens estão a dizer (ou a fazer, acrescenta Hélio Pólvora), senão o que estão a pensar – o que aponta para a introspecção que se aguçou a partir dos primeiros 25 anos do século passado. O uruguaio Horacio Quiroga contribuiu para a definição do gênero com seu Decálogo do perfeito contista, no qual destaca o ardor (jamais a emoção) necessário ao contista para o sucesso nesta arte, vista como um cume inacessível. Machado de Assis, não menos genial contista do que romancista, assinalou, com habitual ironia, a principal vantagem de um conto medíocre sobre um romance medíocre: sua brevidade.

Para Hélio Pólvora, autor de Itinerários do conto: interfaces críticas e teóricas da moderna short-story, do qual tirei as citações acima, um conto “Pode ter meia página, uma página ou trinta mil palavras, como em Henry James“. “Grande Sertão: Veredas não será, em realidade, um conto longo?“, provoca. E, se o leitor é desses que entendem o conto “como uma narrativa que não pode ultrapassar 20 ou 25 páginas”, peço um pouco de paciência e convoco, em minha defesa, Mário de Andrade, para quem “conto é tudo aquilo que o autor quiser chamar de conto“. É verdade que a frase, retórica e provocativa, não ajuda muito a elucidar o gênero, mas deve-se lhe reconhecer o mérito de salvá-lo de definições esquemáticas. Mesmo porque, nas listas pessoais de melhores contos, pode-se incluir, sem escândalo, desde crônicas de Rubem Braga a poemas em prosa de Baudelaire.

Julio Cortázar, no ensaio Alguns aspectos do conto, diz que este parte da noção de limite, “a ponto de passar a receber na França, quando passa de vinte páginas, o nome de nouvelle, gênero equilibrado entre o conto e o romance propriamente dito“. O que não o impede de incluir, em sua coleção de preferidos, A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, na nossa modesta opinião, mais precisamente uma novela, aliás, uma das grandes da literatura ocidental, ao lado, por exemplo, de Bartleby, o escrivão, de Melville, e A metamorfose, de Kafka. Tenho em mãos uma edição da editora Alhambra, de 1981, com 77 páginas, 55 a mais do que comporta o gênero, segundo consideravam os franceses, na época em que o autor de Bestiário escreveu seu ensaio.

Daí se vê que o tamanho do texto, em número de caracteres e páginas, embora possa ser tomado como referência importante, não é suficiente para definir o gênero. Se o leitor bater pé firme que Dr. Jekyll and Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson, é um grande conto e não uma novela como querem alguns, não será crucificado por isso. Podemos dizer o mesmo de Enfermaria número 6? De O alienista? De Noites brancas? De O estrangeiro? De A pérola? De A volta do parafuso…?

Noção de limite

Mais do que o tamanho do texto, embora inevitavelmente associado a este, as duas marcas principais do gênero são a intensidade e a densidade. Linguagem que prima pela concisão. A idéia de “tomada” da realidade converge para o conceito cortazariano do conto como fotografia, em relação ao do romance como filme. O romance e o conto, diz Cortázar, “podem ser comparados analogicamente com o cinema e a fotografia, posto que um filme é em princípio uma ‘ordem aberta’, romanesca, ao passo que uma fotografia bem-sucedida pressupõe uma rígida limitação prévia, imposta em parte pelo reduzido campo que a câmara abarca e pela maneira como o fotógrafo utiliza esteticamente tal limitação“.

Moldado pela “noção de limite”, o conto, tal como a fotografia, cede a esse limite para encontrar, adiante, a síntese que possibilita uma transcendência e, portanto, a expressão de uma realidade muito mais ampla do que a captada pela câmera ou pela cena refletida no texto. Um bom conto não se esgota em si mesmo, como simples registro factual ou naturalista de um acontecimento. Ou como mera conceituação da realidade. Antes, ilumina a realidade, como síntese desta. Diz Cortázar:

É preciso chegar à idéia viva do que é o conto, e isso é sempre difícil na medida em que as idéias tendem ao abstrato, a desvitalizar seu conteúdo, ao passo que a vida rejeita angustiada o laço que a conceituação quer lhe colocar para fixá-la e categorizá-la. Mas, se não possuirmos uma idéia viva do que é o conto, teremos perdido nosso tempo, pois um conto, em última instância, se desloca no plano humano em que a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me permitem o termo; e o resultado desta batalha é o próprio conto, uma síntese viva e ao mesmo tempo uma vida sintetizada, algo como o tremor de água dentro de um cristal, a fugacidade numa permanência. Somente com imagens pode-se transmitir a alquimia secreta que explica a ressonância profunda que um grande conto tem em nós, assim como explica por que existem muito poucos contos verdadeiramente grandes.

A definição do gênero, portanto, está intimamente associada à sua excelência. Para entendê-lo há de se procurar suas características definidoras nos textos que se destacam entre os melhores. Para se compreender bem as noções de densidade e de intensidade, que lhe fazem jus, há de se ler um Bábel, um Hoffman, um Borges, um Bradbury, um Tolstói, um Kafka, um Machado, um Borges, um Cortázar, um Graciliano, um Kipling, um Hesse, um Guimarães, um London, uma Clarice, um Merimée. Além, é claro, do próprio Cortázar, e dos grandes mestres definidores do gênero: Edgar Allan Poe e Anton Tchekhov.

Mas podemos também encontrar essas características em nomes que, embora consagrados, ainda permanecem vivos ou com memória recente entre nós, portanto, mais sensíveis às oscilações do gosto e dos critérios valorativos da crítica. De cabeça, posso citar meia-dúzia de obras modelares do gênero, tais como Os cavalinhos de Platiplanto, de José J. Veiga; Venha ver o pôr-do-sol, de Lygia Fagundes Telles; Mar de Azov, de Hélio Pólvora; A maior ponte do mundo, de Domingos Pellegrini; Cação da areia, de Vasconcelos Maia; Fazendo a barba, de Luiz Vilela. Ou, mesmo, tomando como referência a idéia do anticonto, construído sobre a perspectiva da falta de assunto, mas que, mesmo assim, mantém, paradoxalmente, a intensidade necessária, o excelente Conto (não-conto), de Sérgio Sant’Anna.

Tensão e unidade

Vale lembrar, aqui, o conceito poundiano de literatura como “linguagem carregada de significado”, e de grande literatura como “linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”. Neste caso, mais próxima da poesia, sobretudo da poesia lírica, por suas características metafóricas polivalentes. Mas que pode alcançar, também, na prosa, amplitudes memoráveis. O contista, diz Alfredo Bosi, “é um pescador de momentos singulares cheios de significação“.

Para Cortázar, um conto é tanto mais significativo quanto mantenha a tensão necessária à história curta – tensão esta que resulta do tratamento que é dado ao tema. Um conto, diz ele, “Não é ruim pelo tema, porque em literatura não há temas bons ou temas ruins, há apenas um tratamento bom ou ruim do tema. Tampouco é ruim porque os personagens careçam de interesse, já que até uma pedra é interessante quando dela se ocupam um Henry James ou um Franz Kafka. Um conto é ruim quando é escrito sem a tensão que deve se manifestar desde as primeiras palavras ou as primeiras cenas. E assim podemos adiantar que as noções de significado, de intensidade e de tensão irão nos permitir […] abordar melhor a estrutura mesma do conto“.

Aqui se encontra a noção de tensão com a nem sempre considerada, como vimos anteriormente, necessidade de um reduzido número de páginas. Vamos convir que seja mais fácil manter a tensão numa história (ou não-história) de meia, dez ou vinte páginas, do que num calhamaço de oitocentas; que a mantenha com três ou quatro personagens, num determinado espaço, do que com as centenas que povoam, por exemplo, os romances de Balzac, com diversos núcleos de conflito, que se desdobram em outros e outros, em numerosos cenários (exteriores ou interiores; reais ou imaginários). Daí decorre, portanto, a definição de Edgar Allan Poe, do efeito único proporcionado pela história curta, que deve ser lida de uma só sentada; e a de Cortázar, na conhecida analogia do conto com o boxe:

Um escritor argentino muito amigo do boxe me diz que, no combate que se dá entre um texto apaixonante e seu leitor, o romance sempre ganha por pontos, ao passo que o conto precisa ganhar por nocaute. Isto é verdade, pois o romance acumula progressivamente seus efeitos no leitor, enquanto um bom conto é incisivo, mordaz, sem quartel desde as primeiras frases.

Mas, adverte o autor, não se deve entender isso demasiado literalmente, “porque o bom contista é um boxeador muito astuto e vários dos seus golpes iniciais podem parecer pouco eficazes quando, na realidade, já estão minando as resistências mais sólidas do adversário“.

Daí se infere outra característica marcante do gênero, sua pedra de toque: a introdução. Introdução esta que já condiciona o desfecho. De onde nasce a concepção tchekhoviana do conto como um sistema “fechado”, tal como um soneto. A isto se aliando uma total economia de meios e uma rigorosa necessidade funcional de todos os seus elementos. Diz Tchekhov, não sem algum exagero, que “Se, no primeiro capítulo, se disser que da parede pende uma espingarda, no capítulo segundo ou terceiro alguém terá que dispará-la“.

Tal unidade é também destacada por Poe:

Um escritor hábil construiu um conto. Se foi sábio, não afeiçoou os seus pensamentos para acomodar os seus incidentes, mas, tendo concebido com zelo deliberado um certo efeito único ou singular para manifestá-lo, ele inventará incidentes tais e combinará eventos tais que melhor o ajudem a estabelecer esse efeito preconcebido. Se a sua primeira frase não tender à exposição desse efeito, ele já falhou no primeiro passo. Na composição toda, não deve estar escrita nenhuma palavra cuja tendência, direta ou indireta, não se ponha em função de um desígnio preestabelecido. (Graham’s Magazine, maio de 1842. Citação retirada do livro O conto brasileiro contemporâneo, organizado por Alfredo Bosi.)

Para Ricardo Piglia, que também se debruçou sobre o gênero, para analisá-lo, o conto conta sempre duas histórias: a visível e uma outra, secreta, narrada sempre de um modo elíptico e fragmentário. “O efeito de surpresa se produz quando a história secreta aparece na superfície“.

Relativização

Mesmo considerando todas essas definições, há de se abrir espaço para o insight, para uma execução do conto menos condicionada a regras e amarras racionalistas. É óbvio que, por limitações de tamanho e por exigência de uma maior intensidade, o gênero é menos afeito, que o romance, ao fluxo da consciência tão ao gosto dos surrealistas. Mas Virgínia Woolf e Clarice Lispector, James Joyce e Katherine Mansfield descortinaram, também no conto, novas paisagens e atmosferas poéticas, operando um deslocamento que, desde o século 19, vem ocorrendo do realismo, com a descrição pretensamente objetiva de fatos que acontecem lá fora, no mundo externo, material, testemunhados por um observador imparcial, para o mundo interior, de acontecimentos que ocorrem ou se refletem na consciência – e, mais além, no inconsciente: no universo rarefeito dos sonhos, dos delírios, das alucinações, da fragmentação da personalidade.

Tomando como balizas a contística de Maupassant (linear, anedótica e episódica) e de Tchekhov (de atmosfera, na qual o silêncio, o que não é dito, tem função essencial no efeito pretendido), o conto moderno ganhou, no século 20, um tom intimista, um encantamento verbal, também devedor da prosa poética de Rimbaud. Dessas vertentes, muitas vezes cruzadas e amalgamadas, desenvolveram-se estilos diversos, aos quais se agregam nomes como os de Hemingway, Juan Julfo, Raymond Carver, O. Henry, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan e Lygia Fagundes Telles.

À relativização da história e da realidade, a partir de múltiplos pontos de vista, soma-se o desenraizamento transcendental, a perda da busca de um sentido e de uma utopia, o que se reflete no tom de paródia, na negação de grandes projetos políticos, sociais e estéticos do modernismo; na preferência por pequenas questões do cotidiano; na aproximação com outras linguagens, a exemplo do cinema, dos quadrinhos, da publicidade. A supervalorização da linguagem leva, nos extremos do pós-estruturalismo, à quebra da ligação original entre o signo e seu objeto, dando-se as costas, segundo Jacques Derrida, “ao exterior referencial da linguagem”: ao mundo das coisas. É quando a linguagem se posiciona como realidade autônoma, e as possibilidades de interpretação se multiplicam no vazio criado pela ausência da autoridade – inclusive a do próprio autor em relação à sua obra.

A conseqüência disso é um distanciamento ainda maior do conto episódico, segundo o modelo maupassantiano, da história com começo, meio e fim, com tensão crescente, estrutura fechada e final inusitado. Hoje, é ainda evidente, entre muitos escritores contemporâneos, sobretudo no âmbito universitário, um desdém pela narrativa linear e pela construção de uma história. O que vale é, sobretudo, a linguagem – sendo Clarice Lispector e Guimarães Rosa as principais referências.

Este fenômeno tem provocado um empobrecimento do gênero, considerando: 1) Que existem grandes contos em qualquer vertente, não havendo, necessariamente, a superioridade de uma em relação à outra. O que importa realmente é o talento do escritor; 2) A inexistência, por exemplo, da noção tão valorizada por Rosa, da literatura como fábula, como transcendência – em suma: de uma visão filosófica da vida, hoje na contramão de um olhar voltado, como diz Alfredo Bosi, para o “dia-a-dia normal e socializado”, ou seja, para tudo que é anti-Guimarães. Resultado: a produção enfadonha de rococós lingüísticos sem transcendência, sem epifania, sem raízes, sem verticalidade, que compõem quase sempre uma escrita anêmica, narcisista, um cinismo pseudotransgressor, um experimentalismo verbal inconsistente, voltado para o próprio umbigo.

O mesmo ocorre, de certa forma, com outra vertente: a da literatura urbana neonaturalista, limitada pelo registro factual, documental e jornalístico, mas carente das raízes profundas que possibilitaram, num passado não muito distante, a representação de uma realidade humana densa e profunda. Falta, hoje, não apenas no Brasil, haja vista a valorização de autores como o francês Michel Houellebecq e de seus similares nacionais, “o subsolo humano comum onde a criação artística mergulha suas raízes à procura do alimento vitalizante“, como escreveu Aníbal Machado a respeito do conto russo do século 19.

Mas o conto resiste e mostra vigor, conforme demonstram as inúmeras coletâneas e antologias que vêm sendo editadas. Embora ainda não se possa vislumbrar grandeza, no que é feito atualmente, já se pode enumerar uma dezena de bons contistas, dentre autores surgidos nas últimas duas décadas, de norte a sul do país, conforme têm demonstrado antologias organizadas por Nelson de Oliveira, Luiz Ruffato e Rinaldo de Fernandes.

Numa época de extremo relativismo, talvez seja anacrônico esperar grandeza nas artes e na literatura, quando os próprios parâmetros de avaliação são desconstruídos, irremediavelmente. Talvez estejamos caminhando para critérios individuais do que é efetivamente o melhor. Com o desenvolvimento das tecnologias digitais, cada leitor poderá editar suas próprias antologias. Se me for possibilitado tal privilégio, não deixarei de reverenciar títulos que marcaram profundamente a minha formação, como leitor, a exemplo de O duelo, de Tchekhov; O escaravelho de ouro, de Poe; O homem da areia, de Hoffmann; O sinaleiro, de Dickens; Terra de cego, de H. G. Wells; A vênus de Ille, de Prósper Merimée; Os construtores de pontes, de Kipling; A morte do leão, de Henry James; Um artista da fome, de Kafka; As ruínas circulares, de Borges; A ilha ao meio-dia, de Julio Cortazar; O planalto em chamas, de Juan Julfo; Chuva, de Somerset Maughan; A sirene no nevoeiro, de Ray Bradbury…

No Brasil, limitando-me a autores já mortos, não poderia esquecer títulos como: A missa do galo, de Machado de Assis; Vestida de preto, de Mário de Andrade; Acudiram três cavalheiros, de Marques Rebelo; Cheia grande, de D. Martins de Oliveira; A hora e a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa; Flor, telefone, moça, de Carlos Drummond de Andrade; Viagem aos seios de Duília, de Alcântara Machado”; Baleia, de Graciliano Ramos; O pirotécnico Zacarias, de Murilo Rubião; Laços de família, de Clarice Lispector; Amado cavaleiro o audaz motoqueiro, de Herberto Sales; Sargento Garcia, de Caio Fernando Abreu…

A lista se estenderia muito mais, se não tomássemos aqui o modelo de conto como gênero autônomo, formado a partir do século 19. Nesse caso, não deixaria de citar, sob a rubrica de apólogos, fábulas, novelas e alegorias, as histórias das Mil e uma noites, das Novelas exemplares, de Cervantes, dos Irmãos Grimm, de Voltaire (Zadig, Micrômegas) e tantos outros textos que enobrecem a arte de contar. “Façamos sempre contos”, escreveu Diderot. Pois, “O tempo passa e o conto da vida se completa sem disso darmos conta”.

Decálogo do perfeito contista
Horácio Quiroga (1878-1937)

I. Crê num mestre – Poe, Maupassant, Kipling, Tchekhov – como na própria divindade.

II. Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhes dominá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirás sem que tu mesmo o saibas.

III. Resiste quanto possível à imitação, mas imita se o impulso for muito forte. Mais do que qualquer coisa, o desenvolvimento da personalidade é uma longa paciência.

IV. Nutre uma fé cega não na tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua arte como amas tua amada, dando-lhe todo o coração.

V. Não começa a escrever sem saber, desde a primeira palavra, aonde vais. Num conto bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.

VI. Se queres expressar com exatidão essa circunstância – “Desde o rio soprava um vento frio” -, não há na língua dos homens mais palavras do que estas para expressá-la. Uma vez senhor de tuas palavras, não te preocupes em avaliar se são consoantes ou dissonantes.

VII. Não adjetives sem necessidade, pois serão inúteis as rendas coloridas que venhas a pendurar num substantivo débil. Se dizes o que é preciso, o substantivo, sozinho, terá uma cor incomparável. Mas é preciso achá-lo.

VIII. Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o final, sem atentar senão para o caminho que traçaste. Não te distraias vendo o que eles não podem ver ou o que não lhes importa. Não abuses do leitor. Um conto é uma novela depurada de excessos. Considera isto uma verdade absoluta, ainda que não o seja.

IX. Não escrevas sob o império da emoção. Deixa-a morrer, depois a revive. Se és capaz de revivê-la tal como a viveste, chegaste, na arte, à metade do caminho.

X. Ao escrever, não penses em teus amigos, nem na impressão que tua história causará. Conta, como se teu relato não tivesse interesse senão para o pequeno mundo de teus personagens e como se tu fosses um deles, pois somente assim obterás a vida num conto.

Fonte:
Jornal de Literatura “O Rascunho” – Curitiba/PR
http://rascunho.rpc.com.br/

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Henry James (1843 – 1916)

Segundo filho do casal Henry James e Mary Robertson James, Henry James nasceu em 15 de abril de 1843 em Nova York, perto de Washington Square, onde passou a infância.

Em julho de 1855 a família partiu para a Europa. Durante os cinco anos seguintes, entre várias idas e vindas, as crianças freqüentaram alternadamente, escolas européias e americanas. Em 1860 voltaram a morar nos Estados Unidos.

Em 1861 começou a estudar na Faculdade de Direito de Harvard, mas conferências do escritor James Russel Lowell sobre literatura faziam-no esquecer as leis. Em 1863 escreveu seu primeiro conto – A Tragedy of Error – publicado sem assinatura na revista Continental Monthly em fevereiro de 1864, mesmo ano em que junto com a família, muda-se para Boston. Pouco tempo depois redigiu uma nota crítica para The North American Review. No ano seguinte se tornou colaborador da revista The Nation e publicou na revista Atlantic Monthly seu primeiro conto assinado: The Story of a Year.

Em 1866 a família transfere-se para Cambridge, Estados Unidos.

Em fevereiro de 1969 partiu para a Europa. Levava consigo o pequeno lastro de suas experiências literárias, os primeiros contos em que já aparecem alguns dos temas que seriam constantes em sua obra – os artistas, o sobrenatural, o americano viajado. Esteve na Inglaterra, França, Suíça e Itália.

Em março de 1870 recebe a notícia da morte de sua prima Minny Temple, da qual gostava muito e em quem se inspiraria anos mais tarde para criar vários personagens.

Em abril voltou para os Estados Unidos e tornou-se crítico de arte do periódico The Atlantic, no qual publicou, em 1871, sua primeira novela: Watch and Ward.

Em 1875 publicou o romance Roderick Hudson e o livro de contos A Passionate Pilgrim. Em novembro do mesmo ano mudou-se para Paris, onde trabalhou como correspondente do jornal Tribune. Um ano depois James chegou à conclusão de que não tinha talento para repórter e partiu para Londres. Antes de arrumar as malas, fez um balanço dos aspectos positivos de sua estada em Paris. Em termos de criação literária, a melhor obra desse período foi O Americano, publicado pela revista The Atlantic em 1877. Além disso, teve oportunidade de conhecer escritores como Turguêniev, Flaubert, Zola, Maupassant, Edmond Goncourt. Entre eles, quem mais o impressionou foi Turguêniev, sobretudo por sua maneira de concentrar-se nos personagens, dando pouca importância ao enredo.

Em dezembro de 1876, fixou-se em Londres, na esperança de conquistar seu público também na Inglaterra – o que só aconteceria em 1879, com a edição inglesa de Rocerick Hudson e O Americano. Dos três romances escritos até então, apenas Watch and Ward não foi publicado, pois o próprio escritor julgava-o imaturo.

Não foi preciso esperar o lançamento desses dois romances para James firmar-se perante a crítica britânica. A consagração veio em 1878, com a publicação dos ensaios literários French Poets and Novelists, do romance Os Europeus e de mais de trinta contos, entre os quais Daisy Miller e An International Episode.

Em 1880 foi publicado na Inglaterra e nos Estados Unidos A Herdeira, um de seus melhores livros. E em outubro desse ano aparecia a primeira parte de O Retrato de uma Dama, sua obra mais extensa e popular e que encerraria a primeira fase da produção de James. Fase de aprendizado, de sucesso, de descoberta e de uso de temas cosmopolitas.

Em outubro de 1881, Henry James recebe a notícia de que sua mãe está doente. Arruma as malas e viaja para os Estados Unidos. Instala-se em um hotel em Boston, onde escreve à vontade e aproveita horas livres para visitar Nova York e Washington. Em janeiro de 1882 sua mãe morre. Em dezembro está de volta à Europa, e logo recebe outra notícia que o faz arrumar as malas novamente: agora é seu pai. Viaja apressadamente, mas não chega a tempo de encontrar seu pai vivo. Corre ao cemitério e junto ao túmulo, depara com uma carta de seu irmão William: “Boa noite, adorado pai. Se eu não te vir de novo, então adeus, um feliz adeus”.

Henry ficou na América até agosto do ano seguinte. Depois retornou novamente à Inglaterra. Sua produção não sofreu abalos. Ao contrário: durante a década de 1880 escreveu vários contos, a novela The Reverberator e os três romances considerados naturalistas: Os Bostonianos, Princesa Casamassina e A Musa Trágica.

Os Bostonianos trata dos reformadores da Nova Inglaterra. Princesa Casamassina fala dos anarquistas europeus. Nos dois romances as cenas da vida urbana mostram uma visão bastante ampla das cidades de Boston e Londres. Os leitores, porém, esperavam mais contos dos americanos na Europa ou de viajantes estrangeiros na América. Por isso, as duas publicações foram um fracasso.

Henry James não se deixou abalar. Continuou a compor seus contos, nos quais se percebe uma constante evolução de técnica aliada a temas mais ricos e variados. Os escritos desse período podem se agrupados por assuntos: internacionais – alguns na América, outros na Europa – sobre o casamento e sobre artistas. Ao primeiro grupo pertence Lady Barberina, publicado em 1884, história de uma jovem inglesa que se casa com um rico médico americano. Entre os contos do segundo grupo destaca-se A London Life, uma análise da corrupção do casamento. Por fim, dos contos sobre artistas, distinguem-se The Author of Beltraffic, cujo tema é a incompatibilidade de gênio entre um artista e sua esposa, e , que trata do casamento de um escritor e dos efeitos dessa união sobre seu trabalho.

O romance The Reverberator, de 1888, é uma produção menor, que pode ser utilizado como argumento contra as opiniões de que James era sério demais: seu tema é o jornalismo mexeriqueiro, o colunismo social. Em 1889 o escritor fez nova tentativa naturalista no romance com A Musa Trágica, mas que também não alcançou êxito com o público. No fim da década de 1880 o escritor era considerado um artista de extraordinária habilidade artesanal e havia recebido o reconhecimento da crítica. Mas o sucesso não se traduzia em dinheiro. Por isso, em 1890 resolveu tentar o teatro, muito mais rendoso na época. Assim, de 1890 a 1895 escreveu sete peças, das quais apenas duas foram encenadas. Na primavera de 1890 terminou a dramatização de O Americano, que embora bem recebida pela crítica, não alcançou sucesso com o público.

Em 1892 fez a versão teatral de Daisy Miller, recusada pelo empresário, que a considerou literária demais. James, contudo, não desistia de conquistar o palco. Em 1893 escreveu mais quatro peças, que também não chegaram a ser montadas. No ano seguinte, publicou-as em forma de livro, sob o título de Theatricals.

Em 1895, o popular ator e produtor George Alexander encenou a peça Guy Domville. A estréia foi um desastre. No segundo ato quando a Sra. Domville apareceu com um alto chapéu preto, alguém gritou: “Onde foi que você arranjou esse chapéu?”. E no final, quando Guy exclama: “Sou, meu senhor, o último dos Domville”, uma voz respondeu: “E já não é sem tempo”. Até esse instante James não estava no teatro; chegou ao cair do pano e apresentou-se à platéia. Foi uma tempestade de vaias. Em uma carta, o autor referiu-se ao episódio como um “dos mais detestáveis incidentes da minha vida”.

Antes de Guy Domville James havia escrito a peça The Other House, publicada em 1896 e jamais encenada. Depois de Guy Domville, ainda tentou conquistar o público teatral com Summersoft, representada, com algum êxito, em 1908, sob o título The High Bid.

Apesar dos fracassos, James continuou insistindo no teatro até 1909, quando escreveu sua última peça, The Outcry. A obra deveria ser representada na temporada desse ano, mas atrasos na revisão do manuscrito e no preenchimento do elenco foram adiando a estréia, que acabou cancelada.

Entristecido, James desistiu do palco. Retirou-se definitivamente de Londres e mudou-se para Lamb House, em Rye, cidade costeira do Sussex. Voltou a compor romances, novelas e contos. Até 1900 concluiu um grande número de obras de ficção, além de mais de 20 contos. São desse período suas experiências com o relato fantástico, em que se destaca A Outra Volta do Parafuso.

No entanto, mais importantes que os temas são as inovações técnicas introduzidas por Henry James. O teatro deu-lhe muitas lições: apresentação da ação por meio da cena, uso do diálogo como processo narrativo e supressão do autor onisciente como informador e comentarista. Seus escritos posteriores constituiriam a sua maior fase. Nos primeiros dez anos do século XX, Henry James trabalhou intensamente. De 1900 a 1904 escreveu seus três maiores romances: Os Embaixadores, As Asas da Pomba e A Taça de Ouro.

Em 1904 viajou para a Flórida e para a Califórnia, onde realizou algumas conferências.
Quando retornou à Inglaterra, escreveu The American Scene, um livro de observações sobre suas viagens.

Embora tenha sido publicado em 1903, Os Embaixadores foi concluído antes de As Asas da Pomba; apareceu, a princípio, na North American Review, em capítulos.

Nos dois romances analisou dramas humanos, dentro dos grandes sistemas sociais que o homem criou e dentro das idéias pelas quais edificou sua civilização, conservando-se um realista apegado às coisas visíveis e palpáveis.

Em A Taça de Ouro, James procura solução para problemas não resolvidos em trabalhos anteriores. Havia muito tempo queria escrever sobre o adultério: não podia fazê-lo, pois as familiares revistas americanas obrigavam-no a tratar o tema superficialmente. Como não havia planos para o romance ser publicado em série, sentia-se livre para abordar o assunto sem nenhuma restrição. Foi o que fez.

Na mesma época foram publicados mais três livros de contos:The Soft Side, The Better Sort e The Finer Grain.

Dessas coletâneas o conto mais popular é The Beast in the Jungle, que narra a história de um indivíduo tão egoísta que era incapaz de perceber o mundo à sua volta, de compreender e de amar. Esse conto é uma representação alegórica da insensibilidade, da cautela e da falta de ação que, segundo o autor, caracterizam o homem moderno.

Nas horas de folga dedicava-se à preparação da chamada “Edição Nova York” de suas obras. A cada romance e livro de contos, juntou um longo prefácio, no qual fez reflexões sobre os princípios de sua arte e os formula claramente. Mais tarde esses prefácios foram reunidos num volume sob o título The Art of Novel, em que três elementos se destacam: o estudo do processo de criação, a forma pela qual chegou a escrever histórias e as associações pessoais despertadas por uma nova leitura de sua própria obra. Esses trabalhos forneceram à crítica uma terminologia valiosa para a discussão do romance, que até hoje é amplamente utilizada.

Embora não tenha voltado a escrever romances, sua produção literária dos últimos anos foi extraordinária. Dedicou-se a elaboração de textos autobiográficos, críticos e de viagens. Escreveu English Hours, Italian Hours e Little Tour in France. Pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, publicou Notes on Novelists com estudos sobre Zola, Flaubert, Balzac, H. C. Wells e Bennet, além de dois volumes de memórias: A Small Boy and Others e Notes of a Son and Brother. Um terceiro livro sobre sua vida em Londres e Paris – The Middle Year – seria publicado somente após sua morte.

Em 1910 William James viajou à Europa para tratamento de saúde. Embora não estivesse muito bem, Henry acompanhou-o de volta à América. William piorou e faleceu no dia 26 de agosto.
Profundamente abalado, o escritor ficou na América até agosto do ano seguinte. Antes de retornar à Inglaterra foi homenageado com o grau honorário da Universidade de Harvard.

Meses depois recebeu o título de Doutor Honorário de Oxford.

Em 1913 seus setenta anos foram intensamente comemorados.

Em agosto de 1914 começou a guerra. Henry James cessou toda a sua atividade literária, lamentando “o horror de ter vivido para testemunhar tudo isso”, e ingressou num grupo de americanos que voluntariamente prestavam assistência espiritual aos feridos. Nas horas vagas redigia vários artigos sobre os refugiados de guerra.

Desejava que os Estados Unidos se aliassem à Inglaterra e à França. Irritado com a neutralidade do presidente Wilson, adotou a cidadania britânica em 26 de julho de 1915.

Em dezembro desse ano sofreu um derrame. Em 28 de fevereiro de 1916, morreu aos 73 anos. Seu corpo foi cremado e suas cinzas enviadas para a América e colocadas no jazigo da família, em Cambridge, Massachussetts.

Obras
A Volta do Parafuso
As Asas da Pomba
Lady Barberina
A Taça de Ouro
Roderick Hudson (1876)
Daisy Miller (1878)
Retrato de uma Senhora (1881)
Os bostonianos (1886)
A Fera na Selva

Adaptação de obras para o cinema
Taça de Ouro

Os inocentes – adaptação de “Turn of the screw”

As Asas Da Pomba – No Brasil conhecido como As Asas Do Amor. Sobre o triângulo romântico que se inicia quando a herdeira de uma fortuna Americana se muda para Londres a procura de ajuda medica e cai em um trama em que Kate Kroy planeja que ela se apaixone pelo seu amante e que deixa sua fortuna para ele com a chegada da sua morte.

Fonte:
http://www.sociedadedigital.com.br/artigo.php?artigo=238
http://pt.wikipedia.org

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Itália Publica Livro de Poeta Baiano

Poesie della Bahia/Poemas da Bahia é o trigésimo quinto livro do baiano Cyro de Mattos, que a Runde Taarn Edizioni publicou recentemente em Gerenzano (Varese), em edição bilíngüe, na Itália. Com distribuição pela ediQ Distribuzione para as principais livrarias da Itália, o livro reúne 40 poemas extraídos de “Cancioneiro do Cacau”, “Vinte Poemas do Rio”, “Ecológico”, “O Menino Camelô” e do inédito “Rumores de Relva e de Mar”. A seleção e a tradução dos poemas são de Mirella Abriani, poeta que reside em Milão e que já traduziu, entre outros, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, os portugueses Eugenio de Andrade e Florbela Espanca.

A Bahia que serve de motivação aos poemas reunidos nesse livro de Cyro de Mattos não é a histórica de Salvador, nem a urbana, com sua gente, crença, costumes e paisagem, mas a que está situada no Sul do Estado, onde o autor nasceu e reside. A maior parte dos poemas obedece a um projeto ecopoético, no sentido primordial, em que nos insere no centro do mundo, e seu discurso poético está visceralmente relacionado com a natureza, cujos elementos vêm sendo gritantemente ofendidos pelo homem nos tempos atuais. Nesse particular manifestam-se com intensa carga lírica e percepção de vida os poemas “Canto a Nossa Senhora das Matas”, “A Árvore”, “Devastação”, “Parábola” e “Poema Todo Verde”. Já outros poemas dizem do elo lírico do poeta com suas origens, como “Viola”, “Itabuna”, “Rio Morto”, “Cantador” e “Rio Cacahoeira”.

Além disso, poemas de inspiração marinha participam de Poesie della bahia/Poemas da Bahia, e, entre eles, “Poema de Nenhum Azul”, “Mar Grande”, “Invenções do Mar”, “Dunas” e “O Menino e o Mar”, que foi um dos vencedores do Quinto Concurso Cancioneiro Poético Infanto-Juvenil para a Língua Portuguesa, do Instituto Piaget de Almada, em Portugal.

Desde que Cyro de Mattos enviou há quatro anos para Mirella Abriani seu livro “Cancioneiro do Cacau”, Prêmio Nacional de Poesia Ribeiro Couto, da UBE (Rio), e Finalista do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (SP), a tradutora Mirella Abriani vem se empenhando em traduzir e divulgar na Itália a obra desse experimentado e premiado autor baiano. Primeiro foi a crônica “Coppa del Mondo a Cinelândia/Copa do Mundo na Cinelândia”, do livro “O Mar na Rua Chile e outras crônicas”, Finalista do Prêmio Jabuti. O texto traduzido por Mirella foi publicado na revista cultural “Sagarana”, editada por Júlio Monteiro Martins, escritor e professor universitário em Pisa. Depois foi o conto “Natale dei bambini neri/Natal das crianças negras”, incluído na antologia “Natale di Pace e d’Amore”, organizada por Marco Delpino, Edizioni Tigullio-Bacherontius, de Santa Margherita Ligure, Gênova.

Em 2006, Cyro de Mattos conquistou com “Cancioneiro do Cacau” o Segundo Lugar do Prêmio Internacional de Poesia Marengo d’Oro, do Centro Culturale Maestrale di Sestri Levante, em Gênova, para livros publicados estrangeiros, e ainda o Segundo Prêmio Literário Internacional Marengo d”Oro – San Marco, para livros inéditos estrangeiros, com a antologia “Poesie scelte/Poemas escolhidos”, seleção e tradução de Mirella Abriani. Esta antologia foi publicada no Brasil pela editora Escrituras (SP), no ano passado, com prefácio de Maria Irene Ramalho dos Santos, Doutora em Literatura Norte-Americana pela Universidade de Coimbra.

Da poesia de Cyro de Mattos disse Graziella Corsinevi, da Universidade de Gênova, Presidente do Júri do Prêmio Literário Internacional Maestrale Marengo d’Oro:

“Poesia dagli ampi orizzonti storici ed esistenziali, articolata in lucidi spazi lirici, che evocano misteri ed epopee brasiliane di grande suggestione (anche nella traduzione di Mirella Abriani)” (Poesia de amplo horizonte histórico e existencial, articulada em lúcido espaço lírico, que evoca o mistério e a epopéia brasileira com grande sugestão (na tradução de Mirella Abriani)

Contista, poeta, cronista, autor de livros infanto-juvenis e organizador de antologias, Cyro de Mattos reside em Itabuna, sua terra natal, como advogado aposentado. Possui uma vintena de prêmios literários respeitáveis. Tem dois livros de poesia publicados em Portugal pela Palimage Editores (www.palimage.pt):“Vinte Poemas do Rio”, edição português-inglês, prefácio da doutora em Poética Graça Capinha, da Universidade de Coimbra, e “Ecológico”, prefácio da romancista e crítica Helena Parente Cunha. Está presente em mais de trinta antologias do conto e poesia, no Brasil, em Portugal, Alemanha, Rússia, Dinamarca, México e Estados Unidos. Foi agraciado com a Medalha do Mérito da Bahia. Pertence ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Centro de Estudos Americanos Fernando Pessoa (SP), Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras da Bahia. Em 1998 participou como convidado do III Encontro Internacional de Poetas, da Faculdade de Letras de Coimbra, em Portugal.

*Cyro De Mattos, Poesie della Bahia/Poemas da Bahia, Runde Taarn Edizioni, Gerenzano (Varese), Itália, Coleção FARWAY (I) (www.rundetaarnedizioni.it) e-mail info@rundetaarn.edizioni.it

Fonte:
Nilto Maciel. Em http://niltomaciel.blog.uol.com.br/ em 23/10/2008

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Aurora Bernardini (A dama que seduziu Dumas)

Como Marie Capelle, que lia para sobreviver na prisão, se tornou heroína de um folhetim inédito em livro até pouco tempo atrás

Em 1869, aos 67 anos de idade, Alexandre Dumas, o autor dos romances mais lidos na França da época, O conde de Monte Cristo e Os três mosqueteiros, e de um número considerável de outros livros (inclusive um de culinária!) e de 60 peças de teatro (“era uma verdadeira força da natureza!” – dizem seus biógrafos), resolve mudar de rumo. Sempre atento aos interesses de seu público, pressentiu que os leitores queriam agora algo de mais ágil que lhes desse a sensação de continuidade; nada melhor, para tanto, do que recorrer ao gênero folhetinesco.

Passa então a escrever folhetins, cada um dos quais encerra não mais do que um capítulo de sua nova narrativa que, para manter a atenção do leitor numa longa sucessão, deve ter os ingredientes necessários: suspense, ação, reação, golpes de cena, reviravoltas que redundem, no desenlace, em algo de extremamente verossímil, quando não completamente verdadeiro.

É este o caso de Senhora Lafarge e de Le chevalier de Sainte-Hermine. O primeiro acaba de ser publicado pela Martins Fontes, e o segundo (de mais de mil páginas!) está em fase de tradução. Durante quase um século e meio as duas narrativas ficaram inéditas em livro. Só em 2005 Claude Schopp, o “meticuloso guardião do corpus dumasiano” e autor de uma tese e vários livros sobre o grande escritor, reuniu os escritos que vieram a constituir o romance Senhora Lafarge e, pesquisando os periódicos da época nos Arquivos do Sena, trouxe inesperadamente à luz cento e tantos capítulos de Le chevalier de Sainte-Hermine – 70 mil exemplares impressos na França em um único mês – que prefaciou e teve de terminar, preenchendo as lacunas deixadas por Dumas que não conseguiu fazê-lo antes de sua morte, em 1870.

Senhora Lafarge narra a história de Marie Cappelle, jovem de origem aristocrática sem muita fortuna que, pelos descaminhos da vida, acaba casando-se, via agência matrimonial, com o brutamontes Lafarge, que, além de repulsivo, ainda por cima – descobre-se demasiado tarde – é desprovido de meios. As cenas da chegada da mulher à casa da sogra e o seu assédio noite afora são das mais acabrunhantes do livro. O que fazer? Um belo dia de 1840, na cidadezinha de Tulle, onde reside, o senhor Lafarge amanhece envenenado. Arsênico. O fato é verdadeiro, as personagens, também. Instaura-se o processo que irá apaixonar por anos a opinião pública francesa.

Tal como Aleksandr Púchkin, que apesar de ter tido uma vida mais breve (foi morto em duelo aos 38 anos, por um francês!) foi seu contemporâneo, Alexandre Dumas, embora escritor romântico, sabe como lidar com seus leitores de maneira realista. Entremeando referências pes¬soais sem ilações psicologizantes, leva-os a participarem, como interlocutores inteligentes, da ação, das conseqüências da ação, das digressões, das discussões de sua época. Se Púchkin, em seu famoso conto gótico A dama de espadas instrui o público sobre telepatia, alucinação, magnetismo e jogos de azar, Dumas mergulha-o em cheio na história da França.

“Minha vida daria um romance”, teve ocasião de dizer Dumas nos fascículos de suas volumosas memórias que vão desde a queda da Bastilha, o advento de Napoleão até o II Império e a III República. (Nos sebos ainda se encontram as traduzidas por Rachel de Queiroz para a José Olympio, em 1947, Memórias de Alexandre Dumas, pai. Como se sabe, Alexandre Dumas teve um filho, também escritor, que passou a firmar Alexandre Dumas, filho).

De fato ele reconta sua vida a partir do avô, marquês Davy de la Pailetterie, que, devido a intrigas da corte, deixa a França em 1760 e se estabelece na grande propriedade que compra na ilha de São Domingos, colônia francesa, onde se casa com uma escrava e tem um filho mulato que se torna um grande militar: o pai de Dumas. Morta a mulher, a quem queria muito, o avô volta à França em 1784 e, com a idade de 74 anos, torna a casar-se. O filho, Thomas-Alexandre Dumas-Davy de la Pailleterie, célebre por sua bravura e força hercúlea, faz rápida carreira, torna-se general, mas se incompatibiliza com Napoleão durante a campanha do Egito. Volta à França, perde o prestígio e a saúde e morre em Villers-Cotterêts, onde a família possuía uma propriedade, em 1806.

Alexandre Dumas, filho de Thomas-Alexandre, nascido em 1802, e sua irmã ficam portanto órfãos de pai na idade mais tenra. Acontece que o avô de Marie Cappelle, o senhor Collard, fora vizinho e amigo do general republicano e, como tal, fora designado tutor do pequeno Alexandre e de sua irmã. Isso não apenas justifica o fato de Alexandre Dumas ter mergulhado no caso judicial que envolveu Marie Cappelle como conhecedor de todos os detalhes, mas explica a autenticidade que soube imprimir a todas as passagens como protagonista que de fato foi.

O processo desenrola-se com todos os moventes e peças manipulados pelos jurisconsultos mais renomados da época. Documentos a favor e contra a senhora Lafarge são arrolados com a veemência e a meticulosidade que o caso comporta. Formam-se alas de lafargistas e antilafargistas. A comoção é nacional. Por fim, a senhora Lafarge, recolhida à prisão desde o início do processo, é condenada e transferida de Tulle para Montpellier, onde irá expiar sua culpa. Culpada ou mártir?

As várias propostas de fuga para o estrangeiro são recusadas por Marie, que clama sua inocência. O próprio Dumas, amigo da família, propusera à jovem órfã (Marie perdera os pais quando ainda menina, ficando a cargo de uma tia) que o deixasse levá-la para Paris: “Ofereci-me para raptá-la naquela mesma noite. Eu falava seriamente e o teria feito, certo de estar agindo em prol da sua felicidade e, conseqüentemente, de acordo com a Providência. Teria você se tornado cantora, atriz trágica ou literata? Não sei. (…) Com certeza teria sido algo grande, distinto, fora de série!”. Marie não foge e nada mais lhe resta senão escrever suas Reflexões e recordações, as quais, por sinal, Dumas cita várias vezes em sua narrativa. Triste é o destino das mulheres que não se adaptam a seu tempo, opina o escritor.

Enquanto espera pelo indulto que o novo imperador talvez lhe dê, instado pelos esforços do próprio Dumas e após superar os maus-tratos que lhe são infligidos na prisão à custa de sua própria saúde, Marie lê, lê “como quem tenha feito da crença na ficção a chave do funcionamento do real”, dirá Ricardo Piglia no seu O último leitor.

“É preciso ter sido privado de livros para sentir o preço dessa doce companhia, sempre variada, sempre renovada, sempre em uníssono com a corda vibrante de nosso espírito”, escreve Marie. E o que ela lê? Pascal, “o suave agrimensor da dúvida e da fé”; depois Bossuet, “o cronista inspirado dos segredos de Deus”; depois ainda Fénelon, “ a alma de apóstolo e de santo”; Madame de Sévigné, com “o inesgotável gênio de seu amor de mãe”, e enfim Corneille, Racine, Montaigne, La Fontaine, Molière. Em sua clausura vive da lembrança dos livros que carrega em sua memória.

E se ela tivesse tentado fugir?, pergunta-se o leitor, enquanto ainda tenta dirimir a dúvida que lhe ficou quanto à sua culpabilidade. Será que não teria conseguido talvez contornar a sorte que coube às suas contemporâneas literárias, Anna Kariênina e Emma Bovary? Talvez só George Sand, com suas self-made-women (quem, de sua geração, não torceu pela Pequena Fadette?), teria podido dar uma visão mais otimista do que a do romântico Dumas quanto ao destino de suas heroínas.

Fonte:
Revista EntreLivros – edição 24 – Abril 2007

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Nilto Maciel (Literatura Fantástica no Brasil – Parte II)

OS SUCESSORES

A preocupação dos modernistas de 22 com o novo, o moderno, o revolucionário afastou-os do fantástico. Ora, o sobrenatural é anterior a toda literatura escrita. Não poderia mais ser motivo literário. No entanto, havia uma contradição no ideário modernista, vez que “a busca de inspiração nas fontes mais autênticas da cultura e da realidade brasileiras”, o nativismo, o verde-amarelismo, o antropofagismo etc. teriam que, necessariamente, se imbricar às lendas e mitos brasileiros. Ou seja, ao maravilhoso, ao fantástico. É o que se vê em Cobra Norato e Martim Cererê, por exemplo. Apesar disso e ainda assim, os modernistas não praticaram o fantástico, vez que nos dois casos estamos dentro dos limites da poesia, e o fantástico, segundo Todorov, não pode subsistir a não ser na ficção. E Macunaíma? Seria romance com ingredientes fantásticos? Talvez um fantástico novo, revolucionário, essencialmente brasileiro.

Em 1934 a paranaense Rachel Prado optou por ser diferente de seus contemporâneos e publicou Contos Fantásticos.

Jorge Amado não ficou imune ao fantástico, apesar do costumbrismo tão presente em sua obra. Porém e exatamente nas lendas, no anedotário que o fantástico se instala. A literatura oral de qualquer país ou região é plena de elementos fantásticos. Lembramos As Mil e Uma Noites.

Há pelo menos uma tese de interesse para estes apontamentos e que tem como objeto a obra do romancista baiano: “O fantástico, o maravilhoso e o realismo mágico na obra de Jorge Amado”, de autoria de Maria Cristina Diniz Leal.

A pioneira da ficção científica no Brasil é Dinah Silveira de Queiroz. Estreou em 1939, com o romance Floradas na Serra. No entanto, são outros seus livros que devem ser aqui lembrados: Eles Herdarão a Terra, de 1960, e Comba Malina, de 1969.

Nessa mesma linha estão Almeida Fischer, Luís Lopes Coelho e Fausto Cunha. O primeiro é autor de O Homem de Duas Cabeças, de 1950. O segundo publicou A Morte no Envelope (1957), O Homem que Matava Quadros (1961) e A Idéia de Matar Belina (1968). O terceiro é autor de As Noites Marcianas (1961) e O Dia da Nuvem (1980), ambos também dentro dos padrões da science fiction.

Voltemos, porém, a narrativa fantástica propriamente dita e sigamos rumo aos dias da hoje. No meio do caminho, no entanto, seremos forçados a abrir três atalhos ou veredas, para depois voltarmos à. grande estrada. Dedicaremos algumas palavras mais a três nomes fundamentais de nossa literatura fantástica: Murilo Rubião, José J. Veiga e Péricles Prade.

Em 1944 estreou em livro Lygia Fagundes Telles. Na apresentação da 3ª edição de Antes do Baile Verde, antologia que vai de 1949 a 1969, Fábio Lucas afirma: “Hoje, todas as literaturas consideradas amadurecidas admitem e aplaudem as obras fantásticas. Jorge Luís Borges, por exemplo, pode ser considerado um dos mais influentes propagadores da narrativa fantástica.” E mais adiante: “A fadiga de algumas formas realistas tem conduzido determinados escritores à região do fantástico e do maravilhoso. Alguns vão ter a esse terreno por natural tendência do espírito. Cremos ser o caso de Lygia Fagundes Telles…”

Que dizer do fantástico Guimarães Rosa?

Sob o título Realismo Mágico, José Hildebrando Dacanal reuniu três ensaios dedicados aos romances Grande Sertão: Veredas, O Coronel e o Lobisomem e Fogo Morto. Os dois primeiros são, para ele, “obras essenciais do ‘realismo mágico’ .“E mais: “o mágico, o maravilhoso em sua naturalidade, o mítico, ou como quer que o denominemos, somente agora, nas literaturas do Terceiro Mundo, passou a fazer parte da narração romanesca.”

Dacanal tudo faz para aproximar o romance de Guimarães Rosa do Cem Anos de Solidão ou do realismo mágico praticado por romancistas hispano-americanos. No entanto, o próprio título do ensaio – “Grande Sertão: Veredas ou A apologia do imanente” – demonstra que Dacanal se ocupou muito mais da importância literária da obra de Rosa do que de sua ligação com o realismo mágico.

Temístocles Linhares menciona a “Estória do homem do pinguelo” como um dos momentos em que Guimarães Rosa se ocupou do fantástico.

Na tese intitulada O fantástico no conto brasileiro, Maria Luísa do Amaral Soares dedica especial atenção ao autor de Sagarana.

A maioria dos estudiosos da obra de Guimarães Rosa – e são incontáveis esses estudiosos, o que o torna um dos mais estudados escritores brasileiros –, a grande maioria pouco se refere ao elemento fantástico na sua imensa obra.

Moreira Campos estreou em livro pouco depois de Guimarães Rosa. Dedicou-se quase que exclusivamente ao conto e se preocupou sempre muito mais com a qualidade do que com a quantidade. Assim, Os Doze Parafusos, publicado em 1978, ou seja, quase 30 anos após o primeiro, é apenas o seu 5º livro de contos.

Comentando esse livro, José Alcides Pinto diz: “Os Doze Parafusos abrem um novo caminho na ficção de Moreira Campos, já esboçada sob o ponto de vista prático em outras obras, mas sem a liberdade de como os assuntos são agora tratados, vistos de frente, com um realismo mágico e epidérmico…”.
Para Antonio Hohlfeldt, o contista cearense e um dos cultores do que chama de “conto rural”. Temístocles Linhares em Moreira Campos um discípulo dos “velhos mestres do naturalismo”. De opinião diversa, porém, é Braga Montenegro, ao comentar Os Doze Parafusos: “Elaborando os seus temas sob a inspiração de um realismo mágico, o autor não se desnuda, não blefa, e tudo realiza no âmbito do implícito e do metafórico. Entretanto, nos seus textos nada há de sibilino ou de hermético, ou ainda de supra-realista.”

No artigo “Afinal, os cães veêm coisas?”, Linhares Filho pergunta: “Qual a razão do interesse maior do fantástico em Moreira Campos, se tal categoria não constitui uma constante do escritor?” E responde: “Justamente o fato de, sendo ele um autor neo-realista às vezes, outras vezes neo-naturalista, apresentar-se cioso da verossimilhança, adotando, nos raros contos em que abriga o fantástico, uma postura que mais se inclina para o estranho do que para o maravilhoso. De maneira que o tratamento proporcionado pelo contista ao sobrenatural nunca é gratuito, mas contrabalançado convenientemente com as possibilidades do natural, do que resultam produções cheias de legitimidade artística. “O dia de Santa Genoveva”, inserido no livro Os doze parafusos, constrói-se, na sua tensão entre o sobrenatural e o natural, como um legítimo conto fantástico.” E encerra assim: “Concluímos que, até mesmo no difícil gênero fantástico, em que se exige uma pronunciada ambigüidade, se mantém o equilíbrio artístico de Moreira Campos, confirmando-se o seu talento de ficcionista apreciado pelo leitor comum e consagrado pela mais exigente crítica, e cumprindo-se, assim, o seu papel de intelectual consciente, que usa com sensibilidade, peculiares e poderosos recursos para a expressão do humano.”

Samuel Rawet é anterior a J. J. Veiga, pois estreou em 1956. Segundo Assis Brasil, a estréia de Rawet, com o livro Contos do Imigrante, marca a renovação do conto brasileiro, assim como Doramundo e Grande Sertão: Veredas marcam a renovação do romance.

E quanto ao fantástico? Temístocles Linhares não via o fantástico como traço dominante da literatura de Rawet. No seu entender, tanto ele como Rubião “poderiam ser classificados com outros rótulos”. O fantástico de Rawet seria um “fantástico alimentado de fragmentos biográficos, que se apresenta em vários planos, num tipo de conto analítico, enxadrezado”, explicava.

Hermilo Borba Filho dedicou-se ao teatro e à literatura. Uma de suas últimas obras publicadas foi o conjunto de novelas intitulado O General Está Pintando, onde os personagens “vivem episódios que não se podem qualificar senão de fantásticos”, como está dito na orelha do livro. “São situações inusitadas – continua o observador anônimo –, que o recurso ao mágico é constante, e que dão a cada novela o seu impacto mais violento, justamente por estarem intimamente mescladas com a realidade banal do dia-a-dia. Esse realismo fantástico, que ora se manifesta puramente maravilhoso e ora chega às raias do grotesco, é a forma que o autor encontrou para apresentar um estado de coisas num mundo desencontrado, repleto de contrastes chocantes e absurdos inexplicáveis.”

Hélio Pólvora publicou o primeiro livro, Os Galos da Aurora, em 1958. É considerado um dos precursores da literatura brasileira de cunho documental e fantástico.

Estreante na década de 60 é também Moacyr Scliar, que mais recentemente publicou A Balada do Falso Messias, Os Mistérios de Porto Alegre e Histórias da Terra Trêmula, todos em 1976, e O Anão no Televisor, em 1979.

Cultivando o fantástico ou para-fantástico, “os trabalhos de Moacyr Scliar não se esgotam na gratuidade dos temas: vão mais além e se situam ao nível de uma sátira de caráter universal, berço da melhor literatura”, comenta Assis Brasil.

Com relação a Caio Porfírio Carneiro, também há quem veja nele um realista que aqui e ali resvala para o fantástico. Marcos Rey chega a dizer: “ É um autor todo voltado à realidade, sem ser fanático do realismo. A realidade é seu ponto da partida, embora nem sempre da chegada.”

José Cândido de Carvalho estreou em 1939, com o romance Olha Para o Céu, Frederico. Porém somente em 1964 surgiu sua obra maior – O Coronel e o Lobisomem. José Hildebrando Dacanal escreveu um dos ensaios mais argutos sobre o realismo mágico brasileiro, sob o título “O Coronel e o lobisomem entre o Mítico e o Sacral”. Citemos um trecho dele: “A estrutura da narrativa é irracional se apreciada da perspectiva do romance do real-naturalismo ao qual O Coronel e o Lobisomem aparentemente se liga. Contudo, se for colocada dentro do esquema acima encontrarei seu pleno sentido: ela também oscila entre o plano racional, realista, e o mítico-sacral, fantástico, mágico, ou como se quiser chamá-lo. Por sua parte, também a narrativa termina no plano do fantástico ao mesmo tempo em que dissolve a dicotomia entre os dois planos ao elevá-la ao nível da “irracionalidade estrutural” (do ponto de vista técnico) com o último capítulo, no qual Ponciano narra o fim da ação, o fim do romance e sua própria destruição como personagem e, portanto, seu próprio desaparecimento como herói dilacerado entre dois mundos.”

José Alcides Pinto é autor de romances singularíssimos, como O Dragão, Os Verdes Abutres da Colina e O Criador de Demônios. Sua trilogia O Tempo dos Mortos, no dizer de Faria Guilherme, “situa-se numa linha introspectiva, de integração psicológica, num universo esotérico, sem perder da vista o fantástico…”

A melhor análise de sua obra, no entanto, é do também romancista José Lemos Monteiro, no livro O Universo Mí(s)tico de José Alcides Pinto. Diz, a certa altura, o crítico: “…o universo criado por José Alcides Pinto sintoniza com uma diretriz nova da história de nossa literatura, qual seja, a da exploração do fantástico, do estranho ou do maravilhoso.”

Assim como Hermilo Borba Filho, o romancista Ariano Suassuna iniciou-se no teatro. Seus romances constituam uma trilogia, iniciada com Romance d’A Pedra do Reino, em 1971, seguido de História d’O Rei Degolado, em 1976.

A respeito do “realismo mágico”, ele mesmo escreveu “nota” publicada junto ao O Rei Degolado: “será que o mito é uma fantasia irreal e anestesiadora, incompatível com o realismo, ou, pelo contrário, tem um sentido mais real e carregado de significados do que os personagens das novelas meramente “veristas”? Note-se que, de propósito, estou usando um nome ligado ao “verismo” naturalista, e não ao “realismo”, que é outra coisa: inclusive já escrevi uma vez – tentando desfazer certos equívocos a respeito do meu pretenso “realismo mágico” – que, na América Latina de fala espanhola, o “realismo mágico” era mais mágico do que realista, enquanto que no Brasil ele era mais realista do que mágico.”

Fonte:
http://www.vastoabismo.xpg.com.br/6.html

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Armando Pompermaier (Universalismo específico: poesia como reinvenção do ser e do mundo)

Ao contrário do que afirma implicitamente a poesia de seus contemporâneos espanhóis, para nenhum… [dos escritores hispano-americanos] há uma substância original nem um passado por resgatar: há o vazio, a orfandade, a terra do princípio não batizada, a conversação dos espelhos. Há, sobretudo, a busca da origem: a palavra como fundação“.
Octávio Paz

Alguns pensadores defendem que o Brasil foi mais inventado que descoberto. Os colonizadores ao invés de tentarem entender as culturas dos nativos deste continente fizeram representações destes a partir de seus interesses e visões de mundo. Inventaram também o Brasil moldando a terra conquistada a esses interesses e visões de mundo no processo de exploração da conquista. Dificilmente se poderia recuperar a maioria da riqueza das visões de mundo contidas na grande multiplicidade de culturas nativas nas especificidades de seus vigores pré-coloniais. No vácuo de uma essência perdida a ser recuperada, o poeta mexicano Octavio Paz[1] vê a palavra poética como fundadora da essência de povos latino-americanos em construção, possível apenas através da “refutação do tempo”, em meio a “todas as eternidades que nós, os homens, fabricamos”.

Na perspectiva de uma ruptura forçada com um passado inacessível ou que lhes é estranho, os povos das ex-colônias são órfãos de culturas das quais não há nem uma substância nem um passado a resgatar. É assim que a palavra poética fundadora da essência latino-americana de Residência na Terra, de Neruda, não se refere a uma “Terra histórica”, mas sim a uma “geologia mítica”, segundo Paz. É desta forma que a criação da poesia do chamado “novo mundo” encontra condições para se tornar a poesia da criação da nova subjetividade de um novo homem, quer dizer, a poesia da reinvenção do homem e do mundo, trazendo simultaneamente “todas as eternidades” herdadas dos predecessores do “velho mundo” em si.

É extremamente interessante e fecundo o conceito de cosmópolis particulares expresso por uma literatura que, por ser órfã de uma antiguidade clássica específica sua para recuperar, além de beber água nas fontes das antiguidades culturais mais diversas ainda sente uma “nostalgia do futuro” a ser construído que supra a ausência deste passado glorioso ausente. A palavra poética, nesta perspectiva, é recriação, releitura, re-significação de todas as criações, leituras e significações; é o revigoramento; é a reinvenção do “velho mundo” em retribuição à sua invenção do “novo”; é a invenção do novo mundo pleno onde o elemento antes subjugado se afirma como parte integrante do todo sob uma nova perspectiva; é uma revolução subjetiva, uma revolução do ser que cria a si mesmo.

Penso no meu Estado, o Acre, no contexto da globalização, concebido como uma cosmópolis realmente muito particular, ligado ao mundo todo por uma revolução tecnológica e imerso em populações indígenas, algumas ainda aparentemente sem contato com a pretensiosamente auto-denominada “civilização”, outras já bem descaracterizadas de seu esplendor original; porções de florestas virgens e florestas habitadas por populações de extrativistas tradicionais em disputas de terras com agropecuaristas, serralheiros, sob interferência dissimulada, direta ou indireta, de mega-empresas globais, ONG’s, governos nacional e estrangeiros, e vários outros neo-mistérios das florestas do terceiro milênio do mundo globalizado. Características e contradições de mundos novos e antigos coexistindo nas eternidades simultâneas juntas com o sentimento de orfandade da nostalgia de um futuro a ser construído, reinventando o passado e a interpretação do presente; inventando o Acre, o Brasil, a Amazônia, o Mundo, o Passado, o Presente e o Futuro; o Eu, o Outro, o Nós e os Outros.

Não se trata mais de simples antropofagismo. Este é uma fase necessária, mas inicial. Trata-se sim de seu desenvolvimento, seu ir além. Estamos falando de todas as sínteses, do hibridismo radical, profundo, pleno; a essência de um coletivo humano transtemporal e transespacial espacializado e temporalizado: um universalismo específico, interativo, dialógico!… o artista é o escritor do gênesis; é o Simon Bolívar da subjetividade; é o Lampião da consciência oprimida; o Zumbi dos quilombos que guardam nossas esperanças livres. Sua arte pode ser nosso quilombo, nosso cangaço, nossa aldeia sideral, nosso seringal astral, nosso sorriso de carnaval. Somos um universo em expansão.
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Armando Pompermaier: Professor de História, Mestrando em Letras, poeta, compositor.
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Fontes:
http://alpinistademuta.blogspot.com/
Mapa =
http://www.henriqueafonso.com.br

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Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense – Parte XI)

OUTROS NOVOS CONTISTAS

Seguem-se informações sucintas relativas a contistas apresentados nos últimos anos do século XX e começos do XXI em coletâneas, quase sempre oriundas de concursos literários, em periódicos e na Internet.

Adriano Espínola (Fortaleza, 1952) é poeta e ensaísta dos mais conceituados no Brasil, com alguns livros publicados por grandes editoras. Tem também escrito contos. Professor de Literatura Brasileira.
Aetamira Lúcia Ribeiro: 3º. lugar no I Prêmio Cidade de Fortaleza, com “A Casa”.
Ajuricaba Freitas Gaspar (Teresina, Pi, 1943) teve publicado “A Transação ou O Coronel, Sua Mula e o Cigano” na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Alda Maria Cordeiro de Santana (Nova Olinda, 1961). Mostrou os primeiros seis contos no livro II Prêmio Ceará de Literatura. São eles: “Filhos da Selva”, “Extraterreno”, “Conversa pra Boi Dormir”, “Fora da Lei”, “Cem Cruzeiro ou Cem Cruzado não vale um Vintém Furado” e “Homem-Bicho ou Bicho-Homem”.
Alexandre Perazo Nunes de Carvalho: 7º com “O Almoço de Confraternização”, no IV FUC, publicado em coletânea.
Álvaro Fernando de Araújo Filho: 6º. no II FUC, com “…e o sonho fez-se verbo”.
Ângela Maria Bessa Linhares, professora universitária, dramaturga, com obra publicada, tem “A Ninguém” na coletânea 3º. Prêmio Ideal Clube de Literatura.
Antonio Carlos Klein: 8º. no II FUC, com “No Velório do Vidal”.
Antonio Vanderley Moreira: 6º. no IV FUC, em 1996, com “Sem Verde e Sem Vida”, publicado em coletânea.
Carla Amalia Lourenço tem contos em jornais e premiados. 2º. no I Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, com “Bicha não…”. 6º. com “Combinações”, na quinta versão do mesmo concurso, de 1995. Ambos publicados nas coletâneas que reuniram os contos e poemas premiados.
Carlos Alexandre Bastos Gonçalves (Belford Roxo, RJ, 1979) está presente à coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Residencial Vila Lobos”.
Carlos Costa obteve menção honrosa (ou 4.º lugar) no III Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1992, com “Como no Vietnam”.
Cecília Oliveira do Nascimento tem “O Natal de Calu” na coletânea 3º. Prêmio Ideal Clube de Literatura.
Celina Côrte Pinheiro, paulista de nascimento, mora e clinica em Fortaleza, onde também escreve contos e os tem estampado em jornais e nas coletâneas da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.
Cellina Muniz participa de Antologia Literária (Prêmio Domingos Olímpio de Literatura, 1998, Sobral), com “Ambrósio”.
César Barros Leal (1950) tomou parte em antologias, como 10 Contistas Cearenses. A opinião de Nascimento, a respeito do conto incluído nesse livro, é de que o contista “conduz a linha narrativa de ‘Meu Grande Amigo’ numa linguagem reminiscente mais objetiva, centrada num episódio de sua vida. Entretanto, somente o narrador emerge dotado das funções de lembrar e reproduzir imagens e sensações”.
Clodomiro Paulino Gomes Filho: 2º. no I e no IV FUC, com “O Rubi” e “O Cardápio”, respectivamente.
Cristiano Gonçalves Ribeiro está presente na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Grito na Tempestade”.
Daniel Magérbio Almino de Lucena (Crato, Ce, 1978): “Elipse”, na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Dimas Macedo, natural de Lavras da Mangabeira, tem se dedicado à poesia e à crítica literária, com êxito. No campo da prosa de ficção já apresentou alguns textos, como “Escritos do Dilúvio” e “Poética da Esfinge”, incluídos no volume de artigos e ensaios Crítica Dispersa. Tem inéditas diversas histórias curtas e, em preparo, um romance.
Daniel Magérbio Almino de Lucena (Crato, Ce, 1978) participou com “A Força no Sentido Horário” da coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Ecila Moreira de Meneses: 7º. no I FUC, com “Odisséia de Cada Dia”.
Edilson Brasil Júnior (ou Edilson Brasil de Souza) tem “As Mãos na Face” na coletânea 3º. Prêmio Ideal Clube de Literatura e “Bodas de Nunca Mais” na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Emerson Freitas Braga participa do terceiro volume do Ideal, com “A Árvore do Bem e do Mal”.
Erick Leite Maia tem “A Menina que Falava Alemão” na Antologia Literária (1º. Prêmio Domingos Olímpio de Literatura, 1998, Sobral). No terceiro livro do mesmo prêmio, de 2000, compareceu com “Einstein e o luar do sertão”.
Fabiano dos Santos: 6º. no I FUC, com “UTI”. Tem livros para o público infantil.
Fayga Silveira Bedê: 8º. no I FUC, com “Daniel à Porta do Céu”.
Fernando Marcelo Probo: 5º. com “Câncer”, no I FUC, da UFC, 1993.
Francisco José Brasil participa da coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Minha Louca Estória com Djaíldo e Outras Coisas que nem Lembro para Contar”.
Francisco Octávio Marcondes Rudje (Rio de Janeiro, RJ, 1944), tradutor, participa da coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Noturno Urbano”.
Francisco Paulo de Souza: “Sou temperadental”, 1º. no I Prêmio Literário Cidade de Fortaleza. Tem contos em jornais.
Germano Silveira, formado em Letras, tem obras publicados, entre elas um romance premiado. Participa da terceira coletânea do Ideal, com “Claustrofobia”.
Gislene Maia de Macedo: 9º. no II FUC, com “O Homem velado”.
Iclemar Nunes: 3º. com “Tiãozinho Bananeira e as Diretas Já”, no I Prêmio Cidade de Fortaleza e publicado na coletânea do mesmo nome.
Igor Leite Mendonça Mina (Fortaleza, 1983) apresentou “Conto de um Rei sem Trono” e “Charles Patrick e a Doutrina do Pensamento Imanifesto” na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Irenísia Torres de Oliveira: 3º. no I FUC, com “Noturno”.
Ivan Moreira de Castro Alves (Fortaleza, 1926) está incluído na antologia O Talento Cearense em Contos, com “Maré Baixa ou Contos da Lua Vaga”. Tem diversos livros publicados (memórias, crônicas).
Jádson Barros Neves (Miranorte, To, 1966) publicou os livros O Homem, o Pássaro, o Rio e Entre Eles, os Escorpiões. Tem contos premiados, como “Paisagem para Isabel”, publicado na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Jean Garcia Lima (Fortaleza, 1977) está incluído na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com a narrativa “O Profeta da Pedreira”.
Jeovah Lucas da Silva: 10º. no IV FUC, com “Agressões”, publicado em coletânea.
Jesus Rocha (Maranguape) tem livros para o público infanto-juvenil, além de contos esparsos em periódicos. Da antologia O Talento Cearense em Contos é integrante com “Cenas de Futebol e de Aviação”.
Joan Edessom de Oliveira está presente na segunda coletânea do Prêmio Domingos Olímpio, com “Os Afogados”. Na terceira obteve o primeiro lugar, com “Os Filhos de Aprígio Martins”.
João Dionísio Viana Neto também participa do mesmo livro, com “Recordações”.
José Augusto do Nascimento Filho: 3º. no II FUC, com “Revolução”, e em 8º. no XII Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 2003, com “Traição”.
José Augusto Nóbrega Lessa teve “O Acompanhante do Outono” classificado em 1º. lugar no XII Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, em 2003.
José Carlos do Nascimento obteve, com “Destino, Vida e Morte do Homem-Álcool”, o 9º. no XII Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 2003.
José Célio Freire, professor universitário, participa da terceira coletânea do Ideal, com “Refém@imaginet.com.br”.
José Cornélio Ribeiro Neto compareceu à terceira antologia do Prêmio Domingos Olímpio, com “O Cabral”.
José Flamarion Pelúcio Silva (Pombal, PB, 1942) teve classificados e publicados “Esse meu pai…” e “Lua Negra” na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
José Mesquita Xavier Ferreira, com “A Flor”, em 5.º no XII Prêmio Cidade de Fortaleza, 2003.
Juliana Antunes de Menezes participa da coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Amigo Desconhecido”.
Júlio Lira é sociólogo atuante na área dos direitos das crianças e dos adolescentes. Publicou A Historia Inacabada de Maria Rapunzel (Edições Demócrito Rocha). “Por que a humanidade precisa suicidar-se” foi contemplado com o Prêmio Domingos Olímpio e publicado em Literatura n.º 24. “Nove de Copas” obteve o 2.º lugar no XII Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 2003. Prepara Pequenas e Quase Inocentes Histórias de Horror.
Lígia Leal Heck (Rio de Janeiro, RJ, 1948) aparece na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Uma Versão Versada”.
Lourival Mourão Veras, poeta e contista, teve “A Lua de Felícia” colocado em 5.º no V Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1995, e apresentado na coletânea que reuniu os contos e poemas premiados.
Lucelindo Dias Ferreira Júnior (Cacoal, RO, 1984) participa da coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Sentir Muito”.
Luciano Lira de Macedo (Crato) escreve contos e crônicas, que divulga em jornais, revistas e coletâneas, especialmente as da Sobrames, médico que é.
Lucineide Souto tem publicado contos em jornais e revistas, como “A Burra de Padre”, em Literatura nº. 24. Tem no prelo seu primeiro volume de histórias curtas, Chame os Meninos.
Luís Marcus (ou Marcos) da Silva (Fortaleza, 1964) editou “Noite Empalhada”, no Almanaque de Contos Cearenses. Teve “Ociosidade” classificado (e publicado em coletânea) em 4º. lugar no I Prêmio Literário Cidade de Fortaleza. Estampou contos em jornais.
Luiz Antonio Simonetti: em 9º. com “O Aprendiz”, no I FUC.
Marcela Magalhães de Paula (Rio Claro, SP, 1983) tem “Essência” na coletânea VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Marcela Rosseti Pacheco (Rio de Janeiro, RJ, 1976) participa da segunda, terceira, quarta coletâneas do Ideal Clube, nesta com “Adeus”, e da sexta com “Caleidoscópio”.
Marcus Túlio Dias Monteiro, graduado em Letras, tem livro de poemas editado. “Rua Verdadeira” se classificou em 9º. lugar no IV FUC e foi publicado em coletânea, e “Uma Noite Na Fortaleza Descalça” está na terceira coletânea do Ideal. Incluído também no VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Íncubus: Um Passeio Pelos Sonhos Humanos”.
Maria Amélia Barros Leal é uma das participantes de 10 Contistas Cearenses. F. S. Nascimento faz restrições a “O Elevador”: “Sua aptidão kafquiana (sic) poderá conduzi-la a texturas bem mais urdidas, não lhe faltando talento e força criativa para alcançar melhor posição no panorama do conto no Ceará”.
Maria Carolina Lobo: 10º. com “Crônica de Uma Morte Generosa”, no I FUC.
Maria Thereza Leite tem obras premiadas. “Mosaicos” (1º. lugar) e “A Angústia das Árvores do Parque” estão na terceira coletânea do Ideal.
Marta Adalgisa Nunes (Santana do Cariri, CE, 1957), pós-graduada em língua portuguesa, estampou “A Viagem” no VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Max Victor Freitas: 10º. no II FUC, com “Júlia”.
Napoleão Sousa Jr. (Fortaleza, 1969) apresentou alguns de seus contos em jornais e revistas e obteve alguns prêmios literários. Para a antologia O Talento Cearense em Contos teve selecionado “No Quintal”. Faz parte do V Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1995, com “As Noites de Augustina”, classificado em 4.º lugar. “Dente de Leite” obteve o 5.º lugar no II FUC. Participa também da antologia do II Prêmio Literário Domingos Olímpio, com “Casa de Fogos”, e do terceiro, com “O Domador”.
Natalício Barroso publicou em 2002 o livro Novelas Reunidas e, no ano seguinte, “O romance” (Revista Literatura n.º. 24).
Nuno Gonçalves Pereira nasceu no Recife, PE, em 1977. Publicou “O Canto das Onças” na revista Arraia n.º. 2 e “O Caminho da Novena” no VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, classificado em 1.º lugar no concurso que deu origem ao livro.
Osmar Menezes dos Santos participa da terceira coletânea de contos do Ideal Clube, com “Na Sala de Espera da Morte”.
Otoniel Arilo Landim está na Antologia Literária do II Prêmio Domingos Olímpio, 1999, com “O Último Comboio” (3º.).
Paulo César Benício Mariano se classificou em 8º. no IV FUC, com “O Fogão”, publicado em livro.
Paulo Henrique de Oliveira participa da terceira coletânea do Ideal, com “Vae Soli”.
Paulo de Tarso Vasconcelos: 7º. no II FUC, com “O Olhar”.
Raffaella Maria Duarte: 4º. no I FUC, com “Clara e Téo”.
Raimundo Cavalcante dos Santos (Canindé, 1952) publicou um romance e uma peça de teatro. Com a narrativa “Xifópagos” participa do VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Raul Silveira Bento faz parte do VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “Noites Frias de Dezembro”.
Révia Maria Herculano tem livro de poemas editado. “Saqueadores de Memórias” está na terceira coletânea do Ideal.
Ricardo Guilherme Vieira dos Santos (Fortaleza, 1955). Mais conhecido como ator, dramaturgo e diretor de teatro. Tem livros sobre teatro. Um dos vencedores do II Prêmio Ceará de Literatura, categoria conto, e ganhador (1.º lugar) do III (1992), com “A Minha Nêgo ou O Casulo e a Larva”, de que resultaram coletâneas.
Roberto Vasconcelos Lima: “O Jogo”, 6.º no XII Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 2003.
Rogério Santos Braga: 10.º com “Nota de Suicídio”, no referido concurso.
Rogério da Silva e Souza tem “O Fortim de Santiago” na terceira coletânea do Ideal.
Rosel Ulisses Vasconcelos obteve alguns prêmios literários, como o 6.º lugar no IV Prêmio Literário Cidade de Fortaleza e o 7.º no V, com “O Tirano de Pedra”. 1º. no IV FUC, com “A Missa de Evilásio Cintra”, publicado em livro. Com “Dédalos” se fez presente na Antologia Literária (1º. Prêmio Domingos Olímpio de Literatura, 1998, Sobral) e com “Passos do Tempo” na segunda coletânea, do ano seguinte.
Ruth Maria de Paula Gonçalves, professora universitária, participa da terceira coletânea do Ideal, com “Tirados do Pé” (2º.) e “Tempo”.
Sabrina Kelma Tomaz está no mesmo livro, com “Vale a Pena Lutar!”
Sânzio de Azevedo (Fortaleza, 1938), mais conhecido como ensaísta, historiador da Literatura Cearense e poeta, também escreve contos.
Sarah Diva Ipiranga participa da Antologia Literária do II Prêmio Domingos Olímpio, com “A Missão”.
Soares Feitosa é poeta, mas já deu a conhecer contos, que seriam capítulos de um romance em construção.
Vânia Maria Ferreira Vasconcelos (Salvador, BA, 1961), mestra em Literatura Brasileira, mostrou “Segunda-feira” e “Fuxico” no VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Vanius Meton Gadelha Vieira (Fortaleza, 1944), psiquiatra, apresentou “O Último Colibri” no VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003.
Vilmar Ferreira de Souza: 2º. com “As Águas do Rio”, no II FUC.
Zélia Maria Sales Ribeiro (Itapajé, CE, 1962), professora de Letras, participa do VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003, com “O Anjo”.

continua…Antologia e Periódicos Literários no Ceará

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/

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Concursos com Inscrições Abertas

(atenção ao sistema de envio de envelopes, no final, após os concursos)

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SISTEMA DE ENVELOPES UTILIZADOS NOS CONCURSOS

No Brasil o sistema adotado desde muito tempo é o chamado “sistema de envelopes”, que consiste em:

– datilografar/digitar a Trova na face externa de um pequeno envelope de aproximadamente 8/11 cm, tendo, acima da Trova, o Tema a que concorre.

– colocar dentro deste envelope um papel com: nome e endereço completos, mais a assinatura. E outros dados de identificação que achar necessários.

– fechar esse envelope (colar) para remessa.

– colocar o(s) envelope(s) com as Trovas em outro, maior, para a remessa, endereçado ao Concurso. Esse envelope não deve ter nenhuma identificação do remetente. Se não houver instruções específicas, usar como remetente “Luiz Otávio” e repetir o endereço do próprio Concurso.

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Fonte:
Boletim Nacional da Uniao Brasileira dos Trovadores n. 483 – Outubro de 2008.

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Trovia 109 (Trovas Humorísticas)

Para obter a Revista Trovia na íntegra, entre em contato comigo para envia-la.
Cabelo é um negócio louco…
há divergências fatais:
– Na cabeça, um fio é pouco;
mas… na sopa… ele é demais!
Elisabeth S. Cruz – RJ

Não botem fogo na cana
peço ecologicamente –,
que a cana boa e bacana
é que põe fogo na gente!
Héron Patrício – SP

Ao homem muito ciumento
há um dilema que aperreia:
ou esquece o casamento,
ou casa com mulher feia!
Josa Jásper – RJ

Carro velho, meu amor,
dá trabalho: além de feio,
no morro, falta motor;
na ladeira… falta freio!
José Ouverney – SP

Nunca vi coisa mais jeca,
disse o sapo num lamento:
– Por que ver a perereca
só depois do casamento?…
Milton Nunes Loureiro – RJ

A sereia canta e encanta;
isso eu não faço, mas deixe…
Embora sem graça tanta,
eu também vendo o meu peixe.
Osvaldo Reis – PR

Todo sujeito falante,
dotado de “boa cuca”,
traz bem na testa um volante
escrito assim: – Arapuca.
Evandro Sarmento – RJ

Vendo-a grávida, ele diz:
– Homem? Mulher? Que vai ser?
E ela responde… feliz:
– Ele resolve… ao crescer!
Zaé Júnior – SP

Fonte:
A.A. de Assis (coord.). Trovia. Revista Virtual Mensal. Ano 10 – n. 109 – novembro de 2008. UBT Maringá.

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Trovia 109 (Trovas Líricas e Filosóficas)

Em cada gota extraída
do seu sangue, o doador
empresta vida a outra vida,
numa transfusão d amor!
A. A. de Assis – PR

O amigo que nos quer bem
é aquele que, sem temor,
oculta uma dor que tem
e vem sanar nossa dor…
Ademar Macedo – RN

Sempre é teu meu coração;
ouve, meu bem, por favor:
– Eu posso viver sem pão,
mas jamais sem teu amor!
Aloísio Bezerra – CE

O seu beijo é como início
daquela preliminar;
é minha sina, meu vício,
é a razão do meu sonhar…
A.M.A. Sardenberg – RJ

Mesmo idosos, nós sonhamos…
mesmo idosos, nós comemos…
mesmo idosos, nós amamos…
Se pararmos, nós morremos!
Amilton Monteiro – SP

Na olimpíada do amor,
por ti minha alma se mata.
Mas depois de tanto ardor,
nem medalhinha de lata.
Antônio Roberto – RJ

Nenhuma trova bem feita
é feita sem lapidar.
Mas, para tê-la perfeita,
tem muito que meditar.
Ari de Campos – SC

A vida é sonho que passa
e que não volta jamais…
Por isso, vem e me abraça,
que a vida é curta demais!
Arlene Lima – PR

Dos olhos seca-se o pranto,
a dor se torna esperança…
Tudo pode o mago encanto
do teu sorriso, criança!
Conceição de Assis – MG

A nossa felicidade,
tal qual bolha de sabão,
o vento , sem ter piedade,
nos arrebata da mão!
Cyroba Braga Ritzmann – PR

Ó velhice, eu que temia
que chegasses, de repente,
vivo em tua companhia
sem notar que estás presente!
Delcy Canalles – RS

Esse desejo que sentes
e este que sinto permutam
promessas de horas ardentes
que os travesseiros escutam…
Divenei Boseli – SP

O nosso amor escondido,
sem promessa de aliança,
tem o sabor proibido
da fruta da vizinhança!…
Domitilla B. Beltrame – SP

Roceiro – mão calejada –
quantas sementes plantou…
Ah, quanta boca saciada
e quanta fome passou!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Entre lágrima, entre riso,
na busca do que se quer,
só se encontra o paraíso
nos braços de uma mulher!
Ercy Maria M. de Faria – SP

Nosso grande encantamento,
quando a julgar eu me ponho,
é o encanto do momento
do nosso primeiro sonho.
Fernando Vasconcelos – PR

Ai, quem me dera que eu fosse
da minha infância, refém…
Certamente era mais doce
o doce que a vida tem!
Francisco Garcia – RN

Aquela ponte que unia
nossas vilas ribeirinhas
une ainda, por magia,
suas saudades e as minhas.
Gislaine Canales – PR

Obrigada, Deus, por tudo
do universo, que fizeste;
agradeço, sobretudo,
pela vida que me deste!
Istela Marina – PR

Pela saúde e alegria
e até mesmo pela dor,
pelo pão de cada dia
eu Te dou graças, Senhor!
Jessé Nascimento – RJ

Relembrando a mocidade,
te vejo em cada momento,
no feitiço da saudade
que adorna o meu pensamento.
Joamir Medeiros – RN

Quando estás a caminhar
na praia, invejo as marés,
que são desculpas do mar
para beijar os teus pés!
José Fabiano – MG

Pudesse, seria um santo,
moraria num convento;
minha voz daria ao canto,
meus versos diria ao vento.
José Marins – PR

Discórdias, sonhos frustrados,
e as mágoas não resolvidas
são os nós não desatados
das cordas das nossas vidas…
José Valdez C. Moura – SP

Eu fico muito tristonho
e tenho imensa piedade
daquele que não tem sonho,
de quem não sente saudade.
Lino Vitti – SP

É troca de amor fecundo
a toda mãe concedida:
ela põe vida no mundo,
nela o mundo põe mais vida!
Lucília Decarli – PR

Piedade, chama divina,
que acende a cada aflição;
é fonte que me ilumina
quando concedo o perdão.
Marcos Medeiros – RN

Nove meses eu te aguardo…
recebo-te enternecida.
Não é trabalho, nem fardo,
é, sim, milagre da vida!
Ma. Conceição Fagundes – PR

Ó Espírito de Amor,
o teu dom de piedade
me acompanhe aonde eu for
espargindo só bondade!
Maria Ignez Pereira – SP

Eu não te aceito outra vez,
nem que a saudade me imponha,
porque, mais que insensatez,
tenho amor próprio e vergonha!
Ma. Madalena Ferreira – RJ

O beijo é linguagem muda
de duas bocas unidas…
Às vezes, um beijo muda,
num minuto, duas vidas.
Ma. Thereza Cavalheiro – SP

Pelas ruas, no passado,
nos realejos risonhos,
um periquito amestrado
passava vendendo sonhos.
Marina Valente – SP

O tempo escreve a seu gosto,
no passar do dia-a-dia,
muitas rugas no meu rosto,
mas… tem má caligrafia.
Miguel Russowsky – SC

Com as palavras brincando,
vou colocando-as à prova;
meus olhos ficam brilhando,
quando organizo uma trova.
Neiva Fernandes – RJ

Eu vendo, dou e transfiro
tudo que tenho no mundo
só para ouvir teu suspiro
mais uma vez, um segundo.
Neiva Pavesi – SP

Sobre o palco de um teatro,
mostra-se o ator por inteiro;
mas na vida é o diabo-a-quatro:
nunca é tudo verdadeiro…
Olga Agulhon – PR

Meu coração, qual tapera,
por estacas sustentado,
mantém-se vivo, na espera,
de tanto sonho sonhado…
Olga Dias Ferreira – RS

Não me gabo das conquistas
nem dos troféus que são meus,
porque nas mãos dos artistas
há sempre o dedo de Deus!
Otávio Venturelli – RJ

Se rezar a Deus com canto
é duas vezes rezar,
quisera eu saber quanto
vale em trovas O louvar.
Raul Pimenta – PR

Escolha bem – no começo –
pois o pedágio da vida
sempre nos cobra alto preço
na estrada mal escolhida…
Regina Célia Andrade – RJ

Que tu sejas nos teus brios,
quando buscares a glória,
altivo nos desafios,
mas humilde na vitória!
Selma Spinelli – SP

Poeta é aquele que traz
o Sol e a Lua em seu peito,
despreza a razão e faz
do desvario… um direito
Sérgio Ferreira – SP

Tem, do herói, santo ou profeta
– em meio às guerras e à dor –
a mesma audácia o poeta
que teima em falar de amor!
Terezinha Brisolla – SP

Nunca morre o trovador;
se afasta fisicamente…
Sobrevivem trova e autor
no dia-a-dia da gente!
Vânia Ennes – PR
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Fonte:
A.A. de Assis (coord.). Trovia. Revista Virtual Mensal. Ano 10 – n. 109 – novembro de 2008. UBT Maringá

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Quem são o MesmaFrequência?

O ‘MesmaFrequência’ é um grupo cultural sem estrutura formal (não tem estatuto, presidente, etc.) que tem como objetivo agrupar pessoas que se identificam culturalmente. Tudo é decidido em conjunto, por consenso, inclusive a escolha dos coordenadores dos projeto, a quem cabe organizar os respectivos eventos. Não existem ‘donos’ ou ganhos financeiros de qualquer espécie, só ‘altos lucros’ culturais…

Comunicamo-nos em torno de um e-mail e realizamos alguns projetos específicos.

Por ter sido iniciativa de Hélio Rubens de Arruda Miranda, foi o coordenador do projeto ‘Sarau Cultural’, que será realizado a cada dois meses (o próximo será dia 6 de Dezembro), revezando-se com o Sarau Cultural do Instituto Julio Prestes, de Itapetininga, do qual também é coordenador (realizado bimestralmente).

O projeto ‘Cine Clube’, que pretende reunir colegas do MF para assistir um ‘filme cabeça’ (roteiro interessante) e discuti-lo, é o segundo projeto criado pelo MesmaFrequencia. O coordenador escolhido foi Benão, artista especializado em artes cinematográficas. Será realizado em algum sábado de novembro (a data ainda não foi acertada), na casa da Delia Maria (onde realizaram o primeiro Sarau).

Fontes:
Hélio Rubens de Arruda Miranda.
Imagem
http://www.josebautista.net

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Projetos do MesmaFrequência (MF) em Andamento em Sorocaba

Projeto Sarau Cultural: a próxima edição será dia 6 de Dezembro. Ver detalhes abaixo. As inscrições estão abertas.

Projeto ‘Cine Cult’: aguardando sugestão, pelo coordenador Benão, de dia, horário e indicação do filme a ser exibido.
Local: casa da Delia Maria.

AGENDA

Dia 25/10 – Sábado
17 horas – Cerimonia de entrega dos diplomas e presentes aos ganhadores do IV Concurso de Redação, do Instituto Julio Prestes.
Local: Câmara de Itapetininga.

Dia 27/10 – Segunda feira

19h30 – Lançamento do DVD “Os jornalistas e as eleições’ evento promovido pela Aliança Internacional de Jornalistas – entrada grátis –
Local: Shopping Cidade Jardim – Auditório Livraria da Vila – Desta vez, deverá acontecer um bate-papo dos participantes do Dialógo com o público presente. Por isso o auditório com a projeção do DVD em telão ao fundo.

Dia 01/11 – Sábado

15 hs Lançamento de livro ‘Vidas Entrelaçadas’, do MF Nicanor Pereira. O livro tem 160 páginas, formato 14×21 e a editora é ‘O Clássico’.

O lançamento acontece durante a Expo-literária, na Biblioteca Municipal de Sorocaba, no dia 01 de novembro (sábado), às 15 horas, com as solenidades de lançamento e tarde de autógrafos.

Sinopse: a obra conta com a apresentação do literato Geraldo Bonadio, presidente da Academia Sorocabana de Letras e compreende um romance que se reporta a um casal de jovens enamorados. Têm eles o primeiro encontro na praia de Itapoã, Vila Velha/ES, vindo a seguir o envolvimento de um dos deles com as drogas, causando, desta forma, terríveis problemas e sofrimentos a ambos. No entanto, após longa separação, período em que acontecem uniões conjugais que se desfazem, prisões, enfermidades, assassinatos etc, permanecendo, porém, entre os protagonistas o amor “platônico” (intelecto-emocional). A restauração desse moço, proporcionada por sua firme disposição de cura e libertação, com o auxílio divino, reconstitui a vida de ambos, tornando-os incansáveis apologistas contra o ingresso de nossa juventude ao mundo das drogas. Leitura agradável, intrigante e emocional, de grande conteúdo ético e moral, sem qualquer apelo sexual, inspirando, nos seus conceitos, importantes princípios cristãos, tão necessários, na época em que vivemos.

Vidas Entrelaçadas é, antes de um romance, um brado de advertência aos jovens e adolescentes sobre o perigo da primeira “viagem” ao mundo de desgraças e infinitos sofrimentos a que conduzem as drogas. Leitura ideal para a família e jovens de todas as idades.

Nicanor Filadelfo Pereira. Poeta e cronista, nasceu em São Paulo em 19/08/39 e aos sete anos de idade foi residir em Jandira /SP onde cursou o primário, na Escola Mista da Parada Jandira, cursou depois o ginasial em Osasco e o Colegial (Clássico) no Colégio Campos Salles, na Lapa, São Paulo, capital. Foi correspondente dos jornais regionais: O Imparcial e O Suburbano da cidade de Itapevi/SP.

Aos dezoito anos ingressou na política partidária, tendo exercido diversos cargos na estrutura dos partidos de que fez parte, desde o PSB, PSP, posteriormente na Arena e, depois, no MDB. Foi vereador na cidade de Jandira, onde exerceu o primeiro mandato de Presidente da Câmara.

Sempre teve interesse especial pela Literatura, dedicando-se à escrita em prosa e verso. Em 1981 transferiu-se com sua família para Sorocaba, onde reside atualmente, mantendo, no entanto, seus vínculos com a cidade de Jandira, em função de suas atividades comerciais. Em Sorocaba faz parte das diretoria da CERES – Casa do Escritor da Região de Sorocaba, onde exerce o cargo de Diretor Executivo, é membro do Grupo Coesão Poética de Sorocaba e colunista dos sites: www.sorocult.com e www.joaquimevonio.com

Dia 08/11 – Sábado

19 horas – Lançamento do 3º livro do Gonçalves Viana (Vianinha), intitulado “Estilhaços”.
No Depois Bar e Arte, situado na Rua Cônego Januário Barbosa, 123, próximo da Rodoviária.

Gonçalves Viana é Técnico em Projetos Industriais. Poeta, humanista e grande admirador da Música. Vice-Presidente da Ceres (Casa do Escritor de Sorocaba). Membro do grupo Coesão Poética de Sorocaba. Co-autor do 3º Volume do Livro “Biblioteca Sorocabana – Poesias”. Autor do livro “Vertentes” lançado em 2006 pela Otonni Editora com incentivo da Ceres. Colunista do Espaço Literário do site sorocult.com. Co-autor na 1ª Coletânea Literária do site http://www.sorocult.com.

Dia 22/11- Sábado
20 horas
– Sarau Cultural do Instituto Julio Prestes –
na casa do casal Alcidenet-Mara –
INSCRIÇÕES ABERTAS!

Dia 06/12- Sábado
20 horas – 2o. Sarau Cultural do MF –
na rua Joel Ribeiro nº 140 – Jardim Emília. O local chama-se Clínica Expressão. A referência é a rua Washington Luis, na altura do 201.
Fone: 32310196. Outros telefones para contato: 32474744 e 91492628.
INSCRIÇÕES ABERTAS!

Fonte:
Douglas Lara.

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Fórum das Letras de Ouro Preto (MG)

Promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e idealizado pela escritora Guiomar de Grammont, o Fórum das Letras de Ouro Preto foi concebido com a intenção de promover o diálogo entre autor e público participante, além de valorizar a importância de Ouro Preto, cidade pela qual passaram ou viveram escritores de várias escolas ao longo da sua rica história cultural.

A primeira edição do evento, realizada em 2005, contou com a participação de importantes nomes, como Adélia Prado, Affonso Romano Sant’Anna, Alice Ruiz, Ana Miranda, Fabrício Carpinejar, Ignácio de Loyola Brandão, Luiz Ruffato, Marina Colasanti e Zuenir Ventura. Nos anos seguintes, estiveram presentes, dentre outros, Cristovão Tezza, Luís Fernando Verissimo, Marçal Aquino, Marcelino Freire, Nelson Motta, José Miguel Wisnik e Sérgio Sant’Anna; além dos estrangeiros Asne Seierstad, Efraim Medina Reyes, Francisco José Viegas, Inês Pedrosa, José Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto, Laure Adler, Miguel Gullander, Nelson Saúte e Ondjaki. A seleção, que reflete o cuidadoso trabalho de curadoria exercido, oferece um amplo panorama do que de melhor é produzido pela literatura mundial.

Em abril de 2008, o encontro originado em Ouro Preto ganhou versão portuguesa e reuniu, em Lisboa, autores do Brasil, África e Portugal. Com o tema “Portugal, Brasil, África: O princípio da aliança”, o evento se propôs a discutir a identidade e a diversidade da literatura produzida nos países de língua portuguesa. Organizado por Guiomar de Grammont juntamente com a escritora Inês Pedrosa, diretora da Casa Fernando Pessoa, o Letras em Lisboa teve duração de quatro dias e contou com a participação de escritores, críticos, editores e interessados em literatura em geral. O sucesso foi tanto que a segunda edição do evento já está marcada, e deve acontecer entre os dias 6 e 10 de maio de 2009, na Casa Fernando Pessoa e no Teatro São Luís, em Lisboa.

Também para o próximo ano, data de celebração do ano da França no Brasil, o Fórum das Letras terá sua primeira edição em Paris, em um seminário de dois dias integrado ao Festival de Cinema Brasileiro, que já ocorre na França há dez anos. O tema escolhido foi “Jornalismo, História e Ficção”, e o assunto será debatido por alguns dos maiores ensaístas e jornalistas franceses e brasileiros, que têm encontro marcado na Cidade Luz para trocar idéias e celebrar o mútuo fascínio que sempre caracterizou as relações entre os dois países.

Programação :

Quarta-feira, 05/11
Abertura da exposição Alfabeto Fantome, do poeta e tipógrafo Guilherme Mansur – Centro de Artes e Convenções da UFOP

Abertura da exposição: Machado de Assis – Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro
Local: Centro Cultural e Turístico do Sistema FIEMG em Ouro Preto
Praça Tiradentes, 04 – Centro – Ouro Preto / MG.
Tel.: 3551-3637
Visitação: de 5 a 25 de novembro de 2008 (segunda a domingo – de 9 às 19 horas)
Realização: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais / Superintendência de Bibliotecas / FAOP / FIEMG

16h30: Conversa sobre o universo paralelo: a cena independente no Brasil (Parceria Revista Cult)
Lobão e Nelson Motta

18h30: Memória e Ressentimento
Azriel Bibliowicz, Moacyr Scliar, Tatiana Salem Levy. Mediação: Moacir Amâncio

Quinta-feira, 06/11

14h30: A mulher em Guimarães Rosa e Machado de Assis: Há como desvendar o enigma de Capitu e Diadorim?
Marli Fantini, Benjamin Adbala Júnior, Audemaro Taranto Goulart, Márcia de Morais. Mediação: Elzira Perpétua

16h30: Os mistérios do encontro entre Letra e Música
Pasquale Cipro Neto, Celso Adolfo, Fernando Brant. Mediação: Jorge Fernando dos Santos

18h30: Três olhares sobre o romance noir
Willian Gordon, Peter Robinson, Martin Brock. Mediação: Cora Ronái

Sexta-feira, 07/11

Abertura da exposição: Sertão Encarnado – Centenário de João Guimarães Rosa
Local: Galeria de Arte Nello Nuno – Fundação de Arte de Ouro Preto – FAOP
Rua Alvarenga, 794 – Cabeças – Ouro Preto MG.
Tel.: 3551-2014
Visitação: de 7 de novembro a 7 de dezembro de 2008 (segunda a Sexta – de 9 às 18 horas / sábado e domingo – de 9 às 14 horas)
Realização: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais / Fundação de Arte de Ouro Preto – FAOP / Via Social – Projetos Culturais e Sociais

14h30: Qual a chave da construção do romance?
João Batista Melo, Luiz Ruffato, Maria Esther Maciel, Ana Maria Gonçalves. Mediação: Almir de Freitas

16h30: Lendo livros que não existem mais
Roger Chartier, Jacyntho Lins Brandão. Mediação: Maria Clara Versiani Galery

18h30: Poesia do encontro – Edição Especial Sempre um Papo
Rubem Alves e Elisa Lucinda

Sábado, 08/11

14h30: A boa crônica tem receita?
Antonio Carlos Gaio, Luís Giffoni, Alberto Villas, Manuel da Costa Pinto. Mediação: Marcia Tiburi

16h30: Quais as estratégias de captura da atenção do leitor no romance noir?
Francisco Viegas, Lourenço Mutarelli, Marçal Aquino. Mediação: Alécio Cunha

18h30: Onde pulsa o segredo do conto?
João Carrascoza, Eric Nepomuceno, Jerônimo Texeira. Mediação: Guiomar de Grammont

Domingo, 09/11

14h30: Os mistérios não gostam de ser nomeados
João Gilberto Noll. Mediação: Luís Alberto Brandão

16h30: Qual a medida entre a palavra e o sliêncio na poesia?
Antônio Calloni, Nicolas Behr, Chacal, Nelson Saúte. Mediação: Sérgio Fantini

LITERATURA EM CENA NA CASA DA ÓPERA

Sexta-feira, 07/11

9h30: Literatura em cena na Casa da Ópera
Apresentação da mesa: Paulo Brant, secretário de Cultura do Estado de Minas Gerais

1808 – A invenção do Brasil
Laurentino Gomes, Fuad Yazbeck, Francisco Seixas da Costa (embaixador de Portugal no Brasil). Mediação: Otávio Elíseo

Espetáculo “O poeta de todos nós”
Poemas de Marly Oliveira interpretados por Lauro Moreira – embaixador da CPLP, com música de Pedro Braga

Sábado, 08/11

9h30: Modernidade e Crise
Daniel Bensaid, Maria Imaculada Kangussu

Filosofia, Literatura e Arte
Charles Feitosa, José Luís Furtado, Marcia Tiburi

Lançamento dos livros: Filosofia em Comum e Mulheres, Filosofia ou coisas do gênero

Domingo, 09/11

9h30: Memória, Biografia, Autobiografia
Clóvis Bulcão, Giovanni Ricciardi, Cristina Agostinho. Mediação: Dulce Mindlin

Lançamento do livro: Biografia e criação literária: entrevistas com autores mineiros

VIA SACRA POÉTICA

Quarta-feira, 05/11

21h: Sarau Misterioso – Lançamento do livro “O túnel” de Carlos Versiani
Participação de poetas da cidade de Ouro Preto
Microfone aberto – temática: poesia e contos de mistério
Show Cantos Poéticos – Octavia Mardones
Local: Bar e Restaurante O Sótão – Casa de panquecas
Rua Direita 124 – Centro

Quinta-feira, 06/11

10h: Arte e Mistérios
Performance artística dos usuários da Saúde Mental de Ouro Preto
Local: Praça Tiradentes – Centro

11h: Música na Praça – Trio Arueira
Realização – Departamento de Música / UFOP
Local – Praça Tiradentes – Centro

21h: Poesias – voz, vídeo e improviso
Poeta – Adriano Menezes
Poesia Coletiva – Lu Peixoto e Luís Mingau
Filho de gato é gatinho – Cordel de Patativa do Assaré – Grupo Artesão

Palavras do Silêncio em Vídeo – Mariângela Maia (Ryosen)
Música ao vivo
Local: Café Geraes Bistrô
Rua Direita, 122 – Centro

Vídeoarte circula
Circulação de vídeos-poesia de autores ouro-pretanos

Sexta-feira, 07/11

11h30: Aula visita – Matriz do Pilar
Rodrigo Bastos

20h: Show – Vozes, piano e percussão
Realização – Departamento de Música / UFOP
Local: Chafariz do Cinema
Praça Reinaldo Alves de Brito – Centro

20h: Lançamento do Livro Quando os demônios descem o morro – Rui Mourão
Local: Livraria e cafeteria cultural Ouro Preto – FIEMG
Praça Tiradentes – Centro

21h: Grande Cortejo: Bebendo em verso e prosa – Pife, Percussão e Poesia
Grupo Cor de Fubá
Participação: Geuder Martins

Trajeto: Chafariz do Cinema ao Chafariz do Rosário
Praça Reinaldo Alves de Brito – Centro

22h: Performance Poética EE TU MAO e Lançamento da Revista Tropical
Com Milton César Pontes e Wilmar Silva
Participação especial: Alécio Cunha
Local: Adro da Igreja do Rosário – Rosário

23h: Show com o grupo Afro Roots
Local: Adro da Igreja do Rosário – Rosário

Espalhando palavras
Performance dos coletores de lixo pelas ruas da cidade
Coordenação: Estandarte

Vídeoarte circula
Circulação de vídeos-poesia de autores ouro-pretanos

Sábado, 08/11

11h30: Leitura da Igreja São Francisco de Assis – Guiomar de Grammont e Maurício Monteiro
Local: Igreja São Francisco de Assis
Largo do Coimbra – Centro

12h: Música na igreja
Realização – Departamento de Música / UFOP
Local: Igreja São Francisco de Assis
Largo do Coimbra – Centro

12h30: Poética Ouro Preto – Antiatro Experimentos Cênicos
Após a apresentação os artistas distribuirão poesias pelo centro da cidade
Criação e direção: Mauro Júnior. Co-criação: Fernanda Borcsik
Performers: Ana Carolina Abreu, Nadiana Carvalho, Paulo Bretas, Paulo Henrique Sereia e Juçara Galiza
Músicos: Tatiane Freitas e Rodrigo Leite
Local: Adro da Igreja São Francisco de Assis
Largo do Coimbra – Centro

20h: Lançamento do livro “A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro – 1808-1821”, de Maurício Monteiro
Local: Livraria e Cafeteria Ouro Preto – FIEMG
Praça Tiradentes – Centro

21h30: Performance poética
Poetas do Projeto Terças PoéticasCoordenação Wilmar Silva
Participação dos poetas Jorge Melícias e Luís Serguilha (Portugal), Márcio André, Milton César Pontes, Luiz Edmundo Alves, Joaquim Palmeira

Local: Ponte dos contos
Rua São José – Centro

22h: Show com Maíra Lana Quinteto
Local: Ponte dos Contos
Rua São José – Centro
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Espalhando palavras
Performance com coletores de lixo pelas ruas da cidade
Coordenação: Estandarte
**
Vídeoarte circula
Circulação de vídeos-poesia de autores ouro-pretanos

Domingo, 09/11

9h30: Grupo Fábrica de Canto, Conversa e Bobeira Nanã-ná
Local: Adro da Igreja do Carmo
Rua Brigadeiro Musqueira, s/n – Centro

10h: Música na Praça – Trio de Violões
Gustavo Nunes Maciel
Tico Laurindo
Marcelo Schitine

Realização: Departamento de Música / UFOP
Praça Tiradentes

11h: A cidade e seus mistérios
Narração de histórias sobre o centro da cidade, com Ângela Xavier
Trajeto Praça Tiradentes/ Largo do Coimbra

21h: Som + Poesia
Microfone aberto – Temática livre
Local: O Passo Pizzaria
Rua São José, 56 – Centro

Autores
Alberto Villas
Alécio Cunha
Almir de Freitas
Ana Maria Gonçalves
Antônio Calloni
Antonio Carlos Gaio
Audemaro Taranto Goulart
Azriel Bibliowicz (Colômbia)
Benjamin Abdala Junior
Celso Adolfo
Chacal
Charles Feitosa
Clóvis Bulcão
Cristina Agostinho
Daniel Bensaid (França)
Dulce Mindlin
Elisa Lucinda
Elzira Perpétua
Eric Nepomuceno
Fernando Brant
Francisco José Viegas (Portugal)
Francisco Seixas da Costa (Portugal)
Fuad Yazbeck
Giovanni Ricciardi (Itália)
Guilherme Mansur
Guiomar de Grammont
Jacyntho Lins Brandão
Jerônimo Teixeira
João Batista Melo
João Carrascoza
João Gilberto Noll
Joaquim Palmeira
Jorge Fernando dos Santos
Jorge Melícias
Laurentino Gomes
Leo Cunha
Lobão
Lourenço Mutarelli
Luís Alberto Brandão
Luís Giffoni
Luís Serguilha
Luiz Edmundo Alves
Luiz Ruffato
Manuel da Costa Pinto
Marçal Aquino
Márcia de Morais
Marcia Tiburi
Márcio-André
Maria Clara Versiani Galery
Maria Esther Maciel
Mário Vale
Marli Fantini Scarpelli
Martin W. Brock (Alemanha)
Moacir Amâncio
Moacyr Scliar
Nelson Motta
Nelson Saúte (Moçambique)
Nicolas Behr
Otávio Elíseo
Pasquale Cipro Neto
Peter Robinson (Inglaterra)
Roger Chartier (França)
Rubem Alves
Sérgio Fantini
Tatiana Salem Curry
Thalita Rebouças
William Gordon (Estados Unidos)
Wilmar Silva

Mais informações sobre o evento estão disponíveis no site http://www.forumdasletras.ufop.br.
ASSESSORIA DE IMPRENSA:
ETC COMUNICAÇÃO – (31) 2535-5257
Jihan Kazzaz – (31) 9194-5966 – etc@etccomunicacao.com.br
Núdia Fusco – (31) 8707-7095 – nudia@etccomunicacao.com.br

Fontes:
Douglas Lara. em http://www.sorocaba.com.br/acontece
http://www.forumdasletras.ufop.br/

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Fórum das Letrinhas de Ouro Preto (MG)

Fórum das Letrinhas amplia ações de incentivo à leitura

Evento literário voltado para o público infanto-juvenil contará com a participação de aproximadamente 3 mil crianças

As crianças se tornarão as verdadeiras protagonistas do universo literário durante a realização do Fórum das Letrinhas, marcado para acontecer entre os dias 5 e 7 de novembro, em Ouro Preto. Durante três dias, diversas ações de incentivo à literatura vão envolver o público infanto-juvenil em um mundo lúdico, permeado pela presença de autores, apresentações teatrais e contações de histórias (trocas literárias). A previsão é que mais de 3 mil crianças participem do projeto.

Confirmaram participação no encontro os escritores Rubem Alves, Léo Cunha, Mário Vale e Thalita Rebouças. Estão previstos debates entre os autores e alunos da rede pública e privada de ensino, com profunda imersão na obra de cada um dos participantes.

Para isso, antes do início das palestras, previstas para acontecerem no Teatro Municipal de Ouro Preto, serão realizadas esquetes teatrais baseadas em temas recorrentes nos livros dos autores convidados. O trabalho será promovido por alunos de Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP, instituição promotora do evento, com o objetivo de integrar a literatura ao teatro e despertar a curiosidade dos pequenos leitores para o mágico universo das letras.

Esta será apenas uma das iniciativas que diferenciam esta edição do Fórum das Letrinhas das anteriores. Em 2008, o foco central será a inserção da comunidade na literatura, meta reforçada por programas como a Biblioteca da Família, que promete expandir o sucesso alcançado no ano passado; a Troca Literária, que vai promover um intercâmbio de alunos que serão os contadores de histórias para escolas vizinhas; o Doutores da Leitura, adaptação do já conhecido projeto Doutores da Alegria; o Varal da Leitura, que vai levar literatura às feiras de Ouro Preto; e a Oficina de Poesia voltada para crianças.

As ações foram pensadas pela curadora do Fórum das Letrinhas, Adriana Mel, que ocupa o cargo desde a primeira edição do evento. “Nossa preocupação, como nos anos anteriores, se baseou no desenvolvimento de projetos que tivessem o incentivo à leitura como foco principal. Em 2008, no entanto, as iniciativas foram enriquecidas pelo viés social, pois vamos levar a literatura para aqueles locais onde ela normalmente não está presente”, ela conta.

Os projetos

Um ponto importante é que as iniciativas não ficarão restritas ao período de realização do Fórum das Letrinhas.

A primeira a entrar em ação foi o Varal da Leitura, iniciativa que tem levado a literatura para a tradicional feira do Pilar, que acontece aos sábados. Para receber os leitores, foi montada uma estrutura composta por tapetes, almofadas e cadeiras que abrigam pessoas de todas as faixas etárias junto ao varal cheio de livros. O público-alvo é composto por crianças e adultos, e há sempre a presença de um monitor para ajudá-los quando necessário.

A Biblioteca da Família volta com mais livros aos lares ouro-pretanos em breve. Em edição ampliada, o projeto funciona da mesma forma que o ano passado: as escolas cadastradas recebem caixas contendo livros diversos (entre os quais os livros dos autores que virão ao evento), que serão entregues aos alunos. Eles poderão ficar com os exemplares durante uma semana e, em seguida, deverão revezar o material com outros colegas de sala. Ainda não está definido o número de obras disponibilizadas, mas este certamente será superior aos 100 títulos trabalhados no ano anterior.

A Troca Literária, que também acontece em ambiente escolar, consiste na leitura antecipada de livros dos autores participantes do Fórum das Letrinhas e posterior preparo dessas leituras em contações de histórias. Assim, cada grupo de “pequenos contadores” terá o suporte de monitores do curso de direção de Artes Cênicas, ajudando os alunos a prepararem suas histórias e a contá-las nas escolas vizinhas. Cada escola fica responsável por uma obra que, durante o evento, deverá ser apresentada pelos alunos nas outras unidades de ensino credenciadas no programa.

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Já os Doutores da Leitura vêm seguindo os passos imortalizados pelo médico americano Patch Adams, que se tornou uma referência no tratamento de pacientes por levar alegria e estímulo às pessoas internadas. Em Ouro Preto, a iniciativa ganha contornos literários, e os atores levam histórias fantásticas para crianças hospitalizadas.

O Fórum das Letrinhas prevê, ainda, a realização de uma oficina de poesia, programada para acontecer na Biblioteca Municipal de Ouro Preto. A oficina vai trabalhar com a linguagem poética, ampliando a formação estética dos alunos nesse gênero.

Sobre o Fórum das Letrinhas

O evento é realizado paralelamente ao Fórum das Letras de Ouro Preto, que, este ano, acontecerá entre os dias 5 e 9 de novembro, com o tema “Literatura e Mistério”. Este será o quarto ano da iniciativa que, anualmente, reúne centenas de escritores na cidade barroca que se tornou referência no cenário cultural brasileiro. O Fórum das Letras foi idealizado pela escritora e diretora do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP, Guiomar de Grammont.

Programação

Quarta-feira, 05/11

9h às 10h: Abertura do Fórum das Letrinhas
Um Jogo Lúdico com a Literatura – Equipe Carpe Diem
Local: Biblioteca Municipal de Ouro Preto

10h às 11h: Oficina de Poesia
Turma I
Local: Biblioteca Municipal de Ouro Preto

14h30 às 16h30: Bate-papo com Mário Vale
Abertura: Esquete teatral de livro do autor convidado
Local: Teatro Municipal Casa da Ópera

Quinta-feira, 06/11

10h às 11h30: Oficina de Poesia
Turma II
Local: Biblioteca Municipal de Ouro Preto

14h30 às 16h30: Bate-papo com Léo Cunha e Thalita Rebouças
Abertura: Esquete teatral de livros dos autores convidados
Local: Teatro Municipal Casa da Ópera

Sexta-feira, 07/11

9h30 às 11h30: Oficina de Poesia
Turma III
Local: Biblioteca Municipal de Ouro Preto

14h30 às 16h: Bate-papo com Rubem Alves
Abertura: Esquete teatral de livro do autor convidado
Local: Teatro Municipal Casa da Ópera

Sábado, 08/11

16h: Comemoração dos 80 anos do poema “Uma pedra no meio do caminho”, escrito por Carlos Drummond de Andrade
Local: Praça Tiradentes

Mais informações sobre o evento estão disponíveis no site http://www.forumdasletras.ufop.br/
ASSESSORIA DE IMPRENSA:
ETC COMUNICAÇÃO – (31) 2535-5257
Jihan Kazzaz – (31) 9194-5966 – etc@etccomunicacao.com.br
Núdia Fusco – (31) 8707-7095 – nudia@etccomunicacao.com.br

Fontes:
Douglas Lara. em
http://www.sorocaba.com.br/acontece
http://www.forumdasletras.ufop.br/ .

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Participe do Ensaio Poético

– Participação Gratuita –

Proposta:

Tema: A Vida como ela é;

Coordenação: Sol Lua© e Maria Inês Simões;

Realização: Sol Lua© e AVBL (Academia Virtual Brasileira de Letras);

Recebimento das obras: 10/10/2008 a 31/10/2008;

Lançamento do ebook: 10/11/2008

Sites: http://www.sollua.com.br/ ; http://www.avbl.com.br/ ; http://www.ebooks.avbl.com.br/ ; http://www.rubenalvesvieira.com.br/ ;
http://www.vidasempoesia.com.br/

Obs.: Os textos deverão ter no máximo 25 linhas contando com título e espaços.

PARTICIPE VOCÊ TAMBÉM!!!

Envie seu ensaio poético para:
ensaiopoetico@gmail.com
sollua@sollua@.com.br
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PARTICIPANTES ATÉ 20/10/2008

Afonso Ricardo de Oliveira – Vida Após A Vida
Alexandre A. Gentil – “Vida, longa espera”
Amani Spachinski de Oliveira – Amo a vida assim como ela é
Amelina Chaves – Boa noite Montes Claros
Ana Alice Zanettini – A vida como ela é
Anna Peralva – A vida como ela é…
Antonia Nery Vanti (Vyrena) – A vida como ela é
Arneyde Tessarolo Marcheschi – A vida como ela é…
Ataíde Lemos – Vida bem vivida
©Beatriz Valerio – Caminho da vida
Beki Bassan – A Vida como ela é
Borbollettah Sandra Regina – A vida é assim
Branca Tirollo – “Meu Dia é Singular”
CandySaad – A vida como ela é
Carvalho de Azevedo – A vida em oito estações
Cássia Vicente – A vida
Cel (Cecília Carvalho) – A vida como ela é
Célia Cavalcanti – A vida
Célia Lamounier de Araújo – Fala-me vida
Cida Lopes – Que bom seria
Clara da Costa – A vida como ela é
Dária Fárion – Mágica Semente
De Paula – A vida como ela é
Débora Acácio – A vida como ela é!
Débora Honorato – Vida, Escolhas e … Escolhas
Djalma Allegro – A vida como ela é
Edméa Reina Gallardo – Ser feliz é preciso
Edson Carlos Contar – A vida como ela é…
Eduardo Gomes – Soneto para a Vida!
Eliza maria – A vida como ela é
Eloisa Menezes Pereira – A vida na realidade
Eri Paiva – A vida é linda
Eron Vidal de Freitas – A Vida como ela é
Fernando Paganatto – Filosofia de boteco
Garfield – A Vida como ela é!
©Gena Maria – Vida
Genaura Tormin – A vida é assim
Gerson F. Filho – Vida
Gerson Ney França – Contradança
Gildina Roriz – A vida como ela é
Graciela María Casartelli – En un segundo, la vida…
Guida Linhares – A vida como ela é
Humberto Rodrigues neto – Mescla
Izabel Silveira – A vida como ela é…
Jandyra Adami – Minha Janela
Janine Martins de Castro Santos – As abelhas do invisível
Jeremias Francisco Torres – Poderia permanecer de olhos fechados
Joe’A – Ânsia de vida
Jorge Linhaça – A vida? Como ela! É?
José de Alencar Godinho Guimarães – A Rotina da Vida Como Ela É
José Ernesto Ferraresso – Antítese da Vida
Josefa Alteff – Peça inacabada
Josete Maria Vichineski – Caixa de surpresas
jozeddonato – A Vida como ela é
Jussára C Godinho – Reflexo da vida
Kaena/Nena Andrade – A Vida Como Ela É…
Lannes – A vida
Luciano Ebeling – A Vida como ela é…
Luiz Poeta – Expressi…vida..de
Mão Branca – Quando as águas fumarem
Marcial Salaverry – Viver a vida como ela é
Marco Ramos – A Vida como ela é
Maria A S Jorge (Mary Poie) – Vida
Maria Aparecida Ribeiro – A vida como ela é
Maria Inês simões – Vi.ver sem.pressa
Maria Loussa – Vida real
Maria Regina Moura Ribeiro – Ah! A Vida como ela é…
Maria Thereza Neves – A vida como ela é…
Marilândia Marques Rolo – A vida como ela é
Mariza Helena Ribeiro Facci Ruiz – Vida-passamento
Marly Brasiliense – Com carinho…
Marly Caldas – A vida como ela é…
Mifori – A Vida como ela é
Nadir A D’Onofrio – Assim é a vida
Naidaterra – A vida é bela
Nancy Cobo – A Vida como ela é
Natália Vale – Afinal o que a vida é?
Nídia Vargas Potsch – Vida… Justa ou injusta?
Ninita Lucena – A vida é bonita
Paccelli José Maracci Zähler – Mendigo
Paula Torres – Do oco do mundo
Paulo Cezar Santos Melo – Perdão, amor
Paulo Cesar Paschoalini – Liberdade cativa
Paulo Coelho – A vida como ela é
Paulo Monti – Da vida
Pedro Paulo da Gama Bentes – Pátria amada. Mãe gentil?
Pedro Valdoy – Ensaio Poético
Penhah Castro – E viver o que é… O que é?
Pilar Casagrande – A Vida como ela é…
Pile da Maracajú – A vida como ela é
Raphael Reys – A vida como ela é
Resomar – Madrugadas inebriadas…
Ricardo De Benedictis – Ilusão da vida
Roseli Busmair – A vida como ela é!
Ruben Alves Vieira – A Vida como ela é
Salvador Prantera Junior – A vida como ela é
Sandra Falcone – o que é a viver efetivamente?
Sandra Mara Lazzaris – A Vida como ela é…
Sérgio Struffa – ****A VIDA É BELA****
Sidnei Piedade – A Vida como ela é
Silvio Luiz Mauch – Viver a vida como ela é
Silvio Romero Monteiro Alves – A Vida como ela é…
Simone Borba Pinheiro – A Vida é Assim
Sol Lua© – A Vida como ela é
Thais Arrighi – A vida como ela é
Vanderleis Estácio Maia – A vida como ela é
Vilmar Locatelli – A vida como ela é
Zani Lopes – A vida como ela é
~~~~~~

Poemas que deram origem ao ensaio poético:

A vida como ela é
Sol Lua©

Viver, há quem ache complicado,
hoje em dia nem se fala…
Dizem que já era difícil,
a vida, também no passado.
A natureza é perfeita e bela.
É só olharmos ao nosso redor.
O sol nasce todos os dias,
Independente da estação.
Se aqui se faz inverno…
Em algum lugar o Sol faz verão.
A felicidade bate a porta.
Vamos unir quem se importa.
Dar valor ao sorriso da criança.
E assim, transformar o mundo,
Em eterna esperança…
~~~~~~~~~~~~~~~~

A Vida como ela é
Ruben Alves Vieira

Que bom se a vida
não fosse como ela é…
Se ela fosse da maneira
que deveria ser,
onde homens pudessem viver,
como verdadeiros homens,
se olhassem nos olhos
como irmãos,
alcançassem as mãos
num gesto num gesto de repartir,
que a colheita fosse farta
e igual para todos,
que os rios tivessem
águas cristalinas,
as matas fossem esverdeadas,
ar puro,
natureza preservada.
Mas a vida é como ela é…

~~~~~~~~~~~~~~~~
Vi. Ver SemPre.ssa
Maria Inês Simões – Bauru/SP

Que a vida é bonita,
isto não se discute,
mesmo nos momentos dificeis,
ao máximo da vida disfrute.
É única, repito é única e bela.
Seja seu próprio Universo,
Galáxia e Estrela.
Para não se arrepender,
quando no final de sua jornada,
…”fui feliz” poder dizer…
Aqui viemos em uma única missão
Ser feliz, ouça a sua canção.
Em cada compasso, só você
saberá dar o passo.
Pare, avance…
Desperdice o abraço
É sua a mais linda melodia,
que toca neste espaço.

APOIO
ACT-SERVIÇOS PARA INTERNET
SOL LUA© – http://www.sollua.com.br
AVBL – Academia Virtual Brasileira de Letras
EBOOKS- AVBL – Bibliotecas Virtuais
VIRTUALISMO – Escola de Autores, Escritores e Poetas Virtuais
MIS.ART – DESIGN

Fonte:
E-mail enviado pela Academia Virtual Brasileira de Letras

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Música e Poesia no Domingo da Casa das Rosas (São Paulo)

A Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, realiza, nesse domingo, dia 26/10 às 15 h, o evento A Casa é Um Palco.
Gratuito!

Serão distribuídos:
15 CD’s do projeto Musiclub
24 exemplares do livro “MEIOHOMEM” de Rui Mascarenhas.

Show com Zulu de Arrebatá e Artistas Convidados:
Zulu de Arrebatá é músico, poeta e compositor, além de ter importante participação na produção e divulgação do que de melhor se produz na música brasileira contemporânea. Participou do grupo Matéria Prima e foi um dos criadores do MPA – Movimento Popular de Arte de São Miguel Paulista–, ambos revolucionaram a cena musical dos anos 70.

Os artistas convidados são:

Léo Tomaz (jornalista, cantor e compositor),
Nelson Mouriz (artista plástico e restaurador),
Professora Antonia Sarah Azis Rocha (interpreta “Auto São Miguelino”, poesia adaptada da tese de mestrado “O bairro à sombra da chaminé”, acompanhada da professora Valdirene Barroquillo),
João Gomes de Sá (professor e poeta),
Cícero Dias (professor e poeta).
Este espetáculo tem por objetivo, divulgar as diferentes formas e tendências de produções artísticas e culturais, desenvolvidas em São Miguel Paulista e zona leste.

Leitura de poemas com Rui Mascarenhas:
No final de 2007 lançou o livro “MEIOHOMEM”, desde então vem se dedicando à literatura e à fotografia participando da extensa programação literária no estado de São Paulo e em todo o Brasil, promovendo e divulgando uma nova variante lúdica do texto alternativo.

O autor escreve no blog http://www.meiohomem.blogspot.com/ e recentemente participou do SIMPOESIA, em São Paulo, e da I Bienal de Poesia Internacioal de Brasília, tendo alguns de seus poemas publicados na antologia “Poemário”, organizado pela Biblioteca Nacional de Brasília – 2008.

Sarau aberto ao público.

Casa das Rosas
Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.
Av. Paulista, 37. – São Paulo
Próximo ao Metrô Brigadeiro e ao Shopp. Paulista.
11 3285-6986 / 11 3288-9447

Fonte:
E-mail enviado por Rui Mascarenhas. http://meiohomem.blogspot.com/

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Júlia Mira dos Santos (Sonhos)

A noite chegou, e com ela as estrelas,
Com as estrelas o luar…
E, com o luar, a certeza
De que vale a penha sonhar!
——————-
Júlia Mira dos Santos – 11 anos de idade – Sorocaba/SP . In
MORAES, Cintian e LARA, Douglas (orgs). Rodamundinho 2008. Itu/SP: Ottoni.

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Carolina Arakaki de Camargo (Uma Pequena Maçã)

Eu sempre via aquele senhor sentado na calçada comendo uma maçã tão vermelha quanto as suas calças em xadrez. A cada mordida ele sorria, dava risada. Acho que ele se lembrava de alguma coisa de sua infância ou alguma coisa do gênero que sempre o divertia. Possuía um amigo, um cãozinho vira-lata, com quem sempre dividia sua maçã e que me parecia ter altos papos com ele.

Sempre tive a curiosidade de lhe perguntar o nome, de onde veio ou para onde iria, mas sempre me faltou coragem.

Um dia percebi que ele não estava mais lá. Estava apenas o cachorro deitado, choramingando.

E isso se repetiu conforme os dias iam passando.

Naquela calçada em que o via sentado havia um açougue. Resolvi perguntar por ele:

– Com licença. Havia um senhor que sempre se sentava nesta calçada, junto com aquele cachorrinho. O senhor sabe onde ele está?

– Ele veio a falecer há uma semana, minha jovem. Era seu parente?

– Não, não, era apenas uma pessoa que eu observava. O senhor sabe onde ele está enterrado?

– No cemitério da cidade.

– O senhor por um acaso teria uma maçã?

– Sim, naquela cesta ali.

Peguei a maçã mais vermelha de todas e levei até o cachorrinho, que comeu apenas a metade e ficou me observando. A outra metade, peguei e comecei a caminhar, e ele a me seguir. Chegamos ao túmulo do senhor Onigawa. Deixei a maçã e ficamos por um tempo lá.

Voltei para casa e o cãozinho permaneceu naquela calçada.

A partir daquele dia, nós sempre levávamos uma maçã ao cemitério, ao túmulo daquele senhor que eu apenas descobri o nome, mas que me ensinou que até mesmo aquelas pequenas e vermelhas maçãs poderiam me abrir um sorriso.

Fonte:
MORAES, Cintian e LARA, Douglas (organizadores). Antologia Rodamundinho 2008. Itu, SP: Ottoni, 2008. p.36.

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Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras linguas) Letra C


cadunt altis de montibus umbrae
latim – As sombras caem dos altos dos montes; anoitece.

caetera desiderantur
latim – Faltam outras coisas. Deseja-se o restante.

calomniez, il en reste toujours quelque chose
fr – Caluniai, (da calúnia) fica sempre alguma coisa. Palavras que Beaumarchais em O Barbeiro de Sevilha coloca nos lábios de Basílio, personagem hipócrita.

camelotts du roi
fr – Camelôs do rei. Apelido dado aos agressivos e extremados partidários da realeza, em França.

camelus cupiens cornua aures perdidit
latim – O camelo desejando ter chifres perdeu as orelhas. Aplica-se ao ambicioso frustrado.

capitis diminutio
latim – Direito – Diminuição de capacidade. Empregada para designar a perda da autoridade.

cara deum soboles, magnum Jovis incrementum
latim – Geração querida dos deuses, nobre descendente de Júpiter. Anúncio que faz Virgílio (Écloga IV, 49) do nascimento de criança ilustre, hoje aplicado pelos bajuladores aos que nasceram em berço de ouro.

carpe diem
latim – Aproveita o dia. (Aviso para que não desperdicemos o tempo). Horácio dirigia este conselho aos epicuristas e gozadores.

carpent tua poma nepotes
latim – Os teus descendentes colherão os teus frutos. Não pensar unicamente em si e no presente pois o nosso trabalho aproveitará às gerações futuras (Virgílio, Écloga IX, 50).

castigat ridendo mores
latim – Corrige os costumes sorrindo. Princípio em que se fundamenta a comédia, criado por Jean de Santeuil.

casus belli
latim – Motivo de guerra. Incidente que pode levar duas ou mais nações a um conflito.

causa debendi
latim – Direito – Causa da dívida. Base de um compromisso ou obrigação.

causa mortis
latim – Direito – A causa da morte. 1 Diz-se da causa determinante da morte de alguém. 2 Imposto pago sobre a importância líquida da herança ou legado.

causa obligationis
latim – Direito – Causa da obrigação. Fundamento jurídico de uma obrigação.

causa petendi
latim – Direito – A causa de pedir. Fato que serve para fundamentar uma ação.

causa possessionis
latim -Direito – Causa da posse. Fundamento jurídico da posse.

causa traditionis
latim -Direito – Causa da entrega. Razão da tradição das coisas entre os interessados.

causa turpis
latim -Direito – Causa torpe. Causa obrigacional ilícita ou desonesta.

caveant consules ne quid respublica detrimenti capiat
latim – Que os cônsules se acautelem a fim de que a república não sofra nenhum dano. Palavras de advertência com que o Senado Romano investia os cônsules de poderes ditatoriais, durante as crises políticas.

cave canem
latim – Cuidado com o cão. Era costume, outrora, pintar um cão junto à porta da casa com os dizeres cave canem, a fim de que ninguém ousasse entrar temerariamente.

cave illius semper qui tibi imposuit semel
latim – Acautela-te para sempre daquele que te enganou uma vez. Quem faz um cesto faz um cento.

cave ne cadas
latim – Cuidado, não caias. Advertência que fazia um escravo ao triunfador romano, para que ele não se deixasse possuir de orgulho excessivo.

cedant arma togae
latim – Cedam as armas à toga. Cícero recomenda que as forças armadas se sujeitem às autoridades civis.

celebret
latim – Certificado de bispo católico romano, ou superior religioso, testemunhando que o portador é sacerdote, e pedindo que lhe seja permitido dizer missa em outras dioceses além da sua.

Ce que femme veut Dieu le veut
francês – O que a mulher deseja Deus o quer. Provérbio pelo qual se exprime a influência irresistível da mulher.

C’est un droit qu’ à la porte on achète en entrant
francês – É um direito que se compra ao entrar pela porta. Boileau defende (Arte Poética, III, 150) o direito de o espectador manifestar seu desagrado no teatro.

chassez le naturel, il revient au galop
francês – Expulsai a natureza, ela volta a galope. Inúteis os esforços que violentam demasiadamente a índole do indivíduo (Destouches).

cherchez la femme
francês – Procurai a mulher. Frase com que os criminalistas procuram demonstrar a presença da mulher nos crimes misteriosos.

cheto fuor, commodo dentro
italiano – Quieto por fora, agitado por dentro. Provérbio aplicado ao relógio e às pessoas muito reservadas e impassíveis.

chi dura vince
italiano – Quem persiste vence. Elogio da pertinácia na conquista de um ideal.

chi va piano va sano
italiano – Quem anda devagar vai sem perigo.

chi va sano va lontano
italiano – Quem vai com segurança vai longe.

citra petita
latim – Direito -Aquém do pedido. Diz-se do julgamento incompleto, que não resolve todas as questões da lide.

civis sum romanus
latim – Sou cidadão romano. Aplica-se àqueles que se envaidecem da própria origem.

claudite jam rivos, pueri; sat prata biberunt
latim – Fechai agora os riachos, meninos; os prados beberam bastante. Basta, chega, acabemos com isto.

coeli enarrant gloriam Dei
latim – Os céus narram a glória de Deus. Locução do Salmo XIX, 1, em que o salmista descreve a grandeza de Deus pela magnificência de suas obras.

coelo tonantem credidimus Jovem
latim – Acreditamos em Júpiter quando ele troveja no céu. Frase de Horácio (Odes, III, 5, 1). Só nos lembramos de Deus quando nos sentimos ameaçados.

coemptio
latim – Sociol Forma de casamento praticada na antiga Roma, dispensando-se assistência sacerdotal e consistindo numa venda simbólica da noiva ao noivo.

cogito, ergo sum
latim – Penso, logo existo. Princípio desenvolvido por Renato Descartes (1596-1650) quando abandonou os princípios tradicionais da filosofia do magister dixit, ou escolástica, para fundar o sistema conhecido como cartesianismo.

comme il faut
frances – Como convém; como deve ser.

compelle intrare
latim – Obriga-os a entrar. Expressão de Cristo (São Lucas, XIV, 23) referindo-se aos convidados para o festim. Aplica-se à insistência de alguém em procurar fazer outrem aceitar algo cujo valor desconhece.

compos sui
latim – Senhor de si; sem se perturbar.

compurgatio
latim -Direito e Sociologia – Instituição jurídica de defesa, observada em sociedades mais simples, em que o réu procura obter absolvição, arrolando certo número de testemunhas, que juram pela sua inocência.

concedo
latim – Concedo, estou de acordo. Palavra usada em Lógica: Ele é ladrão, concedo, mas hábil político.

conditio juris
latim -Direito – Condição de direito. Condição, circunstância ou formalidade indispensável para a validade de um ato jurídico.

conditio sine qua non
latim – Condição sem a qual não. Expressão empregada pelos teólogos para indicar circunstâncias absolutamente indispensáveis à validade ou existência de um sacramento, p. ex., a vontade expressa dos noivos para a validade do matrimônio.

conscientia fraudis
latim -Direito – Consciência da fraude.

conscientia sceleris
latim -Direito – Consciência do crime.

consensus omnium
latim – Assentimento de todos; opinião generalizada.

consuetudo consuetudine vincitur
latim – Um costume é vencido por outro costume. Princípio de Tomás de Kempis segundo o qual os maus hábitos podem ser eficazmente combatidos por outros que lhes sejam contrários.

consuetudo est altera natura
latim – O hábito é uma segunda natureza. Aforismo de Aristóteles.

consummatum est
latim – Tudo está consumado. Últimas palavras de Jesus ao morrer na cruz (João, XIX, 30).

contraria contrariis curantur
latim – Os contrários curam. Princípio da medicina alopata, oposto ao da homeopatia: similia similibus curantur.

conventio est lex
latim – Ajuste é lei, o que foi tratado deve ser cumprido: Cumprirei a cláusula, pois conventio est lex.

coram populo
latim – Diante do povo. Em público (Horácio, Arte Poética, 185).

corpus alienum
latim -Direito – Coisa estranha que não é objeto da lide.

corpus christi
latim – Corpo de Cristo. 1 A hóstia consagrada. 2 Festa litúrgica móvel, celebrada na quinta-feira depois do domingo da Santíssima Trindade. 3 A solenidade desta festa, também chamada Corpo de Deus.

corpus delicti
latim -Direito – Corpo de delito. 1 Objeto, instrumento ou sinal que prove a existência do delito. 2 Ato judicial feito pelas autoridades a fim de provar a existência de um crime e descobrir os responsáveis por ele.

corpus juris canonici
latim – Código do Direito Canônico. Conjunto de leis eclesiásticas codificadas por São Pio X e promulgadas pelo Papa Bento XV em 1917. O Concílio Vaticano II encarregou uma comissão de reformá-lo.

corpus juris civilis
latim -Direito – Corpo do Direito Civil. Denominação dada por Dionísio Godofredo ao conjunto das obras do Direito Romano formado pelas Institutas, Pandectas, Novellas e Código, organizado por ordem do imperador Justiniano.

coup de foudre
francês – Raio. Desgraça inesperada; amor à primeira vista.

coup de théatre
francês – Golpe teatral. Mudança repentina de situação, como no teatro.

credant posteri!
latim – Creiam os pósteros! Locução interjetiva empregada para afirmar um fato muito extraordinário.

credo Deum esse
latim – Creio que Deus existe.

credo quia absurdum
latim – Creio por ser absurdo. Expressão de Santo Agostinho para determinar o objeto material da fé constituído pelas verdades reveladas, que a razão humana não compreende.

cuilibet in arte sua perito est credendum
latim – Deve-se dar crédito a quem é perito em sua arte. Ouvir os especialistas na matéria.

cui prodest?
latim – Direito – A quem aproveita? Os criminalistas colocam entre os prováveis criminosos as pessoas a quem o delito podia beneficiar.

cuique suum
latim – A cada um o que é seu. Aforismo do Direito Romano e da justiça distributiva em que se baseia a propriedade privada.

cuivis dolori remedium est patientia
latim – A paciência é remédio para cada dor. Sofre-se menos quando se aceita a dor com resignação.

cujus regio, ejus religio
latim – 1 De tal região, (segue) a sua religião. Exprime a tendência do homem de aceitar a religião predominante em seu país. 2 A quem governa o país compete impor a religião. Princípio consagrado pela Paz de Augsburgo (1555).

cum bona gratia dimittere aliquem
latim – Despedir alguém com bons modos. Ser educado até para com os importunos.

cum brutis non est luctandum
latim – Não se deve lutar com os brutos. Não disputar com ignorantes e insolentes.

cum grano salis
latim – Com um grão de sal. Isto é brincadeira; não é verdade.

cum laude
latim – Com louvor. Graduação de aprovação, em algumas universidades equivalente a bom.

cum quibus
latim – Com os quais. Dinheiro: não ter cum quibus; não ter dinheiro.

cum re presente deliberare
latim – Deliberar com a coisa presente. De acordo com as circunstâncias.

cuncta supercilio moventis
latim – Movendo todas as coisas com o supercílio. Expressão de Horácio (Odes, III, 1) referindo-se a Júpiter que move o Universo com um franzir de sobrancelhas.

currente calamo
latim – Ao correr da pena. Escrever currente calamo: escrever com rapidez, sem se preocupar com o estilo.

curriculum vitae
latim – Percurso da vida. Conjunto de dados que abrangem o estado civil, instrução, preparo profissional e cargos anteriormente ocupados, por quem se candidata a emprego.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br

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Comemoração do “Dia do Livro” em Sorocaba no dia 21 de outubro

Em mais uma ação de incentivo à leitura do “Projetos de Leitura”, o “Dia do Livro” ocorrerá em Sorocaba no dia 21 de outubro, terça-feira, das 9h30 às 16h, na Praça Cel. Fernando Prestes, Centro.

O projeto “Dia do Livro” realizado em parceria com as Secretarias de Educação e Cultura de Sorocaba conta com o apoio do PAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e consiste na venda em praças públicas dos livros de Laé de Souza, também autor do projeto, pelo preço simbólico de R$ 1,00.

Durante o evento o escritor fará várias sessões de autógrafos e será distribuído material informativo sobre seus outros projetos de incentivo à leitura, em execução há dez anos, com o apoio das leis de incentivo à cultura. As cidades de Campinas e São Paulo também serão contempladas com o “Dia do Livro” nos dias 25 e 29 de outubro, respectivamente.

O público terá acesso aos livros na tenda Dia do Livro, onde estarão expostos os títulos Nos Bastidores do Cotidiano, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Acontece…, e Espiando o Mundo pela Fechadura, crônicas curtas que retratam o cotidiano das pessoas comuns e as complexidades das relações humanas, em linguagem coloquial e abordagem bem-humorada, o que facilita a compreensão dos textos e torna a leitura agradável; e o infantil Quinho e o seu cãozinho – Um cãozinho especial, que narra aventuras de um garoto e seu inseparável cãozinho, apresentando conceitos éticos para o pequeno leitor, publicados pela Editora Ecoarte.

Laé de Souza participará da 2ª edição da Expo Literária onde ministrará três palestras para estudantes e professores sobre seu trabalho de escritor e coordenador de diversos projetos de leitura focados nas escolas da rede pública, parques, praças, hospitais, transportes coletivos, hipermercados e outros, com o intuito de formar leitores de todas as etnias, faixas etárias, credos e classes sociais. “É uma grande inverdade o estigma de que o brasileiro não gosta de ler. A parceria com as prefeituras dá a oportunidade ao público de adquirir livros a preços acessíveis e estimular o hábito da leitura por prazer. Ações como estas são caminhos para a formação de leitores”, afirma o escritor.

O Dia do Livro é a data da fundação da Biblioteca Nacional em 29 de outubro de 1810 quando a Real Biblioteca Portuguesa foi transferida para o Brasil.

Serviço:

Dia do Livro

Preço: R$ 1,00

Data: 21 de outubro de 2008 – terça-feira

Horário: 9h30 às 16h

Local: Praça Cel. Fernando Prestes – Centro

Sorocaba – SP
Assessoria de Comunicação:
Rozângela Inojosa Galindo
(11) 9261-5500 / (15) 3227-4581
imprensa@projetosdeleitura.com.br
www.projetosdeleitura.com.br
===
Fonte
Douglas Lara. Em
http://www.sorocaba.com.br/acontece

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Claudio Willer entrevista Ivan Pinheiro Machado: a leitura no Brasil e os pockets da L&PM Editores

Na revistaria nas docas em Belém do Pará, o mostruário dos pockets da L&PM. Banca de jornais em São Paulo, aqui ao lado de casa: também um sortimento de pockets L&PM (e não é daquelas bancas grandes, da Avenida Paulista, onde, é claro, também se encontram os mesmos pockets). Livraria Cultura e outras boas casas do ramo: também lá estão os pockets. Onipresença de livros baratos, na faixa dos dez reais, incluindo títulos importantes, de Balzac aos beats, de Homero a Lorca, em edições de qualidade, atraentes. Vencer a barreira da distribuição e da escala: uma tentativa já feita por outras editoras, mas que nunca deu tão certo. E sem abandonar a publicação e circulação dos livros no formato convencional, destinados exclusivamente às livrarias.

Agulha já se manifestou, em artigos e editorial, sobre os preços elevados do livro brasileiro, como obstáculo á leitura e à redução dos nossos índices de analfabetismo funcional (da ordem de 70%). Daí caber o exame dessas mudanças recentes no perfil do mercado editorial; e – esperamos – dos hábitos de leitura no Brasil.

Motivo adicional para tratar do assunto: por enquanto, essa expansão não parece ter sido registrada. O espaço dos pockets nas páginas de suplementos e cadernos de cultura e variedades não é nem remotamente proporcional àquele que ocupam na vida real. Municipalidades e instituições poderiam formar boas bibliotecas através da aquisição de pockets, alimentando programas de estímulo à leitura, em vez de recorrerem aos pedidos de doação para formar acervos aleatórios.

Claro que a observação vale para essas edições da L&PM e umas poucas iniciativas de outras editoras que também vêm lançando livros mais baratos sem prejuízo da qualidade. Mas, comparadas aos títulos de algumas outras coleções à venda em bancas, os pockets da L&PM parecem a realização de um ideal iluminista. Detalhe adicional: no catálogo da L&PM, não consta a categoria “auto-ajuda”.

Quem me pôs em contato com Ivan Pinheiro Machado, em 1982, foi o jornalista Marcos Faerman (de quem já tratei em Agulha # 61: Literatura e jornalismo: Marcos Faerman), indicando-me para preparar uma coletânea de textos de Antonin Artaud, que saiu no ano seguinte e teve reedições. A seguir, por sugestão minha, Ginsberg, Uivo, Kaddish e outros poemas, com sucessivas reedições e agora em pocket. E, agora, um ensaio sobre geração beat, para uma nova coleção, a sair ainda em 2008. Quanto à circulação desses pockets, posso atestá-la: cresce o número de pessoas que me identificam, em primeiro lugar, como o tradutor e estudioso de Ginsberg. [CW]

CW Ivan, quem é você? Dê um breve perfil de si mesmo. Você é gremista? Nasceu em Bagé?

IPM Nasci em Porto Alegre, gremista graças a Deus, jornalista, arquiteto de formação e pintor.

CW Algumas capas da L&PM são suas: por trás do editor, o artista plástico?

IPM Bem antes de ser editor eu já pintava. Na Faculdade de Arquitetura eu desenvolvi o desenho e cheguei a cursar um ano de Escola de Artes da Universidade Federal aqui em Porto Alegre. Como pintor expus pela primeira vez em 1976, depois de receber o prêmio de pintura no Salão do Jovem Artista do MASP em S. Paulo. Depois disso fiz mais de 20 exposições, inclusive em N. Iorque, Compenhague e Paris. Sempre fiz a direção de arte na L&PM, além de mais ou menos umas 600 capas entre livros convencionais e pockets. Fiz muitos projetos gráficos e ilustrei alguns livros da L&PM como, por exemplo, os livros do grande Dalton Trevisan.

CW O que é a L&PM? Como se formou essa editora?

IPM A L&PM tem orgulho de ser uma das poucas grandes editoras brasileiras independentes. Temos o mesmo quadro acionário há 34 anos (Paulo de Almeida Lima e eu) e resistimos a todas as propostas de compra, tantos de grupos nacionais como internacionais. Nossa opção é ser a melhor editora independente brasileira, sem depender de capital de ninguém e com uma perspectiva cultural real e absolutamente cúmplice do leitor. A L&PM nasceu em 1974, o Lima (L) e eu (PM) vínhamos de uma experiência frustrada como publicitários e formamos a L&PM para publicar o livro RANGO, célebre personagem do grande desenhista Edgar Vasques que tinha sido nosso sócio na Agência de Publicidade Ciclo Cinco Propaganda. Éramos muito jovens (22 anos) e a editora criou-se em plena ditadura, no ambiente universitário efervescente dos anos 70 e, na sua origem, para editar livros de quadrinhos, cartum e reportagem.

CW O que você faz na L&PM? Qual a sua função na editora?

IPM Sou o responsável pelo departamento editorial e o Paulo Lima, além de colaborar na parte editorial é o responsável pela fantástica logística de distribuição da L&PM e dos livros da coleção L&PM POCKET.

CW O surgimento e crescimento da L&PM têm relação com o ambiente literário gaúcho? Com o fato de Porto Alegre ser pólo literário e o Rio Grande do Sul ser um mercado literário forte, que teve editoras locais importantes?

IPM A L&PM Editores é uma editora nacional. Nós nos dirigimos para o Brasil, sem bairrismos ou regionalismos. Evidentemente somos fruto de um meio cultural bastante desenvolvido que é o ambiente de Porto Alegre e que influenciou as nossas opções. Mas como mercado, disputamos o mercado brasileiro e, hoje, o maior mercado da L&PM, a praça que consagrou a coleção L&PM POCKET, é São Paulo.

CW Lembro-me de que, na segunda metade da década de 1970, publicações da L&PM tinham relação com uma cultura de resistência ao regime militar. Fale sobre esse período. Quais foram os títulos mais importantes? Millor Fernandes e Luis Fernando Veríssimo, outros autores gaúchos?

IPM A L&PM surgiu e incorporou-se na campanha de resistência democrática à ditadura nos anos 70. Publicamos vários livros (a maioria, nos primeiros tempos) contra a ditadura. Sofremos perseguição política e econômica, apreensões de livros e conseguimos sobreviver. Foi aí que se forjou o caráter da editora e esta característica fundamental que é sua independência e sensibilidade à inovação e às grandes transformações. Millôr foi nosso primeiro grande autor, junto com Josué Guimarães com livros publicados em 1976. Josué deixou uma grande obra e infelizmente morreu precocemente em 1986. Millôr está firme e forte, graças a Deus, e até hoje nos dá a honra de publicá-lo. Luis Fernando publicou quase 30 livros pela L&PM que ele deixou em 1999. Seu grande sucesso na L&PM é o legendário “Analista de Bagé” de 1981 com meio milhão de livros vendidos. No mais, a grande maioria dos escritores gaúchos com algum destaque nacional nos últimos 30 anos publicou algum livro ou toda a obra pela L&PM Editores. Por exemplo: Mario Quintana, Caio Fernando Abreu, Josué Guimarães, Luis Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Martha Medeiros, Cláudia Tajes, Sergio Caparelli, Edgar Vasques, David Coimbra, Luis Antonio de Assis Brasil, Alcy Cheuiche, Eduardo Bueno, Célia Ribeiro, Sergio Faraco, José Antonio Pinheiro Machado, Tabajara Ruas, Sergio Jockymann, Jorge Furtado, Cyro Martins e muitos outros. Lya Luft é um dos poucos casos em nunca publicou uma obra original na L&PM, mas fez várias traduções do inglês e do alemão para nós.

CW A coleção Rebeldes e Malditos, para a qual preparei a coletânea de Artaud, já não era uma tentativa de lançar livros a custo mais baixo e em maior escala? Também havia uma coleção de textos de iniciação, algo um pouco além da Primeiros Passos da Brasiliense. O que houve com elas? Por que não tiveram continuidade?

IPM A coleção Rebeldes & Malditos é praticamente uma manifestação na nossa geração. Tínhamos menos de 30 anos na época e vivíamos a censura intelectual, a repressão e a agressividade da ditadura militar. Em parte, publicando os malditos, exorcizávamos o que sentíamos de revolta e sufoco na época. Além de colocar os jovens em contato com uma grande literatura. Criamos na época, também, uma coleção que se chamava “Universidade livre”, um belo nome de uma bela coleção que não foi em frente, mas serviu como semeadura para o grande e fundamental projeto dos pockets que se materializaria no final dos anos 90. A coleção Rebeldes & Malditos foi praticamente toda reeditada na L&PM POCKET com muitos acréscimos em relação a coleção original.

CW Como surgiu a conexão L&PM – beat?

IPM Surgiu dentro desta idéia que eu citei acima: uma manifestação da nossa geração no final dos anos 70 e uma resposta aos tempos de repressão e censura. E também do fascínio pela contra-cultura. Não se podia falar mal do regime, nem do país, pois os livros eram apreendidos. Então falávamos mal dos regimes políticos dos outros (semelhantes ao nosso da época) e das instituições burguesas consolidadas em geral. A literatura beat tinha esta aura libertária e inovadora e eu tinha como editor-assistente o então jovem Eduardo Bueno que havia traduzido o “On the Road” de Jack Kerouac para a editora Brasiliense e que era um entusiasta e conhecedor do movimento beat. Hoje a L&PM publica em sua coleção de bolso o clássico “On the Road” e toda a obra de Kerouc, bem como livros de Allen Gisberg (tradução de Cláudio Willer), Neal Cassady, William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti, Carl Solomon, Charles Bukowski entre outros.

CW Houve também o lançamento da série de textos sobre anarquismo, alguns reeditados agora em pocket. Beat e contracultura; rebeldes e malditos; anarquismo: além, evidentemente, da ocupação de espaços, de nichos no mercado editorial, títulos nessas áreas refletem preferências, opções ideológicas, visão de mundo?

IPM Exatamente. Neste ponto somos fiéis a nossas origens e a editora faz questão de rejuvenescer a cada ano de vida, olhando o futuro e sendo coerente às suas origens. Mesmo porque a L&PM Editores tem uma fantástica equipe editorial, predominantemente composta de jovens. E são estas as pessoas que colocam em prática um projeto concebido para estar na vanguarda do mercado editorial.

CW E essa relação L&PM – Charles Bukowski, tão estável, e que já dura décadas? Suponho que, dentre os títulos da L&PM, os desse boêmio debochado estejam entre os mais vendidos.

IPM O Charles Bukowski é publicado pela L&PM desde 1979, como Woody Allen. E o velho Buk é sem dúvida uma marca registrada da editora e tem milhares de leitores em todo o Brasil. As novas gerações devoram os livros de Bukowski com a mesma avidez que aqueles que hoje são cinquentões consumiam na década de 70.

CW Da segunda metade da década de 1980 até o final da década de 1990, dois fatores influíram no mercado editorial: primeiro a inflação elevada; depois o controle da inflação, a estabilização monetária. Livros eram caros porque tinham um sobrepreço, para compensar perdas provocadas pela inflação. Continuaram caros porque seu preço incorporou o sobrepreço. Editores preferiram reduzir a escala, as tiragens, e manter o preço, correndo menos riscos, parece-me. O que houve com a L&PM nesse período? Quais foram os principais títulos e iniciativas? A série de livros de história, de Eduardo Bueno?

IPM A L&PM foi uma vítima desta conturbada realidade econômica brasileira. Justamente neste período (no final da década de 90) tivemos muitos problemas financeiros e quase fechamos. Sofríamos com a inflação, os juros altíssimos e o assédio das multinacionais e das grandes editoras sobre os autores do nosso catálogo. Nos anos 80, no miolo da crise econômica pós-plano Cruzado, nós estávamos muito voltados para um público jovem. O Eduardo Bueno, como eu já disse, era meu assistente editorial e fez um grande trabalho tanto na coleção “beat” como na nossa maravilhosa série de livros sobre história. Ele contribuiu muito para o desenvolvimento e o sucesso da editora e a coleção História é um marco editorial no país e hoje também está plenamente reeditada na coleção POCKET.

CW Como e quando surgiu a idéia dos pockets?

IPM A idéia surgiu em 1996 quando vimos que não tínhamos como superar as enormes dificuldades econômicas que enfrentávamos caso mantivéssemos a mesma política editorial. Foi uma época em que entrou muito dinheiro estrangeiro no mercado, capitalizando os nossos concorrentes que, por sua vez, assediavam nosso autores. Como não tínhamos dinheiro, para sobreviver, fomos obrigados a ter idéias. Foi aí que decidimos de criar a primeira coleção de livros de bolso “de verdade” no Brasil. Foi uma decisão radical, pois concentramos toda a nossas energia neste projeto que era sistematicamente desprezado pelos nossos concorrentes. Nossa sobrevivência como empresa passou a depender unicamente do sucesso deste projeto. E nós tivemos sorte e em dez anos conseguimos consolidar a coleção com o apoio de milhões de leitores. Hoje tenho convicção de que a Coleção L&PM POCKET, sem falsa modéstia, é a única novidade que surgiu no mercado editorial nos últimos 25 anos. Tanto é que, hoje, é copiada (literalmente) por todo mundo.

CW A barreira da distribuição: editoras de porte médio de São Paulo e Rio de Janeiro têm dificuldade em chegar ao Norte do Brasil. Soube de calotes de distribuidores e quebras de livrarias, provocando prejuízos. Como foram transpostos esses obstáculos? Em especial, relativamente aos pockets, fazer que os livros estejam em tantos lugares me parece uma façanha logística. Como isso foi posto em prática?

IPM Este é um trabalho de mais de 10 anos levado em frente pelo Paulo Lima que criou a maior logística de distribuição de livros já concebida no mercado editorial brasileiro. Nós não divulgamos o número de pontos de venda, mas eles abrangem todo o território nacional desde o Chuí no Rio Grande até o mais distante ponto de venda no Norte do país. É a distribuição mais invejada (pelos concorrentes) do país.

CW Qual a diferença com alguns outros empreendimentos, em matéria de livro mais barato e em maior escala ou tiragem? (lembro-me de que no prefácio de On the Road Eduardo Bueno comenta que, durante o período em que essa obra esteve na Ediouro, não aconteceu nada)

IPM Não posso falar dos concorrentes, pois desconheço dados. Quanto a nós, procuramos respeitar o leitor oferecendo um livro de alto nível, tanto do ponto de vista editorial como do ponto de vista industrial. Nosso projeto sempre foi oferecer os melhores livros pelo menor preço. Quando começamos, o livro de bolso era tido como um livro de quarta categoria, estava queimado no mercado. Era o refugo dos editores. Livros feios, mal feitos e que não agüentavam uma leitura, pois as páginas caíam nas mãos do leitor. Acho que o mercado deve a coleção L&PM POCKET a restauração da dignidade do livro de bolso.

CW Vamos aos números. L&PM deve estar na ponta em número de títulos em nosso mercado editorial, suponho. E de tiragens. Quantos títulos são publicados por ano? Quais as maiores tiragens? Qual a sua proporção de venda em bancas, em livrarias, pela internet? Há outros canais de venda?

IPM Hoje em dia, nossos concorrentes são poderosos e estão sempre atrás de números da L&PM. Portanto, você me desculpe, mas não estou autorizado a detalhar números e percentagens. Mas, digamos assim, nossa distribuição é heterodoxa, ampla e original, mas a base da venda ainda é a livraria. A velha e boa livraria é que nos dá o maior respaldo de venda. Não vendemos direto pela internet. Encaminhamos os pedidos às grandes redes. Até agosto de 2008 a coleção estava com 740 volumes e em torno de 10 milhões de livros vendidos deste 1997. Nossa previsão é lançar em torno de 100 títulos pocket e 40 convencionais no próximo ano de 2009.

CW O que vende mais? Como estão indo Homero, Sêneca, Shakespeare, Descartes, Balzac, Tolstoi, Dostoiévski, Kafka, Fernando Pessoa? Conseguem equiparar-se à culinária, a Garfield, à literatura de entretenimento?

IPM Sim, a literatura e o entretenimento como quadrinhos, gastronomia e comportamento tem pesos semelhantes na venda.

CW De autores brasileiros, quais são os mais importantes?

IPM A coleção se orgulha de oferecer um “cardápio” de autores brasileiros de peso. Lá estão Millôr Fernandes, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Lygia Fagundes Telles, Marina Colassanti, Affonso Romano, Dalton Trevisan, Nelida Piñon, Silvio Lancellotti, Deonísio da Silva, Mario Prata e todo o poderoso time de gaúchos que eu enumerei no começo desta entrevista. Há também o maravilhoso time de cartunistas e desenhistas com Paulo Caruso, Laerte, Angeli, Glauco, Adão Iturrusgaray, Toninho Mendes, Santiago, Edgar Vasques, Nani, Ciça e Iotti. Não posso me esquecer também da série “Saúde” com textos fáceis e eficientes de prevenção do Dr. Fernando Lucchese, um best seller nacional. São todos muito importantes, cada um à sua maneira e todos contribuíram para que a coleção L&PM POCKET seja o sucesso que é e tenha o prestígio cultural que tem.

CW Observo também que há bastante narrativas do gênero policial, de histórias de detetive – um gênero que nunca deu muito certo no Brasil, ou, ao menos, não teve os resultados que se esperava. Como vão Simenon, Agatha Christie e seus confrades?

IPM Vão muito bem. Aos poucos o consumidor vai se acostumando e conhecendo melhor os autores policiais. A coleção oferece muitas opções além de Agatha Christie e Simenon, como os craques do “noir” Raymond Chandler, Dashiel Hammett, David Goodis, Ross Macdonald, Chester Himes, Ruth Rendell, Patrícia Higsmith, clássicos como Poe, Stevenson, Lovecraft e todas as histórias de Sherlock Holmes escritas por Sir Arthur Conan Doyle.

CW Quais títulos não deram certo, embora apostasse neles? Quais o surpreenderam, ultrapassaram sua expectativa?

IPM A coleção de bolso não trabalha com o best seller. É uma venda parelha onde todos os livros vendem bem.

CW Distribuição em bancas pode provocar ciúme de livrarias? Há desprezo elitista de críticos? Desatenção de dirigentes culturais públicos?

IPM As livrarias se constituem no principal ponto de vendas, portanto não existe conflito. A imprensa é o único preconceito que a coleção não conseguiu derrubar. Azar da imprensa, pois a coleção mostrou-se vitoriosa apesar do silencio dos jornais e revistas. Quanto a questão das compras governamentais, a editora não depende das compras de governo para sobreviver, portanto não tem queixas.

CW E os beats? Uns anos atrás, pareciam fora de moda. O que, dessa retomada de circulação de autores beat, é competência, gerenciamento correto, e o que corresponde a uma retomada de interesse, especialmente por jovens?

IPM O distanciamento de aproximadamente duas décadas correu a favor dos beats, como se vê. Conforme o livro que você escreveu e será publicado na série L&PM POCKET Enciclopaedya, há a figura do grande poeta Allen Ginsberg que – por ser o mais, digamos assim, centrado de todos eles – cuidou meticulosamente da memória e da posteridade do movimento, aquecendo a lenda criada em torno deste movimento fundamental para toda a revolução cultural promovida nos anos 60 e 70. O interesse portanto passou a ser histórico e as causas generosas que os beats defendiam e a forma anárquica e libertária como viviam e escreviam, até hoje tem apelo para a juventude. E além do mais, livros como “On the road” de Kerouac, “Uivo” de Ginsberg, “O primeiro terço” de Neal Cassady e “Um parque de diversões na cabeça” de Ferlinghetti tornaram-se clássicos e referência fundamental para a compreensão da contra-cultura e da cultura pop pós anos 60.

CW A coleção de biografias: quem desperta mais interesse, Kerouac ou Julio César?

IPM Para falar a verdade o grande best seller é “Gandhi”, o que, por outro lado, demonstra a alma generosa do leitor.

CW O grande comprador de livros no Brasil é o MEC, Ministério da Educação. Estimativas do que vai para a rede de ensino variam entre 40 e 60% do total de exemplares publicados. A L&PM atua nesse campo?

IPM Eventualmente, sim. Mas como é uma compra eventual, não contamos com isto no planejamento estratégico da empresa.

CW Seleção de títulos, como é feita? Como tratei diretamente com você de tudo o que publiquei pela L&PM, em comparação com editoras do mesmo porte, me parece bastante pessoal (e menos burocrática).

IPM Sem dúvida, procuramos ser mais simples e diretos quando tratamos com autores que estão habituados à L&PM. Nós temos um planejamento permanente para dois anos, como de resto é comum no meio editorial. Hoje sabemos o que vamos publicar até o final de 2010. Mas novos projetos vão sendo criados todo o tempo e temos também a interlocução dos nossos colaboradores sistemáticos que são os autores. Evidentemente estamos também abertos às sugestões dos leitores. No caso da coleção POCKET nosso projeto inicial era formatar uma grande coleção que fosse, como eu gosto de chamar, “polifônica”, ou seja, que abrigasse várias vozes. Hoje com quase 800 volumes, acho que conseguimos este objetivo, pois a coleção atinge vários públicos, sem ser filosoficamente contraditória.

CW Editores são leitores. Fale de suas leituras, suas preferências, sua vida cultural.

IPM Meu trabalho me impõe uma leitura que nem sempre seria a minha opção de lazer e/ou estudo. Mas de qq forma eu, embora suspeito, sou fã da linha editorial da L&PM. Gosto de ler quase tudo. Tive momentos inesquecíveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comédia Humana), gosto muito de todos os beats, dos policias “noir” como Hammett, Chandler, David Goodis. Adoro Tolstoi, principalmente Guerra & Paz, Dostoiévski e o maravilhoso “Crime e castigo”. Curto os americanos Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, Steinbeck, Norman Mailer, Paul Auster, John Dunning. Gosto de quadrinhos, de Hugo Pratt, Guido Crepax, Breccia. Enfim, procuro ler de tudo, as novidades, as novas tendências, procuro me inteirar do que está sendo feito na Europa, Estados Unidos e na América Latina. E por falar em América Latina é bom que se diga que temos um trabalho importante com autores latino-americanos fundamentais como Eduardo Galeano de quem a L&PM publica a obra toda, Mario Benedetti, Bioy Casares, Jorge Luis Borges, Pablo Neruda (quase 20 livros), Mario Arregui e os clássicos Ricardo Güiraldes e Horácio Quiroga.

Claudio Willer (Brasil, 1940) é um dos editores da Agulha. Entrevista realizada em setembro de 2008.

Fonte:
Floriano Martins e Claudio Willer. Revista de cultura Agulha # 65 . fortaleza, são paulo – setembro/outubro de 2008

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Mensagens Poéticas …para descontrair I

(seleção de Ademar Macedo/RN)

Mulher que pensa em vingança
e tem veneno de sobra,
da cobra tem semelhança,
com todo respeito à cobra!!!
(Marcos Medeiros/RN)

@@@@@@@@

Sem ter escolaridade,
um atleta um tanto idoso
disse que apesar da idade
não tem sistema nervoso!
(Ademar Macedo/RN)

@@@@@@@@@@

Anda nua pelo quarto,
provoca, e diz que não quer…
– E o marido? – Esse anda farto…
das pirraças da mulher.
(Olga Agulhon/PR -2007 > Bandeirantes/PR)

@@@@@@@@@@

Vem gente de todo o lado,
ver minha prima Janete,
num “triquíni” muito ousado:
chapéu, sandália e chiclete…
(Carlos Guimarães/RJ)

@@@@@@@@@@

O casal que muito briga
quando a noite principia,
deitam de costa um pro outro
ele gelado ela fria,
com o placar de zero a zero
o jogo amanhece o dia…
(Geraldo Amâncio/CE)

@@@@@@@@@@

Fonte:
Olga Agulhon (Academia de Letras de Maringá)

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Fundec de Sorocaba (Teatro: A Casa de Bernarda Alba)

FUNDEC

convida

Espetáculo Teatral “A Casa de Bernarda Alba”

Direção: Mario Persico

Alunos do Núcleo de Artes Cênicas da FUNDEC

Datas: 18 e 19/10 – sábado e domingo Horário: 20h

Local: Sala FUNDEC – Rua Brigadeiro Tobias, 73 – Centro – Sorocaba/SP
(Os ingressos (2 por pessoa) devem ser retirados com uma hora de antecedência na sede da FUNDEC a partir das 19h)

– Entrada gratuita –

(Mais informações através do telefone 15. 3233.2220 ou no site www.fundecsorocaba.com.br

Fonte:
E-mail enviado pela FUNDEC eventos
)

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Federico Garcia Lorca (A Casa de Bernarda Alba)

A Casa de Bernarda Alba (1936) é a última peça, e a terceira da trilogia de dramas folclóricos, do escritor espanhol Federico García Lorca. Compõem a trilogia as peças Bodas de Sangue(1933) e Yerma (1934).

Dados sobre a obra

Finalizada exatos trinta dias antes de morrer assassinado, em 19 de agosto de 1936, por forças do governo durante a Guerra Civil Espanhola, A Casa de Bernarda Alba, última peça teatral escrita pelo poeta espanhol Federico García Lorca, teve sua montagem de estréia apenas em 1945, em Buenos Aires, cidade na qual Lorca passara cinco meses em 1933, e só viria a ser encenada na Espanha no ano de 1964.

Enredo

Em A casa de Bernarda Alba, seu único texto de teatro escrito em prosa, Lorca recorre ao simbolismo para realizar uma nova investida no teatro. Bernarda Alba, personagem central do texto, é uma matriarca dominadora que mantém as cinco filhas, Angústia, Madalena, Martírio, Amélia e Adela sob vigilância implacável, transformando a casa onde vivem, em um pequeno povoado na Espanha, em um caldeirão de tensões prestes a explodir a qualquer momento.

Com a morte de seu segundo marido, Bernarda decretara um luto de oito anos e submete suas filhas à reclusão dentro das frias paredes de sua casa e das janelas cerradas. Duas das moças, porém, apaixonadas por um mesmo galanteador das redondezas, um rapaz de vinte e cinco anos chamado Pepe Romano, desencadeiam no meio daquele luto uma disputa cruel e perigosa para conquistarem o amor daquele mesmo homem, com conseqüências trágicas.

A construção central do drama de Lorca – a casa na qual uma família de mulheres solitárias é controlada por uma mãe centralizadora e tirânica – teria sido inspirada por uma família da pequena cidade granadina de Valderrubio, onde os pais do poeta tinham uma propriedade rural e conheceram certa Frasquita Alba, mãe de quatro filhas às quais comandava com mão de ferro e um homem de nome Pepe de la Romilla, que teria se casado com a filha mais velha de Frasquita por seu dote e, posteriormente, se envolvido com a mais jovem das irmãs. Dessa história real, Lorca apropriou-se da idéia de uma casa sem homens para compor o tema central de La Casa de Bernarda Alba, qual seja o lugar da mulher na sociedade espanhola.

Estrutura e trama

O drama divide-se em três atos, todos situados no interior da casa de Bernarda Alba, mãe de cinco filhas – Angustias, Madalena, Amélia, Martírio e Adela – que vive com elas e sua mãe senil em um pequeno povoado do interior da Espanha.

Primeiro ato

O primeiro ato inicia-se com um diálogo entre La Poncia, serva mais antiga da casa, e outra mulher que Lorca denomina apenas por Criada. Elas conversam enquanto arrumam a sala de visitas para a chegada dos que acompanharam o cortejo fúnebre do segundo marido de Bernarda Alba, e por intermédio das falas dessas duas personagens é que são apresentadas a personagem-título do drama, descrita como tirana de todos los que la rodean e mãe controladora das cinco hijas feas que lhe restaram com a morte do esposo, bem como as demais personagens e a própria ambientação da trama. Sabe-se também que Angustias, a filha mais velha, é fruto do primeiro casamento de Bernarda Alba e a única detentora de um dote deixado pelo pai, ao contrário das irmãs, que nada herdam do pai recém-falecido.

Entram em cena as mulheres vindas do enterro de Antonio Maria Benavides, e Bernarda dá ordens às criadas para que sirvam os homens, que ficaram a conversar do lado de fora da casa. É ela também quem conduz as orações pelo morto e, depois da saída das convidadas, maldiz o falatório que, acredita, será iniciado pelas pessoas daquele povoado assim que passarem pelos umbrais de sua porta. Bernarda anuncia que as mulheres da casa manterão um luto de oito anos, nos quais permanecerão trancadas naquela casa, sem contato com o mundo exterior. Ouvem-se gritos e a Criada surge a contar para Bernarda Alba dos desvarios de Maria Josefa, avó das moças; ela ordena à serviçal que leve sua mãe para o pátio, para que os vizinhos não a ouçam, mas orienta em que lugar específico deve ser mantida a velha senil para que os vizinhos não a vejam.

Dando por falta de sua filha Angustias, Bernarda descobre que a moça estava a conversar com um homem no portão de casa e espanca-a; ela opõe-se à idéia de que suas filhas mantenham qualquer relacionamento com os homens. Amélia e Martírio, espelhando as palavras de Bernarda, comentam sobre a história do pai de Adelaida, uma moça do povoado, cujas desilusões que causou às mulheres são aludidas como sinal do terror que é a convivência com os homens. Magdalena, por sua vez, entra em cena para contar às irmãs que Angustias, a mais velha, será pedida em casamento por Pepe el Romano – o que ela atribui apenas ao interesse do jovem rapaz pelo dote da irmã. Adela, a mais nova, apaixonada em segredo pelo pretendente da irmã, lamenta sua sorte.

O primeiro ato encerra-se com a aparição de Maria Josefa, a mãe de Bernarda Alba, que expressa em sua loucura a vontade das netas: ¡Quiero irme de aqui, Bernarda! ¡Bernarda, yo quiero um varón para casarme y para tener alegria! Apesar de o drama de Lorca ter em seu título a chefe da família de mulheres solitárias, Bernarda Alba, muito se questiona sobre quem seria a real protagonista da história. Ainda que não esteja presente em todas as cenas, a personagem da matriarca está contida em todas as ações por ser a referência de medo, de ordem e, conseqüentemente, de transgressão na vida das filhas e criadas . É pelo discurso das personagens que a presença de Bernarda Alba impõe-se em cena desde o primeiro ato, que tem poucas ações e apresenta um caráter quase didático em seu início, que funciona à guisa de prólogo semelhante ao antes visto no Filoctetes, de Sófocles, no qual duas personagens apresentam uma terceira quase em tom narrativo, para situar a audiência na trama.

Segundo ato

No segundo ato, as irmãs encontram-se em uma peça interior da casa, tecendo e bordando o enxoval de Angustias. Conversam sobre a corte de Pepe el Romano à irmã mais velha, e La Poncia faz um contraponto aos comentários de Angustias ao contar sua própria história de como conheceu e casou-se com um marido que pouca alegria lhe trouxera.

Adela não está presente e as irmãs preocupam-se com ela; procurada pelas irmãs, Adela surge em cena algo transtornada, e La Poncia diz-lhe em particular que seu mal é cobiçar o noivo de sua irmã. A serva tenta convencer a filha mais nova de Bernarda Alba que seu destino é aguardar que sua irmã venha a falecer para assumir o posto de segunda esposa de Pepe el Romano, e diz que assim o faz para defender a honra da casa em que trabalha há tantos anos. Adela revolta-se com La Poncia e afirma que lutará por seu direito de amar o homem que deseja. As demais irmãs, por sua vez, lamentam seus destinos de mulheres solitárias, quando La Poncia conta-lhes sobre os novos homens que chegaram ao povoado, trabalhadores para a colheita próxima, do qual se ouve o canto distante. Quando saem as irmãs para espiar pelas frestas das janelas os homens que passam na rua, Angustias surge em cena reclamando o desaparecimento de uma fotografia de Pepe el Romano, que estava em seu quarto, presente de seu noivo.

Bernarda ordena que La Poncia procure o retrato desaparecido; as suspeitas recaem sobre a mais jovem, Adela, mas a serva encontra-o entre as roupas de dormir de Martírio. Bernarda ameaça espancar a filha, que diz ter sido o ato apenas uma brincadeira inocente que fizera com a irmã, Angustias, mas Adela acusa Martírio de nutrir uma paixão secreta por Pepe el Romano. As paixões ocultas, a inveja e a hipocrisia começam, então, a ser desmascaradas: Martírio e Adela dizem a Angustias que Pepe el Romano casa-se apenas por interesse em seu dote, e Bernarda ordena, rispidamente, que as filhas se calem.

La Poncia, em conversa reservada com a matriarca, diz suspeitar que Martírio escondera o retrato por conta do amor de Enrique Humanes, um rapaz que a cortejou mas que fora rechaçado pela mãe por ser de uma classe social inferior. Bernarda, desgostosa com os comentários da serva, relembra-a que ela está naquela casa por piedade da matriarca, que a acolhera ainda jovem, mesmo sendo La Poncia filha de uma meretriz. Sem perceber o perigo do comentário, La Poncia conta que Pepe el Romano esteve até às quatro e meia da madrugada a conversar a noiva, mas diante da negativa de Angustias percebe-se que ele esteve em companhia de outra pessoa da casa. Martírio e Adela conversam em particular e a mais jovem revela que Pepe el Romano está a cortejá-la em segredo.

La Poncia traz a notícia de uma jovem da aldeia que engravidara sendo solteira, dera à luz um menino em segredo e que o matara, sendo o crime revelado por acaso do destino; ouve-se o povo nas ruas que clama pelo linchamento da moça; Bernarda e Martírio saem em apoio à morte da pecadora, enquanto Adela desespera-se e clama pela libertação da moça, recordando que ela também corria perigo por seu amor secreto por Pepe.

Nesse segundo ato, Lorca antecipa diversos elementos que irão desencadear no desfecho apresentado no ato seguinte, como antes fizera no primeiro ato ao mostrar a paixão de Adela por Pepe el Romano: sabe-se então do amor e da inveja de Martirio pelo casamento de Angustias por meio de uma revelação que beira o inverossímil – a primeira furta da irmã que está noiva um retrato do futuro marido – e do envolvimento carnal de Adela com o rapaz, sugerido pelas ações finais do segundo ato. A situação trágica – a entrada, no universo fechado da casa de Bernarda Alba, do elemento masculino e o desequilíbrio por ele causado na harmonia inicial – é preparada para a catástrofe final, apresentada no ato final.

Terceiro ato

O terceiro ato passa-se no pátio interno da casa de Bernarda Alba, onde a matriarca recebe a visita de Prudência e com ela compartilha de uma ceia modesta. A visitante conta a Bernarda Alba de seus desgostos por conta de sua filha, expulsa de casa pelo pai. Angustias e Martírio estão brigadas, e Bernarda insiste que elas façam as pazes ao menos para manter as aparências de um lar em harmonia. A filha mais velha diz desconfiar de Pepe, que lhe avisara que aquela noite não iria à casa por conta de outros compromissos com os pais em outro povoado, e todas retiram-se para dormir. Bernarda e La Poncia conversam sobre as suspeitas da empregada de que uma cosa tan grande estaria a passar na casa; a matriarca rechaça essa idéia, e diz confiar que em suas mãos está o controle total do que se passa ali.

La Poncia parece antever a desgraça que se aproxima e comenta com a Criada sobre o envolvimento de Adela e Pepe; a moça aparece no pátio e some logo em seguida, entrando no curral. Maria Josefa, a mãe de Bernarda, surge em cena carregando uma ovelha nos braços e, em sua loucura, fala do poder de Pepe el Romano sobre todas as netas, às quais agoura um destino cruel de solidão. Martírio vai até o curral e chama Adela, que aparece algum tempo depois, recompondo-se; elas brigam por conta do que Adela estaria a fazer com a irmã mais velha, Angustias, ao roubar-lhe o futuro esposo, mas Adela acusa Martírio de também estar apaixonada pelo rapaz, e esta acaba por confessar que o ama. Seguem as duas brigando, pois Martírio diz que irá denunciá-la, e Adela fala de sua intenção de fugir e tornar-se amante de Pepe el Romano.

Bernarda aparece no pátio e ameaça surrar Adela; esta toma-lhe o bastão das mãos e quebra-o em duas partes. Com o alvoroço de vozes, as demais mulheres surgem em cena. Adela diz, então, a Angustias que ela, a mais jovem, é a verdadeira mulher de Pepe; Bernarda sai de cena e busca uma escopeta com a qual entra no curral e atira. Martírio mente, dando a entender que a mãe matara Pepe el Romano, que na verdade apenas correra com o disparo. Adela corre para o curral e lá se tranca; Bernarda ordena que Adela abra a porta, mas é La Poncia quem abre o curral e descobre a tragédia: Adela está morta, enforcada.

Bernarda, diante da comoção de todas e da notícia trazida pela criada de que os vizinhos já se levantavam para ver o que acontecia naquela casa, ordena que a filha morta seja vestida como si fuera doncela e que as demais filhas mantenham silêncio sobre o que ali se passara.

O final do drama, como nas demais peças estudadas, parece precipitado – e tal sensação é ainda mais forte em A Casa de Bernarda Alba por conta da rapidez com que os acontecimentos – e as falas – finais se sucedem. A situação trágica agudiza-se com a presença de Pepe el Romano no curral, onde mantém um encontro furtivo com a filha mais nova, Adela, e tal situação parece insuportável para Martírio, talvez por uma associação de diversos sentimentos: a dor de ver seu objeto de desejo interessado na irmã mais nova; a sensação de que ele, pela primeira vez, adentra a casa, domínio das mulheres, ameaçando o equilíbrio da família; e a inveja por saber que duas irmãs o possuem – uma pelo dote e pelo casamento, outra pelo desejo e pelo amor carnal – e nada para ela restara a não ser a lembrança de um amor do passado que lhe fora impedido pela mãe.

Do momento em que o conflito entre Martírio e Adela é deflagrado até o ato desesperado de Adela, o drama de Lorca é acelerado pela brevidade das falas e intempestividade das ações das personagens, sobretudo de Bernarda Alba, que parece agir rapidamente na tentativa de retomar a harmonia da casa, tão profundamente abalada pelos acontecimentos.

A verossimilhança, que a princípio seria abalada pela decisão extrema de Adela em se matar diante da possibilidade da morte do amado, não se vê ameaçada por conta da forma intensa que o autor escolheu para terminar seu drama, oferecendo à audiência uma solução trágica, para uma situação dramática opressora e claustrofóbica, que parece funcionar como única alternativa possível para a personagem Adela diante de um mundo que só lhe oferecia limites e nenhuma escolha.

Sobre a Peça

Lançando mão de personagens-tipo, representantes de condutas sociais claramente marcadas, o último drama rural lorquiano consegue agudizar ainda mais a crítica iniciada por Bodas de Sangue (1933) e Yerma (1934). Cada uma das personagens tem um comportamento diferente do das demais, o que destaca sobremaneira várias nuances da sociedade espanhola. Assim como fazem o Estado e a Igreja, Bernarda Alba cerceia a liberdade de suas filhas – representantes do povo, reprimido e assustado, incapaz de enfrentar o sistema que o sufoca, embora desejoso de mudanças e liberdade -, esconde sua mãe e oprime os empregados. De acordo com FOUCAULT (2004: 247), “Geralmente se chama instituição todo comportamento mais ou menos coercitivo, aprendido. Tudo que em uma sociedade funciona como um sistema de coerção, sem ser um enunciado, ou seja, todo o social não discursivo é a instituição”.

Sob essa perspectiva, não somente as instituições públicas são responsáveis pela opressão do indivíduo. A que se destacar, também, o imenso poder que emana do núcleo familiar, instituição privada que fortalece as bases do sistema político autoritário que está prestes a dominar a Espanha que Lorca retrata. Ainda segundo FOUCAULT (2004: 249), o poder flui através dos discursos, a partir de um ponto que aos pouco se irradia:

De modo geral, penso que é preciso ver como as grandes estratégias de poder se incrustam, encontram suas condições de exercício em micro-relações de poder. Mas sempre há também movimentos de retorno, que fazem com que as estratégias que coordenam as relações de poder produzam efeitos novos e avancem sobre domínios que, até o momento, não estavam concernidos.

Analisada sob a ótica foucaultiana, a última peça escrita por García Lorca permite afirmar que o poder político que o Estado e a Igreja demandam, na sociedade espanhola, oferece a Bernarda a credencial necessária para reproduzir em microcosmo o despotismo observado em macroescala. Para a filha que ousou ultrapassar os padrões de comportamento impostos, resta a morte: castigo para aqueles que, como o que vitimou próprio autor da peça, é imputado àqueles que ousam desacomodar a ordem vigente.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Casa_de_Bernarda_Alba
– Luciana Ferrari Montemezzo. O Poder e as instituições na Casa de Bernarda Alba. In http://coralx.ufsm.br/grpesqla/revista/num09/art_05.php
– Imagem = http:// http://www.tap.org.br/

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Federico Garcia Lorca (Poemas)

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!
=========================
O poeta pede a seu amor que lhe escreva

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
====================

Fonte:
http://www.astormentas.com/lorca.htm

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Federico Garcia Lorca (1898 – 1936)

Filho de Federico García Rodríguez, homem simples e inteligente, e de Vicenta Lorca, uma professora, Federico García Lorca nasceu em 5 de junho de 1898 em Fuente Vaqueros. Pouco tempo depois, a família muda-se para um povoado vizinho de Asquerosa, onde o poeta vive até a adolescência. Sua infância desenvolve-se em meio às letras e à música que aprende com a mãe, de quem herda a grande sensibilidade artística e humana.

Na Universidade de Granada, segue duas carreiras, uma para agradar ao pai: Direito, e outra por satisfação pessoal: Filosofia e Letras. Continua estudando violão e piano.

Os primeiros escritos que publica são trabalhos em prosa. Depois escreve um artigo por ocasião do centenário de Zorilla no boletim do Centro Artístico de Granada, em fevereiro de 1917. Logo, um livro intitulado Impresiones y Paisajes, que aparece em Granada em 1918 e que foi o resultado de uma viagem de estudos que realizou com outros companheiros da Universidade, sob a direção do catedrático de Teoria da Arte, no ano de 1917, pelas velhas cidades castelhanas. Nota-se nessa obra uma semelhança com o estilo de Gabriel Miró.

Nesse momento, nosso jovem poeta se projeta simultaneamente por meio da poesia, da prosa, da música e da pintura.

Entre os anos de 1919 e 1928, realiza suas imortais investidas no teatro e na poesia espanhola. A primeira poesia que publica, “Balada de la Placeta”, aparece na antologia da poesia espanhola do romance curto.

Em 1919, seu primeiro intento dramático, intitulado O Malefício da Mariposa, estréia e fracassa em 22 de maio de 1920. No ano seguinte, publica seu primeiro livro de poemas. O ano de 1928 marca a vida do poeta, com a publicação de Romancero Gitano. Rápido obtém êxito de público e elogio da crítica.

A primeira edição se esgota rapidamente e, no ano seguinte, 1929, publica a segunda edição do Romancero. Lorca começa a viajar pelo mundo, passando por alguns países da Europa, por Nova York, por Buenos Aires e, na primavera de 1935, o poeta, em sua plenitude, conclui nova obra: La Casa de Bernarda Alba.

Em 16 de julho de 1936, abandona Madri rumo a Granada, onde está sendo impresso, pela Universidade, seu novo livro de poesias: Diván del Tamarit. Segundo o escritor Falla, Lorca, descoberto em casa de um amigo, é preso pelo governo franquista. Não se sabe se por engano ou se por vingança pessoal, o poeta, arrancado de sua prisão ao amanhecer, é levado ao lugar do sacrifício nas ladeiras da serra. Em 17 de julho, estoura o movimento militar-falangista contra a República e uma das primeiras notícias trágicas a abalar o mundo é o fuzilamento de Federico García Lorca.

Bibliografia

Poesia

• El libro de los poemas (1918-1920)
• Canciones(1921-1924)
• Poema del cante jondo (1921)
• Romancero gitano(1924-1927)
• Poeta en Nueva York (1929-1930)
• Llanto por Ignacio Sánchez Megias (1934)
• Diván de Tamarit (1931-1934)

Teatro

• Mariana Pineda (1923)
• La Zapatera Prodigiosa (1930)
• Amor de don Perlimplin con Belisa en su jardín (1931)
• Así que pasen cinco años (1931)
• El público (inacabada, 1933)
• Doña Rosita la Soltera o el lenguaje de las flores (1935),
• Bodas de sangre (1933)
• Yerma (1934)
•La Casa de Bernarda Alba (1936)

Fonte:
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Andréa Santos (Notas Poéticas de Frederico Garcia Lorca)

Frederico Garcia Lorca nasceu a Fuentevaqueros, uma cidadezinha da Vega Granadina, a 05 de junho de 1898. O pai, Federico Garcia Rodriguez, fazendeiro, casou-se pela segunda vez com a professora Vicenta Lorca Romero, mulher sensível e delicada que abandonou a profissão para dedicar-se completamente a educação do filho, ao qual transmite logo a sua paixão pela música e pelo piano. A infância é passada num ambiente sereno e agreste da casa de Fuentevaqueros, e para Federico era um período feliz, exaltado na lembrança como uma estação completamente livre e selvagem no meio do campo.

Em 1909, a família acrescida de outros três filhos (Francesco, Conchita e Isabel) transfere-se para Granada, aonde Federico vai ao Colégio Sagrado Coração, dirigido pelo tio. Em 1914, começa a faculdade de Direito em seguida se inscreve no curso de Letras. Aqui, é o momento das amizades independentes, como a do literário Melchor Fernández Almagro e do jurista Fernando de los Rios, este último o ajudará de forma concreta sua carreira. Neste entretempo, inicia a estudar piano com o professor Antônio Segura, transformando-se num hábil executor do repertório clássico e do folclórico andaluzo; conhece então o musicista granadino Manuel de Falla – com este estabelece uma forte amizade, colaborando na organização da primeira Fiesta del Cante Jondo (13-14 de junho de 1922).

A Literatura, a música e a arte acompanham-no na viagem de estudo a Castilha, onde nasceu à antologia em prosa Impresiones y Paisajes, são estes os interesses que marcam o intenso período da formação espiritual do poeta. No entanto, crescem os laços afetivos do jovem Lorca, revelando uma predestinação natural à jovialidade, mostrando uma riqueza interior que aflora sobre forma de amor e ternura. Todos os amigos concordam em exaltar os extraordinários dotes de inteligência e simpatia de Garcia Lorca, eles recordam em particular a sua alegria cativante, o feliz relacionamento comunicativo que ele instaurara com o mundo.

A temporada granadina do poeta se conclui na primavera de 1919, com a entrada na famosa Residencia de Estudiantes de Madrid – então cidade cultural e ponto de encontro de tantas jovens promessas da geração de 27. Na Residencia passa nove anos. Nos verões, ora vivia na casa de campo da família em Huerta de San Vicente, ora encontrava-se na casa de Salvador Dali – com quem manteve uma amizade intensa. Esta é uma fase importante à maturação artística de Lorca visto que o ambiente é rico de idéias e situações culturais. Os biógrafos sublinham, porém, a imagem madrilena dele como um amante das festas e das companhias, sempre pronto a entreter-se com o piano e o violão em um canto da sua colorida Andaluzia, entre os aplausos dos amigos. Foram os laços amigáveis que desejando restituir a imagem viva e convincente da sua personalidade, por uma razão ligada à lembrança e ao saudosismo, que acentuaram então a vida mundana porque o poeta transmitia-lhes a força envolvente do seu entusiasmo, recorrendo as suas inesgotáveis habilidades teatrais e musicais.

Não se fala tanto que nesta fase andaluza foram tantas as horas em que Federico Garcia Lorca dedicou-se à leitura e ao estudo literário. È deste período andaluzo tais obras:
® Antologias Poéticas: Libro de Poemas, Canciones, Poemas del Cante jondo, Primer romancero gitano, Oda a Salvador Dalí
® As Prosas Surrealistas: Santa Lucía y San Lázaro; Nadadora Sumergida; Suicídio em Alejandría;
® Peças teatrais: El malefício de la mariposa (1920), o drama histórico Mariana Pineda (1927, com cenografia de Salvador Dalí), El paseo de Buster Keaton, La Doncella, el marinero y el estudiante

Além de um número extraordinário de composições, artigos, publicações variadas, compreendendo ainda leituras em público, as conferências La imagen poética de Góngora; Imaginación, inspiración y evasión; Las nanas infantiles. A preparação da revista granadina Gallo e a amostra de desenhos a Barcelona.

Uma atividade intensa, de arrebatamento, marcada externamente pelos contatos e pelas
relações sociais. Porém, intimamente assinalada por sofrimento – intranqüilidade e um pensamento constante de morte — como percebe Ana Dalí. Esta fase depressa leva o poeta a criar mais: uma fuga à tempestade e ao naufrágio do coração. Em carta datada de 1927, ao crítico catalão Sebatián Gasch, Lorca confessa a sua grave e dolorosa condição interior: “Estou atravessando uma forte crise sentimental, (é isso) espero sair curado ”. O amigo e protetor Fernando de los Ríos sabendo da situação conflituosa de Lorca oferece-lhe uma oportunidade de sair da Espanha, concedendo-lhe uma bolsa de estudo nos Estados Unidos. Os dois partem na primavera de 1929, mas antes passam uns dias a Paris e a Londres, para depois seguir a New York.

A experiência americana dura até a primavera de 1930, ajudando à maturidade do poeta. A temporada resulta uma das mais extraordinárias produções lorquianas: “Poeta en Nueva York”.

Durante a temporada nova-iorquina, ele freqüenta os cursos da Columbia University, mas com pouca assiduidade e proveito. Em 05 de março de 1930, com o convite da Institución Hispanocubana de Cultura, parte para Cuba: aqui, passa uma estadia inesquecível depois dos dias de melancolia e de aflição vividos em New York. A experiência entre os negros, a sensualidade delicada e pagã, o suave sotaque da língua transformam-se em motivo de grande satisfação pessoal. O poeta faz conferências, recita poesias, participa de festas e manifestações populares, fazendo novas amizades entre as quais com os escritores locais, colaborando com revistas da ilha (Musicalia e Revista de Avance) onde publica a prosa surrealista Degollación del Bautista. Ainda, em Cuba, começa a escrever os dramas teatrais El Público e Así que pasen cinco años; enquanto o interesse pela cultura afro-cubana lhe inspira a lírica Son de negros en Cubas – um ato de amor e homenagem ao canto e alma negra na América.

Posteriormente a queda da Ditadura do Primo Rivera e a Proclamação do Governo Republicano, em julho de 1930, o poeta volta à Espanha no momento em que o país vive uma fase de intensa vida democrata e cultural. Com o apoio de Fernando de los Ríos, agora, ministro da República, Lorca idealiza e realiza o projeto de um teatro mambembe, La Barraca, representando o repertório clássico espanhol nas cidadezinhas. Os Atores eram estudantes do Instituto Escuela de Madrid. Eles representavam vestidos com um simples uniforme azul, simbolizando reprovação ao vedetismo. Lorca era o idealizador, o diretor, o animador incansável e entusiasta da pequena trupe teatral: em tudo e para tudo esbanjava entusiasmo juvenil em sua criatividade e talento. “La Barraca” graças ao sucesso entre os campesinos e os universitários ficará ativa até abril de 1936, quando explode a guerra civil, mas ela consegue completar 21 tournées nas diversas localidades da Espanha.

Entretanto, o projeto teatral não o impediu de desenvolver a sua atividade literária e de levar consigo as suas amizades madrilenas nas numerosas excursões na cidade da velha Castilha, nos Paises Bascos e na Galicia. Além disso, Federico Garcia realiza algumas viagens a Buenos Aires e a Montevidéu (1933-1934). Neste ínterim, a 01 de agosto de 1934 morre o amigo toureiro Ignácio Sánchez Mejías, a ele o poeta dedica o celebre poema Llanto. Neste momento publica ainda Seis poemas galegos, projeta a antologia poética Diván del Tamarit e termina as obras teatrais Doña Rosita la soltera o El lenguaje de las flores. Ao início de ‘36 edita a peça Bodas de sangue e aos 19 de junho termina La casa de Bernarda Alba.

Estamos já às vésperas de rebentar uma guerra civil, Federico mostra-se incerto e preocupado. O precipitar dos eventos políticos e principalmente o clima de violência física perturba e aterroriza-o. Apesar dos advertimentos dos amigos, a 13 de julho, ele decide voltar a Granada, a casa de campo de Huerta de San Vicente. Alguns dias depois, em Marrocos, estoura a rebelião franquista que em pouco tempo se abate com extrema violência sobre a cidade andaluza, instaurando um clima de terror e feroz repressão. A situação precipita: o prefeito socialista de Granada e cunhado de Garcia Lorca, Manuel Fernández Montesinos é fuzilado a 16 de agosto de 1939. Lorca refugiando-se, então, em casa do poeta Luis Rosales (membro importante da família falangista), vem arrestado também a 16 de agosto por Ramón Ruiz Alonso – representante da CEDA. Não obstante os inúmeros pedidos a favor do poeta, o governador José Valdés Guzman dá secretamente a ordem de execução. É na calada da noite que Federico Garcia Lorca é levado a Viznar, próximo de Granada, ali é fuzilado na estrada vizinha à Fuente Grande, antiga Ainadamar ou Fonte das Lágrimas, segundo a denominação arábica.

A produção lorquiana é um testemunho da correspondência entre o homem com a poesia onde a vitalidade, o entusiasmo e a desordem que Federico era capaz de exprimir são continuamente colocados a serviço da arte. O talento criativo do jovem Federico Garcia Lorca manifesta-se primeiramente como expressão oral, no rastro da melhor tradição jogralesca: o poeta ler, recita, interpreta os seus versos e suas peças teatrais diante dos amigos e dos estudantes universitários, fazendo conhecê-los antes de serem publicados. Um destes amigos, o crítico Guillermo Díaz-Plaja recordava do fascínio extraordinário que o jovem Lorca – ator e poeta – exercia sobre seu público, destacando: “O domínio da voz e do gesto e, principalmente, a sua simpatia natural, o seu genuíno espírito andaluzo que, milagrosamente, fazia voar o tempo a quem o escutava. A sua angélica e desinibida habilidade que lhe consentiam passar do recital à música; da crítica aguda às canções de ninar ou a solene e patética expressão do “canto jondo”. O seu instinto genial de converter em poesia quando soava e a sua andaluzíssima graça das exagerações e das mentiras de um menino grande”.

Qualidades naturais de homem e de artista genial e exuberante, ainda se Lorca conservava uma atitude crítica sobre sua atividade criativa, onde a princípio exige duas condições essenciais — “amor e disciplina”, submetendo frequentemente sua obra a um contínuo processo de revisão, de correção, servindo-se dos conselhos dos amigos. O crítico Rafael Martinez Nadal descreveu como era o método de trabalho lorquiano na criação dos seus projetos teatrais, consistia no relatar, no observar: “a um amigo dou uma cena, a outro o diálogo; a um terceiro, um ato. Assim, vou estudando as reações de cada um.” De maneira que a comédia que poderia ter vários títulos, lentamente ia tomando forma e composição. Por fim, arte com participação coletiva, um estímulo contínuo e uma concordância no ato individual da criação.

O itinerário humano de Federico Garcia Lorca evidência personalidade jovial e extrovertida –“mágica e dourada”, diria Pablo Neruda – porém ao mesmo tempo complexa e atormentada, firme a realização de um ideal de amor e verdade: a história secreta desta vida, onde a experiência artística, permite seguir o desenvolver do pensamento e das situações que mais intensamente caracterizaram a obra literária.

Já a antologia de prosa Impresiones y paisajes (1918) – resultado de uma viagem a Castilla e Andaluzia – dá ao jovem poeta a ocasião para um percurso rico de impressões líricas e notas musicais; anotações críticas e realísticas sobre a vida, a religião, a arte, a poesia as quais são sustentadas por um sopro musical, mostrando os grandes dotes de criação e fantasia de Federico.

O Libro de Poemas (escrito ente 1918-20) entre alternadas situações sentimentais (onde registra vários planos internos e mudanças tonais), documenta a primeira abertura ao canto e à vida. Lorca dialoga com a natureza e com os animais, dando boas-vindas as notas modernistas, somando-se aos nomes de Rubén Dario, Salvador Rueda, Juan Ramón Jiménez: ícones de inquietudes que afloram sobre a forma de nostalgia, inquietações trépidas, abandonos juvenis, levando às vezes a uma tristeza, uma angústia sempre profunda que se transformava em motivo de padecimento e protesto. Em algumas de suas líricas toda esta manifestação transformava-se em antíteses e imagens dubiais, sublinhando falsas interrogativas de natureza existencial:
¿Qué es lo que guardo en estos
Momentos de tristeza?
¡Ay, quién tala mis bosques
Dorados y floridos!
¿Qué leo en el espejo
De plata conmovida
Que la aurora me ofrece
Sobre el agua del río?

A voz dirigida como oração ou maldição com um fundo musical que modela o peso do coração, reflete a situação de incerteza vivida pelo poeta, a separação da fase adolescente. Todavia o livro muito amado de Lorca não fora reconhecido devidamente segundo ele. O período que vai de 1921-24 constitui um momento de grande entusiasmo e fervor criativo, mesmo se muitas destas obras só se lerão futuramente; assim Poema del Canto jondo (1921-22) que será publicado dez anos depois, Primeras Canciones (1927), Canciones (1936), e, enfim, Suítes publicada póstuma em 198312. Poema del Canto Jondo abrange os fundamentos do mundo andaluzo, em particular a manifestação musical e a modalidade do canto jondo, cujo o interesse do poeta nasceu com maestro Manuel de Falla em ocasião da primeira “Fiesta del Canto Jondo” onde tinha já dedicado em 1922 uma brilhante conferência: Importância histórica y artística del primitivo canto andaluz llamado “canto jondo”. O livro interpreta e traduz poeticamente as condições e os significados ligados à expressividade deste canto primitivo, transcurso por obscuros sobressaltos de paixão, que explodem na obsessiva repetição de sons e ritmos populares, como nas canções da Siguiruya, Soleá, Petenera, Tonáa e Liviana, acompanhadas das notas obscuras do violão que rompe o silêncio das pausas:

Empieza el llanto
de la guitarra.
Se rompen las copas
de la madrugada.
Empieza el llanto
de la guitarra.
Es inútil
Callarla.
Es imposible
Callarla.
Llora monótona
Como llora el agua,
Como llora el viento
Sobre la nevada.

Primeras Canciones, Suites inserem-se como momento de transição propondo um universo íntimo e elegíaco, são versos modulados sobre variações do tipo musical. Juntamente com o livro Canciones, eles se relacionam com diferentes projeções e argumentos do universo gitano (cigano) onde revivem uma inteligente instalação metafórica com ascendência surreal e gongorista. Sobretudo, Canciones leva a extrema conseqüência o poder evocativo expresso por secretas correspondências rítmicas e por uma capacidade – sempre mais acentuada – de entender o mundo pela sua ternura infantil: linguagem cifrada, emoção singular, lembrança que canta e inventa os próprios signos. Uma maior rapidez de observar e de síntese, uma melhor disposição ao uso de estilizadas eloqüências e ousados paralelismo – tendem a eliminar cada resíduo de eloqüência.

Esquemas populares e aproximações metafóricas fixam em uma cor, uma nota musical a imagem de uma paisagem suspensa entre o sonho e a realidade. A impressão sentida é aquela de uma luz particular que salta com todo seu esplendor: objetos projetando-se nítidos apesar das razões que os animam apareçam transitórios e ilegíveis – impondo-se com direito aos espaços precisos – de quem a geometria é sinal tangível de um valor vital em oposição à idéia dominante da morte. Assim as cores, os sons, os fatos originais do universo gitano não são mais cultivadas em uma versão estática, contemplativa; mas vêm representados em um instante dinâmico de máxima tensão. A palavra restituindo os traços de uma realidade perdida e novamente tocada nos seus contornos obscuros, lançando-se à grandeza e ao canto.

Como na curta poesia “Caracola”, todos os ecos e ritmos interiores, como o deslizar do mar onde revive o feliz tempo da infância e da fantasia:

Me han traído uma caracola.
Dentro lê canta
Um mar de mapa
Mi corazón
Se llena de água
Con pececillos
De sombra y plata.
Me han traído una caracola.

Romancero Gitano (1928) assinala o sucesso popular de Federico Garcia Lorca, mostra a realidade complexa do mundo andaluzo junto ao sentimento fatalista, misterioso e doloroso do poeta. A obra composta de dezoito líricas compreende quatro distintos núcleos temáticos:

1. O universo humano – composto pelos gitanos: raça pura que luta contra a Guarda civil, expressão da ordem e da legalidade;

2. O universo celeste: simbolizado pelos romances de iconografia religiosa (São Miguel, São Rafael, São Gabriel);

3. O universo mágico das forças desconhecidas (Romance de la luna, luna; Romance
sonâmbulo; Romance de la pena negra);

4. A realidade de matriz histórico-literária (Martírio de Santa Olalla, Thamar y Ammón).

Tal esquematização é, todavia, fruto de uma visão unitária que vê o seu ambiente mais aristocrático e peculiar – como precisou o poeta – na expressão das figuras dos gitanos. No caráter bravio e indomável, no primitivismo inocente e pagão do mundo espiritual deles, Lorca descobre um elemento comum que o faz solidário com o sofrimento e rebelião dos gitanos. Como acontecerá nos Estados Unidos com relação aos negros do Harlem, mostra-se ter simpatia com quem vive à margem da sociedade e em contato direto com a natureza onde seja o negro ou o gitano terminam por atribuir valores mágicos, ricos de uma trágica e desconhecida fatalidade. A presença de certo sonambulismo, precedentemente observado no Poema del Canto jondo, é um dos sinais característicos da experiência criativa do Romancero, que agora se distingue pelo uso repetido do verso tradicional espanhol (o romance) e, principalmente, pela invenção de audaciosas metáforas, capazes de criar correlações ocultas que ligam em um único núcleo forma e descrição, realidade e aparências, cores e sensações. A palavra poética em harmonia com a linguagem e a psicologia do mundo gitano, absorvido de magia e esoterismo, colhendo o objeto na sua dimensão mítica:

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.

Poesia direta, rica de intimas vibrações espirituais proveniente da terra Andaluza, o Romancero transborda de presenças mágicas que dão voz a inquietude do homem; o vento, a lua, as cores e outros sinais convencionais formam uma vasta rede de referimentos simbólicos que alimentam continuamente o universo emotivo do jovem Lorca.

Do Poeta en Nova York aos Sonetos del Amor Oscuro

Depois da publicação de Romancero gitano – que registra junto com o sucesso popular a desdenhosa desaprovação de Dalí e de Buñel, os quais reprovavam o amigo pelo excesso de lirismo de cunho tradicional – coloca-se a breve experiência, correspondente a “nueva manera espiritualista” das prosas poéticas de estilo surrealista: Santa Lucía y San Lázaro, Nadadora summergida, Degollación de los Inocentes, Degollación del Bautista, Oda a Salvador Dali e Oda al Santíssimo Sacramento del altar juntamente com alguns esboços teatrais, cujas intenções de ultrapassar o elemento biográfico e anedótico, no doloroso momento da crise sentimental, instiga o poeta atravessar a via da transfiguração honorífica – em grau de expressar o evento milagroso – sem porém jamais aderir completamente ao movimento surrealista.

Federico Garcia Lorca parece oscilar entre o desejo de rigor, consciência crítica e o desejo de abandono ao instinto da fantasia. Sobre o plano direcional, Oda a Salvador Dalí (1926) afirma a posição assumida pelo poeta em relação as vanguardas contestadas nas propostas de ultraísmo e criacionismo e postas a discussão nas novas fórmulas impostas pelo surrealismo britânico. Na Ode ao amigo, com o qual havia previamente vivido um comum salto criativo e uma perfeita confraria Cultural de la Generación del 27, 1989. Sobre o poema em prosa é interessante ler a crítica favorável de Salvador Dali (diferente daquela expressa em relação ao Romancero gitano), devido a influencia exercida pelo seu quadro San Sebastián. Em uma carta a Sebastián Gasch, Dali escreve: “Santa Lucia é Santa Apresentação, é a máxima corporalidade, é oferecer uma imensidão ao mundo. A poesia de San Sebastián consiste na sua passividade, na sua tranqüilidade que é um modo de elegância; Santa Lucia afirma visivelmente a objetividade”. E adiante: “Lorca parece ser-me símile – ou o paradoxo! – em muitos pontos aquele texto é assaz eloqüente – recordas daquilo que te dizia não muito tempo faz daquela superfície das coisas”. “ora obscura e dourada”, recorda Federico -, Lorca parece compartilhar o anelo de perfeição que animava o jovem pintor e com ele as novas gerações artísticas da vanguarda européia. Anelo compreendido como antídoto contra a confusão e a angústia do coração. A tal estética, a “flor asséptica da raiz-quadrada” – o poeta opõe a imagem da cotidiana rosa, o seu ideal de vida e beleza terrena:

Pero también la rosa del jardín donde vives.
¡Siempre la rosa, siempre, norte y sur de nosotros!

Enquanto convida o amigo a não esquecer a importância do sentimento de amor e a sua verdade humana:

No es el Arte la Luz que nos ciega los ojos.
Es primero el amor, la amistad o la esgrima.

O livro Poeta en Nueva York – fruto da experiência nos Estados Unidos – constitui uma superação da poética anterior, que se enriquece ora de violentas e frias imagens surrealistas, cheias de uma grande força expressiva na qual a visão da cidade americana constitui uma realidade dilacerada e atravessada por profundos contrastes sociais. Composto entre 1929-30, mas publicado póstumo (em 1940), Poeta en Nueva York compreende dez grupos de líricas – entre as quais “Oda a Walt Whitman” e as composições nascidas durante a estada cubana – e explica dois particulares instantes relativos a duas diversas situações psicológicas maturadas no curso deste período. Primeiramente, o sentimento de protesto contra a metrópole e a civilidade moderna, dominada pelo dólar e pela automóvel (indústria), onde Lorca identifica o símbolo de angústia e alienação humana. Ou seja, não somente em razão de uma maior consciência histórica, ainda mais por uma instintiva adesão as razões do homem e da natureza ameaçados pela monstruosa realidade do concreto e pela hostilidade e tentaculização da cidade. O mundo dos negros e dos quarteirões pobres do Harlem com os seus alcoolizados, seus homossexuais, seus alienados – tudo aquilo que exprimia dor e constituía anormalidade, frustração – atraia a atenção do poeta, instintivamente levado a solidarizar e a manifestar um sentimento natural de simpatia, encontrando uma comum matriz espiritual:

Yo creo que el ser de Granada me inclina a la comprensión simpática de los perseguidos. Del gitano, del negro, del judio…, del morisco, que todos llevamos dentro. – escreve Lorca. O outro momento do livro é representado pelo grupo de composições reunidas sobre o título Poemas del Lago Edem Mills, En la cabana del farmer e Introducción a la muerte, originadas na temporada do Vermont. Marcadas por um sentimento de aberta confissão, de nostalgia e tristeza, na lembrança do passado e da felicidade perdida:

Era mi voz antigua
Ignorante de los densos jugos amargos.
la adivino lamiendo mis pies
Bajo los frágiles helechos mojados.
“ay voz antigua de mi amor,
Ay voz de mi verdad,
Ay voz de mi abierto costado,
Cuando todas las rosas manaban de mi lengua
Y el césped no conocía la impasible dentadura del caballo!

Os últimos livros de poesia (fora os Seis poemas galegos, fruto da viagem a Galicia) tornam a propor o instante de sofrimento que secretamente marcou o último roteiro criativo do poeta: a denúncia da injustiça, da dor, do amor impossível, da amizade. “Llanto por Ignácio Sánchez” gerado justamente depois da morte do amigo toureiro caído em arena. A poesia, que é articulada em quatro partes, abre-se com um cenário repleto de dramaticidade marcado pelo fatídico “cinco de la tarde” que bateram em todos os relógios do mundo, assinalando o inexorável aproximar da hora fatal, entre a espera e o assombro geral da natureza e do cosmo. A estrutura adquire lentamente um tom mais pacato, rendendo finalmente a elegia e ao pesar pelo amigo morto, cuja aventura humana foi submetida à expressão da canção que nos ensina lembrar o heroísmo e a grandeza de Ignácio além da morte:

Yo canto ara luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia se muerte y el gusto de su boca.
La tristeza que tuvo tu valente alegría.
Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
Un andaluzo tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
Y recuerdo una brisa triste por los olivos.

E se o Llanto fica, na sua rica e complexa textura, a homenagem ao dedicado amigo morto, em o Diván del Tamarit (pronto para publicar em 1936, mas publicado póstumo em 1940) simboliza o culmine do longo monólogo interior que agora se abre ao silencioso drama pessoal, ao tormento do amor impossível. Livre de todo resíduo juvenil, filtrado pelas diferentes experiências culturais, começando o diálogo com a realidade do tempo e do dever, o poeta busca igual plenitude e igual participação na esfera da vida privada.

Os onze Sonetos del amor oscuro publicados depois de um longo silêncio no jornal ABC (em 17 de março de 1984): um prodígio de paixão, de entusiasmo, de felicidade, de tormento, puro e ardente monumento de amor…, segundo as palavras do poeta Vicente Alexandre que, em 1937, havia visto as primeiras composições, constituíra o documento de sua paixão pessoal que encontra na preparação clássica do soneto a veste ideal para a sua representação.

O Teatro Lorquiano

A obra teatral contando com a trilogia – Bodas de sangue, Yerma, A casa de Bernarda Alba – e os romances – Amor de don Perlimplí com Belisa en su jardín, Así que pasen cincos años, El publico – não faz mais que se aprofundar e alargar a produção lorquiana em dimensão universal, numa mistura de conflito ontológico pessoal. “Toda a dramaturgia de Lorca não é, portanto, a representação da sua radical e pessoal tragicidade interior21”. Todas as personagens se movem por uma análoga condição dolorosa, denunciando uma mesma inquietude, tentando rebelar-se aos mesmos preconceitos, as antigas leis e tradições, invocando – como os gitanos no Romancero, os negros e alcoolizados em Poeta em Nueva York e o mesmo Lorca nos últimos cantos – as prepotentes questões de sangue e do sentimento.

Entretanto, o ingênuo drama juvenil (repleto de vivacidade e lirismo) El malefício de la mariposa, traz a temática do sonho e da evasão – uma barata se apaixona loucamente por uma borboleta – precisando o senso de uma temática que deveria assumir um papel na sucessiva dramaturgia lorquiana. O mesmo acontece com Mariana Pineda (1925) onde a homônima figura de inspiração romântica, simboliza o desejo de liberdade em cujo ideal ela identificava o amor e a pessoa amada. Com La zapatera prodigiosa e El amor de don Perlimplin con Belisa en su jardín, duas deliciosas comedias, retiradas do teatro de fantoches de quem Lorca era particularmente ligado. Em Los títeres de cachiporra e Retablillo de don Cristóbal, continua o íntimo dialogo do poeta, pleno de lirismo e ao mesmo tempo de dramaticidade. Comédias de costumes ou farsas, como informam os subtítulos, que são submetidos aos movimentos de bailo e hesitações rítmicopopulares cheio de graça e de encanto. Eles representam uma variação literária – resultando em tragicomédia – pela temática da evasão da cinzenta realidade diária.

Também as personagens femininas de Bodas de sangue, Yerma e La Casa de Bernarda Alba identificam uma aspiração igual ao sentimento e ao amor. As protagonistas lutam e se rebelam contra o mundo de convenções e hipocrisias que dominam a vida escolhendo, como única alternativa a esqualidez e a pobreza espiritual, o desespero e a morte. Assim faz a noiva da primeira tragédia, foge com o amante Leonardo no dia do casamento, causando uma grande calamidade. Igualmente, Yerma que nega seu estado estéril e acaba matando o marido – símbolo do egoísmo masculino. Finalmente a Adela, a caçula de Bernarda que cede aos apelos de Pepe – o noivo da irmã-, preferindo o suicídio à renúncia do amor. Diante do corpo inanimado da filha, a velha Bernarda, fria e terrível na sua máscara de dor, impõe um silêncio cínico que avaliza a terrível mentira:

”Ella, la hija menor de Bernarda Alba, ha muerto virgen ¿Me habéis oído?
!Silencio, silencio he dicho! !silencio!”

O mesmo silêncio – menos introvertido e atormentado – registra-se na personagem feminina de Doña Risita la soltera o El Lenguaje de las flores, um drama que representou em 1935: Doña Rosita a jovem solteirona, vive emersa na delicada atmosfera floral do estilo liberty que o tempo (a solidão, o amor perdido) encarrega-se de envolvê-la tristemente em véus sombrios. A fantasia é firme à lembrança da promessa de amor naufragada com os anos e a distância. Doña Rosita é consciente disto, mas prefere acreditar na ilusão que secretamente cultiva.

Da mesma forma, a peça surrealista Así que pasen cincon años (1930-31) é uma alegoria do tempo (leyenda del tiempo) que afronta o contraste entre a ânsia de amar e a não realização do sentimento. Finalmente El Público e o fragmento Comedia sin titulo23 (1936), segundo os críticos, trazem consigo as técnicas mais avançadas do teatro europeu: um diálogo com o público sobre temas e situações que primeiramente refletem o mundo da homossexualidade, enquanto o segundo, trata da função da arte e a revolução social. Longe de todo esteticismo e mito naturalista, Lorca abre um teatro simbólico e surrealista, definido “impossível” e “irrepresentável” para o seu tempo e a moral corrente, onde ele antecipa com extraordinária coragem situações e problemáticas de grande realidade.

Casida de la mano imposible
Yo no quiero más que una mano,
Una mano herida, si es posible.
Yo no quiero más que una mano,
Aunque pase mil noches sin lecho.
Sería un pálido lirio de cal,
Seria una paloma amarrada a mi corazón,
Sería el guardián que en la noche de mi tránsito
Prohibiera en absoluta la entrada a la luna.
Yo no quiero más que una mano
Para los diarios aceites y la sábana blanca de mi agonía.
Yo no quiero más que esa
Para tener un ala de mi muerte.
Lo demás todo pasa.
Rubor sin nombre ya. Astro perpetuo.
Lo demás es lo otro; viento triste,
Mientras las hojas huyen en bandadas.

Fonte:
http://www.revista.agulha.nom.br
Imagem = http://biakushnir.wordpress.com

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Nicodemos Sena (Potira dentro da Lua)

As águas do rio ficam muito serenas. Nenhum som, nenhuma voz, nada se ouve, como se de repente um grande sono tivesse baixado sobre o rio e todas as coisas dormitassem.

Abaixo da cintura, sinto-me deslizar pela maciez de musgos, samambaias, mururés e lianas. Tépida é a água, cálida a sua frescura. Através do espelho negro dos olhos de Potira consigo ver os peixes de olhos mortiços e escamas faiscantes no fundo das águas. Cobras peçonhentas, agora inofensivas, descem da terra e trançam entre nossos corpos, provocando-nos leves arrepios. Grandes e pequenos jacarés arrastam-se uns sobre os outros, as cobras enfiando-se-lhes pela boca e saindo de suas entranhas como longos cordões.

Os curumins entram no rio com seus arcos e flechas de brinquedo; correm de um lugar para outro mirando os peixes que se amparam em quelônios. O mais taludo dos fedelhos aproxima-se de nós e tenta apalpar os seios de Potira. Faço-lhe uma carranca, mas o maroto não se afasta, apenas ri com a boca escancarada; vejo guelras em sua garganta. Potira deixa-se tocar pelo pirralho e pede que eu não me zangue, pois o curumim é apenas um “petitinga”, peixe-miúdo. Piracanjuba, peixe-da-cabeça-amarela, é seu nome.

Uma cunhã ainda muito “mucu” (nova) vem nadando pelo fundo e se roça em meu corpo. Potira dá-lhe um beliscão no costado. A cunhã se afasta, os cabelos lisos e muito compridos esvoaçando-lhe sobre as costas. Bela é a cunhantã, formoso o seu dorso, porém, em meio à pelugem do púbis, vejo, num átimo de relâmpago, como faca brilhando entre musgos, um pequeno falo. Potira diz que o homem que se juntar com ela será feliz. “Ixé inti xa recó nha, rerecó uahá” (eu não tenho o que você tem), lamenta-se, apalpando-me o pênis.

Piracanjuba, que entrara na idade em que os curumins se tornam perigosos, desinteressa-se de Potira e põe-se a seguir a cunhã-mucu.

Uma arraia cinza, de ferrão imenso, chega planando perto de nós; da sua sombra vultos de gente começam a sair.

“Aba-pe aipó?” (quem são eles?), pergunto. Potira diz que são os que morreram afogados no “upabanema” (lago fedorento). Eles saem do fundo dos rios, retornam como eram em vida e se dirigem para o céu, pelo clarão das estrelas. No fundo dos olhos negros de Potira vejo miríades de pontinhos reluzentes. Como isso aconteceu, se há pouco ainda era manhã?! “Inti mahã! Oar pituna!” (não! a noite já caiu!), exclama Potira. “Psiu! Ninguém deve acordar o rio”, adverte ela. A Mãe-d’água, quando o rio dorme, senta-se na proa das canoas e penteia seus lindos cabelos à luz do luar.

“Vamos ver a mãe d’água?”,convida Potira, em português surpreendentemente perfeito, pois os homens debaixo d’água, ou em transe, unidos pela paixão, no sonho ou no desespero, falam a mesma língua. Consigo ver a sua voz fluindo pela água, em halos transparentes. Fala baixinho, ciciando no meu ouvido. Linda é a sua voz se infiltrando por entre mururés e lianas; ao ouvi-la, jacarés, peixes e quelônios adormecem. Estou ligado ao mundo pela sua voz, que me entra pela alma e conduz a todos os lugares e a lugar nenhum.

Sem pernas, caminhamos em busca da Mãe-d’água, um dentro do outro, no útero fofo do rio, ligados pelo tênue fio da vida. De repente, Potira pára (ou fui eu que parei?). Sem olhos vemos o mundo invertido na linha do horizonte. Ou é o mundo que nos vê? Que bela visão! O rio suspenso na abóbada celeste e o Céu sentado nas águas do rio!

Eu e Potira flutuamos no éter, extasiados, plenos de imensidão, calados, mas nossas almas falam. Nos olhos de Potira enxergo os tempos antigos, muito antigos, em que o seu povo morava no teto do Céu. Lá, muito acima, há tudo que se pode desejar. Há batata-doce, macaxeira, inhame, mandioca, milho, frutos de inajá, banana, caça de toda variedade e tartarugas da terra, tudo o que se pode comer e imaginar. Sou um guerreiro experiente e descubro no mato a cova de um tatu. Quero caçar o animal e começo a cavar. Cavo, cavo o dia todo, até de noite, sem encontrar o tatu. Na manhã seguinte, bem cedo, vou para o mato, a fim de continuar a cavar. Cavo até de noite, em vão. No quinto dia, quando estou cavando bem fundo, vejo de repente o tatu-gigante, mas, na ânsia de cavar, furo a abóbada celeste. O tatu então despenca, vai caindo, caindo, até chegar a Terra. Acompanho o tatu na queda, mas um vento forte, de tempestade, pega-me e atira-me de volta para cima, fazendo-me retornar ao Céu, de onde, através do buraco, olho a Terra, lá em baixo. Distingo uma pequena floresta de buritis, um grande rio e campos imensos. Nostalgia infinita toma conta de mim; desse mundo distante sinto saudade. Corro para minha aldeia e conto a novidade: “Cavei um buraco no Céu”, digo a todos. “Como foi que isso aconteceu?”, pergunta um guerreiro. Conto como descobri no mato a cova do tatu-gigante e comecei a cavar, dia após dia, até furar o firmamento. “E onde está o tatu agora?”, querem saber os homens. “Rolou para baixo, eu vi ele cair numa floresta de burutis”, respondo. “O que faremos agora? Ficamos no Céu ou descemos para a Terra?”, pergunta um dos homens. Falam e pensam por muito tempo, até que resolvem mudar-se para a Terra. “O problema é só como vamos descer para lá”, diz um deles. Um outro sugere: “Façamos uma corda comprida de todos os nossos fios, e cordas de arco de todos os nossos cintos e braceletes; cada homem vá para sua choça e de lá traga o que tiver em cordões e fitas”. “Você tem razão, a corda deve ficar forte, igual à de nossos arcos”, retruca outro. Fazemos a corda comprida e depois a jogamos pelo buraco do Céu. Começamos a descida, mas logo paramos, pois a corda não é suficientemente comprida para chegar até a Terra. Tristonhos, voltamos ao Céu. Lá, amarramos muitas outras fitas e cordas para encompridar a corda; ainda não é o bastante; temos que voltar de novo para prolongar a corda, que, mais uma vez, não tem o comprimento necessário. Damos nova busca na aldeia, juntamos tudo o que há em fitas, cordões, cintos e colares; por fim, a corda fica muito comprida. Um homem sem medo e sem vertigem desce e pisa primeiro na Terra. Vejo-o chegar e amarrar a corda no tronco de uma árvore gigantesca. Começa a descida de toda a tribo: primeiro os jovens, depois as mulheres com as crianças, as menores presas a tipóias nas costas das mães; em seguida, os homens e, por fim, os anciãos. Os que aterrizam partem logo para os campos imensos. Os jovens, à frente, procuram o caminho para uma nova morada. Temerosos, alguns hesitam e não acompanham os demais na descida.

Segurando minha mão na descida, Potira solta gritinhos. Vejo um curumim estranho que vem correndo e, ao ver a corda, corta-a, zombando: “Estou cortando a corda para eles ficarem eternamente lá em cima”. Nesse instante, acho que tenho uma vertigem, pois de nada me lembro. A tribo ficou dividida; uma parte continuou morando no Céu e outra, na Terra. Onde eu e Potira ficamos?

“Na terra”, diz Potira.

“No céu”, digo eu.

O que importa, se estamos juntos? Onde estamos será o nosso Céu. Raios translúcidos partem de um disco escarlate, metade água metade ar, olho dourado na linha do horizonte. Dia ou noite, o que será?

“Oar pituna. Pituna i roine” (a noite caiu, será fria), diz Potira.

“Guaraci osem umã; i porang sepiaca” (o sol já saiu, é bela a visão dele), retruco-lhe.

“Acanga aiua! Iaci-tatá” (louco! é o luar!), diz Potira, divertindo-se com a minha confusão. “Aape iporanga reté” (lá é muito bonito), completa a rapariga.

Não sei por quanto tempo avançamos. Sinto as minhas pernas, a ferida já não dói, mas estou muito cansado. Potira, ao contrário, parece cheia de energia.

“Iaciçuaçu poranga reté!” (como a lua cheia está bonita!), exclama.

“Poranga mahiê ne iaué!” (tão bonita como tu!), retruco.

Afastamo-nos tanto da praia que não enxergo mais a margem; estamos em águas profundas, mas o piso do rio (ou teto do Céu?) nunca foge dos pés. Jacarés e peixes menores ficaram para trás. Tainhas, atuns e xaréus são nossos companheiros. Potira segura firme minha mão e, ágil como um peixe, às vezes, me puxa.

O disco escarlate aos poucos vai se erguendo. Baça é a sua luz, tépido o seu calor. Gotas d’água escorrem como suor pelo meu rosto e respiro com dificuldade.

“Poranga iaci-tatá” (lindo é o luar), diz Potira, adiantando-se à maneira dos golfinhos. De repente pára e olha-me.

Que visão enlouquecedora: Potira dentro da Lua!

“Iuri Iké!” (vem cá!), ela me chama.

Estranho, muito estranho, Potira parece outra. Seu rosto redondo fica do tamanho da Lua e seus olhos refletem uma luz mortiça.

“Iuri Iké! Esiquiié umem!” (vem cá! não tenhas medo!), ela me anima.

Hesito. O rosto esfogueado da cunhantã, suas narinas dilatadas e a língua que umedece os lábios como se estivesse com sede atemorizam-me. Pego-lhe as mãos, nossos dedos se entrelaçam e os corpos unidos balouçam com as ondas.

De longe, muito longe, chegam-me vozes, muitas vozes, vozes muito antigas. As vozes frias dos mortos; as vozes dos vivos que gesticulam em volta dos castelos suplicando comida e agasalho; vozes portuguesas do Alentejo fluindo no ar trêmulo das manhãs; vozes hebraicas que imprecam e pregam; vozes inglesas que murmuram e soluçam; vozes brasileiras que suplicam e amaldiçoam; trêmulas vozes d’África procurando o sentido do mundo; vozes de Dante: “Misere di me, gridai a lui qual che tu sii, od ombra od omo certo!”; e o poeta que se agarra à última quimera para não enlouquecer, dizendo-me: “Atenta, amigo, para a modulação da voz, aprende a sua condensada chama, ali onde há de acender algum claro sentido, a menos que te bastem as estacas do ruído. As muitas vozes que perseguem nosso dia com suas águas turvas, suas lâminas, as que sempre esquecerás antes que calem e a que lembrarás por sua acesa chama; a voz da amada, lasciva e profana, a voz do nada, a voz muda, e a que te engana”. No meio de tudo, a voz de Potira murmurando: “Potira nde rausuba” (Potira te ama). Mas o primeiro naco assado da minha carne a danada vai comer com volúpia, por amor, para que eu, desfazendo-me em suas entranhas, fique entranhado para sempre em sua alma. Gosto dela mesmo assim: Potira fazendo sua própria vontade, Potira espetando seu próprio corpo, Potira mordendo-me com caninos de jaguarete, Potira unhando-me com unhas de suçuarana. Nhaêpepô-oaçu, meu matador, lasca já meu crânio com o ibirapema. Potira, pequena antropófaga, podes comer-me com prazer — que doce ventura ter teu corpo por sepultura!

De dentro da Lua, Potira me olha e enxerga o meu pensamento. Pingos de mel brotam-lhe dos olhos, adocicando-me o sofrimento. Uma auréola de pétalas circunda-lhe o rosto, embriagando com seu perfume o mundo. Fico zonzo, já não tenho pernas, nem braços nem corpo. A terra sumiu, a água sumiu e todos os bichos aquáticos desapareceram. Sem olhos, sem boca e sem ouvidos, apenas penso, ou penso que penso, pois não lembro das palavras, já não penso, apenas pressinto e sinto, um vulto entrando na cabana.

Fontes:
Dossier Amazónico. In Revista “Construções Portuárias” (Lisboa, 2002).
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http://www.triplov.com

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Nicodemos Sena (1958)

Nasceu no dia 8 de julho de 1958, em Santarém, Pará, Amazônia brasileira. Passou parte de sua infância entre os índios maués, na região de fronteira entre os estados do Pará e Amazonas, experiência que para sempre o marcaria. Em 1977, veio para São Paulo, onde se formou em Jornalismo, pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), e em Direito, pela USP (Universidade de São Paulo).

Em 1999, estreou com o romance “A espera do nunca mais – uma saga amazônica” (Editora Cejup, Belém, PA, 876 páginas).

Em 2000, “A espera do nunca mais” conquistou o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).

Seu segundo romance, “A noite é dos pássaros” (Editora Cejup, 136 pág., 2003), foi primeiramente publicado em forma de folhetim, no jornal “O Estado do Tapajós” (Pará, Brasil) e na revista eletrônica portuguesa “TriploV”.

Foi publicado no Dossier Amazónico, na revista literária portuguesa “Construções Portuárias” (nº01, 2002), no qual um trecho de “A noite é dos pássaros” foi incluído, ao lado de importantes escritores da Amazônia, como Max Martins, João de Jesus Paes Loureiro, Vicente Franz Cecim, Age de Carvalho, Benedicto Monteiro e Benedito Nunes.

Fragmentos de “A noite é dos pássaros” foram publicados nas revistas “Palavra em Mutação” (nº 02, 2003) e “Storm-Magazine”, ambas de Portugal. Em 2003, “A noite é dos pássaros” conquistou o prêmio Lúcio Cardoso, da Academia Mineira de Letras, e, em 2004, Menção Honrosa no prêmio José Lins do Rego, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).

Seus romances mereceram comentários em grandes jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Goiânia, Brasília e Belém do Pará (“O Globo”, “O Estado de São Paulo”, “Jornal da Tarde”, “Estado de Minas”, “Hoje em Dia”, “A Tarde”, “O Liberal”, “Jornal Opção”, “Caderno Brasília”) e da Cidade do Porto, em Portugal (“O Primeiro de Janeiro”).

Sobre sua ficção já se manifestaram importantes críticos e escritores brasileiros, entre os quais Antonio Olinto, Nelly Novaes Coelho, Olga Savary, Fábio Lucas, Oscar D’Ambrosio, Antonio Carlos Secchin, Dirce Lorimier Fernandes, Ronaldo Cagiano, Acyr Castro, Manoel Hygino dos Santos, Nelson Hoffmann, Carlos Nejar, Caio Porfírio Carneiro, Tanussi Cardoso e Adelto Gonçalves.

O escritor vem sendo considerado a revelação da literatura amazônica nos últimos anos, tornando-se verbete na “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, direção de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa (edição conjunta da Global Editora, Fundação Biblioteca Nacional, DNL, Academia Brasileira de Letras, 2ª edição, 2001). A obra ficcional de Nicodemos Sena expressa o conflito étnico — cultural entre dois mundos — o do colonizador europeu e o do índio autóctone. Por seu estilo vigoroso e a temática inspirada na vida das populações marginalizadas da Amazônia (índios e caboclos), a crítica já comparou esse romancista da Amazônia a grandes ficcionistas brasileiros, como Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro, Mário de Andrade e Érico Verissimo, e a importantes ficcionistas latino-americanos, como o paraguaio Augusto Roa Bastos e o peruano José María Arguedas. O escritor reside atualmente em Caraguatatuba, São Paulo, Brasil, onde, durante o ano de 2004, finalizou o seu terceiro romance, “A mulher, o homem e o cão”.
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Entrevista com Nicodemos Sena
Por Maria João Cantinho

Maria João CantinhoEm 1999, o panorama da literatura brasileira ficou marcado pela sua saga amazónica “A Espera do Nunca Mais”. Como romance de estreia, como guarda a experiência da sua escrita?

Nicodemos Sena – Eu tinha 41 anos quando foi publicado o meu primeiro romance. Um livro de 876 páginas! Muitas pessoas ainda me perguntam como pude, já na estréia, aparecer com um livro desse tamanho, e que logo de cara conquistou um prêmio nacional de literatura, o Lima Barreto, da UBE-União Brasileira de Escritores? Poucos sabem que escrevo desde pequeno. Aos 13 anos de idade, ainda morando na Amazônia, escrevi um romance que, sete anos depois, joguei fora por absoluta impossibilidade de revisá-lo, já que apresentava muitos defeitos. Eu era uma criança cheia de imaginação, mas ainda não tinha cultura literária para escrever um romance. Como quase todo adolescente, “cometi” também poemas românticos, que até foram publicados em “A Província do Pará”, então o maior jornal da Amazônia. Mas o meu veio “poético” logo secou. Nos quinze anos seguintes, já em São Paulo, enquanto estudava e trabalhava (e criava filhos, que cedo vieram), só me sobrava tempo para escrever histórias curtas, chegando até a ganhar um concurso de contos entre universitários, mas nunca me preocupei em reuni-los em livro. Como contista, eu tinha um sério problema: a história queria sempre continuar; era com certa relutância que eu concluía o relato. Por isso, talvez, apenas três contos sobreviveram; apesar dos protestos de minha mulher, a primeira leitora do que escrevo, joguei mais de trinta contos no lixo. Depois de passar pela poesia e pelo conto, voltei ao romance, à história longa. Era como se eu quisesse refazer o romance que eu escrevera aos 13 anos. Aos 34, formado em Jornalismo e Direito, larguei praticamente tudo para me dedicar à literatura. Num país como o Brasil, de relativamente poucos leitores e milhões de analfabetos, a opção pela literatura parecia uma loucura – foi o que acharam alguns amigos. Pois foi como um louco que me lancei na aventura de escrever o romance que veio a se chamar “A Espera do Nunca Mais”. Até saí de São Paulo e fui morar em São José dos Campos, uma cidade menor, onde, sem que nenhum editor soubesse que Nicodemos Sena estava escrevendo um romance, lancei-me ao trabalho, que me consumiu sete anos: um e meio em pesquisa, quatro escrevendo e mais um ano revisando. Foi como meter-me num túnel escuro e profundo sem saber se teria fôlego para sair do outro lado.

M.J.C. – Foi um longo exercício de maratonista. Poderia descrever a caminhada?

N.S. – Busquei inspiração estética na própria geografia amazônica, com seus labirintos de rios, a selva intrincada, os cipoais, a lentidão que a tudo rege. Nessa geografia, não só os rios, mas também as idéias, os desejos, os projetos de vir a ser, tramam labirintos. Alguém já me disse que meus livros são “barrocos”. Sim, são barrocos, como barroca é a região em que se ambientam as histórias. Barroca, aberta e canibal. O tempo na cultura amazônica é algo bem particular, suave. As horas são medidas pelas luas, pelos dias de canoa ou de barco para chegar a tal lugar. Pela época da piracema, a época da desova. O homem amazônico, o homem dos rios, é fruto daquilo que o cerca. Na Amazônia, “o rio comanda a vida”. “A Espera do Nunca Mais” reflete bem isso; é um livro líquido, com grandes remansos. Como nas lendas e mitos indígenas, a linearidade da trama é apenas aparente, pois a história, ou as histórias, vão e voltam, e o narrador não tem pressa em acabar o que está contando.

M.J.C. – Não falámos nisso, mas será que Graciliano Ramos teve algo a ver com a sua aventura?

N.S. – Como leitor, iniciei-me com os românticos brasileiros e portugueses – José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo, Bernardo Guimarães, Camilo Castelo Branco, o “primeiro” Machado de Assis – de forma que a leitura de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, quando eu tinha 15 anos de idade, foi uma verdadeira “paulada”. Até hoje, quando releio este pequeno grande livro, emociono-me. “Vidas Secas” (1938) conta a triste história de um casal de sertanejos, aviltados pelas mesquinhas condições de vida do campo, que procuram inutilmente cultivar. Fabiano, alma elementar, é subjugado pelo “soldado amarelo”, em cena de covardia. Quando sente que pode vingar-se, recua: “Governo é governo”. Mas, dentro daquela pobreza extrema, abre-se uma esperança para o casal infeliz, movido pela iniciativa da mulher, Sinhá Vitória – procurar região mais próspera: “E andavam para o sul metidos naquele sonho”.
Depois de Machado de Assis, Graciliano Ramos é, na minha opinião, o maior romancista brasileiro. Nele, a obra de arte cumpre sua função social, de não apenas entreter, mas principalmente “esclarecer as consciências e elevar a alma” acima de tudo o que é mesquinho. Mesmo num romance “psicológico” como “Angústia” (1936), ele não perdeu de vista o ambiente social. E nisso somos parecidos. Também mostro o homem simples engolido pela complexa trama social. Aprendi com Graciliano que um texto longo pode ser conciso, pode ser “líquido” sem ser aguado, amplo mas não esparramado, extenso mas não frouxo. Afora isso, somos bem diferentes. O texto de Graciliano é seco e sólido, quase pétreo, pois expressa a magreza gerada pela seca nordestina, enquanto o meu estilo é como a água que se amolda no espaço vasto e no tempo infinito da planície amazônica. Nos livros de Graciliano, as personagens expressam a aspereza do sertão, numa economia extrema; parece que o homem economiza até mesmo as lágrimas. Já as minhas personagens deixam-se levar, sem nenhuma pressa, pelas águas abundantes que brotam das cordilheiras e descem pelo Grande Vale; vou desfiando histórias que se cruzam, depois se bifurcam, e de novo se cruzam num lento e angustiante entrelaçar de pontas que terminam se juntando na mesma direção, como a labiríntica malha dos rios que vão desaguar no mar.

M.J.C. – Pode-se dizer que “A Espera do Nunca Mais” se situa em contra-corrente, relativamente ao que se faz no Brasil? O que o levou à escrita deste romance?

N.S. – Fernando Pessoa escreveu que a finalidade da arte não é agradar, mas elevar o homem por meio da beleza, erguer a alma acima de tudo quanto é estreito, acima dos instintos. Cervantes afirmou que o romance deve divertir e ensinar juntamente. Venho da Amazônia, um lugar de terríveis contradições. Ao lado da Amazônia paradisíaca, dos grandes rios e das florestas catedralescas, que desperta fascínio (e medo) em pessoas de todo o mundo, existe uma outra Amazônia – do genocídio do índio pelo branco, da exploração criminosa dos recursos naturais, do servilismo e escravidão, da destruição do antigo modo de vida nativo, sob o patrocínio do grande capital que invadiu a região nas últimas quatro décadas. A verdadeira face da tragédia que se chama Amazônia não é revelada ao mundo. Mostra-se apenas a terra exótica, de ninguém, espaço vazio e acéfalo a ser ocupado segundo planos elaborados pelos tecnocratas de Brasília ou do estrangeiro acumpliciados pelas corruptas elites locais.
Desde pequeno, convivi com a injustiça na região. Vi de perto a luta do pobre para sustentar a família, debaixo das piores humilhações; a guerra que é sobreviver nesse mundo, sem perder a dignidade. Dessa experiência de vida no paraíso/inferno amazônico extraí a matéria-prima usada no “A Espera do Nunca Mais”. Não escrevo apenas para divertir; também quero provocar uma reflexão sobre a “realidade”. Assumo, portanto, um compromisso ético. Não pode ser outro o comportamento do escritor numa sociedade que converte tudo (inclusive o imaginário) em mercadoria, uma sociedade que gera, em todos os setores da vida, inclusive nas artes, um certo “esplendor do vazio”; uma sociedade que avançou materialmente mas vai retrocedendo à barbárie; uma sociedade que cria consumidores de produtos descartáveis e não homens que valorizem as perenes coisas do espírito; uma sociedade da imagem, do espetáculo e do corpo, que valoriza o egoísmo e o sucesso a qualquer custo; uma sociedade urbana onde a palavra, que antes era sagrada e plena de sentido, chegou ao nível mais alto de estafa e esvaziamento; uma sociedade do “vale tudo” (tudo pelo mercado, tudo pelo sucesso, tudo pelo público), cuja lógica também tem condicionado a poesia e o romance. Infelizmente, muitos artistas acabam adotando os valores dessa sociedade. E a arte, que nasceu para questionar as aparências, revelar o oculto, esclarecer as consciências e elevar a alma, é convertida em mera diversão que aos homens imbeciliza. Diversão do “público”, que espera sempre coisas palatáveis. Ou diversão do autor, quando este se contenta com a “arte-pela-arte” ou se alheia “na linguagem”, esquecendo-se de que o artista, a arte e a vida precisam andar juntos.

M.J.C – Então não achas lícito desejar ser lido pelo maior número de leitores?

N.S. – Como artista, busco alcançar o “outro”, mas, quando me ponho a escrever, não penso no “leitor” ou no “público”, personagens imaginárias, que “não têm mais tempo para longas leituras”. Acho que um autor tem que correr riscos: não pode deixar-se escravizar pelos temas, ou pela exigência editorial, na esperança de agradar a quem o lê e obter sucesso de venda. O escritor precisa ser honesto naquilo que escreve e transparente consigo mesmo, obedecendo somente à sua própria consciência. No Brasil, país que possui um rico imaginário herdado dos índios nativos e dos africanos que foram trazidos como escravos, vem acontecendo uma sinistra “assepcia da imaginação”. Os escritores brasileiros precisam voltar a interessar-se pelo mítico e o antigo que estão na raiz da nossa cultura. Muitos romancistas, como mariposas atraídas pela lâmpada, na ânsia de agradarem ao público, deixam-se seduzir pelos temas mais explosivos, escrevendo textos que pouco diferem do relato jornalístico. No afã de integrar-se ao mundo civilizado, dito “moderno”, o escritor brasileiro, com poucas exceções, se esquece de que, faça o que fizer, será sempre um brasileiro.

M.J.C. – A globalização, em todo o mundo, tem sido o pior dos flagelos para a identidade cultural de cada país, não te parece?

N.S. – Sim. A perda da identidade nacional é uma das conseqüências funestas da globalização, uma verdadeira catástrofe. No mundo “globalizado” em que vivemos, podem até desaparecer as fronteiras visíveis da política e da economia, mas as diferenças do mundo invisível da cultura não se eliminam impunemente. Fica cada vez mais claro que o desprestígio da expressão local, das marcas do tempo, do vento e da terra, a pretexto de alcançar-se um elevado universal, não passa de imposição totalitária de culturas velhas, esgotadas, agonizantes. O mundo de cada um de nós é o mundo de todos os homens. O homem é o mesmo em qualquer parte do mundo. Podemos ser universais sem deixarmos de ser brasileiros (ou portugueses, ou italianos, espanhóis ou japoneses…), desde que o façamos com engenho e arte. Ouso afirmar que o “regional” e o “universal”, assim como a “humanidade”, em arte, não passam de abstrações vazias. Não existem. O que há é o ser humano concreto, que nasce, cresce e morre nalgum lugar. Captar esse homem, esse “outro”, que o próprio escritor traz dentro de si, com suas alegrias e tristezas, esperanças e decepções, heroísmos e vilanias, deve ser o objetivo do artista.

M.J.C. – A propósito dessa transformação do regional em universal, relembro aqui a obra de Vicente Franz Cecim, que é igualmente um caso de transfiguração da Amazónia e que, justamente, se transformou numa obra universal, considerando o seu universo mítico de Andara. Cecim é o único autor da Amazónia que chegou a Portugal, publicando “Ó Serdespanto” (Íman Edições, 2001). Mas existe uma constelação de escritores da Amazónia que nos é desconhecida, não é? Para nós, a quem apenas nos chega a literatura do Rio de Janeiro e de S. Paulo, que autores são importantes descobrir?

N.S. – Antes de falar dos escritores nativos, é bom lembrar que, até o século XIX, praticamente apenas europeus haviam escrito sobre a Amazônia – Gaspar de Carvajal, Cristóbal de Acuña, João Felipe Bettendorff, Luiz e Elizabeth Agassiz, Frederick Hartt, Alfred Russel Wallace, Carl Friedrich Philipp von Martius, Charles-Marie de La Condamine e tantos outros. Mais do que inventariar ou noticiar as maravilhas da nova terra, alguns estrangeiros pretenderam contar de forma “artística” as coisas do paraíso/inferno amazônico. Conan Doyle, Júlio Verne e Le Carré ambientaram histórias na Amazônia, produzindo páginas das quais não se pode afirmar que sejam o ponto alto de suas obras. O alemão Von Martius, com o material colhido em andanças pela Amazônia na primeira metade do século XIX, num momento de folga do seu trabalho de naturalista, escreveu “Frey Apolônio”, o primeiro romance ambientado no Norte do Brasil. A despeito dos defeitos de composição literária, o livro, ainda hoje, pode ser lido com interesse, pois Martius, que amava a Amazônia, era um excelente pintor de paisagens e costumes. Todavia, tais peças literárias fracassaram em seu intento de revelar ao velho mundo a fantástica realidade da nova terra, abrindo-se um abismo entre a imagem e a sua expressão. É que, nessas obras, o contexto invadiu o texto; a portentosa natureza amazônica fez o alienígena perder o ritmo e o fio da narrativa – talvez a única exceção à mediocridade dos textos escritos por europeus sobre a Amazônia seja a “Carta sobre o Tocantins” (1654), do padre Antônio Vieira.
“A Muhraida”, escrita em 1785 pelo tenente português João Wilkens, epopéia dos índios Muras do alto Amazonas, forjada nos moldes de “Uraguai” de Basílio da Gama e “Caramuru” de Santa Rita Durão, e publicada na mesma época, apresentando mais ou menos as mesmas virtudes e defeitos, não obteve, ao contrário das duas últimas obras, sucesso ou “fortuna crítica”. Mais sorte teve Ferreira de Castro, outro português, que escreveu, a partir de sua experiência de seringueiro no rio Madeira, o romance “A Selva” (1930), que se tornou repentinamente um “clássico”.
Depois dos estrangeiros, a Amazônia foi descrita por brasileiros de fora da região. O pernambucano Alberto Rangel escreveu o célebre “Inferno Verde” (1908, contos), com prefácio de Euclides da Cunha. O próprio Euclides, carioca, a exemplo do que já fizera com o Nordeste ao escrever “Os Sertões” (1902), legou-nos páginas inesquecíveis sobre a Amazônia, em “À Margem da História” (1909). O potiguar Peregrino Júnior escreveu “Matupá” (1933, contos), “Histórias da Amazônia” (1936, contos) e “Puçanga” (1930, contos). O carioca Gastão Cruls escreveu “A Amazônia Misteriosa” (1925, romance). O mineiro Oswaldo França Júnior – “De Ouro e de Amazônia” (1989, romance). Outro mineiro, Antonio Olinto – “Sangue na Floresta” (1992, romance). Partindo do mito amazônico de Macunaíma, referido por Koch-Grünberg num dos 5 volumes da obra “De Roraima a Orinoco”, o paulista Mário de Andrade escreveu a rapsódia de mesmo nome, onde fixa, de modo impressionante (embora questionável), a índole do homem Brasileiro, na face do “herói sem nenhum caráter”. Mais recentemente, o mineiro Aricy Curvello deixou-se enfeitiçar pelas coisas do Grande Vale; quando trabalhava para a Mineração Rio do Norte, que explora bauxita no rio Trombetas, escreveu o magnífico “O Acampamento” (1975), um dos melhores poemas do livro “Mais que os Nomes do Nada”.
A Amazônia, todavia, já pode se orgulhar dos seus próprios escritores, desde que Tenreiro Aranha (1769-1811), o mais antigo poeta autóctone, escreveu seus versos, a maioria extraviados no tempo. Alguns alcançaram até projeção nacional, como José Veríssimo, com “Cenas da Vida Amazônica” (1886), primeiro livro de contos amazônicos de que se tem notícia; Inglez de Souza, autor do clássico romance “O Missionário” (1891); Dalcídio Jurandir – “Chove nos Campos de Cachoeira” (1940); Benedicto Monteiro – “Verde Vagomundo” (1972, romance); Haroldo Maranhão – “Rios de Raiva” (1987, romance); Ildefonso Guimarães – “Senda Bruta” (1965, contos); Sant’Ana Pereira – “Invenção de Onira” (1988, romance) e Alfredo Garcia – “O Livro de Eros” (1998, contos). Mas é “Cobra Norato” (1931), do gaúcho Raul Bopp, o poema “amazônico” por excelência, a ele se ombreando apenas o “Repertório Selvagem” (1998, poemas) e “Berço Esplêndido” (2001, poemas), ambos de Olga Savary, e “Viagem a Andara, o Livro Invisível”, monumental obra ficcional e poética que Vicente Franz Cecim vem edificando há 23 anos.

M.J.C. – Achas que a política cultural dos dois países caminha no sentido de favorecer o intercâmbio cultural?

N.S. – Noto uma distância muito grande entre os dois países. A literatura portuguesa contemporânea é quase completamente desconhecida dos leitores brasileiros. No Brasil se fala muito de Fernando Pessoa e José Saramago, não apenas pela grandeza de suas obras, mas também porque outros, do mesmo porte, aqui não são editados. A distribuição das edições portuguesas é bem limitada. Desconfio que o governo português não tem desempenhado um grande papel no campo da divulgação da cultura e das artes portuguesas no Brasil. Os governos brasileiros, até onde eu sei, também pouco ou nada têm feito para levar a cultura e as artes brasileiras aos portugueses. Tem-se a impressão de que os dois países viraram de costas um para o outro. Ou será que estou enganado? Se pensarmos nos outros países de língua portuguesa, a coisa fica ainda mais complicada. Não contentes em não promover o necessário intercâmbio cultural, obstáculos absurdos à integração são criados, como, por exemplo, a recíproca cobrança de impostos sobre a entrada de livros em seus territórios, o que eleva o preço final do livro e inviabiliza a sua comercialização. A conseqüência principal dessa situação é o enfraquecimento da língua portuguesa, o nosso instrumento cultural mais importante.

Fontes:
http://www.releituras.com
http://www.storm-magazine.com

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Arquivado em notas biográficas, O Escritor em Xeque

H P LOVECRAFT (O NAVIO BRANCO)

The White Ship
Tradução de Marianna C. de Carvalho

Eu sou Basil Elton, responsável pelo farol de North Point, o mesmo deixado aos cuidados de meu pai e meu avô antes de mim. Distante da costa e acima de rochas escorregadias e submersas que podem ser vistas quando a maré está baixa, mas são imperceptíveis quando ela está alta se encontra o farol cinzento. Por ele passaram navios majestosos vindos dos sete mares. No tempo de meu avô eles eram muitos, no tempo de meu pai nem tantos, e agora eles são tão poucos que às vezes sinto-me estranhamente sozinho, como se eu fosse o último homem na Terra.

De terras distantes vinham aqueles antigos navios mercantes de velas brancas; de terras Orientais distantes onde sóis quentes brilham e doces aromas se perpetuam em estranhos jardins e graciosos templos. Os velhos capitães do mar geralmente vinham até meu avô e contavam-lhe sobre essas coisas que por sua vez ele contou ao meu pai, e meu pai contou-me nas longas tardes de outono quando o vento vindo do Leste soprava de forma assustadora. E eu lia mais sobre essas coisas, e sobre muitas outras também, nos livros que os homens me davam quando eu era jovem e maravilhado com elas.

Porém mais maravilhosa que a sabedoria de velhos homens e a sabedoria dos livros é a sabedoria secreta do mar. Azul, verde, cinza, escuro ou límpido; calmo, agitado ou turbulento; o mar não é silencioso. Durante toda a minha vida eu o observei e o escutei, e eu o conheço bem. De início ele me contou somente histórias simples e pequenas sobre praias tranqüilas e portos vizinhos, mas com o passar dos anos ele ficou mais amistoso e falou-me sobre outras coisas; sobre coisas mais estranhas e mais distantes no tempo e no espaço. Às vezes, no crepúsculo, os vapores acinzentados do horizonte começavam a me oferecer visões de caminhos distantes; e às vezes à noite as águas profundas do mar ficavam cada vez mais claras e fosforescentes, concedendo-me visões de seus caminhos. E essas visões eram tantas quanto os caminhos eram, podiam ser ou ainda são; pois o mar é mais velho que as montanhas, e repleto de memórias e sonhos de muitas Eras.

Do longínquo Sul era de onde o Navio Branco costumava vir quando a lua estava cheia e alta nos céus. Do longínquo Sul ele deslizava bem suave e silenciosamente sobre o mar. E o mar estando calmo ou agitado, ou o com o vento amistoso ou desfavorável, ele sempre conseguia deslizar suave e silenciosamente; com suas velas estáticas e suas longas e estranhas fileiras de remos movendo em perfeito ritmo. Uma noite eu espiei um homem sobre o convés, barbas e túnica longas, e ele pareceu acenar para que eu embarcasse rumo a terras longínquas e desconhecidas. Muitas vezes depois eu o vi sob a lua cheia, e ele não mais voltou a me acenar.

A lua brilhava profundamente na noite em que eu respondi ao chamado, e caminhei sobre as águas em direção ao Navio Branco sobre uma ponte de luar. O homem que me convidara agora me dava as boas vindas em uma língua suave que eu parecia conhecer bem, e as horas foram preenchidas por doces cantigas dos remadores à medida que deslizávamos rumo ao misterioso Sul, dourado pelo brilho daquela delicada lua cheia.

E quando o dia amanheceu cor de rosa e radiante, eu avistei as verdes planícies das terras distantes, ensolaradas e belas e desconhecidas para mim. Acima do oceano surgiam gigantescas fileiras de vegetação, ornadas com árvores, e mostrando aqui e lá telhados de um branco brilhante e colunas de templos estranhos. Ao nos aproximarmos da verde planície o homem de longas barbas contou-me sobre aquela terra, a terra de Zar, onde habitavam todos os sonhos e pensamentos belos que vêem aos homens e depois são esquecidos. E olhamos para a vegetação novamente e vi que o que ele disse era verdade, pois entre a paisagem diante de mim estavam muitas coisas que eu vira apenas através das brumas, além do horizonte e dos abismos fosforescentes do oceano. Havia também formas e fantasias mais esplêndidas que qualquer homem já conhecera; as visões de jovens poetas que morreram antes que o mundo pudesse aprender o que eles haviam sonhado ou visto. Mas nós não colocamos nossos pés sobre as encostas verdes de Zar, pois se diz que aquele que nelas pisa talvez nunca mais retorne a sua terra natal.

À medida que o Navio Branco se distanciava silenciosamente da planície repleta de templos de Zar, observamos no horizonte, a nossa frente, as torres de uma imponente cidade; o homem de longas barbas me disse “Esta é Thalarion, a Cidade das Mil Maravilhas, onde residem todos aqueles mistérios que o homem tem tentado, em vão, compreender”. E eu olhei novamente, a uma distância menor, e vi que a cidade era maior que qualquer cidade com a qual eu sonhara ou já vira. As torres de seus templos alcançavam os céus, assim nenhum homem seria capaz de alcançar as suas pontas; e bem distante, além do horizonte, estendia-se uma muralha cinza e lúgubre sobre a qual se poderiam espiar somente alguns telhados, estranhos e sinistros, adornados com ricos beirais e esculturas. Eu estava ainda mais ansioso para entrar nessa fascinante ainda que repelente cidade e implorei ao homem de barbas longas que me deixasse aportar naquele píer de pedra próximo ao enorme portal esculpido de Akariel; mas ele gentilmente negou o meu pedido dizendo, “Em Thalarion, a Cidade das Mil Maravilhas, muitos entraram, mas ninguém retornou. Em seu interior somente caminham demônios e criaturas loucas que há muito deixaram de ser humanas, e as ruas ficaram brancas com os ossos não-sepultados daqueles que olharam sobre o espectro de Lathi, aquele que reina sobre a cidade”. Assim o Navio Branco continuou sua viagem navegando ao lado da muralha de Thalarion, e seguiu por muitos dias um pássaro que voava rumo ao sul, cuja lustrosa plumagem se confundia com o céu de onde ele surgira.

Chegamos então a uma agradável costa que se mostrava atraente com suas flores de todas as tonalidades possíveis; tanto quanto nossa vista permitia alcançar seu interior podíamos ver bosques adoráveis e árvores radiantes repousando sob o sol do meridiano. À sombra além de nossa vista vinham trechos de música e canções líricas, entrecortados por gargalhadas tão deliciosas que eu instiguei os remadores a seguirem adiante no meu afã de alcançar aquela cena. E o homem de barbas longas não disse uma palavra, mas observou-me à medida que nos aproximamos da margem de terra ladeada por lírios. De repente um vento soprou vindo do prado e dos bosques frondosos trazendo um cheiro que me fez estremecer. O vento ficou mais forte, e o ar foi tomado pelo odor letal e pútrido de cidades devastadas pela peste e cemitérios descobertos. E quando navegamos como loucos para nos afastar daquela costa amaldiçoada o homem de barbas longas finalmente se pronunciou, dizendo: “Esta é Xura, a Terra dos Prazeres Inalcançados”.

Então mais uma vez o Navio Branco seguiu o pássaro do céu, sobre os mares quentes e abençoados, embalados por brisas aromáticas e acariciantes. Dia após dia, noite após noite navegamos, e quando a lua ficava cheia ouvíamos as suaves cantigas dos remadores, doces como naquela noite distante quando partimos para longe da nossa terra natal. E foi sob a luz do luar que ancoramos finalmente no porto de Sona-Nyl, que é protegida por dois promontórios de cristal que surgem do oceano e se encontram em um esplêndido arco. Essa é a Terra da Imaginação e nós seguimos a sua costa verdejante sob uma ponte dourada de luz do luar.

Em Sona-Nyl não há nem tempo nem espaço, nem sofrimento nem morte, e lá eu fiquei por muitíssimo tempo. Verdes são os bosques e pastos, brilhantes e perfumadas as flores, azuis e musicais os riachos, límpidas e frescas as fontes, e impressionantes e maravilhosos os templos, castelos e cidades de Sona-Nyl. Naquela terra não há fronteira, pois para cada visão bela surge uma outra ainda mais bela. Por toda a paisagem campestre e em meio ao esplendor das cidades o povo pode se locomover à vontade, de quem tudo é ofertado com uma graça intocada e uma felicidade genuína. Durante o longo tempo em que lá permaneci, perambulei extasiado por jardins onde pagodes pitorescos nos observam por de trás de agradáveis arbustos, e onde as calçadas brancas são ladeadas por flores delicadas. Escalei suaves colinas de cujos cumes eu podia ver paisagens extasiastes, com cidades verticais como torres de igrejas aconchegando-se em vales verdejantes, e as abóbadas douradas das cidades brilhando no horizonte infinitamente distante. E eu vi sob a luz do luar o mar cintilante, os promontórios de cristal, e o porto tranqüilo onde ficava ancorado o Navio Branco.

Foi numa noite, contra a lua cheia no imemorável ano do Tharp que eu vi a silhueta do pássaro celestial, e senti os primeiros indícios de inquietação. Falei então para o homem de barbas longas, e contei-lhe sobre a minha nova ânsia em partir rumo à remota Cathuria, aquela que nenhum homem jamais vira, mas que todos acreditavam encontrar-se além dos pilares de basalto do Oeste. Trata-se da Terra da Esperança, e nela brilha os ideais perfeitos de tudo que se conhece em todos os lugares, ou pelo menos é o que dizem. Mas o homem de barbas longas me disse: “Seja cauteloso com aqueles oceanos perigosos onde os homens dizem se encontrar Cathuria. Em Sona-Nyl não há nem dor nem morte, mas quem pode dizer o que jaz além dos pilares de basalto do Oeste?” Todavia, na lua cheia seguinte eu embarquei no Navio Branco, e com o relutante homem de barbas longas, eu deixei com alegria o porto para viajar por mares desconhecidos.

E o pássaro dos céus voou a nossa frente, e nos guiou em direção ao pilares de basalto do Oeste, mas desta vez os remadores não cantaram melodias doces sob a lua cheia. Na minha cabeça eu geralmente desenhava a Terra de Cathuria com seus palácios e caminhos esplêndidos, e me perguntava que novos deleites me aguardavam. “Cathuria” eu dizia a mim mesmo “é a morada dos deuses e terra das inumeráveis cidades de ouro. Suas florestas são de aloé e sândalo, mesmo os bosques de Camorin, e entre as árvores voam pássaros alegres cantando doces canções. Nas verdes e floridas montanhas de Cathuria encontram-se templos de mármore róseo, adornados com entalhes e pinturas que representam glórias, e em seus pátios há fontes de prata, onde as águas perfumadas que vem do rio Narg, cuja nascente se encontra em uma gruta, bramem encantadoras canções. E as cidades de Cathuria são cercadas por muralhas douradas, e seu calçamento também é de ouro. Nos jardins dessas cidades encontram-se estranhas orquídeas, e lagos perfumados cujos leitos são de coral e âmbar. À noite as ruas e os jardins são iluminados com lanternas vistosas feitas com casco de tartarugas de três cores, e lá ecoam as doces notas de um cantor e um tocador de alaúdes. E todas as casas das cidades de Cathuria são palácios, cada um deles construído sobre um perfumado canal que conduz as águas do sagrado Narg. De mármore e alabastro são feitas as casas, e cobertas com telhados de ouro brilhante que refletem os raios de sol e aumentam o esplendor das cidades como se os deuses jubilosos as observassem dos picos distantes. O mais belo de todos é o palácio do grande monarca Dorieb, aquele que alguns afirmam ser um semi-deus enquanto outros um deus. Sublime é o palácio de Dorieb, e muitas são as pequenas torres de mármore sobre suas muralhas. Em seus amplos salões multidões se reúnem, e lá pendem troféus conquistados há eras. E o teto é inteiramente feito de ouro, sustentado por altos pilares de rubi e lápis-lazúli, entalhados com imagens de deuses e heróis que faz com que aquele os fita tenha a impressão de estar contemplando o próprio Olimpo. E o piso do palácio é feito de vidro, sob o qual corre as iluminadas águas do Nargh, alegre com os pomposos peixes por ninguém conhecidos além da fronteira da amável Cathuria.”

Assim eu falava para mim mesmo sobre Cathuria, mas o homem de barbas longas sempre me alertava para voltarmos à afortunada Sona-Nyl; pois Sona-Nyl é conhecida pelos homens, enquanto ninguém conseguira chegar a Cathuria. E no trigésimo primeiro dia, guiados pelo pássaro alcançamos os pilares de basalto do Oeste. Envolvidos pela neblina estavam eles, assim nenhum homem podia espiar além ou ver o seu ponto mais alto – que na verdade alguns dizem chegar aos céus. E o homem de barbas longas mais uma vez implorou-me que voltássemos, mas eu não lhe dei atenção; pois da neblina além dos pilares de basalto eu imaginei que viriam as notas dos cantores e tocadores de alaúdes; mais doces que as mais doces canções de Sona-Nyl, e parecendo-se com meus próprios louvores; eu que viajara para longe da lua cheia e morara na Terra da Fantasia. Assim ao som da melodia o Navio Branco navegou pela neblina entre os pilares de basalto do Oeste. Então quando a música cessou e a neblina se dissipou, vimos que não havíamos chegado a Terra de Cathuria, mas sim a um mar revoltoso e indominável, sobre o qual nosso navio já sem esperanças era levado rumo a algum objetivo desconhecido. Logo chegaram aos nossos ouvidos o trovejar distante de quedas d’água, e aos nossos olhos apareceu, no horizonte distante a nossa frente, a rajada titânica de uma catarata monstruosa, onde os oceanos do mundo se encontram e deságuam em um abismo do nada. Então o homem de barbas longas me disse, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, “Nós rejeitamos a bela Terra de Sona-Nyl, à qual jamais retornaremos. Os deuses são maiores que os homens, e eles venceram.” E eu fechei meus olhos antes da queda que eu sabia que viria, impedindo a visão do pássaro celestial que batia suas asas azuis e orgulhosas sobre a correnteza.

Com a queda veio a escuridão, e eu ouvi os gritos de homens e de coisas que não eram humanas. Dos ventos tempestuosos do Leste eles surgiram, e deram-me calafrios como se eu me curvasse sobre uma laje de pedra que surgira sobre meus pés. Então eu ouvi mais uma batida e abri os olhos e me encontrei sobre a plataforma daquele farol de onde eu partira há muitos e muitos anos. Na escuridão abaixo surgiam os vastos contornos embaçados de um navio despedaçado sobre as rochas cruéis, e quando fitei os destroços vi que a luz havia se extinguido pela primeira vez desde que meu avô assumira o seu posto.

E nas tardes horas noturnas, quando eu fui para o interior da torre, vi que no calendário pregado na parede continuava lá como eu deixara na hora em que partira. Com o amanhecer eu desci a torre e olhei para os destroços sobre o rochedo, mas o que encontrei foi somente o seguinte: um estranho pássaro morto cujo tom era de um azul celeste, e um único mastro, de uma brancura maior que a da espuma do mar ou de uma montanha de neve.

E desde então o mar nunca mais me contou seus segredos; e embora muitas vezes a lua cheia tenha brilhado e se erguido nos céus, o Navio Branco do Sul nunca mais voltou.

Fontes:
Primeiras Traduções.
http://www.ichs.ufop.br/tradufop/?cat=1
Imagem = http://
www.monsores.net

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Arquivado em O Escritor com a Palavra

Machado de Assis (O Lince)

Em uma crônica publicada em 11 de novembro de 1897, ele confessava: “Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto“. Se você quiser encarar esses olhos, é imperativo que entenda essa confissão.

A essência da obra de Joaquim Maria Machado de Assis não se encontra na sua macro-estrutura, mas na micro-estrutura.

Os detalhes, como um gesto, um olhar, uma palavra aparentemente dita à toa, esparzidos ao longo de suas narrativas têm de ser devidamente “pescados” e colecionados, porque eles darão a chave para o entendimento de seus textos. Neles há um permanente jogo entre essência e aparência. A “história” de superfície é só um pretexto para discussões e denúncias de maior calibre. Existem o filosófico e a análise psicológica profunda que anteciparam conceitos que mais tarde Sigmund Freud teorizaria.

Machado não fez apenas a anatomia da sociedade patriarcal escravocrata de seu tempo, mas a do psiquismo humano com seus infinitos prismas.

Foi um esgrimista da palavra. Empunhando um estilo elegante e requintado, ele desfere golpes fulminantes e precisos contra a hipocrisia, a mediocridade, a vaidade, o egoísmo e a superficialidade que regem as relações humanas. Uma das características mais obsessivas de sua obra é o desvendamento da precariedade de nossa condição. As ridicularias cotidianas, alimentadas pela arrogância e pela pretensão, contrastam com a crueza da passagem do tempo e a iminência da morte. Exemplo disso é Marcela, a linda cortesã que manipulava e extorquia homens, como fez com o ainda adolescente Brás Cubas, em suas Memórias Póstumas. Ela se transformou numa mulher de meia idade com o rosto desfigurado pelas seqüelas da varíola, e chegou à velhice morrendo na indigência num leito miserável de hospital. Não restara nem uma centelha do fausto da época de juventude; nem uma pérola das muitas jóias que teve lhe valeu contra o avanço inexorável do tempo.

Mas a “dedicatória/bofetada” que abre as mesmas Memórias Póstumas de Brás Cubas, tecida de humor cáustico, formatada de modo a imitar o tom leve, casual e familiar que costumam ter as dedicatórias, apresenta um conteúdo ainda mais devastador:

Ao verme que primeiro roeu as frias
carnes do meu cadáver dedico como
saudosa lembrança estas
memórias póstumas.

O narrador escancara nossa condição de seres mortais e putrescíveis. A morte nivela; portanto todas as presunções de ordem material que constroem as diferenças de classe e de hierarquia são circunstanciais, vulgares, transitórias. Especialmente aquelas calcadas nas aparências e no poder econômico. Vivemos num mundo em que somos desencorajados a cultivar um repertório de virtudes duradouro e inabalável que arquitete um caráter, não irretocável, dado o limite do humano, mas positivo, no balanço final. Se houvesse tal encorajamento, o espaço entre nascer e morrer estaria justificado, e o viver teria alguma dignidade.

Mas Machado de Assis não concede a suas criaturas o poder de gerir, conduzir, transformar a própria vida ou a alheia. A existência naufraga numa lama gelada de equívocos, adiamentos, preguiças, vaidades, covardias, egoísmo, futilidades e acomodações.

Os personagens cometem sempre o terrível equívoco de tornar o essencial secundário e vice-versa. Isso promove a anulação da existência.

Suas obras não apresentam heróis. A esmagadora maioria, pode-se dizer que quase a totalidade de seus personagens, não apresenta caracteres, ainda que incidentais, exemplarmente positivos. Os personagens masculinos são, em geral, medíocres, de inteligência estreita, valores rasos, e a aceitação social de que desfrutam decorre do status que têm. É o caso de Brás Cubas (Memórias Póstumas de Brás Cubas), de Rubião (Quincas Borba) e de Bentinho (Dom Casmurro), afora muitos outros presentes em seus demais romances e contos. As personagens femininas não são melhores: frívolas e vaidosas, com interesses superficiais, detêm o domínio do jogo amoroso e da manipulação do outro. Há poucas imagens de sedução mais contundentes do que a passagem do conto “A Cartomante”, em que Camilo torna-se amante de Rita, a esposa de Vilela, seu melhor amigo.

(…) Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado.

Pequenos detalhes ou incidentes podem sintetizar psicologicamente uma personagem. Veja-se no romance Esaú e Jacó o caso de Natividade, esposa do Santos, com quem casara aos 20 anos. Belíssima, afeita aos encontros sociais, ela passou dez anos casada sem filhos e sem evitá-los. Mas aos 30 anos foi surpreendida por uma gravidez. Ela reagiu assim:

(…) Lá se iam bailes e festas, lá ia a liberdade e a folga. Natividade andava já na alta roda do tempo; acabou de entrar por ela, com tal arte que parecia haver ali nascido. Carteava-se com grandes damas, era familiar de muitas, tuteava algumas. Nem tinha só esta casa de Botafogo, mas também outra em Petrópolis; nem só carro, mas também camarote no Teatro Lírico, não contando os bailes do Cassino Fluminense, os das amigas e os seus; todo o repertório, em suma, da vida elegante. Era nomeada nas gazetas. Pertencia àquela dúzia de nomes planetários que figuram no meio da plebe de estrelas. O marido era capitalista e diretor de um banco.

No meio disso, a que vinha agora uma criança deformá-Ia por meses, obrigá-Ia a recolher-se, pedir-lhe as noites, adoecer dos dentes e o resto? Tal foi a primeira sensação da mãe, e o primeiro ímpeto foi esmagar o gérmen. Criou raiva ao marido. A segunda sensação foi melhor. A maternidade, chegando ao meio-dia, era como uma aurora nova e fresca. Natividade viu a figura do filho ou filha brincando na relva da chácara ou no regaço da aia, com três anos de idade, e este quadro daria aos trinta e quatro anos que teria então um aspecto de vinte e poucos…
Foi o que a reconciliou com o marido.

Nenhuma mulher é obrigada a reagir bem à notícia de uma gravidez, ainda que seja responsável por ela. Mas note-lhe os motivos: perda de liberdade, deformação do corpo, enfim, frivolidades que a levaram a embirrar com o esposo. Repare, sobretudo, no que promoveu sua reconciliação com ele: ter filhos ao “meio-dia” da vida, aos 30 anos, a rejuvenesceria! Em nenhum momento ela considera o fato em si: ter filhos, e a gravidade e conseqüências do acontecimento, como a responsabilidade de tê-los, por exemplo; é mais um evento social, só que de maior duração. Perceba também que ela imagina os inconvenientes de ter a criança (noites mal dormidas, nascimento dos dentes), mas quando percebe que o filho poderia rejuvenescê-la, procura enquadrar essa possibilidade numa cena aprazível em que o personagem “bebê” está no colo da ama, não no dela, a mãe. Ela delega-o à criada, transferindo de antemão à serviçal os cuidados que ele acarretaria. Pois ela os teve, foram gêmeos e brigaram desde o seu ventre até depois de sua morte.

Quanto ao marido, o Santos, já tinha sido pobre. Quando se casaram não tinham nada, mas amealharam fortuna e desfrutavam de excelente condição social. Veja a ironia fina com que demonstra a mesquinhez do personagem e o gosto que ele tem pelo poder que ser rico acarreta, sobretudo o de se colocar acima dos familiares que não tiveram a mesma sorte que eles.

Dos dous parentes pobres de Natividade morreu o pai em 1866, restava-lhe uma irmã. Santos tinha alguns em Maricá, a quem nunca mandou dinheiro, fosse mesquinhez, fosse habilidade. Mesquinhez não creio, ele gastava largo e dava muitas esmolas. Habilidade seria; tirava-lhes o gosto de vir cá pedir-lhe mais.

Os exemplos são numerosos e dariam um livro (ou uma coleção deles), mas existem muitos outros aspectos relevantes em sua produção. O anticlímax é um deles. O anticlímax consiste na técnica de se criar um conflito com possibilidades de resolução aparentemente previsíveis e frustrar essa previsibilidade, ou esfriando o conflito, ou dando a ele uma solução imprevista, surpreendente. Importa lembrar que Machado de Assis herdou um público leitor com expectativas extraídas da literatura romântica com seus sentimentalismos e idealidades. A estrutura narrativa dos romances e novelas do período que antecedeu o autor era, até certo ponto, previsível, especialmente a finalização dos conflitos: ou se tinha o clássico “final feliz”, ou o trágico, que freqüentemente envolvia a loucura e/ou a morte. A opção por um desses dois extremos era determinada, em geral, pela solução do conflito amoroso que era nuclear no Romantismo: se houvesse conciliação amorosa, o final era positivo; caso contrário, negativo.

Machado pertence cronologicamente ao Realismo, movimento que se opõe ao Romantismo. Assim, o anticlímax era um dos modos de neutralizar o olhar viciado no binômio “felicidade ou desgraça” dos leitores que herdou e de estabelecer os princípios da nova escola, especialmente no que se refere ao combate ao idealismo romântico. É de fundamental importância ressaltar que a tarefa de contextualizar esteticamente o autor é delicada. Além de sua inclusão cronológica no Realismo, não se pode ignorar que ele antecipou vários aspectos do Modernismo. E há que se considerar, sobretudo, seu estilo personalíssimo. Tudo isso o torna único, tão único que ele não teve discípulos diretos. Machado de Assis fez mais, ele inaugurou perspectivas sobre o seu tempo e lugar, bem como sobre o que é universal. A partir dele, temos muitos autores que lhe emprestaram o olhar e o adaptaram incorporando-o às suas obras, muitas vezes com talento e competência próprios, mas nenhum com sua agudeza, sua finura.

Quando se lê Machado de Assis, é possível imaginá-lo desde o alto de seu ver, assistindo ao terrível espetáculo do mundo; rindo-se dos esquetes ilusórios de fugaz alegria que permitem ao ser humano tolerar o estar em cena.

Foca, implacável, com seu poderoso telescópio a degeneração moral daqueles que são a gente que manda, ou que é invejada; a subserviência ora ressentida, ora conformada que apequena ainda mais aqueles que obedecem. Machado fulmina o maniqueísmo, ou seja, aquela visão de mundo que divide os seres humanos entre bons e maus, sem categorias intermediárias. Prova disso é o escravo Prudêncio, que servia a Brás Cubas desde a infância de ambos. O pequeno era vítima constante da tirania de seu senhor; mas quando cresceu e ganhou a alforria, teve ele mesmo seu escravo, e o tratava com os mesmos requintes de crueldade com que fora tratado. Não para vingar-se dos maus-tratos passados, mas porque a truculência não é um triste privilégio de classe ou de etnia: ela é humana.

A perspectiva literária desse escritor, quer narre em primeira pessoa (além de narrador, personagem) ou em terceira (apenas narrador), é suprema; e em qualquer das duas hipóteses, pode-se sentir sua enérgica presença, pois ele conversa com o leitor, instiga-o, ironiza-o, sacode-o, mas jamais o adula.

Mas não pense que Machado de Assis, adepto do niilismo, filosofia da negação total de tudo, do pessimismo absoluto cósmico, era só fel. O humor é seu principal recurso crítico. No conto “A Sereníssima República”, por exemplo, ele fabula uma república de aranhas, e a partir daí faz uma crítica sarcástica às fraudes eleitorais e políticas de um modo geral. Aquela república resolveu fazer um sistema de eleições. Para tanto, as aranhas teceram um saco para colocar as bolas com os nomes dos candidatos a serem sorteados.

A eleição fez-se a princípio com muita regularidade; mas, logo depois, um dos legisladores declarou que ela fora viciada, por terem entrado no saco duas bolas com o nome do mesmo candidato. A assembléta verificou a exatidão da denúncia, e decretou que o saco, até ali de três polegadas de largura, tivesse agora duas; limitando-se a capacidade do saco, restringia-se o espaço à fraude, era o mesmo que suprimi-la. Aconteceu, porém, que na eleição seguinte, um candidato deixou de ser inscrito na competente bola, não se sabe se por descuido ou intenção do oficial público. Este declarou que não se lembrava de ter visto o ilustre candidato, mas acrescentou nobremente que não era impossível que ele lhe tivesse dado o nome; neste caso não houve exclusão, mas distração. A assembléia, diante de um fenômeno psicológico inelutável, como é a distração, não pôde castigar o oficial; mas, considerando que a estreiteza do saco podia dar lugar a exclusões odiosas, revogou a lei anterior e restaurou as três polegadas. (ASSIS, Machado de. A Desejada das Gentes e Outros Contos. São Paulo, Moderna, 1997).

A habilidade narrativa do autor é tamanha que gerou obras até hoje polêmicas, como é o caso de Dom Casmurro, a principal delas. Até hoje acadêmicos, estudantes e leitores comuns batem-se pela questão: Capitu traiu ou não traiu Bentinho, como ele afirma no romance que o tem como foco narrativo? Consta que houve até a simulação de um julgamento da personagem promovido pelos estudantes de Direito da Faculdade de São Francisco, ligada à Universidade de São Paulo. Ela foi absolvida por falta de provas. Os dois grupos, o dos favoráveis à idéia de que houve o adultério e o de seus opositores, discutem apaixonadamente, e também inutilmente, porque a obra é um duplo perfeito. Ambas as possibilidades são defensáveis, mas nenhuma delas cabais. De fato, essa nem é a principal questão do livro, e seria preciso muitas resmas de papel para se entrar nesse assunto.

Machado de Assis é uma vastidão, um cosmo, um infinito jogo de espelhos. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “A um Bruxo, com Amor”, belíssima homenagem ao autor, afirma: “Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro”. Quem não leu Machado de Assis, não leu sequer uma linha.

Fonte:
Revista Discutindo Literatura. Edição 4. SP: Escala Educacional. p.30

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