Arquivo do mês: dezembro 2010

Trova 186 – José Feldman (PR)

Montagem sobre imagem (ondas) obtida em http://www.TecnoCientista.info

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Maria da Graça Stinglin de Araújo (Livro de Trovas)

Buscar caminhos amenos,
inovar o dia-a-dia,
errar menos…sempre menos…
também é sabedoria.

Curitiba, da magia,
tem beleza, tem lisura.
Curitiba, muito fria…
mas… só na temperatura!

Faça o trânsito seguro.
Só dirija com cuidado.
Não deixe o outro no apuro…
Está certo? Combinado!

Jovens estão temerosos?
Estimule-os a aprender,
tornando-os bem poderosos
com o domínio do saber.

Linda Noite de Natal!
Nessa noite, muita luz,
brilha a estrela principal,
renasceu nosso jesus!

Na linda manhã de sol
ouvi uma canção tão bela…
Eu debaixo do lençol
e a cigarra na janela!

Os conselhos agradáveis
muitas vezes são tão fúteis,
totalmente dispensáveis.
Bons conselhos são os úteis.

Por incrível que pareça,
a pessoa que é ranzinza
leva acima da cabeça
uma leve nuvem “cinza”.

Primavera… ipês floridos,
pássaros alegres cantam.
Jardins estão coloridos…
todos eles nos encantam!

Quem trafega com atenção
demonstra conhecimento,
melhora a circulação…
e evita aborrecimento!

Todos os anjos e santos
de maneira especial,
consolam os nossos prantos,
com piedade angelical.

Trovadores… luz… ribalta!
No cenário: a poesia.
Trova nasce… verso salta…
na maior coreografia.

Um abraço com frequência
sempre muito amor nos traz.
Ele desarma a violência,
constrói um mundo de paz.

Vem na natureza… em cota!
O dom de ser escritor…
Muitas vezes ninguém nota,
e o texto está numa flor!

Fontes:
União Brasileira dos Trovadores.
Portal CEN

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Arquivado em livro de trovas, Paraná

Maria da Graça Stinglin de Araújo (1947)

Nasceu no dia 28 de dezembro de 1947, em Curitiba, Paraná, onde sempre residiu.

Casada. Professora de Português, Francês e respectivas literaturas. Pós-graduada em Magistério Superior e Ensino Religioso.

Artesã, apreciadora de arte em geral. Trovadora, iniciou no mundo da Trova trabalhando em sala de aula.

Voluntariamente, desde 1999 leva às escolas um trabalho de incentivo aos jovens, no conhecimento da Trova.

Colaborou na elaboração do livro “Papalavras” 2004, onde se registra a primeira participação de alunos no concurso de trovas dos “Jogos Florais” em Curitiba.

Participou em 2006, na “Semana de Estudos Pedagógicos” na Prefeitura Municipal de Curitiba, como docente em Oficina de “Trova em Sala de Aula”, para professores do Ensino Fundamental da mesma Instituição.

Vice-presidente de Cultura da UBT-Curitiba – biênio 2007/2008.

Eleita presidente, para o biênio 2009/2010,da referida Seção, que tinha como projeto iniciar em março de 2010 um trabalho mensal de “Oficina de Trova”, em parceria com a Academia Paranaense de Poesia, em espaço cedido pela Biblioteca Pública do Paraná.

Fonte:
União Brasileira dos Trovadores.

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Arquivado em Biografia, Paraná

Ialmar Pio Schneider (Soneto para o Ano Novo)

Fontes:
– O Autor
– Imagem obtida no Baixaki

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Arquivado em datas comemorativas, O poeta no papel, Rio Grande do Sul

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.81)

Trova do Dia

O Ano Velho já se deita…
e amenizando os cansaços
o Ano Novo chega e ajeita
a esperança em nossos braços.
WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ/PR

Trova Potiguar

Este ano, já moribundo,
chora por não ser capaz
de ao menos puxar o mundo
para mais perto da paz!
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS -Estadual
Tema > Natal > 5º Lugar

Pratique o bem, ore e peça
por seus irmãos em vigília;
Natal com Cristo começa
em nós, no lar, na família!
ANTONIO VOGEL SPANEMBERG/RS

Uma Trova de Ademar

Vou pedir pra todo o povo,
em preces e em orações,
muita paz neste Ano Novo…
muito amor nos corações!
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram:

Chega o Natal… e as criança,
na pobreza sem brinquedo,
não tendo mais esperanças
ficam adultas mais cedo.
NYDIA IAGGI MARTINS/RJ

Estrofe do Dia

Quero desejar ao povo
de todas as regiões,
que tenham nesse Ano Novo
muitas realizações;
e que os nossos corações
se superlotem de paz,
pra não ter guerra jamais
peço a Deus que nos ajude,
com paz, amor e saúde
que o resto vamos atrás.
ADEMAR MACEDO/RN

Soneto do Dia

– Edmar Japiassú Maia/RJ –
RÉVEILLON.

Os fogos de artifício mostram claras
das pessoas as faces coloridas,
e no espocar, alegre, das bebidas,
rolam champanhas em cascatas raras…

As frases de euforia, repetidas,
guardam mensagens de emoções mais caras,
e um reflorir constante das searas,
semeando esperança em nossas vidas…

A contagem do tempo, regressiva,
uníssona retumba, forte e viva,
no anseio do Ano Novo…do Ano Bom.

E em cada olhar, brotando, cristalinas,
as lágrimas são preces das retinas,
em louvação de graça ao Reveillon!

Fonte:
Ademar Macedo

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Arquivado em datas comemorativas, Mensagens Poéticas

Abgar Renault (Antologia Poética)

ENCANTAMENTO

Ante o deslumbramento do teu vulto,
sou ferido de atônita surpresa
e vejo que uma auréola de beleza
dissolve em luar a treva em que me oculto.

Estás em cada reza do meu culto,
sonhas na minha lânguida tristeza
e, disperso por toda a natureza,
paira o deslumbramento do teu vulto.

E’ tua vida minha própria vida
e trago em mim tua alma adormecida . . .
mas, num mistério surdo que me assombra,

tu és, as minhas mãos, vaga, fugace,
como um sonho que nunca se sonhasse
ou como a sombra vã de uma outra sombra…

ALEGORIA

Em vão busco acender um diálogo contigo:
a alma sem tom da tua boca de água e vento
despede cinza, névoa e tempo no que digo,
devolve ao chão o meu mais longo pensamento,

e entre cactos estira esse deserto ambíguo
que vem da tua altura ao vale onde me ausento,
procurando o teu verbo. O silêncio, investigo-o,
e ouço o naufrágio, o vácuo e o deperecimento.

Sonho: desces a mim de um céu de algas e rosas,
falas às minhas mãos vozes vertiginosas,
e palavras de flor no teu cabelo enastro.

Desperto: pairas ainda em silêncio e infinita:
meu ser horizontal chora treva e medita
tua distância, teu fulgor, teu ritmo de astro.

SONETO DO IMPOSSÍVEL

Não ouvirás nem luz, nem sombra inquieta
das sílabas que beijam tuas asas,
nem a curva em que morre a ardente seta,
nem tanta eternidade em horas rasas.

Não medirás a bêbeda corola
que abriste no final do meu sorriso,
nem tocarás o mel que canta e rola
na insônia sem estradas onde piso.

Não saberás o céu construído a fogo,
que tua jovem chave cerra e empana,
nem os braços de espuma em que me afogo.

Não verão os teu olhos quotidiana
a minha morte de homem embebida
no flanco de ouro e luar da tua vida.

COMO QUEM PEDE UMA ESMOLA

Preciso de uma palavra.
Em que dia ou em que noite
estará essa, que almejo,
ideal palavra insabida,
a única, a exclusiva, a só?
Dela me sinto exilado
todas as horas por junto,
com minha face, meu punho,
meu sangue, meu lírio de água.
Soletro-me em tantas letras,
e encontrá-la deve ser
encontrar a criança e o berço,
a unidade, a exatidão,
o prado aberto na rua,
a rua galgando a estrela.
Preciso de uma palavra,
uma só palavra rogo,
como quem pede uma esmola.
Em florestas de palavras
os calados pés caminham,
as caladas mãos perquirem,
os olhos indagam firmes.
Em que parábola cruel,
em que ciência, em que planeta,
em que fronte tão hermética,
em que silêncio fechada
estará viajando agora
– mariposa de ouro azul –
a palavra que desejo?
Lâmina sexo cristal
fulcro pântano convés
voraginoso fluvial
Antígona circunflexa
catastrófico crepúsculo
ênula ventre rosal
sibila farol maré
desesperadoramente
nenhuma será nem é
aquela do meu anseio.
Como será, quando vier,
a palavra entrepensada,
necessária e suficiente
para a minha construção
de lápis, papel e vento?
Dura, espessa, veludosa
ou fina, límpida, nítida?
Asa tênue de libélula
ou maciça e carregada
de algum plúmbeo conteúdo?
Distante, insone e cativo,
debaixo da chuva abstrata,
eu me planto decisivo
no tráfego confluente,
aéreo, terrestre, marítimo,
e espero que desembarque,
triste e casta como um peixe
ou ardendo em carne e verbo,
e pouse na minha mão
a áurea moeda dissilábica,
a noiva desconhecida,
a coroa imperecível:
a palavra que não tenho.

NA RUA FEIA

Na rua feia,
de casas pobres,
morreu o filhinho daquela mulher
que lava o linho rico
de um bairro distante.
Morreu bem simplesmente,
assim como um passarinho.
O enterro saiu…lá vai…
um caixãozinho azul
num carro velho de 3a. classe.
Atrás dois autos. Dois.

A tarde irá pôr luto
na rua feia,
de casas pobres?

Garotos brincam de esconder
atrás do muro de cartazes.
Lá no alto
vai-se abrindo grande céu sem mancha
cruzeiro-do-sulmente iluminado.

POEMETO MATINAL

O ar da manhã beija a minha face.
A minha alma beija o ar leve da manhã
e olha a paisagem longínqua da cidade,
que branqueja alegremente na distância
e sorri humanamente
um sorriso branco no caiado das casas
que montam os flancos das colinas azuis
e espiam pelos olhos escancarados das janelas.

7 horas. Vai começar a função.
O despertador das sirenes fura liricamente
o silêncio doirado da manhã.
Parece que a vida acorda agora pela primeira vez
e esfrega os olhos deslumbradamente…

Meu Ford fordeja dentro da manhã
e sobe a rua velha do meu bairro,
arquejando, bufando, fumando gasolina.
Meu Ford a cabriolar nos buracos da rua descalça
é um cabrito todo preto a cabriolar, prodigioso.
O ar leve beija o radiador
e beija a minha face.

A meninice de todo o meu ser
na doirada névoa desta manhã!

NOITE

Há duas pombas brancas no telhado.
Junto delas pousa o silêncio do dia já parado,
e entre asas caladas o primeiro gesto da noite vai crescendo.
É tarde nos telhados e nas árvores,
é tarde (triste e mais tarde) nessa rua
que se reabriu no fundo de um olhar,
onde se movem ressurrectos mármores
e começam a discorrer ventos e velas
por sobre a limpidez das mesmas águas velhas,
e pássaros azuis bicam frutos de astro soltos no ar.

Sobem (de onde?) vultos escuros de coisas e de entes,
alongam a última distância, somem a luz que se destece
e a linha dos caminhos, apagam o verde prado.
Não há duas pombas brancas no telhado:
sobre elas, seu vôo e seu arrulho ausentes
a lápide sem cor das horas desce.

Fonte:
Jornal de Poesia

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Arquivado em Antologia Poética, Minas Gerais

Abgar Renault (1901 – 1995)

Abgar Renault (A. de Castro Araújo R.), professor, educador, político, poeta, ensaísta e tradutor, nasceu em Barbacena, MG, em 15 de abril de 1901, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 31 de dezembro de 1995.

Era filho de Léon Renault e de Maria José de Castro Renault. Casado com D. Ignês Caldeira Brant Renault, teve dois filhos, Caio Márcio e Luiz Roberto, e três netos, Caio Mário, Abgar e Flávio.

Realizou os estudos primários, secundários e superiores em Belo Horizonte, onde começou a exercer o magistério.

Foi professor do Ginásio Mineiro de Belo Horizonte, da Universidade Federal de Minas Gerais e, no Rio de Janeiro, do Colégio Pedro II e da Universidade do Distrito Federal.

Eleito deputado estadual por Minas Gerais, nomeado Diretor da Secretaria do Interior e Justiça do mesmo Estado; Secretário do Ministério da Educação e Saúde Pública Francisco Campos e seu Assistente na Secretaria da Educação e Cultura do Distrito Federal;

  • Diretor e organizador do Colégio Universitário da Universidade do Brasil;
  • Diretor do Departamento Nacional da Educação,
  • Secretário da Educação do Estado de Minas Gerais em dois governos, quando se notabilizou por incentivar o ensino no meio rural;
  • Ministro da Educação e Cultura;
  • Diretor do Centro Regional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro em Belo Horizonte;
  • Ministro do Tribunal de Contas da União;
  • membro da Comissão Internacional do Curriculum Secundário da Unesco (1956 a 1959);
    consultor da Unesco na Conferência sobre Necessidades Educacionais da África, em Addis Abeba (1961);
  • membro da Comissão Consultiva Internacional sobre Educação de Adultos, também da Unesco (1968-1972);
  • representante do Brasil em numerosas conferências internacionais sobre educação levadas a efeito pela Unesco em Londres, Paris, Santiago do Chile, Teerã, Belgrado e Genebra;
  • eleito várias vezes membro da Comissão de Redação Final dos documentos dessas reuniões;
  • membro da Comissão Consultiva Internacional do The World Book Encyclopædia Dictionary (Thorndike-Barnhart Copyright, Doubleday & Company, USA, 1963);
  • membro do Conselho Federal de Educação e do Conselho Federal de Cultura;
  • Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.

    Esteve sempre ligado à educação e, como professor, preocupou-se com a língua portuguesa, de que foi um conhecedor exímio e representante fiel.

Pertenceu à

  • Academia Mineira de Letras,
  • Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte,
  • Academia Brasiliense de Letras;
  • Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Stanford, Califórnia, EUA, e
  • Presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa de Belo Horizonte.

    Em todos os postos que ocupou, como no magistério, Abgar Renault desenvolveu intensa e exemplar atividade, registrando em A palavra e a ação (1952) e Missões da Universidade (1955) seus estudos e reflexões.

    Além disso, foi um grande poeta. Contemporâneo de Carlos Drummond de Andrade, juntou-se ao grupo surrealista moderno e participou do movimento modernista de Minas Gerais. Desde então, sua importância na literatura contemporânea só fez crescer. Apesar de ter a obra associada ao Modernismo, fazia uma poesia original, audaciosa, não formalista e não ligada a nenhuma escola poética. Era dos que não faziam questão de aparecer em público, mas sua qualidade literária se impõe nos livros que publicou.

    Foi também um notável tradutor de poetas ingleses, norte-americanos, franceses, espanhóis e alemães. Era um grande especialista em Shakespeare. Sua poesia tem sido incluída em numerosas antologias, no Brasil e no exterior.

    Quinto ocupante da Cadeira 12, da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1º de agosto de 1968.

    Bibliografia

    Obras:
    Sonetos antigos (1968);
    A lápide sob a lua, poesia (1968);
    Sofotulafai, poesia (1971);
    A outra face da lua, poesia (1983);
    Obra poética, reunião das obras anteriores (1990).

    Traduções:
    Poemas ingleses de guerra (1942); A lua crescente (1942), Colheita de frutos (1945) e Pássaros perdidos (1947), de Rabindranath Tagore;
    O boi e o jumento do Presépio (1955), de Jules Supervielle.
    Essas obras foram reunidas, em grande parte, em Poesia Tradução e versão (1994).

    Fonte:
    Academia Brasileira de Letras

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Deth Haak (Antologia Poética)


DA LUA AO POETA…

Ser aluado ou disperso é o viver do poeta
Que a pena dissipa suas dores e compulsões
Imergindo inversas letras ao vento que o ata
Olhando outros olhos a miragem das ablações.

Pode parecer flutuar encantado com o que versa
Diz não a sofreguidão, deitando em constelações;
Que luzem sois na beleza do existir que perpassa
Enjeitando as aflições de suas tantas emoções…

Só há flores em seu vergel, e ao acúleo congraça,
O negrume em rendilhas bordadas na imensidão
Ri da dor no verso lido odora o lodo e a traça…

O Poeta faceta em rosas o desejar da imaginação
Transmuda o viver obscuro aos olhos de toda praça
Lamentos que despem a lua no gozar da alucinação.

ESCULPI O VENTO…

Despertar afoito no sol que desponta
Na morna canção num solo da brisa
Insuflando a completude que decanta
Rompendo muralhas alisando e frisa,

Diálogos afagados, a natureza monta
beleza esculpida que a erosão alisa .
sutilezas em cinzéis ventados em data
conturbada na memória que encanta.

Lacerando Dunas e Falésias dum amar
erosões do vento que conto no momento,
e permaneço embebida na visão do mar .

Que insiste salivar a rocha ,na sede do tempo
lambendo o fruto proibido em seu acariciar.
Flui da aragem, liras lúbricas no sentimento..

LONGA MADRUGADA…

De arcabouços carcomidos, estafados e ansiosos
Envolto a asperezas dissonantes das notas dum jazz
Náufragos embevecidos de pensamentos nervosos
Entre libar dum rubro tragado o debilitar que satisfaz…

Embalados a canções balouçadas de eus silenciosos
Buscando quem sabe onde, o acalentar de seus ais.
Lágrimas que vertem nas faces, de vultos curiosos
Providas de ilusos perdidos, balizados no olhar fugaz…

Na disfarçada melancolia, a corroer tantos corações ociosos.

Fundeados no ar denso, mitigando canchas de templos e sagas,

Definindo os semblantes, almas mortas de sonhos preciosos…

O fulgurar mesmo que diuturno o alvorecer dos sorrisos
Entre cinzas espalhadas sob as guimbas. Na brasa voraz,
O arder da musica, sons alcoolizados, afligindo orgulhosos.

A DERIVA DO AMOR…

Revoltada a ventania e o marejar irado
Deste dia, em que sonho querências.
Do afagar aquecendo o imo, no aguardo
Da bonança a envolver-me em caricias…

Naufraga imaginando as espumas brancas,
Mareada…. Na ilusão duma espera suportada.
A deriva a paixão faz água nas molancas,
E Inunda o barlavento na onda quebrada…

E , nesse nadar marolas ateadas, eu te navego
Oceano! Entrevendo ao longe, a tábua do amor
Mitigando o que vem, no sentir que a ti renego,

E apenas no sonhar a sanha, a ti me entrego
Alcançando o mastro imerso no escarcéu do ardor.
Boiando no contemplar das ondas aguçando o ego!

CHOVE EM MIM…

Inunda chuva molhando meu ser
Umedecendo o solo do escrever
Germinando vaga a triste realidade.

Lacrimejada nos olhos de quem lê;
E chora o Poeta a tamanha saudade
Descrita no tempo do não sabe por quê.

Que nas pardacentas folhas da idade
O Vento sopra á noite ruelas de mim
Enclausuradas na cruel infelicidade…

Ateando a poeira mundana no argüir
Os traços deixados no caminhar
Rimas crivadas dum amor sem fim…

Refaz o pulsar de o imo a premunir,
A tempestade de nuvens a entoar
O redivivo borrão, chovido nanquim.

Insistem mostrar o negrume ao luar
Chuvosos versos bordando marfim
Lembrar das gotas, pérolas a tilintar…

Sussurram colchas nas eras do cetim
pros catres que te chamam sem ouvir
a vaguear pelas ruas nas noites sem fim…

Chove o peito da paixão por não sorrir
os momentos nebulosos vindo do mar
A carpirem ondas de o amargo existir.

ASPIRO ROSAS…

Assim vou dando cor e aroma ao que inspiro,
das pétalas aveludadas, que desnudam o corpo
Pra vestir a vida, mesmo que seja de espinhos
Aspiro Rosas…
Envolvo o templo em matiz imaginarias
Viandando por cânones que valsam no tempo
A harmonia dos pelos que encrespam poros e,
Aspiro Rosas…
Mesmo que imersas na água da chuva, que inunda o viver
De tempestades inclementes, no carpir de amarguras
Que assolam o ser por querer da vida, um rasgo no alvorecer.
Aspiro Rosas…
Mesmo que murchem ao olhar do que vê, mesmo assim
As quero ornando a esperança que o horizonte aponta
Quando de nuvens pesadas, nebulosos os dias perceber
Aspiro Rosas…
Quando a tarde vai desmaiando em busca dum crepúsculo
Pra morrer nos braços da noite, que orvalha o que precente
no caule da flor, que o amanhã não será diferente, aspiro Rosas!
Nos ventos transportando aromas e cores.
—–

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Deth Haak, A Poetisa dos Ventos (1959)

” A Poetisa dos Ventos”

Amante da literatura, nasci em Armaçãos dos Búzios município do Rio de Janeiro. Cantando siris nas redes, assim aprendi a contar! O mundo deu muitas voltas e eu só troquei de mar, deixei a praia do Canto, para em Ponta Negra , Natal Rio Grande do Norte, morar. Entre jangadas e velas Dunas e mar… A poesia me fez convite e no meu SER instalou-se. Hoje ouso, sou poetisa amadora e, como sou atrevida, busco nas leis de incentivo, meu sonho realizar o livro quero editar!…Eu Sou Deth Haak

Aos dezessete dias do mês de Janeiro de 1959, nasce em Armação dos Búzios, Município do Rio de Janeiro, Odete Pereira Alves segunda dos quatro filhos. Em meio a uma tempestade onde a lua cheia se escondeu para dar lugar aos relâmpagos que riscavam aquele céu saudando a ventania que soprava Leste. Filha de Manoel Custódio Alves, um humilde pescador e de Maria Julia Pereira Alves, mulher que do sonhar se esquivou… Aos cinco anos deixa a aldeia de pescadores como se a navegar outros mares a família vai à busca de outro porto para ancorar no futuro o que o passado lhes negara…

Em 1966 desde os cinco anos alfabetizada pelo seu pai que possuía a terceira série primária matricula-se na Escola Publica Pandiá Calógeras , bairro de Alcântara São Gonçalo cidade do Rio de Janeiro. E o presente fez-se calmaria abrandando o escarcéu, da curiosidade da então menina, que incentivada pelos educadores de então alça vôos com os livros que lia.

Em 1971 termina o curso primário, e a Nau parte para outro porto. Desta vez para uma Ilha… Onde os dotes já aflorados compunham em versos seus dias. O interesse pela literatura leva-a manusear livros de Poesias na biblioteca escolar e passa ter em Pablo Neruda e outros autores de língua Espanhola o referencial que vem pautando a sua vida.

Nada lhe era mais fascinante que sonhar um mundo melhor como os Poetas…

Em 1972, presta exame admissão ao primeiro ano no Liceu de artes e Ofícios contrariando sua mãe, que sem nenhuma visão de mundo, acreditava ser a mulher feita para casar e procriar. Primeiro desafio vencido e não logrado, por não ter condição de custear despesas dessa instituição. Conclui o curso Ginasial na escola publica Zuleika Raposo Valadares na Ilha da Conceição Niterói RJ. Desperta a ousadia, e parte para o Grêmio Estudantil, fincando nesse solo a bandeira da “PALAVRA” Oradora nata, e POETA. Constrói discursos pautados na Liberdade e Igualdade.

Em 1974 recebe da Câmara dos Vereadores da Cidade Niterói Menção honrosa pela causa comunitária, trabalho desenvolvido junto aos moradores de então pelo direito a terra que ocupavam. Uma luta antiga pela posse da terra.

Não Calarei!

Se quiserem parar meu rumo, mesmo assim caminharei.
Buscando encontrar soluções para o mundo que sonhei…
Buscarei na caminhada o país que almejei.

Em 1981, contrai matrimônio, com Luiz Paulo Freitas Minnemann e realiza o sonho da maternidade.

Em 1982 nasce o fruto dessa união Paulo Roberto Alves Minnemann, rompendo no mesmo ano, essa união contrariando os princípios familiares que não tolerava separações. Primeiro caso de desquite entre as inúmeras mulheres da família que por estigma enviúvam desde os primardes!

Em 1983, sob os auspícios do Vento a soprar seu norte, parte para o então mundo alquímico, onde a beleza e os Egos se contrapõem a todo instante. Torna-se profissional de moda, figurando em salões e exposições por entre as lentes dos fotógrafos e câmeras dos estúdios da extinta TV Manchete,

Sem se distanciar das causas do POVO, auxiliando a comunidade a buscar seus ideais e desta vez valendo-se do prestigio galgado na profissão.

Em 1986 torna-se empresária de moda. Dividindo seu tempo entre a aldeia de pescadores, trabalhando pela sua emancipação e a cidade do Rio de Janeiro onde exercia a profissão.

Em 1989 casa-se com o Austríaco Rolf Helmut Haak, arquiteto e artista plástico e embarca na aventura de viver no Nordeste do Brasil. Refaz o caminho de volta do Sertanejo lutador.

Em 1990, com seu então companheiro investem na gastronomia, tornando-se referencia nesta área, na cidade do Natal, Rio Grande do Norte, projetando nesse espaço artistas de todas as áreas. Fomentando a diversidade Cultural tentando resgatar trezentos anos de história da aldeia onde habita. Projeto Cultural Jangada das Sete, Vila de Ponta Negra RN.

Em 1998 Rolf Haak, falece. E como a vida não pode parar retoma os movimentos comunitários vivenciando outras realidades. União das Mulheres de Natal, Conselho Comunitário da Vila de Ponta Negra, Preservação da Natureza SOSPONTANEGRA. Coletivo Leila Diniz, UNEGRO Brasil Sem Aborto Núcleo Rio Grande do Norte, Protagonista da Paz trabalho Comunitário com 68 adolescentes de risco.

Oradora Oficial da Capoeira Arte e Vida que congraça 1500 capoeiristas pela inclusão Social.

Em 2001,-Deth Haak dedica-se a Poesia de inclusão. Escreve , recita educa através das mesmas, levando a áreas carentes onde relata e divulga a necessidade de cada comunidade fazendo lembrar ao que detém o poder e nada fazem que essa seja a hora de tentar mudar.

Incentivada pelo seu filho começa a publicar na Internet, poesias e através do mundo virtual em contato com os poetas trocando conhecimento com o Brasil e Mundo
Em busca de um raio de sol na escuridão dos mundos para fazer germinar a PAZ.

EM 2006 filia-se a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins- RN dedicando-se a difusão da poesia na terra de tantos poetas, com outro propósito levar essa arte aquém disto dela não aprendeu a sonhar.

Parte A Caravana da Poesia por escolas publicas, Centros comunitários, Universidades, Igrejas, incentivando a leitura através de apresentações em praças, clubes, sindicatos e Ongs.

Em 2006 vence na Alemanha o primeiro concurso Literário na categoria Pœsia, com o pseudônimo Deth Haak “ A Poetisa dos Ventos”. Segundo lugar do concurso na Faculdade de Direito Câmara Cascudo no Rio Grande do Norte, com poema “ Crepúsculo”.

Organiza o Abraço a Maior Duna do Nordeste Morro do Careca, pela preservação ambiental SOS.PONTA NEGRA.

Participa da elaboração das emendas do novo plano diretor da cidade do Natal, conscientizando a Câmara dos Vereadores e a população sobre o Desenvolvimento Sustentável pela causa do Planeta, Ação essa que derrubou licenças já concedidas para construção de cinco espigões no em torno da Duna, mostrando que vale a pena lutar pela preservação da vida, e a Natureza clama aos seres humanos a usar as armas que possuem.

Escreve sobre Poesia na Revista Nosso Estado, divulgando a arte de fazer versos e a produção literária no Brasil e no Mundo.

Apresenta a cidade do Natal, candidata a receber no Brasil, no ano de 2008 o Primeiro Congresso Internacional de Poetas Del Mundo.

Em 2007 é nomeada Cônsul Poeta Del Mundo – RN, em cerimônia realizada no mês de abril na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte onde recebe Menção de destaque Cultural do ano.

Munida de Vassoura e Sabão, lava a escadaria da Câmara dos Vereadores da cidade do Natal, em protesto as emendas vetadas por nove vereadores contrariando o querer do povo, por mais qualidade de vida, e acusando a corrupção dos mesmo que venderam seus votos ao Sindicato da Construção Civil. Incitando o Ministério Publico a apurar as denuncias que foram comprovadas gerando assim um processo de cassação dos mesmos.

Eleita interprete Oficial do Poeta Vinicius de Morais, AJEB

Em 2008 coordena junto a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte, o Primeiro Congresso de Poetas Del Mundo na cidade do Natal, que por falta de compromisso governamental o mesmo não se realizou.

Participa da Antologia ‘ Letras e Imagens do Bem’
Poetas Del Mundo em Poesias

Eleita Embaixadora da Paz- Circulo Universal da Paz. dos Embaixadores da Paz -Genebra Suíça;

Projeto Cultura no Trem a um ano em movimento

Recebe homenagem do Memorial da Mulher Potiguar, Pela Cultura de Paz.

Lança o Projeto Caravana da Poesia- Poeta nas Escolas, com apoio da Fundação José Augusto.

Participa do XVI Congresso Brasileiro de Poesias, Bento Gonçalves RS

Coordenou a Campanha no Estado ‘ Unindo dos Rios através da Poesia, Campanha essa que levou 280 livros dos escritores locais para o Congresso.

Participa do IV ENCONTRO Internacional de Poetas Del Mundo no Chile representando o Brasil.

Participa da FLIPORTO, Festa Literária de PE

Representando o Rio Grande do Norte, com apresentação em recital, ao lado do Poeta Thiago de Melo, Embaixador de Poetas Del Mundo para o Mundo

Em 2009 recebe homenagem Poeta Vivo Imortalizado, com um Poema ao Rio Potengi, afixado na Praça da Poesia Canto do Mangue-Rocas RN

Fonte:
http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=1048

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Angela Togeiro (Brinde de Ano-Novo)

Um segundo para começar o Ano-novo.
No silêncio, na solidão do coração,
um poeta ouve o torvelim dos corações:
Vou parar de fumar, de beber, de me drogar,
vou fazer regime, vou estudar,
vou trabalhar, vou rezar, vou cantar,
vou comprar um carro novo,
vou te amar para sempre. Juro.
Vou… vou… vou… Juro, juro. Juro!
Não vou mais roubar, matar,
não vou mais desejar mal a ninguém,
não vou mais enganar meu semelhante,
não vou mais inventar bombas,
nem outras coisas que destruam a vida,
não vou mais explorar a cidadania do meu povo,
não vou mais ser mau exemplo… de nada. Juro.
Não vou… não vou… não vou… Juro, juro. Juro!
Brindes. Taças que se tocam. Sorrisos.
Abraços. Beijos. Música. Danças.
No coração solitário do poeta,
a esperança renasce majestosa.
O poeta feliz ergue sua taça.
Sua bebida tem gosto de sonho,
de encontros, de fé, de dias melhores.
E o ano-novo chega. Pontual. Inclemente.
…Tantas promessas vãs, tanto ano-novo… todo ano…
A taça do poeta se enche de lágrimas.
No seu coração, a alegria se esvazia.
Fica só a poesia – única certeza e companhia,
até o próximo brinde de Feliz Ano-novo

Fontes:
A Autora
Inagem = www.recados.etc.br

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Carlos Drummond de Andrade (Receita de Ano Novo)

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.80)

Trova do Dia

Não sonheis tanto, meu povo,
nada muda realmente:
o verdadeiro ano novo
tem que estar dentro da gente!
JOSÉ OUVERNEY/SP

Trova Potiguar

Na minha “sonhocultura”,
vou cultivar para o povo,
leirões de literatura
para enfeitar o Ano Novo.
FRANCISCO MACEDO/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > 3º Lugar

Que cesse, enfim, toda a guerra,
que vença o amor a Jesus,
que seja o Natal na Terra
sem luz de bombas… só luz…
LEDA MARIA BECHARAMG

Uma Trova de Ademar

No Ano Novo, com certeza
eu irei pedir ao nobre
que as sobras de sua mesa
mande pra mesa do pobre.
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram:

Ano Novo, nova vida
e muita poesia nova,
desejo a elite que lida
na lapidação da Trova!
CLARINDO BATISTA/RN

Estrofe do Dia

Ano novo que desponta,
por favor traga alegria,
que se faça menos guerra
e reine mais harmonia,
que se veja aqui na terra
menos barriga vazia.
HÉLIO PEDRO/RN

Soneto do Dia

– Thalma Tavares/SP –
NO ANO NOVO.

Ano que vem quero esquecer as dores,
quero vestir a roupa colorida,
a que me faz sorrir dos dissabores,
para enfrentar com mais humor a vida.

Eu quero repensar os meus valores,
se os tenho respeitado na medida
em que suporto a dor dos sofredores
pungindo mais minha alma dolorida.

Eu quero abrir meu peito à humanidade,
mudar meu egoísmo em caridade
e transformar-me assim no Homem Novo.

E espero que o bom Deus, nosso Senhor,
transforme este meu sonho em Paz e Amor,
em trabalho e mais pão para o meu povo.

Fonte:
Ademar Macedo

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Lino Sapo (Conhecendo as Cidades do Rio Grande do Norte em um Conto)

Cumpade PEDRO VELHO me diga como você anda? Inda ta trabaiando muito? E como anda cumade NÍSIA FLORESTA? Caba veio tou puraqui mei perdido, é uma históra meia adoidaiada mai se o senhor me ouçar desbatarei sem arrudei. Eu vinhe pra essas bandas buscar um TOURO chamado GUAMARÉ, pra levar lá pru ALTO DO RODRIGUES. Meu patrão seu ANTÔNIO MARTINS comprou o bichinho a seu MÉSSIAS TARGINO, meu patrão é abastado, é um homem bom e influente, foi amigo de infânça de RUY BARBOSA. Ele vive muito bem, agora eu cumpade, é que ando com uma maruzia e uma azalação da mulinga.

Cumpade ultimamente eu ando meio os imboléus, já fiz inté prumessa e já rezei pra SÃO PEDRO, SÃO FERNANDES e inté para SÃO VICENTE, pru mode eles falar com meu BOM JESUS pra eu ter BOA SAÚDE. Asto dia eu fui ao DOUTOR SEVERIANO e ele me arreceitou um lambedor de JAÇANÃ. Inda disse mai, que era bom pra eu viajar, ir pra outros lugares. Ele inté me idicou BARCELONA, MACAU, EQUADOR ou se não quisesse sair do Brasil fosse pra PORTALEGRE ou pru ESPÍRITO SANTO. Sabe o que eu fiz? Eu fui foi pru PARANÁ, mas pense cumpade cumaé pequeno, é um PARAZINHO!!. Mai purlá tem um TABOLEIRO GRANDE com uma AREIA BRANCA, bem pru lado tem uma SERRA NEGRA DO NORTE, na verdade é uma SERRINHA!, Só que lá enriba cumpade tem uma PEDRA GRANDE, e é uma PEDRA PRETA e purriba dela tem uma NOVA CRUZ feita de ANGICOS. Mai lá cumpade é tão quente, tão quente que parece o ceará, um CEARÁ-MIRIM, claro.

Cumpade prosiando e atencionando as coisas purcá, mai que BAÍA FORMOSA, é muita bunita. Me alembrei de seu LUIZ GOMES, ele inda mora pru trai daquelas MONTANHAS? E seu PEDRO AVELINO, ainda é morador de seu AFONSO BEZERRA? São um povo muito prestativo. Cumpade! Tou me alembrando que tenho uma conta a acertar, é umas PENDÊNÇIAS com seu SEVERIANO MELO. Tou só esperano baixar a IPUEIRA par ir cobrar meus GALINHOS, que ele trouxe lá da SERRINHA DOS PINTOS. ITAJÁ na hora de a gente acabar com esse quelelé esse EXTREMOZ, esse CARNAUBAIS de desavenças, acabar de vez com essa picuinha.

Cumpade cortei esse chãozão de uma ponta a outra, em todo canto ta uma caristia danada, as coisas tá pelo oio da cara. Cumpade vou te dizer uma sabença, do jeito que a coisa tá rumando só vai piorar, prumode de que ultimamente passei uma fome danada. O sinhor me imagina que nessa sumana só comie uns peixinhos, uns ACARI pequeno que parecia um BODÓ. PATU ver JAPI die inté a SANTO ANTÔNIO e a SÃO MIGUEL uma boa forragem pru bucho. Pidie com tanta isperança que chega fechie os oios e imaginei o rango, e falei arto e GROSSOS, SÃO MIGUEL DO GOSTOSO!!!!!

Mudando o prosiado, o cumpade se alembra da fazenda siridó? Pois bem, tá bunita, lá fizero CURRAIS NOVOS, só de PAU DOS FERROS duro feito ASSÚ, e de CARNAÚBA DOS DANTAS, lá daquela LAGOA DANTA. Cumpade foi trabaiada danada, os morão foram tudim cortado pur seu FRANCISCO DANTA e o empregado dele seu JOSÉ DA PENHA. Cumpade ficou de primera, lá tem o mai bunito JARDIM DO SERIDÓ. O padroeiro da fazenda é um santo de casa, é SÃO JOSÉ DO SERIDÓ. E a padroeira não pudia ser de outro lugar e esculhero SANTANA DO SERIDÓ. Mai dizem as más línguas, Cá pra noise, que ela num tá fazendo nenhum milagre não, tão inté quereno jogalá no mato. Já tem inté gente chamando, ver se pode, de SANTANA DO MATO. Desse jeito tá rim, já pensou cumpade se o padroeiro não fizer milagre, e quiserem jogalo naquele CAMPO REDONDO, imagine só cumpade aquele CAMPO GRANDE, vão bem apilidar de SÃO JOSÉ DE CAMPESTRE. Magina só?

Mai cumpade cum toda buniteza o lugar tá sem um pé de vida, logo adispois que seu BENTO FERNANDES bateu as botas, os filhos RAFAEL FERNANDES e RODOLFO FERNANDES quisero vender as terras. Inda chegaru a vender uma parte para ALMINO AFONSO, que fez um SÍTIO NOVO, que vai do RIACHO DA CRUZ inté o MONTE DAS GAMELEIRAS. Cumpade num vendero todinha pruque seu MARCELINO VIEIRA e seu FERNANDO PEDROSA cuma era os moradores mai antigo se intrumeteram. Tavam brabos e eles diziam: o resto vocês num vendem, o pai de vocês era um santo já esqueceram? Vocês deviam era fazer uma igreja para o pai de vocês, pra noise as terras inda são daquele santo. E a SERRA DE SÃO BENTO ninguém toca, e do jeito que eu tou me agarru cum cobra, piso inté em cascavel e CERRO CORÁ.

Cumpade a confusão foi grande demai, era tanta da fofoqueira na fazenda, pisano purriba das plantas e se rindo, que parecia um JARDIM DE PIRANHA. O qui qui foi maior quando FRUTUOSO GOMES falou que as TIMBAÚBAS DOS BATISTAS tava sendo irrigado do OLHO DÁGUA DOS BORGES. Minina cumpade, quando MARTINS oiçou foi logo dizeno: quero ver irrigar lá do meu MONTE ALEGRE, pruque lá é uma LAGOA SALGADA! Nisso cumpade, chega RAFAEL GODEIRO trazendo o CORONEL EZEQUIEL e o TENENTE ANANIAS. Cumpade quando os homi chegaru, inté a CRUZETA, feita de OURO BRANCO, fincada na entrada da fazenda num pé de BARAÚNA, ficou sem ENCANTO. O estrelado foi logo falando: e essas mueres VIÇOSA não têm nada que VENHA VER aqui. Nesse momento cumpade, ele espiou pra eu que me tremie todinho, logo ele cumpade, que me achava caipira e só me chamava de CAIÇARA DO NORTE.

Ai Ele preguntou o que é que eu fazia ali. A voz ficou entalada mai eu resmunguei tempo dispois: vinhe rezar pra SÃO BENTO DO NORTE. Ele chega muchou e com um oiar macriado disse: aqui só tem rezatório só se for pra SÃO BENTO DO TRAIRI, vá simbora percurar outro santo. Arribe para o oeste lá tem muitos, talvez você encontre um SÃO FRANCISCO DO OESTE. Num pricisou nem terminar a pronunciada, sai em toda disparada, paricia inté que agora eu nadava e vuava que nem um CAIÇARA DO RIO DOS VENTOS.

Cumpade! Cumpade! Fui muito azilado. Na carreira bati num palanque que tava o GOVERNADOR DIX-SEPT ROSADO, o SENADOR ELOI DE SOUSA e mesmo na horinha que o SENADOR GEORGINO AVELINO tava se pronunciando. Quando os povos me viro na carreira em direção ao palanque, pensava que eu ia matar os chefes pulíticos. Nisso o CORONEL JOÃO PESSOA me viu. No aperreio que eu tava eu nem pensava, daquele jeito eu merguiaria inté no RIO DO FOGO. Cumpade, quando eu espio pru lado o MAJOR SALES e o TENENTE LAURENTINO já vinha nos meus carcanhar pega num pega. Ai foi que eu corri, inda mai com o tiro zunindo no peduvido. Pulei por riba de uns PILÕES e sai com a gota serena. Escutei na carreira quando dona LUCRÉCIA disse, é guerra, FELIPE GUERRA! Felipe venha pra casa meu fio, SÃO JOÃO DO SABUGÍ pruteja meu fio.

Num parei não cumpade de correr, se eles me pegam eles iam JUNDIÁ de eu. Dei um pitú nos homi e sai mei escundido pru trai de uma LAJES PINTADA, peguie um RIACHUELO e sai sem deixar rasto. Vie de longe uma VÁRZEA e ai eu fui em busca do PORTO DO MANGUE que era menos pirigoso. Quando cheguie purlá só tinha PASSAGEM na canoa TIBAU DO SUL. A TIBAU já havia saído, elas chegam em PARELHAS, mai uma sae meia hora antes. Ai cumpade eu pensei desse jeito num dá, sou nortista, no sul num vou agüentar. Entonce cumpade eu sai por um BREJINHO e vie um filete d’água conhecido, era do RIACHO DE SANTANA, uma ÁGUA NOVA, tumei logo umas goipadas. Adispois cheguie a uma BAIXA VERDE e vie muitas arvures agrandaadas e fui andano pra lá. Cumpade pense num lugar bem sombraiado, paricia um JARDIM DE ANGICOS. Pensei ter escapado dos homi mai a armadia foi pior. Sai bem no mei de uma aldea dos índios JANDÚIS e MOSSORÓ.

Continuei andano como se num tivesse percebido nada. Foi quando oucei o pajé MAXARANGUAPE dizer pra dois índios assim: IPANGUAÇU, PARNAMIRIM corram atrás e PARAÚ e tragam para mim. Eles realmente me pararu, me amarraru e me colocaru em uma LAGOA DE PEDRA e adispois em um POÇO BRANCO. Cumpade o corpo todo tremia, a voz já num saia, os cabelu nem sentava no casco. Foi quando eu a lembrei de SANTA MARIA e do meu anjo da guarda SÃO RAFAEL, e cumecei a rezar. Nisso o pajé me olhou da cabeça aos pés e disse: UMARIZAL, TAIPÚ vá buscar CANGUARETAMA.

Cumpade pense numa agonia danada, enquanto eles saia eu me borrava todo nas calças. Quando vortaru o pajé falou: veja fia se esse serve? Enquanto eu espiava aqueles cabelus e oios pretu feito a casca de uma CARAÚBAS, ela tapava o nariz e balançava a cabeça em negação. Entonce JUCURUTU me soltou e APODI disse aqui é PASSA E FICA, mai você num vai ficar. O pajé com um oiar dar uma ordem e ARÊS trai um jumento, ITAÚ inda diz: o nome dele é nema. Ai me ajuda a muntar no burro, e espanca o animal que sae em toda carreira, enquanto eles gritam aqui num é lugar pra covardes.

Cumpade o burro curria e eu agradecia pru céu, o meu estoque de santo já tinha acabado, mai inda restava alguns, então cumecei a agradicer, a SÃO PAULO DO POTENGI, SÃO GONÇALO DO AMARANTE e SÃO JOSÉ DO MIPIBÚ. Fiz o sinal da SANTA CRUZ e sai me escurregando nos espinhaço do burro, que começa a desembestar e a pular devido a catinga. E eu gritano aperriado, upa, upa, UPANEMA, pare meu bichinho. Nisso só oucei a burduada, cai estatelado no tronco de um pé de MACAÍBA, e ali mesmo adurmicie todo duido.

Acordei com o canto dum CAICÓ e dum TANGARÁ. despertei adispois de uma madorna boa e sai andano a pé, com o bucho roncando que parecia um truvão, a vista já tava escura de sede num via mai nada. Só sei que cheguie numa LAJES e caminhei até achar uma LAGOA NOVA pra me banhar. E bem na frente encontrei uma LAGOA DE VELHOS. Pedi cumida e me derum umas GOIANINHAS, preguntei onde estava, e eles disserum na SERRA DO MEL. Entonce sai por entre umas plantaiada que formava uma FLORÂNIA e que parecia uma VILA FLOR. Siguie as abeias e achei uma JANDAIRA, e que mé, foi um SÃO TOMÉ.

Rumei para o oeste e dicie a SERRA CAIADA na noite de NATAL. Foi lá que vie a beleza e a PUREZA de ALEXANDRIA. chamie um muleque pru nome de IELMO MARINHO e pidie um favor. Só pra dar um recado aquela donzela que meu coração amou. Mas o minino olhou e disse: Deus que me livre meu sinhor, aquela muier bunita é fia de seu JOÃO DIAS e ele é o lampiã da regiã. Mai eu te juro cumpade, em nome da VERA CRUZ, aquela muier inté os anjos seduz. Tudo que hoje eu mai quiria era com ela casar, e se isso um dia vier a acuntecer, pode ter certeza, pra eu será o trofé do meu TRIUNFO POTIGUAR.
–––––––––––––––––––––––-
Conto Poético de Lino Sapo ( Andrelino da Silva) em homenagem e respeito a todas as Cidades que pertence ao estado do Rio Grande do Norte.

Fonte:
O Autor

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.79)

Trova do Dia

“No ano que vem” – diz o povo –
“tudo vai ser diferente”,
sem perceber que o Ano Novo
começa dentro da gente!
RENATA PACCOLA/SP

Trova Potiguar

Moribundo o Ano velho
murmura dizendo ao novo;
preserve nosso evangelho:
dê nova esperança ao povo.
MANOEL DANTAS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > Menção Especial

Natal: volte a ser criança,
colocando – em profusão –
sapatinhos de esperança…
na janela da ilusão!
REGINA CÉLIA DE ANDRADE/RJ

Uma Trova de Ademar

Eu desejo aos Trovadores,
mesmo em medalha de bronze
o pódio dos vencedores
agora em 2011!!!
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram:

É Natal! A casa cheia
e a família reunida
no amor de Deus faz a ceia,
dividindo o pão da vida!
VERA MARIA BASTOS/MG

Estrofe do Dia

Estou rogando a Jesus,
o Cordeiro de Belém,
para que o ano dois mil e onze
não deixe triste ninguém
e, no seu itinerário,
renovando o calendário,
renove os homens também.
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Soneto do Dia

– Darly O. Barros/SP –
JURAMENTO.

Antes que o sol desponte e, em ouro puro,
se faça sobre a areia e sobre o mar,
a perscrutar o manto claro-escuro
da via-láctea, quase a despertar,

ao ano que começa agora, eu juro,
em vala funda as mágoas soterrar;
quero de todo, novo o meu futuro
e nele as mágoas não terão lugar!

Cumprindo a jura feita, renovado,
começo dando as costas ao passado
e dele, enfim liberto, abrindo os braços,

sorvendo do ouro desse sol nascente,
com alma nova, vou seguindo em frente,
como se desse os meus primeiros passos…

Fonte:
Ademar Macedo

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Graça Graúna (Antologia Poética)

ABISMOS

Toda lua é engano
todo anjo é cruel
no abismo de eternidade
e ânsia
do corpoema

CUMPLICIDADE

Agora e pela hora da minha agonia
louvo Trindade e Jorge de Lima
cantando,
catando as duras penas, só.
– De onde vem, Solano, esta agonia?
– Vem de longe, nega, muito longe!
De Afroamérica sonhada,
lá, donde crece la palma
plantada en versos de alma,
del hombre José Martí.

– De onde vem, Solano, esta agonia?
– De muito longe, nega.
Do comecinho das coisas;
de muito longe, minha nega, muito longe…

CRIANÇAS DE ANGOLA
ao poeta angolano Arlindo Barbeitos

… e as crianças cantavam
na altura dos sonhos
o de mais sagrado:
– por esta rua, ó dominé
passeou o meu bem, ó domine .

Quando as granadas adormecem o vento,
um coro de anjos dentro da noite
tece o (em)canto no tempo sem tempo:
– Por essa rua, ó dominé
passeou meu bem, ó dominé
orai por mim, o dominé
e por mais alguém, ó domine.

Assim, pelas ruas,
crianças d’Angola
brincam de roda
numa perna só.

(A MENINA VÊ A CHUVA)

A menina vê a chuva
na janela e diz:
é Deus chorando.

MIRAGENS

À meia luz
escudados nos sonhos
despistaram o medo de amar
e só diante do espelho admitiram
que a nudez é um perigo
capaz de intimidar o Amor
…depois do amor a espera
sem pressa, sem dor
depois do amor
o desejo natural
de repousar entre lençóis
e continuar a loucura
que não se vê em jornais.
Escudados nos sonhos
beberam a angústia do ser
na boca molhada de suor e sexo
seguindo o infinito
neste sopro de adeus…

A CAMINHO DO HAITI TEM UMA PEDRA (*)

tem uma jangada de pedra
a caminho do Haiti
a esperança se avizinha
pois navegar é preciso
ou como diz o velho Mago
uma obrigação todos temos.
E agora, que fazer?
A caminho tem uma pedra
e uma jangada se recria
pois não há mais tempo a perder
________
(*) Fiz este poema, pensando em Carlos Drummond de Andrade, autor do poema “No meio do caminho” e empreguei o termo Mago para homenagear SaraMAGO e a sua solidariedade ao povo do Haiti.
–––––––––––––––
ESCRITURA FERIDA

à Florbela Espanca

Atiram mil pedras
na charneca em flor.

Ossos do ofício:
no mais fundo do poço
retirar o poema
encharcado de mágoas

CRAVOS DE ABRIL

Do outro lado do Atlântico
a liberdade é uma flor
a liberdade é vermelha.

Do outro lado do Atlântico
os prantos se foram
e o canto agora é de paz
à Grândola, Vila Morena
onde é possível encontrar
um amigo em cada esquina
e em cada jardim um sonho
de alegria e esperança
pois há um cravo a brotar

8 DE MARÇO

Saúdo as minhas irmãs
de suor papel e tinta
fiandeiras
tecelãs
no embalo da rede
rubra ou lilás
no mar da palavra
escrita voraz

Saúdo as minhas irmãs
fiandeiras
tecelãs
cantando uma só voz
o que nós sonhamos
o que nós plantamos
no tempo em que a nossa voz
era só silêncio

GEOGRAFIA DO POEMA

O dia deu em chuvoso
na geografia do poema.
Um corpo virou cinzas
um sonho foi desfeito
e mil povos proclamaram
— Não à violência!
A terra está sentida
de tanto sofrimento.

Na geografia do poema
as bandas tocam
“b”, ou “a”
passam na TV
os seres nus
o pátio aglomerado
o chão vermelho
onde a regra do jogo
da velha é sentença
marcada na réstia
do sol quadrado.

Pelas ruas
a tristeza dos tempos
a impossibilidade do abraço.
Crianças choram
nos corredores da morte
meninos e meninas
nos becos da fome
consomem a miséria
matéria prima
de sua sobrevivência

Nos quarteirões
dobrando a esquina
homens e mulheres
idôneos, cansados
a lastimar o destino
de esmolar o direito
dos tempos madrugados.

Se o medo se espalha
virá o silencio
e as cores sombrias
o espectro das horas
Se o medo se espalha
amargo será sempre
o verbo

No entanto
haverá manhã
e a paz cobrirá
com seus raios de luz
a rosa dos ventos.

Amanhã haverá manhã
de sol a sol festejar
o pão de cada dia

LUZ E SOMBRA
a F. Árias

Na curva do tempo
meus cabelos negros
teus cabelos brancos
teus sonhos azuis
meu retrato em branco e preto
sem tirar nem por
o desconcerto do mundo.

Mal-me-quer o tempo
assim, pelo avesso:
um barco à deriva
um campo sem flor
e o mais que imperfeito
entre Marília e Dirceu
Tristão e Isolda

Quero Paz
e o tempo me quer
na foz dos meus cabelos brancos.
Teus cabelos negros no meu dorso
são trilhas sagradas. Sou o teu refugio
argila em tuas mãos…
Beijo teu corpo febril e amanheço

Todavia quisera viver o tempo do amor
assim, mais-que-perfeito
e o que me fica
é uma esperança parda
sobrevoando o abismo da solidão atávica.
Tudo que me fica é um fio de luz
para ser mais sombra

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Arquivado em Antologia Poética, Rio Grande do Norte

Graça Graúna (1948)

Graça Graúna, nome de adoção de Maria das Graças Ferreira. Origem potiguar, de São José do Campestre (RN). Poeta, ensaísta. Mestre e Doutora em Letras, pela UFPE. Pesquisadora e autora de livros (poemas, ensaios) voltados ao universo indígena, afro e luso-brasileiro.

Atualmente é professora adjunta na Universidade de Pernambuco (UPE), onde coordena o Núcleo de Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa (NEC), o Projeto de Capacitação em Literatura e Direitos Humanos (MEC-SECAD) e o Curso de Especialização para Formação de Professores Indígenas no Estado de Pernambuco (SEDUC-PE), junto ao Curso de Letras, Campus de Garanhuns-PE.

Autora de Canto Mestizo (poesia, Ed. Blocos, RJ, prefácio de Leila Miccolis) e Tessituras da Terra (poesia, Edições M.E, Coleção Terceiro Milênio, MG, prefácio de Tânia Diniz).

Participa do Grupo de Literatura Indígena (sob a coordenação de Eliane Potiguara).

Consta da Enciclopédia de Literatura Brasileira (Afrânio Coutinho, org.) e do Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras (Nelly N. Coelho, org.), entre outras publicações.

Em uma apresentação sua ao universo indígena expõe com inequívoca propriedade: “A literatura indígena é um lugar de confluência de vozes silenciadas e exiladas ao longo da história há mais de 500 anos. Enraizada nas origens, esse instrumento de luta e sobrevivência vem se preservando na autohistória de escritores (as) indígenas e descendentes e na recepção de um público diferenciado, isto é, uma minoria que semeia outras leituras possíveis no universo de poemas e prosas autóctones.

Fontes:
http://ggrauna.blogspot.com/
Enciclopédia Virtual Blocos de Poesia Brasileira: Saciedade dos Poetas Vivos Digital. Vol. 1 e vol. 11.
Sesc Santa Rita

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Roberto Pinheiro Acruche (Lançamento da Revista Trovas e Poemas – numero 23 – Janeiro de 2011)

As trovas abaixo e muitas outras e poemas, você pode obter fazendo o download, clicando sobre a figura ao lado.
Praticar somente o Bem
com Amor, Paz e Alegria,
são atributos de quem
vive com sabedoria.
ALBERTO PACO – PR

Qualquer vivente se esbarra
nesta evidência que aterra:
-é no balanço pós-farra
que o bom farrista se ferra!
ANTÔNIO JURACI SIQUEIRA-PA

Amor é brisa suave,
é aconchego, é carinho;
é vôo cadente da ave
indo em busca do seu ninho
A.M.A. SARDENBERG – RJ

Quando esta mágoa me invade,
meu peito em dor se resume,
e eu percebo que a saudade
também usa o teu perfume.
ARLINDO TADEU HAGEN-MG

Anjos criados no inverno
são os filhos dos casais
que, dentro do lar paterno,
são tudo, só não são pais…
DIVENEI BOSELI – SP

Fraternidade exercida,
é um bumerangue veloz:
O bem feito nesta vida,
volta sempre para nós!
FRANCISCO NEVES MACEDO-RN

O meu amor é bonito,
é grande, imenso, sem fim…
É bem maior que o infinito,
mas cabe dentro de mim!
GISLAINE CANALES – SC

Você pode até amar
aos limites do impossível,
mas ao se relacionar,
equilíbrio, imprescindível.
RAYMUNDO SALLES BRASIL-BA

Minha magoa e desencanto
foi ver, no adeus, indeciso:
– Eu disfarçando o meu pranto…
– Tu disfarçando um sorriso…
RODOLPHO ABBUD – RJ

Fonte:
R. P. Acruche

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Arquivado em Lançamento, Revista Virtual Trovas e Poemas, Trovas

Carlos Seabra (Haicais)

Haicais da natureza

o vento afaga
o cabelo das velas
que apaga

folhas no quintal
dançam ao vento
com as roupas do varal

pinga torneira
tic tac do relógio
luz com poeira

sol na varanda –
sombras ao entardecer
brincam de ciranda

chuva lá fora –
os pássaros, molhados,
foram embora

Haicais dos prazeres

que delícia –
um decote aberto
com malícia

nuvem parada
beijada pela brisa
fica molhada

beijo roubado
é o butim do ladrão
apaixonado

brasa do tempo
acende quando passas
no pensamento

ao te adorar
não sei mais se tens
corpo ou altar…

Haicais dos olhares

grama nos trilhos
composições mudas
sem estribilhos

patins no gelo –
riscos que se cruzam
como novelo

velho jornal
levado pelo vento
prevê temporal

no despenhadeiro
a sombra da pedra
cai primeiro

o vento afaga
o cabelo das velas
que apaga

Haicais das pessoas

cuco dá horas
mas não conta
por que demoras

casa quieta –
cochila o avô e
dorme a neta

mulher aflita
telefone toca
cafeteira apita

pardal no fio
ouve o telefone
mas não dá um pio

criado mudo
fica quieto
mas vê tudo

Haicais do mundo

brilha o grampo
ou ela tem no cabelo
um pirilampo?

pinta no nariz –
era uma pulga que
fugiu por um triz

dia de eleição
primeiro o seu voto
depois a traição

ágil pivete
brinca como se fosse
zero zero sete

crianças mortas –
mundo que escreve mal
por linhas tortas
———

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.78)

Trova do Dia

Virando o tempo no avesso,
na fé que nunca se cansa,
o Ano Novo é o recomeço
da viagem da esperança !
EDUARDO TOLEDO/MG

Trova Potiguar

No balanço de Fim de Ano,
Jesus é meu contador:
já zerou o desengano,
com mil créditos de amor.
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > Menção Especial

É Natal. O amor é pleno,
Deus assume os meus fracassos.
E se torna tão pequeno,
que até cabe nos meus braços!
FRANCISCO ASSIS MENEZES/MG

Uma Trova de Ademar

Neste ano que principia,
eu desejo a cada irmão
mais saúde, mais poesia,
mais confraternização!
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram:

É Natal! Lá na favela,
no seu barraco sombrio,
ele encontrou na janela
o tamanquinho vazio!
CAROLINA A. DE CASTRO/PE

Estrofe do Dia

Ano novo, vida nova,
assim diz velho refrão,
mas a vida ensina e prova
que em qualquer situação,
só o amor constrói o bem,
tornando feliz quem tem
afeto no coração.
VITOR RONALDO COSTA/DF

Soneto do Dia

– Francisco Macedo/RN –
UM FELIZ ADEMAR NOVO!…

Senhor!… eis mais um Ano que termina!
– Ano feito de amor e poesia,
e dar graças por tudo eu gostaria,
por mim, pelo Ademar e a mão divina!

foi ela, tua mão, a medicina
que o curou e se fez anestesia,
e o remédio do qual precisaria
para que retomasse essa rotina.

genuflexo, aos teus pés peço que ajude,
dando, senhor, a mais plena saúde,
ao trovador, do amor, da paz, do povo.

e que possamos ter daqui pra frente,
para cada um de nós, este presente:
um feliz Ademar, neste Ano Novo!…

Fonte:
Ademar Macedo

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Menotti Del Picchia (Juca Mulato)

Juca Mulato nasceu em Itapira, cidade da zona mogiana do Estado de São Paulo, em 1917. Seu pai, recém-formado em Direito e fazendeiro nessa cidade, acabara de publicar na Capital paulista seu poema Moisés. Exercia agora uma vaga advocacia numa terra quase sem demandas e dirigia o jornal local, Cidade de Itapira, em cujos prelos imprimiu o primeiro exemplar do seu poema.

Foi no ambiente da fazenda Santa Catarina da Capoeira do Meio e na paz e no silêncio do parque que se debruça sobre o Cubatão, bairro no qual serpeja o Rio da Penha, em cujas margens bivacavam ciganos, que a imagem do caboclo do Mato e sua alma lírica empolgaram o advogado-poeta.

E a Filha da Patroa ?

Essa, ainda hoje, nascerá no coração de cada leitor do poema quando haja atingido a idade do amor. É uma idéia e um sonho. Continuará a lembrar, vida afora, a criatura que teria sido o complemento do seu ser, realização sempre sonhada e impossível de um perfeito amor ideal.

Compõe o poema o Céu e a Terra. Todas as coisas telúricas e celestes, o chão que abriga o homem e o alimenta e o que há no mistério do azul quando ele olha para as estrelas. Ali descobre uma nova e mágica dimensão do universo: os animais, como o prudente e confidente Pigarço e os lerdos bois pensativos e decorativos; o galo, clarim do dia que ilumina as coisas para a vida e oferece as maravilhas do mundo ao homem que acorda.

A fala do “Juca” é coloquial e divina. Sai da boca do homem e vem da conexão mágica que ele tem com as coisas. É que o universo é um eterno diálogo de vozes mudas. Cabe-lhe comunicá-las às demais criaturas. Ele é o intérprete da formidável comunhão espiritual que nos envolve numa harmoniosa coesão de vivências e mistérios regida pela fatalidade dessa divina força que é o amor (“…Che muove il sole e l`altre stelle…”)
_

GERMINAL

1
Nuvens voam pelo ar como bandos de garças,
Artista boêmio, o sol, mescla na cordilheira
pinceladas esparsas
de ouro fosco. Num mastro, apruma-se a bandeira
de São João, desfraldando o seu alvo losango.

Juca Mulato cisma. A sonolência vence-o

Vem, na tarde que expira e na voz de um curiango,
o narcótico do ar parado, esse veneno
que há no ventre da treva e na alma do silêncio.
Um sorriso ilumina o seu rosto moreno.

No piquete relincha um poldro; um galo álacre
tatala a asa triunfal, ergue a crista de lacre,
clarina a recolher entre varas de cerdos e
mexem-se ruivos bois processionais e lerdos
e, num magote escuro, a manada se abisma na treva.

Anoiteceu.
Juca Mulato cisma.

2

Como se sente bem recostado no chão!
Ele é como uma pedra, é como a correnteza,
uma coisa qualquer dentro da natureza,
amalgamada ao mesmo anseio, ao mesmo amplexo,
a esse desejo de viver grande e complexo
que tudo abarca numa força de coesão.
Compreende em tudo ambições novas e felizes,
tem desejo até de rebrotar raízes, deitar ramas pelo ar,
sorver, junto da planta, e sobre a mesma leiva,
o mesmo anseio de subir, a mesma seiva,
romper em brotos, florescer, frutificar!

3

“Que delícia viver! Sentir entre os protervos
renovos se escoar uma seiva alma viva
na tenra carne a remoçar o corpo moço…”

E um prazer bestial lhe encrespa a carne e os nervos;
afla a narina; o peito arqueja; uma lasciva
onda de sangue lhe incha as veias do pescoço…

Ei-lo, supino e só, na noite vasta. Um cheiro
acre de feno lhe entorpece o corpo langue
e, no torso trigueiro,
enroscam seus anéis serpentes de desejos
e um pubescente ansiar de abraços e de beijos
incendeia-lhe a pele e estua-lhe no sangue.

Juca Mulato cisma.
Escuta a voz em couro
dos batráquios, no açude, os gritos lancinantes
do eterno amor dos charcos.

É ágil como um poldro e forte como um touro;
no equilíbrio viril dos seus membros possantes
há audácias de coluna e elegância dos barcos.

O crescente, recurvo, a treva em brilho frange
e, na carne da noite, imerge-se e se abisma
como num peito etíope a ponta de uma alfange.
Juca Mulato cisma…
A natureza cisma.

4

Aflora-lhe no imo um sonho que braceja;
estira o braço, enrija os músculos, boceja,
supino fita o céu e diz em voz submissa:
“Que tens, Juca Mulato ?…” e, rebolcado na erva,
sentindo esse cansaço irritante que o enerva
deixa-se, mudo e só, quebrado de preguiça.

Cansado ele ? E por quê ? Não fôra essa jornada
a mesma luta, palmo a palmo, com a enxada
a suster no café as invasões da aninga ?
E, como de costume, um cálice de pinga,
um cigarro de palha, uma jantinha à toa,
um olhar dirigido à filha da patroa ?

Juca Mulato pensa: a vida era-lhe um nada…
Uns alqueires de chão, o cabo de uma enxada,
um cavalo pigarço, uma pinga da boa,
o cafezal verdoengo, o sol quente e inclemente…

Nessa noite, porém, parece-lhe mais quente
o olhar indiferente
da filha da patroa…

“Vamos, Juca Mulato, estás doido ?
Entretanto, tem a noite lunar arrepios de susto,
parece respirar a fronde de um arbusto.
O ar é como um bafo, a água corrente, um pranto.
Tudo cria uma vida espiritual violenta.
O ar morno lhe fala, o aroma suave o tenta…
“Que diabo !” Volve aos céus as pupilas, à toa,
e vê, na lua, o olhar da filha da patroa…
Olha a mata: lá está! O horizonte lho esboça,
pressente-o em cada moita, enxerga-o em cada poça
e ele vibra, ele sonha e ele anseia, impotente,
esse olhar que passou, longínquo e indiferente!

5

Juca Mulato cisma. Olha a lua e estremece.
Dentro dele um desejo abre-se em flor e cresce
e ele pensa, ao sentir esses sonhos ignotos,
que a alma é como uma planta, os sonhos como os brotos,
vão rebentando nela e se abrindo em floradas…

Franjam de ouro, o ocidente, as chamas das queimadas,
Mal se pode conter de inquieto e satisfeito.
Advinha que tem qualquer coisa no peito
e às promessas do amor a alma escancara ansiado
como os áureos portais de um palácio encantado!…

Mas a mágoa que ronda a alegria de perto
entra no coração sempre que o encontra aberto…

Juca Mulato sofre… Esse olhar calmo e doce
fulgiu-lhe como a luz, como a luz apagou-se.
Feliz até então, tinha a alma adormecida….
Esse olhar que o fitou, o acordou para a vida!
A luz que nele viu deu-lhe a dor que agora o assombra,
como o sol que traz a luz e, depois, deixa a sombra…

6

E, na noite estival, arrepiadas, as plantas
tinham na negra fronde, umas roucas gargantas
bradando, sob o luar opalino, de chofre:
“Sofre, Juca Mulato, é tua sina, sofre…
Fechar ao mal de amor nossa alma adormecida
é dormir sem sonhar, é viver sem ter vida…
Ter, a um sonho de amor, o coração sujeito
é o mesmo que cravar uma faca no peito.
Esta vida é um punhal com dois gumes fatais:
não amar é sofrer; amar é sofrer mais”!

7

E, despertando à Vida esse caboclo rude,
alma cheia de abrolhos,
notou, na imensa dor de quem se desilude
que, desse olhar que amou, fugitivo e sereno,
só lhe restara no lábio um travo de veneno,
uma chaga no peito e lágrimas nos olhos!

A SERENATA

1

Canta, Juca Mulato…
Ele pega na viola:
seu dedo nervoso os machetes esfrola.
Solta um gemido o aço vibrado
como um grito de dor de um peito esfaqueado.
É tão suave a canção, tão dolente e tão langue
que cada nota lembra uma gota de sangue
a fluir e a pingar dos lábios de uma chaga.
É noite. A brisa sopra uma carícia vaga.

A turba espera. O terreiro tem brilhos
quando, de chapa, a lua esplende nos ladrilhos
e, sentindo a paixão estuar-lhe a garganta,
Juca Mulato canta:
“Veio coleante, essa mágoa
arrastas triste e submisso;
também choro, veio dágua,
sem que ninguém dê por isso…

Saltas nos seixos de chofre.
Choras. No mundo inclemente,
só não chora quem não sofre
só não sofre quem não sente…

Procuras dentre os abrolhos
ver o céu que astros povoaram.
Eu também procuro uns olhos
que nunca me procuraram…

Os céus não vêem tua mágoa,
nem estas ela advinha…
Veio d’água, veio d’água,
Tua sorte é igual à minha.

Ora em bolhas vãs tu medras,
eu em sonhos bem mesquinhos,
Teu leito é cheio de pedras,
minha alma é cheia de espinhos…

Se uma rama se desfolha
sobre teu dorso e resvala,
corres doido atrás da folha
sem poder nunca alcançá-la.

Às vezes, também, risonho,
um sonho minh’alma junca,
Corro doido atrás do sonho
Sem poder tocá-lo nunca.

Ventura… doida corrida
de uma folha sobre um veio.
Folha… Esperança perdida
de um bem que nunca me veio.

Assim vou, sangrando mágoa
e doido, para onde for
veio d’água, veio d’água
corro atrás da minha dor!”

ALMA ALHEIA

1

Que tens, Juca Mulato ?
Uma tristeza mansa
embaça-lhe o fulgor dos olhos de criança.
Ele é outro… Um langor anda a abrasar-lhe a pele.
Não sabe definir o que há de novo nele.
Fuma e segue pelo ar uma espiral que esvoaça,
pensa que seu destino é igual a essa fumaça…
“A vida é mesmo assim…” ele cisma tristonho.
“Sai do fogo da dor a fumaça do sonho”…

Da cocheira, um nitrir, de intervalo a intervalo,
vibra no ar… É o pigarço. Esse pobre cavalo
anda esquecido e há muito que, sozinho,
sente a falta que faz o calor de um carinho.
Juca Mulato todo o dia vinha vê-lo…
Afagava-lhe o dorso, acamava-lhe o pelo,
e ele, baixando, quieto, as pálpebras vermelhas,
nitrindo e resfolgando, espetava as orelhas…
Juca Mulato, então, numa voz doce e calma,
dizia-lhe baixinho o que ele tinha n’alma.
Coisa de pouca monta: umas fanfarronadas,
uns receios pueris, façanhas de caçadas,
desafios na viola em noites de luar;
coisas que tinha pejo até de lhe contar,
que sussurrava a custo, onde, por entre os dentes,
a gente advinhava umas frases ardentes:
bocas mordendo um seio em que os bicos quentinhos
tinham a cor da rosa e a ponta dos espinhos…
Ele ria e a risada espoucava-lhe aos pinchos
e o pigarço sisudo explodia em relinchos
que diriam, talvez, traduzido em frases:
“Toma tento, Mulato! Olha bem o que fazes…”

Juca afagando-o, então, murmurava contente:
“Pigarço, você tem uma alma como a gente!”

Hoje, anda abandonado e pesa-lhe o abandono.
Há no seu manso olhar saudades de seu dono.
Quem não vê nesse olhar úmido e cor de enxofre
que esse cavalo sofre ?

2

Vê uma ave voar na tarde calma e suave,
vem-lhe o desejo absurdo e doido de ser ave.
Quando junto a uma fonte acaso se debruça,
se a corrente soluça, ele também soluça…
Depois, envergonhado, encolhe-se, procura
no seu imo o porquê dessa vaga ternura.
Até vendo uma flor, comove-se, suspira…
“Juca: toma cuidado… Estás ficando gira…
Deixa de te arrastar, como um doido qualquer,
atrás da tentação de uns olhos de mulher!”

E resolve, consigo, ir altivo e insolente,
fingir que não padece e mostrar que não sente,
montar o seu pigarço, atacar a restinga
às foiçadas, beber um cálice de pinga
na venda do caminho e, entre parvos caipiras,
de mistura, contar três ou quatro mentiras
onde lampeja a faca, onde, aos uivos e aos brados
põe em fuga, triunfante, um bando de soldados!
Revive a ilusão! Ele é outro! Salvou-se!

Insidioso, de novo, um olhar meigo e doce
o alucina, o subjuga, o domina, o amolece…

E nem sabe porque humilhado obedece
à sugestão da luz que cintila naquele
lânguido e triste olhar que nunca olhou para ele.

FASCINAÇÃO

Tudo ama!
As estrelas no azul, os insetos na lama,
a luz, a treva, o céu, a terra, tudo,
num tumultuoso amor, num amor quieto e mudo,
tudo ama! tudo ama!

Há amor na alucinada
fascinação do abismo,
amor paradoxal, humano e forte,
que se traduz nas febres do sadismo,
nessa atração perpétua para o Nada,
nessa corrida doida para a Morte.

Por isso, quando as lianas
em lascívias florais cercam de abraços
o tronco hirsuto e grosso,
têm, no amplexo mortal, crueldades humanas.
Há no erótico ardor de enlaçá-lo, abraçá-lo,
a assassina violência de dois braços
crispados num pescoço
atenazando-o para estrangulá-lo!

É que o amor quer a morte. Num momento
resume a vida, os loucos entusiasmos
dos supremos espasmos…
Nesse furor que o invade,
tem a volúpia da ferocidade,
tem o delírio do aniquilamento!

É por isso que vês, por tudo
uma luta de morte, um desespero mudo:
a insídia da raiz que mina a terra e a esgota,
o caule que ergue o fuste, a rama, em sobressalto,
agitando pelo ar a própria dor ignota,
no torturante amor do mais puro e mais alto!

2

E, na noite estival,
enchendo o Espaço e o Tempo, a Luz e a Treva,
o turbilhão fantástico se eleva
do amor UniversaL.

Tudo ama!
As estrelas no azul, os insetos na lama,
a luz, a treva, o céu, a terra, tudo,
num tumultuoso amor, num amor quieto e mudo,
tudo ama! Tudo ama!…

3

Juca Mulato freme. Imerge os olhos entre
as estrelas curiosas.

Não sabe que anda o amor nos espaços profundos
a fecundar o ventre
das próprias nebulosas
na eterna gestação de novos mundos…

Ele é a matriz da vida: multiplica
seres e coisas, numa força eterna,
cria o verme, animais que andam de rastros.
Mata e ressurge, estiola e frutifica,
e, pelo espaço rútilo, governa
a prodigiosa rotação dos astros!

E a vertigem do amor, fascinadora,
tudo arrasta, fantástica, nos braços
e a terra que palpita, canta e chora,
ora imersa na treva ora imersa na aurora,
leva através do Tempo e dos Espaços…

Acendendo no olhar um lampejo divino,
Juca Mulato cede à vertigem que o enlaça
e brada num transporte:
“Arrasta-me também, no turbilhão que passa!
Leva-me ao teu destino,
Amor que vens para a Vida e que vais para a Morte!”

LAMENTAÇÃO

1

“Amor?
Receios, desejos,
promessas de paraísos,
depois sonhos, depois risos,
depois beijos!

Depois…
E depois, amada?
Depois dores sem remédio,
depois pranto, depois tédio,
depois… nada!”

2

“Também como esse bosque eu tive outrora
na alma um bosque cerrado de emoções.
As palmeiras das minhas ilusões
iam levando o fuste espaço afora.

Floriam sonhos; era uma pletora
de crenças, de desejos, de ambições…
Não havia por todos os sertões
mais luxuriante e mais violenta flora.

Ai! Bosque real, é o tempo das queimadas!…
É agosto, é agosto! O fogo arde o que existe
em turbilhões sinistros e medonhos.

Ai de nós!… Somos almas desgraçadas,
pois na luz de um olhar lânguido e triste
também ardeu o bosque dos meus sonhos…”

3

“Água cantante, soluçante, esse gemente
marulho triste, quantas tristes cismas trás…

E fica incerta, ao ouvir-te a voz, a dor da gente,
se vais cantando por ansiar o que há na frente
ou soluçando pelo que deixaste atrás…

Água cantante, água estuante, é singular
a semelhança em que te iguala à minha sorte:
vais para a frente e nunca mais hás de voltar,
vens da montanha e vais correndo para o mar,
venho da vida e vou correndo para a morte.

Água cantante, ai, como tu, esta alma embrenho
nas incertezas de caminhos que não sei…
E, na inconstância em que me agito, só obtenho
essa ânsia imensa de deixar o que já tenho,
depois a dor de não ter mais o que deixei!”

4

Tenho uma santa em casa; o seu olhar encanta.
O olhar dela é, porém, igualzinho ao da santa.

Quando rezo, nem sei, é como o olhar da corça,
tem, na própria fraqueza, a sua própria força.

Quando o fito minha alma enche-se da incerteza
que há na canoa sem dono á flor da correnteza.

Ele é tal qual o sol, indiferente e mudo,
sem saber quem aclara anda aclarando tudo…

Mas no olhar que o fitou brilha,
constantemente,
um reflexo de luz ambicionada e ausente.

Eu nunca vi o mar, mas vendo esse olhar penso
num barco que se afasta onde se agita um lenço…

Ou no doido terror que, em meio de procelas,
há num casco sem leme ou num barco sem velas…

Creio ver o meu vulto em teus olhos, tão vago
como as sombras que espelham a água morta
de um lago.
Eu bem sei que, tal qual na líquida planície,
o meu vulto não vai além da superfície.

Fica à tona, a boiar nessa pupila absorta
como na água parada alguma folha morta…”

5

“Pigarço: a dor me aquebranta…
Quando lembro o olhar que adoro
e que nunca esquecerei,
ah! Sinto um nó na garganta
e choro, pigarço, choro,
eu que até chorar não sei…

Quando, a trote, ela nos via,
debruçada na janela,
nós levávamos, após,
com o pó que do chão se erguia
o nosso olhar cheio dela
e o dela cheio de nós…

Então, pouco me importava
que seu olhar nos seguisse…
Galopava-se a valer…
Quando esse olhar eu olhava
era como se não o visse
tanto o olhava sem ver!

Hoje pago essa ousadia…
Ela os olhos de mi tolhe.
Queixar-me disso por que ?
Antes era eu que não o via,
agora, por mais que me olhe,
é ela que não me vê.

Sou um caboclo do mato
que ronda a luz de uma estrela…
Já viste uma coisa assim?
E o pobre Juca Mulato
morrerá por causa dela
e tu, por causa de mim…

Eu da luz desse olhar garço,
tu da dor que te machuca,
morreremos e, depois,
eu fico sem meu pigarço,
meu pigarço sem seu Juca
e o olhar dela… sem nós dois!”

PRESSÁGIOS

1

Juca Mulato sofre. Em cismas se aquebranta.
Uma viola geme, uma voz triste canta:

“Antes de amar eu dizia:
para cortar na raiz
esta constante agonia
preciso amar algum dia,
amando serei feliz”.

“Amei… desventura minha!
Quis curar-me e piorei.
O amor só mágoas continha
e aos tormentos que já tinha,
novos tormentos juntei”.

2

A cantiga, a gemer, nos ecos agoniza.

A vaga sugestão dessa angústia imprecisa
contamina-lhe a dor que o tortura sem pausa.

Juca sofre… Por que? Não advinha a causa.
Só sabe que, em seu peito, o olhar amado e langue,
deixa um rastro de luz como um rastro de sangue…

Tornou-o, pouco a pouco, a imensa dor que o oprime,
pálido como a cera e magro como um vime.
Tem olheiras cercando os grandes olhos lassos
cor do manto que traz Nosso Senhor dos Passos
quando carrega a cruz na procissão das Dores
no mais tristonho andor de todos os andores…
Mas por que sofre assim? Talvez mesmo ande nisso
artimanhas do Demo e coisas de feitiço…
Precisa, sem demora, ir uma sexta-feira,
à tapera do Roque, abrir sua alma inteira,
contar-lhe o mal que sofre e do peito arrancar
essa mágoa, essa luz, esse olhar!

A MANDIGA

1

Juca Mulato apeia.
É macabro o pardieiro.
Junto à porta cochila o negro feiticeiro.
A pele molambenta o esqueleto disfarça.
Há uma faísca má nessa pupila garça,
quieta, dormente, como as águas estagnadas.

Fuma: a fumaça o envolve em curvas baforadas.
Cuspinha; coça a perna onde a sarna esfarinha
a pele; pachorrento inda uma vez cuspinha.

Com o seu sinistro olhar o feiticeiro mede-o.
– Olha, Roque, você me vai dar um remédio.
Eu quero me curar do mal que me atormenta.

– Tenho ramos de arruda, urtigas, água benta,
uma infusão que cura a espinhela e a maleita,
figas para evitar tudo que é coisa feita…
Com uma agulha e um cabelo, enrolado a capricho,
à mulher sem amor faço criar rabicho.

Olho um rasto, depois de rezar um bocado
vou direitinho atrás do cavalo roubado.
Com umas ervas que sei, eu faço, de repente,
do caiçara mais mole, um caboclo valente!
Dize, Juca Mulato, o mal que te tortura.
– Roque, eu mesmo não sei de este mal tem cura…

– Sei rezas com que venço a qualquer mau olhado,
breves para deixar todo o corpo fechado.
Não há faca que o vare e nem ponta de espinho:
fica o corpo tal qual o corpo do Dioguinho…
Mas de onde vem o mal que tanto de abateu?

– Ele vem de um olhar que nunca será meu…
Como está para o sol a luz morta da estrela
a luz do próprio sol está para o olhar dela…

Parece o seu fulgor quando o fito direito,
uma faca que alguém enterra no meu peito,
veneno que se bebe em rútilos cristais
e, sabendo que mata, eu quero beber mais…

– Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.
Dize Juca Mulato, de quem é esse olhar?
– Da filha da patroa.

– Juca Mulato! Esquece o olhar inatingível!
Não há cura, ai de ti, para o amor impossível.
Arranco a lepra do corpo, estirpo da alma o tédio,
só para o mal de amor nunca encontrei remédio…
Como queres possuir o límpido olhar dela ?
Tu és qual um sapo a querer uma estrela…

A peçonha da cobra eu curo… Quem souber
cure o veneno que há no olhar de uma mulher!
Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.
Isso conseguirás só pelo esquecimento.
Esquecer um amor dói tanto que parece
que a gente vai matando um filho que estremece
ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:
“Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?”

E, quando se estrangula, aos seus gemidos loucos,
a gente quer que viva e vai matando aos poucos!
Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa
que o remédio é pior do que a própria doença,
pois, para se curar um amor tal qual esse…

– Que me resta fazer ?
– Juca Mulato: esquece!

A Voz das Coisas
E Juca ouviu a voz das coisas. Era um brado:
“Queres tu nos deixar, filho desnaturado?”

E um cedro o escarneceu: “Tu não sabes, perverso,
que foi de um galho meu que fizeram teu berço?

E a torrente que ia rolar no abismo:
“Juca, fui eu quem deu a água para o teu batismo”.

Uma estrela a fulgir, disse da etérea altura:
“Fui eu que iluminei a tua choça escura
no dia em que nasceste. Eras franzino e doente.
E teu pai te abraçou chorando de contente…
– Será doutor! – a mãe disse, e teu pai, sensato:
– Nosso filho será um caboclo do mato,
forte como a peroba e livre como o vento! –
Desde então foste nosso e, desde esse momento,
nós te amamos seguindo o teu incerto trilho
com carinhos de mãe que defende seu filho!”

Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços,
pareciam querer apertá-lo entre os braços!

“Filho da mata, vem! Não fomos nós, ó Juca,
o arco do teu bodoque, as grades da arapuca,
o varejão do barco e essa lenha sequinha
que de noite estalou no fogo da cozinha?
Depois, homem já feito, a tua mão ansiada
não fez, de um galho tosco, um cabo para a enxada?”

“Não vás” – lhe disse o azul – “Os meus astros ideais
num forasteiro céu tu nunca os verás mais.
Hostis, ao teu olhar, estrelas ignoradas
hão de relampejar como pontas de espadas.
Suas irmãs daqui, em vão, ansiosas, logo,
irão te procurar com seus olhos de fogo…
Calcula, agora, a dor destas pobres estrelas
correndo atrás de quem anda fugindo delas…”

Juca olhou para a terra e a terra muda e fria
pela voz do silêncio ela também dizia:

“Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo.
Onde estejam teus pés, eu estarei contigo.
Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera
há uma cova que se abre, há meu ventre que espera.

Nesse ventre há uma noite escura e ilimitada,
e nela o mesmo sono e nele o mesmo nada.
Por isso o que te vale ir, fugitivo e a esmo,
buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo ?
Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento.
Só por meio da dor se alcança o esquecimento.
Não vás. Aqui serão teus dias mais serenos,
que, na terra natal, a própria dor dói menos…
E fica que é melhor morrer (ai, bem sei eu!)
no pedaço de chão em que a gente nasceu!”

RESSURREIÇÃO

1

Coqueiro! Eu te compreendo o sonho inatingível:
queres subir ao céu, mas prende-te a raiz…
O destino que tens de querer o impossível
é igual a este meu de querer ser feliz.

Por mais que bebas a seiva e que as forças recolhas,
que os verdes braços teus ergas aos céus risonhos,
no último esforço vão, caem-te murchas as folhas
e a mim, murchos, os sonhos!
Ai! coqueiro do mato! Ai! coqueiro do mato!
Em vão tentas os céus escalar na investida…
Tua sorte é tal qual a de Juca Mulato…
Ai! tu sempre serás um coqueiro do mato…
Ai! Eu sempre serei infeliz nesta vida!”

2

“Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora…
este sonho que ergui, o poderia por
onde quisesse, longe até da minha dor,
em um lugar qualquer onde a ventura mora;

onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
tivesse-o em minhas mãos… Mas, louco sonhador,
eu coloquei muito alto o meu sonho de amor…
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.
O homem foi sempre assim… Em sua ingenuidade
teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
e oculta-o sem saber se depois o achará…

E quando vai buscar sua felicidade,
ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
escondeu-a tão bem que nem sabe onde está!”

3

E Mulato parou.
Do alto daquela serra,
cismando, o seu olhar era vago e tristonho:
“Se minha alma surgiu para a glória do sonho,
o meu braço nasceu para a faina da terra.”

Reviu o cafezal, as plantas alinhadas,
todo o heróico labor que se agita na empreita,
palpitou na esperança imensa das floradas,
pressentiu a fartura enorme da colheita…

Consolou-se depois: “O Senhor jamais erra…
Vai! Esquece a emoção que na alma tumultua.
Juca Mulato volta outra vez para a terra,
procura o teu amor numa alma irmã da tua.

Esquece calmo e forte. O destino que impera
um recíproco amor às almas todas deu.
Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
procura esse outro olhar que te espreita e te espera,
que há, por certo, um olhar que espera pelo teu…”

Fonte:
PICCHIA, Menotti Del. Juca Mulato. 1917.

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Menotti Del Picchia (Antologia Poética)

NOITE

As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.

Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.

No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
–––––––––––––––––––-

Comentário: “É uma descrição enumerativa em termos coloquiais. As metáforas são comuns: “As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem”. Ressalta imediatamente a estrutura sintática do poema — parataxe, o sujeito precedendo o verbo em todas as orações. Não há, assim, imprevistos, mesmo porque a noite se repete insensivelmente. A disposição sintática e o ritmo lento sugerem repouso e sono. Mas idéia da morte insinua-se inevitavelmente (…). Provisoriamente, ao contrário do significado, sugere, por seu corpo, a eternidade, mas a referência metafórica a cemitério da treva faz-nos ver nessa palavra, em que as sílabas se enfileiram, um cortejo fúnebre. Este poema, esquemático como um desenho, dá-nos uma visão mórbida da paisagem noturna e parece-nos um esboço, em que o artista recolheu impressões ou inspiração de momento, que não procurou aprofundar.” Jairo Dias de Carvalho
–––––––––––––––––––––

BANZO

E por que deixou na areia do Congo
a aldeia de palmas;
e porque seus ídolos negros
não fazem mais feitiços;
e porque o homem branco o enganou com missangas
e atulhou o porão do navio negreiro
com seu desespero covarde;
e porque não vê mais de ânfora ao ombro
a imagem do conga nas águas do Kuango,
ele fica na porta da senzala
de mão no queixo e cachimbo na boca,
varado de angústia,
olhando o horizonte,
calado, dormente,
pensando,
sofrendo,
chorando.
morrendo.

CHUVA DE PEDRA

O granizo salpica o chão como se as mãos das nuvens
quebrassem com estrondo um pedaço de gelo
para a salada de fruta dos pomares…

O cafezal, numa carreira alucinada,
grimpa as lombas de ocre
apedrejada matilha de cães verdes…

fremem, gotejam eriçadas suas copas
como pêlos de um animal todo molhado.

O céu é uma pedreira cor de zinco
onde estoura dinamite dos coriscos.

Rola de fraga em fraga a lasca retumbante
de um trovão.

Os riachos
correm com seus pés invisíveis e líquidos
para o abrigo das furnas. No terreiro,
as roupas penduradas nos varais
dançam, funambulescas, com as pedradas,
numa fila macabra de enforcados!
–––––––––––––––

Comentário: “Aqui a descrição de um fenômeno meteorológico, em que se manifesta o sentimento telúrico do poeta. Este se identifica com a natureza e nela infunde seu espírito. (…) Animada afetivamente a natureza, todos os seres adquirem vida: o granizo salpica o chão, o cafezal grimpa as lombas de ocre, os riachos correm. ()…) Caracteriza-se a poesia de Menotti del Picchia por essa fusão verbal de diferentes planos artísticos: escultura, pintura, música e dança. (…) Os versos são livres, mas apoiados em freqüentes assonâncias e polifonias. Assim, na primeira estrofe alternam-se consoantes oclusivas e fricativas, fonemas explosivos e sibilantes aptos à expressão do vento, da chuva e do trovão e dos riachos. As comparações se estabelecem em termos de cotidiano: “como se as mãos das chuvas quebrassem com um estrondo um pedaço de gelo”, “como elos de um animal todo molhado”. A valorização poética do objeto comum foi uma contribuição do lirismo brasileiro, intoxicado pelos excessos românticos.”
Jairo Dias de Carvalho
–––––––––––––––––––––––––––-

DESTINO (Poema Infantil)

Amanhã eu vou pescar.

Há um peixe fatalizado
que a Ritinha vai guisar
na panela de alumínio
que brilha mais que o luar.
Hoje ele está no seu líquido
e opaco mundo lunar.
Pequena seta de prata
furando a carne do mar.

Qual será? O bagre flácido
de cabeça triangular?
O lambari que faísca
como uma mola a vibrar?
O feio e molengo polvo
monstruoso, tentacular?
O peixe-espada de níquel,
a viva espada do mar?

Hoje estão vivos e lépidos
os lindos peixes do mar.
Amanhã…
Nem pensem nisso!

Amanhã… eu vou pescar!

LÍNGUA BRASILEIRA

O povo menino
no seu presepe de palmeiras
aguardou as oferendas de Natal.

A nau primeira
trouxe o Rei do Ocidente
que lhe deu o tesouro sem-par
do Cantar de Amigo,
dos Autos de Gil Vicente
e, depois, a epopéia de Camões.

No navio negreiro
veio o Melchior do mocambo
talhado em azeviche como um ídolo benguela,
com a oferta abracadabrante e gutural
dos monossílabos de cabala.

Nos transatlânticos e cargueiros,
o Rei Cosmopolita,
que tem as cores do arco-íris
e os ritmos de todos os idiomas,
trouxe-lhe o régio presente
das articulações universais.

Os três reis fizeram um acampamento das raças
e ensinaram o povo menino
a falar a língua misturada
de Babel e da América.

E assim nasceste,
ágil, acrobática, sonora, rica e fidalga,
ó minha língua brasileira!

TARDE FAZENDEIRA

Tarde cabocla
com banzo de pretos nas sombras,
carícias de escravas mulatas
nas palmas dos longos coqueiros.
Um rouco ribombo de bombo
nos ecos; um trilo de estrídulos grilos
nas moitas; tarde cabocla
com um sol de miçangas, de gangas vermelhas
nos flancos das serras,
com um hálito fresco de folhas pisadas, de verdes pomares
pejados de frutas-de-conde, de mangas maduras,
com aros de lua nascente nos céus e nas águas,
tarde cabocla
com vagas preguiças de redes nas ramas,
com longos bocejos de luz nas encostas,
foi numa tarde como esta
que vieram ao mundo
os mestiços da raça…

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Menotti del Picchia (Nasce o Escritor)

Há dias, porém, estando no Rádio City, de Nova York, gozando o esplendor do espetáculo mais célebre do mundo com suas cem estandardizadas “girls” de pernas perfeitas realizando, sem erros, a matemática de suas danças ginásticas, veio-me à cabeça o saudoso teatrinho de Itapira. A emoção me tomou. Comparei o valor artístico técnico daquela faustosa apoteose de belezas e de luzes com a escura ribalta interiorana onde uma companhia andeja de comediantes italianos representava, para uma parva platéia de caipiras, nada menos nada mais que o Hamlet de Shakespeare. Eu estava lá, anelante. Adivinhava, mais que compreendia, que o ator, encarnando Hamlet, realizava um sonho.

Ator fracassado, ficara-lhe na alma o anseio de participar do drama do príncipe torvo. Avaliava a carga passional que animava esse personagem imortal e ele também queria, fosse como fosse, viver o instante dramático do filho humilhado e espoliado punindo a mãe adúltera e o padrasto assassino, usurpador do trono. Havia uma grandeza épica naquele artista frustrado dando todo seu gênio interior à sua realização histriônica diante daqueles jecas de boca mole fascinados pelos trajes de máscara dos comparsas e, sobretudo, pelo lucilar das espadas prateadas e frias.

Raramente me era dado sentir tanto e tão bem a arte mercê do amor que por ela manifestava aquele mambembe das ribaltas. Que eram os jogos acrobáticos daquelas duzentas pernas impecáveis na simetria dos movimentos e subversivas na insinuação do sexo, diante do Hamlet itapirense ele e o gênio de Shakespeare sozinhos no lusco-fusco daquela ribalta alumiada por lampiões de querosene na qual acordava do seu maravilhoso transe com as palmas finais dos seus cômicos assistentes?

Todas essas emoções me fatalizavam à sorte de artista. Não havia escapar. Eu me comovia demais com esse mundo rico de humanidade. Seus panoramas ficavam, cromáticos, fascinantes na minha memória e os personagens me pediam uma linguagem pela qual pudessem transladar para outros as emoções que me haviam tão intimamente comunicado. Foi então que comecei a rabiscar as primeiras páginas de prosa e de verso.

Já lia e muito. Todos os livros de papai ia devorando. Michaud, Flammarion, Alexandre Dumas, Dante, Tasso, Ariosto. mistura de história, vulgarização científica, ficção, poemas, o que me caísse diante das pupilas, de Pinocchio a D. Quixote, do drama épico das cruzadas às aventuras do Conde de Monte Cristo tudo ia devorando à tarde e à noite. Comecei, então, a escrever um terrível romance de cordel resíduos mentais das aventuras de d’Artagnan e dos personagens de Ponson du Terrail. Era uma história complicada na qual certamente entrava meu tio-avô capitão, pois parte da trama se passava nas batalhas napoleônicas. Mamãe era a única leitora dos sucessivos cadernos que lhe apresentava. Paciente, ela se emaranhava nas aventuras bélicas dos meus personagens entretida mais pela riqueza episódica do que pelo sentimento, porquanto nessa moxinifada romântica não entrava mulher.

De certa forma, mesmo castamente, eu estava fora do problema do amor e do sexo.

Os primeiros versos que escrevi foram polêmicos e satíricos. Eu fizera alguma diabrura e mamãe fechou-me num quarto. A certa altura, pela frincha da porta, reclamei um lanche. Estava com fome. A travessura deveria ter sido séria, pois mamãe, sempre tão frouxa pela sua ternura, continuava policial e severa. Então peguei num pedaço de papel rasgado ao caderno e escrevi.

“Esta é uma coisa desumana.

Mamãe me nega até uma banana.”

Fiz escorregar o poema pela frincha da porta e pouco depois esta se abria. Esperava-me o lanche: bananas com queijo. Descobri, então, uma das utilidades múltiplas da poesia.

Fontes:
PICCHIA, Menotti Del. A longa viagem: memórias. SP: Martins Editora, 1970.

Imagem = montagem por José Feldman com imagens obtidas na internet – (ovo = http://www.canstockphoto.com.br/ e Menotti del Picchia em http://www.mundocultural.com.br/)

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Menotti Del Picchia (1892-1961)

Paulo Menotti Del Picchia nasceu em São Paulo, em 20 de março de 1892. Filho de Luiz del Picchia e Corina del Corso del Picchia, Menotti foi agricultor, advogado, editor, industrial, banqueiro, deputado estadual e federal, chefe do Ministério Público do Estado de São Paulo, jornalista, poeta, romancista, ensaísta, teatrólogo e primeiro diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado de São Paulo.

Menotti Del Picchia inicia seus estudos no Grupo Escolar de Itapira. Em 1903 faz o curso ginasial em Campinas, de onde se transfere para Pouso Alegre (MG). Nesta cidade, aos 14 anos, funda o periódico “Mandu”, nele publica suas primeiras produções literárias.

Aos 16, já tinha escrito um romance, que, segundo ele, não passou de um “terrível pastiche do Conde de Monte Cristo”.

Em 1913, lança o livro de poemas “Poemas do Vício e da Virtude”. Nesse mesmo ano forma-se advogado pela Faculdade de Direito de São Paulo. Logo depois da conclusão de seus estudos em São Paulo, volta para Itapira, onde exerce as atividades de agricultor e dirige o jornal “Cidade de Itapira”.

Algum tempo depois funda o jornal político “O Grito”, no qual foram publicados o romance “Laís” e os poemas “Moisés” e “Juca Mulato”, sua obra de maior repercussão, que já teve dezenas de edições. O poema “Juca Mulato”, publicado em 1917, foi tão importante e fez tanto sucesso que Menotti afirmou que era um autor perseguido por um personagem. (A força de “Juca Mulato” é tanta que Itapira, para homenagear Menotti, deu o nome de “Juca Mulato” a um parque. As homenagens de Itapira não param por aí. O nome do poeta foi dado a uma praça e foi criado o memorial “Casa de Menotti Del Picchia”.)

Algum tempo depois, muda-se para Santos, onde dirige o jornal “A Tribuna”. Ao regressar à cidade de São Paulo, exerce a função de redator em diversos jornais como “A Gazeta” e o “Correio Paulistano”. Ainda em São Paulo funda o jornal “A Noite”, dirige, com Cassiano Ricardo, os mensários “São Paulo” e “Brasil Novo”. Em 1920 e 1921, Menotti Del Picchia, utilizando o pseudônimo de Helios, publica no jornal Correio Paulistano, vários artigos que divulgavam as novas estéticas modernistas e promoviam o grupo vanguardista.

Em 1922, junto com Oswald de Andrade, Mário de Andrade e outros jovens, participa ativamente da Semana de Arte Moderna. Nessa época já era considerado um poeta de prestígio.

Em 1937 foi diretor do Grupo Anta, com Cassiano Ricardo, e diretor do Movimento Cultural Nacionalista Bandeira, com Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho.

Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1942. Em 1960, recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, concedido pela Câmara Brasileira do Livro.

Em 1º de abril de 1943 é eleito para a cadeira 28 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Xavier Marques. Em 20 de dezembro de 1943 é recebido na ABL pelo acadêmico e amigo Cassiano Ricardo.

Em 1982, é proclamado Príncipe dos Poetas Brasileiros. Esse título só havia sido concedido a mais três poetas: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Olegário Mariano.

Em 1988, no dia 23 de agosto, o poeta morreu em São Paulo.

Menotti del Picchia teve destacada atuação no movimento modernista. Preparou, com Oswald de Andrade, o advento da nova tendência literária e artística, sustentando a polêmica com os passadistas, antes e depois da Semana de Arte Moderna. Em seguida, foi aguerrido defensor da doutrinação “Verde e Amarelo”, opondo-se ao Oswald de Andrade de “Pau Brasil” e “Antropofagia”. Defendeu também os ideais do “Grupo da Anta”, que superavam os propósitos verdeamarelistas. Participou da Semana de Arte Moderna, sendo mesmo o seu orador oficial, apresentando, na festividade, os poetas e prosadores que exibiam, então, as produções da literatura nova. Suas crônicas no “Correio Paulistano”, de 1920 até 1930, como que constituem um “diário do modernismo”, registando, quase que quotidianamente, os entusiasmos, as raivas, as lutas e as desavenças da sua geração.

A poesia da fase modernista de Menotti del Picchia é colorida e engenhosa, padecendo do excesso das imagens. Abusa dos elementos plásticos, dos efeitos pitorescos e verbais. Mas, como todos os seus defeitos, que decorrem da atitude polêmica assumida, fecundou de idéias o período histórico que viveu, e que ajudou a desenvolver, sacrificando até a realização de obra poética de maior ressonância que podia dar. Poetando agora de raro em raro, controla os seus modismos e as invenções audaciosas, do que resulta uma poesia comunicativa e emocionada. “Nenhum dos seus livros modernistas” – escreve Manuel Bandeira – “superou o êxito de “Juca Mulato”, onde o poeta se apresenta em sua feição mais genuína

A poesia de Menotti del Picchia vincula-se à primeira geração do Modernismo. Entretanto, para o crítico Sérgio Milliet, ele “era um poeta neoparnasiano na forma e romântico no espírito. Moderno apenas pela inteligência compreensiva que lhe permitiu renovar a prosa nos seus romances. Na poesia, entretanto, manteve-se algo afastado dos exageros e entusiasmos da hora, fiel a uma expressão acessível ao grande público, o que lhe valeu aliás as maiores edições do Brasil.”.

Principais Obras

Poesia:
Poemas do vício e da virtude (1913);
Moisés (1917);
Juca Mulato (1917);
Máscaras (1919);
A angústia de D. João (1922);
O amor de Dulcinéia (1926);
República dos Estados Unidos do Brasil (1928);
Chuva de pedra (1925);
Jesus, tragédia sacra (1958);
Poesias, seleção (1958);
O Deus sem rosto, introdução de Cassiano Ricardo (1968).

Romance:
Flama e argila (1920; após a 4a ed., intitulou-se A tragédia de Zilda);
Laís (1921);
Dente de Ouro (1923);
O crime daquela noite (1924);
A república 3000 (1930; posteriormente intitulado A filha do Inca, 1949);
A tormenta (1932);
O árbitro (1958);
Kalum, o mistério do sertão (1936);
Kummunká (1938);
Salomé (1940).

Literatura Infanto-Juvenil:
No país das formigas;
Viagens de Pé-de-Moleque e João Peralta;
Novas aventuras de Pé-de-Moleque e João Peralta.

Teatro:
Suprema conquista (1921);
Jesus

Fontes:
Jornal de Poesia.
Mundo Cultural.
As Tormentas.

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.77)

Trova do Dia

Que o Ano Novo lhes traga,
Ó meus irmãos Trovadores,
aquela mais alta vaga
no pódio dos Vencedores!
JOÃO FREIRE FILHO/RJ

Trova Potiguar

Ao irmão que não conheço,
Feliz Natal, eu almejo
e abraçá-lo no começo,
do Ano Novo, é o meu desejo.
JAIR FIGUEIREDO/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS -Estadual
Tema > Natal > 4º Lugar

Mais parece um acalanto,
uma prece, ou… algo assim,
quando, Natal, o teu canto
escuto, ao redor de mim!…
MARLÊ BEATRIZ ARAÚJO/RS

Uma Trova de Ademar

Vou pedir pra todo o povo,
em preces e em orações;
muita paz neste Ano Novo…
muito amor nos corações!
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram:

É Natal… Com humildade
faço um pedido, em segredo:
– que eu ganhe a felicidade
nem que seja de brinquedo!
J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC

Estrofe do Dia

A vocês caros poetas
desejo nesta poesia,
muito dinheiro no bolso
saúde, paz e harmonia;
pra você e pro seu povo
eu desejo um ano novo
cheio de paz e alegria…
JOSÉ ACACI/RN

Soneto do Dia

– Nilton da Costa Teixeira/SP –
A FARSA DO ANO

Em trinta e um de dezembro, esvai-se o calendário.
– Dia de São Silvestre é o dia derradeiro
e, buscando atingi-lo, a gente temerário,
corre de lá para cá, incerto o ano inteiro…

O ano percorre certo o próprio itinerário.
E a gente que o sonhava um ano lisonjeiro,
engendra pelo sonho o sonho legendário,
mas dezembro desfaz os sonhos de janeiro…

Quem nada usufruiu que use compensações,
– conte a quem possa ouvi-lo em milenar mentira,
que o ano lhe foi propício em suas ilusões…

Abrandará assim o anual desengano.
dizendo conseguido o que não conseguira
e pregará também a maior farsa do ano.

Fonte:
Ademar Macedo

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Ernâni Rosas (Antologia Poética)

(foi mantida a grafia original dos poemas)

REINO DESEJADO

Peregrino do Sonho errei caminhos
que iam ter às portas da alegria.
Poeta e marujo naufraguei sozinho
e a minha nau fora a melancolia.

Meus olhos não beijaram a luz da glória
nem meus lábios chegaram a balbuciar,
quero encerrar-me em vós portas da inglória
Noite, que é mar sem-fim a serenar!

Onde as almas na febre de seus lábios
nunca chegam a tocar para matá-la
Na insaciável ebriez dos lábios
A olhar amortecendo, sonha e cala

E como solitário a tempos-idos
nosso frescor de lábio sossegado
os antigos caminhos percorridos
Peregrino! Da morte no vencer!

CREPÚSCULO

Toda existência, é ocasional regresso…
Ali, a sombra do homem é grave e austera,
recai a tarde em cisma, à noute o espera
sossega a ceifa célere dos músculos…

É efêmero o viver do caminheiro
falsa visão do sonho p´la atmosfera
na demência da enxada do coveiro
que enterra as ruínas, mais as primaveras!…

Vida e ânsia vibrando num só verso
no transporte da serra ao éter puro,
é contato genial com o Universo…

Bruxuleia a minguar em céu escuro,
porque não crê, ficando submerso…
entre o oceano e o Nirvana do futuro!…

CONVALESCENTE

Convalesço dos males da Quimera
partindo sempre de um desejo rude,
a malograda sorte da galera
que aportar com delírio nunca pude…

Do amor, nada pretendo com veemência
pela vida misérrima que arrasto!
Eu sinto o frágil coração tão gasto
às futuras e rudes penitências…

Desconheço o rigor dessa ironia
Quando o sol tomba na água e eril centelha
sem n´a apagar em fulva alegoria…

Amo a noute, amo o espelho do Universo
nunca a chaga de um Deus que se avermelha
no sangue que palpita no meu verso!…

TÂNTALO DA DOR

Maldita, seja a Arte incompreendida
e a taça do Ideal que nos lacera…
os vinhos de Luxúria e da Quimera
e a báquica eclosão da Luz dorida!

dos tântlos letais e da beleza,
da dúvida do mundo em meu pensar…
os ciclos turvos de íntimas tristezas
que nunca mais se vão para o Luar!

Eo meu cismar romântico e amoroso,
é como um rio fundo rumoroso,
cheio de sombras e de estrelas d´oiro…

P´la maldição dessa sinistra incúria,
maldiz ao fel da vida, como agouro…
Maldita seja a serpe das Luxúrias!

VISÃO

Agoirenta visão da luz gelada!
Que mistério possui tua Presença?
Quando desces à terra anuviada,
Vais a Jesus, a Deus pedir licença!…

E arrebatas as almas desgraçadas
às geenas do Mal, como sentença!
e a mim, me levarás pela alvorada
de tuas vestes lúgubres – e descrença!…

Louca hiena da fé bebes-me a vida,
na fria tentação do teu segredo!
no Tântalo falaz, como bebida…

Cerras-me os olhos, gelam-me teus dedos…
arrebatas-me o corpo a vão degredo
num só beijo de morte apetecida!…

A MORTE

Sou dos ventres a lúbrica bacante,
a pantera em meus ócios de veludo:
fascino os corações, que enervante,
no languir dos aromas, sobretudo…

Serei do teu Amor, homem, o quebranto,
talvez, a morte em minha garra adunca,
sou bizarra no amor, não vejo nunca:
o que possa na dor causar espanto!

Venho meu corpo à alambra do oriente,
Lascivo riso exóticos perfumes…
Encarno a mancenilha em forma ingente!

Sou a sombra do Amor luxuriante.,
Inebrio as cabeças dos amantes…
Nunca amei, nem de mim não tive ciúmes!

SALOMÉ

Ó Bailarina, oh! mariposa inquieta!
Aljofrada da gema de uma tarde.
És nume, Salomé, ágil goleta…
dentre o incenso da sombra que oura e arde…

Espectro errante de um cometa absorto
após a bacanal “saturniana”!…
(onde os nardos têm ócio do “Mar-Morto”!)
e ergue-se a lua irial, sibariana…

Chovem do céu os raios da nova aurora
sobre seu corpo d’âmbar colmado
da via Láctea que su’alma olora…

Numa auréola de Luz e alegoria
Esvaindo-Te em Sonho musicado,
para a glória do “Mal” que a irradia…

LÚCIFER

No espelho encantado do destino
Mais de uma vez me vi transfigurado:
As horas tinham timbre cristalino
E erravam opalizadas no passado…

Não me fato de olha-las, no mistério
Tênues e loiras como a corda flébil
Do violino outonal do poente aéreo,
Que amortece em lilás num corpo débil…

Não me farto de olhar, erro inconsciente…
O solo é de diamante e o espaço um astro…
Vivem mármores d’alma no poente!

Foge-me a luz e se antecipam as horas,
No lago azul há cisnes de alabastro,
E o espelho em que me vi é tudo auroras!…

PERDI-ME… TODA UMA ÂNSIA…

“Perdi-me… toda uma ânsia me revela
sombra de Luz em corpo de olor vago,
a saudade é um passado que cinzela
em presente, a legenda desse orago”.

“Errasse em densa noite de beleza,
pisasse incerto, um falso solo de umbra…
sonho-me Orfeu… o Luar, que me deslumbra…
é marulho de luz na profundeza!…”

Toda a alma do azul esvai-se em lua…
nimba-lhe a face um crepe de Elegia…
É alvor do dia numa rosa nua,

que as minhas mãos cruéis sonham colher…
mas ao tocar desfolha-se mais fria,
que a sombra de meus dedos a tremer…

O SONHO-INTERIOR

O Sonho-Interior que renasceste
era o poema dum lírio do deserto,
o vinho de outras-almas que bebeste
fatalizou o meu destino incerto…

Depois por ti em sombras de degredo
encerrei a minha alma desolada,
tive a tua visão crepusculada
na beleza fugaz do meu segredo…

Perdeu-se-me ao sol-pôr teu rastro amado!
qual cipreste, no poente agonizado, —
na demência autunal duma alameda…

Velaram-se sudários teus espelhos…
ante o cerrar do teu olhar de seda,
que era um descer de lua em cedros velhos

HORA DA INSÔNIA

Noite sem termo! A Lua erra em delírio,
Balbucío palavras sem querer…
Cismo no olor vernal d’alma de um lírio,
E sou memória d’algo a transcender…

Sofro-lhe a ausência. A carne é meu martírio,
Ressurjo… Amo a visão do meu não-ser!
Todo meu corpo é amorfa névoa-círio…
Volúpia de um perfume a se perder.

Cismo na errante estrela, que deslumbra
O vaso de teu ser dentre o relento
Num murmúrio de fonte que ressumbra!

Sou o olfato! Amo as horas de um jardim…
Sou uma vaga sonora em pensamento:
Eflúvio lirial que vens a mim!…

RIMAS À LUA

Dorme em lascivo leito, reclinada…
Repontando de Astros e fogueiras,
Ateias a coivara prateada
Dos caminhos desertos, pegureira…

Lua! Da meia noite, solitária,
Urna errante p’la nave do infinito…
Cravas o lácteo incêndio funerária,
Às montanhas geladas de granito…

Peregrinando em tua marcha hiante
E exausta de fadiga em água amara
Buscas o mar, o oceano o teu amante…

Artista, cuja tela, ao ver-Te aclara!
N’esse sonambulismo inebriante…
Em suas vagas verdes Te enlaçara…

PENUMBRA DO LUAR

Noite de lua e noveiro, argente
Difunde-se o luar pela folhagem…
Com a mesma languidez vaga e dormente
Da chuva, quando cai sobre a ramagem…

Como a música ao longe e som dolente
Recorda todo esse abandono… E a aragem
Que passa, agita o olor suave e florente
Vindo das messes, da vernal paisagem…

E o luar cresce através de ermo arvoredo,
Noite chuvosa e triste a Lua ateia…
Fluida névoa de luz… Sonho… Segredo…

Ao ressurgir das coisas na saudade
Que o silêncio evocou… E à luz ondeia
Erra na morta e fria claridade…

SONETO

Vai alta a lua lírica e silente,
Toda paisagem em sonho se embebeu!
Narra a si-mesmo o eco, vagamente…
Paira a auréola da luz dentre os céus…

Parece madrugada! Um galo canta…
Uivam de tédio os cães, não chega o dia!
[pois] se o Luar turvou minha alegria…
E a noite toda de uma mágoa santa!

Outono! Vão-se as horas… E lacrimosa
É tão triste a vereda e a própria casa…
Traz saudades da vida religiosa!

Cada vez mais o luar neva e cintila…
Seixos em pranto à flux o areal abrasa,
E a água por ser ceguinha erra e vacila…
—–

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Heron Moura (Ernani Rosas: o homem em negativo)

Saiu pela Editora da UFSC um belo livro: Cidade do Ócio, seleção de poemas do poeta catarinense Ernani Rosas, selecionados e organizados por Zilma Nunes. Esses poemas eram todos inéditos, e o trabalho minucioso e amoroso de Zilma Nunes os torna agora públicos. Só a decifração da letra inóspita do poeta já significou um esforço admirável da organizadora; mas trazer à luz a obra desse poeta, de uma forma clara e orgânica, é o maior mérito da obra.

Duas coisas, paralelas à obra, me chamaram profundamente a atenção. Aparentemente, há apenas duas fotos do poeta, o que em si mesmo já é espantoso, já que Ernani Rosas nasceu em 1886 e faleceu em 1954. A primeira é do poeta ainda jovem, e seu perfil exprime confiança e força. A segunda é do poeta velho, e revela um homem desamparado, frágil, náufrago de algum desastre, cujos efeitos a companhia de um sorridente sobrinho só faz ressaltar.

Não sei as causas desse desastre pessoal. Parece que ninguém sabe. O segundo fato que me chamou a atenção é o registro de Zilma Nunes: “é possível, por intermédio das negativas, construir uma biografia às avessas: Ernani Rosas não estudou, não casou, não teve filhos, nunca trabalhou, nunca viajou, nunca publicou nenhum de seus poemas”. Ernani Rosas é o homem em negativo.

O que me espanta mais ainda é que há uma certa leitura plausível desse desastre, não uma justificativa, mas uma interpretação: Ernani Rosas encarnou o espírito do poeta moderno pós-simbolista, que recusa a vida em nome da arte. Se não viveu em vida, viveu na forma da arte.
Isso liga duas pontas muito díspares, mas que se encontram: uma visão intelectual e acadêmica da arte como pura estética, desligada da vida, e a prosaica percepção, ainda disseminada entre as pessoas leigas, de que a poesia é assunto da estratosfera, e que os poetas são espécies de extraterrestres. Eles não vivem para esse mundo, como os profetas bíblicos.

Foi essa percepção do poema como fuga do real que levou Ernani Rosas a não viver a sua vida? Não sei. Mas seus poemas herdam e trazem a marca de toda a tradição simbolista e pós-simbolista que ancora boa parte da mirada esteticista da poesia moderna. A raiz dos poemas de Ernani Rosas pode ser traduzida por meio de duas frases: a de Mallarmé, que afirmou que o mundo real não passava de uma “miragem brutal” e a frase lapidar que aparece no Axel de Villiers de L´Isle-Adam: “Viver? Nossos criados farão isso por nós!”

O simbolismo, do qual derivou a poesia moderna, recusava o mundo real, por razões que não cabe examinar aqui. Mas digamos que se tratava de uma visão aristocrática da vida: aos burgueses e populacho era destinada a vida, aos nobres e artistas era destinada a arte. Essa oposição entre arte e vida criava uma situação paradoxal: a forma mais rica de expressão era um apagamento das formas de vida perceptíveis por todos. A sintaxe de Mallarmé, por exemplo, era um minucioso esforço para apagar qualquer traço da fala da tribo, a qual estava ligada àquela “miragem brutal” da realidade. Tudo se passa como se uma vida retirada, uma vida em negativo, pudesse representar a forma mais intensa de expressão estética. A poesia se transforma em religião, e o poeta é o seu profeta. Ao sinal de menos na vida, corresponderia o sinal oposto na poesia.

Ernani Rosas estava consciente disso? Não sei. O espantoso é que ele viveu no Rio a maior parte de sua vida, e ali se configurou uma geração de grandes poetas que renegam essa tradição simbolista e semi-romântica do poeta como boêmio e como vate. Vejam a vida e as práticas sociais de poetas como Drummond, Jorge de Lima, Murilo Mendes e João Cabral. Todos eram homens de seu tempo, com profissões definidas, homens da rua, e não do claustro. Drummond era funcionário público graduado e jornalista, Jorge de Lima era médico e político, João Cabral era diplomata, assim como Vinícius de Moraes. Nada mais distante do Baudelaire que não trabalhava e que pintava o cabelo de verde. Mesmo se profética, a palavra do poeta brasileiro era a da língua de todos os dias, e mesmo a sintaxe de João Cabral deve tanto ao modernismo quanto à literatura de cordel.

Mas Ernani Rosas não. Era um pássaro de outros tempos, talvez o albatroz do poema de Baudelaire: a ave imponente que não voa mais. Talvez isso se explique por uma opção puramente estética: ao passo que a tradição brasileira se voltou para a língua da rua, Ernani Rosas se liga mais à tradição lírica de Portugal. Ele inclusive esteve ligado, por um tempo, ao grupo da Revista Orpheu, da qual participou Fernando Pessoa.

Aliás, Fernando Pessoa é outro moderno profundamente conectado à tradição simbolista. Mas há uma diferença enorme entre Fernando Pessoa e Ernani Rosas, além é claro da qualidade poética: o poeta português foi extremamente ativo na sua Lisboa, ao passo que Ernani Rosas se internou num limbo de inação que revela a essência da ideologia da arte pela arte.

Pode a arte pela arte salvar a vida? Essa é a questão que Ernani Rosas nos coloca. Os seus poemas substituem seus filhos, suas mulheres e seu labor social?

Eu acho que arte e vida trocam signos. Uma vida pobre emite menos signos, e uma arte rica não encontra resposta no silêncio. Eu sinto uma tristeza lendo poemas de Ernani Rosas. É certamente um poeta dotado, dedicado a seu ofício. Augusto de Campos já ressaltou algumas de suas qualidades como poeta. Mas se lemos essa seleção de poemas organizada por Zilma Nunes, ressaltam também as deficiências: poemas muitas vezes confusos, mal resolvidos, o poeta perdido na lida com seu material. Como se ele tivesse tentado dominar os seus poemas de dentro, de um ponto de vista puramente estético, e o resultado foi confusão mental e um repertório restrito, apesar de algumas surpresas e de um ritmo poético consistente e persistente.

Nos melhores momentos, ele chega a lembrar alguns poemas de Mário de Sá-Carneiro:

Neste poema cismático, agoniza
A luz de um sol como um delírio a Deus!
Num nevoeiro genial se concretiza,
Dúvida e sombra num debuxo a Zeus…

Mas o que fica ressoando em mim não é essa evocação de uma divindade poética, mas a auto-percepção do fracasso da linguagem do poema como instrumento de domínio:

Eu pensei dominar a turba ignara,
Vesti-me com o calor de D. Rodrigo,
Tive a maior das decepções… falhara,
Em nenhum coração tivera abrigo!

Se o mundo externo é uma miragem cruel, as pessoas que nele habitam também são. Mas o poeta reconhece o sofisma desse aforismo: as pessoas existem, e o poeta vive com a linguagem com que elas vivem. Ele não pode deixar a vida para seus criados. Aliás, o nosso querido Ernani Rosas certamente nunca teve um criado na vida.

Fonte:
Héron Moura. In Diário Catarinense, em 30 de agosto de 2008.

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Ernâni Rosas (1886-1955)

Ernâni Salomão Rosas Ribeiro de Almeida, nasceu em Desterro, Florianópolis em 31 de março de 1886, mas viveu no Rio de Janeiro desde os 3 anos de idade. Filho do também poeta Oscar Rosas.

Chegou a entrevistar-se com poetas como Luiz de Montalvo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, mas sua poesia é considerada simbolista, tardia.

Trabalhou em cargos modestos e variadas e humildes atividades profissionais.

Viveu em Nova Iguaçu, onde morreu em condições difíceis. Com o agravante da discriminação por ser gago, homessexual, pobre, tratando de viver ‘como poeta’ (…) apreciando sobremaneira o álcool e provavelmente o ópio, afastado do convívio com os ‘poetas maiores’ de sua época, é de se supor as dificuldades encontradas por Ernani para publicar seus poemas”

Tanto que os poemas contidos na “História do Gosto” ficaram guardados em uma caixa na Academia Catarinense de Letras por mais de 40 anos, sendo resgatados para a análise e publicação do livro só em 1997.

Poeta em certo sentido hermético, de inspiração mallarmáica. Chegou a ser redescoberto e cultuado pelos concretistas paulistas.

Dentre suas principais influências estão Eugênio de Castro e Cruz e Sousa. Como observa Andrade Muricy: “O fato de ter ficado quase completamente desconhecido e não haver, por isso, tido influência histórica, não lhe invalida a precedência”.

Publicou em vida: Certa Lenda Numa Tarde – Paráfrasis de Narciso; Poemas do ópio; Silêncios. (…)

Fontes:
Antonio Miranda
Literatura Brasileira – Apostila 7 de simbolismo.
Casa de Paragens.

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Oscar Rosas (Poesias Avulsas)

EXCELSIOR

Crescem teus ódios como o mar,
Cresce-me o amor como um novilho.
Rufa o tambor, vamos cantar,
Que no teu ventre está meu filho.

Nós não sabemos que é chorar,
Somos assim como um junquilho,
Como ferreiros a forjar
0 ferro em brasa para um trilho.

Somos de ferro como as lanças,
Eu cheiro só as tuas tranças
E a minha boca só tu beijas.

Tu és a noiva da desgraça!
A nossa sátira espicaça
Como dentadas às cerejas.
———

O soneto é bastante aliterado, em m no início, em f nos versos 7-8, em t no verso 10, em b no verso 11, em s no verso 13, etc. Faltam aos versos o travamento e a precisão vocabular parnasianos, e essa ausência denota o caráter simbolista da composição.

SEREIA
(Dedicado a Emíïio de Menezes)

Reparem nesse bronze, veia a veia,
Cornucópia de seios e de escama,
Obra de um japonês, em que o Fusi-Iama
Adora o mar em enluarada areia.

Canta, e essa harmonia nos golpeia.
É duma triste e solitária gama,
Porém aumenta desse bronze a fama
O olhar amortecido da sereia.

Penso que sonha o pólo e o nevoeiro,
E a pálida talhada de um crescente
Num céu de véus de noiva e jasmineiro.

E, como búzio a referver, ressoa
Numa langue preguiça de serpente,
Num êxtase nostálgico de leoa.

VISÃO

Tanto brilhava a luz da Lua clara,
Que para ti me fui encaminhando.
Murmurava o arvoredo, gotejando
Água fresca da chuva que estancara.

Longe de prata semeava a seara…
O teu castelo, a Lua crepitando,
Como um solar de vidros formidando,
Vi-o como ardentíssima coivara.

Cantigas de cigarra na devesa…
E, pela noite muda, parecia
Cantar o coração da natureza.

Foi então que te vi, formosa imagem,
Surgir entre roseiras, fria, fria,
Como um clarão da Lua na folhagem.

Fontes:
Antonio Miranda.
Jornal de Poesia.

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Oscar Rosas (1862 – 1925)

Oscar Rosas Ribeiro nasceu em Florianópolis, em 12 de fevereiro de 1862, Filho de João José da Rosa Ribeiro de Almeida e de Rosa Albino Machado.

No Rio de Janeiro se fez jornalista profissional, defendendo o abolicionismo e a Republica; conheceu Cruz e Sousa no Ateneu Provincial de Santa Catarina, levando-o para o Rio, durante a primeira estada do Poeta Negro (junho de 1888 — março de 1889), e quem o apresentou aos meios literários.

Os quatro poetas que, em redor da Folha Popular, fundaram o grupo renovador das nossas letras, um era Oscar Rosas, que desde 1890 se dizia ,”simbolista radical”. Oscar Rosas secretariava o jornal Novidades, onde fez proselitismo simbolista; assim é que em 18 de outubro de 1890 atacou Araripe Junior, que interpretava o simbolismo de modo insatisfatório, e assim é que levou a colaborar no periódico Cruz e Sousa e os moços inconformados. Chegou a escrever um soneto de parceria com o Cisne Negro.

Depois de deixar Novidades, em abril de 1892, Oscar Rosas dedicou-se quase que integralmente ao jornalismo político, trabalhando em vários periódicos do Rio e de 1922 a 1925 em Florianópolis, onde dirigiu o jornal Republica.

Foi deputado à Assembleia Legislativa de Santa Catarina na 11ª legislatura (1922 — 1924).

É patrono de uma das 40 cadeiras da Academia Catarinense de Letras.

Faleceu nesse mesmo ano de 1925, no Rio, no dia 27 de janeiro. Sua produção poética encontra-se até hoje esparsa pelos jornais e revistas da época.

“Janela do Espírito”, reproduzida por Andrade Murici (Panorama, vol. I, pag. 177), trai nítida influência de Teófilo Dias, confirmando, mais uma vez, que o poeta das Fanfarras foi uma poderosa sombra sobre os nossos primeiros decadentes e simbolistas.

Basta ver o começo: “Ai, que tormento, criança, / Oh! que sina tão sangrenta! / — Andar essa loura trança / Presa a minh’alma febrenta. // Agora eu passo os meus dias / Debaixo dessa janela, / A espera que tu sorrias / Sob essa coma de estrelas. // Pela calçada eu passeio, / Junto de ti eu me agito, / O sangue tinge-me o seio / Na veemência de um grito.” Pelos espécimes que dele reuniu Murici, Oscar Rosas buscava novidade de expressão e imagens.

Fontes:
Antonio Miranda.
Wikipedia.
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva, in Poesia Simbolista: Antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1965.

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Heron Moura (Robert Frost: Juntando Folhas)

Robert Frost (1874-1963) é um dos grandes poetas norte-americanos, num século muito rico de poetas nascidos nos Estados Unidos. Sua fama é menor que a de alguns de seus pares. Não é tão conhecido quanto Eliot ou Pound, nem tão moderno quanto William Carlos Williams. E parece provinciano perante Wallace Stevens.

Mas retornar a ele e reler os poemas de Frost é como visitar uma cidade do interior e descobrir nela uma construção que a gente não sabe catalogar de imediato; é uma construção claramente urbana e moderna, e, no entanto, algo ali exala um tempo que não volta mais. Sua arquitetura nos faz pensar em parentes mortos, e nos lança também diante de nós mesmos.

Não sei como um poema de Frost soa a ouvidos nativos. Para mim, evoca algo dessa sensação que sentimos ao ler poemas de Drummond, quando o poeta aborda a memória de Minas. Não é Minas que está ali; é uma sombra de parentes falecidos, ou menos que uma sombra; mas é tudo tão palpável.

Os poemas de Frost parecem esculpidos sobre um dialeto do inglês que eu não conheço, de caipiras um tanto bruscos e reticentes, e que vivem sob a neve durante meses. Como eles falam? O que pensam? Não sei, e na verdade pouco importa. Eu não sei como vivem os homens e mulheres de New Hampshire, estado no nordeste dos Estados Unidos, e que dá título a um dos grandes livros de Frost, do qual retirei o poema abaixo, traduzido por mim:

JUNTANDO FOLHAS.
Robert Frost
(tradução: Heron Moura).

Tanto faz pá ou colher
Para juntar essas folhas;
E o saco que elas enchem
Pesa o que pesam rolhas.

Eu faço um grande ruído
Pisando em folhas mortas,
Como coelhos e corças
Fugindo de trás das hortas.

Mas as montanhas que eu ergo
Escapam de meu enlace,
E tombam entre meus braços
E voam na minha face.

Eu carrego e descarrego
Usando a pá e a mão,
E o galpão fica cheio;
O que eu tenho então?

Apenas carga sem peso,
Um verde agora sem vida
Pelo contato com a terra,
– Carga tão descolorida

E que não serve pra nada.
Mas colheita é colheita
Não importa onde ela alcança
E para que ela é feita.

Nada neste poema evoca o dramatismo religioso e desamparado de um Eliot. O dramatismo cansa, tanto quanto a superficialidade. No poema acima não se encontra nada das supressões e elipses de um William Carlos Williams. A voz é nítida e musical, embora levemente rústica e brusca.

Poesia é uma questão de moda, como tudo o mais. Frost não entrou na moda (pelo menos aqui no Brasil), mas que diferença isso faz? Também é muito difícil explicar por que uma moda pega, e outra cai. É muito difícil explicar porque os homens deixaram de usar chapéus, ou por que os rapazes usam hoje calças folgadas, abaixo da linha da cintura. No entanto, os entendidos gostam de fazer a genealogia das etiquetas, e querem explicar os chapéus, as calças e Frost. Este grande poeta seria sentencioso e alegórico, o que corresponde a uma forma terrível de retórica. E o moderno aboliu a retórica. Veredito: Frost, fora da moda, poeta malvestido.

É um pouco fastidioso fazer a crítica das etiquetas, mas pensemos um pouco sobre a questão da alegoria. Um poema moderno não pode ser alegórico? Eliot não usa insistentemente desse processo para criar imagens? Por que o pobre Frost leva a culpa?

Pode-se ler o poema Juntando Folhas como uma alegoria. Mas alegoria do quê? O problema é que podemos dar variadas interpretações alegóricas a esse poema; interpretações em demasia, na verdade.

Essas folhas, que nos escapam e que não valem nada, mas que devemos juntar de toda forma, podem ser a imagem de nossos esforços cotidianos; pensamos ter colhido algo, mas só enchemos sacos de folhas.

Há uma alegoria um tanto mais elaborada, e ao gosto de uma moda agora levemente ultrapassada; juntar folhas é como escrever poemas. Palavras não pesam nada; elas tombam diante de nós, e voam diante de nossa face. Poemas não valem nada e só produzem ruído, e, no entanto, o poeta colhe essa colheita todo dia, como um coelho que busca o seu sustento entre as plantações. O poema Juntando Folhas seria, nessa leitura, uma alegoria da arte verbal, e, talvez, da incapacidade de essa arte atingir um destino.

Pode também ser uma alegoria do tempo que passa. Colhemos os anos, e o que temos no final? Sacos estufados de tempo, uma sombra do que vivemos, um verde que vai perdendo a cor e a intensidade.

Não pode ser; isso não está correto. Há alegorias demais nessas interpretações, e esse poema no fundo é muito leve. A sua força vem da convocação de imagens e ritmos; vem da música e da forma, não da superposição de um sentido mais amplo a essas imagens nuas.

E, no entanto, como essas imagens significam! Elas nos falam pelo que são: um homem faz muito esforço e muito barulho para usar a sua pá; é como se ele estivesse usando uma ridícula colher para arar a terra, arar o que não pode ser arado. É como se ele estivesse plantando na neve ou na rocha. Associamos esforço e dispêndio, tempo e passatempo, suor e montanhas de folhas.
O poema nasce daí: imagens estocadas em nossa mente se articulam de forma inesperada: talvez plantar e colher sejam como construir um castelo na areia, ou como juntar conchinhas na beira da praia. Algo nos empurra para a repetição e a aglomeração das coisas. Compulsivamente, juntamos e juntamos. Coletamos. Coletamos até o que não temos.

O fim do ano é também uma época de juntar coisas; o que foi e o que não é mais. Devíamos fazer as árvores natalinas com essas montanhas de folhas de Frost. Daria mais trabalho, mas seria mais real. O ano passou, mas a nossa vontade de juntar não.

Fontes:
http://www.heronmoura.com/blog/?p=186

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.76)

Trova do Dia

Que o Ano Novo, afinal,
seja de instantes risonhos
e que os sonhos do Natal
sejam muito mais que sonhos!
ARLINDO TADEU HAGEN/MG

Trova Potiguar

Eu fico feliz porque,
em Dezembro em peço assim:
Feliz Natal pra você…
como eu desejo pra mim.
LUIZ XAVIER/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > 1º Lugar

Nada ter na mesa à Ceia
do Natal, triste é! Porém,
bem mais triste é vê-la cheia
e em volta não ter ninguém.
MARIA AMÉLIA CARVALHO/PORTUGAL

Uma Trova de Ademar

Ao Trovador, meu irmão
mando um abraço apertado;
pra vocês, de coração,
um Ano Novo “Arretado”!
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram:

Natal… Repicam os sinos…
Banha-se o mundo de luz…
Há nos lábios dos meninos
o sorriso de Jesus!
COLBERT R. COELHO/MG

Estrofe do Dia

Mais um ano se inicia
e, em nome dos Trovadores
peço ao filho de Maria
para amenizar as dores;
que agora neste Ano Novo
acabe a fome do povo
que não comeu no “Natal”;
peço ao Pai Onipotente
que mande para essa gente
mais justiça social.
ADEMAR MACEDO/RN

Soneto do Dia

– Josias Alcântara/ES –
UM ÓTIMO FINAL DE ANO.

Experimente, por favor experimente
ouvir e atender primeiramente ao seu Deus.
Não se recuse, apenas se esforce mais…tente…
compartilhar essas dádivas com os seus.

Experimente focar com o olhar da mente
o que fizeram outrora os fariseus.
Leia e releia o evangelho de São Mateus
e aprenda um pouco com Jesus a olhar de frente!

Não se esqueça e seja exemplo na caminhada
e não desista na primeira encruzilhada,
pois Deus é Pai e se preciso lhe carrega…

Oh! Meu amigo (a), a angústia passa, siga em paz,
que a sua luta é boa e logo se refaz;
mas, só vence nessa vida, quem não se entrega!

Fonte:
Ademar Macedo

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Pedro Cezar em Recital de Poesia VIDA, em Salvador, BA

Desenvolvendo atividades artísticas e culturais a nível nacional e internacional, o poeta Pedro Cezar, Apresenta o recital de poesia Vida, poemas do livro CELEBRE.

Recital de poesia – Consiste na retomada da oralidade na poesia, com poemas, incursionando no modernismo vivenciando o pós modernismo com Pedro Cezar.

O recital é interativo, possibilitando o poeta presente declamar, sonetos, quadras, tercetos, viabilizando uma temática eclética, através do filosófico, romântico e social, possibilitando ao espectador, melhor possibilidade de reflexão sobre a vida.

Ora com a rima explicita, ora com a rima oculta, faz fluir do texto a poesia!

Fonte:
Poetas del Mundo

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Ialmar Pio Schneider (Soneto)

Fonte:
Soneto enviado pelo Autor
Montagem sobre imagem recebida por e-mail – autor anonimo.

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Oswaldo Antônio Begiato (Oração a Mim Mesmo)

Que eu me permita
olhar e escutar e sonhar mais.
Falar menos.
Chorar menos.

Ver nos olhos de quem me vê
a admiração que eles me têm
e não a inveja que,
prepotentemente, penso que têm.
.
Escutar com meus ouvidos atentos
e minha boca estática,
as palavras que se fazem gestos
e os gestos que se fazem palavras.

Permitir sempre
escutar aquilo que eu não tenho
me permitido escutar.

Saber realizar
os sonhos que nascem em mim
e por mim
e comigo morrem por eu não os saber sonhos.

Então, que eu possa viver
os sonhos possíveis
e os impossíveis;
aqueles que morrem
e ressuscitam
a cada novo fruto,
a cada nova flor,
a cada novo calor,
a cada nova geada,
a cada novo dia.

Que eu possa sonhar o ar,
sonhar o mar,
sonhar o amar,
sonhar o amalgamar.

Que eu me permita o silêncio das formas,
dos movimentos,
do impossível,
da imensidão de toda profundeza.

Que eu possa substituir minhas palavras
pelo toque,
pelo sentir,
pelo compreender,
pelo segredo das coisas mais raras,
pela oração mental
(aquela que a alma cria e
que só ela, alma, ouve
e só ela, alma, responde).

Que eu saiba dimensionar o calor,
experimentar a forma,
vislumbrar as curvas,
desenhar as retas,
e aprender o sabor da exuberância
que se mostra
nas pequenas manifestações
da vida.

Que eu saiba reproduzir na alma a imagem
que entra pelos meus olhos
fazendo-me parte suprema da natureza,
criando-me
e recriando-me a cada instante.

Que eu possa chorar menos de tristeza
e mais de contentamentos.
Que meu choro não seja em vão,
que em vão não sejam
minhas dúvidas.

Que eu saiba perder meus caminhos
mas saiba recuperar meus destinos
com dignidade.

Que eu não tenha medo de nada,
principalmente de mim mesmo:
– Que eu não tenha medo de meus medos!

Que eu adormeça
toda vez que for derramar lágrimas inúteis,
e desperte com o coração cheio de esperanças.

Que eu faça de mim um homem sereno
dentro de minha própria turbulência,
sábio dentro de meus limites
pequenos e inexatos,
humilde diante de minhas grandezas
tolas e ingênuas
(que eu me mostre
o quanto são pequenas
minhas grandezas
e o quanto é valiosa
minha pequenez).

Que eu me permita ser mãe,
ser pai,
e, se for preciso,
ser órfão.

Permita-me eu ensinar o pouco que sei
e aprender o muito que não sei,
traduzir o que os mestres ensinaram
e compreender a alegria
com que os simples traduzem suas experiências;
respeitar incondicionalmente
o ser;
o ser por si só,
por mais nada que possa ter além de sua essência,
auxiliar a solidão de quem chegou,
render-me ao motivo de quem partiu
e aceitar a saudade de quem ficou.

Que eu possa amar
e ser amado.
Que eu possa amar mesmo sem ser amado,
fazer gentilezas quando recebo carinhos;
fazer carinhos mesmo quando não recebo
gentilezas.

Que eu jamais fique só,
mesmo quando
eu me queira só.
Amém.

Fonte:
Poetas del Mundo

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Oswaldo Antônio Begiato (Livro de Poesias)

ANTEONTEM

Anteontem,
pé ante pé,
caminhei com anteolhos
por conta de uma antepaixão
que me veio de anteparo,
antepondo um dilema:
– Antes tarde do que nunca.

Diante de tudo isso
e ante minha descoberta,
fiz-me, antequanto,
ente e rente,
como dantes no quartel d’Abrantes.

PRESUNÇÃO

Há no Universo estrelas tolas.

Uma não suporta
a luz da outra.

Elas amam a escuridão;
sabem que sem escuridão
sequer vida teriam.

Não queiram me dar notoriedade.

Nasci no fundo do mar
com o destino de ser ostra.
Vivo da iridescência do nácar.

Meu cenário é a escuridão,
mas jamais serei estrela.

Não terei luz para iluminar tua passagem,
mas te fornecerei pérolas
para que tu sejas a luz no meio da festa.

DERMO-ÓTICA

Hoje estou feliz como nunca estive antes.

Sinto minhas alamedas cheias de bonanças,
Meus canteiros revirados pelo cuidado alheio,
Meus vácuos encurtados pela presença da verdade.

Sinto minhas sombras povoando os relógios de sol,
Minhas distâncias sendo medidas pelos sextantes.

Apesar de tudo, de todos.
Apesar de nada, de cada.
Apesar de pouco, de louco.

É que hoje você está mais radiante do que uma chuva de meteoros,
E suas mãos puderam me ler do princípio ao fim.

RESSURGIMENTO

Ganhei uma rosa
Leve como uma forma,
Breve como uma linha,
Fina como a esperança,
Bela como o mármore,
Donzela como a aurora,
Champanhe como o arroubo.

Ganhei uma rosa
Feita de brisa lenta,
Assim, como um alívio;
Feita de folhas virgens
Assim, como uma viagem.

Ganhei uma rosa
Feita de muitos versos,
Versos de plenos anversos.

Ganhei uma rosa. De ti.

POEMA RICO

Gostaria que abundantes me fossem
as palavras.
Mas elas me fogem
se fazem magras,
raquíticas,
e parcas.
(Me deixam mudo
diante desta mulher.)

Gostaria que intensos me fossem
os diamantes.
Mas tenho apenas uns cristais
que se quebram quando meu olhar
os toca sem sentido.
(Me deixam pobre
diante desta mulher.)

Mas tenho dentro de mim um coração,
que mesmo mudo,
bate enlouquecido
e como uma ostra vaidosa,
cria com o seu bater doído
a pérola mais linda
que já se viu.
(Me deixa como jóia rara
diante desta mulher.)

Me deixa como poeta
diante desta mulher.

REINÍCIO

Como me pediste, farei restauro de tuas obras-primas,
As que o tempo deteriorou por tua falta de cuidado,
E nada cobrarei de ti por isso. Nem um centavo.

Uma condição imponho. Peço que não me cobres
Os olhos tristes que querias ver no meu rosto,
Retrato que são do pouco-caso que me fizeste.

Estão a sete chaves no vácuo de meu desprezo.
Não os darei a ti. Juro que não. Nem que supliques.

SONETINHO BESTA

Correndo, vim aqui lhe mostrar encabulado,
Um sonetinho besta que fiz para você, às pressas,
Com palavras que encontrei, ontem à noite,
Presas por um fio na saudade que me exauria.

Fí-lo por ouvir seu canto no canto escuro do palco,
Por ver o brilho de seus olhos iluminando tudo,
Sem que me visse. Sei que anda zangada
Com o ciúme enlouquecido que sinto de sua voz.

Mas vim mesmo porque queria que soubesse
Que ando seduzido pelo seu canto de cigarra
Dando alívio às minhas noites solitárias de boemia;

E que quero ser, eternamente grato por sê-lo,
A formiga que sustenta com alegria pródiga
As suas fantasias de menina fugaz e volúvel.

CANTIGA DE NATAL

Quando o natal vem chegando
meus vácuos, prole da infância,
se enchem de Avenida Paulista,
de formas e lâmpadas surreais,
de presépios sobre-humanos,
de presentes multiangulares,
de Boas Festas de Assis Valente…

Todo ano, no mês de dezembro,
com as preces cheias de vitrines
e de dúvidas sobre um céu ouvidor,
desperta em mim a criança viva
que nunca fui. Que nunca vi.

Fonte:
http://oabegiato-poesias.blogspot.com/

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Oswaldo Antônio Begiato (1953)

Pequena Autobiografia

SEM SOMBRAS

Ao meio dia
De um domingo
Prenhe de sol
E enamorado de outubro
Rompi espontâneo
Como um botão de rosa fêmea
Que nasce sem ser esperado.”

Nasci, sob o signo de escorpião, em 26 de outubro do ano de 1.953, na cidade de Mombuca,
um pequeno encanto no canto interior do Estado de São Paulo.

Menor que a cidade só eu mesmo.

Ainda pequeno vim para Jundiaí, também São Paulo, Terra da Uva, da qual experimentei o sabor do fruto e jamais a deixei.

Nela me fiz advogado sem banca, aposentado sem queixas e onde perambulo até hoje, buscando, perdidas nas sarjetas, as palavras que me usam para escrever poesias as quais publico na internet de um modo geral, além de ter participado com elas de algumas Antologias pelo Brasil.

Em 1988, publiquei um livro de poesias, sem muita importância e feito artesanalmente
em um mimeógrafo antigo, chamado “O Menino”.

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Carolina Ramos (Lição de Natal)

Pura e límpida, a estrela fulgurante
iluminou os céus da Palestina!
E pastores e reis levou avante
até a boca da gruta pequenina.

Naquele excelso e soberano instante,
reis e plebeus unia a luz divina
e a esperança, com brilho tremulante,
fazia a noite azul e cristalina!

E que lição, Senhor, nos deu a estrela!
Conduzindo, a Belém, adoradores,
mostrou a todos que puderam vê-la,

que os humildes serão sempre os primeiros!
Que, antes dos reis e que antes dos pastores,
aos Teus pés se ajoelharam os cordeiros!

Fontes:
A Autora

Imagem do Presépio = http://rosyluzes.jex.com.br

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Nilton Manoel (A Poesia do Ribeirão Preto)

O ribeirão Preto
é o mais bonito da região;
abraça o Retiro
e nada deve ao Pardo
despojado pelos ranchos
e clubes sociais;
mas pardo não quer ser praia popular…
O Preto,não dá mais lambaris no anzol,
nem os “Cascudos” de nossa história
voltarão a amplos espaços no livro do povo.
o Preto, em tempo de chuvas,
ainda corre barrento;
mas à beira do Mercado,
esverdeado,desliza por longos meses do ano.
Suas palmeiras imperiais,
mais belas que as de Gonçalves Dias.
são eternas bandeiras de poesia.
O ribeirão Preto ainda chora
O assassinato onomástico de Barracão
quando ultrapassa o viaduto
que espera ser usado por metrô!
Ah! A nova Ribeirão com a via Norte?
O ribeirão Preto
de braços abertos para o futuro
é a eterna beleza da história da cidade.
O ribeirão Preto da antiga praça do mercado,
da ferrovia, da poente nova, do Triângulo,
da rodoviária Tiberense…
da centenária feira-livre em de redor do entreposto.
O palácio poderá até mudar-se para próximo do velho República,
mas o Preto sempre terá o caminho principal.
Ó Preto das palmeiras imperiais,
o mais bonito da região;
Sua beleza, poucas vezes foi matéria de Conselho de Cultura;;;
O ribeirão Preto é poético céu estrelado
da história da fundação…
Suas águas barrentas de outrora
são o eterno sangue da municipalidade.
sem este postal, a cidade deixará de existir?
O ribeirão Preto,
canta e chora a cidadania emérita de seus historiadores.
a Jerônimo Gonçalves fez-se importante avenida
com as palmeiras imperiais e o canto do preto…
É o populismo poético desde os poetas do café da capital do interior!
Com a ferrovia,foi-se Maria que,só levou de outrora a velha porteira
o túnel do xixi e o “muro da vergonha”…
A praça Smidht não é mais do povo,
não mais conta histórias dos tempos distantes.
Tem cargas e descargas de pouca atração.
A Augusto severo é um eterno abandono.
O antigo Barranco continua o mesmo
desde as plataformas ferroviárias.
Quando queda o movimento,tudo pode acontecer
bem próximo ao ribeirão preto…
nem sempre o detetive Fred ou o jornalista Clark Kent
podem estar por perto…
o Fantasma que anda,meio cansado,
namora com Diana e não atende a tambores.
Os nossos poetas por onde andarão?
longe dos batedouros,não sonham com varais;;;
O ribeirão Preto é a própria cidade…
Serpenteia pela geografia
projetando historias de nossa história social.
O ribeirão Preto
É o mais belo da região,abraça o retiro
e nada deve para o Pardo na sua reta final…

Fontes:
Cenas Urbanas,NILTON MANOEL,1989,p.23,Vermelhinho Ed.
Enviado pelo Autor.
Imagem = http://expressar.com/bruno/category/ribeirao-preto/

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Regulamento dos LII Jogos Florais de Nova Friburgo

CONCURSO NACIONAL E INTERNACIONAL

Temas:
Recado – Para Trovas Líricas e / ou Filosóficas

Banda: – Para Trovas Humorísticas

Máximo de três trovas por tema

Até 28/02/11

Endereço para remessa:
A/C de Dilva Maria de Moraes
Avenida Ariosto Bento de Mello – 30/502
Nova Friburgo/RJ
Cep: 28610-100
Sistema de Envelopes

CONCURSO PARALELO
HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DE NOVA FRIBURGO – HOJE – ENERGISA.

Tema: Luz (Trovas Líricas e/ ou Filosóficas)

Tema : Energia ( Humorismo)

Uma trova por tema

Até 28/02/11

Endereço para Remessa:
A/C de Elisabeth Souza Cruz
Rua Santa Marta, 70
Nova Friburgo/RJ
CEP: 28633.080
Sistema de Envelopes

CONCURSO DE LÍNGUA HISPÂNICA.

Tema: Ilusión – (Líricas e/ou Filosóficas)

Máximo de três trovas

Até 28/02/11

Enviar para: gislainecanales@gmail.com / c/ copia para: clenir@frinet.com.br (Somente pela Internet)

PARA MORADORES EM NOVA FRIBURGO:

CONCURSO LOCAL

Temas:
Pressa – Para trovas Líricas e/ ou Filosóficas.
Batida – Trovas Humorísticas.

Máximo de três trovas por tema

Até 28/02/11

Endereço para Remessa

A/C de João Freire Filho
Rua Florianópolis, 773 – Casa 3
Jacarepaguá – Rio de Janeiro
Cep: 21321-050

Sistema de Envelopes

CONCURSO PARALELO LOCAL
HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DE NOVA FRIBURGO – HOJE – ENERGISA.

Tema: Luz (Trovas Líricas e/ ou Filosóficas)
Tema : Energia ( Humorismo)

Uma trova por tema

Até 28/02/11

Endereço para Remessa:
A/C de Maria Nascimento Santos Carvalho
Rua Barata Ribeiro, 189/502
Copacabana – Rio de Janeiro/RJ
CEP: 22011-000
Sistema de Envelopes
––––––––––––-
Concurso dos Magníficos Trovadores

Regulamento enviado aos cuidados de Clenir Neves Ribeiro

Fonte:
Colaboração de A. A. de Assis.

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Monteiro Lobato (Jeca Tatu – A Ressurreição)

I
Jeca Tatu era um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na maior pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia e de vários fichinhas pálidos e tristes.

Jeca Tatu passava os dias de cócoras, pitando enormes cigarrões de palha, sem ânimo de fazer coisa nenhuma. Ia ao mato caçar, tirar palmitos, cortar cachos de brejaúva, mas não tinha idéia de plantar um pé de couve atrás da casa. Perto um ribeirão, onde ele pescava de vez em quando uns lambaris e um ou outro bagre. E assim ia vivendo.

Dava pena ver a miséria do casebre. Nem móveis nem roupas, nem nada que significasse comodidade. Um banquinho de três pernas, umas peneiras furadas, a espingardinha de carregar pela boca, muito ordinária, e só.

Todos que passavam por ali murmuravam:
Que grandíssimo preguiçoso!

II

Jeca Tatu era tão fraco que quando ia lenhar vinha com um feixinho que parecia brincadeira. E vinha arcado, como se estivesse carregando um enorme peso.
Por que não traz de uma vez um feixe grande? Perguntaram-lhe um dia.

Jeca Tatu coçou a barbicha rala e respondeu:
Não paga a pena.

Tudo para ele não pagava a pena. Não pagava a pena consertar a casa, nem fazer uma horta, nem plantar arvores de fruta, nem remendar a roupa.

Só pagava a pena beber pinga.
– Por que você bebe, Jeca? Diziam-lhe.
– Bebo para esquecer.
– Esquecer o quê?
– Esquecer as desgraças da vida.

E os passantes murmuravam:
– Além de vadio, bêbado…

III

Jeca possuía muitos alqueires de terra, mas não sabia aproveitá-la. Plantava todos os anos uma rocinha de milho, outra de feijão, uns pés de abóbora e mais nada. Criava em redor da casa um ou outro porquinho e meia dúzia de galinhas. Mas o porco e as aves que cavassem a vida, porque Jeca não lhes dava o que comer. Por esse motivo o porquinho nunca engordava, e as galinhas punham poucos ovos.

Jeca possuía ainda um cachorro, o Brinquinho, magro e sarnento, mas bom companheiro e leal amigo.

Brinquinho vivia cheio de bernes no lombo e muito sofria com isso. Pois apesar dos ganidos do cachorro, Jeca não se lembrava de lhe tirar os bernes. Por quê? Desânimo, preguiça…

As pessoas que viam aquilo franziam o nariz.
– Que criatura imprestável! Não serve nem para tirar berne de cachorro…

IV

Jeca só queria beber pinga e espichar-se ao sol no terreiro. Ali ficava horas, com o cachorrinho rente; cochilando. A vida que rodasse, o mato que crescesse na roça, a casa que caísse. Jeca não queria saber de nada. Trabalhar não era com ele.

Perto morava um italiano já bastante arranjado, mas que ainda assim trabalhava o dia inteiro. Por que Jeca não fazia o mesmo?

Quando lhe perguntavam isso, ele dizia:
– Não paga a pena plantar. A formiga come tudo.
– Mas como é que o seu vizinho italiano não tem formiga no sítio?
– É que ele mata.
– E porque você não faz o mesmo?

Jeca coçava a cabeça, cuspia por entre os dentes e vinha sempre com a mesma história:
– Quá! Não paga a pena…
– Além de preguiçoso, bêbado; e além de bêbado, idiota, era o que todos diziam.

V

Um dia um doutor portou lá por causa da chuva e espantou-se de tanta miséria. Vendo o caboclo tão amarelo e chucro, resolveu examiná-lo.
– Amigo Jeca, o que você tem é doença.
– Pode ser. Sinto uma canseira sem fim, e dor de cabeça, e uma pontada aqui no peito que responde na cacunda.
– Isso mesmo. Você sofre de anquilostomiase.
– Anqui… o quê?
– Sofre de amarelão, entende? Uma doença que muitos confundem com a maleita.
– Essa tal maleita não é a sezão?
– Isso mesmo. Maleita, sezão, febre palustre ou febre intermitente: tudo é a mesma coisa, está entendendo? A sezão também produz anemia, moleza e esse desânimo do amarelão; mas é diferente. Conhece-se a maleita pelo arrepio, ou calafrio que dá, pois é uma febre que vem sempre em horas certas e com muito suor. O que você tem é outra coisa. É amarelão.

VI

O doutor receitou-se o remédio adequado; depois disse: “E trate de comprar um par de botinas e nunca mais me ande descalço nem beba pinga, ouviu?”
– Ouvi, sim, senhor!
– Pois é isso, rematou o doutor, tomando o chapéu. A chuva passou e vou-me embora. Faça o que mandei, que ficará forte, rijo e rico como o italiano. Na semana que vem estarei de volta.
– Até por lá, sêo doutor!

Jeca ficou cismando. Não acreditava muito nas palavras da ciência, mas por fim resolveu comprar os remédios, e também um par de botinas ringideiras.

Nos primeiros dias foi um horror. Ele andava pisando em ovos. Mas acostumou-se, afinal…

VII

Quando o doutor reapareceu, Jeca estava bem melhor, graças ao remédio tomado. O doutor mostrou-lhe com uma lente o que tinha saído das suas tripas.
– Veja, sêo Jeca, que bicharia tremenda estava se criando na sua barriga! São os tais anquilostomos, uns bichinhos dos lugares úmidos, que entram pelos pés, vão varando pela carne adentro até alcançarem os intestinos. Chegando lá, grudam-se nas tripas e escangalham com o freguês. Tomando este remédio você bota p’ra fora todos os anquilostomos que tem no corpo. E andando sempre calçado, não deixa que entrem os que estão na terra. Assim fica livre da doença pelo resto da vida.

Jeca abriu a boca, maravilhado.
– Os anjos digam amém, sêo doutor!

VIII

Mas Jeca não podia acreditar numa coisa: que os bichinhos entrassem pelo pé. Ele era “positivo” e dos tais que “só vendo”. O doutor resolveu abrir-lhe os olhos. Levou-o a um lugar úmido, atrás da casa, e disse:
– Tire a botina e ande um pouco por aí.

Jeca obedeceu.
– Agora venha cá. Sente-se. Bote o pé em cima do joelho. Assim. Agora examine a pela com esta lente.

Jeca tomou a lente, olhou e percebeu vários vermes pequeninos que já estavam penetrando na sua pele, através dos poros. O pobre homem arregalou os olhos assombrado.
– E não é que é mesmo? Quem “havera” de dizer!…
– Pois é isso, sêo Jeca, e daqui por diante não duvide mais do que a ciência disser.
– Nunca mais! Daqui por diante nha ciência está dizendo e Jeca está jurando em cima! T’esconjuro! E pinga, então, nem p’ra remédio…

IX

Tudo o que o doutor disse aconteceu direitinho! Três meses depois ninguém mais conhecia o Jeca.

A preguiça desapareceu. Quando ele agarrava no machado, as arvores tremiam de pavor. Era pan, pan, pan… horas seguidas, e os maiores paus não tinham remédio senão cair.

Jeca, cheio de coragem, botou abaixo um capoeirão para fazer uma roça de três alqueires. E plantou eucaliptos nas terras que não se prestavam para cultura. E consertou todos os buracos da casa. E fez um chiqueiro para os porcos. E um galinheiro para as aves. O homem não parava, vivia a trabalhar com fúria que espantou até o seu vizinho italiano.
– Descanse um pouco, homem! Assim você arrebenta… diziam os passantes.
– Quero ganhar o tempo perdido, respondia ele sem largar do machado. Quero tirar a prosa do “intaliano”.

X

Jeca, que era um medroso, virou valente. Não tinha mais medo de nada, nem de onça! Uma vez, ao entrar no mato, ouviu um miado estranho.
– Onça! Exclamou ele. É onça e eu aqui sem nem uma faca!…

Mas não perdeu a coragem. Esperou a onça, de pé firme. Quando a fera o atacou, ele ferrou-se tamanho murro na cara, que a bicha rolou no chão, tonta. Jeca avançou de novo, agarrou-a pelo pescoço e estrangulou-a
– Conheceu, papuda? Você pensa então que está lidando com algum pinguço opilado? Fique sabendo que tomei remédio do bom e uso botina ringideira…

A companheira da onça, ao ouvir tais palavras, não quis saber de histórias – azulou! Dizem que até hoje está correndo…

XI

Ele, que antigamente só trazia três pausinhos, carregava agora cada feixe de lenha que metia medo. E carregava-os sorrindo, como se o enorme peso não passasse de brincadeira.
– Amigo Jeca, você arrebenta! Diziam-lhe. Onde se viu carregar tanto pau de uma vez?
– Já não sou aquele de dantes! Isto para mim agora é canja, respondia o caboclo sorrindo.
– Quando teve de aumentar a casa, foi a mesma coisa. Derrubou no mato grossas perobas, atorou-as, lavrou-as e trouxe no muque para o terreiro as toras todas. Sozinho!
– Quero mostrar a esta paulama quanto vale um homem que tomou remédio de Nha Ciência, que usa botina cantadeira e não bebe nem um só martelinho de cachaça.

O italiano via aquilo e coçava a cabeça.
– Se eu não tropicar direito, este diabo me passa na frente, Per Bacco!

XII

Dava gosto ver as roças do Jeca. Comprou arados e bois, e não plantava nada sem primeiro afofar a terra. O resultado foi que os milhos vinham lindos e o feijão era uma beleza.

O italiano abria a boca, admirado, e confessava nunca Ter visto roças assim.

E Jeca já não plantava rocinhas como antigamente. Só queria saber de roças grandes, cada vez maiores, que fizessem inveja no bairro.

E se alguém lhe perguntava:
– Mas para que tanta roça, homem? Ele respondia:
– É que agora quero ficar rico. Não me contento com trabalhar para viver. Quero cultivar todas as minhas terras, e depois formar aqui uma enorme fazenda. E hei de ser até coronel…

E ninguém duvidava mais. O italiano dizia:
– E forma mesmo! E vira mesmo coronel! Per la Madonna!…

XIII

Por esse tempo o doutor passou por lá e ficou admiradíssimo da transformação do seu doente.

Esperara que ele sarasse, mas não contara com tal mudança.

Jeca o recebeu de braços abertos e apresentou-o à mulher e aos filhos.

Os meninos cresciam viçosos, e viviam brincando contentes como passarinhos.

E toda gente ali andava calçada. O caboclo ficara com tanta fé no calçado, que metera botinas até nos pés dos animais caseiros!

Galinhas, patos, porcos, tudo de sapatinho nos pés! O galo, esse andava de bota e espora!
– Isso também é demais, sêo Jeca, disse o doutor. Isso é contra a natureza!
– Bem sei. Mas quero dar um exemplo a esta caipirada bronca. Eles aparecem por aqui, vêem isso e não se esquecem mais da história.

XIV

Em pouco tempo os resultados foram maravilhosos. A porcada aumentou de tal modo, que vinha gente de longe admirar aquilo. Jeca adquiriu um caminhão Ford, e em vez de conduzir os porcos ao mercado pelo sistema antigo, levava-os de auto, num instantinho, buzinando pela estrada afora, fon-fon! fon-fon!…

As estradas eram péssimas; mas ele consertou-as à sua custa. Jeca parecia um doido. Só pensava em melhoramentos, progressos, coisas americanas. Aprendeu logo a ler, encheu a casa de livros e por fim tomou um professor de inglês.
– Quero falar a língua dos bifes para ir aos Estados Unidos ver como é lá a coisa.

O seu professor dizia:
– O Jeca só fala inglês agora. Não diz porco; é pig. Não diz galinha! É hen… Mas de álcool, nada. Antes quer ver o demônio do que um copinho da “branca”…

XV

Jeca só fumava charutos fabricados especialmente para ele, e só corria as roças montado em cavalos árabes de puro sangue.
– Quem o viu e quem o vê! Nem parece o mesmo. Está um “estranja” legítimo, até na fala.

Na sua fazenda havia de tudo. Campos de alfafa. Pomares belíssimos com quanta fruta há no mundo. Até criação de bicho da seda; Jeca formou um amoreiral que não tinha fim.
– Quero que tudo aqui ande na seda, mas seda fabricada em casa. Até os sacos aqui da fazenda têm que ser de seda, para moer os invejosos…

E ninguém duvidava de nada.
– O homem é mágico, diziam os vizinhos. Quando assenta de fazer uma coisa, faz mesmo, nem que seja um despropósito…

XVI

A fazenda do Jeca tornou-se famosa no país inteiro. Tudo ali era por meio do rádio e da eletricidade. Jeca, de dentro do seu escritório, tocava num botão e o cocho do chiqueiro se enchia automaticamente de rações muito bem dosadas. Tocava outro botão, e um repuxo de milho atraia todo o galinhame…

Suas roças eram ligadas por telefones. Da cadeira de balanço, na varanda, ele dava ordens aos feitores lá longe.

Chegou a mandar buscar no Estados Unidos um telescópio.
– Quero aqui desta varanda ver tudo que se passa em minha fazenda.

E tanto fez, que viu. Jeca instalou os aparelhos e assim pode, da sua varanda, com o charutão na boca, não só falar por meio do rádio para qualquer ponto da fazenda, como ainda ver, por meio do telescópio, o que os camaradas estavam fazendo.

XVII

Ficou rico e estimado, como era natural; mas não parou aí. Resolveu ensinar o caminho da saúde aos caipiras das redondezas. Para isso montou na fazenda e vilas próximas vários Postos de Maleita, onde tratava os enfermos de sezões; e também Postos de Anquilostomose, onde curava os doentes de amarelão e outras doenças causadas por bichinhos nas tripas.

O seu entusiasmo era enorme. “Hei de empregar toda a minha fortuna nesta obra de saúde geral, dizia ele. O meu patriotismo é este. Minha divisa: Curar gente. Abaixo a bicharia que devora o brasileiro…”

E a curar gente da roça passou Jeca toda a sua vida. Quando morreu, aos 89 anos, não teve estátua, nem grandes elogios nos jornais. Mas ninguém ainda morreu de consciência tranqüila. Havia cumprido o seu dever até o fim.

XVIII

Meninos: nunca se esqueçam desta história; e, quando crescerem, tratem de imitar o Jeca. Se forem fazendeiros, procurem curar os camaradas da fazenda. Além de ser para eles um grande benefício, é para você um alto negócio. Você verá o trabalho dessa gente produzir três vezes mais.

Um país não vale pelo tamanho, nem pela quantidade de habitantes. Vale pelo trabalho que realiza e pela qualidade da sua gente. Ter saúde é a grande qualidade de um povo. Tudo mais vem daí.
–––––––––––––––––––––––––-
Nota:
Este conto foi adotado como peça publicitária do Laboratório Fontoura. Adaptado em história em quadrinhos ou na forma de folheto, ou ainda fazendo parte de almanaques, teve até os anos 60 uma tiragem de cerca de 18 milhões de exemplares. Há testemunhos de que sua leitura transformou a vida de muita gente.

Fontes:
http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/bibliografialobatiana/bibliot.html
Imagem = http://listasliterarias.blogspot.com

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.75)

Trova do Dia

Quando este povo latino
não mais viver nesta arena,
o natal de um tal menino
terá, sim, valido a pena.
CONCEIÇÃO A. C. DE ASSIS/MG

Trova Potiguar

Muito obrigado, Senhor,
pelo Natal de Jesus:
que na terra reine o amor,
muita paz e muita luz!…
JOAMIR MEDEIROS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > M/H

Para o Natal ser perfeito,
repleto de amor e luz,
enche de afeto o teu peito
para receber Jesus.
ANTONIO JURACI SIQUEIRA/PA

Uma Trova de Ademar

Tenho pena da criança
que, num cruel desvario,
enche de desesperança
seu sapatinho vazio!
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram:

Natal… repicam os sinos…
banha-se o mundo de luz…
Há nos lábios dos meninos
o sorriso de Jesus!
COLBERT R. COELHO/MG

Estrofe do Dia

Bom seria se o Natal,
fosse um natal diferente;
não fosse somente luz,
papai Noel e presente;
mas a estrela da bondade,
mandasse a felicidade,
para o lar de toda gente.
LUIZ DUTRA/RN

Soneto do Dia

– Auta de Souza/RN –
NATAL.

É meia noite … O sino alvissareiro,
lá da igrejinha branca pendurado,
como num sonho místico e fagueiro,
vem relembrar o tempo do passado.

Ó velho sino, ó bronze abençoado,
na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
de menino Jesus imaculado.

E enquanto escuto a tua voz dolente,
meu ser que geme dolorosamente
da desventura, aos gélidos açoites …

Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
sino que lembras uma noite santa,
noite bendita mais que as outras noites!

Fonte:
Ademar Macedo

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Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XVII: Epílogo

Quando Emília voltou para onde se achavam os meninos, viu-os em preparativos para o regresso. Estavam com uma fome danada.
— E o Visconde? — indagou ela. — Apareceu?

— Está aqui, sim — respondeu Pedrinho —, mas nega a pés juntos que haja furtado o Ditongo.

Emília aproximou-se do velho sábio, que tinha uma bochecha inchada de dor de dente.

— Então, onde está o Ditongo, Senhor Visconde? — interpelou ela, de mãozinha na cintura e olhar firme.

O pobre fidalgo pôs-se a tremer, todo gago.

— Eu. . . eu. . .

— Sim, o senhor mesmo! — disse Emília com vozinha de verruma. — O senhor raptou o Ditongo Ão e escondeu-o em qualquer lugar. Vamos. Confesse tudo.

— Eu. . . eu. . . — continuava o fidalgo, que não sabia lutar com a boneca.

Emília refletiu uns instantes. Depois agarrou-o e fê-lo abrir a boca à força. O Ditongo furtado caiu no chão. . .

— Vejam! — exclamou Emília, vitoriosa. — Ele tinha escondido o pobre Ditongo na boca, feito bala. Que vergonha, Visconde! Um homem da sua importância, grande sábio, ledor de álgebra, a furtar Ditongo. . .

— Eu explico tudo — declarou por fim o Visconde, muito vexado. — O caso é simples. Desde que caí no mar, naquela aventura no País da Fábula fiquei sofrendo do coração e muito sujeito a sustos. Ora, este Ditongo me fazia mal. Sempre que gritavam perto de mim uma palavra terminada em Ão, como Cão, Ladrão, Pão e outras, eu tinha a impressão dum tiro de canhão ou dum latido de canzarrão. Por isso me veio a idéia de furtar o maldito Ditongo, de modo que desaparecessem da língua portuguesa todos esses latidos e estouros horrendos. Foi isso só. Juro!

Emília ficou radiante de haver adivinhado.

— Eu não disse? — gritou para os meninos. — Eu não disse que devia ser isto?

E para o desapontadíssimo fidalgo:

— Pegue o Ditongo e vá botá-lo onde o achou. Você não é Academia de Letras para andar mexendo na língua. . .

Meia hora mais tarde já estavam todos no sítio, contando ao Burro Falante o maravilhoso passeio pelas terras da Gramática.

.•.•´¯`•.•. ( FIM ) .•.•´¯`•.•.

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

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Monteiro Lobato (1882 – 1948)

Autobiografia

Nasceu em Taubaté, aos 18 de abril de… 1884 (na verdade 1882). Mamou até 87. Falou tarde, e ouviu pela primeira vez, aos 5 anos, um célebre ditado: “Cavalo pangaré/Mulher que… em pé/Gente de Taubaté/ Dominus libera mé“.
Concordou.

Depois, teve caxumba aos 9 anos. Sarampo aos 10. Tosse comprida aos 11. Primeiras espinhas aos 15.

Gostava de livros. Leu o Carlos Magno e os doze pares de França, o Robinson Crusoé, e todo o Júlio Verne.

Metido em colégio, foi um aluno nem bom nem mau – apagado. Tomou bomba em exame de português, dada pelo Freire. Insistiu. Formou-se em Direito, com um simplesmente no 4º ano – merecidíssimo. Foi promotor em Areias, mas não promover coisa nenhuma. Não tinha jeito para a chicana e abandonou o anel de rubi (que nunca usou no dedo, aliás).

Fez-se fazendeiro. Gramou café a 4,200 a arroba e feijão a 4.000 o alqueire.

Convenceu-se a tempo que isso de ser produtor é sinônimo de ser imbecil e mudou de classe. Passou ao paraíso dos intermediários. Fez-se negociante, matriculadíssimo. Começou editando a si próprio e acabou editando aos outros.

Escreveu umas tantas lorotas que se vendem – Urupês, gênero de grande saída, Cidades mortas, Idéias de Jeca Tatu, subprodutos, Problema vital, Negrinha, Narizinho. Pretende publicar ainda um romance sensacional que começa por um tiro:

– Pum! E o infame cai redondamente morto…

Nesse romance introduzirá uma novidade de grande alcance, qual seja, a de suprimir todos os pedaços que o leitor pula.

Particularidades: não faz nem entende de versos, nem tentou o raid a Buenos Aires.

Físico: lindo!
Autobiografia por Monteiro Lobato
A Novela Semanal, São Paulo, nº 1, 2 de maio 1921

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MAIS DO QUE PRODUZIR LIVROS PARA CRIANÇAS, MONTEIRO LOBATO DIALOGAVA COM AS CRIANÇAS.

Monteiro Lobato foi uma criança diferente dos outros garotos de sua geração. A cara enfiada nos livros e os olhos brilhantes a enxergar para muito além da janela do quarto denunciava uma mente irrequieta e fértil imaginação. Seu espaço preferido era a biblioteca do Visconde, na casa da Rua XV de Novembro em Taubaté, onde passava horas folheando revistas ilustradas e aventurando-se nos clássicos da literatura. Mas nem por isso deixou de participar da vida da fazenda, nem de conviver com a população interiorana, seus costumes e suas crenças.

Em 1920 quando seu amigo Hilário Tácito contou-lhe a estória de um peixinho que morreu afogado porque desaprendeu a nadar, Lobato a transformou num pequeno conto que é sua estréia no mundo do faz-de-conta. Lobato reaviva suas lembranças dos tempos de menino, repletas de cenas da roça onde passara a infância. E, assim inspirado, lança a primeira versão de A menina do narizinho arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia, e a inseparável boneca de pano, Emília, além da negra tia Anastácia.

A partir daí Lobato realiza sua vocação de comunicador incomparável na fecunda produção de obras para o público infanto-juvenil.

Procurando a melhor forma de se comunicar com as crianças, Lobato escrevia a seu amigo Rangel: Mando-te o Narizinho escolar. Quero tua impressão de professor acostumado a lidar com crianças. Experimente nalgumas, a ver se interessa. Só procuro isso: que interesse às crianças.

Militante da causa do progresso, Monteiro Lobato percebeu que só através dos jovens seria possível apressar a modificação do mundo. No cenário do sítio da dona Benta fazia transcorrer o Brasil de seus sonhos: democrático, sem opressão, capaz de construir uma grande Nação.

E o fez opondo-se ao conceito de que crianças eram adultos reduzidos em idade e estatura, embora com a mesma psicologia. “A criança é um ser onde a imaginação predomina em absoluto“, defendia. “O meio de interessá-la é falar-lhe à imaginação”. “Escrever para crianças! – exclamou em resposta a um repórter – é admirável… Elas não têm malícia, aceitam tudo, tudo compreendem”.

Captando a lógica e a estrutura do pensamento infantil, Lobato falava não para elas, mas como e no lugar delas. Por isso, pelas suas mãos o aprendizado virava brincadeira séria e as lições escolares mais difíceis – em geral ministradas através de métodos e mestres antiquados – ficavam claras e acessíveis.

Misturando sonho e realidade, Lobato conquistava os pequenos fãs, que logo passavam a dividir com ele o universo em que tudo era possível – bastava usar um pouco de imaginação. Ingrediente que não faltava nas centenas de cartas remetidas por crianças de todas as idades e de todos os cantos do País.

Recebia montanhas de cartas e respondia a todas, tratando as crianças como interlocutores competentes. Não se esquivava de discutir temas como saúde, religião ou política. Além disso, estimulava a atividade literária dos seus leitores, encorajando-os a desenvolver enredos e histórias, ou analisando criticamente sua produção.

De 1920 a 1947 lançou 22 títulos que até hoje continuam a ser editados:

Ficção
Reinações de Narizinho
Viagem ao Céu
O Saci
As Caçadas de Pedrinho
Memórias de Emília
O Poço do Visconde
O Picapau Amarelo
A Reforma da Natureza
O Minotauro
A Chave do Tamanho
Os 12 Trabalhos de Hércules
História do Mundo para Crianças
Emília no País da Gramática
Aritmética da Emília
Geografia de Dona Benta
Serões de Dona Benta
História das Invenções

Adaptações
Hans Staden
Peter Pan
Don Quixote das Crianças
Histórias de Tia Nastácia
Fábulas

Toda obra literária de Monteiro Lobato tem uma forte conotação política. Mesmo naquelas de pura fábula, é política a intenção e a motivação do autor. Como jornalista e como editor todo seu trabalho foi pautado por sua vocação político-libertária. Sem filiar-se oficialmente a organizações ou partidos políticos, Lobato sempre esteve presente nos debates sobre os problemas nacionais e nunca deixou de opinar sobre os assuntos que afetavam a vida do País.

Sua idéia de Brasil nação instiga seu inconformismo com o desenraizamento cultural. Ataca os modismos importados que nada têm a ver com a realidade e propunha pelo resgate do elemento nativo brasileiro de rica tradição. Nessa mesma linha denuncia a agressão que se faz ao nosso idioma adotando vocábulos estrangeiros por simples espírito de imitação.

Nas diversas cruzadas e causas públicas em que se engajaria ao longo da vida – contra a ditadura de Bernardes primeiro, depois a de Vargas, em defesa do voto secreto -, Monteiro Lobato sonhava transformar o Brasil em uma nação próspera cujo povo pudesse desfrutar os benefícios gerados pelo progresso e desenvolvimento. Com essa perspectiva já na fazenda Buquira, que herda do avô, tentou implantar novos métodos de criação e produção agrícola, incentivando ainda as campanhas de saneamento.

Para Lobato, o atraso do país só seria superado pelo trabalho racional e aposta na modernização. Sua luta pela adoção de processo científicos em todos os níveis da atividade humana encontrou a síntese em Henry Ford que ele traduz em seu personagem Mr. Slang, que rebate as críticas dos céticos que culpam a índole do povo pelo atraso do país.

Ferro e petróleo

Certo de que transformaria seu país em uma nação produtiva, eficiente e rica, Monteiro Lobato abandona temporariamente a literatura e a atividade de editor e livreiro, a que se havia dedicado consciente da importância do poder da comunicação, para vivenciar experiências no mundo da indústria e dos negócios.
O solo, a superfície, apenas permite a subsistência. O enriquecimento vem de baixo. Vem do subsolo“. Entretanto, não bastava explorar as riquezas. Era preciso que o país usufruísse delas. Trabalha para iniciar a produção do ferro com metodologia moderna recém patenteada nos Estados Unidos, utilizando recursos naturais disponíveis no País, tais como a palha do café e o xisto betuminoso.

Os relatórios que envia de Nova York, onde ocupou o posto de adido cultural no consulado brasileiro, são eivados de oportunas observações sobre formas de criar alternativas de exportação de produtos brasileiros. As longas cartas enviadas posteriormente ao presidente Vargas são verdadeiras plataformas desenvolvimentistas e nacionalistas.

Decidido a convencer o povo brasileiro da importância dos empreendimentos petrolíferos, Lobato alimenta debates pela imprensa e realiza palestras. Prega a necessidade da independência econômica e aponta o caminho para alcançá-la. “Conferências sobre o petróleo constituem novidade absoluta. Conferências de negócio1 Para promover a venda de ações duma companhia! Para levantar dinheiro!”

Num auditório abarrotado em Belo Horizonte, Lobato resume: “Compreendi ser o petróleo a grande coisa, a coisa máxima para o Brasil, a única força com elementos capazes de arrancar o gigante do seu berço de ufanias”.

Lançada em 1931, sua Companhia Petróleos do Brasil tem a metade das ações subscritas em quatro dias. Satisfeito com os primeiros resultados percorre o país divulgando o andamento das últimas descobertas.

Ao mesmo tempo em que reclama dos entraves e da burocracia do Ministério da Agricultura que dificultavam as atividades da sua companhia denuncia, em documento enviado a Vargas, as manobras da Standard Oil para assenhorar-se dos melhores lençóis petrolíferos brasileiros através da filial argentina.

Em 1936, a sonda de Alagoas da Cia. Petróleos Nacional sofre intervenção federal e é interditada. Lobato resiste, consegue levantar alguns recursos e finalmente, a 250 metros de profundidade vê irromper o primeiro jato de gás de petróleo do poço São João, em Riacho Doce, em Alagoas.

Numa jogada estratégica, em 1935, lança pela Cia. Editora Nacional: “A luta pelo petróleo”, de Essad Bey, que denuncia a ineficiência do Serviço Geológico, órgão oficial encarregado das pesquisas, a quem acusa de encampar internamente a política dos trustes internacionais para o Brasil: “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire“.

Em 1936 lança “O escândalo do Petróleo” que teve duas edições esgotadas em menos de um mês. Convencido de que os trustes tudo fariam para sabotar o petróleo brasileiro, na página de rosto do livro Lobato conclama os militares a assumir sua parcela de responsabilidade na questão da soberania nacional: “Se não ter petróleo é inanir-se economicamente, militarmente é suicidar-se”. Apesar de todos os reveses, Lobato e seus companheiros persistem e, em julho de 1938, realizam a assembléia de constituição da Companhia Matogrossense de Petróleo, com objetivo de perfurar em Porto Esperança, em Mato Grosso, região com a mesma estrutura geológica da Bolívia que estava produzindo óleo de qualidade.

Em março de 1938, Lobato, em carta a Getúlio, ressalta que as novas diretrizes do Departamento Nacional da Produção Mineral representam um golpe de morte para o petróleo no país e exorta: “Pelo amor de Deus, e do Brasil, não preste sua mão generosa à mais cruel e mesquinha obra de vingança pessoal, disfarçada em sublime nacionalismo.”

No dia 20 de março de 1941 é preso subitamente em São Paulo, segundo a agência norte-americana Overseas News Agency, “vítima de intensa campanha de militares brasileiros e outros elementos pró-nazismo, que combatem os elementos democráticos e anglófilos do país“.

Impedido de receber visitas, conversar com outros detentos ou tomar sol no pátio, conta em carta a Purezinha, sua esposa, a vida em prisão. “É a gente sozinho com o pensamento, e nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo“… Última peça do inquérito policial, o relatório encerrado em 1º de fevereiro, salienta que “ficou provado à saciedade que o Dr. José Bento Monteiro Lobato … procura com notável persistência desmoralizar o Conselho Nacional do Petróleo, sem contudo apresentar qualquer prova de suas acusações”.

Em 1950, inspirados no exemplo de Monteiro Lobato, os partidos políticos de esquerda e os movimentos sociais lançam a campanha de rua em defesa do Petróleo. A campanha “O Petróleo é nosso”, empolga o país e servirá de pretexto para que o Congresso Nacional aprove a legislação sobre o Petróleo que, na última hora, recebeu uma emenda que criou o monopólio da Petrobrás.
Carta a Purezinha

À sua esposa, Pureza Monteiro Lobato, da prisão política de São Paulo em março de 1941

Purezinha
Só contarei o que é a vida em prisão. É a gente sozinho com o pensamento e nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo, isto é, volta sempre às mesmas coisas. Os pontos que formam o círculo do nosso pensamento, ou as estações em que o pensamento pára, para pensar sempre a mesma coisa, são – 1º você. Penso em V. com uma ternura imensa e um imenso dó, e culpo-me de um milhão de coisas. Meu dever era só cuidar da tua felicidade, Purezinha, e no entanto passei a vida a te contrariar e a fazer asneiras que tanto nos estragaram a vida. Se eu tivesse ouvido em negócios, minha situação seria hoje de milionário. Não ouvi, nem sequer te consultei, e o resultado foi desastroso. Cheguei até à prisão!

Depois de pensar e repensar em você e de convencer-me que apesar de todas as aparências, e da nossa eterna divergência, é você a única pessoa que eu amo no mundo, pulo para outra estação. Há a estação da Morte, penso na sobrevivência, no Além, em promessas do espiritismo, etc. Penso em Guilherme (filho do escritor falecido aos 24 anos de idade) e Heitor (Heitor de Morais) e acho-os tremendamente felizes por já terem morrido, isto é, feito uma coisa que nós ainda vamos fazer. Depois penso no meu caso – na vingança que os homens de cima que eu insultei hão de querer tirar de mim. Que tolice dar soco em faca de ponta! Espetei a mão a faca ficou no que era. Meu soco não a quebrou.

A vida aqui me tem feito pensa no horror que V. sempre teve pela prisão, pela condenação do homem ao confinamento por anos e anos. Agora vejo como, sem Ter experiência própria, V. adivinhou o certo. Não há castigo maior. Mil vezes a cadeira elétrica ou a forca – dores de um momento.

Estou preso há quase três dias e já me parecem três séculos. As horas têm 60.000 minutos. As noites não têm fim. Sou obrigado a não fazer nada de nada. Não há o que ler – nem jornais. E a incomunicabilidade em que estou, agrava tudo, porque me isola completamente do mundo exterior. Não posso falar com ninguém, nem comunicar-me com ninguém.

Imagine agora o meu prazer quando ontem recebi um pacote. Abri e vi logo você ali – ceroulas, lenços, meias, pijama novo e aspirina. Que presente, Purezinha! Como qualquer coisinha é todo um mundo para quem está sem nada! Repeti mil vezes o teu nome, e hoje de manhã, ao acordar e ver em cima da mesa as coisas, peguei nas meias e beijei-as… Imagine agora a que fica reduzida uma criatura depois de anos de prisão se eu só com dois dias já estou assim.

Foi o primeiro contacto com o mundo externo, esse presente que V. m mandou. Que alegria imensa me causou! Foi o mesmo que receber a tua visita.

Tratam-me muito bem aqui. Os guardas e diretores são pessoas delicadíssimas; que vêm ver-me todos os dias e conversar. Estou num “apartamento” otimozinho, com um banheiro de primeira ordem, com lavatório, bidê, privada e banheiro novinho com água quente. Sou servido no quarto pelo João, um mulato que está preso há já três meses. Cinco refeições, imagine! Para eu que só azia três. Café com leite, pão e manteiga às 7 h. Almoço com seis pratos às 11, chá mate, pão e manteiga às 2. Jantar às 5 e chá à noite. Creio que vou engordar. Mas o que mais me dói é não Ter o que ler, nem o que fazer – eu com tanto trabalho em andamento aí em casa! Quem me dera pilhar a tradução a Gulnara (Gulnara Monteiro Lobato, nora e sobrinha de Monteiro Lobato) para corrigir! E o febrezinho de Edgard? (Edgar Monteiro Lobato, então doente dos pulmões) Como vai ele? Febre ainda? Como eu prejudiquei aquele menino – como eu prejudiquei a vocês todos, minha cara Purezinha! E agora, no fim de dez anos de lutas, dou de presente a vocês o que meu Deus! A minha prisão – mais amargura para você, mais sofrimento…

O Ernâni, aquele em cuja casa você esteve anteontem mostrou-se muito camarada. Pedi-lhe que telefonasse a você ontem e agora o espero ansioso para saber se telefonou. Ele entra em serviço às 9 horas, um dia sim, um dia não. São 8. Daqui a uma hora saberei se ele conversou com você. Adeus, minha querida, minha cada vez mais querida Purezinha. Um apertadíssimo abraço, e outro em Rute (Rute Monteiro Lobato, filha do escritor) e Edgard. Coragem aí, que cá do meu lado é o que não falta.

Estou escrevendo por escrever, para dar vazão aos sentimentos, porque não há jeito de fazer este papel chegar a você.

Incomunicável! Agora compreendo o horror desta palavra
Juca.

Monteiro Lobato nunca escondeu sua paixão pela pintura. Se não lhe foi possível seguir a carreira de artista plástico, tampouco deu para abafar o impulso criativo que despontou à frente da vocação literária, antecedendo, inclusive, o domínio da própria linguagem.

Começou seus rabiscos ainda na infância. Gostaria de se matricular na Escola de Belas Artes, mas, por imposição do avô materno, que assumira sua tutela após a morte dos pais, entra para a Academia de Direito com dezoito anos incompletos. Tornar-se pintor seria talvez o único sonho descartado em toda a sua vida.

Na Faculdade de Direito, Lobato dava vazão à veia artística no quartinho do chalé avarandado onde morava no Largo do Palácio. Teria virado pintor, mandado às favas o curso de Direito não fosse um incidente com uma caixa de aquarelas, comprada como tinta a óleo: “A vergonha daquela rata matou em mim todas as veleidades pictóricas. Como pretende ser pintor um imbecil que nem distingue aquarela de óleo? “Desistindo de uma arte, caiu nos braços de outra. Fez-se escritor, em uma transposição vocacional que se reflete por toda sua obra.

Quando ponderava sobre sua vocação artística, Lobato admitia uma espécie de saudade do que poderia ter sido, se houvesse optado pela pintura. “No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério … arranjei este derivativo de literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras. Minha impressão dominante é puramente visual“.

Tão severo consigo mesmo que, embora pintando e desenhando sem cessar, jamais pretendeu expor seus trabalhos, guardados com carinho em um enorme baú de jacarandá entalhado. Em 1909 chegou a participar de um concurso de cartazes, realizado no Rio de Janeiro, e também colaborou com ilustrações para algumas revistas, como Fon-Fon e Vida Moderna. Ele mesmo fez as ilustrações para a primeira edição de Urupês.

Pintou até os últimos dias de vida – preferencialmente aquarelas – e impregnou suas histórias de coloridos e formas, como se fossem quadros.

Monteiro Lobato vivia permanentemente preocupado com revelar um Brasil desconhecido a que os intelectuais brasileiros davam as costas. Essa preocupação aliada à necessidade compulsiva de se comunicar – comunicar-se com o próximo, comunicar-se com o mundo – levaram-no ao jornalismo. Seu espírito empreendedor e a necessidade de liberdade absoluta para se expressar transformou o jornalista no empresário editor que revolucionou o mercado de livros no Brasil.

O escritor confundia-se com o jornalista, o homem de imprensa virava publicista e ambos lançavam mão dos meios de comunicação da época – o livro, jornal e a revista – para tentar despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo“.

Monteiro Lobato é o protótipo do nacionalista de seu tempo, defensor de um nacionalismo que, em todos os tempos, tem sido indispensável para forjar uma nação.

Como escritor, editor ou empresário ele é um homem preocupado com seu país e um arguto crítico social. É esse seu caráter que vai projetá-lo internacionalmente.

Suas obras, de grande repercussão no País, repercutem também nos países vizinhos. Empresário de visão, ele sabe que o mercado de língua espanhola é grande e esteve sempre tentado lançar coisas nossas, traduzidas. Seu sonho como escritor é lançar um livro nos Estados Unidos, mercado para edições de um milhão de exemplares.

Em 1919, pretendeu, sem êxito, estender a Revista do Brasil a Buenos Aires. Em 1921 inicia colaboração com a revista argentina La Novela Semanal; a editora Pátria, de Buenos Aires, lança com sucesso Urupês, em tradução de Benjamin de Garay. Em 1923, uma coletânea de contos é lançada na Espanha, em 1924 outra coletânea é publicada na Argentina. No ano seguinte, quatro contos vertidos para o inglês são publicados nos Estados Unidos. Nessa época também colabora com as revistas francesas La Revue de L’Amerique Latine e La Revue Nouvelle.

Em 1926, Lobato se entusiasma com as idéias e a ações de Henry Ford e começa a publicar uma série de artigos difundindo essas idéias na imprensa carioca, particularmente em O Jornal. Ele acha que ao contrário dos idealistas utópicos, Ford é o idealista orgânico – “o gênio que em 20 anos tornara-se o homem mais rico de todos os tempos“, exemplo que ele quer ver seguido no Brasil. Em seu livro Mr Slang, lançado em 1927, traça um paralelo entre o Brasil e Estados Unidos e reafirma sua crença de que o Brasil pode repetir a façanha do grande desenvolvimento daquele país.

Ainda em 1927, é nomeado por Washington Luís adido comercial interino ao consulado do Brasil em Nova Iorque. Sua permanência nos Estados Unidos confirma o que ele arquitetava para seu país, inspirado no fordismo. Contribui também para modernizar seu pensamento e lhe dá coragem para os passos mais arrojados que mais tarde daria como empresário, lançando-se na busca do petróleo e na transformação do minério do ferro.

REINAÇÕES DE NARIZINHO
O livro-mater, a locomotiva do comboio, o puxa-fila. A história começa. Aparecem Narizinho, Pedrinho, Emília, o visconde, Rabicó, Quindim, Nastácia, o Burro Falante… e o milagre do estilo de Monteiro Lobato vai tramando uma série infinita de cenas e aventuras em que a realidade e a fantasia, tratadas pela sua poderosa imaginação, se misturam de maneira inextricável – tal qual se dá normalmente na cabeça das crianças. O encanto que as crianças encontram nestas histórias vem sobretudo disso: são como se elas próprias as estivessem compondo em sua imaginativa, e na língua que todos falamos nesta terra – não em nenhuma língua artificial e artificiosa, mais produto da “literatura” do que da espontaneidade natural. – Volume com 312 páginas

VIAGEM AO CÉU E O SACI
Pedrinho consegue obter uma boa dose do pó de pirlimpimpim, o pó mágico que transporta as criaturas a qualquer ponto do Espaço e a qualquer momento do Tempo – e distribuindo pitadas a Narizinho, Emília, o visconde, Nastácia e o Burro Falante, empreende a viagem ao céu astronômico. Vão parar na lua, onde tia Nastácia fica como cozinheira de S. Jorge, enquanto os outros visitam Marte e Saturno e a Via Láctea, na qual encontram o Anjinho de Asa Quebrada. Enquanto brincam no éter, vão aprendendo sólidas noções de astronomia – só voltam de lá quando dona Benta os chama com um bom berro: “já pra baixo, cambada!”.

Na Segunda parte, O Saci, desenvolve-se a estranha aventura que teve Pedrinho com um saci que conseguiu pegar com a peneira e conservar preso numa garrafa. O diabinho de uma perna só proporciona ao garoto ensejo de conhecer a vida noturna e fantástica das matas – com visões da Mula Sem Cabeça, da Caapora, do Lobisomem, do Boitatá, e das principais criações mitológicas do nosso folclore. – Volume com 275 páginas.

CAÇADAS DE PEDRINHO E HANS STADEN
Neste volume Pedrinho organiza uma caçada de onça e sai vitorioso como também sai vitorioso do ataque das onças e outros animais de presa ao sítio de dona Benta. Depois encontra um rinoceronte, fugido de um circo do Rio, que se refugiara naquelas matas – um animal pacatíssimo e de bastante ilustração, do qual Emília tomou conta, depois de batizá-lo de Quindim.

Completa o volume a narrativa feita por dona Benta das celebres Aventuras de Hans Staden. Este aventureiro alemão veio ao Brasil em 1559 e esteve nove meses prisioneiro dos tupinambás, a assistir cenas de antropofagia e à espera de ser devorado de um momento para outro. Mas salva-se. Volta para a Alemanha e lá publica o seu livro: o primeiro que aparece com cenário brasileiro e um dos mais pungentes e vivos de todas as literaturas. – Volume com 144 páginas.

HISTÓRIA DO MUNDO PARA CRIANÇAS
Este livro de Monteiro Lobato teve uma aceitação excepcional, estando já a caminho de 200.000 exemplares. Nele o autor dá um apanhado da evolução humana, e da história da humanidade no planeta, na seriação clássica de todas as “histórias universais” – mas escrita de modo extremamente atrativo, como um verdadeiro romance policial posto em nível infantil. As crianças lêem avidamente este livro, como lêem as histórias da carochinha, e desse modo criam uma história da civilização. E os pais também lucram imensamente com a leitura deste livro; dum certo modo podemos dizer que o que o grosso da nossa população sabe de história é o que Monteiro Lobato conta em sua exposição para as crianças … – Volume com 313 páginas.

MEMÓRIAS DA EMÍLIA E PETER PAN
Emília, a terrível Emília, resolve escrever Memórias e as escreve com as unhas do visconde. Nelas vem o episódio, tão vivo e interessante da visita das crianças inglesas ao sítio de dona Benta, trazidas pelo velho almirante Brown. Vieram para conhecer o Anjinho de Asa Quebrada, que Emília descobre na Via Láctea, durante a Viagem ao Céu. Emília conta tudo – o que houve e o que não houve; e vai dando as suas ideiasinhas sobre tudo – ou a sua filosofia, que muitas vezes faz dona Benta olhar para tia Nastácia, e murmurar: “Já viu, que diabinha?”.

Na Segunda parte, Peter Pan, dona Benta recebe o famoso livro de Sir John Barrie, Peter Pan and Wendy e o lê da sua moda para as crianças. Durante a leitura, a espaços interrompidos de cenas provocadas pelos meninos e, sobretudo, pela Emília, ocorre o caso do desaparecimento da sombra da tia Nastácia. Quem furtou a sombra da pobre negra? O visconde é posto a investigar, e como é um excelente Sherlock, descobre tudo: artes da Emília… – Volume com 247 páginas.

EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA E ARITMÉTICA DA EMÍLIA
Temos aqui uma das obras primas de Monteiro Lobato, e o mais original de quantos livros se escreveram até hoje. Lobato figura a língua como uma cidade, a cidade da Gramática, e leva para lá o pessoalzinho do sítio, montado no rinoceronte. E é este paciente paquiderme o gramático que tudo mostra e explica. Há a entrevista de Emília com o venerando Verbo Ser, que é uma pura criação. E a reforma ortográfica, que Emília opera à força, com o rinoceronte ali ao seu lado para sustentar suas decisões, constitui um episódio que não só encanta as crianças pela fabulação como ensina de modo indelével as principais regras da ortografia.

Na Aritmética da Emília, Monteiro Lobato usa do mesmo sistema e consegue, numa matéria tão árida como a aritmética, transformar o velho Trajano numa linda brincadeira no pomar. O quadro negro em que faziam contas a giz era o couro do Quindim… Volume com 302 páginas.

GEOGRAFIA DA DONA BENTA
Em vez de estudar geografia nos livros, como fazem todas as crianças, o pessoalzinho do sítio embarca no “O terror dos Mares” e sai pelo mundo afora, a “viver” geografia. E a geografia, aquele estudo penoso e tão sem graça, se torna uma aventura linda, com paradas em inúmeros portos e descidas em terra para ver as coisas mais notáveis de todos os países. É brincadeira das mais divertidas e é um preciosíssimo curso de geografia, porque as noções desse modo adquiridas ficam para sempre – não são esquecidas nunca. – Volume com 261 páginas.

SERÕES DA DONA BENTA
Um certo dia dona Benta resolve ensinar física aos meninos e em vários serões faz um verdadeiro curso de física, melhor que quanto é feito, penosamente, nos ginásios. A física perde a sua secura. Os diálogos, os incidentes, as constantes perguntas dos meninos – e as constantes perguntas dos meninos – e as ocasionais maluquices da Emília, amenizam a matéria. Trata-se de um livro para meninos aí de seus 12 anos, já em idade ginasial, e que se tem revelado preciosíssimo auxiliar dos compêndios oficiais. – Volume com 352 páginas.

D. QUIXOTE DAS CRIANÇAS
As arqui-famosas aventuras de D. Quixote de la Mancha e de seu gordo escudeiro Sancho aparecem aqui contadas por dona Benta, naquele seu modo de contar que é só dela. Emília entusiasma-se com o herói e em certo momento resolve imitá-lo – e armada dum cabo de vassoura, feito lança, investe contra as galinhas do quintal. E faz que tia Nastácia teve que agarrá-la e prendê-la numa gaiola, como aconteceu com o herói da Mancha na sua loucura… – Volume com 239 páginas.

O POÇO DO VISCONDE
Um precioso livro em que a geologia, sobretudo a geologia especial do petróleo, é exposta ao vivo e com profundo conhecimento da matéria. O visconde vira geólogo, preleciona, ensina a teoria e depois passa à prática; abertura de poços de petróleo nas terras do sítio de dona Benta. E tão bem são conduzidos os estudos geológicos e geofísicos, que a Companhia Donabentense de Petróleo, por eles fundada, consegue abrir o primeiro poço de petróleo do Brasil: o Caraminguá nº 1. – Volume com 253 páginas.

HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA
São as histórias mais populares do nosso folclore, contadas por tia Nastácia e comentadas pelos meninos. Nesses comentários, no fim de cada história, Pedrinho, Narizinho e Emília se revelam bem dotados de senso crítico, e “julgam” as histórias da negra com muito critério e segurança. É um livro que “ensina” a arte da crítica – coisa que pela primeira vez um escritor procura inocular nas crianças. – Volume com 226 páginas.

O PICAPAU AMARELO E A REFORMA DA NATUREZA
Dona Benta adquire todas as terras em redor do sítio para atender a uma coisa prodigiosa: a resolução que os personagens da fábula tomaram de irem morar lá. Branca de Neve com os sete anões, D. Quixote e Sancho, Peter Pan e os meninos perdidos do País do Nunca, a Gata Borralheira, todas as princesas e príncipes encantados das histórias da carochinha, os heróis da mitologia grega, tudo, tudo que é criação da Fábula muda-se com armas e bagagens para o Picapau Amarelo, levando os castelos, os palácios, as casinhas mimosas como a de Capinha Vermelha e até os mares. Peter Pan transporta pra lá até o Mar dos Piratas. Acontecem maravilhas; mas no casamento de Branca de Neve com o príncipe Codadad, o maravilhoso sítio é assaltado pelos monstros da fábula – e no tumulto que houve tia Nastácia desaparece… – Volume com 295 páginas.

O MINOTAURO
Neste livro desenrolam-se as aventuras de Pedrinho, do visconde e da Emília na Grécia Heróica, para onde foram em procura de tia Nastácia. Acontecem mil coisas, e afinal descobrem o paradeiro da negra, graças à ajuda do Oráculo de Delfos. Estava presa no Labirinto de Creta, nas unhas do Minotauro! Mas tia Nastácia já havia domesticado esse monstro, à força de bolinhos e quitutes; deixara-o tão gordo que os meninos puderam entrar no Labirinto e salvá-la sem que ele, espaçado no trono, pensasse em reagir… – Volume com 255 páginas.

A CHAVE DO TAMANHO
O mais original dos livros de Monteiro Lobato. Emília, furiosa com a duração da guerra, resolve acabar com a guerra. Como? Indo Ter à Casa das Chaves, lá nos confins do mundo, e “virando” a Chave da Guerra. Mas comete um erro e em vez da Chave da Guerra vira a Chave do Tamanho, isto é, a chave que regula o tamanho das criaturas humanas. Em conseqüência, subitamente todas as criaturas humanas do mundo inteiro “perdem o tamanho”, ficam de dois, três centímetros de estatura – e Lobato conta o que se seguiu. Trata-se de um livro rigorosamente lógico, e que inocula nas crianças o senso da relatividade de todas as coisas. – Volume com 200 páginas.

FÁBULAS
Neste livro Monteiro Lobato reescreve as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, mas comentadamente. A novidade do livro está nestes comentários, em que as fábulas são criticadas com a maior independência – e Emília chega a ponto de “querer linchar” uma delas, cuja lição de moral lhe pareceu muito cruel. Um livro encantador, em que o gênio dos velhos fabulistas é singularmente realçado pelos diálogos entre os meninos, que a inventiva de Monteiro Lobato vai criando com a maior agudeza e frescura. – Volume com 300 páginas.

OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES
Pela primeira vez em todas as literaturas os famosíssimos Trabalhos de Hércules – o mais belo romance fantástico da Antigüidade Clássica – aparece desenvolvido à moderna – e vivificado pela colaboração de Pedrinho, Emília e o visconde de Sabugosa. Esses três heroisinhos modernos penetram na Grécia Heróica a fim de acompanhar as façanhas de Hércules – e acompanham-nas, nelas tomando parte e muitas vezes salvando o grande herói. Do decorrer das aventuras ressalta a lição moral da superioridade da inteligência espontânea, viva como azougue e sempre vitoriosa. Livro que é um encanto para as crianças e para todos os adultos de bom gosto. 2 tomos com 584 páginas.

URUPÊS
Esse livro de contos, considerado por muito como a obra-prima de Monteiro Lobato, tornou-se um clássico da literatura brasileira. É um fenômeno sem precedente que provoca um terremoto literário, outro sociológico e outro político. A primeira edição, lançada em 1918 foi toda ilustrada pelo próprio Lobato.

Junto com Saci, constitui a primeira experiência e também o primeiro êxito editorial de Lobato, financiada com recursos próprios.

A terceira edição, em 1919, esgotou-se rapidamente devido a uma longa referência ao personagem central do livro feita por Rui Barbosa, o que ensejou uma quarta edição. Lobato brinca com o idioma, adota o vocabulário doméstico do interior de São Paulo, cria palavras novas – como por exemplo, “matracolejando gargalhadas” – muitas das quais estão hoje nos dicionários. São vários contos retratando aspectos da realidade brasileira nos quais denuncia, numa linguagem vigorosa, o drama da exclusão social que ainda persiste no Brasil pós Lobato. Velha Praga é uma reportagem sobre os grandes incêndios produzindo estragos na lavoura e na economia do País comparáveis a uma grande guerra. Buscando culpa refere-se ao nosso caboclo como “funesto parasita da terra… inadaptável à civilização”. Em Urupês ele contrapõe aos heróis da literatura indigenista o caboclo, o pobre Jeca Tatu, indiferente ao desenvolvimento do País. O livro provocou muita polêmica por seu conteúdo racista. Lobato mais tarde reconheceu que o retrato do caboclo era injusto, que a culpa não era do Jeca, mas sim daqueles responsáveis pela sua miséria e abandono.

Contos:

Os faroleiros – O engraçado arrependido – A colcha de retalhos – A vingança da peroba – Um suplício moderno – Meu conto de Maupassant – Pollice verso – Bucólica – O mata-pau – Boca torta – O comprador de fazendas – O estigma – Velha Praga – Urupês

CIDADES MORTAS
Foi publicado originalmente em 1919 numa edição da Revista do Brasil. Reúne os primeiros escritos de Lobato, ainda estudante em Taubaté, e contos que escreveu antes de seguir para os Estados Unidos para ocupar um posto no Consulado brasileiro em Nova Iorque. Mostra o Brasil de duas épocas, porém com os mesmos problemas, onde os políticos não têm a menor preocupação social.
Nos contos transparece a transição na agricultura brasileira provocada pela grande crise do café ocorrida em 1929. É um retrato bem nítido do que era São Paulo nos anos 20.

Contos:

Cidades mortas – A vida em Oblivion – Os perturbadores do silêncio – Vidinha ociosa – Cavalinhos – Noite de São João – O pito do reverendo – Pedro Pichorra – Cabelos compridos – O resto de onça – Porque Lopes se casou – Júri na roça – Gens ennuyeux – O fígado indiscreto – O plágio – O romance do Chopin – O luzeiro agrícola – A cruz de ouro – De como quebrei a cabeça à mulher do Melo – O espião alemão – Café! Café! – Toque outra – Um homem de consciência – Anta que berra – O avô do Crispim – Era no Paraíso – Um homem honesto – O rapto – A nuvem de gafanhotos – Tragédia dum capão de pintos.

NEGRINHA
Muitos consideram que neste livro estão os melhores contos escritos por Lobato. Sem dúvida são os mais emotivos e que mais agradaram ao público. Alguns contos foram escritos antes de sua viagem aos Estados Unidos, outros depois do retorno. O livro contém verdadeiras preciosidades no tratamento do idioma e os personagens são mais urbanos e mais mundanos que os dos livros anteriores.

Há, de fato, contos primorosos que honram a literatura brasileira, como por exemplo a “Facada Imortal”.

Contos:

A primeira edição de Negrinha continha os seguintes contos: Negrinha – Fitas da vida – O drama da geada – O bugio moqueado – O jardineiro Timóteo – O colocador de pronomes. Edições posteriores incluem: O fisco – Os negros – Barba Azul – Uma história de mil anos – Os pequeninos – A facada imortal – A policitemia de Dona Lindoca – Duas cavalgaduras – O bom marido – Marabá – Fatia de vida – A morte do Camicego – Quero ajudar o Brasil – Sete grande – Dona Expedita – Herdeiro de si mesmo.

IDÉIAS DE JECA TATU
No prefácio à primeira edição da Revista do Brasil em 1919, provavelmente redigido pelo próprio Lobato, diz que “uma idéia central unifica a maioria destes artigos” …. Essa idéia é um grito de guerra em prol da nossa personalidade.

Contem Paranóia ou mistificação, uma crítica aos modernistas, diretamente a Anita Malfatti, que provocou polêmica e a ira dos amigos da pintora. Ele não admitia que aqui se copiasse o que se produzia na Europa. Queria que o “vigoroso talento” de Anita produzisse coisas mais nossas.

Anota o editor que nas numerosas paginas deste volume a terra aparece em suas ominadas expressões – o interior, a roça, a gente da roça, os costumes e comidas da roça. … Em Idéias de Jeca Tatu, “Monteiro Lobato aparece em mangas de camisa, integralmente ele próprio no pensamento e no modo de expressá-lo – vivo, alegre, brincalhão e com a ironia às vezes levada até à crueldade”.

Escritos:

A caricatura no Brasil – A criação do estilo – A questão do estilo – Ainda o estilo – Estética oficial – A paisagem brasileira – Paranóia ou mistificação? – Pedro Américo – Almeida Júnior – A poesia de Ricardo Gonçalves – A hosteofagia – Como se formam as lendas – A estátua do Patriarca – Sara, a eterna – Curioso caso de materialização – Rondônia – Amor Imortal – O saci – Arte francesa de exportação – A mata virgem, Mr. Deibler e Zago – Em nome do silêncio – Royal-street-flush arquitetônico – As quatro asneiras de Brecheret – Arte brasileira – Antonio Parreiras – Um romancista argentino – Um grande artista – Os sertões de Mato Grosso – O Vale do Paraíba – diamante a lapidar – O rei do Congo – O rádio-motor – Hermismo – Um novo ‘frisson” – Cartas de Paris – A conquista do azoto.

A ONDA VERDE E O PRESIDENTE NEGRO

A primeira edição de Onda Verde saiu em 1921 pela Monteiro Lobato & Cia. São reportagens sobre a “onda verde” dos cafezais a cobrirem as terras agricultáveis de São Paulo. O Choque das raças, foi publicado em 1926, em vinte partes, no jornal A Manhã, onde era colaborador, e no final desse mesmo ano lançado em livro pela Editora Nacional.

Duas décadas mais tarde seria reeditado com o título de Presidente Negro ou O choque das raças (romance americano do ano 2.228). Em 35 foi publicado na Argentina pela Editorial Claridad. Em 1948, quando a Brasiliense editou as obras completas, juntou os dois num só volume.

Lobato escreveu O Choque pensando em lançá-lo nos Estados Unidos, porém lá acharam que era conflitivo. É seu primeiro e único romance. O que mais chama a atenção no livro é a capacidade de Lobato em desvendar o futuro. Ele mesmo diria mais tarde que os Estados Unidos que ele descreveu no livro são os Estados Unidos que ele depois ficou conhecendo.

Em A Onda Verde, descreve o papel do “grilo” na ocupação territorial de São Paulo e sua indignação com o Homo sapiens por seus crimes sociais e ecológicos, lançando um apelo a todos os animais: “Animais todos da terra, uni-vos…”

Crônicas e artigos de A Onda Verde:

A onda verde – O grilo – A lua córnea – O incompreendido – Veteranos do Paraguai – Os eucaliptos – Os tangarás – O pai da guerra – Homo Sapiens – Luvas – Dramas de crueldade – Dialeto caipira – Os livros fundamentais – Condes – Uruguaiana – O dicionário brasileiro – O 22 da Marajó – A arte americana.

NA ANTEVÉSPERA
Com o subtítulo Reações mentais dum ingênuo, a primeira edição data de 1933, pela Editora Nacional. É o estado d’alma do autor nos tempos da presidência de Bernardes e começos da de Washington Luís. Nas obras completas o livro é acrescido de escritos de épocas anteriores e/ou posteriores a esse tempo, o que os editores justificam pela necessidade de equilibrar a matéria dos vários volumes.

Neste livro, diz o prefaciador da primeira edição (talvez o próprio Lobato) “está enfeixada uma serie de reações ocorridas num período bem atormentado da vida brasileira. Todos sentíamos um terrível e indefinível mal ambiente. Um cheiro de fim. Era a República Velha que ia agonizando na presidência de Bernardes“….

Conteúdo:
Manuelita Rosas – O primeiro livro sobre o Brasil – País de tavolagem – O hipogrifo – Fala Jove – Uma opinião de M Jerôme Coignard – Bacilos vírgula – Idéias russas – Doloi Stiid – O drama do brio – Literatura de cárcere – Novo Gulliver – O Pátio dos Milagres – Vatel – O nosso dualismo – Herói nacional – A feminina – O bocejo de leoa – Catulo – voz da terra – Justiça oxigenada – As cinco pucelas – A moda futura – Plágio post-mortem – Amigos do Brasil – O inimigo – A rosa artificial – O perigo de voar – Forças novas – Em pleno sonho – A influência americana – Krishnamurti – O direito de secessão – O grande problema – A grande idéia – O armistício d Catanduva – O bombardeio de São Paulo – O cabeça chata – O despique – Euclides, um gênio americano – A mata virgem – Ariel e a Rainha Mab – Uma visita a Guiomar Novais – O saco de carvão – D. Bosco e o petróleo – Estradas – A pucela de Indiana – Azoteida.

O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO E FERRO
O Escândalo do Petróleo foi escrito e publicado em 5 de agosto de 1936 pela Editora Nacional. Os cinco mil exemplares sumiram como pão quente. Em 14 de agosto soltaram uma Segunda edição com mais cinco mil que também desapareceram, levando os editores a lançar a terceira edição com dez mil exemplares.

O livro tinha uma dedicatória às Forças Armadas brasileiras dizendo: “Exércitos, marinhas, dinheiro e mesmo populações inteiras nada valem diante da falta de petróleo“. O livro é um protesto indignado contra a burocracia federal que “não perfura, nem deixa que se perfure” para encontrar petróleo, e uma denúncia à ação das grandes empresas estrangeiras assim como a submissão de nossas elites aos interesses delas. Quando reunido nas obras completas da Brasiliense esse livro já estava na sua décima edição.

O Ferro completa esse volume com o relato da luta de Lobato para o uso de solução brasileira para a exploração do minério do ferro. Para ele, Volta Redonda não era a solução mais apropriada e defendia que o grande futuro da nossa siderurgia estava na redução dos óxidos de ferro em baixa temperatura. A primeira edição desse livro é de 1931 e foi outro grande sucesso de vendas.

No prefácio do volume que reúne esses dois livros, o editor, Caio Prado Jr., destaca que “o seu pensamento (de Lobato) não ficou pairando no mundo dos sonhos e dos projetos e prédicas. Transformou-se em ação; e seu ideal de melhorar a sorte do povo brasileiro, de regenerar o seu Jeca Tatu, materializou-se num negócio de grandes perspectivas e amplas possibilidades“.

MR. SLANG E O BRASIL E PROBLEMA VITAL

A primeira edição de Mister Slang e o Brasil – colóquios com o inglês da Tijuca -, foi publicada pela Editora Nacional em 1927. Slang é o velho inglês que em longos bate-papos com um carioca vai tecendo críticas ao modo de governar brasileiro e denúncias aos males da ditadura de Bernardes…

Problema Vital reúne série de artigos publicados no Estado de SP em 1918 e tem como epígrafe: “O Jeca não é assim: está assim”. Aqui Lobato resgata a figura do caboclo e reafirma sua fé no brasileiro impedido de construir uma grande nação por uma elite predadora. Suas denúncias sobre o estado da saúde do povo provocaram grande repercussão na opinião pública obrigando o governo a adotar providências.

Sumário:
1º parte, Mr Slang – advertência – Da balbúrdia de idéias – Da maçaroca – De outras opiniões do Manoel – Do cruzeiro e outras miudezas – Do carpinteiro de Southdown – Do período ciclônico – Da indústria da repressão – Da camisola de força – Da proteção à incompetência – Do capítulo que faltou – Da Estrada Alegre – Dos direitos imorais – Do prasitismo camuflado – Da cabeça e da mão – Da importação de cérebro – De frutas e livros – Dos ladrões – Do suplício da senatoria – Das elites – Dos trinta homens – Nota final.

2º parte, Opiniões – Psicologia do jornal – Audiências públicas – O padrão – A moeda de borracha – Gânglios pensantes – A cegueira naval – Loucura – Guerra do livro – Artur Neiva – Resignação – A morte do livro – A desencostada – Assessores – Vacas magras e gordas – A maravilha do Calabouço – O quarto poder – Honni soit.

3º parte, Problema Vital – A ação de Osvaldo Cruz – Dezessete milhões de opilados – Três milhões de idiotas – Dez milhões de impaludados – Diagnóstico – Reflexos morais – Primeiro passo – Déficit econômico, função do déficit da saúde – Um fato – A fraude bromatológica – Início de ação – Iguape – A casa rural – As grandes possibilidades dos países quentes – Jeca Tatu.

AMÉRICA

Neste livro Lobato revive o personagem inglês Mr Slang e com ele percorre os Estados Unidos, mostrando a pujança daquele país, tecendo comparações, buscando soluções que possam servir para tirar o Brasil do atraso. Depois de passar 4 anos nos Estados Unidos, Lobato volta ao Brasil para dedicar-se inteiramente a lutar pelo petróleo e pelo ferro. A primeira edição foi lançada pela Editora Nacional em 1932.

MUNDO DA LUA E MISCELÂNEA

]A primeira edição de Mundo da Lua saiu em 1923 e reúne uns escritos de Lobato em um diário de sua juventude. Na edição das obras completas, foram acrescentados outros escritos posteriores e que ajudam a compreender a mocidade do autor. Miscelânea, também acrescentado a esse volume contém série de artigos sobre pessoas e impressões sobre viagens pelo interior do Brasil.

Primeira parte, Mundo da lua – trechos de um diário.
Segunda parte, Fragmentos – trechos de um diário. Terceira parte, Miscelânea – Traduções – Processos americanos – Primeiro amor – A dourorice – Alice in the Wonderland – O segredo de bem escrever – Fim do esoterismo científico – Pearl Harbour – Pelo Triângulo Mineiro – Paulo Setúbal – Moeda aregressiva – La moneda rescindible – Planalto – Um romance que prenuncia outro – De São Paulo a Cuiabá – A cidade dos pobres – Júlio César da Silva – Apelo aos nossos operários – A geada – Mais estradas – Jesting Pilate – Quem é esse Kipling? Machado de Assis.

A BARCA DE GLEYRE
Com a epígrafe “Quarenta anos de correspondência literária entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel. Vai de 1903 a 1948. O próprio Lobato se espanta: “quarenta anos do mesmo amigo e mesmo assunto, que fidelidade… E a conseqüência foi se tornarem uma raríssima curiosidade”. Lançada em 1943 é a última obre de Lobato na Editora Nacional.

O autor explica que carta não é literatura, é algo à margem da literatura… Porque literatura é uma atitude – é a nossa atitude diante desse monstro chamado público, para o qual o respeito humano nos manda mentir com elegância, arte, pronomes no lugar e sem um só verbo que discorde do sujeito. O próprio gênero memórias é uma atitude: o memorando pinta-se ali como quer ser visto pelos pósteros – até Rouseaau fez assim – até Casanova…. Mas cartas não… Carta é conversa com um amigo, é um duo – e é nos duos que está o mínimo de mentira humana.

PREFÁCIOS E ENTREVISTAS
O enorme sucesso de Lobato como escritor o fazia ser constantemente procurado por intelectuais e escritores que queriam associar seus nomes ao de Lobato para conquistar o público, e por jornalistas de todas as partes, principalmente durante a ditadura. Lobato dizia que se responsabilizava unicamente pelas entrevistas escritas de seu próprio punho. Como nunca estava satisfeito com as versões publicadas, parou de receber jornalistas.

Esse volume, com prefácio de Marina de Andrade Procópio de Carvalho, reúne 20 prefácios e 17 entrevistas.

Sumário:
prefácio de Marina de Andrade Procópio – Prefácios (para os seguintes livros): Ipês, de Ricardo Gonçalves – Antologia de contos humorísticos – Seleta de contos brasileiros, organizada por Lee Hamilton – Contas de capiá, de Nhô Bento – Éramos seis, da Sra. Leandro Dupré – Luta pelo petróleo, de Essad Bey – Aspectos de nossa economia rural, de Paulo Pinto de Carvalho – Diretrizes para uma política rural e econômica, de Paulo Pinto de Carvalho – Nos bastidores da literatura, de Nelson Palma Travassos – Serpentes em crise, de Afrânio do Amaral – Nós e o universo, de Urbano Pereira – Bio-perspectivas, de Renato Kehl – Gilberto Freyre, de Diogo de Melo Menezes – Cartas para outros mundos, de Álvaro Eston – O pecado original, de Rocha Ferreira – Falam os escritores, de Silveira Peixoto – A sabedoria e o destino, de Maurice Maeterlinck – Uma revolução econômico-social, de Otaviano Alves de Lima – Prefácio de paraninfo na formatura de contadores de uma escola de comércio – carta-prefácio aos Poemas atômicos, de Cesídio Ambrogi.

Entrevistas:
O Brasil às portas da maior crise de sua história – Inglaterra e Brasil – Um governo deve sair do povo como o fumo sai da fogueira – Entrevista com Silveira Peixoto – Resposta a uma “enquete” da Mocidade Paulista – Faz vinte e cinco anos… – Monteiro Lobato fala sobre o problema judaico e outros assuntos – Insultos ao Brasil – Eu sou um homem sem função – Entrevista ao Correio Paulistano sobre a beca na Academia Paulista de Letras – As orelhas de Vasco da Gama – Lobato, editor revolucionário – Monteiro Lobato na torre de marfim – Um mundo sem roupa suja … Que fazer da Alemanha depois da guerra? – Quando era proibido entrevistar Monteiro Lobato.

CONFERÊNCIAS, ARTIGOS E CRÔNICAS

Reúne, segundo os editores, uma pequena parte da colaboração de Monteiro Lobato espalhada por jornais e revistas do País, ou apenas divulgada em pequenos folhetos, além de alguns textos inéditos. Da leitura desse volume, os leitores podem ter uma visão mais rica da ação de Lobato nos variados setores para onde convergiu seu talento.

Sumário:
Prefácio – Conferência em Ubatuba – Conferência em Belo Horizonte – Prefácio a “No Silêncio” – Prefácio a “Minha vida e minha obra”- Sobre poesia e poetas I, II, III – Vida Ociosa – Discurso de agradecimento – Saudação a Horácio Quiroga – Torpilhar – O teatro brasileiro – Fantasia – O mais velho dos escultores: O acaso – Pedro Alexandrinho – O doutor Quirino – O cigarro do Padre Chico – A evolução das idéias argentinas – A hora perigosa – A glória – Estradas de rodagem – São Paulo e o Brasil – Reconstruir a casa – Como países se suicidam – A nossa doença – Confissões ingênuas – Fradique Mendes – Eu tomo o sol – A criança é a humanidade de amanhã – Mensagem à mocidade do Brasil – De quem é o petróleo da Bahia? – Georgismo e Comunismo – O planejamento do futuro – O visconde científico – História do rei vesgo – Entrevista coletiva – Zé Brasil – A última entrevista.

LITERATURA DO MINARETE

O “Minarete” era o nome que Lobato e seu grupo de amigos mais chegados davam ao chalé onde realizavam suas tertúlias. Depois serviu para batizar um jornal que seu amigo Benjamim Pinheiro lançou em Pindamonhangaba, onde todos colaboravam. O editor reuniu nesse volume das obras completas os textos que Lobato publicara em diversos jornaisinhos na juventude enquanto estudante de direito.

Sumário:
Outrora e Hoje – Juro! – A cor – O charuto – Rubis – Tio Pedrosa – Falta de assunto – Os lambe-feras – Da janela – Fragmento – Como se escreve um conto – A todo transe – A fuga dos ideais – Crônicas teatrais – Tão ingênua! – Diário dum esquisitão – Memórias de um velho – Assombro – Psicologia do sono – Futebol – Na roleta – En Tigelópolis – Sara Bernhardt – Um Giles moderno – A poesia japonesa – O queijo de Minas ou História de um nó cego – Filosofias – Em casa de Fídias – Duas dançarinas.

CARTAS ESCOLHIDAS.

Em dois volumes, com prefácio de Edgard Cavalheiro, reúne farta correspondência de Lobato, desde 1895 até 1948. Ao incorporar essas cartas às obras completas os editores quiseram ampliar os subsídios para a compreensão do homem e do escritor. Nas palavras de Edgard Carvalheiro – “Que as novas gerações extraiam destas páginas as lições que elas encerram. Nada do grande homem é sonegado nestas cartas. Elas refletem uma personalidade realmente invulgar. E despida de todo o aparato das biografias. O homem-Lobato está vivo, palpitante, nestes volumes”.

Fontes:
http://lobato.globo.com/lobato_ Biografia.asp
http://www.projetomemoria.art.br/ MonteiroLobato/bibliografialobatiana/bibliot.html
http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/monteirolobato/index.html

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Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXVI: Emília ataca o reduto etimológico

Emília dirigiu-se sozinha para o bairro onde a Ortografia Etimológica se havia entrincheirado.

— Onde está a interventora disto por aqui? — perguntou a uma sentinela com dois LL, porque ali todas as palavras se conservavam vestidas à moda de dantes.

— Naquela casinhola feita de raízes gregas e latinas — respondeu a sentinela.

A boneca encaminhou-se para a casinha e bateu na porta um toque, toque, toque enérgico.

— Entre! — gritou uma voz fanhosa.

Emília entrou e deu com uma velha de nariz de papagaio e ar rabugentíssimo, que tomava rape em companhia dum bando de velhotes mais rabugentos ainda, chamados os Carrancas.

— Com que então — foi dizendo a boneca — a senhora está de briga com a ORTOGRAFIA SIMPLIFICADA e não admite que estas pobres palavras se vistam pelo figurino moderno?

— Sim — rosnou a velha. — As palavras sempre usaram este modo de vestir, e eu não “admito” que dum momento para outro mudem e virem aí umas sirigaitas “fonéticas”. As palavras têm uma origem e devem trajar-se de modo que quem as lê veja logo donde procedem.

-— Tudo isso está muito bem — replicou Emília —, mas a senhora sabe que existe uma contínua mudança nas coisas. As palavras, como tudo mais, também têm de mudar. Quindim já me explicou isso.

— Mas mudam lentissimamente — declarou a velha —, e não assim do pé para a mão, como querem os reformadores. Mudam por si, e não por vontade dum grupo de homens.

— A senhora canta muito bem, mas não entoa. Talvez tenha até carradas de razão. Entretanto, ignora a maçada que é para as crianças estarem decorando, um por um, o modo de se escreverem as palavras pelo sistema antigo. Os velhos Carrancas é natural que estejam do seu lado, porque já aprenderam pelo sistema antigo e têm preguiça de mudar; mas as crianças estão aprendendo agora e não há razão para que aprendam pelo sistema velho, muito mais difícil. Eu falo aqui em nome da criançada. Queremos a Ortografia Nova porque ela nos facilita a vida. Quanto menos complicações, melhor. Por isso vim cá conversar com as palavras para conhecer-lhes a opiniãozinha.

— Quem governa as palavras sou eu, e só eu falo em nome delas.

— Pois a sua opinião de modo nenhum me interessa. Eu já a conheço. Quero agora conhecer a opinião das palavras, está ouvindo? Se elas pensarem como a senhora, nesse caso já não está aqui quem falou. Mas se pensarem como eu, ah, então a senhora tem de ver fogo com o meu Quindim. . .

— Quem é esse Quindim? — perguntou a velha, de testa franzida.

— A senhora saberá no momento oportuno, com um P só, está ouvindo? E agora, com ou sem sua licença, vou conversar com as palavras deste acampamento.

A velha ficou de tal modo desnorteada com a rompância de Emília que nem pôde abrir a boca com dois cc. Limitou-se a botar-lhe a língua (uma língua muito preta) e a recolher-se, batendo a porta.

Emília acenou para uma das palavras que andavam por ali. Era a palavra Sabbado, com dois BB.

— Senhor Sabbado, venha cá. Sabbado aproximou-se.

— Diga-me; por que é que traz no lombo dois BB quando poderia passar muito bem com um só?

Sabbado olhou para o lado da casinha da velha, com expressão de terror nos olhos. Emília viu que ele estava com medo de manifestar-se livremente, e levou-o para mais longe dali. Sabbado então disse:

— É por causa da bruxa velha. Como venho do latim Sabbatum, que, por sua vez, veio do hebraico Sabbat, ela não consente que eu me alivie deste B inútil. Há séculos que trago no lombo semelhante parasito, que nenhum serviço me presta.

— Quer dizer que para você seria muito melhor andar com um B só?

— Está claro! O meu sonho é ver-me livre deste trambolho. Mas a velha não deixa. . .

Emília arrancou-lhe o B inútil e disse:

— Pois fique com um B só. A velha está caducando e só olha para os interesses de si própria e dos Carrancas que lhe vêm filar o rape. Estou aqui representando os interesses das crianças, que constituem o futuro da humanidade — e as crianças preferem Sábados com um B só. Vá passear e nunca mais me ponha o segundo B!. . .

A palavra simplificada saiu lampeiríssima, pulando que nem um cabritinho novo que pilha aberta a porta do curral. Sentia-se leve, leve. . Emília chamou outra palavra. Veio a palavra Sceptro.

— Como é a pronúncia do seu nome? — perguntou-lhe.

— Cetro — respondeu ela.

— Então por que traz esse S e esse P inúteis?

— Ordens da velha.

— Só por causa disso ou também porque sente prazer em trajar-se assim?

— Que prazer poderei sentir em levar vida de burro de carga? Pensa que letra inútil não pesa? Sou um Sceptro bem pesado. . .

Emília arrancou as duas letras inúteis e mandou Cetro passear — e lá se foi ele, pulando que nem tico-tico.

— E diga às suas companheiras de peso inútil que façam o mesmo — recomendou Emília, de longe. — Que botem no lixo as letras mudas.

Depois chamou outra palavra. Veio Thesouro.

— Para que esse H aí dentro?

— Isto é um enfeite etimológico, que a velha exige.

— Fora com ele! Acabou-se o tempo dos enfeites etimológicos. A velha não manda mais. E diga a todas as palavras com HH inúteis que se limpem disso.

— E as de H no começo?

— Essas ficam assim mesmo. E olhe: também não fica o H dentro da palavra quando se trata de palavra composta, como Desabitar, que é composta de Des e Habitar. Excetuando aquele caso, olho da rua com todos os HH mudos! Vá!. . .

Emília chamou outra. Veio Machina.

— Como é o seu nome, Máquina ou Machina?

— Máquina. Este meu CH tem o som de Q.

— Então por que não o troca duma vez por um Q?

— A velha não deixa. Diz que eu sou uma palavra de origem grega, e que no grego o CH vale Q. É a Etimologia. . .

— Sebo para a Etimologia. Bote fora o CH e passe a usar o Q — e diga a todas as suas companheiras de CH que façam o mesmo. Chispa!. . .

Emília chamou outra. Veio Kágado.

— Esse K que você usa não tem o mesmo som de CA? — perguntou ela.

— Tem, sim. . .

— Pois então bote fora o K e vista o CA. Desde que o tal K tem o mesmo som de CA, ele é demais na língua e deve ser expulso do Alfabeto. Avise todos os KK que o tempo deles se acabou. Suma-se!. . .

O velho Kágado lá se foi, de nariz comprido, achando muito perigosa aquela sua transformação em Cágado. . .

— Não fica bonito — murmurou Emília ao vê-lo afastar-se — mas simplifica. Estamos na era da simplificação.

Depois chamou outra. Veio Wagão.

— Que letra é essa que você usa no frontispício? — perguntou.

— É o W, ou Dabliú, uma letra do Alfabeto inglês que vale por dois vv entrelaçados. Letra muito importante em Anglópolis, mas pouco usada aqui.

— Pois não há mais Dabliú em português, sabe? Foi expulso do nosso Alfabeto. Troque-o por um V e raspe-se!. . .

E lá se foi Wagão, transformado em Vagão, rolando muito mais leve sobre os seus trilhos.

Emília chamou outra. Veio Pery.

— Que Y é esse que você usa em vez do I comum? — perguntou-lhe.

— Todas as palavras de origem tupi, como eu, sempre foram escritas assim, com Y.

— Mas os índios tinham linguagem escrita?

— Não. Só a tinham falada.

— Nesse caso não há razão nenhuma para vocês andarem a fingir-se de gregas usando esse Y. Tire isso e bote um I simples. Avise a todas as mais para que façam o mesmo. Rua!. . .

Emília chamou outra. Veio a palavra Phosphoro, e com ela a palavra Phthisica.

— Como se lê o seu nome? — perguntou Emília a Phosphoro.

— Lê-se Fósforo. O meu PH soa como F.

— Então não seja idiota. Use F que até acenderá melhor, e não complicará a vida das crianças. Avise os seus colegas que o PH morreu para sempre. Roda!…

— E a senhora? — disse depois, dirigindo-se a Phthisica. — Sabe que está tuberculosa de tanto carregar letras inúteis? Liberte-se dos parasitos do corpo que garanto a sua cura. Suma-se!. . .

Emília chamou outra. Veio a palavra Inglez.

— Meu caro — disse ela —, acho que você está muito bem assim, com esse Z atrás. Mas o governo fez um decreto expulsando os zz de inúmeras palavras, de modo que a sua forma daqui por diante vai ser Inglês. Eu lamento muito, mas lei é lei. . .

Inglez, transformado em Inglês, lá se foi, teso como um cabo de vassoura, sem sequer murmurar um Yes.

Emília chamou outra. Veio Egreja.

— Saiba que foi resolvido que de agora em diante todas as palavras que uns escreviam com E e outros com I serão escritas unicamente com I. Escrevê-las com E fica sendo erro.

— E por que decidiram conservar o I em vez de mim? — protestou o E de Egreja.

— Não sei, nem quero saber — respondeu a boneca. — Resolveram assim e acabou-se. Tiraram a sorte, com certeza — ou então o I soube apadrinhar-se melhor. Vá embora!. . .

Emília chamou outra. Veio Prompto.

— Não há mais P mudo dentro das palavras. Fora com esse e suma-se!. . .

E Prompto lá se foi, muito sem jeito, transformado em Pronto.

Emília chamou outra. Veio a palavra Cançar.

— Uns escrevem você com S e outros com Ç. Ora, isso constitui uma trapalhada, e portanto foi decidido que todas as palavras nessas condições passem a ser escritas só com S. Roda!. . .

Emília chamou outra. Veio a palavra Maçan.

— Tire o AN — disse a boneca. — Ponha à e vá avisar a todas da mesma família. E diga às terminadas em AM que a moda agora é Ão.

Emília chamou outra. Veio a palavra Pao.

— Avise às suas companheiras de que os Ditongos Ai, Au e oi, só se escreverão dora em diante assim, e não AE, AO e OE. Foi resolvido e acabou-se, entende? Palavras como Pao, Ceo, Chapeo, etc, passam a escrever-se Pau, Céu, Chapéu. E nada de rezinga. Manda quem pode. Suma-se.

— E eu como fico? — murmurou a palavra Rio, aproximando-se.

— Você fica assim mesmo, boba! O seu final 10 nunca foi Ditongo, não sabe disso? Roda! Venha outra.

Apresentou-se a palavra Geito.

— Uns escrevem você com G e outros com J — disse a boneca. — Fique sabendo que a moda agora é com J, e quem a escrever com G vai para o xadrez. Pode ir.

— E eu? — disse a palavra Jibóia, silvando como fazem as cobras.

— Você fica com J porque é de origem americana. Se fosse africana também ficaria com J, como aquela que lá vai — e apontou para a palavra Quijila, que andava passeando muito lampeira.

— Venha outra. Aproximou-se a palavra Amal-o.

— O governo — disse Emília — resolveu que doravante você e suas companheiras devem ser escritas assim — Amá-lo. Vá avisar às outras.

— Mas isso é um absurdo! — protestou Amal-o. — Eu. . .

Emília arrumou-lhe com o decreto do governo na cabeça, gritando:

— Vá avisar as outras e não me aborreça. Chispa! Amal-o, transformado em Amá-lo, lá se foi com um galo na testa, fungando.

Emília chamou a palavra Subscrever, que estivera assistindo à cena.

— Como é que a senhora divide as suas Sílabas? — perguntou-lhe.

— Divido-as pelo sistema etimológico, assim: sub-scre-ver.

— Pois vai mudar isso. De hoje em diante dividirá deste modo: Subs-cre-ver. As razoes etimológicas acabaram-se. Estamos em tempo de fonéticas. A divisão das Sílabas será de acordo com a fonética, ou com os sons apenas. Vá avisar a todas. Já!. . .

Subscrever saiu correndo.

— E pronto! — exclamou Emília dando um pontapé no montinho de KK e YY e CH e mais letras mudas e dobradas que ficaram no chão. — Prontérrimo! Quero agora ver a cara da tal Ortografia Etimológica. . .

E viu. Logo depois a velha deixou a casinha de raízes e veio passar em revista as palavras do acampamento. Assim que avistou o Sábado com um B só, o Cetro sem o S e o P etimológicos, e Máquina sem CH, teve um faniquito. Depois berrou, arrancou os cabelos e apelou para os Carrancas que havia deixado na casinha tomando pitadas de rapé.

— Acudam! Corram todos aqui!. . .

Os Carrancas acudiram, espirrando atchim! e a assoarem- se em grandes lenços vermelhos.

— Venham ajudar-me a “endireitar” as palavras que a pestinha da boneca estragou.

A primeira vítima foi Sábado, que entre berros teve de abrir a barriga para receber o B arrancado pela Emília. O coitadinho já se habituara a viver sem a letra inútil, de modo que resistiu e pôs a boca no mundo.

Emília, que estava observando a cena, teve dó dele. Chamou Quindim e disse-lhe:

—Vamos, Quindim! Avance e espalhe aqueles peludos complicadores da língua. Chifre neles!. . .

O rinoceronte não esperou segunda ordem. Avançou de chifre baixo, a roncar que nem locomotiva.

Os Carrancas sumiram-se como baratas tontas, e a velha Ortografia Etimológica, juntando as saias, trepou, que nem macaca, por uma árvore acima.

Emília ria-se, ria-se.

Depois gritou-lhe:

— Você, sua diaba, viveu muito tempo a complicar a vida das crianças sem que nada lhe acontecesse. Mas agora tudo mudou. Agora estou eu aqui — e o Quindim ao meu lado!

Quero ver quem pode com esse “binômio gramatical”. . .

Depois da tremenda revolução ortográfica da Emília, o Brasil ficou envergonhado de estar mais atrasado que uma bonequinha e resolveu aceitar as suas idéias. E o governo e as academias de letras realizaram a reforma ortográfica. Não saiu coisa muito boa, mas serviu. Infelizmente cometeram um grande deslize: resolveram adotar uma porção de acentos absolutamente injustificáveis. Acento em tudo! Palavras que sempre existiram sem acentos e jamais precisaram deles, passaram a enfeitar-se com esses risquinhos. O coitado do “ha” do verbo haver, passou a escrever-se com acento agudo — “há”, sem que nada no mundo justificasse semelhante burrice. E introduziram acentos novos, como o tal acento grave (`), que, por mais que a gente faça, não distingue do acento agudo (´). O “a” com crase passou a “à”, embora conservasse exatamente o mesmo som! E apareceu até um tal trema (••), que é implicantíssimo. A pobre palavra “freqüência”, que toda a vida foi escrita sem acento nenhum, passou a escrever-se assim: “freqüência”!. . . Emília danou.

— Não quero! Não admito isso. É besteira da grossa. Eu fiz a reforma ortográfica para simplificar as coisas, e eles com tais acentos estão complicando tudo. Não quero, não quero e não quero.

Quindim interveio.

— Você tem razão, Emília. A tendência natural duma língua é para a simplificação, por causa da grande lei do menor esforço. Se a gente pode fazer-se perfeitamente entendida dizendo, por exemplo, “tísica”, por que dizer “phthisica” como nos tempos da ortografia etimológica? A forma “tísica” entrou na língua por efeito da lei do menor esforço. Mas a tal acentuação inútil vem contrariar essa lei. Em vez de simplificar, complica. Em vez de exigir menor esforço, exige maior esforço. Logo, é um absurdo.

— Mas é obrigatório hoje escrever-se assim, com dez mil acentos — observou Pedrinho.

Quindim não concordou.

— Est modus in rebus — disse ele. — A língua é uma criação popular na qual ninguém manda. Quem a orienta é o uso e só ele. E o uso irá dando cabo de todos esses acentos inúteis. Note que os jornais já os mandaram às favas, e muitos escritores continuam a escrever sem acentos, isto é, só usam os antigos e só nos casos em que a clareza os exige. Temos, por exemplo, “fora” e “fora” . O acento circunflexo serve para distinguir o “fora” advérbio do “fora” verbo. Nada mais aceitável que esse acento no O. O que vai acontecer com a nova acentuação é isso: as pessoas de bom senso não a adotam e ela acaba sendo suprimida. O uso aceita as reformas simplificadoras, mas repele as reformas complicadoras.

Emília ficou radiante com as explicações de Quindim e pôs em votação o caso. Todos votaram contra os acentos, inclusive Dona Benta, a qual declarou peremptoriamente:

— Nunca admiti nem admitirei imbecilidades aqui em casa.
______________________
Continua … Capítulo XXVII (final): Epílogo
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

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Antonio Brás Constante (Perdendo o Medo de Papai Noel)

Lucas não gostava do Natal, pois morria de medo daqueles velhinhos que ficavam nas lojas, vestidos de vermelho e com barbas brancas, que pegavam crianças no colo e lhes desejavam feliz natal.

Seus pais se esforçavam para que ele perdesse aquele medo injustificado pelo bom velhinho. Tentavam demonstrar de todas as formas que o Papai Noel era camarada, amigo das crianças e muito bondoso até com os animaizinhos do bosque encantado de Natal.

Diziam que ele sempre vinha à noite. Com um saco cheio de presentes. Entrava furtivamente nas casas quando todos estavam dormindo, e preparava belas surpresas para a família inteira, pois ele era a personificação do espírito natalino, algo maravilhoso e que não deveria ser temido e sim glorificado.

O Natal foi se aproximando, e aos poucos Lucas foi perdendo o medo. Mas ainda assim não acreditava que aquele tal de papai Noel existisse. E foi assim, todo desconfiado, que foi dormir na noite da véspera do dia 25 de dezembro.

Acordou de madrugada, com um som vindo da sala. Foi caminhando bem quietinho até lá para ver o que era aquele barulho. Para seu espanto, viu aquela figura de barba branca, roupa vermelha e com um saco cheio de coisas nas costas.

Ficou ali olhando para ele sem acreditar. Foi quando o estranho vulto, sentindo a presença do garoto, lhe deu um belo sorriso junto com algumas balas de iogurte. Dirigiu-se para a janela aberta e saiu por ela, sumindo na noite.

A partir daquela data, Lucas não teve mais medo de papai Noel. Já os seus pais que ficaram a noite inteira amarrados, amordaçados e trancados dentro do banheiro (enquanto o “bom velhinho” lhes roubava a casa), passaram a temer as noites de Natal.

Fonte:
O Autor

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Ialmar Pio Schneider (Livro de Sonetos II)

NOSSO CAMINHO

Envio-lhe estes versos com saudade
dos momentos felizes
de serenidade
ou delizes…

Tudo é possível quando nos visita
uma paixão avassaladora,
inaudita
e sedutora…

Um sonho se descortina
em nosso caminho
e nos fascina
pelo carinho…

Quando estivermos juntos e unidos
vamos sempre lembrar
que fomos concebidos
para viver e amar…

POEMETO LÍRICO

Antes não tivesse visto
teus olhos, o corpo e a boca,
se fosse pra sofrer isto
que somente me dás, louca !
Se te vejo, se me vês;
nem sei que pensas por mim,
embora nada me dês
não quero que chegue o fim…
Sonhas, talvez, com alguém
nesse teu mundo encantado…
mesmo que eu sofra também,
és o meu ser esperado.
Poderás andar sozinha
Como no céu anda a lua;
em meu pensamento és minha:
sonho que se perpetua.
Nada poderá romper
as correntes deste amor.
E quem sabe o amanhecer
há de ser mais promissor !

SONETO DO ABANDONADO

Se teu amor chegasse de mansinho
e aos poucos me envolvesse corpo e alma;
se ele viesse me trazer carinho
quando me desespero e perco a calma…

Se fosses o fanal do meu caminho
e me surgisses numa noite calma,
como alguém que procura um quente ninho
para amar e aquecer o corpo e a alma…

Ambos unidos pelo mesmo afeto,
tanto sincero quanto predileto,
viveríamos horas mais amenas…

Mas, enquanto não vens, não tenho nada;
minha vida é uma casa abandonada
onde alguém chora, a sós, amargas penas.

SONETO

Não quero o verso dos amores impossíveis
que nos fazem sofrer nas longas madrugadas,
nem quero o verso das formas indefiníveis
para esconder a dor das ilusões passadas.

Na minha solidão há fúrias invisíveis
despertando em meu ser canções desesperadas,
hão de compreendê-las as almas mais sensíveis
e aquelas que também forem abandonadas.

Quero o verso levando um pouco de consolo
ao coração que sofre a sangrenta ferida
de sentir-se sozinho andando pela vida…

ou tem um grande amor, ou chora de saudade;
se é na tristeza que permaneço a compô-lo
não pretendo que lhe falte felicidade…

SUPREMA DESGRAÇA

Despetalar as flores, na demência
do desespero horrendo dum delírio.
Nem ao menos poupar o branco lírio
e já não escutar a consciência.

Arrasar o jardim desta existência
na fúria dum remorso sem martírio.
Perder a crença de encontrar o empíreo
e sufocar a luz co’a própria ciência.

Depois olhar p’ra trás e ver ainda
um jardim florido e uma luz infinda,
e não ter forças p’ra voltar atrás…

Mas ter somente uma opressão maldita,
e ao lado nem ao menos ter a dita
do perdão dos pecados e da paz…

SONETO À FLORBELA ESPANCA

Foi amando teus versos que aprendi
a soluçar também o mal do amor,
nos desencontros e no frenesi
que envolveram meu estro sonhador…

Soubeste extravasar todo o calor
que sentias, assim como senti,
das paixões que me fazem ser cantor
dos mesmos temas que provêm de ti.

Ó divina poetisa, os teus tormentos
expressos na poesia e nos lamentos,
que soluçaste, fazem-te imortal…

Ninguém foi tão sincera e tão brilhante,
fazendo versos de mulher e amante,
enaltecendo sempre Portugal !

NOITES DE LUAR

Estou de novo só… mas conformado
porque posso enfrentar a solidão,
sem esquecer também que no passado
derramei minhas lágrimas em vão.

É preciso entoar uma canção
que venha merecer o teu agrado,
isenta de qualquer desilusão
como se nunca houvesse soluçado.

Eu olho os céus e como antigamente
as noites têm estrelas e luar
que me permitem outra vez sonhar;

e não me sinto triste nem contente,
porquanto a vida agora é diferente:
tenho a poesia para não chorar

Fontes:
– Colaborações do Autor
http://ialmar.pio.schneider.zip.net/

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Edson Carlos Contar (Papai Noel Boiadeiro )

Inspirado na música “Papai Noel boiadeiro” , de Aral Cardoso/ autor e voz – -músicas de Mato Grosso do Sul-
—————

Nas estradas boiadeiras não passa trenó, nem existem renas aqui, na planície pantaneira…

Quando muito, um ou outro parente delas, o galheiro do pantanal, aperece curioso pra ver a boiada passar e volta correndo pra mata.

O Papai Noel da cidade nunca se aventurou por aqui…

Aqui o nascimento de Jesus ainda é lembrado e as vitrines da cidade são substituidas pelas paisagens de cada canto desse paraiso natural, iluminado pelos pirilampos , decorado com incontáveis àrvorres enfeitadas em flores e frutos, na mais pura imagem de um verdadeiro Natal…

O coro dos pássaros parece entender o significado da data e parece mais afinado e harmonioso…
Até a onça, pia mansa nas ribanceiras…

Em cada ranchinho, a mesa é farta em pães, feitos nos fornos de barro, frutos, doces de genipapo, manga, ariticum e o peixe que descansa, esperando a hora da Santa Ceia pantaneira.

Quando a noite vai caindo, as nhás e a criançada, ficam atentas ao som do berrante que logo ressoará no horizonte, anunciando a chegada do peão boiadeiro, vindo da lida, na comitiva que levou o gado pra longe, trazendo no alforge um regalo simples pra amada, comprado num dos bolichos beira de estrada e brinquedos inocentes feitos pelos artesãos pantaneiros, para a gurizada.

Ele é o Papai Noel pantaneiro…Sem ilusórias prosas de santo…sem roupas estranhas…Tem barba cerrada, chapéu de couro e viola de coxo cruzada nas costas…

Tudo aqui é natural, verdadeiro e realmente santo!

É um Natal de farto em amor à natureza, de vinho extraido a cada gomo das frutas e, do pão sovado por braços valentes que preservam o quintal de Deus, aqui, nos confins de um brasilzão abençoado.

Abençoados peões, nhás e crianças pantaneiros, que Jesus seja sempre presente em vossa mesa!

Amém!

Fonte:
Colaboração de Ialmar Pio Schneider

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.74)

Trova do Dia

Para o Natal ser cristão,
ter a paz do criador,
faça do seu coração
a mangedoura do amor.
THALMA TAVARES/SP

Trova Potiguar

No Natal, noite tão bela,
será que vamos lembrar
as crianças da favela
que vão dormir sem jantar?
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > Menção Honrosa

Meu Natal, hoje, é melhor,
pelo conforto e os bons tratos,
mas o sonho era maior,
quando eu não tinha sapatos!
JOSÉ MESSIAS BRAZ/MG

Uma Trova de Ademar

No Natal… E a cada dia,
na certa eu só me comovo
se eu puder ver mais poesia
e menos fome no povo!
ADEMAR MACEDO/RN

…E Suas Trovas Ficaram

Nasceu Jesus! É o Natal!
Nasceu apenas Jesus…
Quando no mundo, afinal,
há de nascer sua luz?
J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC

Estrofe do Dia

Sempre, sempre, eu me comovo
em quase todos Natais.
Penso na fome do povo
e na festa dos feudais;
vejo crianças doentes,
outras ganhando presentes:
carrinho, bola, avião;
e a verdade é pra ser dita…
Papai Noel não visita
crianças de pés no chão.
ADEMAR MACEDO/RN

Soneto do Dia

– Olga Maria Dias Ferreira/RS –
PRECE DE NATAL.

Ouço bem longe, doces tons divinos,
a penetrar-me a alma com fulgor,
diviso sons, suaves, cristalinos,
a propagar a vinda do Senhor.

Pobres pastores, rumam campesinos,
na atmosfera de cadeia em flor,
escutam forte badalar de sinos,
em grandes festas para o Salvador.

Os três Reis Magos, com prazer intenso,
transportam jóias, o mais raro incenso,
com vestes santas, como um festival…

Brilhando o sol, com o raiar mais denso,
formulo prece, com amor imenso:
Bendito Sejas, Pai, Nesta Natal!!!

Fonte:
Ademar Macedo

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Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXV: Passeio ortográfico

No bairro da ORTOGRAFIA os meninos encontraram uma dama de origem grega, que tomava conta de tudo.

— Bom dia, minha senhora! — disse Quindim fazendo uma saudação de cabeça muito desajeitada. — Trago aqui sobre o meu lombo dois meninos e uma boneca, que desejam conhecer a vida deste bairro.

— Às ordens! — exclamou a grega. — Desçam e venham ver como lido com as letras, na formação escrita das palavras.

Os meninos desceram pela escadinha de corda e rodearam-na. Emília, lambetissimamente, tomou-lhe a bênção.

— Deus te abençoe, bonequinha — disse a Ortografia sorrindo.

Por onde começar? Narizinho teve a idéia de inquirir por que motivo ela se chamava Ortografia.

— Meu nome é grego e formado de duas palavras gregas

— Orthos e Graphia. Orthos quer dizer “correta” e Graphia quer dizer “escrita”. Sou, portanto, a Escrita Correta, ou a que ensina a escrever corretamente.

— Pois a senhora precisa trabalhar muito — disse Emília —, porque a maior parte das gentes ainda não sabe escrever na regra. Eu mesma, que sou marquesa, erro às vezes. . .

— Marquesa? — repetiu a Ortografia, admirada.

— Marquesa de quê? — Marquesa de Rabicó, para a servir, minha senhora! — respondeu Emília, de mãos na cintura e queixo erguido.

Narizinho confirmou o título da boneca e narrou várias passagens da sua vidinha, inclusive o casamento e o divórcio com o Marquês de Rabicó. A Ortografia espantou-se grandemente de tais prodígios. Em seguida falou da sua vida ali. — Antigamente o sistema de escrever as palavras era o SISTEMA ETIMOLÓGICO, o qual mandava escrevê-las de acordo com a origem. Isso trazia muitas complicações e dificuldades.

Por esse sistema, a palavra Cisma, por exemplo, escrevia-se Scisma, com uma letra inútil, mas justificada pela origem. A palavra Tísica escrevia-se Phthisica, com três letras inúteis, sempre por causa da origem. Ditongo escrevia-se Diphthongo. De modo que havia uma enorme trabalheira entre os homens para decorar a forma das palavras — e trabalheira inútil, porque ninguém ganhava coisa nenhuma com isso.

— Só os tipógrafos — lembrou Narizinho. — Esses engordavam. . .

— Sim, só os tipógrafos — confirmou a Ortografia. — Todos os mais perdiam tempo e fósforo cerebral. Em conseqüência disso ergueu-se um movimento para mudar — para acabar com a ORTOGRAFIA ETIMOLÓGICA e pôr em lugar dela outra mais fonética, isto é, que só conservasse nas palavras as letras que se pronunciam. Esse movimento venceu, afinal, e acabou sendo sancionado por um decreto do governo, depois de muito estudado pela Academia Brasileira de Letras.

— Quer dizer que agora ninguém mais erra? — disse Pedrinho.

— Está muito enganado, meu filho. Há regras que têm de ser seguidas, e os que se afastarem dessas regras erram. Mas tudo se torna muito mais simples e lógico. Eu gostei da mudança, confesso — mas a minha amiga, a velha Ortografia Etimológica, está furiosíssima. Não se conforma com a simplificação das palavras.

A dama grega levou os meninos para sua casa, onde havia uma bela coleção de letras e sinais gráficos.

— As letras vocês já conhecem — disse ela. — São as do Alfabeto. Deste lado tenho as MAIÚSCULAS; e daquele lado, as MINÚSCULAS. Aqui nesta gaveta guardo os ACENTOS e outros sinais.

— Quando é que a senhora emprega as Maiúsculas? — indagou Pedrinho.

— Ponho em Maiúsculo todas as primeiras letras das palavras que abrem os Períodos, e também escrevo em Maiúsculo a primeira letra de todos os Nomes Próprios.

— Só? — perguntou Narizinho.

— Não. Uso Maiúsculas também nos títulos, como Vossa Senhoria, Senhor Doutor, etc. E nos Epítetos, ou Alcunhas dos homens célebres, como Napoleão, o Grande; Guilherme, o Taciturno; o Tiradentes, etc.

Uso-as nas palavras que designam divindade, como: o Eterno, o Todo-Poderoso.

Uso-as em certos Nomes Abstratos, quando aparecem sob forma de pessoas, como nesta frase: O monstro vinha escoltado pela Ira, pela Traição e pelo Ciúme.

Uso-as para os pontos cardeais, quando designam regiões, como nestas frases: Os povos do Oriente; Os mares do Sul. Mas digo sem Maiúscula: O oriente da China, porque aqui oriente significa apenas uma direção geográfica. Pela mesma razão também digo: O norte do Brasil.

— E os tais Acentos? — perguntou o menino.

— Acentos, lido com dois — o AGUDO (´) e o CIRCUNFLEXO (^). E ainda lido com outros sinaizinhos aparentados com os Acentos, como o TIL (~), o APÓSTROFO (‘), a CEDILHA (,), que é uma caudinha no C, e o HÍFEN, OU o TRAÇO DE UNIÃO (-).

Introduziram-se na língua outros Acentos, como o acento grave (‘), muito usado pelos franceses, e ainda o TREMA (••). Sou contra isso: quanto menos Acentos houver numa língua, melhor. A língua inglesa, que é a mais rica de todas, não se utiliza de nenhum Acento. Os ingleses são homens práticos. Não perdem tempo em enfeitar as palavras com bolostroquinhas dispensáveis.

— Muito bem! — disse Emília, que tinha gana em Acentos. — Gosto de ouvir uma grande dama como a senhora falar assim, porque é exatamente como penso. Essas pulgas só servem para nos tomar tempo. Acho que só devem ser usados quando forem necessários, para evitar confusão. Hoje, escreve-se êle e há, com Acentos. Acho desnecessário, porque, com ou sem Acentos, só há um jeito de pronunciar essas palavras. E as letras? Fale das letras.

— Entre as letras — continuou a Senhora Ortografia —, uma das mais curiosas é o H. O diabinho por si só não tem som nenhum, mas ligado a outras letras produz sons especiais. No começo duma palavra é o mesmo que não existir. Em Homem, Hoje ou Haver, por exemplo, tanto faz existir o H como não existir.

— Então, por que continua o H nessas palavras? — indagou o menino.

— Porque elas são filhas de palavras latinas que também se escreviam com H, e todo o mundo está acostumado. Se fôssemos escrever Ornem, haveria um berreiro de protestos. . .

Mas quando o H se liga ao C, ele chia que nem pingo d’água em chapa de fogão, como em Machado, Achar, Chá, China. E se se liga a um L, ou a um N, produz um som que os gramáticos chamam Palatal, como nas palavras Alho, Trilho, Cunha, Vinho. Na Antiga Ortografia também se ligava ao P para dar um som igual ao F, como em Phosphoro, Philosopho, Phantasia.

Emília ficou muito tempo de prosa com a dama grega, aprendendo as regras da Nova Ortografia. Por ela soube que a Senhora Ortografia Etimológica tinha residência num bairro próximo, onde todas as palavras continuavam a trajar pelo sistema antigo.

— A Ortografia Etimológica entrincheirou-se lá, furiosa da vida, e não admite que ninguém toque na vestimenta das suas palavras. Essa boa velha sustenta as modas antigas. Palavras que vieram do latim com letras dobradas, ela as conserva direitinhas. Não admite mudanças.

— A boba! — exclamou Emília, com toda a irreverência. — Se tudo na vida muda, por que as palavras não haveriam de mudar? Até eu mudo. Quantas vezes não mudei esta carinha que a senhora está vendo?

— Muda de cara, como? — indagou Dona Ortografia, franzindo a testa.

— Sei lá. Mudo. Ou, antes, eles mudam a minha cara.

— Quem são eles?

— Esses diabos que desenham minha figura nos livros. Cada qual me faz de um jeito, e houve um tal que me fez tão feia que piquei o livro em mil pedacinhos.

— Pois é uma grande injustiça — declarou a dama. — Na minha opinião, você é uma bonequinha encantadora.

— E sabe que sou também um pocinho de it? — acrescentou Emília, piscando.

Narizinho puxou-a por um braço. Era demais aquele assanhamento.
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Observações:
Quando Lobato escreveu este livro “ele” ainda se escrevia com acento. (N. do E.)
O Trema foi abolido segundo a nova ortografia.
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Continua … Capítulo XXVI: Emília ataca o reduto etimológico
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

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José Feldman (Nilto Maciel, O Mago das Almas)

Por José Feldman

Esta semana recebi o livro Contos Reunidos, volume II, de Nilto Maciel, enviado pelo próprio autor, ano passado já me havia enviado o volume I. Aliás, estou profundamente agradecido ao escritor que tem me enviado periodicamente seus livros e jornais literários do Ceará.
———————–

O que podemos falar de Nilto? Antes uma breve apresentação do escritor, para passarmos aos comentários sobre seus textos. Uma biografia mais completa você poderá encontrar em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/nilto-maciel-1945.html.

Nilto nasceu em Baturité, cidade localizada ao norte do Ceará, cerca de 100 km, cuja população é de cerca de 30 mil habitantes. Foi o ano de 1945. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 70. Em parceria com outros escritores, no ano de 1976 criou a revista Saco (http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/08/nilto-maciel-revista-o-saco-e-o-grupo.html). Transferiu-se no ano seguinte para Brasília, trabalhando na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF. Em 2002 regressou a Fortaleza onde reside atualmente. Venceu inúmeros concursos literários, e escreveu diversos livros, tendo contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. Além de contos e romances publicados, também Panorama do Conto Cearense, Contistas do Ceará, Literatura Fantástica no Brasil. Mais sobre o autor pode ser encontrado em seu site http://www.niltomaciel.net.br/ .

Contos Reunidos vol. I, são os 66 contos escritos por Nilto em seus livros Itinerário (1974 a 1990), Tempos de Mula Preta (1981 a 2000) e Punhalzinho cravado de ódio (1986). O volume II conta com 122 contos dos livros As Insolentes patas do cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de Girafa na Poeira (1999).

Deste modo, no total são 188 contos para que o leitor possa viajar em suas folhas, entre o trágico e a comédia, a paisagem nordestina e a cidade grande. Seus contos fazem aflorar as nossas emoções mais profundas, desde a revolta pela vida de pessoas (como a Última Guerra de Hiroito, http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/08/nilto-maciel-ltima-guerra-de-hirohito.html) e mesmo dos animais (Carlim, http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/08/nilto-maciel-carlim.htm). Como no caso de Carlim, a revolta pela injustiça da vida de uns, misturada à tristeza que nos domina pelo resultado final. Mas, Nilto não pára só em sentimentos de desconfortos, segue adiante percorrendo cada emoção, a dúvida, a curiosidade que o ser humano possui, como neste que classifico como “fantástico conto fantástico”, O Riso do Gato (http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/05/nilto-maciel-o-riso-do-gato.html), em que coloca em um caldeirão a dúvida, o suspense, a curiosidade, o fantástico e o humor.

Nilto possui esta capacidade de fazer com que nossas almas percorram desde um estado de profunda tristeza ao de êxtase. Não é apenas um escritor, são muitos escritores dentro de um só. A cada conto terminado, aflora o anseio pelo próximo. Aonde Nilto nos conduzirá agora? Cada conto é um conto, que faz com que nossa imaginação nos leve às vezes a adentrar dentro dele e participar, deixando que nos levemos pelo seu encanto, pela sua linguagem simples e deliciosa.

Segundo João Carlos Taveira, no prefácio do livro de Nilto, Vasto Abismo: “Sua oficina romanesca comporta o absurdo, o fantástico, o linear, o surreal e, não raras vezes, o satírico, o burlesco, o humorístico. Seus temas, por diversos, exploram desde o corriqueiro e trivial triângulo amoroso, passando por perquirições do gênero policial, até o mais intrincado universo psicológico. Carpintaria digna dos melhores mestres da arte ficcional”.

Enfim, Nilto nos faz navegar num oceano de sentidos, com as velas da realidade içadas, mas fazendo-nos entregar-se as ondas da ilusão. Nos leva a enfrentar ventos contrários, hora fazendo com que sejam brisa em nosso rosto, hora tempestades que nos jogam contra os rochedos. Sorrisos, lágrimas, desespero, ansiedade, desejos, sonhos, dores, ressurreição são as águas deste oceano. Em cada conto encontramos um refúgio para a nossa dor, que nos transforma e faz com que cada página seja como o mar a beijar a areia, deixando sua marca.

Contos Reunidos vol. I e vol. II são momentos de magia que nos fazem transgredir as fronteiras do conhecimento e do desconhecido. Nilto faz com que o leitor deixe de ser um mero espectador e seja personagem integrante de seus textos.

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