Arquivo do mês: novembro 2013

A. A. de Assis (Revista de Trovas “Trovia” – n.168 – dez 2013)

Ao céu eu faço, baixinho,
um pedido, o dia inteiro:
que seja sempre vizinho
do meu o teu travesseiro…
Adalberto Dutra de Rezende

Neste Natal eu vou pôr
minha boca na janela
para você, por favor,
deixar o seu beijo nela…
Antônio Roberto Fernandes

Ele trouxe ao seu rebanho
muito amor e muita luz;
barqueiro de um barco estranho
talhado em forma de cruz!…
Izo Goldman

No Ano Novo passado
tanto juraste, meu bem,
que espero tudo, ao teu lado,
– no Ano Novo que vem!…
Newton Meyer

Contemplo o céu para vê-las
com um respeito profundo,
pois na raiz das estrelas
eu vejo o dono do mundo.
Rodolpho Abbud

Trovador é um timoneiro
no mar da imaginação,
conduzindo seu veleiro
por mil mundos de ilusão…
Walneide Fagundes Guedes

Adeus, querido Irmão e Mestre Rodolpho Abbud. Por meio século você
ajudou a fazer da Trova a mais bela escola literária do mundo.

 


Simplinha, porém cheirosa;
fogosa, apesar de feia,
Xilinha era a mais beijosa
das moças da minha aldeia!
Archimedes de Maria – RJ
 

Preso em flagrante arruaça,
diz num sonoro impropério:
– “Prendam também a cachaça,
que é quem me tira do sério!”
Ma. Madalena Ferreira – RJ

Se a esposa toma injeção,
ciumento, o esposo inseguro,
ao final da aplicação,
confere onde foi o furo…
Maria Nascimento – RJ

Com seu corpo lindo e forte,
a garota de olho azul
só libera a zona norte
e bloqueia a zona sul…
Marilúcia Rezende – SP

Quando, dengosa, tu piscas
os teus olhinhos assim,
não precisas de outras iscas,
esse anzol cuida de mim…
Nélio Bessant – SP

O alfaiate Zé Lucena,
perseguindo um sonho eterno,
vive sempre atrás da sena,
mas, coitado, só faz terno…
Pedro Ornellas – SP

“O vinho seco faz bem”
– recomendou-lhe a vovó…
E ele foi ao armazém
para comprar “vinho em pó”!
Renato Alves – RJ

Garota que, muitas vezes,
com jantares se tapeia
vai, durante nove meses,
“chorar… de barriga cheia!”
Therezinha Brisolla – SP

 

O mundo precisa crer
num Deus que se chama Amor.
Se essa crença não valer,
nada mais terá valor!
A. A. de Assis – PR

Ante a doida correria
de um povo que vai e vem,
nas cidades de hoje em dia
ninguém conhece ninguém.
Agostinho Rodrigues – RJ

Todas as vezes que penso
nos reveses do passado,
apelo para o bom senso
e me sinto energizado.
Alberto Paco – PR

Na tarefa que lhe cabe,
Deus trabalha com você;
mas, por você, já se sabe,
Deus não faz nem diz por quê.
Amilton Maciel – SP

A primavera enternece
e me traz grande ventura.
Qualquer desgosto fenece
ante tanta formosura.
Angela Stefanelli – RJ

Parabéns, presidente Abritta, pelo seu ótimo trabalho na UBT nacional.

Na velha casa vazia,
onde entrei com ansiedade,
só o silêncio respondia
ao chamado da saudade.
Angélica Villela Santos – SP

Xícaras postas na mesa
e o café sobre o fogão…
Só não aguento a incerteza
se você virá ou não.
Antonio Seixas – RJ

Quero viver pra valer
a vida de que disponho.
Vou sorrir, brincar, correr,
e fazer da vida um sonho.
Arlene Lima – PR

Ave feita prisioneira,
meu pássaro coração
tem lutado a vida inteira
contra as grades da razão!
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Se em sonhos eu volto à infância,
curto as delícias da idade.
– Deleto o tempo e a distância,
faço um auê na saudade…
Bruno Pedina Torres – RJ

Há na tragédia da fome
este mistério profundo:
é Cristo quem se consome
em cada pobre do mundo.
Clevane Pessoa – MG

Mãos tristes, temendo ausências,
se despedem com revolta…
– Nosso adeus tem reticências
que acenam gritando: – Volta!
Carolina Ramos – SP
 
Rústico curral bovino,
maternidade do Amor.
– No corpo de um Deus-Menino,
nasceu-nos o Salvador.
Cônego Telles – PR

Cuando nace la alborada,
los pájaros agradecen
con cantos en la enramada,
¡o en árboles que florecen!
Cristina Olivera Chávez – EUA

Com o andar cambaleante
fiz a trilha verdadeira;
não sei dar passo gigante,
porém sei chegar inteira.
Dáguima Verônica – MG

A trova, pra defini-la,
precisamos entendê-la,
amá-la, lê-la, senti-la
e, sobretudo, escrevê-la!
Delcy Canalles – RS

Não há palavra nenhuma
tão grande quanto “saudade”
que em sete letras resuma
a dor e a felicidade.
Diamantino Ferreira – RJ

Preenchi a tua vida:
fui musa, amante e modelo.
Mas, hoje, a minha partida
resiste a qualquer apelo.
Dilva de Moraes – RJ

Quisera eu trova compor
sobre a raiz da emoção…
Contar que a raiz do amor
tem por vaso o coração,
Dinair Leite – PR
 
Em minha varanda, a sós,
vendo os ganchos na parede,
eu choro a falta dos nós
que amarravam nossas redes!…
Domitilla B. Beltrame – SP

Sou livre, sem restrição,
mas afinal, para quê?
Mil vezes a escravidão…
mas juntinho de você.
Dorothy Jansson Moretti – SP

Alegre, meiga, estouvada,
em constante movimento,
tão inconsequente e amada,
a brisa é a infância do vento…
Élbea Priscila – SP
 
Vejo no espaço infinito
e em cada constelação
nosso amor nos céus inscrito
como obra da criação.
Eliana Jimenez – SC

Aos meus pais, amor imenso;
ao esposo, passional;
aos meus amigos, intenso;
porém aos filhos, total.
Eliana Palma – PR

Bebo lembranças em tragos,
ao ponto da embriaguez,
para curar os estragos
que a tua ausência me fez!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

É meu o teu coração,
embora fujas de mim…
Teus lábios dizem que não,
mas teu olhar diz que sim!…
Ercy Maria Marques – SP

Eu redobrei a procura
e encontrei com tanto gosto
duas fontes de ternura
nas covinhas do teu rosto.
Francisco Garcia – RN

Embora o tempo me marque
com várias rugas na tez,
se um dia voltar ao parque
serei criança outra vez.
Francisco Pessoa – CE

Paz, amor, fraternidade,
eis o lema entre as nações;
porém quanta falsidade
em só três afirmações
Gasparini Filho – SP

Que Deus me dê paciência
para sofrer esta dor
de ver que a inconsciência
mata e diz que é por amor!
Gisela Sinfrónio – Portugal

Uma luz incandescente
emana de forma nova
quando alguém declama e sente
todo o prazer que há na trova.
Gislaine Canales – RS

Uns duros feito rochedos;
outros, plumas que esvoaçam…
Os corações têm segredos
que nem os sábios devassam.
Héron Patrício – SP

Junto à Fontana di Trevi
joga moeda o turista;
faz um pedido e se atreve
a sentir amor à vista!
Hulda Ramos – PR

Não há dor mais dolorida
do que a tristonha aparência
de quem matou pela vida
a sua própria inocência.
J. B. Xavier – SP

Meu Deus, ante o desatino
da descrença e do desdém,
que eu pratique o Teu ensino
de não julgar a ninguém!
Jeanette De Cnop – PR

Não há sorriso que emplaque
na comédia desta vida,
se na ironia da claque
qualquer verdade é escondida.
João B. X. Oliveira – SP
 
Ainda és minha namorada,
teu namorado ainda sou.
Nosso amor não mudou nada
pelo tempo que passou.
João Costa – RJ
 

Se estudar te desconsola,
lembra a verdade esquecida:
depois da vida na escola,
temos a escola da vida!
José Fabiano – MG

Tanta gente em si perdida
entre sombras se escondendo.
Cada dia é outra vida
que em disfarces vai morrendo.
José Feldman – PR

Vou brincar com pirilampos
e beijar as flores nuas
pra ver se encontro nos campos
a paz que fugiu das ruas!
José Lucas de Barros – RN

Oh, minha trova querida,
que com carinho criei.
Não digo “esta é a preferida”,
nem a quem a dediquei.
José Marins – PR

Eu sou pequeno, seu moço,
mas, quando tiro o chapéu,
minha alma estica o pescoço
e enxerga Deus lá no Céu!
José Messias Braz – MG

A esperança é algo suave,
que não apenas conforta,
mas funciona como chave
que faz abrir qualquer porta!
José Ouverney – SP

O girassol não desiste
da busca eterna da luz:
sabe que nada resiste
à perda que isso conduz.
Laérson Quaresma – SP

Foi no tempo da janela
e do namoro à distância
que a vida, muito mais bela,
tinha tão grande importância!
Luiz Carlos Abritta – MG

A cada dia que passa,
muda minha realidade,
meus sonhos viram fumaça,
amores viram saudade.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Votos de máximo sucesso para Domitilla na presidência nacional da UBT.

Se caem do céu as águas,
com tanta beleza e encanto,
por que desencanto e mágoas
há nas águas do meu pranto?
Mª Conceição Fagundes – PR

Amizades são pedrinhas
de brilhante verde-mar.
Conquistadas, são rainhas,
neste mundo vão reinar.
Mª Luiza Walendowsky – SC

Quando a dúvida se instala
dentro de um peito infeliz,
não importa o que ela fala,
já se sabe o que ela diz!
Mª Thereza Cavalheiro – SP

É da flor mais delicada,
e fruto do bom trabalho,
o suor que à madrugada
brota em pétalas de orvalho.
Mário Zamataro – PR

Saudade, mágoa sentida,
barco distante do cais;
pedaço da própria vida
que a gente não vive mais …
Marta Paes de Barros – SP

Já chorei demais por ela
sem que tenha merecido…
Hoje as lágrimas são dela
por eu já tê-la esquecido.
Maurício Cavalheiro – SP

Se encontro, ao voltar pra casa,
as tuas mãos carinhosas,
o meu amor já se abrasa,
com teu perfume de rosas.
Maurício Friedrich – PR

Meu caminho é o teu caminho!
Se a morte nos separar,
quem chegar no céu sozinho
chora até o outro chegar.
Mílton de Souza – RS
 
Ficou mais lento o meu passo?
Caminharei, mesmo assim!
Só temeria o cansaço
se me cansasse de mim…
Newton Vieira – MG

Se faltar coragem para sacudir a poeira, ficaremos eternamente
escrevendo as mesmas coisas, do mesmo jeito.

Quem vive a vida por cima,
conversa, versa e, no céu,
nem se preocupa se a rima
é perfeita ou dá troféu.
Nilton Manoel – SP

No começo de um namoro,
quanta promessa se faz…
Mas tudo termina em choro
quando o sonho se desfaz.
Olga Agulhon – PR

Passa o tempo… e, enquanto corre,
a lembrança vai sumindo…
Mas a saudade não morre:
– Apenas fica dormindo.
Pedro Melo – SP

Deixa a lágrima rolar…
Deixa teu pranto fluir…
Quem nunca sabe chorar
não é capaz de sorrir.
Selma Spinelli – SP

As dores e os desencantos
não foram tantos assim…
Tua boca e os teus encantos
calaram bem mais… em mim!
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Pinheiro do Paraná,
eu não te esqueço jamais,
algo mais lindo não há
no chão dos Campos Gerais!…
Sônia Ditzel Martelo – PR

Meu coração não se acalma
quando a saudade me vem;
é o soluçar de minha alma
chorando a ausência de alguém.
Sônia Sobreira – RJ

Quem se concentra no estudo
vence o mundo, sem esquema.
Leva consigo um escudo:
– Enfrentar qualquer problema.
Vânia Ennes – PR
 
Poeta, vês a beleza
em tudo o que há por aí,
mas afirmo com certeza
que ela está dentro de ti.
Zenaide Marçal – CE

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FELIZ NATAL – FELIZ 2014

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Eduardo Campos (O Abutre)

A sala estava quase na penumbra.

                O ruído que vinha da rua era manso; não conseguia violar o silêncio que havia. Devia chover porque alguém puxou um agasalho para os ombros e fez um gesto de quem sente frio.

                Um fósforo foi riscado. O zap! do palito, ao se incendiar naquele silêncio, soou a todos como uma explosão de uma bomba. A chama avivou o rosto do cavalheiro de marrom, conferindo-lhe um toque todo especial aos seus olhos tristes. Mas ninguém falou ainda. Apenas u’a mão estendeu o cinzeiro, por mera delicadeza. Nada mais.

                Agora, todos podiam ouvir o ruído da chuva no telhado, sentir a presença do vento enfriado que vibrava as cortinas da sala, velhas cortinas bordadas com esmero e estranguladas por laços de fita amarela, desbotada pelo tempo.

                A empregadinha, que apareceu à porta do quarto, contou mentalmente o número de pessoas que se achavam com a doente. Eram seis. Seis xícaras de café outra vez! A velha estava de lado, não contava mais. Morria na certa. Se o Dr. Balduíno dizia que ela podia levantar-se, convalescer, era por não querer perder a freguesia gorda de quase dez anos. E estirava, estirava…

                Ela virou sobre os tacões dos sapatos e, com os seus passos, foi aumentando o ruído que se precipitava agora do telhado para o chão, da rua para dentro de casa.

                – Deve ter bastante febre…

                Homens e mulheres ergueram a vista a um só tempo.

                D. Maria falara mais uma vez. Que força, que coragem! Naquele casarão, há dois dias, desde que a velha adoecera de repente, apenas a sua voz fazia-se ouvir. E como a temiam os outros! A todo instante, os irmãos expectavam uma acusação. Por isso, não falavam, e só de raro em raro confirmavam a sentença do médico: – o caso é perdido, mas pode ser…

                Não é apenas D. Maria que lhes infunde medo. O homem que ali está, parado, absorto, lançando uns olhos maus para os demais, representa o perigo na repartição da herança. Veio de longe, do Rio de Janeiro, logo soube do ataque da mãe. Dizem, e tudo pode ser verdade, que assassinou a esposa friamente, e, em seguida, fugiu para Buenos Aires com a amante.

                Na roda familiar houve quem se insurgisse à presença de um filho tão ruim naquela casa de dor. Mas Pedro veio. Apareceu sem se saber como, sem haver telegrama, nada. Chegou ao velho sobrado emparelhado com aquele temporal que desabava sobre a cidade e comunicava a morte, a todos, por um friozinho arrepiante.

                D. Maria compreende por que não o querem em casa. A herança da velha fica melhor dividida para seis; tocava uma fazenda de criar para cada filho. Dez léguas de terra e o sítio Felicidade estavam ali esperando a partilha. Era um quinhão gordo, que pertencera a cinco gerações.

                E Pedro veio. O abutre estendia agora as suas garras, fazia calar as bocas do ódio, do crime e do embuste.

                D. Maria, que não se aliara aos outros, não consentia porém palavra ao intruso. O irmão mais velho representava um perigo mortal para cada um. Viera destruir, simplesmente aniquilar os castelos que eles erguiam. E quando se retirava da sala em que, esquálida, a mãe agonizava, era para armar um golpe, também mortal, contra o irmão indesejável. O abutre precisava ser vencido.

                Marieta, a irmã mais nova, rompeu ostensivamente com D. Maria. Só ela, gananciosa como era, poderia ter tido a ingrata ideia de comunicar o desenlace iminente ao irmão. Foi necessário que Anselmo, trêmulo, metido nos seus complexos, receoso de perder o sítio que cuidava há vinte anos, aplacasse a exaltação.

                Por isso, nessa noite, naquela sala deserta de vidas, estavam todos mais ou menos rompidos uns com os outros, mas intimamente unidos contra o homem que, de longe, viera perturbar o plano que haviam arquitetado. E o abutre – assim considerado pelos irmãos desdenhosos – continuava imperturbável. Se erguia os olhos, era para desfazer um ou outro murmúrio, inconsequente, que vagava pelo quarto, ou baixar o olhar rancoroso, mais atrevido, de alguém.

                Quando o café chegou à sala, procuraram servir-se todos: estavam ávidos. A verdade é que nenhum deles o desejava tanto. Atropelavam-se, a fugir do silêncio que os envolvia, comprimindo-os mortalmente.

                – Açúcar? Mais?

                Anselmo respondeu tão alto, aquiescendo, que ele próprio assustou-se. D. Maria pensou consigo mesma: “Não ouviu lhe perguntarem se queria açúcar… Ele entendeu dinheiro.”

                A bandeja, solenemente, recolheu as xícaras e desapareceu levada pelas mãos frias da empregadinha. “Diabo de gente esquisita! Que aperreio, meu Deus! Ao menos se a dona da casa morresse logo e eu também entrasse no seu dinheiro! Ah, o dinheiro da velha!”

                D. Maria cerrou os olhos à impressão de que Pedro é o demônio em uma de suas mil representações físicas. Num sobressalto, bateu com a mão gelada de medo no rosto de Antonino, o irmão caçula. Este, assustando-se, apavorou a todos num grito que abalou a própria enferma. Tremeram homens e mulheres, arrepiados. Menos Pedro, que se mantinha encalmado, os olhos maus, vigiando os outros. Não se mexeu. Nada disse. Escapou-lhe apenas um gesto imperceptível, repreendendo-os.

                Antonino mergulhou na poltrona. Anselmo começou a pensar à toa. Então, aquele bandido é quem lhe vinha tirar a fortuna que merecia?! No seu entender, reconhecia-se o mais honesto dos irmãos. Sempre assistira à mãe em todos os momentos, principalmente nas questões de família. Era justo ganhar maior quinhão, ficar com o estoque de aguardente que valia alguns milhares de cruzeiros.

                Marcos debatia-se adiante, casmurro, a arrolar compromissos. Na certa, o destino ingrato, àquela hora, vinha truncar-lhe os passos, por intermédio do irmão amaldiçoado, indesejável na família. Ah, vida infame! “Paris… Nápoles…” Instante houve, nesse recordar inconsequente, em que não viu na cama a mãe moribunda. Transparecia nela uma criatura mais jovem e linda, a jogar-lhe moedas de ouro aos pés. Inexplicavelmente, ele começou a rir. E rindo estava ainda quando abriu os olhos e viu que o observavam. Teve vontade de dizer que nenhum dos irmãos era menos falso que ele; que estavam todos loucos para ver a mãe morrer, especialmente o abutre, ruim, sórdido, que não falava, silencioso, a vigiá-los. Felipe ergueu-se da cadeira de embalo e de repente foi ao leito. Precisava ocupar-se em algo, passar o tempo, fugir à tensão. Lembrou-se de tomar a pulsação da velha; anotá-la:  

– Deve estar com mais febre…

                Antonino desejou um jarro de flores para esborrachá-lo na cabeça do irmão. “Esse infeliz não podia lembrar outra coisa?”

                Anselmo girava longe dali. Calculava a reforma do engenho, a safra do próximo ano, a viagem ao Rio de Janeiro, a negócios, claro! Elvira não o acompanharia. Assim ele teria mais liberdade, mais dinheiro para gastar no jogo.

                O remorso acudiu-lhe então. E ele, fazendo-se menos cruel, procurava convencer-se de que a ingratidão à mulher importava pouco. A vida era aquilo. Na desgraça de uns, subiam outros. D. Francisca, por exemplo, vivera bastante. Era justo que morresse, que fosse descansar em paz…

                – Sim, descansar…

                Marcos apanhou o resto da frase. Afinal, a velha descansaria em paz para que todos eles fossem felizes; em particular, para o pagamento das dívidas que fizera.

                                                                              ***

                Diminuiu a chuva. Deixara de soprar o vento. No leito, mexia-se a enferma; eram-lhe incompreensíveis os gestos da mão semiparalisada. D. Maria não podia ver. Marcos, distante, prendia-se aos seus sonhos, perdia dinheiro em Paris, na Itália… Felipe pedia a mão de Glorinha em casamento. Anselmo gozava as férias, a adiposa mulher chorando (em casa) e ele a gastar ao pé da roleta… Marieta corria, longe; fugia com o namorado aventureiro.

                                                                              ***
                Agora, a chuva cessara de todo. O vento aquietara-se. O silêncio, de repente, foi tamanho, que acordou a todos; e os trouxe do mundo de fantasias em que se haviam metido. Com surpresa, viram então o abutre debruçado sobre a enferma. Uma vela, de chama indecisa, ardia-lhe nas mãos. Um a um, mal despertados, foram-se acercando do leito. Pensamentos estranhos tomavam conta deles, e a dúvida crescia angustiante e única: “Teria aquele desgraçado acabado de matar a velha?”

                Já ao pé da cama, sentiram que não existiam; eram simplesmente miseráveis… Aquele homem de feições austeras, silencioso e frio, de vida legendária e infame, tinha os olhos sofridos, enlagrimados.

                E não foi com a voz de abutre que ele começou a falar, sobrelevando a inquietação de todos:

                – Irmãos, choremos. Nossa querida mãe repousa na santa paz de Deus.

                Sobre o telhado, em desespero, rebentou outra vez a chuva.

(Eduardo Campos, O Abutre e Outras Estórias)
Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Eduardo Campos

Manuel Eduardo Pinheiro Campos (Guaiúba, antigo distrito de Pacatuba, 1923 – Fortaleza, 2007) estreou em 1943, com a coleção de contos Águas Mortas. Seguiram-se, neste gênero, em 1946 Face Iluminada, em 1949 A Viagem Definitiva, em 1965 Os Grandes Espantos, em 1967 As Danações, em 1968 O Abutre e Outras Estórias (constituído por uma seleção dos presumíveis melhores contos), em 1970 O Tropel das Coisas, em 1980 Dia da Caça, em 1993 O Escrivão das Malfeitorias, em 1998 A Borboleta Acorrentada e em 1999 O Pranto Insólito. Tem também peças de teatro, livros de folclore, romances, ensaios, biografias, memórias, além de grande número de produções especiais para o rádio e televisão. Seus principais romances são O Chão dos Mortos e A Véspera do Dilúvio. Durante dez anos dirigiu a Academia Cearense de Letras; foi Secretário de Cultura do Estado, Presidente do Conselho Estadual de Cultura, e é Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará. Figura em antologias nacionais e internacionais de contos. É bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Iniciou-se nas letras escrevendo, dirigindo e representando peças de teatro. Sua peça O Morro do Ouro foi representada 350 vezes; A Rosa do Lagamar, mais de 500. Sua obra teatral foi reunida em dois volumes, contendo O Demônio e a Rosa, O Anjo, Os Deserdados, A Máscara e a Face, Nós, as Testemunhas, no primeiro, A Donzela Desprezada, O Julgamento dos Animais, O Andarilho, além das já mencionadas. Tem pequenas histórias incluídas em dez antologias, das quais duas no Uruguai e uma na Alemanha.

            Embora não tenha alcançado notoriedade no resto do Brasil, no restrito espaço da crítica literária, Eduardo Campos tem seu nome gravado em alguns importantes compêndios de História da Literatura. Assim, está presente em A Literatura no Brasil, de Afrânio Coutinho, pelo menos no ensaio de Herman Lima: (…) “folclorista de altos méritos, tem, naqueles livros (refere-se aos três primeiros da bibliografia do contista), alguns contos regionais e psicológicos da melhor marca, a exemplo de “Os Abutres” e “O casamento”, o último, principalmente, na sua força bem da terra cearense, dos mais belos da atualidade brasileira”.

Eduardo Campos é um mestre do conto psicológico. No conto “O Afogado”, do livro As Danações, o drama parece ir se deslocando não de lugar, mas de personagem, sob a óptica do narrador onisciente, que aqui e ali dá voz a algumas personagens secundárias. Na verdade, o protagonista e aquela que seria a co-protagonista pouco agem, nada falam. O lugar é uma praia, a lembrar Fortaleza. Um pedaço de praia, onde banhistas e barraqueiros se locomovem. Toda a ação se dá em poucas horas, que vai da chegada dos namorados, talvez no meio da manhã ou já de tarde, ao anoitecer, quando a lua retornou “redonda e luminosa”. As personagens, no entanto, vão cedendo lugar a outras. Assim, José Joaquim, que se afogaria logo após os primeiros momentos da história, e Rosinha, sua namorada, mal se dá a tragédia, vão desaparecendo (ele, obviamente, por sumir nas águas) e em seu lugar surgem personagens secundárias, a beber, conversar, falar do afogamento. O protagonista seria o afogado? Ou seria a podridão moral dos homens? No final, com o surgimento do cadáver, um “toco humano” “a girar lento”, com os “dois calcanhares nus, desfigurados”, o narrador arremata a narrativa com uma frase moralista: “Foi quando os homens, amesquinhados, começaram a pensar que não era o afogado que malcheirava, mas eles, que haviam apodrecido em vida”.

No livro Três Momentos da Ficção Menor, F. S. Nascimento analisa o conto “O Abutre”, no “Momento III” e defende a tese de que “já em 1946 esta concepção de “new short story” era praticada no Ceará, efetivando-se na criação de “O Abutre”, de Eduardo Campos.” Na justificativa de seu ponto de vista, o crítico conclui: “o que se evidenciam no curso desta narrativa são impulsos solitários gerando monólogos interiores que se convertem em projeções visionárias. São mergulhos no inarticulado, em que os reflexos assomam em forma de ilusões. São engolfamentos do ser, onde a palavra reponta como um disparo em meio de um silêncio funesto e perturbador. Por tudo isso, “O Abutre” se impõe como um modelo da “new short story”, sendo tão atual quanto “Cão Vadio” de Fran Martins, “Os Sete Sonhos” de Samuel Rawet, “A Coisa” de Garcia de Paiva” e qualquer uma das unidades narrativas de O Casarão, de Caio Porfírio Carneiro.”

 Eduardo Campos, no entanto, não se repete nas formas de narrar. Assim, no conto “A Viúva Enganada”, do mesmo livro As Danações, embora também se valha da onisciência, da narração entremeada de diálogos, e Fortaleza seja o lugar da ação, mais precisamente o Pirambu, o conflito central se vai delineando sutilmente. A protagonista, Paulina, viúva do pintor de paredes Chico Pedro, é, como o leitor, surpreendida, ao final, com a chegada da outra, para o velório. A surpresa, no entanto, deixa de ser surpresa, se se atentar para o título da narrativa. Assim, o desenlace se esboça não no começo, mas no título, o que não deixa de ser curioso, se não for original.

No conto que dá título ao livro o contista também não muda o ponto de vista, e a narração vem recheada de falas curtas e diálogos breves, acrescentado o discurso indireto livre, embora ainda sem muita ousadia. O conflito, ainda uma vez, se dá no desfecho e na forma utilizada no conto analisado anteriormente, isto é, ele, o conflito, se apresenta não no início da narrativa, mas no título, embora de forma implícita ou simbólica, vez que o vocábulo “danações” pudesse e possa ter variadas conotações.

Na opinião de Braga Montenegro, no ensaio “Eduardo Campos, Contista”, publicado como apresentação de O Abutre e Outras Estórias, “é no conto onde melhor se manifestam suas qualidades de talento”. E acrescenta que se manifesta, “com maior frequência, em Eduardo Campos o feitio de um escritor regionalista, no que não lhe vai qualquer restrição”. Mais adiante argumenta: “Suas inclinações de contista operam com maior força nos elementos de fabulação, nos problemas de essência, nos componentes, por assim dizer, narrativos, que dão às suas estórias um tom conteudístico de ação muito evidente, mas lhe retrai em parte a disposição criadora expressiva”.

Em O Abutre e Outras Estórias, possivelmente escrito logo após As Danações, Eduardo Campos utiliza outros focos narrativos. Assim, em “O Casamento”, se vale do ponto de vista do escritor onisciente, que dá voz às personagens em breves diálogos diretos e também em um monólogo interior. O mesmo ocorre em “Céu Limpo”. No entanto, em “Ela Era Seu Lar” o contista dá uma guinada de muitos graus, ao deixar de lado a tradicional narração em terceira pessoa, com diálogos, utilizando um misto de monólogo interior e narração de observador, sem nenhum diálogo. Como aqui: “Ao regressar do banho, cantarolando (terá forças para tanto?) não achará a mesa posta, com a dignidade anterior, e nem os pratos, os tomates ao natural, recortados caprichosamente”. E aqui: “E principia a notar que foi antes um trambolho, um ser inútil dentro de casa”.

No artigo “O Ficcionista Eduardo Campos” (Exercícios de Literatura), Francisco Carvalho analisa o volume de contos Dia da Caça assim: “São contos de estrutura relativamente simples, em que se evidencia a familiaridade do Autor na abordagem de certas manifestações do lirismo popular, ao lado de uma particular sensibilidade pelos termos ligados à terra e ao homem”. Em outra passagem argumenta o crítico: “Os seus processos narrativos são bastante simples e não revelam qualquer preocupação imediata de originalidade estilística”.

Passando dos primeiros livros para os mais recentes, como A Borboleta Acorrentada, observa-se que a linguagem do contista em nada mudou, consciente de que os modismos passam e o mais valioso na obra literária não está na aparente transgressão de normas. O ponto de vista onisciente ou da terceira pessoa Eduardo Campos não abandonou, mesmo quando a maioria optou pela primeira pessoa. Assim também o uso da narração seguida de diálogo, raras vezes se valendo da linguagem puramente oral, dando preferência à literária, sem afetação. O conto “Depoimento ou Descrime Com Muito Amor” é constituído todo ele de um diálogo, quebrado apenas na última fala, como numa chave-de-ouro. Talvez assim idealizado para que o desfecho se retardasse e atingisse o leitor com mais agudeza.  Apesar desse apego à narração, o contista não esqueceu as outras linguagens, como o discurso indireto livre. No conto “À Viúva de Anágua, Canário e Gato, Tudo Pode Acontecer” isto ocorre logo no início e em diversos momentos da narrativa. Percebe-se também a presença, embora não muito frequente, do monólogo interior indireto. As personagens continuam bem delineadas, definidas, como se fossem retratos do cotidiano. Até mesmo aquelas que nas mãos de alguns narradores poderiam se transformar em personagens bizarras, irreconhecíveis aos olhos dos leitores de outras culturas. Assim também se pode falar da apresentação dos conflitos das narrativas. Nada de explicações, volteios circenses, excesso de figurantes e cenários. Tudo muito comedido, como se escrevesse para o palco ou o cinema mais artístico, criativo. Nada hollywoodiano. Veja-se o conto “O Reencontro”. O homem que volta ao lar, após anos e anos (“o desgaste físico, a irremediável fragilidade do homem vencido”), bate à porta da ex-esposa, subserviente, aniquilado, a confissão de desamparo (“Ela largou você? Mais ou menos.”), a recordação (“E nossos filhos? Fale-me deles…”). Tudo muito medido, sem meias-palavras. Tudo muito bem pintado, porém sem extravagâncias, apenas cadeiras, os quadros da sala, o velho sofá, o tapete. E closes, muitos closes, no rosto, nas rugas, nos braços do homem desiludido.

Na opinião de Herman Lima, “os contos “O Abutre”, de Eduardo Campos, e “Lama e Folhas”, de Moreira Campos, por exemplo, são dos mais belos e originais, que já se escreveram entre nós, em qualquer tempo.”

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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26º Aniversário Concurso de Trovas Navegando nas Poesias (Resultado Final)

Tema: FIRMEZA

(Por ordem alfabética)

VENCEDORES

Sem cumprir cada grandeza,
seja de peso ou medida,
perdemos toda firmeza
dos passos dados na vida!
ABILIO KAC – Rio de Janeiro/RJ
Deve-se a paz social
não somente à escola e ao pão,
mas à firmeza moral
dos puros de coração.
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS – Maringá/PR

Eu não me rendo ao cansaço
e sigo os caminhos meus,
que a firmeza do meu passo
vem da fé que tenho em Deus.
DÁGUIMA VERÔNICA – Santa Juliana/MG

Na firmeza do caráter,
na seriedade no agir,
repousa a célula máter
de um radioso porvir.
ELIANA RUIZ JIMENEZ – Balneário Comboriu/SC

Não basta apenas sonhar,
a vida requer firmeza
de agir, para transformar
uma esperança em certeza.
VANDA FAGUNDES QUEIROZ – Curitiba/PR
——————————————-

MENÇÕES HONROSAS

Quando estamos com razão,
nós falamos com firmeza,
mas com muita educação,
sem perder a gentileza.
GLEYDE COSTA – Campos/RJ

Jamais adote a incerteza
ante os percalços da vida,
mas enfrente-os com firmeza
e com fé enfrente a lida.
JOÃO COSTA – Saquarema/RJ

Invoque a Jesus clareza
Nos momentos de aflição;
aja sempre com firmeza,
busque a melhor solução.
MARTA CODEÇO – Campos/RJ

Vive em mim a sã firmeza
deste amor incompreensível,
sobrevivendo a incerteza
de ser um dia possível.
MESSODY RAMIRO BENOLIEL/RJ

No mar da vida a incerteza
a todos nós desafia;
mantenha a sua firmeza
navegando na poesia.
OLYMPIO DA C. S. COUTINHO//MG

Firmeza nas atitudes
é a base da honestidade.
Cultivar boas virtudes
traz sempre felicidade.
PALMYRA M. G. DUARTE – Rio de Janeiro/RJ

Fonte:
A. A. de Assis

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Cantinho do Prof. Pedro Mello (O Poeta Enfrenta um Editor)

Chamemos o nosso personagem de X. X era poeta e, embora tivesse maior propensão à poesia, também arriscava seus contos a cada morte de Papa. Aliás, com esse negócio de ex-Papa vivo, aí é que seus contos ficaram ainda mais raros.

Como Literatura não dá dinheiro, a não ser para Paulo Coelho, X precisava trabalhar, como qualquer pessoa normal, mesmo sem gostar. Seu trabalho era chato, maçante, desmotivador, opressivo e seus caraminguás lhe obrigavam levar uma vida regrada e parcimoniosa, para desespero da marida, que, contrariando o espírito feminino, gostava de gastar bastante: do dinheiro dela e do dele… Entre idas e vindas do trabalho, X conheceu um editor.

O editor conhecia apenas o X profissional, nem poderia imaginá-lo poeta, ainda mais membro da mais notória desconhecida agremiação de poetas do Brasil, que reunia la crème de la crème dos melhores entre os poetas invisíveis de sua terra. O editor, a quem chamaremos de Z, nem poderia imaginar a grande reputação de X entre os seus companheiros de letras. Z nem sonhava estar diante de uma celebridade anônima.

Até que um dia, entre conversas e cervejas, X falou a Z sobre o seu lado B. Z, como todo bom editor, tratou de jogar um balde de água fria em X:

– Você sabe que poesia não vende, não é?’

X não era bobo e respondeu:

– Eu sei disso. Mas não tenho pretensões.

Z, muito cordial, lhe disse:

– Você tem alguma cópia dos seus escritos aí?

X nunca imaginou que ouviria essa pergunta de um editor. Tinha um volume encadernado com uma seleta dos versos, o melhor do que escrevera e compilara para levar a uma editora e lançar com seus próprios recursos. Mas sempre deixava o volume no banco de trás do seu carro e até se esquecia dele. Tinha medo de uma recusa, mesmo pagando.

Agora, diante de Z, era a primeira vez que X saía da toca. Só divulgava o que escrevia entre os seus pares da Academia, porque lá o aplauso era certo. Afinal, asinus asinum fricat. Jamais correu riscos. Era respeitadíssimo entre os seus confrades e isso era tão bom…

– Vamos lá, homem! O que você tem a perder? Tem medo da minha crítica?

– Você não vai acreditar, mas tenho uma cópia dos meus poemas aqui no banco de trás.

– Então me empreste. Assim que terminar de ler eu devolvo.

X nem conseguiu dormir direito por vários dias. Quando dormia, logo sonhava que estava na televisão, sendo entrevistado no Programa do Jô ou pela Marília Gabriela. Imaginava que perguntas eles fariam sobre seus versos, elogiando sua maestria no trato do verso decassílabo, do alexandrino ou das redondilhas maiores, de sua predileção. Imaginava-se divulgando os grandes feitos de sua entidade fantasma, que, devido a essa publicidade, ganharia novos membros no Brasil inteiro e teria a porta aberta para se apresentar na TV e promover-se em colunas dos grandes jornais. Suas festas literárias seriam cobertas pela revista Caras!

X tinha dois romances inéditos, que poderiam ser publicados pela Companhia das Letras! Imaginou-se disputado por dezenas de leitores na Festa Literária Internacional de Paraty, dando autógrafos até doer a mão… Quem sabe até entraria para a Academia Brasileira de Letras? Tinha muita vontade de conhecer pessoalmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em quem tinha votado as duas vezes…

Uma semana depois, Z lhe manda uma mensagem no celular convidando-o para tomarem um chope em Copacabana.

X conseguiu disfarçar a ansiedade e deu uma de joão-sem-braço:

– Você conseguiu uma vaga de revisor para mim na editora?

– Quase, amigão, quase… mas não é sobre isso que vim conversar com você. É sobre os seus poemas.

– Você gostou deles?

– Olha, X, eu vou ser sincero. Achei seus poemas monotemáticos.

– Monotemáticos?

– Sim. Você só fala de amor, saudade, solidão, ciúme, abandono, angústia… só fala de dor-de-cotovelo, cara!

X ficou murcho.

– Gostei das suas imagens, das suas metáforas, da sua técnica. Você tem um excelente domínio de versificação. Apreciei muito os seus sonetos, mas você só fala da mesma coisa. Para isso, já tem a música sertaneja e o pagode.

– Música sertaneja e pagode?

– É. Você já reparou que os sertanejos e os pagodeiros só falam da mesma coisa? Amor, amor, amor… Isso cansa! Coração rima com paixão, amor rima com dor, saudade rima com invade, triste rima com existe, despedida com vida, alma com calma, esperança com criança, infância com distância… e você repete todos esses cacoetes! É uma enxurrada de clichês. Você precisa mudar de temática.

– Mudar de temática?

– Exatamente! Dezenas de volumes encadernados de poesia vão para a reciclagem toda semana na editora.

– Sério?

– Sim. E todos com o mesmo ramerrão: saudade, solidão, ciúme, amor, tristeza, devaneio, sonho… alguns tentam fazer sociologia barata e apelam para criança de rua, pobreza, fome, miséria… Outros navegam na onda da sustentabilidade e fazem poemas de cunho ecológico… isso sem contar nos fanáticos que só falam de Deus, das “belezas da criação” ou de suas crenças na imortalidade… E outro filão: os que escrevem versos de cunho moral, transmitindo “lições de vida”, otimismo ou virtudes…

– E agora, o que eu faço?

– Siga meu conselho: seja criativo e explore outros temas. Esses já estão superados: palavra de editor! Busque outros assuntos! Renove-se! Fuja do lugar-comum!

Depois do chope, X voltou meio sem rumo para o seu apartamento. Guardou todos os escritos num velho baú herdado de sua vó, tomou um lexotan e foi dormir.

Era melhor se esquecer da literatura: se não tinha dom para ser original, era melhor procurar outro hobby.

Ia fazer jardinagem. Plantar flores não requer criatividade.

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4554635

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Nilto Maciel (Palmas e Tochas)

Pintura de Sebastião Salgado
Abriu a porta e o som do piano o inundou todo. Não conseguia enxergar nada. A não ser o palco, o pianista, o piano, mesmo assim sob uma luz pouca. Tateou espaldares de cadeiras. Tocou os dedos numa orelha. Ouviu um muxoxo feminino. Seguiu a passo de medo. E se não encontrasse uma cadeira vazia? Já quase acostumado ao ambiente, ainda mal enxergava as cabeças dos espectadores. Todos em silêncio, atentos à música vinda do palco. O artista não tirava os dedos das teclas. O retardatário parava, forçava a vista e nada de ver onde sentar-se. Caminhou mais para as primeiras filas de assento. Diante do palco finalmente viu uma cadeira vazia. Sentou-se, ajeitou-se e olhou para o homem de terno preto no palco. Conhecia a música. Talvez de Haendel. Ou seria de Grieg? Nunca conseguia distinguir um compositor de outro. Apesar de dormir ouvindo música erudita. Abominava música popular, principalmente as vozes. Admitia um chorinho. Os espectadores nem sequer tossiam ou espirravam. Pareciam pasmos, extasiados. Fitou a vista outra vez no homem do palco. Parecia encurvado, vestido de smoking,  cabeleira desgrenhada cobrindo-lhe o rosto. Passava de uma música a outra, sem intervalos, incansável na sua arte, no seu ofício de pianista. A plateia mal suspirava, contrita. Talvez muitos homens e mulheres cochilavam, dormiam até. Não roncavam, no entanto. Observou com mais atenção as mãos do artista. Não, não podiam ser mãos. A menos que estivessem cobertas por luvas grossas. Mirou mais aos membros do homem de smoking. Sim, eram garras, jamais mãos humanas. Seriam de lobo? Ou o músico, coitado, carregava um defeito grave? Doente, malfeito, deformado, um monstro na aparência. Então como conseguia tocar tão perfeitamente? As pessoas não teriam percebido ainda a deformidade tão visível? Ou perceberam, mas não deram importância àquilo? Ou estariam ruminando suas conclusões, sem terem com quem falar, medrosas? Cochichou ao ouvido de um vizinho. Quem era? O surdo parecia dormir. Como podia um surdo ouvir música? Voltou-se para o outro lado. Quem era? O vizinho sussurrou: Offenbach. Não, não queria saber o nome do compositor, mas o do pianista. O vizinho quis se irritar, mas segredou ainda: Não lhe interessava o pianista. Um desconhecido. O homem insistiu: Você está vendo o estado dele? Tudo muito obscuro. Como não sabiam o nome do pianista? Seria em razão da obscuridade do palco ou do obscurantismo dos ouvintes? Resolveu levantar-se e dirigir-se à beira do tablado. Abaixar-se-ia, iria de joelhos, arrastando-se. Ninguém o veria naquela posição. Olhou com mais afinco para o artista, suas garras. Não havia dúvida, tratavam-se de garras. E bem fortes. Sondou o rosto do homem de preto. Visível o focinho de lobo. Como os outros não percebiam isso? E a cauda, a descer para o chão? Quis gritar, dar um aviso ao público. Não, melhor calar-se, suportar aquilo, aquela angústia, o medo, o pavor. Melhor retirar-se devagar, de joelhos ou pé ante pé e deixar aquele ambiente. Fechou os olhos. Não queria ver aquela monstruosidade. Súbito bateram palmas, mais palmas, estrondosas, contínuas, irritantes. E as luzes se acenderam, feito tochas.

Fontes:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

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Robert Galbraith (O Chamado do Cuco)

Tudo tem início quando o corpo de Lula Landry, uma modelo belíssima, negra, se projeta da varanda de sua cobertura, repleta de neve, na direção da morte. Apesar da beleza rara e da fama internacional, a jovem revelava uma mente perturbada e vinha tentando se recuperar da dependência química. Assim, foi fácil concluir que ela havia se suicidado.

Pouco tempo depois, porém, o irmão dela, que não crê absolutamente nesta possibilidade, procura o investigador particular Cormoran Strike para buscar a verdade. O detetive, ex-combatente na Segunda Guerra, com lesões internas e externas, está à beira da falência, a ponto de fechar o escritório, e mesmo assim não seria capaz de pagar todas as dívidas.

A princípio ele se deixa guiar por seus princípios morais e rejeita a oferta, pois não acredita na possibilidade de assassinato. No fim, porém, sua consciência perde o conflito interno e o protagonista acaba cedendo diante do pagamento generoso do cliente e da probabilidade de dar um fim ao caos que tomou conta da sua vida. Strike se apega ao pretexto que o motivou a aceitar o caso: a luta por justiça.

Sua decisão de desvendar o que se oculta por trás dessa morte o leva a submergir em um universo intrincado, do qual Lula fazia parte. Tudo fica cada vez mais sinistro e os riscos se ampliam. Sua vida passa a correr perigo enquanto ele percorre o submundo londrino. ===============

Robert Galbraith é o nome artístico de J K Rowling, autora consagrada da saga Harry Potter e de Morte Súbita. A escritora britânica Joanne Kathleen Rowling nasceu na cidade de Yate, nas proximidades de Bristol, na Inglaterra, em 31 de julho de 1965.

É o primeiro livro escrito por J. K. Rowling sob o pseudônimo de Robert Galbraith, procurando  desvincular sua imagem e nome famosos para explorar algo diferente ou mesmo evitar comparações com outras obras suas.

Ela surpreendeu o mundo quando, em 2012, anunciou seu primeiro romance adulto, Morte súbita. Porém, a surpresa maior veio em 2013 quando descobriu-se que o autor por trás de Robert Galbraith era ela. O Chamado do Cuco já estava bem cotado no Goodreads muito antes mesmo da informação vazar.

Robert Galbraith, porém, não é o único pseudônimo de Rowling. O próprio nome J. K. Rowling é um pseudônimo. Por volta de 1997, quando seu agente Christopher Little conversava com a autora sobre a publicação de Harry Potter and the Sorcerer’s Stone, ele sugeriu que ela adotasse um nome neutro alegando que os garotos não leriam um livro escrito por uma mulher. Foi quando ela emprestou o nome Kathleen de sua avó paterna e passou a assinar J. K. Rowling.

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~A janela abriu, o Cuco caiu~

Foi através de uma sacada que a supermodelo Lula Landry, também conhecida como Cuco, caiu para a morte no que a polícia e a imprensa qualificaram como suicídio. Porém, seu irmão, John Bristow, não acredita nessa versão e contrata Cormoran Strike para investigar o que de fato aconteceu com Lula no seu último dia de vida. John procura Strike porque o detetive fora amigo de infância de Charlie, seu falecido irmão. A princípio, Strike reluta em aceitar o cargo, mas as dificuldades financeiras por que passa somada aos seus problemas sociais mais prementes o fazem pensar melhor.

    (…) Foi só quando chegou à porta de vidro no andar de cima que Robin percebeu, pela primeira vez, a que tipo de empresa fora enviada para auxiliar. Ninguém na agência lhe dissera. O nome no papel ao lado da campainha estava gravado no vidro: C. B. Strike e, abaixo dele, as palavras Detetive Particular.
Apesar do foco principal do livro ser a investigação do último dia de Lula, ele não se apega somente a isto.

Strike acaba de sair da casa de sua noiva Charlotte com quem estava junto durante anos e, sem ter para onde ir, passa a ter uma subvida morando no escritório em que trabalha. Ele é filho de um homem famoso que mal vira durante seus trinta e cinco anos de vida, mas a fama do pai o ofusca quando as pessoas descobrem sobre sua origem familiar.

Robin passa a trabalhar para Strike por um erro da parte dele, que pensava ter cancelado o contrato com a agência de temporários por não ter como pagar. Ela é aquela pessoa que está indecisa entre seguir as incertezas de um sonho e a segurança e estabilidade de um emprego comum e tedioso.

A narrativa é em terceira pessoa, transitando pelo menos oitenta porcento por Strike e os vinte restantes por Robin. E ela é lenta.

Strike investiga praticamente todos os que tiveram contato com Lula, porém todas essas pessoas trazem informações cruciais para nos animar a ir adiante e criar nossa teoria do que aconteceu.

O tom de humor está muito bem colocado nas páginas. Num momento, Strike está matutando sobre como cobrar os clientes que não lhe pagaram e, no outro, está simplesmente cutucando o nariz quando John Bristow entra na sala para conversar com ele.

Robert começa sua história de maneira bem agradável e ela vai melhorando a cada página até chegar este momento em que a gente quer correr na leitura para saber como Cormoran explicará o que descobriu.

    (…) Escreveram que ela era desequilibrada, instável, inadequada para o superestrelato em que a rebeldia e a beleza a capturaram; que passara a andar com uma classe endinheirada e imoral que a corrompera; que a decadência de sua nova vida atordoou uma personalidade já frágil. Ela se tornou uma densa fábula moral de Schadenfreude, e tantos colunistas fizeram a alusão a Ícaro que a revista Private Eye publicou uma matéria especial.

Veterano na guerra do Afeganistão, o personagem perdeu uma perna em combate e carrega consigo a vergonhosa história de sua família. Filho de uma groupie, que engravidou de um astro do rock e ficou famosa por isso, Strike é sempre lembrado como fruto de uma família desestruturada e de uma mãe que, aos olhos da sociedade, mereceu a morte por overdose.

Não bastasse, no mesmo dia em que é procurado pelo irmão de Lula, o detetive tem uma briga épica com a noiva, Charlotte, com quem termina o relacionamento, passando a morar no escritório em que trabalha. A vida conturbada de Strike tem relação com a de Lula que, assim como a mãe do detetive, é julgada pela imprensa, pelos amigos e até mesmo pela família, que vê sua morte prematura como algo esperado. “Como era fácil tirar proveito da tendência de uma pessoa à autodestruição; como era simples empurrá-la para a inexistência”, escreve a autora em certo ponto sobre a comparação das personagens desvalorizadas.

A seu favor, o detetive tem sua apurada inteligência e sua nova assistente temporária, Robin, uma jovem garota que aceita o trabalho mais pelo fascínio pela profissão do chefe que pelo salário.

A investigação dura o livro todo, com diversas entrevistas com as pessoas que, de algum modo, estavam envolvidas com a modelo em seus últimos dias de vida.

Sua principal crítica é voltada à sujeira do mundo da fama. Na falsidade e superficialidade de seus agentes, assim como nos fãs, obcecados por ídolos que pouco têm a oferecer e que, mesmo depois da morte, continuam a ser referência. A imprensa também ganha alfinetadas, principalmente os famosos tabloides ingleses, que exploram ao máximo e incansavelmente pessoas e suas histórias, por vezes trágicas e indignas de serem reveladas. Em certo ponto, a perseguição sofrida por Lula pelos jornais é apontada pela escritora como um dos responsáveis por sua morte.

Apesar da falta de charme e de todas as dificuldades encontradas para desenvolver a investigação, Strike consegue ser um personagem que prende o leitor. Seus pensamentos são relacionáveis e sua falta de simpatia não é motivo para aversão.

Fontes:
Ana Lucia Santana. http://www.infoescola.com/livros/o-chamado-do-cuco/
Tiago de Souza http://ocapitulodolivro.blogspot.com.br/2013/11/resenha-o-chamado-do-cuco.html
Raquel Carneiro. http://veja.abril.com.br/blog/meus-livros/livros-da-semana/j-k-rowling-se-reinventa-com-misterioso-o-chamado-do-cuco/

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IV Concurso Pérolas da Literatura – Edição 2013 (Resultado Final)

Categoria Adulto:
MODALIDADE POESIA

1º Lugar
Pra sempre Gonzagão
Claudia Maria Santos do Nascimento
Guarujá SP

2º Lugar
Confissões derradeiras
Carlos Conceição de Freitas Ramos
Praia Grande SP

3º Lugar
Circulo Vicioso
André Luiz Soares
Guarapari ES

Menção honrosa

Odeio Horóscopo
Mário Azevedo Alexandre
São Vicente SP

Palavra entendida
Yasmim Aparecida Neves dos Santos
Guarujá SP

O mendigo
Raimunda Nonata Duarte Carvalho
Guarujá SP

E por falar em paixão
Tatiana Alves Soares Caldas
Humaitá RJ

Fuga
Sérgio Oliveira de Vasconcellos Corrêa
Guarujá SP

Pérola do Atlântico
Jaíra de Oliveira Presa
Santos SP

O Pilão
Reginaldo Costa de Albuquerque
Campo Grande MS

MODALIDADE CONTO

1º Lugar
Filha Adotiva
Carlos Conceição de Freitas Ramos
Praia Grande SP

2º Lugar
Miai
Andre Telucazu Kondo
Jundiaí SP

3º Lugar
Congraçamento Sideral
Odila Therezinha Lopes Pereira
Guarujá SP

Menção honrosa

O Velho Ator
Gustavo Fontes Rodrigues
São Paulo SP

O Caça Palavras
Sérgio Oliveira de Vasconcellos Corrêa
Guarujá SP

Herói Surfista
Solange França dos Santos
Guarujá SP

Carta Inacabada
José Eugênio Borges de Almeida
Maragogi AL

Guarujá Pérolas
Luciana Teresa Candido
Praia Grande SP

Amor Circense
Valcirene Basílio Garcia Bezerra
Guarujá SP

Lembranças de um dia de sol
Maria Isabel Barbiellini Elias
Santos SP

MODALIDADE CRÔNICA

1º Lugar
Nepotismo
André Luis Soares
Guarapari ES

2º Lugar
O reciclador
Marlene da Silva Leal
Rio de Janeiro RJ

3º Lugar
A prima vera
Carlos Conceição de Freitas Ramos
Praia Grande SP

Menção honrosa

O caranguejo nosso de cada dia
Guilherme Hernandez Filho
Santos SP

A arte de falar bem
José Reinaldo Siqueira Mendes
Mutum MG

A coisa
Leopoldo Eugênio Arnold
Horinzontina RS

Carro de beleza
Mário Azevedo Alexandre
São Vicente SP

Viajando pelo mundo da Poesia
Zélio Garcia Siqueira
Guarujá SP

No meio do caminho tinha uma montanha
André Telucazu Kondo
Jundiaí SP

O Lorde e o vira lata
Newton de Souza Nazareth
Rio de Janeiro RJ

MODALIDADE POESIA – JUVENIL

1º Lugar
Sons Urbanos
Gabriella Ribeiro Neves
E.E Marechal do Ar “Eduardo Gomes”
Guarujá SP

2º Lugar
Dica de Amigo
Rafaela Mendes
Objetivo
São Roque SP

3º Lugar
Poema Misto
Kuan Reis Pinheiro
E.E Pastor Jaconias Leite da Silva
Guarujá SP

Menção honrosa

Retrato de uma voz
Vitória Alencar de Souza
——————––
São Miguel Paulista

Infância
Thabata Aparecida Nabeto Dias
E. Don Domenico
Guarujá SP

Melodia Fiel
Victor da Silva Fernandes
E.Don Domenico
Guarujá SP

Tudo junto e misturado
Victoria Alves Nunes de Almeida
E.Don Domenico
Guarujá SP

Minha Canção
Ana Carolina de Almeida Lima
E.Don Domenico
Guarujá SP

Preocupação
João Gabriel Marques Mendonça
E.Don Domenico
Guarujá SP

Porque Jesus?
Thaiany Ferreira da Silva
E.Don Domenico
Guarujá SP

O país da letra “M”
Vitor Rodrigues Gonzalez
E.Don Domenico
Guarujá SP

MODALIDADE CONTO – JUVENIL

Luz para os meus olhos
Davi Medeiros Ferreira
————––
Itapevi SP

Fonte:
Secretaria Municipal de Cultura de Guarujá

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II Prêmio Varal do Brasil (Prazo: 31 de Maio de 2014)

REGULAMENTO DO CONCURSO CULTURAL “2º PRÊMIO VARAL DO BRASIL DE LITERATURA – 2014”, PROMOVIDO PELA REVISTA VARAL DO BRASIL

A finalidade do presente concurso é a divulgação da Língua Portuguesa e da arte literária mediante premiação das melhores obras literárias dentro do proposto no regulamento a seguir:

1 Poderão participar do concurso pessoas maiores de 18 anos que sejam brasileiras ou estrangeiras e que escrevam na Língua Portuguesa.

2 Serão consideradas quatro categorias: contos, crônicas, poemas e infantil.

3 Os originais não precisam ser inéditos, mas deverão ser escritos em Língua Portuguesa. Os contos, crônicas, poemas ou textos infantis não poderão ser traduções de originais de outros idiomas.

4 O conteúdo dos originais seguirá o critério seguinte: o tema é LIVRE, ou seja, o autor poderá escrever sobre o assunto de sua escolha. Os textos não deverão trazer temática partidária, seja ela política, religiosa, racial ou outra. Textos que possuam conteúdo partidário político, religioso, racial ou outro e textos que contenham pornografia de qualquer espécie serão desclassificados deste concurso sem mais.

5 Cada candidato poderá concorrer nas quatro categorias com quantos trabalhos desejar. Para cada categoria e para cada trabalho o candidato deverá fazer uma inscrição separada e enviar também separadamente, o material a ser avaliado no concurso.

6 A inscrição dos textos deverá ser realizada no período entre 1º de dezembro de 2013 e 31 de maio de 2014, mediante o pagamento de uma taxa de inscrição e do envio dos textos a serem avaliados para o e-mail varaldobrasil@gmail.com nas condições abaixo discriminadas.

7 O valor da taxa de inscrição fica estabelecido em: CHF 20,00 (vinte francos suíços) para a Suíça; BRL 40,00 (quarenta reais) para o Brasil e EUR 20,00 (vinte euros) para todos os demais países. O valor deverá chegar ao VARAL DO BRASIL isento do pagamento da taxa de transferência bancária ou depósito bancário. Não serão aceitos pagamentos feitos via Western Union ou similares.

8 As coordenadas bancárias para o pagamento da taxa de inscrição podem ser encontradas abaixo, no final deste regulamento.

9 Os interessados enviarão separadamente as suas coordenadas, que serão enviada junto do texto (folha separada) e comprovante de pagamento da taxa de inscrição. Uma foto de rosto deverá ser enviada junto ao restante do material solicitado. Na folha de coordenadas deverá constar:
– Pseudônimo, nome completo, endereço completo (com cidade, estado, país). Telefone, e-mail, data de nascimento, número de documento de identidade. Título do trabalho inscrito e categoria.

10 As inscrições serão realizadas apenas online, por intermédio do e-mail varaldobrasil@gmail.com  e o autor deverá utilizar um pseudônimo que será indicado em sua folha de inscrição. Não receberemos trabalhos via correios ou entregues em mãos.

11 As crônicas e os contos deverão ser enviados em formato A4, letra Times New Roman 12, espaço 2. Os contos deverão ter no máximo duas páginas e as crônicas no máximo uma página. Os textos infantis deverão ter no máximo duas páginas, podendo ser em prosa ou verso.

12 Os poemas deverão ser enviados obedecendo às mesmas condições dos itens 10 e 11, mas contendo no máximo 1 página.

13 Não serão considerados válidos textos que vierem colados no corpo do e-mail nem textos que vierem sem o comprovante de pagamento da taxa de inscrição ou da página com as coordenadas de inscrição.

14 Para seleção das melhores obras o VARAL DO BRASIL formará uma Comissão Julgadora que estará apta a avaliar os originais enviados de acordo com os critérios editoriais, criatividade e estilo para desta forma escolher os vencedores do presente Prêmio.

15 Em caso de plágio constatado, o único a ser responsabilizado será o autor inscrito.

16 Toda e qualquer decisão tomada pela Comissão Julgadora será irrevogável. E para a decisão não cabe nenhum tipo de recurso ou medida judicial. A inscrição no concurso implica na aceitação de todos os itens deste regulamento.

17 A escolha das melhores obras literárias será comunicada em setembro de 2014 e publicada no mês de novembro de 2014 na revista Varal do Brasil e divulgada em nossos espaços amplamente. (www.varaldobrasil.com e http://www.varaldobrasi.blogspot.com)

18 Os vencedores em cada categoria receberão certificado do II PRÊMIO VARAL DO BRASIL DE LITERATURA, além da quantia de CHF 300,00 (trezentos francos suíços).

19 Do segundo ao décimo lugar: Menção Honrosa.

20 A nominação e comunicação dos premiados será feita por e-mail.

21 Fica autorizada a publicação pelo VARAL DO BRASIL na revista VARAL DO BRASIL, nas antologias VARAL ANTOLÓGICO e nos blog e site do VARAL DO BRASIL de todos os textos inscritos, sejam eles selecionados ou não. Os candidatos autorizam o uso e a veiculação do seu nome pelo VARAL DO BRASIL ou por terceiros por ele autorizados, inclusive para fins comerciais.

22 A apresentação dos originais para concorrer ao II PRÊMIO VARAL DO BRASIL DE LITERATURA implica expresso acordo às normas apresentadas no presente Regulamento.

23 Os prêmios são pessoais e intransferíveis.

24 Todos os casos não previstos nas normas deste Regulamento serão resolvidos diretamente pelo VARAL DO BRASIL.

25 A organização do VARAL DO BRASIL se reserva o direito de recusar qualquer candidatura que acredite não respeitar as normas deste Regulamento ou por outros motivos que a organização do II PRÊMIO VARAL DO BRASIL DE LITERATURA achar pertinente.

Em Genebra, 28 de novembro de 2013

Jacqueline Aisenman
Editora-Chefe do VARAL DO BRASIL
Coordenadora do
II PRÊMIO VARAL DO BRASIL DE LITERATURA

COORDENADAS PARA PAGAMENTO DA INSCRIÇÃO

Para a Suíça e demais países:

VARAL DO BRASIL
Rue de Montbrillant 84
1202 Genève
Suisse

POSTE FINANCE

12-478283-3
IBAN :        CH73 0900 0000 1247 8283 3
BIC :        POFICHBEXXX

Para o Brasil
Jacqueline Bulos Aisenman
CPF 398 988 739 49
Banco BRADESCO S.A.
Banco no. 237
Agencia 0359 
Conta 22792-7
Laguna – SC

FICHA DE INSCRIÇÃO
 
Fonte:
Jacqueline Aisenman
http://www.varaldobrasil.com

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II Concurso de Poesia Narciso Araújo (Prazo: 31 de Janeiro de 2014)

Organização: Academia Marataizense de Letras.

Inscrições: de 25 de outubro de 2013 a 31 de janeiro de 2014.

REGULAMENTO:

1. DA INSCRIÇÃO – As inscrições se iniciam em 25 de outubro de 2013 e se encerram, impreterivelmente, em 31 de janeiro de 2014, valendo, para registro, a data da postagem nos Correios.

1.1. Podem participar do concurso todos os cidadãos brasileiros, maiores de dezoito anos, residentes em território nacional.

1.2. O tema do concurso é livre. Cada participante pode concorrer com apenas 01 (um) poema
INÉDITO, escrito obrigatoriamente em Língua Portuguesa.

2. DO ENVIO (SISTEMA DE ENVELOPES) – O trabalho deve ser digitado em 01 (uma) só face da folha, em fonte ‘arial’ ou ‘times new roman’, tamanho 12; com margens 3cm (superior e esquerda) e margens 2cm (inferior e direita); com o máximo de 02 (duas) páginas, numeradas no canto superior direito; constando apenas o título do poema, o pseudônimo do autor, e o poema concorrente.

2.1. O trabalho deverá ser remetido em 4 (quatro) vias, em envelope grande; o qual trará também, em seu interior, outro envelope menor, contendo sobrecarta fechada, com a identificação do candidato: título do poema; pseudônimo do autor; nome completo do autor; endereço completo; telefones com DDD; e-mail e breve biografia (no máximo, 5 linhas). Na parte externa do envelope menor, deverá constar apenas o título do poema e o pseudônimo do autor. Na parte externa do envelope maior deverá constar o seguinte endereço do ‘destinatário’:

ACADEMIA MARATAIZENSE DE LETRAS.
II CONCURSO DE POESIAS ‘NARCISO ARAÚJO’.
Rua Pedro Sousa Maia, n.º 263 – Ap. 101 – Bairro: Arraias.
Praia da Cruz – Marataízes (ES) – CEP: 29.345-000.

2.2. O endereço do ‘destinatário’ deverá ser repetido no lugar do endereço do ‘remetente’, usando-se, no lugar do ‘nome do remetente’, o nome do patrono do concurso: NARCISO DA COSTA ARAÚJO.

2.3. Qualquer forma de identificação do autor, diferente da estipulada neste edital, tornará nula a inscrição do poema.

2.4. No interior do mesmo envelope grande deverá conter, ainda, um CD, no qual estará gravado o poema concorrente, em Word for Windows ou equivalente (*.doc); cabendo ressaltar que a comissão organizadora não se responsabiliza por eventuais danos que possam ocorrer à mídia.

3. DA AUTENTICIDADE – Para todos os efeitos legais, os participantes se declaram legítimos
autores dos poemas inscritos, garantindo o ineditismo dos mesmos, bem como isentando a Academia Marataizense de Letras de quaisquer reclamações, em juízo ou fora dele; podendo os infratores sofrer as penalidades previstas na Lei n.º 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais).

4. DA COMISSÃO JULGADORA – A comissão julgadora será constituída a convite da comissão organizadora e seus nomes serão anunciados somente após o término do período de inscrições.

4.1. Os membros da Academia Marataizense de Letras, da comissão organizadora e da comissão julgadora, bem como seus parentes, não poderão participar do concurso.

4.2. A decisão da comissão julgadora é soberana, não sendo passível de recurso.

5. DO RESULTADO E PREMIAÇÃO – Os nomes dos vencedores serão divulgados no mês de março de 2014, em data ainda a ser definida.

5.1. Aos 03 (três) primeiros colocados serão concedidos: troféus e certificados.

5.2. Os vencedores serão previamente informados via correspondência eletrônica, em tempo que lhes permita comparecer à cerimônia de premiação. Quem não comparecer à cerimônia receberá o prêmio via Correios.

5.3. Os vencedores, residentes ou não no Estado do Espírito Santo, terão direito a passagens,
hospedagem e alimentação gratuitas.

5.4. A entrega dos prêmios se fará (em local, data e horário ainda a combinar) em sessão solene, a se realizar em Marataízes (ES).

6. DOS TRÂMITES FINAIS – Qualquer descumprimento das normas deste edital, bem como qualquer ofensa à comissão julgadora ou aos organizadores do concurso, implicará na imediata desclassificação do candidato.

6.1. Ao fazer a inscrição o concorrente estará aceitando, naturalmente e na íntegra, os termos deste edital, ficando sujeito à desclassificação pelo não cumprimento do mesmo.

6.2. Ao final do concurso, os trabalhos não serão devolvidos.

6.3. Os casos omissos serão resolvidos pela comissão organizadora.

Marataízes (ES), 15 de outubro de 2013.
Bárbara Pérez – Presidente.
André Luis Soares – Tesoureiro e Diretor Literário.
Academia Marataizense de Letras.
Apoio cultural: comércio local.

Fonte:
https://docs.google.com/file/d/0B_XQuRQ8D5iCMlNCV3JUMmRCY1QwRnR6d0E1WTFQNG9jZHc4/edit

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Oswaldo Abritta (Jardim)

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José Feldman (Aquarela de Trovas n. 3)

Tem muito mais graça a vida   
quando a gente tem que com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem!
A. A. DE ASSIS – Maringá/PR

Na gaveta do meu peito
tranquei a dor da saudade,
para ela saber direito…
o que é sofrer de verdade!
ADEMAR MACEDO – Natal/RN

Nessa vida de desordem,
Procuro evitar tropeço…
Ela pensa que dá ordem
E eu finjo que obedeço.
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG – São Fidélis/RJ

No retrato envelhecido
pelo tempo que se esvai
me vejo mais parecido
com o que foi o meu pai.
ANTÔNIO SEIXAS – Magé/RJ

Tal e qual meu pé de rosa,
que ao ser podado floresce,
esta saudade teimosa,
quanto mais podo, mais cresce!…
CAROLINA RAMOS – Santos/SP

Tem gente que tanto mente,
conta lorota, faz fita,
que, da verdade descrente,
nem em si próprio acredita.
CLEVANE PESSOA – Belo Horizonte/MG

Seu nome ninguém descobre,
E foi onde passei fome…
Rua de menino pobre
Não tem placa, nem tem nome!
COLBERT RANGEL COELHO – Rio de Janeiro/RJ

Promessas! Ah, quem me dera,
um dia, alguma alcançar!…
E, ao final de tanta espera,
ver que valeu esperar!…
CYRLÉA NEVES – Nova Friburgo/RJ

Tinha portas de poesias
e janelas de luar
essa morada que um dia
deixou meu amor entrar.
DELCY CANALLES – Porto Alegre/RS

…E assim, voltando ao passado,
revivi as alegrias.
Transportei-me extasiado…
Velhos tempos, belos dias.
DJALMA MOTA – Caicó/RN

Ora eloquente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de Tudo,
no fútil revés… do Nada!
DOROTHY JANSSON MORETTI – Sorocaba/SP

Beijo-lhe a foto!…E, na espreita
deste amor que eu idolatro,
minha saudade se ajeita
no retrato três por quatro…
EDMAR JAPIASSÚ MAIA – Rio de Janeiro/RJ

Mulher do tempo moderno,
seja lá você o que for,
Não há nada mais eterno
que o fogo do seu amor
FAHED DAHER – Apucarana/PR

Aquela rede que um dia
foi nosso ninho perfeito
hoje balança vazia
na varanda do meu peito.
FRANCISCO PESSOA – Fortaleza/CE

A trova há de ser, na certa,
o envelope transparente
de pequena carta-aberta
dos sentimentos da gente.
GERALDO LYRA – Recife/PE

Nosso romance de amor
começou bem diferente…
Foi nosso computador
que aproximou mais a gente!
GISLAINE CANALES – Porto Alegre/RS


A uma ofensa que machuca,
por mais que me queime ou doa,
se meu sangue diz – “Retruca!”,
a minha alma diz – “Perdoa!
HÉRON PATRÍCIO – Pouso Alegre/MG

Nosso amor é uma certeza
dentro do meu coração;
e a luz da paixão, acesa,
apaga a luz da razão!
ISTELA MARINA GOTELIPE LIMA – Bandeirantes/PR

Se esta louca nostalgia
não temesse outros fracassos,
eu juro que arriscaria
cair de novo em teus braços!
JOAQUIM CARLOS – Nova Friburgo/RJ

O remédio do Evangelho,
de dois mil anos de idade,
não perdeu, embora velho,
o prazo de validade.
JOSÉ FABIANO – Belo Horizonte/MG

Se tenho o amor que mereço,
se gozo a paz que sonhei,
a vida cobrou-me um preço
e é certo que já paguei.
JOSÉ OUVERNEY – Pindamonhangaba/SP

Do livro da tua vida,
sou página, enfim, virada;
tornei-me cena esquecida,
por tudo, só tive o nada.
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE – Pinhalão/PR

Os pingos da brisa mansa
refrescam a alma sofrida,
num embalo de criança
no tênue berço da vida.
 LUIZ DAMO – Caxias do Sul/RS

Liberto a paixão contida,
seco as lágrimas do pranto…
e canto… à beira da vida
o meu canto ao desencanto…
MARIA LUA – Nova Friburgo/RJ

Não deixe as cartas que eu mando
sem respostas, por favor,
porque é bom, de vez em quando,
reler mentiras de amor!
 MARIA NASCIMENTO – Rio de Janeiro/RJ

Pelas procelas da vida
passei tanto vendaval…
A cada onda vencida
nela afundei o meu mal!
MARIA JOSÉ FRAQUEZA – Portugal

Se te serves de mentiras
 para cresceres em ganho,
é bom que logo confiras
que encurtaste no tamanho!
 MIGUEL RUSSOWSKY – Joaçaba/SC

Quem preserva a água pura
que Deus dá a cada dia,
   ao hoje um bem assegura,
e ao provir beneficia.
NEI GARCEZ – Curitiba/PR

No rodeio do existir,
peço a Deus, a todo instante,
que eu não caia e, se cair,
com mais força me levante.
NEWTON VIEIRA – Curvelo/MG

Carrego pouca bagagem
porque na vida aprendi
que, mesmo longa a viagem,
preciso apenas de ti.
OLGA AGULHON – Maringá/PR

Mãos que imploram, na pobreza;
       mãos que assistem seus irmãos.
      – Quanto amor, quanta beleza,
     há no encontro dessas mãos!
   ORLANDO BRITO – São Luís/MA

Ao mesmo tempo em que mata,
    mata e faz viver também…
Saudade é dor que maltrata,
maltrata fazendo bem!
PEDRO EMÍLIO – São Fidélis/RJ

Trovador que espalha o sonho
que lhe mora n’alma inquieta
confessa ao mundo, risonho,
a bênção de ser poeta.
RENATO ALVES – Rio de Janeiro/RJ

Numa vida sem encantos,
pois de destinos trocados,
eu vivo o drama de tantos
“enfim sós”, mas separados!
RODOLPHO ABBUD – Nova Friburgo/RJ

Saudade, algema de amor,
que ao coração se derrama,
tem sempre o mesmo fulgor
no silêncio de quem ama.
SARAH RODRIGUES – Belém/PA

No amor minha aprendizagem
com tantos erros se fez,
que não tenho mais coragem
de aprender tudo outra vez.
SEBAS SUNDFELD – Tambaú/SP

A mentira é sonho lindo
Neste meu mundo encantado.
Sonhando, minto dormindo,
Mentindo, sonho acordado.
SINVAL EMÍLIO DA CRUZ – Juiz de Fora/MG
 –
Amigos que não convém
São aves de arribação:
– Se faz bom tempo eles vêm…
– Se faz mau tempo eles vão…
SOARES DA CUNHA – Belo Horizonte/MG

Neste meu triste viver,
sem ser de alguém hoje a amada,
eu me sinto o anoitecer
que não vai ter alvorada.
THEREZA COSTA VAL – Belo Horizonte/MG

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Branca Tirollo (O Destino da Rosa)

(Prosa poética)

Houve um choro
– uma vida.
Nascia ou renascia?
Quem sabe!
Sugava o alimento.
– boca rosada
– mãos pequenas

No peito da mãe
Com dor em demasia
– cantarolava
– sorria.
Olhos curiosos
– utopia.
Incenso de rosas
– dormia…

Berço que balançava
Mãos calejadas
– Clamor.
Ao se abrir em plumas
– nevoas e flores
Apreciava
– a leve paina.
Deslizava voava
Ao soprar o vento
– na paina plena.
Livre! Entrelaçava
A pequenina
– sobre a cama.

Reconheceu o sol
– depois a lua.
Após, aurora nua.
Longos passos
Primeira palavra.
– atenua-se
Cala, encanta.
Floresce a dança.
– perpetua

Papel, lápis de cor
– magia e luz.
Revela
– rebeldia
– pranto
– distância
– desafeto
Olhos chorosos
– fúria.
Desencanto
– força bruta.
Sonhos, velas
– risos.
Esvai-se
– infância
Vem à luta.

Amarguras
– desventuras
Camarim sem teto.
Solidão
– breu da noite
– alma escura
– visão.

Esperança
– revolta.
Trança
– combinação.
Ser
– ilusão

Valsas, versos, risos.
Conduta pouca
– audácia.
Vestes vermelhas
– cabelos caracolados.
– peitos fartos
– paixões
– migalhas.
Agulhas
– fornalhas.
Momentos
– poucos.

Rosas nascem.
– o sol nasce.
– a lua desce.
Rosas pálidas
– morrem
É hora do querer
– saber, buscar.
– aprender
A arte ameaça.
Seu sangue
– jorra desejos
Sabedoria donde?
– ninguém sabe!
Induz

Florestas ouvem,
– o murmurar:
Pensamentos
– soltos ao infinito.
Mais ávido
– que as mãos
Atenta-se ao nada.
Em seu santuário
-autarcia

Guinado de fel.
Sonhos desencantam
– poesias:
Dormindo engavetados.
Os poemas vazam
– lábios negros
O futuro não chega.
O ardor se espalha
– promessas
Densas tardes
Noites tensas
– proezas.

O chocalho soa.
– criança ainda chora
Do peito da mãe
– não há lembrança.
– apenas vida.
Amarguras tantas
-escorrem sobre os dias

Novos botões se abrem.
Sobre o ar contagioso
– adormecem
Calados morrem.
Sem lamúrias se vão

A cidade mudou
As ruas acolhem
-seus segredos.
O céu entardece.
O mar esbraveja
– enredos
Cinzas
– colorem o ar.

Os átomos
– não se cruzam
Uma criança vela
– curiosa
– à distância

Frio está o corpo.
O sorriso
– não regressará.
Não desta Rosa.

Fonte:
A Autora

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Moreira Campos (As Corujas)

Ele conversa muito consigo mesmo, repete-se, os olhos no chão e metido no dólmã de brim listrado, os pés redondos nas alpercatas. Resmunga, insistente. Fecha as janelas do velho necrotério. Apanha os pedaços de lona e, com eles, cobre os mortos sobre a lousa. Deixa-lhes apenas os pés de fora. A mulher sem chinelas, com sangue coagulado entre os dedos abertos; as grandes botas gastas e de cadarços do alemão andarilho, que amanheceu morto no oitão do armazém da praia, onde se alojara: o enorme saco e o livro de impressões, folheado por muitos dedos, foram recolhidos à delegacia. É preciso cobrir os mortos, proteger-lhes as cabeças. As corujas descem pela clarabóia. Têm voo brando, impressentido, num cair de asas leves, como num sopro de morte. De repente, dá-se conta de sua presença, das asas de pluma sem ruído. Alteiam-se e pousam sobre o peito dos mortos, arranhando-lhes os olhos parados, que fulgem na noite, divididos no meio.

– Xô, praga!

Os pedaços de lona ficam dobrados a um canto da sala escura, e ele os puxa sempre, curtos, deixando à mostra os pés inertes. Indispensável fazê-lo; depois fechar a luz triste da lâmpada, que desce pelo fio longo com teias de aranha. O facho da lâmpada de pilhas ainda percorre o teto de travejamento antigo. Crescem e oscilam as sombras: as botas de cadarço do alemão contra a parede – umas botas de muitas viagens. As corujas rasgam mortalha a noite toda na copa das altas árvores do terreno. O facho de luz tenta a densidade das folhas, corre cinzentos telhados, passa pela torre da capela, detém, ao longe, na janela de vidro do nosocômio. Em qualquer parte, na noite, estarão as corujas. Elas rasgam mortalha, agourentas, cortam o silêncio, sacudindo a vigília dos doentes. Recolhem-se, de dia, ao sótão da capela, onde pegam os ratos, que guincham nas suas garras. Necessário subir ao sótão, desfazer-lhes os ninhos. Falará com Irmã Jacinta, diretora do nosocômio, quando ela vier para a ala dos indigentes, ativa, tilintando as chaves no bolso do hábito. Ela mandará que Antero, jardineiro, trepe ao sótão. Ele é moço e divertido. Torcerá o pescoço das corujas, com os cabelos cheios de teia de aranha, e as atirará ao pátio do alto da torre, pilheriando com as enfermeiras. É preciso exterminar as malditas, que rasgam mortalha na noite, enquanto o facho de luz as procura na sombra densa das árvores:

– Xô, praga!

Resmunga, conversa sozinho, repete-se. Torna a experimentar as trancas das janelas, teima em ajeitar os pedaços de lona, que modelam saliências rígidas. O pedaço de lono do alemão ficou curto como uma camisa: têm presença apenas as botas. Resmunga. Se pudesse, ele próprio poria uma teia de arame na clarabóia. Já falou a Dr. Joca, que ele trata por você, porque foram criados juntos, e um xinga o outro. O bisturi do Joca corta sem pressa, profissionalmente. Luvas ensaguentadas, bigode branco amarelecido pelo fumo, ele apanha o cigarro com a boca no cinzeiro sobre o peitoril da janela. Secciona pedaços:

– Leva o balde.

O velho o recolhe, e conversa consigo mesmo, o corpo atarracado mal contido no dólmã de mescla.

Quando o homem que chegou do interior e se hospedou no quarto da pensão veio fazer velório ao corpo descarnado do filho, ele lhe deu a lâmpada de pilhas e o advertiu para as corujas. Elas desciam pela clarabóia, mesmo com a luz da lâmpada. Era preciso manter as velas acesas nos castiçais. Só assim as desgraçadas não vinham: temiam queimar as asas nas chamas. Ficavam rasgando mortalha no alto das velhas árvores ou na torre da capela. Sem a presença das velas, elas surgem sempre, impressentidas, como num sopro de mort: alteiam-se leves, pousam sobre o peito dos mortos e com o bico arranham-lhes os olhos, que fulgem parados e indefesos na noite.

Fonte:
Contos Escolhidos de Moreira Campos, edição da Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1971.

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Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Moreira Campos

José Maria Moreira Campos (Senador Pompeu, 1914 – Fortaleza, 1994)), ingressou na Faculdade de Direito do Ceará, bacharelando-se em 1946. Licenciou-se em Letras Neolatinas em 1967, na antiga Faculdade Católica de Filosofia do Ceará. Exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará, Curso de Letras, como titular de Literatura Portuguesa. Integrante do Grupo Clã. Pertenceu à Academia Cearense de Letras. Deixou as seguintes coleções: Vidas Marginais (1949), Portas Fechadas (1957), distinguido com o Prêmio Artur de Azevedo, do Instituto Nacional do Livro, As Vozes do Morto (1963), O Puxador de Terço (1969), Os Doze Parafusos (1978), A Grande Mosca no Copo de Leite (1985) e Dizem que os Cães Veem Coisas (1987). Seus Contos Escolhidos tiveram três edições, Contos foram editados em 1978 e Contos – Obra Completa se publicaram, em dois volumes, em 1996, pela Editora Maltese, São Paulo, com organização de Natércia Campos. Tem também um livro de poemas, Momentos (1976). Participou de diversas antologias nacionais. Algumas de suas peças ficcionais foram traduzidas para o inglês, o francês, o italiano, o espanhol, o alemão.

Sua obra está estudada em importantes livros, como o de José Lemos Monteiro, intitulado O Discurso Literário de Moreira Campos, o de Batista de Lima, Moreira Campos: A Escritura da Ordem e da Desordem, e outros mais abrangentes, como Situações da Ficção Brasileira, de Fausto Cunha; 22 Diálogos Sobre o Conto Brasileiro Atual, de Temístocles Linhares; e A Força da Ficção, de Hélio Pólvora. Em jornais e revistas se estamparam quase uma centena de artigos e ensaios sobre os seus livros.

Temístocles Linhares classifica o contista de Portas Fechadas de “um de nossos maiores contistas atuais”. Assis Brasil escreveu: “Moreira Campos faz, no Ceará, a ligação entre o conto de história, ainda vigente nos primeiros anos do Modernismo, e o conto de flagrante, sugestivo, que as novas gerações, a partir de 1956, desenvolveriam em muitos aspectos criativos”.

Sânzio de Azevedo, principalmente no ensaio “Moreira Campos e a Arte do Conto” (Novos Ensaios de Literatura Cearense) faz algumas observações: Primeira: “Na linhagem de Machado de Assis e por conseguinte na de Tchecov é que se entronca a obra ficcional de Moreira Campos” (…). Segunda: “apesar de haver optado pela narrativa sintética, extremamente despojada, com que tem enriquecido a nossa literatura através de não poucas obras-primas, não renegou os longos contos de seu primeiro livro” (…). Terceira: “Em Moreira Campos o que mais importa são os dramas da alma humana, e não a presença da terra, ostensivamente retratada nas páginas de Afonso Arinos e Gustavo Barroso”.

Em “As Características da Escritura de Moreira Campos” (O Fio e a Meada: Ensaios de Literatura Cearense, págs. 155/158), Batista é de opinião que o contista “transita com mestria entre momentos impressionistas, neo-realistas e neonaturalistas, sempre conservando uma estrutura linear para suas narrativas, com princípio, meio e fim bem delineados.”

Especializou-se Moreira Campos no drama familiar urbano, embora tenha também cultivado o chamado conto rural, semelhante ao regionalista. Em muitas narrativas esse conflito se dá no plano amoroso: quase sempre marido ou mulher infiel. Outras vezes o embate é interior, do protagonista. Em “A gota delirante”, do livro Dizem que os cães veem coisas (2 a. ed. 1993), o protagonista se debate em pensamentos sobre possuir ou não a mulher do primo. Constituída quase toda de blocos narrativos, com poucas falas e uma ou outra referência a objetos descritíveis (“vestido fino”, “calcinha de rendas”, “leveza desesperadora do baby-doll”), a história se dá mais no plano da imaginação, mesmo não sendo narrada na primeira pessoa. Em “A Carta”, do mesmo livro, a noiva se apaixona pelo amigo do noivo, que lhe entregava cartas enviadas pelo futuro marido. Em poucas linhas o leitor vai percebendo o desenrolar do conflito, sem que o noivo apareça. Em “Banho de Bica” o drama amoroso reaparece. O núcleo dramático (o banho de bica do homem com a empregada na casa de campo) se esgarça no tempo e no espaço. A mulher traída esbraveja, planeja a separação conjugal, e a trama se vai esfiapando, até alcançar o fim sem desenlace, num diálogo banal: “– A manhã está bonita – ele disse. – Está.”

                Um dos mais famosos contos de Moreira Campos é “Lama e Folhas”, do primeiro livro. Narrado na primeira pessoa, como muitos outros dos primeiros livros, tem como tema a morte. O narrador, o rico ou bem sucedido João Sampaio, fala de si mesmo (“Comprei um sítio, perto, num pé de serra”), a misturar passado e presente (flashback), e aqui e ali fala da mulher e outros personagens menores, e principalmente do filho único, do nascimento à morte, aos cinco anos. Ao leitor é dado saber que a história é do começo do século XX: “Às vezes, encontrávamo-nos os dois numa esquina, no ponto do bonde”. A linguagem é apurada, de quem leu muito, embora estas leituras do narrador não se mencionem no decorrer da narrativa. Constituído quase todo de narrações, o conto traz breves diálogos (quase sempre pergunta e resposta). No escoar da narração uma ou outra consideração de ordem moral: “A essa gente não se pode dar muita confiança. Sentem-se logo à vontade e no outro dia faltam ao serviço.”

                Os contos de Moreira Campos são narrados ora na primeira pessoa, ora por narrador onisciente. Em “Vigília”, Anselmo mistura os tempos, num vai e vem contínuo, como ondas de um mar de tempos. Sai do presente, dá um longo mergulho no passado, volta ao presente. Como João Sampaio, traça o próprio perfil psicológico: “Envolvi-me numas transações duvidosas: contrabandos, andei vendendo umas máquinas ao governo, com lucro exorbitante.” Outro narrador, Edmundo, de “Coração Alado”, se vale do monólogo interior ou do solilóquio para narrar suas peripécias. Na verdade, são memórias escritas: “Foi quando me veio a ideia de lançar ao papel estes retalhos de memória.” Também neste conto o leitor depara o bonde, isto é, vê situada num tempo mais passado a história. O narrador de “Eu e Dinha” (o “eu” do título é, logicamente, o narrador) não se nomeia, como a mostrar que a protagonista é a negra Dinha, “minha preta”. O tempo é antigo, o dos bondes; o lugar, a velha Fortaleza: “O bonde avançava. Cruzamos muitas ruas, que Dinha não conhecia. Procurava mostrar-lhe prédios e praças. O Parque da Liberdade, a igreja do Coração de Jesus. – Ali é o Liceu.”

                Em “O grande medo”, de O Puxador de Terço, o personagem-narrador só se revela após os primeiros diálogos. Neste conto o diálogo é preponderante, embora não seja comum em narrativas em primeira pessoa. O drama se desenvolve no interior de uma casa, possivelmente numa sala. O narrador, em companhia da mulher, conta, em tempo real, os instantes de uma visita à sogra, semi-surda, servida por uma preta. Falam de morte o tempo todo. E assim se esvai o tempo, a narrativa chega ao fim, pela voz do narrador, a falar de silêncio – o desenlace. Esse tipo de desfecho pode ser encontrado também em “D. Adília e os seus cachorros”, do mesmo livro. Toda a narrativa é a história da morte da protagonista, contada aos pedaços desde o início, enquanto o velório é narrado.

                A morte num curto lapso de tempo ou o tempo de uma morte são utilizados com alguma frequência por Moreira Campos. “A mosca, a pasta e os sapatos” é narrado no restrito espaço de tempo de uma conversa: o moribundo, a mulher dele e o filho falam de coisas materiais, enquanto aguardam a chegada da morte. No entanto, o desfecho (a morte) não se dá.

                A morte como tema central está presente em diversas narrativas, especialmente na obra-prima intitulada “Dizem que os cães veem coisas”. A morte é a própria protagonista, como se pode ver logo no primeiro parágrafo. Os cães seriam os anunciadores dela – ser invisível aos seres humanos.

                A presença de velhos, moribundos ou não, é também uma constante nos contos moreirianos. O conflito é sempre doloroso, como em “A visita ao filho”. Nonato, esclerosado, sai de casa em busca da casa do filho casado e se perde. Desta vez, porém, o desenlace é feliz.

                O ponto de vista onisciente é encontrado em alguns contos. “Dona Adalgisa” é um deles. Como o título indica, a protagonista é Adalgisa, que parece ser a narradora, em monólogo interior. Do livro Portas Fechadas é “Raimunda”, ambientado no campo (açude, barraca de palha, touceiras de cana etc). O narrador onisciente conta duas histórias, que se entrelaçam: a da protagonista, a pobre Raimunda, à beira da morte (picada de cobra), e a da rica família Veloso, que poderia salvar a camponesa da morte. Ambientado na cidade, “Almas Sombrias” é outro conto singular. O narrador se apresenta mais onisciente ainda, vez que a protagonista Gertrudes, paralítica, trancafiada em casa, não vê o mundo além do foco de sua visão: (…) “um operário agora se equilibrava no andaime com a lata na cabeça.” Por este processo, o contista faz com que o leitor perceba mais ainda a imobilidade da personagem. O drama amoroso se apresenta mais uma vez: Gertrudes paralítica; Manassés, o marido; Noemi, cunhada dele. A morte lenta da protagonista, o namoro escondido do homem e da moça, até o desfecho: “Foi melhor assim.”

                Outro conto clássico é “O Preso”, ambientado em pequena cidade, com a praça da estação, a estrada de ferro, o carro de boi, homens em conversa na calçada, dois soldados do destacamento. O narrador onisciente descreve o ambiente onde os personagens se situam e se movimentam, como se portasse uma câmera de filmar. Todo o embate, porém, se circunscreve a um homem conduzido para a delegacia: “Um velho mirrado e de pele escura puxava um jumento pelo cabresto, ente dois soldados do destacamento.” A narração do calvário do pobre homem é perfeita. Trancafiado numa sela, repete uma frase: “Me soltem, que eu não tenho paciência de ser preso.” A tragédia se consuma com o suicídio, cujo início se dá de fato quando o preso se aproxima da janela e se dirige a um menino na rua: “Olhe, solte ali aquele jumento. Ele é meu. Quer se deitar não pode. Tire o cabresto e me dê.” Com o cabresto se enforcou.

                A cidade pequena como palco dos conflitos surge em diversas narrativas. É o caso de “Profanação”, com sua praça principal, o tabuleiro de gamão onde velhos jogam, o casal de jumentos, a igreja onde se dá o coito animal, a profanação do templo. Os protagonistas (os animais) geram um conflito na cabeça dos seres humanos: para alguns homens tudo não passou de um ato animal; para os mais ligados à Igreja, como o padre, os jumentos representavam demônios. A beata Inacinha se fez “perplexa e hipnotizada”. E o narrador-escritor em nenhum momento opina.

                Em “Tem Dono”, também narrado sob o ponto de vista onisciente, o contista se vale de diversos diálogos para enriquecer a narração dos fatos. As falas, no entanto, não trazem as tradicionais indicações dos nomes dos personagens, como “fulano disse”. O drama é mais uma vez rural ou ambientado em cidade pequena. Os diálogos ou as falas em Moreira Campos são quase sempre circunstanciais, de aparente inutilidade. São, no entanto, muito necessários à urdidura. Veja-se “O luar sobre os túmulos”, de O Puxador de Terço. O jovem Miguel conversa com a prostituta Mundinha, pouco antes do ato sexual e logo após. À primeira vista, as falas poderiam ser retiradas do texto: “– Tu ralou a mão? – Ralei. – Foi queda? – Foi.” Entretanto, a exclusão dessas falas deixaria a narração por demais compactada, em detrimento da formação de imagens e impressões no leitor. “Banho de Bica” é outro exemplo da presença desses diálogos breves, dessas falas às vezes de um só vocábulo. Em contrapartida, as ações se acumulam, como se fossem rápidas cenas dramáticas.          

                No terceiro volume, As Vozes do Morto, Moreira Campos já apresentava narrativas mais curtas e de estrutura circular. Em “As Vozes do Morto” o embate não tem desfecho, ou o desfecho é o próprio começo. O ambiente é suburbano: Uma sapataria numa rua calma, cadeiras de vime na calçada. Em “A Prima” mais uma vez o ambiente de cidade pequena: “o cavalo a resfolegar amarrado à cajazeira em frente da casa”, banheiro do quintal, a Praça da Matriz. O conflito é doméstico e amoroso: mulher doente, homem tentado, a prima e um quarto sujeito, o filho do homem e da mulher, a formar um estranho quadrado amoroso.

                De O Puxador de Terço destaca-se “Os Anões”, em que a concisão do contista é mais visível. Mais uma vez Fortaleza é o ambiente da trama. Mais uma vez a estrutura de círculo: uma frase que se repete (“Tu aguenta mesmo um homem?”), no começo, no meio e no fim, a mostrar que o drama da anã Lourdinha não findou, continua. Em “O último hóspede ou Eurico, o noivo” toda a trama se desenvolve numa pequena pensão. Mais uma vez o embate amoroso, aqui de forma inusitada, eis que a terceira personagem, a noiva, não se apresenta, é apenas mencionada, e a quarta, o marido traído, mal aparece, como se de nada soubesse. A narração se faz lenta, noturna, sonambular, como se a história não tivesse fim – os mesmos gestos, os mesmos atos todos os dias, todas as noites. O drama como que se manifesta às escondidas, sem testemunhas. Ou sem espectadores. Em razão disso, não há desfecho. Em “Os três retratos” a concisão se aguça. Em “O Banho”, como o próprio título sugere, tudo se dá num instante, num curto lapso de tempo. Um instantâneo, talvez. Também breve é “As Corujas”, outra obra-prima. Num necrotério, o vigia dos mortos em luta com as corujas, que “pousam sobre o peito dos mortos, arranhando-lhes os olhos parados”. O tempo se alonga, numa luta desesperada do homem em defesa da integridade física dos mortos. E o círculo se fecha, sem final. “Os Estranhos Mendigos” também não apresenta desfecho, porém há nele um embate passado – assalto ao comércio pelos soldados do destacamento –, como a infra-estrutura do conflito posterior – os dois mendigos (ex-soldados) estropiados nas ruas. Esse lapso de tempo alongado se vê em muitos contos, como em “Frustração”.

                Esse tipo de conto sem desfecho, iniciado em O Puxador de Terço, se aperfeiçoou no livro Dizem que os cães veem coisas (que não deixa de ser uma antologia pessoal). “O cachorro” é todo uma síntese. E o desenlace se dá no meio da história. Ou então o desfecho é a trama. Em “Os Doze Parafusos”, outra das mais conhecidas e belas narrativas curtas de Moreira Campos, o remate se dá um pouco antes do final, quando a personagem se suicida. Em “Os moradores do casarão” os conflitos mais importantes são passados. Em razão disso, o desenlace (no presente) é apenas um instante do cotidiano.

                Utiliza Moreira Campos em alguns contos o personagem sem nome, como em “A Carta”, do volume Dizem que os cães veem coisas: o noivo, a noiva, o amigo, a mãe, a velha, ele, ela. E também em “Os doze parafusos”. Às vezes o único personagem com nome é secundário, como o Dr. Marcos, deste conto. Veja-se também “Banho de bica”. O homem é o “cínico”, o “canalha”. A mulher, que assim o trata, é apenas “ela”, ou “a mulher”. No entanto, a filha do casal, menina, sem importância no entrecho, é Denise. Desse mesmo tipo são “O dia de Santa Genoveva” e “Os meninos”. Neste os meninos não têm nome nem “aquela que ajudara a criar os meninos”. O único personagem com nome é Osório, o entregador de marmitas, que aparece apenas uma vez. E assim ocorre em muitos outros contos. Em “A caixa de fósforos vazia” o conflito amoroso reaparece em personagens sem nome: a tia, o tio, o sobrinho. Para o leitor está tudo claro, porém o tio aparece como o grande inocente. Há, no entanto, narrativas em que todos os personagens são nomeados, como as freiras de “A Ceia”. De enredo simples, há uma cena central, a própria ceia, com narração mais encorpada, seguida de outras cenas menores.

                Não se vê em Moreira Campos a descrição excessiva. Quando a utiliza, no entanto, o faz de maneira a preparar o terreno (o palco) para que o personagem nele se movimente. Veja-se “O Peregrino”, o começo: “Chão rude, áspero, mais de pedregulhos.” Mais adiante o narrador fala de horizontes, ramaria seca, bacuraus, folhagem do imbuzeiro. O enredo é de cunho regionalista: vidas pobres, morte por picada de cobra, a chegada do peregrino. Em “Irmã Cibele e a Menina” ocorrem breves descrições do orfanato de freiras onde se desenrola a trama: o pavilhão, o longo corredor, o pavimento escuro. Como em muitos outros contos, o tempo da narração é fatiado. Diversas ações se encadeiam e culminam (desfecho) na sugação dos nascentes seios da menina órfã pela boca de irmã Cibele. (…) “a língua de irmã Cibele era ativa e morna, os dentes mordiam com muita delicadeza, quase roíam.” No último parágrafo (ato) a menina se recolhe ao dormitório e se põe a soliloquiar. Sugere o narrador a proximidade do sono. O homossexualismo feminino está presente também em “Os desgostos de Dona Bianca”. Para o leitor esse conflito só se aguça no meio da narrativa.

                Em outros contos Moreira Campos apresenta diversas ações (tempos) subsequentes, como em “A Sepultura”, no qual se apresentam alguns núcleos dramáticos: no ônibus quebrado; no caminhão, com o motorista e o ajudante; na estrada (a fuga de Durvalina pelo mato); e no dia seguinte na casa dos pais e de volta ao lugar onde estaria uma sepultura e de onde a protagonista fugiu no dia anterior.

                Muitos outros aspectos na obra de Moreira Campos poderiam ser mencionados neste artigo, como a presença de animais nos dramas (moscas, cães, corujas, jumentos). Outros merecem análise mais profunda, talvez até ensaios exclusivos, como é o caso do desfecho diluído ou posto no meio da narração. Entretanto, isto é apenas um artigo.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Oswaldo Abritta (Jardim)

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Oswaldo Abritta (1908-1947)

Nasceu no distrito de Cataguarino, município de Cataguases, filho de Boaventura José Abritta e Ana Lopes do Nascimento.

Fez o curso médio no Ginásio Municipal de Cataguases, hoje Escola Manuel Inácio, onde teve intensa atividade literária no Grêmio Literário Machado de Assis e publicou poemas em vários jornais da cidade.

Participou em 1927 da criação da Revista Verde, como poeta. Formou-se em Direito, exerceu a advocacia e foi juiz de direito em Guarani e Carandaí (MG).

Obra póstuma: Versos de ontem e de hoje (editado por seu filho Luiz Carlos em 2000) escrito em 1931.

Fonte:

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Luiz Carlos Abritta (Caderno de Trovas)

As tuas mãos – que brancura
 -que bonito de se ver,
 pois elas têm a ternura
 dos lírios do amanhecer.

Aos jovens dou um conselho,
 nesta vida tão incerta:
 não se olhem tanto no espelho
 pois Narciso é morte certa!

Ao teu prazer eu me entrego
 – seja lá o que quiseres –
 pois te escolhi, eu não nego,
 entre todas as mulheres.

Casaste. Triste eu sofria,
pois vestiste, bem contente,
a camisola macia
que eu te dera de presente!

Com seu amor eu me aqueço
 e sempre me recomponho;
 só por isso eu lhe ofereço
 a vigília do meu sonho.

Desde que tu foste embora,
 tua saudade é açoite
 que já começa na aurora
 e dói mais durante a noite !

Dessa forma Cristo pensa:
“maior será o perdão
quanto maior for a ofensa”.
– Que bela e sábia lição!!

De todo “não” que me deste,
 o que mais triste me fez
 foi aquele que disseste
 disfarçado num “talvez”.

Do meu verso é sempre a fonte
 essa cidade lendária
 chamada Belo Horizonte,
 a Capital centenária!

Do simples pó eu procedo,
 sei que a ele hei de voltar;
 a vida não tem segredo:
 é um eterno retornar.

Em cada nota eu receio,
 na pauta que a vida escreve,
 que transformem nosso enleio
 numa simples semibreve 

É muito estranho, meu bem,
 o relógio do destino:
 vai de manso, vai e vem,
 depois bate em desatino !

Essa vitória alcançada
 nos obriga a meditar:
 sem o povo não há nada,
 que verdade singular!

Eu bem sei que tu me esperas
 e, se te vejo, ao sol-posto,
 projeto um céu de quimeras
 na moldura do teu rosto !

Eu confesso abertamente,
 e disso não me envergonho,
 que tu foste, simplesmente,
 o amplo portal do meu sonho.

Eu sei que o belo e a verdade
 caminham juntos na vida
 e atinjo a felicidade
 se a ternura é dividida.

Eu te amo tanto, mas tanto
que já pus num pedestal
toda a glória desse encanto,
que se tornou imortal.

Eu te digo, com alegria,
e a realidade comprova
que o melhor da poesia
é a beleza de uma trova.

Eu tenho perseverança
 e à tristeza me anteponho:
 garimpeiro da esperança,
 sempre vivi do meu sonho.

Jamais eu temo o fracasso
 pois me deste o teu amor
 e a simples força do abraço
 me transforma em vencedor!

Não me queres…pouco importa.
 Só penso no amanhecer,
 pois ele sempre abre a porta
 à sedução de viver !

Na magia desse sonho,
 nessa noite calma e pura,
 a sonata que componho
 tem as notas da ternura.

Na tessitura do sonho,
 vou cortar, sem mais tardança,
 esse nó górdio que imponho
 a um amor sem esperança.

Navegador solitário,
singrando as águas do mar,
jamais pensa em numerário,
mas conjuga o verbo amar !

Nem o sofista profundo
 esta verdade falseia:
 quem se julga rei do mundo
 é um pequeno grão de areia!

Nenhum amor se constrói
 só com flores e ternura,
 pois aquele que mais dói
 certamente é o que mais dura.

Nesse exílio que me imponho,
 não senti que era miragem
 e dos pedaços de sonho
 eu recompus tua imagem.

Nosso amor já teve história
 e, por isso, eu te proponho
 seja posto na memória
 do relicário do sonho.

Novo estatuto vigora
 nas leis do amor hoje em dia:
 sei que vale mais o agora
 do que a mais bela utopia!

Numa alquimia de nume,
 à tristeza me anteponho,
 transformando teu perfume
 no perfume do meu sonho!

O açougueiro viu passando
 a mulher que é só pele e osso
 e disse, a faca afiando:
 “Isso é carne de pescoço”.

Olhando o tempo passar,
no relógio da memória,
eu senti coisa invulgar,
pois revivi nossa história!

O que conta nessa vida
não é tempo nem idade,
mas a procura renhida
da deusa felicidade.

Passa o tempo num instante
e dele jamais se esquece,
pois fica sempre o importante:
o velho amor permanece.

Quando o cãozinho e o menino
se abraçam por um segundo,
solto o canto peregrino:
– Há salvação para o mundo!

Quis esquecer-te…não pude:
 a saudade é traiçoeira
 e ela sempre nos ilude,
 pois nos prende a vida inteira !

Quis retratar um romance
 que fosse mesmo um primor,
 e fiz, com tinta e nuance,
 uma aquarela de amor.

Sempre foste minha amada
e, no doce cativeiro,
sem algema e sem mais nada,
tu me prendes por inteiro.

Se navegar é preciso
e viver nem tanto assim,
vou partir com teu sorriso,
em busca do mar sem fim!

Se todos temos defeitos,
 se o mistério vem de Deus,
 se nem os bons são perfeitos,
 o que dizer dos ateus?

Somos poeira que a vida
 sempre leva de roldão;
 em sua sanha atrevida,
 ela não vê coração

Só se louva a juventude,
porém jamais alguém disse
que só se atinge a virtude
quando se alcança a velhice

Todos querem sufocar,
 com disfarces atrevidos,
 e sordidez invulgar,
 o grito dos excluídos .

Tudo ele faz com amor
e traz o céu na bagagem;
na verdade, o trovador
de Deus na Terra é a imagem

Tu partiste… e essa magia
 que deixaste no meu peito
 vai fazer que certo dia
 tu voltes de qualquer jeito.

Vejo o mar em ondas mansas
– foto de rara beleza –
e, reforçando as lembranças,
um céu chamado Veneza !

“Veredas, grandes sertões”…
 a nossa vida é uma estrada
 toda cheia de senões,
 do início ao fim da jornada.

Vou definir a saudade
e não sei se estarei certo:
saudade é aquela vontade
de que o longe fique perto.

Fontes Principais:
http://www.ubtnacional.com.br/
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br/
Boletins da UBT – Nacional
Boletins de vários Concursos.

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Arquivado em Minas Gerais, Trovas

Luiz Carlos Abritta

  

 Nasceu em Cataguases, Minas Gerais, a 24 de janeiro, filho do poeta e magistrado Oswaldo Abritta e de Yolanda Nery Abritta.
    
Procurador de Justiça aposentado.

    Foi presidente da Associação Mineira do Ministério Público. Eleito Conselheiro da OAB/MG onde permaneceu por seis anos e exerceu as funções de Presidente do Tribunal de Ética daquela entidade.

    Foi presidente e Conselheiro Nato do Instituo de Ciências Penais, membro do Conselho Penitenciário de Minas Gerais.
      
      No dia 09 de junho de 2006, o Presidente da República escolheu-o em lista tríplice e o nomeou para o cargo de Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, categoria de jurista.
      
      Foi presidente da UBT de Belo Horizonte, e Presidente da UBT/Minas Gerais.
    
Exerceu a presidência da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais por oito anos, onde ocupa a cadeira n.150, tendo por patrono Oswaldo José Abritta.

    Abritta foi eleito o 5º Presidente Nacional da União Brasileira de Trovadores, para o biênio 2012 / 2013.

    É membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, cadeira n. 82 e seu patrono é o Senador Levindo Coelho.

    Tem dez livros publicados. Entre eles, “Críticas criticáveis”, “Entre Montanhas e Trovas”, “Tata, Tati e Tininha”, “Um Homem Plural – A vida de Oswaldo Abritta” e “Aurora Plena”.

    Participação na Antologia poética bilíngue (francês/português) de 33 escritores mineiros, lançado no Salão do Livro, em Paris, em 2012, sendo condecorado pela Academia Francesa em reconhecimento ao trabalho pela literatura.
      
      Medalhas: da Inconfidência; Santos Dumont; do Ministério Público de Minas Gerais; da Justiça Federal; do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, e da Societé Académique des Arts, Sciences et Lettres – Paris – França.
    
Casado com a escritora Conceição Parreiras Abritta, tem dois filhos: Sérgio, Procurador de Justiça e Dramaturgo, e Luís Carlos Parrreiras Abritta, Advogado e Presidente do Instituto de Ciências Penais do Estado de Minas Gerais.

Fontes:
http://www.ubtnacional.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=39
Jus Brasil. http://amp-mg.jusbrasil.com.br/noticias/3017814/luiz-carlos-abritta-participa-de-antologia-da-academia-de-paris
http://www.ihgmg.art.br/quadrosocial.htm
http://www.jornalaldrava.com.br/pag_sbpa_abritta.htm
http://www.newtonpaiva.br/acontecenanewton/Evento.aspx?id=224592

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Raquel Ordones (Tudo Veio à Tona)

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Fonte:
http://raquelordonesemgotas.blogspot.com

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Márcia Maranhão de Conti (Poesias Avulsas)

PROGNÓSTICO
Agora desenho em meu quarto uma varanda
E, da janela semi-cerrada,
Um raio de luz me alcança.

Agora entrego ao sol o mofo da minha cama
E devagar estendo os lençóis
Que acompanharam minha insónia.

Agora pressinto uma brisa
No interior do meu cómodo
E a inspiro lentamente
Até arejar minhas entranhas.

Agora decifro as letras
Que se agarraram ao meu sangue,
E solfejo pra elas uma melodia
Com um resto de nó na garganta.

Agora revejo a minha agonia
Como num quadro de Picasse.
Pareço-me surrealista
Ao expressar meu ocaso.

Agora tenho a fome dos dias
Em que não quis comer nada.
E contemplo o meu ser faminto
A saciar-se do nada.

UM POEMA NO ÔNIBUS

Parece que a cidade passeia,
E o pensamento espia a palavra.
Há um poema que vagueia,
Versos virando paisagem.

Parece que a janela me leva,
E o poema levanta os olhos.
Não sei se fico ou viajo.
Vou nas palavras e volto.

Parece que tudo é passagem.
O poema beija meus olhos.

VESTÍGIOS

Meus acasos não povoam
Páginas de dicionários.
São trilhas que transcendem
A leveza dos passeios.

As palavras são rastros
Deixados no cimento fresco.
Nem que eu falseie os passos,
Minto comigo, nos versos.

As palavras são pérolas
De um colar que nunca tiro,
Criadas nas conchas antigas
Dos mares que habitam em mim.

PROCURA

I

Dentro da noite
Um pensamento calado
Vai sendo digerido.

Tem na cor o tom de’ um céu
Que decide o poema.

II

A poetiza testa palavras
Como se experimentasse vestidos.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/goias/marcia_maranhao_de_conti.html

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Marcia Maranhão De Conti (1957)

Marcia Maranhão De Conti, filha de Antonio do Rêgo Maranhão Neto e Zelair Mendes Maranhão (in memoriam), nasceu em São Luis (MA) em 1957 e mudou-se para Goiânia, onde reside.

Morou em São Paulo, época em que nasceram os filhos mais velhos.

Formada em Nutrição pela UFG e em Direito pela UNIVERSO. Especializou-se em Nutrição Clínica na UFRJ e em Direito Processual na LFG.

Trabalha no Ministério da Saúde e é membro da OAB-GO.

Sua paixão é a poesia. Participou de antologias, de concursos regionais e nacionais, sendo várias vezes premiada, inclusive no 5° Prêmio Nacional de Poesia – Cidade Ipatinga com o 2° lugar (2007).

Teve três poemas selecionados no concurso Poemas no Ônibus e no Trem, promovido pela prefeitura de Porto Alegre: “Flor” (2007), “Um Poema no Ônibus” (2009) e “Embalagem” (2011).

“Flor” esta em camisetas de catadores de papel de Porto Alegre a pedido do professor universitário, canadense, Denis Beauchamp, que preside uma associação voltada para esses trabalhadores.

Luar nos Porões (piano mudo) é seu livro de estreia.

Fonte:

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Nilto Maciel (Um Vulto)

Ana e Mino entraram na livraria de braços dados, sem pressa. Olharam para os lados e ele a arrastou para o interior da loja. Soltaram-se e se puseram diante da primeira prateleira. Ela passou à frente e deu dois passos, como se soubesse aonde ia. Ele a seguiu e parou ao seu lado. Ela deu mais dois passos. Desejava Kafka ou Borges. Nunca se mostravam juntos naquela livraria. Sollos sabia onde localizar cada escritor, seguindo a ordem alfabética. Também vivia para ler! Ela, não, não podia viver de livros. Pretendia, sim, escrever um livro. Talvez de poemas, ou de contos. Não teria fôlego para um romance. Quem sabe quando estivesse mais velha? Mino se encostou nela. Procurava que livro? O Castelo. Para que, se em casa havia um? Deram mais dois passos. Falasse baixo. Sabia onde achar Joyce? Semana passada o tinha visto, não lembrava onde. Possivelmente do outro lado. Um funcionário da livraria se aproximou deles. Apertou mão do cronista. A crônica do dia não podia ser mais perfeita. Ana sorriu, como se o elogio fosse para ela. Mino se voltou para o rapaz. Nem lembrava mais o assunto. Ana deu mais dois passos. O funcionário voltou. Mino se acercou da mulher e retirou da prateleira um Neruda. Do outro lado da estante um homem se movimentava, como se quisesse vê-los através das brechas entre uma prateleira e outra. Só podia ser Sollos. Ana se voltou para Mino. Precisavam ir embora. Não havia na bolsa um centavo. O homem não concordou com a retirada. O banco não fechava nunca. Sollos se dirigia para os fundos da loja e Ana rapidamente caminhou para o lado oposto. Não queria estar frente a frente com Sollos, pelo menos quando estivesse ao lado de Mino. Por um instante, o cronista virou a cabeça para a direita. Para onde ia Ana? Empertigou-se e, de relance, viu um vulto ao fundo da loja. Seria Sollos?

SOLLOS A SÓS

            Para onde se dirigia Sollos? Caminhava a esmo pelas ruas, sem se lembrar do plano de  ação traçado na noite passada: ir a uma livraria, comprar um ou dois livros, almoçar num restaurante, voltar para casa, descansar, ler um pouco. Ao chegar à Praça do Ferreira se sentiu cansado e sentou-se num banco. Um homem fumava ao seu lado. Podia apagar o cigarro? Não, não pediria nada ao estranho. Melhor se acalmar, procurar outro banco ou ir almoçar. O homem se retirou, levando a fumaça. Sollos abriu as pernas. Ana teria querido falar mais com ele? Para dizer o quê? Sentia-se feliz ou infeliz? Um menino se ofereceu para engraxar os sapatos dele. Quanto custava? Só um. Engraxasse, sem pressa, mas com capricho. O olhar de Ana aparentava de felicidade. Por quê?

A VER NERUDA

Mino abriu a porta do carro, sentou-se no banco e aguardou a mulher se acomodar. Ana ajeitou os cabelos. Estaria o marido aborrecido? Não, não haveria de ter visto ela e Sollos frente a frente. O homem acelerou o carro. Por que Ana o tinha deixado a ver Neruda? Só podia ser em razão da presença de Sollos na livraria. Onde ele se encontrava antes de o vir? Ana, calada, alisava o cabelo. Por pouco Mino não bateu o carro na traseira de outro. Ainda pretendia ir ao banco ou havia desistido? Ela abriu a bolsa e se pôs a revirá-la. Ia ou não ia? Por que não imaginar a possibilidade de se defrontar com Sollos na livraria, se havia muito o passatempo dele consistia em passar horas e horas de todos os sábados cercado daqueles livros? E se ele continuasse com a ideia de serem namorados? Não, não podia ser. Sabia de seu casamento. O pior não era isto, mas passar Mino a ter ciúmes. Talvez estivesse exagerando, pois nunca contou a ele detalhes do relacionamento dela com Sollos. O cronista suava. Não havia motivos para pressa. O dia todo pela frente. Por que Ana fugia do escritorzinho? Sabia da amizade deles. Conheciam-se de tanto se verem em livrarias, lançamentos de livros, encontros de escritores. Amigos apenas. Aliás, colegas de profissão. Mino havia gargalhado. Profissão de escritor era medicina, arquitetura, jornalismo. Não, não desconfiava de nada. Desconfiar de quê?

SINFONIAS INACABADAS

A tarde demorou a passar. Sollos se deitou na cama, fechou os olhos. Tencionava descansar, dormir, esquecer a manhã. Ana lhe aparecia a todo instante. Falava de livros, do marido, do passado, do tempo em que se encontravam e passavam horas a fio no apartamento dele. Levantou-se e deitou-se cinco ou seis vezes. Apanhou na estante um livro, leu duas ou três frases, lavou o rosto, quis telefonar para um amigo. Ana figurava-se mais sedutora do que antes. Abriu uma cerveja e sentou-se no sofá. Pôs-se a ouvir Scarlatti. Onde estaria Ana? Quantas vezes estiveram naquela livraria, a folhear Kafkas, Borges, Joyces! Trocou Scarlatti por Haydn, sem saber quem tocava. Bebeu mais cerveja, esqueceu sonatas, prelúdios, concertos para piano. Os olhos de Ana mais pareciam sinfonias inacabadas. Bebeu mais cerveja e buscou nas gavetas fotos dela. Haydn se confundia com o riso de Ana. No outro dia iria procurá-la. Ou não iria a lugar nenhum? Dirigiu-se ao banheiro e sentiu arrepios, como se ela o abraçasse e o sugasse.

ANA E O CASTELO

Quando Mino pegou no sono (estaria mesmo dormindo ou fingindo?), Ana abriu os olhos e se pôs a olhar para o teto. Talvez Sollos fosse um bom amigo. Poderiam, ela e Mino, fazer dele um amigo, de frequentar a casa um do outro. Com o tempo, Sollos passaria até a jantar na casa deles. Solteiro, seria convidado a dormir uma noite. Um quarto para ele, cama bem arrumada. Quando Mino viajasse… Não, Mino não viajava nunca. Ora, viagens eram como jantares – arranjavam-se, inventavam-se. Observou as costas de Mino. Dormia ou pensava? Sonhava ou urdia planos de detetive? Precisava deixar de falar em Kafka. Mais dia, menos dia, Mino veria Sollos num jornal a falar de Kafka. E se desse O Castelo para uma colega de trabalho?  Quem poderia gostar dele na empresa? Todas as moças liam e viam somente revistas de fofocas. Nada de romances, contos. E se dedicasse o seu exemplar a Sollos? Com a amizade de sempre, ofereço-lhe o meu Castelo. Sua admiradora Ana. Ou admiradorana? Ele gostava de invenções desse tipo. E ainda lhe daria um abraço muito apertado.

ROMANCE FEITO DE LAVAS

Mino acordou no meio da noite. Virou-se para Ana. Dormia o sono das amantes. Não, Sollos não passava de um sonhador. Por que não convidá-lo para jantarem juntos? Falariam de Kafka, Borges, Joyce. Beberiam uísque e o outro liberaria o vulcão adormecido. Precisava anotar aquela imagem. Daria boa crônica. Algum vulcão histórico, o Vesúvio, e as paixões humanas. Ou um livro, um romance sem pé nem cabeça, feito de lavas. Sim, uma estreia de causar inveja a esses contistas de meia-tigela. Deixaria de ser apenas um cronista. Mudaria o nome. Nada de Minotauro.

NA MURALHA

Antônio Sollos se revirava na cama. Ana o chamava para conhecer de perto a muralha da China. Ele sentia medo de altura, de se aproximar do Sol, queimar-se, morrer. Ela ria. Um sol não deveria ter medo do Sol. Ainda mais sendo um sol duplo. Sollos se ajoelhava. Jurava não ser vaidoso. Milhares de chineses se aproximavam deles. Ana sumia na multidão e ele se punha a bradar por ela, que ria, falava, dizia estar ao lado dele. Sollos pedia socorro, gritava o nome de Ana, que ecoava pela muralha e pelos vales. Ela reaparecia. Ele sabia o significado do Sol? Falava de calendários, dias, meses e anos. Ele a chamava de louca. Por que o tinha abandonado? Porque se chamava Ana, a mulher do ano. E ria, gargalhava. Não brincasse com as palavras. Chineses o cercavam. Uma chuva forte caía sobre a muralha. Trovões e relâmpagos. Antônio Sollos sentia a urina inundar-lhe as pernas.

COM TESEU

Ana se debatia no leito. Sollos a convidava a conhecer um labirinto. Se fosse o de Creta, não desejava nem chegar perto. Tinha medo do minotauro. Deixasse de besteiras. Tudo era mito, apenas mito. Além do mais, a fera havia muito não existia. Matou-a a mitologia. E a puxava pelo braço e a chamava de Ariadne. Ela fincava os pés no chão. Mesmo assim, Sollos a arrastava e se dizia o herói Teseu. Ouvia um rugido de fera e se assustava. Não tivesse medo, ele mataria o animal. Escurecia. Os bramidos se faziam mais próximos.

O VULCÃO

            Minos mexia os lábios, como se falasse. Ao longe, vislumbrava o topo de um vulcão adormecido. Sentava-se numa pedra. Sentia calor, suava. Olhava para o vulcão e percebia, distantes, pequeninos, dois vultos humanos. Aguçava a vista e reconhecia neles Ana e Sollos. O que faziam ao pé de um vulcão? Punha-se a bradar os seus nomes. Abandonassem o local. As lavas não tardariam a subir. Gritava, gritava, e nada de ser ouvido. E nunca poderia se aproximar deles. Não conseguiria chegar a tempo de evitar uma tragédia. Desesperava-se. Viessem, correndo. Tinha para eles presentes: todos os livros de Kafka, Borges e Joyce. No entanto, a boca do vulcão já vomitava fogo.              

UM LIVRO IMENSO

Sollos, deitado, ouvia música havia horas, dias. Ansiava ouvir a sinfonia do Castelo pelo resto da vida. Quem a compusera? Sabia Ana, sabia Mino? Ou nunca a compuseram? Ana lia trechos de O Castelo. Mino sorria. Ainda seria o grande cronista do Universo. Batiam à porta. Um mensageiro dizia estar ali em nome do imperador da China. No entanto, escondido por máscara, poderia ser Mino? Atrás dele uma mulher jovem e bonita. Seria Ana? Trazia, em nome do monarca, a história da Grande Muralha da China. Lesse, traduzisse para todos os idiomas e divulgasse pelo mundo. Corriam os três pelas ruas de Fortaleza, seguidos de multidão a clamar e cantar. Chegavam à Praça do Ferreira e, diante da Coluna da Hora, se punham a fazer um discurso coletivo. A multidão se calava. Irmanavam-se os três num discurso sem fim e sem sentido E se olhavam e riam. No entanto, toda a cena diante deles se desenrolava numa tela de cinema ou televisão. No sofá, Sollos, Ana e Mino liam um imenso, quase infinito livro aberto diante deles.

Fontes:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

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Euclides da Cunha (Heróis e bandidos)

Num dia de setembro de 1820 chegou à tristonha Assunção, do Dr. Francia, um prisioneiro ilustre e sexagenário, a quem, entretanto,não se concedera o preito da mais diminuta escolta. Vinha só; passou, a cavalo, pelas longas ruas retilíneas e retangularmente cruzadas, entre janelas de grades, à maneira de extensos corredores de uma prisão vastíssima, e descavalgou no largo onde se erige o palácio do governo.

Viu-se então que a idade o não abatia. Num desempeno de rapaz atlético aprumava-se-lhe a estatura elegantíssima entre as voltas do poncho desbotado que lhe desciam ate. às botas de viagem, flexíveis e armadas das rosetas largas das esporas retinindo ao compasso de um andar seguro.

Grande sombrero de abas derribadas cobria-lhe a meio a face magra; e naquela lace rígida, cindida de linhas incisivas e firmes – como se um buril maravilhoso ali rasgasse a imagem da bravura, num bloco palpitante de músculos e nervos – um olhar dominador e duro, velado de tristeza indescritível.

Era José Artigas, o motim feito homem. O primeiro molde dos caudilhos, primeiro resultado dessa combinação híbrida e anacrônica de D. Quixote, do Cid e de Hernani – a idealização doentia, a coragem esplendorosa e o banditismo romântico – indo perpetuar na América a ociosidade turbulenta, a monomania da glória e o anelo de combates que sacrificaram a Espanha do século XVII.

Correra-lhe a vida aventurosa e tumultuaria. Chefe de contrabandistas arremessado à ventura pelas coxilhas da Banda Oriental e do Rio Grande, transformara-se logo depois, com o mais doloroso espanto dos quadrilheiros mercenários, em capitão de carabineiros da metrópole que o captara, impondo-lhe o exercitar sobre os antigos sócios de desmandos uma fiscalização incorruptível e feroz, até que se voltasse contra a mesma metrópole, transmudado em tenente-coronel revolucionário, e avantajando-se aos maiores demolidores do antigo vice-reinado, ou se transfigurasse de chofre em general, “jef de los Orientales y protector de las ciudads libres”, arremetendo com os irmãos de armas da véspera e destruindo a solidariedade platina, com o afastamento do Uruguai.

Salteador, policial, revolucionário, chefe de governo. – Por fim, caiu. A tática estonteadora quebraram-lha os voluntários reais de Lecor, endurecidos na disciplina incoercível de Beresford; e traído pelos seus melhores sequazes, sem exército e sem lar, errante e perseguido, viera bater às portas do seu mais sinistro adversário, a quem tanto afrontara nas antigas tropelias.

O ditador não lhe apareceu, mas não o repeliu: mandou-o para um convento.

Extraordinário e enigmático Dr. Francia! Este ato denuncia-lhe do mesmo passo a índole retrincada, a ironia diabólica e a ríspida educação política que tanto o incompatibilizava com o heroísmo criminoso daqueles esmaniados cavaleiros andantes da liberdade.

Entre o borzeguim esmoedor e a estrapada desarticuladora só lhe dependiam de um gesto todos os requintes das torturas: escolheu uma cela e constringiu ali dentro, entre paredes nuas, sobre alguns metros quadrados de soalho, uma vida que se agitara desafogadamente nos cenários amplíssimos dos pampas.

A vingança era, como se vê, antes de tudo, uma lição duríssima, mas foi improdutiva. Artigas deixara no estado Oriental o seu melhor discípulo, Fructuoso Rivera.

Em todos, uniformes na disparidade dos tempera mentos, do sanguinário Oribe ao destemeroso Lavalleja, que nos arrebatou a Cisplatina, os mesmos traços característicos: a combatividade irrequieta, a bravura astuciosa e a ferocidade não raro sulcada de inexplicáveis lances generosos.

Traçar-lhes a história é fazer em grande parte a nossa mesma história militar. Quase toda a nossa atividade guerreira tem sido uma diretriz predominante naquela fronteira perturbadíssima do Rio Grande.

Ali, na longa faixa que se estira de Jaguarão ao Quaraim, o gaúcho resume, na envergadura possante e no ânimo resoluto e inquieto, os traços proeminentes de dois povos. Não há destacá-los às vezes. O bravo e versátil Rivera copia servilmente o versátil e bravo Bento Manoel; Lavalleja, um Bayard vibrátil e volúvel, afeiçoado a todas as temeridades, se acaso o nobilitasse a disciplina, irromperia na figura escultural do primeiro Mena Barreto.

Ainda agora o Aparício oriental tem uma larva, o João Francisco rio-grandense: acorrentai o primeiro num posto sedentário, e terei o molosso ferocíssimo da fronteira; arremessai o segundo pelo revesso das cochilhas, e vereis o caudilho…

Daí as surpresas que muitas vezes nos saltearam naquelas bandas.

Notemos uma, de relance: a guerra do Paraguai, em que pese aos seus velhos antecedentes, teve, inegavelmente, um prelúdio muito expressivo nas ruidosas “califórnias”, que arrebataram os nossos bravos patrícios aos entreveros entre blancos e cobrados. A primeira bandeira que ali congregou brasileiros e orientais foi o pala do general Flores, desdobrado e ruflando nas correrias vertiginosas. E quaisquer que fossem depois os milagres de uma diplomacia que desde 1853 e 185S vinha lentamente suplantando o malmequer e a vesânia de Lopez, talvez não nô-lo impedisse mais, desde a hora em que os parladores de um e de outro lado, guascas e gringos, mas uniformemente gaúchos, entrelaçassem, sobre o solo vibrante das campinas, os laços e as bolas silvantes, desfechando sobre o contrário os golpes simultâneos de cinco armas formidáveis – a lança e as quatro patas do cavalo…

Ora, esta identidade de estímulos, efeito de antiquíssimo contágio, reveste-nos de importância considerável a situação atual do Uruguai.

Entretanto, atraída por outros sucessos, toda volvida para a Amazônia ameaçada, ou para o enorme duelo do Extremo Oriente, a opinião geral mal se impressiona com aquelas desordens. Um ou outro telegrama, impertinente e mal lido, entre outros casos de maior monta, nos denuncia de longe em longe que o caudilho rebelado ainda respira.

A despeito de não sabermos quantas derrotas para logo corridas com outras tantas fugas triunfais, rompendo entre as tropas do governo vitoriosas e desapontadas – no “Passo dos Carros” em Taquarembó, em Daymam, em Salto, em Santa Luzia e em Santa Rosa, na Concórdia, no Aceguai e em toda a parte – a revolta irradia para todos os lados, intangível e invencível, espalhando alarmas desde Montevidéu, inopinadamente ameaçada de um assalto, às remotas povoações e estâncias do interior, de súbito despertadas pelo tradicional ahyvienem! que há um século por ali espalha e atira fora dos lares as gentes retransidas de espanto ante o estrupido dos cavaleiros errantes e ferozes…

Vencido pelo general Moniz desde os primeiros dias da luta; acutilado, e algumas vezes morto a golpes de telegramas; erradio, ou fugindo com os restos de uma tropa desmoralizada, para o abrigo da nossa fronteira salvadora, Aparício Saraiva recorda uma paródia grosseira do herói macabro do “Romancero”, morto e espavorindo os inimigos.

Pelo menos a sua revolução, tantas vezes destruída e tantas vezes renascente, tem a estrutura privilegiada dos polipos: despedaçá-la é multiplicá-la.

Ainda neste momento, rijamente repelido do Salto, este combate perdido parece ter tido o efeito único de remontar-lhe a cavalhada. Permitindo-lhe a divisão das forças em três corpos que, dirigidos por ele, por Lamas e Muñoz, vão refluir de novo sobre todo o Uruguai e reeditar a mesmice inaturável das refregas inúteis e das correrias e das derrotas e das eternas vitórias telegráficas – enfeixadas todas numa anarquia deplorável cujo termo e cujas consequências dificilmente se preveem.

Lutas à gandaia, adstritas ao sustento aleatório das estâncias saqueadas, em que o soldado surge pronto de todos os lados, laçando os adversários como laça os touros bravios, combatendo ou “parando o rodeio”, sem notar diferenças nas azáfamas perigosas, elas podem prolongar-se indefinidamente.

Bastam-lhes como recursos únicos alguns ginetes ensofregados e a pampa: a disparada violenta e o plaino desimpedido; a velocidade e a amplidão…

Daí os seus principais inconvenientes. O duradouro dessas desordens à ourela de uma fronteira agitada fez sempre a mais prejudicial dissipação dos nossos esforços e do nosso valor.

Quando se traçar o quadro emocionante das nossas campanhas do sul, que vêm, desde as arrancadas na colônia do Sacramento, desdobrando-se numa interminável série de conflitos sulcados de armistícios e de desfalecimentos, ver-se-á que aos nossos melhores generais coube sempre o arriscadíssimo papel de uns tenazes e brilhantes caçadores de caudilhos e de tiranos irrequietos.

Felizmente, mudaram-se os tempos.

E certo não mais nos atrairão a dispendiosas aventuras aqueles estonteados heróis, singulares revenants, que nestes tempos de utilitarismo positivo exigem apenas, prosaicamente, e de acordo com a lição memorável de Francia, um termo de bem viver e uma cadeia.

 Fonte:
“Contrastes e Confrontos”. http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/

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Fran Martins (Almir)

Fran Martins
Um dia destes eu ia andando pelas ruas quando, ao dobrar a esquina, senti alguém segurar-me pelo braço:

– Não me conhece mais não? Não se lembra de mim? Eu sou o Almir – se lembra? Almir, aquele da Pedra Lavrada…

Lembrei-me, sim, de Almir – e imediatamente olhei para a sua mão esquerda. Sim, era ele mesmo, lá estava a mão esquerda sem o dedo mínimo, a mão que servia de atestado que ele fora, nos bons tempos, um dos meus maiores amigos – ele e mais o Clóvis, o Carrinho, o Janjoca, o Pedro, o Felinto. Éramos todos moradores da Pedra Lavrada, uma das ruas mais importantes do mundo, situada já quase nos subúrbios da importante cidade do Crato. E juntos dominávamos a rua, fazendo mil diabruras, metendo-nos em aventuras incríveis, com essa sobranceria de verdadeiros senhores que desafiam céus e terra não tanto para glória individual como para maior renome do seu reino.

                Quantos anos tínhamos então? Procuro em vão lembrar-me mas não sei. Meninos acostumados a gozar a liberdade admirável daquela rua de subúrbio, o que mais nos valia era a altura de cada um – e eu era um dos mais baixos, portanto dos menos temíveis. Almir, pelo contrário, era alto e forte, quase sempre nos comandava, tinha disposição para brigas, nadava bem. Saberia ler? Mas de que servia saber ler naquela época, se a nossa única preocupação era tomar banhos nas enchentes do rio, dar cangapés nos meninos das outras ruas, enfrentar, dominar o rio, mesmo quando as águas estivessem mais fortes, mesmo quando redemoinhos perigosos ameaçassem nos tragar?

                Foi num desses banhos que Almir provou a sua coragem e cresceu mais ainda na nossa admiração. Todas as vezes que o rio enchia, a rua se alvoroçava, a nossa turma perdia o juízo. E projetava-se imediatamente um banho longo, de duas horas, com mergulhos e saltos na água barrenta que passava pelos fundos de nossas casas, derrubando árvores e comendo as ribanceiras.

                Uma noite chovera bastante, com trovões e relâmpagos que nos acordaram. A água forte corria pelas biqueiras das casas e respingos caíam sobre nossas redes. Cada um de nós, enrolado nos lençóis, sonhava com o amanhecer, o raiar do dia que seria cheio de aventuras, como eram todos aqueles em que o rio tomava água.

                Mal amanheceu, nosso grupo se movimentou. Almir chamou-nos um a um – e acorremos ao seu chamado com entusiasmo e alegria. Foi então que Tia Aninha apareceu e, como sempre, gritou da porta da casa:

                – Felinto, Felinto! Não vá tomar banho no rio, Felinto!

                Mas Felinto, como sempre, não a ouvia – Felinto nunca ligava àquela velhinha que tinha tantos cuidados com ele. Escondeu-se atrás de Almir e esperou até que sua mãe entrasse em casa. Eu ainda murmurei, como se adivinhasse que alguma coisa triste ia acontecer:

                – É melhor você não ir, Felinto. Tia Aninha se zanga é comigo.

                Porque Tia Aninha confiava em mim e todas as vezes que não sabia do paradeiro do filho era para mim que apelava:

                – Você viu o Felinto, Fernando? Tome conta de Felinto, meu filho. Não deixe ele brigar, não deixe tomar banho no rio. Tenha cuidado com Felinto, Fernando.

                E eu quase sempre mentia, defendendo meu amigo, encobrindo suas faltas. Seria que Tia Aninha desconfiava? Ela acreditava em mim – mas julgo que, mesmo assim, ainda guardava certos receios de que eu a estivesse enganando. Mas eu era amigo de Felinto e gostava de sua companhia – por isso mentia, escondia suas faltas, muitas vezes dizia à Tia Aninha que me responsabilizava pelo que acontecesse ao Felinto, sem saber, por certo, a gravidade dessa promessa.

                E naquele dia fomos ao rio, que estava com as águas pelas barreiras. Em ocasiões como aquela o rio era perigoso – havia redemoinhos nas curvas, havia poços cavados pelas águas e que poderiam tragar qualquer um de nós. Mas para defender-nos contávamos com a nossa ousadia, com a valentia de Almir, com os nossos anjos da guarda – principalmente os anjos da guarda, que jamais abandonam as crianças.

                Fomos ao rio, mergulhamos, brincamos. E Almir dava cangapés, Felinto se afoitava, sem atender às recomendações que, vez por outra, timidamente, eu me arriscava fazer-lhe.

                Porque uma coisa me dizia que alguma desgraça estava para acontecer a Felinto. A voz de Tia Aninha não me saía dos ouvidos, triste, angustiada, nervosa:

                – Cadê o Felinto, onde anda o Felinto, Fernando? Meu Deus, que fim levou esse menino, que não aparece, não vem para casa?

                Felizmente Almir nos inspirava confiança, era corajoso, disposto, um dos maiores nadadores da Pedra Lavrada. Quantas vezes, no Poço das Mulheres ou na Batateira, Almir conseguira desbancar os mais velozes nadadores do Crato! Mergulhava e tinha fôlego, nadava de costas, de peito, de braço. E sempre estava decidido a se arriscar por um amigo, mais de uma vez deu provas disso, em acontecimentos que ficaram memoráveis na rua. Por isso eu ainda procurava abafar aquela voz que não me saía da cabeça, a voz da Tia Aninha, angustiada, nervosa, triste.

                Foi passado muito tempo, já quase quando nos dispúnhamos a abandonar o rio, que ouvimos aquele grito surdo. Imediatamente todos ficamos tomados de pavor e olhamos alarmados para o lugar de onde partira o brado. Então vimos Felinto aparecer à flor das águas, submergir, depois reaparecer, balançando doidamente a cabeça, agitando as mãos nervosamente e de novo, aos poucos, o seu corpo baixando, as águas tragando a cabeça, os braços, as mãos que nos acenavam, os dedos…

                Almir atirou-se na água imediatamente, nadando com rapidez para o lugar onde estivera Felinto. Lá chegando, mergulhou, mergulhou, mergulhou. Cada vez que retornava, uma centelha de esperança faiscava nos nossos olhos, para logo se desfazer e nos deixar numa angústia martirizante. Porque o corpo de Felinto não aparecia.

                Quanto tempo durou aquela luta? É impossível avaliar hoje. Almir nos parecia um gigante e o seu rosto tinha feições diferentes. Não, ele não podia deixar que Felinto morresse, ele era forte, disposto, havia de salvar nosso amigo. Foi justamente quando mergulhou pela última vez, passando um tempo enorme debaixo d’água.

                Nossos corações batiam fortemente, nossas pernas tremiam, tínhamos, com certeza, os olhos esbugalhados de medo, de terror. Aquele mergulho nos parecia a última esperança, o último esforço para salvar nosso amigo. Os olhos aterrados de todos estavam volvidos para o lugar onde Almir havia mergulhado – e sei que todos nós estávamos também apelando para os santos, para Deus, para os nossos anjos da guarda no sentido de salvarem o nosso amigo. Que diria Tia Aninha quando voltássemos e tivéssemos de contar-lhe que Felinto ficara, morrera?

                A cabeça de Almir finalmente surgiu – e vimo-lo, num esforço desesperado, nadando para a terra, o braço passado no pescoço de Felinto. Uma assombrosa angústia saiu de cima de nós – e já estávamos todos chorando, nós que nunca chorávamos em uma briga com as outras ruas. Temíamos que os dois tivessem se finado, que os espíritos maus que residem nos rios houvessem tragado os nossos amigos. Não, os anjos da guarda não os desprezaram – lá vinham Almir e Felinto, já estavam perto da areia.

                Foi então que notamos o estado do dedo de Almir. Ele nos disse, de maneira confusa, como encontrara Felinto debaixo d’água – enganchado em um toco, certamente sem sentidos. Por isso teve aquele trabalho enorme para tirá-lo. Porque, quando foi puxá-lo com mais força…

                Olhamos o dedo do menino: todo rasgado, os ossos aparecendo. O dedo enganchara no toco, parece que uma pedra caiu também por cima. Os pedaços da pele estavam dependurados e, vendo aquilo, quase esquecíamos Felinto, que ainda permanecia sem sentidos. Pedro deu uma vertigem justamente quando Janjoca virava Felinto para vomitar a água bebida.

                Almir foi levado para casa, apareceu um homem dizendo que era preciso cortar o dedo. Eu fiquei ao lado de Felinto, pensando no sacrifício que o outro fizera para salvá-lo. Iria ficar sem um dedo, como prova de sua amizade ao companheiro. Sem um dedo pelo resto dos tempos – mas salvara a vida de Felinto, salvara, quem sabe, até a vida de Tia Aninha.

                Depois de muito tempo Felinto voltou a si. Já era sol alto quando afinal nos dirigimos para casa. Então, ao passar pela rua, a voz de Tia Aninha soou aos meus ouvidos:

                – Onde anda Felinto, Fernando? Cadê esse menino, cadê meu filho, Fernando?

                E eu menti mais uma vez – a última vez posso assegurar. Disse à Tia Aninha que não vira seu filho – sem dúvida andava pelas outras ruas, pois não fora tomar banho conosco. E depois saí chorando para casa – como estaria o Almir, que iria acontecer ao dedo de Almir? E a voz de Tia Aninha não me saía da cabeça:

                – Cadê meu filho, cadê Felinto, Fernando?

                Agora Almir está a meu lado, sorri alegre, contente porque me lembrei dele. Olho de vez em quando para a sua mão esquerda – como eu poderia jamais esquecê-lo, se já naquele tempo Almir era um grande homem? Abraço-o com satisfação, bato-lhe no ombro, tento recordar algumas passagens de nossa vida de meninos na mais importante rua do mundo, naquela importantíssima cidade do Crato. Mas enquanto Almir responde às minhas perguntas e me conta como tem levado a vida no decorrer desses anos – é a voz de Tia Aninha que eu ouço, angustiada, nervosa, triste:

                – Cadê meu filho, cadê Felinto, Fernando? Onde anda esse menino, que fim levou meu filho, Fernando?

(Fran Martins, Noite Feliz, 2ª ed. Fortaleza, CE, edição UFC/Casa de José de Alencar, 1999)

Fontes:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Fran Martins

Francisco Martins (Iguatu, 1913 – Fortaleza, 1996) desde muito cedo revelou vocação para o jornalismo e a literatura: colaborou em inúmeros jornais do Ceará e de outros Estados, tornando-se mais tarde uma das figuras principais do grupo e da revista Clã, cujo nº. 1 surgiu sob sua direção. Professor da Faculdade de Direito do Ceará, consagrou-se como autor de obras jurídicas, conhecidas nacionalmente. Sua obra literária se realiza no campo da ficção; contos: Manipueira (1937), Noite Feliz (1946), Mar Oceano (1948); romances: Ponta de Rua (1937), Poço dos Paus (1938), Mundo Perdido (1940), Estrela do Pastor (1942), O Cruzeiro Tem Cinco Estrelas (1950) e A Rua e o Mundo (1962); novela: Dois de Ouros (1966).

Analisando-se os contos de Fran Martins, percebe-se o quanto a utilização de determinada técnica de narração pode fazer com que uma obra literária seja desviada do caminho da vulgaridade ou da mediocridade e chegar ao leitor envolta numa aura muitas das vezes de sublimidade. Assim, veja-se o conto “O Amigo de Infância”, primeiro do livro de título homônimo. Dois homens (Chico e Gustavo) se encontram numa rua, relembram a infância, dirigem-se a um café, continuam falando do passado e, finalmente, se despedem. Apenas isto. Seria uma história insossa, menor, não tivesse Fran dado à forma de narrar um tratamento refinado. Até o desenlace do conto seria trivial, com a última fala, a do garçom, de feitio anedótico. Mesmo sendo o desfecho da história, o arremate moral, a dar à narrativa um tom realista, próximo do naturalismo – o retrato do caráter de um dos personagens. O contista apresenta, pode-se dizer, três planos de narrativa: 1º) o do encontro dos dois homens na rua; 2º) o dos destinos dos amigos de infância, com a narração concisa de alguns fatos; 3º) o do episódio da queda de uma professora, causada pela ação de um menino, de consequência muito relevante. Diante disso, o contista poderia ter optado por narrar apenas o último plano, recheando-o com o segundo. Poderia ser na primeira ou na terceira pessoa. O narrador poderia ser Chico ou Gustavo, ou, ainda, um narrador onisciente. Teríamos, provavelmente, um conto como milhares de outros, sem a menor possibilidade de fazer o leitor se emocionar, meditar, desejar reler a história. Poderia o contista também ter criado um quarto plano: o narrador (em monólogo interior, talvez), em outro espaço (sala, quarto), sozinho, narraria o encontro com o amigo de infância e todo o passado. E seria guindado à condição de protagonista. No entanto, Fran Martins realizou um conto de alta qualidade, ao dar ao personagem-narrador (Chico ou Fran) um papel secundário na trama. Isto fica evidente desde os primeiros momentos do conto, quando uma voz, numa Rua do Crato, grita por seu nome. Esta voz (de Gustavo) será a do protagonista (o que especula, pergunta, revolve o passado, convida para um café e, finalmente, conta a verdade sobre a queda da professora). Para realizar o conto, Fran Martins se valeu de três expedientes ou tipos de linguagem: a narração, em primeira pessoa, de um passado recente; os diálogos diretos e indiretos (de dois tempos, o da narração principal e o do tempo do episódio central da história); e o flash-back (narração e diálogo). A narrativa parece ter apenas dois personagens: Chico, o narrador, e Gustavo. E ao leitor parecerá desde o início ter no primeiro o protagonista. Aos poucos irão surgindo, na fala dos dois, outros personagens, os amigos de infância. Não terão, porém, nenhuma importância na trama, não passando de meros figurantes. Exceto um deles – o garoto acusado de ter deixado em falso a cadeira da professora, de que resultou uma queda, uma cambalhota e, em consequência, um defeito físico na mestra. Já o tempo do encontro dos dois amigos de infância se dá num lapso de minutos, numa rua, num café. Tempo suficiente para que recordem parte do passado, a infância, trinta anos atrás. Este segundo bloco será narrado no diálogo direto, no diálogo interior de Chico e em flash-back (narração) e será o mais relevante na trama. Tanto isso é verdade que, como dito, o conto poderia ter sido escrito sem o encontro dos dois amigos. O diálogo direto já apresentava um toque de modernidade, sem aqueles impertinentes “disse fulano”, “respondeu sicrano”. E o tempo histórico? Há pelo menos dois momentos no conto dos quais é possível extrair uma resposta para esta pergunta. No primeiro, quando os dois relembram os amigos de infância e Gustavo fala: “Sérgio foi cangaceiro, fez parte do grupo de Asa Branca”. No segundo, ao lembrarem uma das meninas, Helenita, a quem os meninos ofereciam berloques. Em suma, o drama do conto se situa na cidade do Crato, no Cariri cearense, nos primeiros anos do século XX.

Na opinião de Braga Montenegro, “o atributo dominante da obra de Fran Martins é a lógica.” E acrescenta: “A sua atitude literária é sempre infensa à tendência moderna de erguer e sublimar os fenômenos artísticos a um plano essencialmente teórico ou intelectual, o que muita vez implica na efetiva negação da veracidade de certas leis da vida, mas, ao mesmo tempo, eleva o pensamento criador a evidente plenitude de domínio e eficácia. O mundo em que o escritor coloca a ação de seus romances e de seus contos é um mundo de observação, mais que de concepção; de imagem, mais que de símbolo; de percepção, mais que de intuição”. Em outro parágrafo o crítico faz a seguinte análise: “Se nos contos de Manipueira (1934), seu livro de estreia, encontramo-lo preocupado com assuntos regionais, com os aspectos anedóticos do fanatismo e do cangaço, vemo-lo agora atento aos temas poéticos, palpitantes de vida e humanidade (…)”

O conto “Amar… Brando… Claro”, muito sugestivo, é narrado pelo protagonista, num tempo e num lugar indefinidos. No primeiro conto o leitor sabe, pelo menos, que o conflito central se deu há, pelo menos, trinta anos. Neste, não sabe o leitor em que tempo Ricardo narra uns episódios de sua infância. No primeiro, as duas personagens se encontram e dialogam, neste há somente a narração do protagonista, com poucas falas de uma personagem secundária, a professora, e, no desfecho, de uma tia de Ricardo, a anunciar a morte de Julinha e João Guilherme, afogados no rio.  Enquanto o desenlace de uma narrativa não apresenta nenhum traço de tragédia, eis que ocorrida no passado, o desta é exatamente uma tragédia.

O título é um achado surpreendente. O narrador se apaixona por uma colega de escola, Julinha, menina de 12 anos. Após viver no sítio do pai, a lidar com o trabalho no campo, Ricardo chega à cidade, decidido a estudar. Para que o conflito se formulasse, o contista pôs no palco o raquítico, porém inteligente, João Guilherme. Nessa época as crianças aprendiam o alfabeto num livrinho intitulado “Carta de ABC”. As primeiras palavras eram “Amar”, “Brando” e “Claro”. A narração de Ricardo é toda ela um encadeamento de palavras e símbolos: amor, brandura e clareza, ao contrário das águas do rio e do poço e do destino de Julinha: apenas uma notícia trágica.

No ensaio “Diálogo Intratextual: A Ruptura da Normativa” (Apologia de Augusto dos Anjos e Outros Ensaios), F. S. Nascimento assim se refere a Fran: “Possuindo boa leitura da moderna prosa de ficção em língua inglesa, conhecendo no original Sherwood Anderson, John dos Passos, Ernest Hemingway e outros, presume-se que Fran Martins tenha se inspirado nas lições dos mestres estrangeiros para realizar a experiência que seu novo livro de contos encerra.” Mais adiante comenta: “Ao escrever “Cão Vadio” (Noite Feliz, 1946), Fran Martins  já demonstrava seguro domínio dos elementos fundamentais da moderna ficção, tais como o fluxo da consciência, a voz ou reflexão solitária, o flashback etc.” Em outro parágrafo o crítico apresenta mais argumentos a favor do conceito de modernidade na obra de Fran Martins: “O que se admite por mais ousado no diálogo de alguns dos novos contos de Fran Martins está, de fato, na ruptura extrema da normativa,  sendo rejeitada até a aspa simples”.

Em “Ventania” muda novamente o contista o rumo de sua arte de narrar. Aqui o protagonista é o narrador, sem nenhuma dúvida. E por que o nome do cavalo como título? O cavalo seria o elo de ligação de dois mundos: o do narrador e o das outras duas personagens (o pai e a mãe). Ventania seria também a causa do alvoroço do narrador, um vento forte a lhe varrer a inocência.

O conflito vai sendo apresentado de forma sutil, na visão do narrador, um menino. E tudo é presente, isto é, não há passado anterior. O drama é narrado linearmente, embora na voz pretérita, porém sem flash-back. Tudo se passa em poucos dias, de forma acelerada, como numa corrida. Apesar disso, a narração é lenta, comedida, sem atropelos, correrias. Nos contos anteriormente citados, as personagens se deslocavam pela rua, pela escola, pelas margens de um rio, pela cidade. Neste, o narrador vai ao quintal, volta ao quarto, gira ao redor de si mesmo, até quando vai à escola. Faz voltas ao redor de sua dor, embora seu pai saia a cavalo, em busca de outra mulher, e sua mãe chore pela casa.

Cada frase converge para o desfecho: o pai a selar o cavalo, o pai calado, indiferente ao filho e à mulher, a mãe a discutir com o pai, os murmúrios nas ruas, a conversa com a menina Mirian, o bilhete, a morte do cavalo. Ou desde o título, o nome do cavalo, até a vingança da mulher traída, ao envenenar o cavalo, o transporte do marido à casa da amante. Não há diálogos, a não ser no final, após o envenenamento do animal: do narrador com o pai e do pai com a mãe. Breves diálogos diretos, ainda sem os tradicionais “fulano perguntou”, “sicrano respondeu”.

Caio Porfírio Carneiro escreveu: “Fica a impressão – mais que isto: a certeza – de que a força narrativa do romancista sempre lhe deu sinais, como uma pilha que se não apaga, de que o conto sempre o chamou de volta, e para ele sempre voltou. Não com o ímpeto do romancista, mas com o carinho do cinzelador. Eis porque deixou páginas preciosas de ficção curta”.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Aparecido Raimundo de Souza (A Ceia dos Miseráveis)

Wagner chegou sorrateiramente na zona mais rica da cidade.

Entrou por uma estreita cheia de casas e ruelas. Antes de seguir em faminto, a fome descomedida de dormir cansado, e, de frente querendo comer, comprido espiou. Qualquer goela abaixo que colocasse porcaria à dentro, estancaria, o apetite aguçado e acalmaria, sobremaneira, o extenuado do corpo espírito. Mas não tinha uma calça nos fundos do PF, para entrar num bolso. Sequer um tostão com restaurante a bife a cavalo, para pedir um simples de arroz por mais acebolado que fosse. Ou na padaria, e pisar na seção do tamanho daquele lanche que,  constrangedor ao corredor, mandava pra dentro a fúria e contemplava a felicidade cheia do sujeito pleno. As noites (embora passasse da meia cara) estavam apinhadas de feias, com ruas de criaturas formando uma espécie de sorumbática, de rústico no quadro do pintor de favela, onde o azul, no invólucro oco do estranho, naufragava distante, num aquém de fronteiras sem moldura.

A hora atropelava, ou melhor, o relógio não existia, se fazia presente numa louca realidade como um compressor de rolo a trator esticando o asfalto novo. E as guloseimas, o estabelecimento, na parte da calçada, plantado de oposto a envidraçados pomposos e cheios de rebusques, bem ali, a sua, suspendia, à frente e agora, a barriga roncava os dentes e rangia nervosamente o estômago. Os olhos verdes da fome, esmaecidos pelo vazio negro de Wagner e, desmesuradamente silenciados pelos abertos, gritavam terror numa indecifrável de atitude imposta da mais pura das misérias. Na verdade, choravam pelos fustigados a cotovelos soltos, em vista das dores fortes e imensas e também por verem o malfadado vegetar, um rapaz de verme e asqueroso, de viver, enfim, num degradante Deus, como se não fosse reino filho da estonteante desolação.

Coitado do seco! Pobre Wagner! Magro, esfarrapado, esquelético, estruturalmente esfaimado e deprimido. Alma interrompida, submissa, mansa, vexada, desprezada e entupidas de diversas as mais maltrapilhas. Em quadro a parte, cicatrizes pela profusão salpicadas em epiderme. Pedaço infeliz sustentando em adversas, um punhado de hostis. Mesquinhas também de chagas incomuns, repletas de mazelas e incisões incuráveis. À sua dúzia, meia volta de rodas com cabeças pingadas, estendiam pouco caso disfarçados de meros transeuntes. Não contentes, faziam aparências de suas chacotas. Jogavam risos ao ar. Franqueavam os molares a abertas piadas, onde igualmente, bocas de menosprezos e lábios fartos de escárnios, vomitavam enxurradas de resquícios absurdos. Para a frieza da proporção aumentar o medonho, alguns viravam as máscaras pela vergonha, ocultando os avessos do acanhamento. E João simplório, ali no ir, sem ter para onde no meio, de modos bebia com ímpetos ninguém. Em paralelo, sonhava o resto dos lábios abatidos no refrigerante bem vestido e gelado, que escorria do preto de terno indivíduo. Em passo igual, devorava a fatia da moça que ensaiava levar um aspirador na ponta da pizza como um garfo maluco e descontrolado de modos igual mussarela. A boca sugava como Wagner, um self-service, ao passo que, no imenso esfaimado, com mil e  uma espalhadas, as mesas ensaiavam, ordenadamente postas, umas ao lado das outras, a transgressão impura do irreal jamais imaginado.

Todavia, passava ao Wagner, a valentia dos longes ousados.   A  coragem  destemida  dos  agás  maiúsculos, igualmente, fazia voar para longe o distante do homem. Faltava, na força da fera, o tigre dos decididos, para saltar como um sangue em busca da presa enjaulada. O destemor dos pés, para meter as portas num dos loucos de acesso ao enorme salão — ou das janelas que o arejavam e se servir a estômago vazio, abundantemente, até entulhar o entediar dos cantos do organismo. Sempre nesses trágicos de abatimentos, pingares de desânimo molhavam as roupas maltrapilhas, encabulava, vexava, constrangia Wagner, com inclinações para a extenuação e o esmorecimento degradante. Vinha a venturosos, a magnificência dos dias a mente em polvorosa. Recordava suntuosa a trechos de aventurança. Cidadão de pele ostentava nas posses de orgulhoso o respeitável empresário e senhor centena de um absoluto de bens materiais. Carros com mansões, piscinas do ano, apartamentos de mar a poucas quadras de cobertura. Mulheres movidas a pau e dinheiro a dar com frases bonitas. O tudo, no entanto, pertencia ao passado. Chorar sobre os sapatos seria regressar pisando no leite escorregadio e pegajoso por estarem nus e calejados de azedo. Um misto se toldou com fisionomia de frustração deteriorada o seu presente tão ontem, mas ele, vencido, soube conter a garganta que apertava de ímpetos intransigentes. Determinara a si não mais sofrer motivos fosse, ou se curvar, atabalhoado, a enterradas em severas e sofríveis pendências.

Todavia, o que tomar? Que atitude fazer? Meter os costados certeiros na frente de uma bala em movimento? Jogar a solidão de um trem diante de um prédio sem cabeça de vida? Pular de uma bacia no cume de frutos comestíveis, ou, por sobre uma árvore de água fervente? Bosta! Merda! Não deixava de ser a vontade, a falta de altivez, para escolher, animadora com um final louvável e decente. Naquela improvável, qualquer iminência pareceria tão real como subir de matéria plástica pingenteado num aviãozinho aos céus sem infinito. Enquanto melhor matutava o que seria saudável para sua mesquinha, Wagner se propôs a dar próprio de si cabo. Não propriamente ensaiar, mas a morrer aos poucos, a doses pequenas. Fugir de vez, deste cão mundo, dando uma ligeira espiada no outro lado, experimentando incertos postes, escorregando aqui e acolá, segurando nas voltas e dando carros em tropeções. Uma verdadeira selva de motores e sons de bestas pré-históricas resfolegavam festas como buzinas ensurdecedoras. Logo, entretanto, avistou uma encruzilhada adiante. Nesse encontro de surpresas, deparou artérias como a de uma betesga ao Deus dará. Sorriu com os dentes cheios de cara e os olhos de fome vazios pela boca podre. Caminhou para lá (esse assunto de depois ficaria para morrer) levando um transito medonho para driblar a eternidade nas costas. Ao galgar os músculos fronteiriços, o que enxergou fizeram as calçadas irrequietas por onde passou darem assombros de urros.

Detritos de mesas postas pelo chão espalhados, se perdiam em farturas, com alimentos ao léu, jogados ao mais diverso. A toalha de conforto, forrando o cimento, transmitia o regalo da doce sensação. Esparramados, a bel-prazer, guimbas de batons se confundiam com finais de cigarros sujos, deixados por carreiras partidas com alguém a passos ligeiros. Igualmente, garrafas de latas amassadas, cervejas de refrigerantes quentes com sobras consideráveis. Tudo ali. Ao alcance. Ao seu poder de sedução. Pães, pedaços de bolo, tortas e sanduíches variados. Muita pipoca. Também, taças de velas, champanhes acesas e charutos de cores diversificadas. O Altíssimo olhou para Wagner, compridamente, e deu graças ao escuro do firmamento numa prece fadaria pelo anã de topar com uma sorte de delícias tremendas largadas ao esburacados dos suas cáries, explodindo dentes aterradores. Um leque de alegrias lancinantes e de contentamentos desembrulhou-se num grito de aprazimento e agrados, enquanto o degustar lamuriante e febril suplicava o que mandar contrariado para a pança correndo. Finalmente, daria semana daquele cabo maldito (talvez mais) de abstinências as privações na mais completa horrenda. Necessitava, pois se aproximar ligeiro, se abeirar, tomar definitiva de tudo a posse, o que lhe caíra às mãos como uma debilitada e fartar o organismo em dádivas.

Por certo, em cada latinha, em cada prato, nascia sorrateira, a  esperança venturosa, ajudando, como a Fênix, o equilíbrio a manter das cinzas e fazer com que o saco mitológico continuasse fora do humano. Em face desse iluminado, Wagner, festim (sentia-se como um escolhido de Deus), penteou a camisa e empertigou os cabelos.

Alisou ligeiramente a calça rei igual um mocambeiro na sua rota trapagem de indigente.

Quem na azáfama ali o visse, diria que estariam reunidos num regozijo, os banquetes de todos os amigos. Os inseparáveis das farras peladas nos clubes da alta sociedade e das moçoilas e mocetonas de sábado, que juravam por um dólar furado fidelidades de mentira e amor com gosto de eterno. O fidalgo, só, estava, entretanto. Completamente ao arrepio do acaso. Seus nadas tomariam parte em parceiros. Somente a solidão pungente, a noite enfadonha, a lua circunspecta e o vento encerrado nas limitações de uma amenidade sufocante. De repente reunidos e perfilados, chegados, quem sabe de guetos e subterrâneos longínquos, centenas de personagens os mais aterradores brotavam de buracos horríveis disputando um lugarzinho. Gatos, cachorros, ratos, baratas, parasitas e lombrigas imundas formavam uma espantosa e evidente desigual família, mas uma prole digna de ser contemplada. Wagner sorriu para esses novos camaradas ao tempo que abria os braços como anfitrião de primeira linha.

— Sejam bem vindos. Fiquem à vontade!…

Sentou a tranquilidade perto de um velho tambor de delongas, e sem mais lixos serviu-se calado, meticuloso. Os camundongos o imitavam nos movimentos mais requintados. Os felídios, indiferentes, assustavam-se com os voos curtos dos ortópteros. Uma leve, inervante e ávida chuva de paciência, esperava, com pernilongos de mosquitos, a oportunidade de sugar os alheios daqueles braços de mendigo emplumado às coisas que aconteciam a sua volta. Vencido pelo destino, Wagner naquele transitório queria só o páreo de estancar, estancar, estancar. Comer, na verdade, a gula apertada e irritante que o definhava gradativamente, pouco a pouco, como doença incurável e maligna.

Fonte:
SOUZA, Aparecido Raimundo de. Havia uma ponte lá na fronteira. São Paulo: Ed. Sucesso, 2012.

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Rodolpho Abbud (1926 – 2013)

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Arquivado em homenagem, Rio de Janeiro, Trovas

Rodolpho Abbud (1926 – 2013)

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26 de novembro de 2013 · 19:28

José Feldman (Universo de Versos n. 129)

Uma Trova do Paraná

JOSÉ REGINALDO PORTUGAL
Bandeirantes


Hoje estamos separados…
e o destino, a fazer graça,
mostra os “corações gravados”
no pinheiro lá da praça! …
============================
Uma Trova sobre Ecologia, de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ


Não há recursos que domem
predação de tal grandeza,
quando é a própria mão do homem
que destrói a Natureza.
============================
Uma Trova do Izo

IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS 1932 – 2013 São Paulo/SP


Virtude  é fazer o bem
pelo prazer de fazê-lo,
mesmo sendo para alguém
que não fez por merecê-lo.
============================
Uma Trova Lírica/ Filosófica, de Porto Alegre/RS

FLAVIO ROBERTO STEFANI


Em ternura plena e extrema,
nossos sonhos se cruzaram.
E a noite se fez poema…
E os versos também se amaram!
============================
Uma Trova Humorística, de Caçapava/SP

ÉLBEA PRISCILA DE SOUSA E SILVA


Morre a sogra do Herculano,
e o mesmo, por prevenção,
para que não haja engano,                          
põe cadeado no caixão!
============================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN 1951 – 2013 Natal/RN


Nenhuma voz é afinada
e de entonação tão bela,
igual a da passarada
que canta em minha janela…
============================
Uma Trova Hispânica, da Argentina

MARGARITA MANGIONE


En Navidad las estrellas,
lucen igual que diamantes,
se ven más grandes, más bellas,
mas nítidas y brillantes.
============================
Uma Trova Ecológica sobre Queimada, Do Rio de Janeiro

J. STAVOLA PORTO


Labaredas,nas queimadas
da floresta em combustão,
lembram mãos agoniadas,
rogando aos céus proteção.
============================
Trovadores que deixaram Saudades

RODOLPHO ABBUD
Nova Friburgo/RJ (21 outubro 1926 – 25 novembro 2013)


Aos Teus pés eu me ajoelho,
erguendo graças Senhor!
– Quem me dera ser espelho
para a Luz do Teu Amor!
============================
Uma Trova do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ 1916 -1977 Santos/SP


Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves
como a trova nos faz bem.
============================
Um Haicai de São Paulo/SP

GUILHERME GUIMARÃES

Ao amanhecer
O passarinho canta
Na relva, geada!
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Uma Trova da Rainha dos Trovadores

LILINHA FERNANDES
(Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva)
Rio de Janeiro 1891 – 1981


Esperança, és bandoleira,
mas és também sol doirado,
de luz a única esteira
na cela de um condenado.
============================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)

Poetas Velhos


Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.
============================
  O Universo das Glosas de Gislaine

GISLAINE CANALES
Porto Alegre/RS

Glosando MIGUEL RUSSOWSKY
Vai-se a Vida… O Sonho Fica…

MOTE:
Vai-se a vida, o tempo avança,
tudo muda, o globo roda,
mas com lastros na esperança
sonhar nunca sai da moda.

GLOSA:
Vai-se a vida, o tempo avança,
sem ter piedade, inclemente,
sufocando até a criança
que temos dentro da gente!

Ao chegar um novo dia,
tudo muda, o globo roda,
traz mais pranto que alegria,
e o prazer de viver, poda!

Temos somente a lembrança
dos bons momentos vividos,
mas com lastros na esperança,
fa-lo-emos renascidos!

Sonhar traz felicidade,
o sonho não incomoda,
pra sonhar, não há idade,
sonhar nunca sai da moda.
============================
Uma Trova do Rei dos Trovadores

ADELMAR TAVARES
Recife/PE 1888 – 1963 Rio de Janeiro/RJ


Trovas, – cantigas do povo,
alma ingênua dos caminhos
de lavradores. . . cigarras …
mulheres… e passarinhos …
============================
O Universo do Haicai de Seabra

CARLOS SEABRA
(São Paulo/SP)


louco desafio:
comer fubá e cantar
o sole mio!
============================
Galáxia Haicaista da Benedita

BENEDITA AZEVEDO
Magé/RJ (1944)


Quietude na praia –
Só a aragem da manhã
E o rumor das ondas.
============================
O Universo Poético de Emilio

EMÍLIO DE MENESES
(Emílio Nunes Correia de Meneses)
Curitiba/PR (1816– 1918)

Trapo

Esta que outrora o linho da cambraia
Na pompa da ostentosa lençaria,
– Folhes e rendas que à secreta alfaia
Ornavam com capricho e bizarria

– Era camisa – e que hoje a nostalgia
Sofre do tempo em que entre a pele e a saia
O perfumado corpo lhe cingia, –
Era ao possuí-la, a última atalaia.

Trampo que encerras o ebriante aroma
Do seu colo moreno, poma e poma,
Ora em tiras te vejo desprezado.

E mais te quero, e mais te achego ao peito
Trapo divino! Símbolo perfeito
De um coração por Ela espedaçado.
============================
Universo Trovadoresco de Cornélio

CORNÉLIO PIRES
Tietê/SP (1884 – 1958) São Paulo/SP

Criação


Deus criou o homem na terra
À sua imagem Divina
Mas não falou quando é
Que esse trabalho termina.
=================================
O Universo Poético de Sardenberg

ANTONIO MANOEL ABREU SARDERNBERG
São Fidélis/RJ (1947)

Beijo Perdido


O tempo passa rápido demais,
Levando na bagagem mais um dia,
Deixando uma saudade para trás
Que a gente nem ligava e percebia.

Levou aquele abraço que não dei,
O beijo que eu tanto quis um dia,
Deixou em seu lugar melancolia,
Tristeza por não ter o que sonhei.

E o tempo, quando vai, nunca mais volta.
Não adianta a gente lamentar
E nem ficar curtinho essa revolta.

Abraço que escapa não tem volta,
Beijo perdido não se recupera,
Não adianta o ódio nem a ira…
Desejo que o tempo levou – já era!
============================
O Universo Poético de Cecília

CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio de Janeiro/RJ (1901 – 1964) Rio de Janeiro/RJ

De um Lado Cantava o Sol


 De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .
============================
O Universo Melódico de Assumpção

MARCOS ASSUMPÇÃO
(Marcos André Caridade de Assumpção)
Niterói/RJ

A Porta


é sempre assim
todo dia você se prepara e sai
não esquece a bolsa as chaves os jornais
mas nunca me pergunta como vai o amor

pode ser que no momento de atravessar a porta
você pressinta o quanto nos tornamos sós
a luz do sentimento quase se apagou

ai então, vera que o amor não e´ um filme
e como as rosas de um jardim que você deve regar
solidão a dois agora mais do que parece
precisamos enxergar antes da porta fechar
============================
Constelação Haicaista de Marins

JOSÉ MARINS
Curitiba/PR


dois piás na fila
tão brancos como o sorvete
sabor de baunilha
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O Universo Sonetista de Alma

ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)

Testamento


Ao vento não lancei os meus desejos,
Mas em versos ritmados no papel
Para em rimas plasmar os meus ensejos
E os caprichos, tantos, em tropel

Formando com eles as milícias
Dos meus sonhos loucos de poeta,
Não só os dos gozos de delícias
Mas também os místicos, de asceta.

Talvez só seja ingênua aspiração
De restar ao menos no papel
Por mais de uma futura geração…

Para quê? me perguntam amiúde
Os que apostam da matéria a finitude
E descrentes acreditam só no céu…
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Uma Poesia do Rio de Janeiro

GILKA MACHADO
(1893 – 1980)

Saudade


De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?
De quem é esta saudade,
de quem?
Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo…
E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo…
De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?
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Universo Trovadoresco de Joubert

JOUBERT DE ARAUJO E SILVA
Cachoeiro do Itapemirim/ES (1915 – 1993) Rio de Janeiro/RJ


Cessa a luta na colina…
E Deus, ante o horror da guerra,
põe o algodão da neblina
sobre as feridas da terra.
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Constelação de Versos de Paccola

RENATA PACCOLA
 São Paulo/SP

Tuas palavras

Tuas palavras
continuam em meu peito.

Teu perfume
continua na minha cabeça.

Teu sorriso
continua em meus olhos.

Teu presente
continua em meu passado.
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Velhas Lengalengas e Rimas do Arco-da-Velha Portuguesas

CHICA LARICA


Chica larica
 De perna alçada
Comeu uma galinha
Na semana passada
Se mais houvesse
Mais comia
Adeus senhor padre
Até outro dia

http://luso-livros.net/
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O Universo Poético de Quintana

MARIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994)

Da Felicidade


Quantas vezes a gente, em busca de aventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!
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Constelação Poetrix de Goulart

GOULART GOMES
Salvador/BA (1965)

Pedra de Sísifo


subir escadas, descer ladeiras
sempre haverá
uma segunda-feira
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 O Universo de Pessoa

FERNANDO PESSOA
(Fernando António Nogueira Pessoa)
Lisboa/Portugal   1888 – 1935

“Se alguém bater um dia à tua porta”


Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta
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O Universo Poético de Vinicius

VINICIUS DE MORAES
(Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes)
Rio de Janeiro (1913 – 1980)

Como dizia o poeta


Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não
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O Universo de Félix

AFONSO FELIX DE SOUSA
Jaraguá/GO (1925– 2002) Rio de Janeiro

Sonetos Elementares

I


Aqui estou, um pássaro exilado
do mundo que criei à minha imagem.
Estou como meus pais, entre horizontes
de pobres paredões e frutos podres.

Em meio à cerração ouço esses passos
que ao comando do medo ou do desejo,
meu destino constróem singrando as horas
que de um silêncio vão a outro silêncio.

Por detrás brinca a infância – na planície
a se estender até a encosta em brumas
onde o corpo rolou, deixando as mãos,

as mãos que soltam no ar as aves bêbadas,
que com as asas colhidas na planície
sobrevoam cidades em ruínas.
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O Universo de Auta

Auta de Souza
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN


Eu quero bem às crianças
porque não sabem mentir:
são pombas lindas e mansas,
passam na vida a sorrir.
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Constelação de Haicais de Haruko

HANA HARUKO
(Clevane Pessoa de Araújo Lopes)
Belo Horizonte/MG


Sons de flauta doce:
Murmúrios edulcorantes
– Vento no bambual…
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Galáxia Triversa de Posselt

ALVARO POSSELT
Curitiba/PR


a letra A tremeu na base
ao topar com outro A
teve uma crÀse
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O Universo de J. G.

J.G. DE ARAÚJO JORGE
(Jorge Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC 1914 – 1987 Rio de Janeiro/RJ

Desastre


Chegou o momento em que terei que ser um super-homem
para arrancar-me aos destroços de nosso desastre…

Ou morrerei preso às ferragens
a debater-me à vista de todos,
sem socorro…
…………………………………………………………………..

Quanto a ti,
saberás talvez da minha morte
pelos jornais…
============================
Um Soneto de São Paulo/SP

DEBORA MARTINS FONTES

Desabafo

 Aqui estou eu, em plena madrugada,
 tentando escrever uma poesia,
 me sinto só e abandonada,
 repleta de enorme melancolia.

 Penso em você e começo a chorar,
 tento esquecer para me livrar do sofrimento,
 quando penso que tudo vai passar,
 lá está você novamente em meu pensamento.

 Me deito e procuro dormir,
 depois de horas venho conseguir,
 mas acordo antes de amanhecer,

 e recomeça todo o meu sofrer.
 Volta toda a solidão e melancolia.
 Percebo que te amo até mesmo em poesia.
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O Universo das Setilhas do Zé Lucas

ZÉ LUCAS
(José Lucas de Barros)
Natal/RN (1934)


Guardo ternas lembranças do passado,
com o encanto de tudo que era meu:
a menina singela e tão bonita,
sem adornos de loja ou camafeu.
Nos seus lábios, a vida me sorria;
nos seus olhos românticos, eu lia
um poema que nunca ninguém leu.
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O Universo Poético de Constantino

LÚCIA CONSTANTINO
(Maria Lúcia Siqueira)
Curitiba/PR


Nossa Senhora dos Sonhos 

Maria,
Há quanto tempo olho as nuvens,
esperando ver-Te numa estrela despertada
em pleno dia.

Há quanto tempo
deixei de contar ao sol os meus sonhos
porque a chuva sempre me surpreende
a caminho do Teu olhar.

Há noites, Maria,
em que penso ouvir Tua voz
na harpa que o vento toca nas ramagens
e meus ouvidos assemelham-se à terra
aguardando a semente que gerará a primavera.

Maria, Maria….
um a um os anjos me dizem de Ti
quando mal distingo as luzes do dia
entre as brumas dos meus olhos.
Vejo-os brincarem ao nascer de cada dia,
vejo-os rolarem pela grama e latirem para mim
seu bom dia de amor.

Eles me dizem de Ti
em cada pétala que o vento leva,
em cada pássaro que me sorri
do beiral do mundo, me dizendo
estou aqui esperando a chuva passar
para cumprir a vida.

Maria,
Mãe de todas as cores
do arco-íris por onde caminham os sonhos,
da Tua luz sobre a noite mais brilhante,
doa-me o sentir cada novo dia
como aquela Tua Noite de Paz.
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O Universo Poético de Bilac

Olavo Bilac
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
Rio de Janeiro/RJ (1865 – 1918)

Por estas noites

Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas

Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida …
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:

Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas … um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes …

E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.
============================
O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG (1902 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

Poema do Jornal


O fato ainda não acabou de acontecer
e já a mão nervosa do repórter
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
A mulher ensangüentada grita.
Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve.

Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.
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UniVersos Melodicos

Herivelto Martins e Grande Otelo

PRAÇA ONZE
(samba/carnaval, 1942)

Delimitada pelas ruas de Santana (a leste), Marquês de Pombal (a oeste), Senador Euzébio (ao norte) e Visconde de Itaúna (ao sul), a Praça Onze existiu por mais de 150 anos. A princípio denominada Rocio Pequeno, depois Praça Onze de Junho (data da Batalha de Riachuelo), tornou-se, nas primeiras décadas do século XX, o local mais cosmopolita do Rio de Janeiro.

Em suas redondezas misturaram-se imigrantes espanhóis, italianos e judeus de várias procedências com milhares de negros, na maioria oriundos da Bahia. E foram os negros que transformaram a Praça Onze em reduto de sambistas, ao usarem o seu espaço para os desfiles das primeiras escolas de samba.

Em 1941, quando a prefeitura começou as demolições para a abertura da Avenida Presidente Vargas, que extinguiria a praça, Grande Otelo teve a idéia de protestar em ritmo de samba. Ótimo ator, mas letrista medíocre, ele escreveria uma versalhada sobre o assunto, que mostrou aos compositores Max Bulhões, Wilson Batista e Herivelto Martins, sem lhes despertar o menor interesse.

Mas Otelo era teimoso e Herivelto, para se livrar dele, compôs o samba em que aproveitou a idéia, desprezando os versos. Diga-se de passagem, que na época os dois trabalhavam nos cassinos da Urca e de Icaraí, atravessando todas as noites a Baía de Guanabara, numa lancha que fazia a ligação entre as duas casas.

Foi numa dessas travessias que Herivelto começou a escrever “Praça Onze”. Acontece que a composição – anunciando o fim da praça e dos desfiles e, de uma maneira comovente, exortando os sambistas a guardarem os seus pandeiros – superou as expectativas do autor, sugerindo-lhe uma gravação diferente, em que se reproduzisse o clima de uma escola de samba. E assim ele fez, tendo a novidade se tornado padrão para a execução de sambas do gênero.

Além do canto, no estilo “empolgação”, a cargo do Trio de Ouro reforçado por Castro Barbosa, foi primordial para que se estabelecesse tal clima o uso destacado de três elementos rítmicos – o tamborim, o apito e o surdo. Até então, o apito era usado nas escolas de samba somente como elemento sinalizador, para comandar o desfile. Sua função rítmica, sibilando em tempo de samba, foi uma invenção de Herivelto, lançada nesta gravação.

Por tudo isso, “Praça Onze” alcançou extraordinário sucesso, ganhando, ao lado de “Ai, que saudades de Amélia”, o concurso de sambas promovido pelo Fluminense. E naquele carnaval, onde se cantou “Praça Onze” tinha sempre alguém soprando um apito, o que acabou causando a Herivelto uma despesa inesperada: caridosamente, ele assumiu metade do prejuízo sofrido por Murilo Caldas, autor da marcha “Passarinho Piu Piu”, que distribuíra mil apitos entre os foliões, indiferentes à sua música.

Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai

Adeus, minha Praça Onze, adeus
Já sabemos que vais desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos

(instrumental)

Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Praça Onze, Praça Onze, adeus
Praça Onze, Praça Onze, adeus

Fonte:
http://cifrantiga3.blogspot.com
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Uma Cantiga Infantil de Roda

PENEDO VEM


São duas rodas de crianças. Uma com duas meninas e outra com diversas. Cantam as desta última:

Penedo vai
Penedo vem
Penedo é terra
De quem quer bem

A outra roda, das duas meninas, canta chamando uma delas:

Vem cá, Fulana
Vem cá, meu bem
Você é das outras
É nossa também

A garota convidada passa para a roda menor. A roda maior repete o primeiro quarteto e assim por diante, até chamar todas, ficando duas apenas, que formarão a roda menor da próxima vez

Fonte:
Veríssimo de Melo. Rondas infantis brasileiras. São Paulo: Departamento de Cultura, 1953.

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O Universo Poético de Feitosa

SOARES FEITOSA
(Francisco José Soares Feitosa)
Ipu/CE (1944)

Não!


Tempo demais vivi perto da solidão e,
assim, desaprendi o silêncio.
(Friedrich Wilhelm Nietzsche)

Não, não e não – mil vezes não!

Porque me disseste: – um silêncio obsequioso.
Não.

Em contra-
partida, devo
dirigir-te tão-só a não-palavra cheia de presságios.
É a noite.
As nuvens passam
e seus soturnos:
como farei para saberes que não penso em ti!?
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O Universo Poético de Du Bois

PEDRO DU BOIS
Itapema/SC (1947)

Trem


Eram barcos
secos vagões em lentos movimentos
idas e vindas
de generalizados atrasos
escritos em giz
e o guarda atento
a tudo e a todos

menos em nós
garotos
sobre o muro
entre vagões  parados
curiosos das partidas
e dos apitos de chegada

partíamos todos os dias
em que chegávamos de longas viagens
por desertos e cidades

(outros países
e vidas que teríamos
pela frente).
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O Universo Acróstico de Motta

SILVIA MOTTA
(Silvia de Lourdes Araujo Motta)
Belo Horizonte/MG (1951)

Pratique o Exercício do Amor e do Perdão

Acróstico-humanístico nº 4997

P-Passam as águas da chuva e do mar!
R-Raivas acesas, só causam sofrimentos!
A-A vida passada deve ser bem avaliada,
T-Transformando mágoas em sentimentos
I-Inalienáveis que são AMOR e PERDÃO!
Q-[Quanto mais aqui se faz, aqui se recebe.]:
U-Um adágio popular pela razão cultuada;
E-Enfrentar o DESAFIO é a grande solução.
 –
O-O melhor é desistir mentalmente da perda;
 –
E-Experimentar sempre, sem medo de errar;
X-X da atitude positiva é ter ESPERANÇA
E-E acreditar que o melhor vai acontecer;
R-Revelações otimistas durante todo o ano
C-Contam até os segundos de felicidade…
Í-Intransferível ao outro, em quaisquer
C-Circunstâncias. É preciso reconhecer
I-Indicações das críticas construtivas:
O-O ERRO humano não pode esquecer
 –
D-Dignidade e respeito às pessoas criativas:
O-{O que muito faz, está sujeito ao erro…}
 –
A-A essência do ERRO humano faz sofrer
M-Mas a experiência do recomeçar faz rever
O-O novo caminho da justiça e da verdade,
R-Realidade que leva a praticar fraternidade.
 –
E-Emoções podem ser positivas e negativas:
 –
D-Determinação individual é que avalia
O-O peso e o valor objetivo de cada uma,
 –
P-Profundidade dos resultados e [feed-back]
E-Expressam nossas motivações à mudança;
R-Revisão do produto que foi alcançado
D-Diante da batalha vitoriosa ou perdida
Ã-Alívio da culpa por ter errado ou sequência:
O-O correto é ser feliz e fazer outros felizes.
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O Universo Poético de Ordones

RAQUEL ORDONES
Uberlândia/MG

Eu sou a esperança


E se tudo me parecer arruinado
E se me furtarem a perseverança
Se do orbe eu ficar desencaixado
Preciso crer, eu sou a esperança.

E se o caminho parecer tortuoso
Se lágrima cair da minha criança
Se o adulto de mim for orgulhoso
Preciso crer, eu sou a esperança.

Se a minha flor tende emurchecer
Se eu tropeçar na minha andança
Preciso crer, eu sou a esperança.

Em minha essência algo invisível
Devo empunhá-lo e ter confiança
É minha fé, sou minha esperança.
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O Universo Poético de Machado

MACHADO DE ASSIS
(Joaquim Maria Machado de Assis)
-Rio de Janeiro (1839 – 1908)

Vai-Te


POR QUE VOLTASTE? Esquecidos
Meus sonhos, e meus amores
Frios, pálidos morreram
Em meu peito. Aquelas flores
Da grinalda da ventura
Tão de lágrimas regada,
Nesta fronte apaixonada
Cingida por tua mão,
Secaram mortas estão.
Pobre pálida grinalda!
Faltou-lhe um orvalho eterno

De teu belo coração.
Foi de curta duração
Teu amor: não compreendeste
Quanto amor esta alma tinha…
Vai, leviana andorinha,
A outro clima, outro céu:
Meu coração? Já morreu
Para ti e teus amores,
E não pode amar-te – vai!
O hino das minhas dores
Dir-to-á a brisa, à noite,
Num terno, saudoso — ai —
Vai-te – e possa a asa do vento
Que pelas selvas murmura,
Da grinalda da ventura
Que em mim outrora cingiste,
Inda um perfume levar-te,
Morta assim: como um remorso
Do teu olvido… eu amar-te?
Não, não posso; esquece, parte;
Eu não posso amar-te… vai!
=============================
O Universo de Versos de Simone

SIMONE BORBA PINHEIRO
Dom Pedrito/RS

O anjo da misericórdia


Quando em teus olhos,
de repente, se fizer noite,
e a insuportável dor
da grave doença
que te consome lentamente,
por encanto, cessar…
Essa é a tua hora!

Segura nas mãos
do Anjo da Misericórdia
e vai cavalgando, sem medo,
nas asas do vento, sentindo a leveza
de tua alma iluminada,
agora liberta
das dores do mundo.
Ouve as trombetas dos anjos,
anunciando tua chegada.
E o Pai, ao fundo,
de braços abertos, à esperar por ti.
Vai em paz!…
=============================
Galáxia Poética de Nicolini

AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ (1941)

Chuva Interior

Cartas Antigas
Meu mundo não mudou, ainda é aquele
onde passo a maior parte do meu tempo
rodeado de lembranças e saudades:
retratos, e uns papéis que guardo nele
e que serviram bastante como exemplo
do que eu achava ser felicidade.
Esses papéis são cartas, cartas tuas
escritas quando ? Há mais de vinte anos,
quando éramos moços e a vida nos sorria.
Eras então para mim o sol e a lua,
razão de ser de todos os meus planos
e luz do meu caminho noite e dia.
Mas essa  luz se apagou do firmamento
pouco a pouco escureceu o sentimento
sem que eu mesmo encontrasse uma razão.
E desse amor que prometia a eternidade,
só uns papéis amarelados pela idade
ainda povoam meu mundo, e o coração.
===========================
Galáxia de Indrisos, de Iturat

ISIDRO ITURAT
Villanueva e La Geltrú/Espanha (1973)

História Natural


Iluminou os oceanos a célula;
pisou a terra uma pata de anfíbio;
comeu o réptil réptil, e mais réptil.

Mamou, depois do gelo, o mamífero;
endireitou-se a espinha do primata;
viu que era bom matar o hominídeo.

Queimou-se uma árvore e pensou o homem.

Gemeu ao pensar, quis voltar a ser célula.
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Universo Poético de Camões

LUIS VAZ DE CAMÕES
Portugal (1524 – 1580)


Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Duma cousa confio e desconfio.

Vôo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!
===========================
Galáxia Poética de Bandeira

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho)
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Balõezinhos


Na feira do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
– “O melhor divertimento para as crianças!”
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.

No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.

Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.

Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.

Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a
[única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.

O vendedor infatigável apregoa:
– “O melhor divertimento para as crianças!”
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um
[círculo inamovível de desejo e espanto.
======================================
Universo Poético de Shakespeare

WILLIAM SHAKESPEARE
Stratford-upon-Avon, Reino Unido (1564 – 1616)

Soneto 1


Dentre os mais belos seres que desejamos enaltecer,
Jamais venha a rosa da beleza a fenecer,
Porém mais madura com o tempo desfaleça,
Seu suave herdeiro ostentará a sua lembrança;

Mas tu, contrito aos teus olhos claros,
Alimenta a chama de tua luz com teu próprio alento,
Atraindo a fome onde grassa a abundância;
Tu, teu próprio inimigo, és cruel demais para contigo.

Tu, que hoje és o esplendor do mundo,
Que em galhardia anuncia a primavera,
Em teu botão enterraste a tua alegria,

E, caro bugre, assim te desperdiças rindo.
Tem dó do mundo, ou sê seu glutão –
Devora o que cabe a ele, junto a ti e à tua tumba.
============================================
Constelação Poética de Celito

CELITO MEDEIROS
Curitiba/PR

A Poesia Que Eu Quero

Quero uma boa poesia, ora se quero!
Como o quero-quero no arpão lhe cai
Peregrino das palavras qual ferro
Ou doces rimas que tanto sonho atrai

Não quero mudar meu amor de outrora
Mesmo alimentando um pássaro vivaz
Quero doce melodia que a palavra traz
Para encantar-me da noite à aurora

Quero rebuscar o canto das manhãs
Comer o doce das melhores maçãs
Sentir o embalo das sentenças nobres

Não quero alimentar as rimas pobres
Nem mesmo aplaudir meros acordes
Quero contemplar escritas de avelãs!
_______________________
(Quero, ora se quero!
Quero tantas coisas…
E coisas que eu não quero.)
========================
Galáxia Poética de Jacob

José A. Jacob
(José Antonio de Souza Jacob)
Juiz de Fora/MG

A Mulher e a Roseira


Essa roseira, sempre silenciosa,
Não teve em sua vida outros caminhos,
E, desde que perdeu a última rosa,
Dobrou-se sob o peso dos espinhos.

E essa mulher que passa esperançosa,
Afagando os seus filhos com carinhos,
Faz-me crer, de uma forma tão piedosa,
Que vi Nossa Senhora e os seus anjinhos.

A roseira, a chorar as suas dores,
Fica no meu canteiro, ao sol e à lua,
Descrente do milagre de outras flores.

E a mãe, que passa em frente, continua…
Esquecida dos próprios dissabores
Vai beijando os seus filhos pela rua.
==========================================
Universo Poético de Ialmar

IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

SONETO

Dia chuvoso às 12h20min. – Tristeza – Porto Alegre – RS – Olhando as águas do Guaíba.

Devo escrever aqui meus versos tristes
como Pablo Neruda já o fez,
mas ao pensar que ainda em mim existes,
eu pretendo te amar mais uma vez !

E por este motivo, bem o vês,
em meu ferido coração persistes
a viver com saudável altivez,
porque em meu renascer feliz consistes.

Pois hei de recordar-te sempre mais,
que esta saudade não deiste nunca,
e vai te procurar onde estiveres.

Tu foste um somatório dos ideais,
que alimentou meu sonho que se trunca,
se o busco realizar c´outras mulheres…
======================================
A Constelação Poética de Maial

LILIAN MAIAL
Rio de Janeiro/RJ

Sedimento


    Recolho os seixos lisos desse rio,
    Qual lágrimas, são contas de um rosário.
    Margeio a lua, refletindo o estio,
    Conduzo estrelas frias p’ro estuário.

    Rabiscos, risco ao léu! Meu desafio
    Consiste em dar teu nome a esse cenário.
    A noite enfeita, em mim, o olhar sombrio,
    Revela a dor exposta em antiquário.

    Saudade é conterrânea do meu peito,
    Traduz em pedra a falta do teu toque,
    E deixa esse vazio a soçobrar.

Afundo nessas águas como um leito,
    Arrasto essas lembranças a reboque,
    Permito à solidão sedimentar.
================================
Poesia Sem Fronteiras

ANTÓNIO SILVA GRAÇA
Moçambique

Fusão das Liturgias


Fusão física de cores
que recolho em fios de luz.
Luz suspensa na noite,
instante caído de uma pétala.

 Leio as nuvens e reparo
que o léxico celeste confere
uma vontade sólida.

Na solidez deste dia
vou separando as águas da minha mitologia
das outras que retornam, serenas.
As horas são agora
modelos equilibrados
da organização do tempo.

 E os dias,
revoltas de uma qualidade sóbria.
A luz deixou de ser de bronze
para ser um fio dolente
iluminando com minúcia cada hora.

 No cadinho liso do silêncio
fundo liturgias.


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Arquivado em Universo de Versos

José Feldman (Aquarela de Trovas n. 2)

O grande tenor se cala
ante o pássaro silvestre.
– É o discípulo de gala
querendo escutar o mestre!
A. A. DE ASSIS – PR

Numa oração plena e calma,
peço a Deus que acenda a luz
do túnel que há em minha alma
para eu poder ver Jesus!
ADEMAR MACEDO-RN
 
Quer saber o que é amar?
Não fique buscando a esmo;
amar é como tirar
boas férias de si mesmo!
AMILTON MACIEL MONTEIRO – SP
 

Semeia sonhos, resiste,
planta amor pelos caminhos,
que a travessia mais triste
é a que fazemos sozinhos.
ANTONIO JURACI SIQUEIRA – PA
 

Vou remando de partida
num mar imenso de paz…
mas as ruínas da vida
vão nadando, logo atrás!…
ARI DE CAMPOS- SC

Eu quase posso notar,
nos momentos de descanso,
a saudade cochilar
na cadeira de balanço!…
ARLINDO TADEU HAGEN – MG

Quero que cantes comigo
no jardim da primavera
teu coração como abrigo –
mil beijos de mim espera.
ARMANDO SOUSA – Canadá
 
Numa trova é pouco o espaço,
e os sons, a ordenar a mão.
Nos versos que eu sempre faço,
quem escreve é o coração.
CÁRITAS SOUZZA- CE
 

O café que aquece as almas
e adoça nossas lembranças
merece todas as palmas:
companheiro de esperanças.
CARMEM PIO – RS

Imitando o meu lamento
por que não me preza mais,
ouço a voz triste do vento
na plataforma do cais…
CLÁUDIO DERLI SILVEIRA – RS
 
Por te amar a vida inteira
e assumir esta postura,
o meu amor é fronteira
Entre a razão e a loucura.
CLÊNIO BORGES – ES

Sei quando vais demorar…
Mesmo assim, tudo ofereço:
quem espera para amar
paga ao tempo qualquer preço!
CLENIR NEVES RIBEIRO – RJ
 
O ano finda, já em outubro
nada aconteceu na vida
onde não estás , descubro
que sem ti, fico perdida…
CLEVANE PESSOA LOPES – MG

Soltei o teu nome ao vento…
e o vento, só por maldade,
repete a todo momento
o nome desta saudade.
CONCEIÇÃO ABRITTA – MG

Da singeleza eu me ufano,
da minha rua escondida,
que tem mais calor humano
que a mais central avenida.
CONCEIÇÃO DE ASSIS – MG

Depois de longa ciranda,
por todo o céu a vagar,
é aqui. na minha varanda,
que a lua vem madrugar.
DARLY O. BARROS – SP

Inverno é um estado de alma,
um não sei quê diferente,
que nos rouba a paz e a calma,
quando, em nós, se faz presente!
DELCY CANALLES – RS

Poetas mantêm acesa
a chama do amor fecundo,
minimizando a tristeza
e as dores cruéis do mundo.
DJALMA ALVES DA MOTA – RN

Vou vivendo a minha vida,
bem feliz no meu mister;
sigo de cabeça erguida,
pois sou poeta e mulher!
DOMITILLA BORGES BELTRAME – SP

Nosso amor floriu na infância,
criou raiz e depois,
foi encurtando a distância,
fazendo um só de nós dois.
DORALICE GOMES DA ROSA – RS

Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombros fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos,
e eis-me a sonhar outra vez!
DOROTHY JANSSON MORETTI – SP
 
Nos seus encontros ousados
junto da velha porteira,
esperava os namorados:
hoje ela espera a parteira!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA – RJ

Nas curvas do desalento,
quando a paixão me convida,
eu largo a velhice ao vento
e bebo o sopro da vida!
EDUARDO A. O. TOLEDO – MG

Sejamos leais amigos
com esta obra de Deus,
conservando sem castigos
os teus direitos e os meus
FAHED DAHER – PR
 
O nosso sonho termina
num adeus triste, exaltado,
deixando no chão da esquina
o teu retrato rasgado!
FERNANDO CÂNCIO – CE

Na dureza dos escombros,
quando as dores se equivalem,
amizade é mão nos ombros
embora os ombros não falem.
FLAVIO STEFANI – RS

Olhando o mar, eu diviso
a areia branca a esperar
um beijo feito sorriso,
que as mansas ondas vêm dar!
GISLAINE CANALES – RS

Na vida, faço e desfaço
duras laçadas sem medo,
porque no ajuste do laço
é Deus quem me empresta o dedo!
HELOÍSA ZANCONATO – MG
 
Trovador, longe da infância,
contando as horas da idade,
rima tempo com distância
e distância com saudade.
HÉRON PATRÍCIO – MG
 

A noite, de ar seco, anidro,
por não ver no céu a lua,
põe-se a acender sóis de vidro
nos postes da minha rua!
HUMBERTO POETA – SP

Trovas de amor e saudade
trazem mil temas diversos,
mas predomina a amizade
nascendo de tantos versos…
IALMAR PIO SCHNEIDER – RS
 
A escolha que fiz um dia
é prece que se renova,
quando faço da alegria
matéria-prima da trova.
IEDA LIMA – RN
 

Queria dar-te um abraço
e só não foi desta vez…
por culpa deste embaraço
que me causa timidez!
ISTELA MARINA GOTELIPE – PR
 

Carteiro, ao fazer a entrega
das cartas, de porta em porta,
o pranto e o riso carrega
nos segredos que transporta.
JACY PACHECO – RJ

Após muitos desenganos
e conselhos não ouvidos,
chego ao final dos meus anos
sem ter meus dias vividos…
JESSÉ NASCIMENTO – RJ

Aquele que não respeita
o tempo, na semeadura,
certamente na colheita
não terá fruta madura.
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA – SP
 
Quando no céu surge a Lua,
cheia de si, me arrebata,
lavando as trevas da rua
com sua chuva de prata!…
JOAQUIM CARLOS – RJ

Se julgas coisa bonita
andar na frente, eu destaco:
quem vai atrás sempre evita
cair no mesmo buraco!
JOSÉ FABIANO – MG
 
Quando me entrego ao passado,
no meu devaneio infindo,
sonho, bom tempo, acordado,
pensando que estou dormindo.
JOSE LUCAS – RN

Terá o amor senda fácil?
Difícil é seu cultivo;
tal e qual um jardim grácil,
pede um jardineiro ativo.
JOSÉ MARINS – PR

Quem vem lá? Pelo alarido
ela sabe, rapidinho:
se o cão latir, é o marido;
se fizer festa… é o vizinho!
JOSÉ OUVERNEY – SP
 
Anseio, na noite calma,
seu retorno, sem tardança;
pois, se a sedução tem alma,
ela se chama esperança!
JOSÉ VALDEZ C. MOURA – SP
 

Poderia dizer mais
sobre a solidão mesquinha,
mas, não vou querer jamais;
ela nessa vida minha!
JOSIAS ALCÂNTARA – ES
 

Problema sem solução
é o nosso amor desgastado;
já não vibra o coração,
mas vivemos lado a lado…
LAIS RIOS – RJ

Meu corpo colado ao teu…
dois seres…um sentimento!
Sonho que sobreviveu
apenas em pensamento.
LUIZ ANTONIO CARDOSO – SP

Quem não se importa onde pisa,
na escalada desta vida,
sobe muito mas desliza
e escorrega na descida.
LUIZ HÉLIO FRIEDRICH – PR

Sempre que amanhece o dia,
teu sorriso me acompanha.
Com suavidade e harmonia,
me envolvendo, ele me apanha.
MARAH TERESINHA DE SOUZA – SC
 
O sol é lâmpada acesa,
por Deus pai, como magia…
para pintar a beleza
da vida… dia após dia
MARA MELINNI GARCIA – RN

A escuridão, por mais densa,
também nos traz coisas belas:
sem luz se ama, se pensa,
dá-se mais valor às velas.
MARIA ELIANA PALMA – PR

Vou cumprir a minha sina:
– Não pode ter recaída…
Pois teu sorriso elimina,
As mazelas desta vida!
MARIA LUIZA WALENDOWSKY – SC

Embora o dia me açoite
com seus barulhos brutais,
lá no silêncio da noite…
a solidão bate mais!
MARIA MADALENA FERREIRA – RJ
 
Velho bilhete… lembrança
de um amor que não foi meu…
Um pedido de esperança
que a vida não respondeu…
MARINA BRUNA – SP

Em meus versos, de alma nua,
a ti, eu canto louvores,
São Francisco, Irmão da Lua,
do Sol e dos Trovadores!
MARISA VIEIRA OLIVAES – RS

Quando a distância incomoda,
parece que, por maldade,
insiste em brincar de roda
com a lembrança…com a saudade…
MARLÊ BEATRIZ ARAÚJO – RS
 
A vingança do chulé
não lavado há vinte dias
é deixar meias em pé
mesmo que estejam vazias.
MIGUEL RUSSOWSKY – SC

Os anônimos tropeiros
tiveram dias de glória;
com objetivos certeiros
registraram sua história.
MIFORI – SP

O Dia dos Namorados
dura toda a eternidade
para os mais apaixonados:
quem sabe amar de verdade.
MILTON SOUZA – RS

Amigo eu trago guardado,
sempre com muita afeição,
naquele lugar sagrado
que se chama coração.
NEIVA FERNANDES-RJ
 
O melhor amigo, em tudo,
de atitude sempre pronta,
nos quer bem, e não é mudo:
nossos erros nos aponta.
NEI GARCEZ – PR
 

A despedida foi triste,
mas o tempo é passageiro,
e a distância não existe,
quando o amor é verdadeiro.
NEOLY DE OLIVEIRA VARGAS – RS

Orgulho é a bola de neve
que vai, em diário exercício,
levando o infeliz, de leve,
às bordas de um precipício.
NILTON MANOEL – SP
 
Trabalhando sob o orvalho,
capinava o seu trigal,
enquanto o amigo espantalho
vigiava-lhe o embornal.
OLGA AGULHON – PR

]Eu não lamento a saudade
que a tudo invade, porque
é tão bom sentir saudade,
quando a saudade é você!
OLYMPIO COUTINHO – MG
 
Passei uma tarde inteira
ouvindo discursos, mas…
é melhor ouvir besteira
do que ser surdo, rapaz!…
OSVALDO REIS – PR

De que vale o meu protesto
se manténs, em tuas mãos,
o poder de, a um simples gesto,
cortar o “til” dos meus nãos!
OTÁVIO VENTURELLI – RJ
 
Com marido quarentão,
a velha disse o seguinte:
– Vou trocar meu Capitão
por dois marujos de vinte…
PAULO FRAGA CIRNE – RS

O que me faz tua ausência,
é causar-me pranto e dor.
Mas no amor há tanta essência
que sou escravo do amor!
PROF. GARCIA – RN

Carícia mais eloqüente
que meu coração aprova
é te dar um beijo ardente
nos versos da minha trova!
RENATO ALVES – RJ
 
Sou rio, minha querida,
correndo para o seu mar,
para adoçar sua vida
com pena de me salgar.
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE – RJ
 

Ao que pede, à tua porta,
dá, também, tua afeição!
Um pouco de amor conforta
mais que um pedaço de pão!
RODOLPHO ABBUD – RJ

A amizade Deus criou
naquele exato momento,
quando estrelas semeou
nas trevas do firmamento!
ROZA DE OLIVEIRA – PR

Tentar desfazer as mágoas
que o meu peito guarda e sente
é como querer que as águas
corram da foz… à vertente!
SÉRGIO FERREIRA DA SILVA – SP

Todo amor que, terminado,
deixa saudade na gente
é como um tronco cortado:
pode brotar novamente…
SEVERINO UCHOA – SE

A Trova é tão pequenina
mas quanta beleza encerra;
feliz de quem tem a sina
de espalhá-la pela Terra!…
SÔNIA DITZEL MARTELO – PR
 
À sombra do entardecer,
quando esvai-se a luz do dia,
vem a saudade tecer
teias de sonho em poesia.
SÔNIA SOBREIRA – RJ

O meu coração me intriga
e só me traz confusão:
toda vez que a gente briga,
quero esquecer-te e ele não!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA – SP
 
Numa riqueza sem fim,
nasce a força da bondade,
como as flores do jardim
na sua simplicidade!
VIDAL IDONY STOCKLER – PR

Vou sorrindo com cuidado,
sondando bem a pessoa,
pois ser feliz é um pecado
que pouca gente perdoa.
ZÁLKIND PIATIGÓRSKY – RJ

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Trova 263 – Mário A. J. Zamataro (Curitiba/PR)

Trova classificada em 2º lugar no Concurso Paralelo (para trovadores de Curitiba) ao Concurso Nacional Intersedes UBT – 2013, com o tema “Refúgio”.

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Olivaldo Junior (Carta Aberta ao Caro Amigo)

Era uma vez um certo Harry, chamado o Lobo da Estepe. Andava sobre duas pernas, usava roupas e era um homem, mas não obstante era também um lobo das estepes. Havia aprendido uma boa parte de tudo quanto as pessoas de bom entendimento podem aprender, e era bastante ponderado. O que não havia aprendido, entretanto, era o seguinte: estar contente consigo e com sua própria vida.
Herman Hesse (1877-1962), em O lobo da estepe, romance de 1927

            Cá estou, caro amigo, de volta a escrever. Escrevo como se meus dedos precisassem disso. Eles precisam? Não sei, mas escrevo. E escrevo hoje para você. Você, que conheci há uns anos, faltando dias para o Natal. Escrevo para quem fez por mim o que poucos fariam. Escrevo porque preciso me levar aos trancos e barrancos para fora desse enredo em que somente eu me desenredo.

            Faz tempo que conheço o romance O lobo da estepe, do alemão Herman Hesse. Será que você já o leu? Se o fez, saberá o quanto de mim existe naquele homem, em Harry Haller, que se diz artista e com um lobo a pernoitar no escuro abismo da alma. Minha alma, ou uma de minhas almas, foi a de um jovem homem que se identificou com uma casa de escritores e dela fez o seu refúgio, sua franca morada, aberta a quem viesse, ou a quem pudesse encontrar. Essa casa, para mim, apartou-se da alma e me pus despejado de meu próprio canto. Hoje, o lobo em mim está no frio, e o homem que sou está sem jeito de abrigá-lo ao peito, sendo que, como Harry Haller, eu me digladio com meus próprios eus. Você, caro amigo, será que vê como eu mesmo me vejo? Será que me sente como eu mesmo me sinto? Houvesse vocação para o álcool, um absinto cairia bem. Bem me faz falta, amigo, você neste meu bar.

            Carrego meus versos, bons ou ruins, na mala do espírito, esperto e rápido colibri, que, embora a primavera enterneça os galhos e os ramos hostis, priva-se de flores e se exaure em espinhos. Sobre as pétalas de tanta espera, ainda o espero, meu caro, sob os olhos do relógio, com palavras entreabertas numa boca sem palavras. Lavro minha terra etérea com as cordas gastas de um violão, colocando a voz para letras outras que não as minhas, mas as que julgo belas, ou em vias de o ser. Olho, às vezes, uma foto sua e me pergunto o porquê de nunca termos convivido o quanto eu gostaria. Ria, você ria de algumas tiradas que eu tinha quando estávamos juntos. Não sei, amigo, na mais dura verdade, porque nunca estivemos mesmo juntos. Havia a promissora vontade de estarmos lá e firmarmos, sim, parceria. Um violão ficou de resto do que sequer me restou. Ainda o espero, por certo, e sempre o farei.

            Este texto também vem a ser uma nota de fuga: este ano me pesou nas costas como se eu levasse uma grande trouxa de roupas lindas que já não me servem. O Natal e o Ano Novo estão à porta. Você, caro amigo, sempre me vinha ver a essa época. A época melhor é a que estivemos lá. Por vezes, ainda me vem visitar, mas em sonho, com sua cara alegre e seu sorriso a me fazerem crer que sou mais que um lobo da estepe, mas um amigo, a classe de gente a que me afeiçoei e, desconfio, não pertenço. Este texto é que é seu. Obrigado a você e a quem me lê. Adeus.

Trovas sobre lobo, homem, Natal, Ano Novo e adeus

            Após tanto tempo prometendo e sem jamais cumprir, me despeço agora. Porém, como um sinal de apreço a quem me deu atenção e se importou comigo, escrevo e mando estas trovas, um gênero sobre o qual revivi.

Todo lobo é bom e mau,
porque mal e bem são folhas
com que Deus, original,
veste o homem nas escolhas.

Vários homens que sondei
carregavam esperanças;
nenhum pobre, nenhum rei,
todos eram só crianças.

O Natal, quando é dezembro,
reaviva a minha fé;
de mim mesmo, me relembro,
menininho de Javé.

Numa ‘nova’ sepultura,
Ano Novo se desfaz:
um guerreia na loucura,
outro pede pela paz.

Meu adeus é minha forma
de dizer que te respeito:
todo mundo segue a norma,
mas eu sigo deste jeito.

Fontes:
Olivaldo Junior, o poeta do Adeus

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Cantinho do Prof. Pedro Mello (Como Definir Adequadamente o que é Trova?)

A trova é um poema composto de uma só estrofe de quatro versos de sete sílabas, com rimas em pelo menos dois. Como se trata de um poema condensado em quatro versos, a trova deve ser uma composição autônoma, ou seja, para que a quadra seja considerada uma “trova”, não deve ter interdependência de sentido com outra quadra anterior ou posterior.

Tradicionalmente, seu esquema de rimas é bastante variável. Somente no século XX com o advento do movimento trovista, passou-se a cultivá-la com o rigor das rimas entre o 1º. e o 3º. verso e entre o 2º. e o 4º., como no exemplo que segue, de José Maria Machado de Araújo:

Neste mundo que nos cansa,          -ANSA A
tanta maldade se vê,                          -Ê            B
que a gente tem esperança,            -ANÇA  A
mas já nem sabe de quê!                  -Ê            B

Entretanto, antes do século XX este esquema não era obrigatório, visto que não existia uma “instituição” formalizada que se dedicasse ao seu cultivo. Dessa forma, outros esquemas de rima eram bastante comuns, como o esquema ABCB (rimas apenas nos versos pares), ABBA (o 1º. rima com o 4º. e o 2º. com o 3º.)

No primeiro concurso de trovas promovido pelo movimento trovista (Nova Friburgo, 1960), uma das trovas vencedoras, de autoria de Octávio Babo Filho, não tinha as duas rimas, modelo exigido e consagrado pelos concursos posteriores:

Se todo mundo soubesse           -ESSE   A
quanto custa querer bem,         -EM      B
quanta gente gostaria                  -IA        C
de não gostar de ninguém!        -EM      B

Modernamente, poetas que não pertenceram ao movimento da trova escreveram de maneira mais livre, como Mário Quintana (1906-1994), que compôs algumas trovas e as publicou em alguns de seus livros. As trovas a seguir são de seu livro “A cor do invisível”, de 1989, publicadas com títulos, ao contrário do costume dos concursos de trova, que é a publicação sem título.

A esse respeito, inclusive, cabe um comentário: os livros e manuais publicados com o intuito de ensinar a composição da trova são unânimes em dizer que ela dispensa título. Um grave erro, a nosso ver. Nenhum poema dispensa título. Aliás, nenhum texto dispensa título. A ausência de título deveria ser uma opção, não uma imposição.

O Poeta

Venho do fundo das Eras,
Quando o mundo mal nascia…
Sou tão antigo e tão novo
Como a luz de cada dia!

Trova

Coração que bate-bate
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão batendo sem sofrer.

Trova

Quem as suas mágoas canta,
Quando acaso as canta bem,
Não canta só suas mágoas
Canta a de todos também.

A Trova

Trova: soneto do povo,
Flor de nostálgico encanto…
Todo o infinito do amor
Numa só gota de pranto.

Em seu livro “Segredos do Bom Trovar” (p. 16), Maria Thereza Cavalheiro cita três exemplos de trovas com outros esquemas de rima. De Lacy José Raimundi, esta com esquema ABBA:

Para aninhar-se em meus braços,
a gata angorá ronrona,
enquanto imagino a dona
saudosa dos meus abraços!…

De Ayrton Christovam dos Santos, esta com rimas emparelhadas (AABB):

Sempre que as cores do sol,
tingem de luz o arrebol,
sinto que ali está presente
a força do Onipotente…

E de Oswaldo Nascimento esta interessante trova monorrima (AAAA):

Densa e leve… Úmida e fina,
no céu bailando, a neblina
lembra a rendada cortina
de um leito de bailarina.

Muitas vezes a tendência humana é confundir causa com efeito, como no célebre chiste da propaganda da bolacha Tostines: “Tostines é fresquinho por que vende mais ou vende mais por que é fresquinho?

No caso da trova, o idealizador de seu movimento, Luiz Otávio, ao publicar seu livro “Meus irmãos os trovadores”, em 1956, lançando as bases do movimento trovista, equivocadamente definiu a trova como sendo “a composição poética de quatro versos setissilábicos, rimando, pelo menos, o segundo com o quarto, e tendo sentido completo”.

Diz um velho ditado que “o uso do cachimbo faz a boca torta” e com referência à trova postulamos que seja verdade. Como a definição formulada por Luiz Otávio só admite a rima entre o 2º. com o 4º. e com o passar dos anos as trovas para concursos devam obrigatoriamente ser compostas com rimas ABAB, muitos acham que outras formas… não são trovas! Ou usam o termo “quadra popular” para desmerecer outras formas de composição da trova. 

A definição de Luiz Otávio está equivocada por pelo menos três razões:

a) a expressão “composição poética” é dúbia de sentido, visto que a palavra “poética” admite mais de um sentido: é poética porque é feita em versos ou é poética porque tem poesia? Não seria melhor “composição versificada” ou, simplesmente, “um poema”?

b) há trovas em que o segundo e o quarto verso não rimam. Quer dizer que não são trovas?

c) é tautológico dizer que tem “sentido completo”, pois todo texto deve ter sentido completo. Dessa forma, a definição proposta por Wanke (A trova, 1974), “composição versificada independente” parece mais completa e abrangente. Mais simples e exata, “um poema composto de uma estrofe de quatro versos de sete sílabas, com rimas em pelo menos dois” seria uma definição suficientemente clara.

A trova, conforme cultivada ao longo das décadas de movimento trovista, ficou engessada. Para alguns, trovas fora da definição de Luiz Otávio não são trovas, são “quadras” e estão erradas. Outros esquemas de rimas ou até mesmo a não-obrigatoriedade das duas rimas (ABCB, ABBC…) poderiam oxigenar a trova, permitindo a seus amantes alçar outros voos.

Já fui pessoalmente criticado por admitir outras formas de trova, como se a definição de Luiz Otávio fosse sagrada e imutável. E se admitíssemos outras possibilidades?

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/4487280

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Fabiane Ribeiro (Jogando Xadrez com os Anjos)

Jogando Xadrez com os Anjos é um livro que ao mesmo tempo em que machuca o leitor faz com que ele se encante com a maneira que a jovem protagonista supera todos os seus obstáculos e cria toda uma atmosfera reflexiva.

Narrado em terceira pessoa, conhecemos Anny, tem apenas 8 anos em 1947. Ela vive na Inglaterra justamente quando o país tenta se reerguer no período pós-guerra. A protagonista passa muito tempo sozinha, com o coração apertado pelas saudades dos pais, os quais recebem uma “proposta de emprego” irrecusável e decidem aceitar, deixando a filha  aos cuidados de um casal totalmente desequilibrado , em uma casa onde há apenas rancor..

Nestes momentos de ausência a garota fica sob os cuidados de uma serviçal. Meiga, ela se esforça para compreender e aceitar a conjuntura em que vive. Por determinação dos pais, ela é obrigada a permanecer o tempo todo em sua casa; por esta razão não pode ir à escola e recebe aulas particulares de Jane, uma mestra que Anny considera desprezível.

A criança mal pode imaginar que sua vida está prestes a passar por uma triste reviravolta. Os pais são obrigados a ficar fora por mais tempo e, assim, só poderão ver a filha uma vez por ano. Eles então recorrem à Jane e seu marido; pagam a ambos para que acolham Anny.

Como já desconfiava, a menina encontra um lar desprovido de amor e atenção. Sua tutora a trata mal, não permite que ela se divirta com seus inúmeros brinquedos e também a impede de assistir televisão. Além disso, a austera professora determina que a menina cumpra tarefas domésticas e só lhe concede duas refeições diárias.

Mas Anny não perde a fé e preserva a inocência em seu coração. Ela se entretém com o cultivo do jardim e suplica a Deus que lhe envie alguém para preencher sua profunda carência afetiva. Tudo que traz do passado é o tabuleiro de xadrez que ganhou do pai e a oportunidade de olhar à distância para sua antiga residência.

É quando a protagonista encontra em sua jornada pela vida anjos que a guiarão neste momento difícil. Entre eles está Pepeu, um estranho rapaz que modificará definitivamente a sua existência. Com ele a menina realiza um aprendizado essencial, sem jamais sair dos limites de seu jardim.

Ao seu lado a garota mergulha no reino encantado presente em seu tabuleiro de Xadrez; aí as possibilidades são infinitas e tudo se torna acessível. As pessoas que surgem em seu caminho contribuirão para seu crescimento espiritual e ela vai receber ensinamentos fundamentais, conquistando valores como o altruísmo, a fé e o amor em sua face mais autêntica.

Estes amigos que Anny faz a defendem e ajudam a menina a ter um pouco de infância, além de alguns fazerem parte do seu Reino Xadrez, que é um lugar para o qual a menina é transportada quando sonha, já que o Reino reflete ao inconsciente da menina e também adiciona um “ambiente” a mais na história.

O livro é carregado por um clima fortemente soturno, as páginas são semelhantes ao barulho de um vento triste e as maldades, saudades e frustrações da personagem principal contribuem para que o enredo se torne ainda mais triste. Mas não se engane, achando que irá chorar o livro todo, pois Anny encontra como saída desse mundo perverso: a fuga da realidade e penetra em um mundo feito de Xadrez, onde faz suas próprias leis, além de ter um dom especial e uma maturidade excepcional.

ALGUNS PERSONAGENS DO LIVRO

PEPEU (Pedro Leopoldo), 21 anos, norte-americano. Artista de rua e membro do grupo artístico itinerante denominado “Anjos da Arte” (e, posteriormente, “Anjos da Guerra”). Um eterno menino sonhador e apaixonado, extremamente sensível, nostálgico, mas também divertido.

Pepeu na história: Em um belo dia, Pepeu surge misteriosamente nos canteiros do jardim cuidado por Anny. Com o passar do tempo, eles tornam-se amigos, cúmplices, companheiros para as partidas de xadrez, danças ao som de gaita e conversas sobre o mundo além daqueles canteiros. O amor que sentem um pelo outro é um amor fraterno; são como irmãos, como uma família. No decorrer da história, Pepeu desabafa com Anny sobre seu passado e as razões para o sofrimento que ele carrega. Porém, ao mesmo tempo em que as respostas são dadas, muitos mistérios continuam a envolvê-lo.

“Lentamente, Pepeu subiu os degraus da igreja, a contemplar os próprios pés e as pedras do chão. Tudo cheirava a mar.

Na escadaria, uma sombra surgiu, e veio de encontro à sua. Seu coração soube antes de seus olhos quem estava ali naquele deserto junto a ele. Era o Infinito ganhando forma novamente.

Ele levantou lentamente a face e viu a moça descendo os degraus da igreja, caminhando ao seu encontro.

Tirou a boina da cabeça, segurou-a junto ao coração, e ficou parado com um pé em cada degrau, a contemplar aqueles cabelos.

As ondas dos fios castanhos se misturavam ao longe com as ondas do oceano e ele pôde sentir a alegria invadir cada célula de seu corpo.

Ela estava parada bem à sua frente. Usava um vestido azul, como o mar e o céu, que eram seus únicos companheiros naquele local esquecido pelo mundo.

Ela falou, e sua voz pareceu uma manhã de primavera:

— Ângela.

— Ângela… – ele repetiu – que nome lindo. Parece nome de anjo”.

HERMES, homem inglês de meia-idade. É o responsável pela “adoção” de Anny após a partida misteriosa dos pais, juntamente com sua esposa, Jane. Um homem frio e de olhar triste, cujo coração parece não ter alegria de viver. Será que Anny conseguirá conviver com um homem tão amargurado? Talvez a razão para tamanha amargura esteja nos erros do passado…

Hermes na história: Sempre com a cara fechada e sem expressões, Hermes arrasta a vida sem alegrias e esperanças. Até que Anny, a protagonista de oito anos, surge em sua casa pequena e cinzenta. A princípio a presença da garota, cheia de vida e alegria, é como veneno para sua existência dolorosa. Mas ela não medirá esforços para compreendê-lo e ajudá-lo. Hermes tem um capítulo especial, durante um Natal inesquecível, em que muito de seu passado é revelado. Assim, a tristeza em seu olhar, finalmente, começa a ter uma explicação.

“Hermes era casado com Jane há duas décadas. Eles não conseguiram ter filhos e, com o passar dos anos, se acostumaram tanto com a ideia de que nunca seriam pais que nunca mais tocaram no assunto. Ele era um homem sério, que tinha menos idade do que aparentava. Sua barba era tão malcuidada que chegou a dar nojo em Anny quando ela o olhou de perto. A garota pensou que ele não tinha alegria de viver quando olhou dentro de seus olhos pela primeira vez, deparando-se com uma expressão vazia e cansada, de quem espera pouco e entrega pouco à vida”.

“Enquanto falava, Hermes parecia reviver sua própria história, mergulhando cada vez mais profundamente nas lembranças – lembranças de quando ele ainda vivia e não simplesmente existia.

Há tanto tempo ele não se permitia relembrar…

Havia guardado aquelas recordações no fundo de sua alma por tanto tempo, que elas, agora, pareciam empoeiradas. Era difícil revivê-las, pois eram doces, e o coração do homem, com o tempo, havia se tornado amargo.

Anny deixou-se embalar pelas memórias de Hermes e foi acompanhando cada detalhe, também criando as cenas em sua mente”.

BORBOLETA AZUL aparece tanto na realidade, quanto no Reino Xadrez, onde é o único pontinho colorido em um reino branco e preto. Ela sempre traz esperança e aparece em momentos importantes da vida (e dos sonhos) da pequena Anny, a protagonista da história e rainha do Reino Xadrez! A borboleta azul é uma representação muito especial na trama e trará bons sentimentos e aprendizados à pequena rainha sempre que aparecer.

“A borboleta azul demorou-se muito no jardim, e Anny pensou que ela devia estar reconhecendo seu segredo nas plantas, o amor; assim como Pepeu o reconhecera.

Ela voou por entre as flores que nasciam, e Anny foi andando atrás dela, imitando sua leveza. Então, a menina esticou os dedos e a borboleta azul pousou sobre um deles.

Anny a observou por vários instantes, maravilhada com sua perfeição. Ela era linda de se ver”.

“A rainha Anny declarou que aquele era o dia mais feliz de seu reinado, e todos os súditos de cristal dançaram alegremente nos gramados quadriculados. No castelo, que uma vez estivera em ruínas, músicas alegres tocavam – todas elas eram originadas por belos pianos. E, ao redor do palácio, voava uma borboleta azul-celeste. Linda, cheia de vida e cor”.

DESIRÉ, 12 anos, Inglesa. Enxerga o mundo através das palmas das mãos.

Desiré na história:

Ela surge, junto de seu irmão George, no muro da casa vizinha à de Anny, trazendo alegria e suavidade a sua história sofrida. Deficiente visual, Desiré conta com a ajuda de sua fiel cachorrinha, Nina, e com o amor imenso pela vida que existe dentro do seu peito. Ela ajuda Anny a também conhecer o mundo com as palmas das mãos – e, assim, senti-lo da forma verdadeira –, é sua confidente e companheira nas tardes em que cuida dos jardins e durante momentos preciosos em que ambas descobrem a arte da dança. Anny e Desiré são um grande exemplo de amizade, pureza e superação e, também junto de Pepeu, vivem momentos encantadores por entre as flores que Anny cultivara nos jardins antes sem vida.

“Outro dia, as meninas estavam conversando distraidamente, quando Desiré parou e disse:

— Quem está aí?

Sem que Anny notasse, elas realmente tinham companhia:

— Pepeu! – gritou Anny, indo abraçar o rapaz – Que bom que está aqui. Eu gostaria que você conhecesse minha nova amiga. É a Desiré. Ela é muito especial. Venha, aproxime-se do muro, para que ela possa conhecê-lo.

O rapaz aproximou-se de Desiré e ela esticou as mãos para tocar-lhe a face. A menina ficou alguns minutos analisando cada traço de Pepeu, então, sorriu:

— Você é lindo!”
================
Fabiane Ribeiro já escrevia quando tinha 6 ou 7 anos de idade. Seu entretenimento predileto era criar narrativas. A leitura também era sua maior paixão. Ela lia compulsivamente, sem escolher estilos ou gêneros. Graduada em Veterinária, ama os animais assim como as palavras.

TRECHOS DO LIVRO
“O castelo continuava lindo, enorme e xadrez, exceto por um pontinho azul que o circundava.
Era ela, a borboleta azul…

Então, uma chuva começou no Reino Xadrez. Não era uma forte tempestade. Afinal, não representava fúria ou descontrole. Era uma chuva fina, reconfortante; uma chuva para limpar a alma.

Representava alento, recomeço.

Era como se o céu chorasse junto com Anny, mas de uma forma suave…
Sobre o castelo se abriu uma fresta de luz entre as nuvens. Era o sol, abrindo caminho para seus raios em meio à chuva. Tudo era exatamente como no interior de Anny…”

“De um lado, estava o exército preto, e de outro, os súditos de cristal do exército branco.

As peças marchavam em direção ao enorme tabuleiro central, tudo era gigante aos olhos de Anny. Os passos coordenados das peças ecoavam por todo o reino, anunciando o duelo de xadrez que se formaria em instantes.

Quando tudo estava organizado, Anny perguntou:

— Com quem irei jogar?

E foi nessa hora que se ouviu o galopar de um cavalo ao longe, e ele surgiu entre as colinas quadriculadas: o cavaleiro bondoso que Anny conhecera na primeira vez em que estivera no reino.

À medida que ele se aproximava, seu rosto se tornava mais familiar. Com suas bochechas rosadas e seu lindo sorriso. Anny sabia que era ele: seu fiel cavaleiro, aquele a quem ela tanto amava. Aquele que a salvou da tristeza e da solidão diversas vezes e a ensinou a ouvir o coração.

Ele fez uma demorada reverência à rainha, dizendo:

— A partida pode começar.”

Fontes:
Fabiane Ribeiro. http://www.fabianeribeiro.com.br/
Ana Lucia Santana. http://www.infoescola.com/livros/jogando-xadrez-com-os-anjos/
http://gossinp.blogspot.com.br/2012/09/resenha-jogando-xadrez-com-os-anjos.html
Cris Toledo. http://livronasmaos.blogspot.com.br/2013/02/resenha-jogando-xadrez-com-os-anjos-de.html

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Nilto Maciel (O Livro Infinito)

MENSAGEM

            Como costumava fazer durante as manhãs de sábado, Antônio Sollos, em pé, folheava livros desde cedo, numa livraria. Nada de praias, bares, visitas a parentes. Buscava novidades e antiguidades. O novo contista, o romancista esquecido, o escritor de sua predileção. Agarrou com unhas e dentes um volume de contos de Kafka. Queria conhecer “Durante a Construção da Grande Muralha da China”. Cheirou o livro, como se fosse um charuto, admirou a capa e se pôs a ler um trecho: “O imperador – assim consta – enviou-te, a ti, a ti que estás só, tu, o súdito lastimável, a minúscula sombra refugiada na mais remota distância diante do sol imperial, exatamente a ti o imperador enviou do leito de morte uma mensagem.” Desde a chegada, não via freguês. Apenas vendedores. Alguma novidade? Muitas, muitas, Seu Sollos. Ouviu vozes de quem entrava na loja. Voltou ao livro: “Aqui ninguém penetra; muito menos com a mensagem de um morto”. As vozes e o arrastar de pés calçados o fizeram levantar a vista. Não conseguiu distinguir de quem eram. Vozes de mulher e homem. Um casal, certamente. Gostou da voz dela. Até lhe lembrava uma voz doce de uns tempos passados. O som dos passos se aproximaram dele. Sondou os arredores. O casal só podia estar do outro lado da estante. Ergueu-se nas pontas dos pés. Viu uma testa robusta, corada, de homem, e uns fios de cabelos quase louros, lindos. Abaixou-se e, pela brecha da prateleira, viu uns lábios rubros que parecia sorrirem para ele. Descontrolado, largou o livro e se pôs a caminhar lentamente pelo estreito corredor. Ao fim dele, virou para a esquerda e parou. A dois ou três metros, avistou o homem de lado, mãos erguidas na direção da prateleira. Só podia ser o marido de Ana. A mulher ao lado dele seria, então, Ana. Não queria revê-la. E se voltou, para atravessar a sala pelo corredor perpendicular àquele em que o casal se achava. Saiu apressado, disposto a fugir. No entanto, antes de alcançar a porta, se viu frente a frente com Ana. Quis sorrir, olhou para os lados, cumprimentou-a com duas palavras, contemplou os olhos dela e saiu da loja.

Fontes:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.
Imagem : Londres/1940 = http://menosumnaestante.com

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Folclore da Guatemala (A Lenda de Vanushka, a cigana de Xela)

Se você não foi capaz de dizer, eu realmente gosto de andar em cemitérios de todo o mundo . Eu acho que eles dão-lhe um “in” à cultura que é muito frequentemente negligenciado.

El Calvario Cemitério em Xela, na Guatemala é definitivamente um passeio, se você tiver o tempo. A coisa toda é incrivelmente exuberante e verde com coloridos empilhados, túmulos espalhados pela encosta. Isso tudo é esquecido pelo grande vulcão de Santa Maria e nuvens preguiçosas que pairam em torno dos lados. Um pouco surreal, mas se eu já estivesse colocado no chão, este seria o lugar para estar.

Num sinuoso caminho se depara em uma enseada escondida com um túmulo muito bizarro, velho com centenas de flores espalhadas e mensagens de todos os tipos rabiscadas no concreto. Ou era um novo tipo de vandalismo ou estávamos perdendo algo muito importante aqui. Andando em torno dos lados da tumba esculpida só para encontrar muito pouco. Nenhuma data. Nenhum sobrenome. Não havia nada além de mensagens pedindo amantes devastados e um nome muito diferente: Vanushka.

Na década de 1920 uma família cigana do Leste Europeu imigrou para a Guatemala e percorreu o campo no circo da família. Uma verdadeira moda de Romeu e Julieta, Vanushka ficou encantada com um senhor na platéia durante uma de suas performances. O jovem cavalheiro, Javier, era de uma família proeminente na área e seguiram com Vanushka e sua bela atuação.

Após o show Javier se encontrou com Vanushka e passaram a noite conversando e andando em volta do terreno do circo. Isto continuou durante o resto da semana e no final, eles confessaram seu amor eterno um ao outro. Não era nenhum segredo em volta do circo que isto estava acontecendo.A família de Javier rapidamente percebeu o que estava acontecendo. Javier recusou-se a sair do lado do Vanushka. Eles estavam apaixonados e ele estava determinado. Num acesso de raiva, seu pai o enviou para a Espanha para terminar de 4 anos de universidade. Com pouca autoridade, Javier teve que sair.

Quando Vanushka na manhã de sua partida se despediu, ela teve de ser arrancada dos braços dele pois seu chaparone se recusou a deixá-lo ficar mais tempo. Ele olhou pela janela e pensou como os próximos 4 anos de sua vida iam ser mais difíceis. Ele não podia esperar para voltar para os braços de Vanushka.

Ao longo das próximas semanas Vanushka definhou. Ela se recusou a dormir ou comer. Uma noite, com uma última lágrima, ela silenciosamente faleceu de um coração despedaçado.

Sua família a enterrou no Cemitério El Calvario, onde seu túmulo pode ser encontrado até hoje.

Diz a lenda que muitos anos depois, uma mulher em uma situação semelhante veio à tumba Vanushka para chorar e desabafar sua tristeza. Pouco depois de sua “conversa” com Vanushka ela estava unida com seu verdadeiro amor. Diz-se que se você deixar flores e uma mensagem de sua tristeza para Vanushka que ela vai reconciliar você com o amor de sua vida.

Há centenas de mensagens escritas em todo o seu túmulo (em vários idiomas) e em cada um você pode sentir uma pontaa de tristeza.

A história de Vanushka tornou-se entrelaçada com a cultura local.

Se você quiser ver o túmulo é um pouquinho escondido. Ao entrar no cemitério, se deve ser a sua primeira à esquerda para um pequeno beco. É um pouco difícil de encontrar, mas eu tenho certeza que se você perguntar a alguém que será capaz de apontar na direção certa.

Fontes:
http://overyonderlust.com/the-legend-of-vanushka/
http://www.caravanacigana.com/2013/03/a-lenda-de-vanushka-cigana-de-xela-na.html

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Braga Montenegro (Suspeita)

vedi, caro, che si guadagna a chieder certi prechè? Ti bagni i piedi.
Pirandello (Mattia Pascal)

                 O olhar da doente percorreu em volta o quarto e fixou-se, por fim, cansado e cheio de angústia, sobre um rosto amarrotado de vigílias e de cuidados, que ao lado do leito velava infatigavelmente.

                – Estou suando… Que horas são?

                – É tarde. Madrugada… bem três horas. Acalme-se.

                – Preciso mudar de roupa. Estou suada, com frio… (Não seria o delírio?!)

                João Vieira palpou o braço que a mulher lhe estendia. A pele mirrada por tantos dias de doença estava umedecida de suor. Depois lhe passou a mão pela fronte, levantando o cabelo aparado sob o capacete de borracha. Há dezoito dias consecutivos que a febre queimava aquele corpo dolorido, a despeito dos sacos de gelo, das injeções e dos médicos. Os médicos! Cada um que chegava receitava novos remédios: “Vamos ver.” Ao cabo de alguns dias, a uma sua interrogação mais aflita, respondiam com evasivas: “Pode ser… o caso é grave…” E maior lhe ficava no peito o desespero, a sensação tremenda do irremediável.

                – É. Está molhada de suor. Quer trocar a camisa?… Vou chamar alguém. – Marchou para a porta e logo voltou-se, mudando de resolução. Abriu o camiseiro e tirou, dentre o desalinho de uma gaveta atulhada, algumas peças de roupa.

                Suspendeu com cuidado o corpo desfalecido, amparou a cabeça e as costas doentes com o braço esquerdo e foi de leve despindo-a. “Coitadinha; pele e ossos!” Sentiu lágrimas nos olhos. “Coitadinha!” Mudou todos os panos da cama, devagarinho, com muito jeito para não magoá-la, entre os gemidos dela e as suas lágrimas de piedade. “Coitadinha… os médicos já não têm mais esperança!…”

                – Está melhor? – Não esperou resposta. – Vamos tomar a temperatura… – Houve um silêncio repleto de ansiedade. – Que?! 36 graus e dois décimos! A febre cedera; ficaria boa… Retirou o gelo. Ah! Se não fosse mais preciso! Inquietava-o, todavia, aquela prostração, aquele acabamento. Estava muito fraca. Até que ficasse restabelecida demandava tempo… Felizmente a febre passara. Chegou-se muito a ela e falou carinhosamente, os lábios bem próximos às suas faces muito brancas e enceradas – a caveira desenhando-se-lhe sob a pele encolhida:

                – Meu bem, agora você vai ficar boa… Como você se sente? Está melhorzinha? Procure dormir; a febre já passou.

                Ela nada respondeu, de pálpebras cerradas, como numa vertigem. O suor escorria-lhe nas frontes, no pescoço, no corpo todo, molhando mais roupas que ele não se cansava de mudar. De repente, ela estremeceu como num arrepio de frio, abriu muito os olhos e, brando, tocou com os dedos vacilantes no rosto dele, que se lhe inclinava por cima do busto.

                – Querido… eu vou morrer. Estou gelada… os pés… É melhor, João. Tanto tempo… e depois!… Mas eu te amo, querido… Muito! Perdoa a tua mulherzinha, meu bem. (Estaria delirando?!) – Chegou mais o ouvido à boca que pronunciava aquelas palavras confusas e dolorosas. – Eu te enganei, João. Adoeci, vou morrer… É para nosso bem. De que servia eu viver dessa maneira?… Perdoa… Amo-te muito! Muito!

                Num gesto rápido, deixou as mãos se abaterem sobre os lençóis, repuxando-os com os dedos crispados. Abriu a boca duas vezes, e na sua fisionomia passou como que um retalho levíssimo de gaze…

                – Fale, fale… Diga mais alguma cousa!… Ande, diga mais alguma cousa!… Diga que está mentindo, meu bem!…

                A manhã se insinuava, fria e triste, através das vidraças e por entre as frestas dos postigos, enchendo o quarto, vinha do jardim o cheiro ativo dos bogaris e resedás.
**********************************
                 Do enterro se encarregara um cunhado de João Vieira. – Cousa que não ficasse muito cara, que não podia; segunda ou mesmo terceira classe.

                Logo às primeiras horas da tarde, a casa começou a se encher de gente; vizinhos, parentes da morta, amigos, curiosos. Vagava por todos os aposentos um cheiro horroroso de flores, de mistura com desinfetantes e fumaça de velas. João observava todo aquele movimento, aquela verdadeira balbúrdia, com ar distante. Cousa esquisita: a presença da esposa, ali, emudecida para sempre, pouca sensação de desgosto lhe trazia. Estava atordoado, quase insensível. As palavras dela pouco antes de morrer (seria o delírio?!) e a morte afinal, que nos primeiros momentos tanta amargura e tantas lágrimas lhe custaram, eram para ele, agora, como um entorpecimento: uma sensação muito desagradável porém não dolorosa. E o seu espírito divagava, fixava-se em cousas indistintas, abstraindo-se, quase completamente, da tragédia que o vitimava.

                A imaginação o levava ao sertão distante onde nascera, à fazenda dos pais já velhos e cada vez mais apegados à terra onde sempre viveram. Lembrava-se dos irmãos, homens broncos e generosos como crianças, que por lá se casaram e se encheram de filhos. Ele, nem filhos tivera! Sentia-se como uma ovelha desgarrada. Logo em pequeno, botaram-no num colégio de religiosos de sua cidade sertaneja; depois viera para a capital estudar e arranjar emprego… Por que não ficara com os seus, a viver suavemente como eles, sem grandes alegrias nem grandes tristezas? Mas era assim… diferente, como se nunca tivesse família.

                Um automóvel, parando à porta, tirou-o de seus devaneios. Logo mais chegaram outros carros e deles saltaram indivíduos circunspectos metidos em roupas escuras; gente, talvez, da amizade do sogro, gente que ele nem conhecia. Via sujeitos de caras compungidas – caras de profissionais de solenidades – chegarem-se a ele, tocarem-lhe o ombro e murmurarem palavras titubeantes de sentimento e tristeza. Via-os, depois, formarem grupos pelos cantos e na calçada, em conversações amistosas, alegres…

                Afinal, o enterro saiu. Em breve a casa estava vazia.

                Quando ficou só, tomou-o uma piedade imensa por si mesmo e chorou perdidamente.
******************************

                 Ao voltar para o trabalho já se havia celebrado a missa de sétimo dia. Tinha ido à igreja; não porque fosse religioso… Fora. O que diria a família da finada se ele não comparecesse àquele “ato de caridade cristã”, como diziam os avisos fúnebres dos jornais? Seria uma indelicadeza… Embora tivesse de suportar as mesmas caras compungidas e falsas do dia do enterro. Era preferível à censura (“eu não esperava isto de sua parte!”) dos parentes afins, às perguntas capciosas dos colegas: – “Vieira, você nem foi à missa… Estava doente? Eu estive lá. Por que você não foi?…” Sabiam que ele não frequentava a igreja, que não estivera doente, mas gozavam a sádica maldadezinha dissimulada nas dobras de falso interesse.

                Fora. Isto o fizera sofrer. Desejara cuspir na face de toda aquela gente ridícula que pretendia fazer dele um instrumento para a sua piedade de circunstância e de mentira. Estúpidos que não percebiam sequer a dor que o magoava!…

                Entrou no escritório mais cedo do que a hora regulamentar. Lá estavam apenas o Gerente, os contínuos e um ou outro funcionário mais zeloso. Sentia-se verdadeiramente desambientado. Tinha de esperar o colega que o substituíra na ausência. Aquilo não devia estar muito em ordem. Derreou o paletó pelos ombros fatigados e pendurou-o no cabide ao lado da carteira. Pensou na maçada que iria sofrer do Subgerente quando tivesse de acertar com ele as suas faltas: parte deveria ser convertida em férias e do restante que iriam fazer? Ele bem precisava que elas fossem abonadas. Seria um ótimo auxílio. Qual! Não pensasse ele nisso. Bando de somíticos!… – “Não podemos, seu Vieira; os lucros têm sido poucos; o senhor é um bom auxiliar; creia que temos boa vontade…” Ele que se lixasse! Que iria fazer sem dinheiro para tanta despesa? As contas das farmácias e dos médicos eram grandes, sem dúvida. Não cogitara ainda de nada. Sabia que não tomaria pé. Era um desgosto ver as dívidas enormes e ele sem ter donde tirar. – Doutor, faça um abatimento. E o médico, afetando generosidade: – “Está bem, vinte pro cento, é preço que não faço para ninguém. Sai a visita a menos de quinze mil réis. Acho que não é muito sacrifício; o senhor é bem colocado…”

                Bem colocado! Um conto de réis mensal de nada vale. As contas eram grandes… Possuía os móveis, mas desses pouco conseguiria apurar porque ainda não fizera um ano de comprados e havia a liquidar algumas prestações. Sobrariam, talvez, uns dois contos. Isto num cálculo otimista. Que valia em comparação ao que tinha de pagar? O aluguel da casa estava atrasado de dois meses. Só aí quinhentos mil réis! E a mercearia? E a luz? Até à lavadeira devia. Estava inteiramente descontrolado.

                Soaram oito horas no velho relógio que se prendia à parede, lisa e manchada de bolor, entre dois retratos de sujeitos graves abotoados até o queixo. Já por todo o escritório se fazia ouvir o matraquear enervante das máquinas de escrever, e o Subgerente, passeando de um lado para o outro, exercia rigorosa fiscalização pelas carteiras e sobre os empregados. Recebia o serviço que o colega lhe passava com muitas explicações e algumas desculpas. Em breve, a atenção presa à tarefa, esquecia as suas infelicidades.
**********************************

                À noite, só no quarto (alugara um quarto num sexto andar, onde morava desde que enviuvara), assaltavam-no pensamentos cruéis, dúvidas terríveis. Voltavam-lhe à ideia as palavras da morta. Há quantos dias aquilo o atormentava! Por que não deixar ficar no rol das cousas extintas, desaparecidas para sempre, já que o motivo de tudo cessara? Embalde procurava dar freio à imaginação exacerbada. A quem ela teria se referido? Desesperava ao imaginar-se ridículo, alguém a considerá-lo um pobre diabo enganado. Evitava os amigos; todo homem que pudesse ter tido qualquer conhecimento com ela… Pensou no Gerente. Abalaram-se-lhe os nervos numa comoção mais forte. Lembrava-se de um dia em que a mulher o fora procurar no trabalho, e o Gerente, muito risonho, pondo à mostra a dentadura magnífica, a atendera solícito, recostando-se ao balcão e palestrando enquanto o contínuo ia chamar o “seu Vieira”. De logo, achava absurdo o que imaginara: não, não podia ser… Um rapaz distinto, muito delicado com os auxiliares, de hábitos morigerados… O Subgerente, sim, era um peste; mesquinho até com o que não lhe pertencia. Mas não se tratava deste, certamente, que já era velhusco e de aspecto bastante ridículo e singular, sempre metido numa vestimenta de pano e feitio de segunda ordem. Não se trataria certamente de nenhum dos seus colegas… De quem?

                Esforçava-se para afastar de si essa obsessão que lhe ia consumindo aos poucos as energias, envolvendo-o irremissivelmente. “Talvez não tenha havido cousa alguma, racionava, tenha sido apenas uma tentação, um desejo como tantos que se nos apresentam na vida mas que repelimos imediatamente. É assim… A consciência reprova a intenção desonesta, sobrevindo o remorso de uma falta que não cometemos, pelo simples fato de nos julgarmos capazes de cometê-la. Subconscientemente, o delírio traiu-a. foi, foi só isto mesmo… muito complicado, mas assim…”

                Estes solilóquios tomavam-lhe horas inteiras. Pesava os prós e os contras, procurava reconstituir fatos, circunstâncias, contradições. O passado lhe aparecia como numa névoa, através da exaltação que o possuía. Só lhe vinham à memória os momentos felizes de enleio amoroso. Encontrara na companheira o amigo único que constantemente desejara. Era um tímido e um orgulhoso, por isso nunca fizera, jamais faria amigos. Criara em torno de sua pessoa um círculo refratário onde se apagavam todas as expansões, todas as simpatias. A mulher compreendera isto muito bem. Suprira toda a sua necessidade de afeto. Como poderia supor-se enganado por ela?… Amara-a com uma paixão tão sadia que se, como acontecera algumas vezes, a procurava à noite, sob a excitação de um sonho erótico, sofria depois remorsos como se tivesse cometido uma prevaricação.

                A essa evocação sensual e íntima, sofria até ao desespero. Doía-lhe pensar que alguém, quando ele se ausentava para o trabalho, entrasse ocultamente em sua casa ou que a mulher frequentasse lugares suspeitos, para consentir a outrem a posse, mesmo que fosse o espetáculo, do seu corpo branco e perfeito. Rememorava com tal veemência os encantos da companheira, que era como se a tivesse ali, bem junto, numa presença querida e desejada. “Via”-lhe os seios redondos e acentuadamente convexos, a pele morna e perfumada, o rosto bonito onde os olhos se enlanguesciam grandes e negros; “ouvia” a sua fala, o rumor dos seus beijos; “sentia” a carícia violenta dos seus abraços… e chorava de despeito, infeliz como uma criança batida.

                João Vieira atravessou a rua e, ao subir o passeio, de distraído que ia, abalroou com um sujeito de óculos que, à beira da calçada, lia um jornal. O choque, nas circunstâncias por que se deu, foi mais desastroso que violento. Os óculos do homenzinho se lhe despregaram do rosto e, antes que os tivesse salvos entre os dedos, houve uma série de gestos rápidos e atabalhoados, de que lhe resultou a queda do chapéu, do jornal e de alguns níqueis que se espalharam pelo calçamento.

                – O senhor vem cego?… – berrou furioso.

                – Desculpe, cavalheiro – fez João Vieira, um tanto vexado ao perceber a irritação, os cabelos revoltos, a gravata amarrotada de seu interlocutor.

                – Desculpe, cousa nenhuma… seu estúpido!

                – Já lhe pedi desculpas, meu amigo e já lhe disse que não foi por gosto… Então, entenda como quiser!… – respondeu energicamente.

                – Parece que vem doido! – ainda disse o outro, batendo na palma da mão o feltro empoeirado do chapéu.

                João Vieira, percebendo que o incidente degenerava numa discussão inútil e ridícula, afastou-se com o coração batendo de excitação. “Só a mim isto acontece; que cousa irritante!…” disse consigo.

                Procurou um banco no jardim para descansar e ler um pouco. Mas não pôde fixar a atenção na leitura. Contemplou, através da reduzida iluminação, o céu enluarado e macio. Lá estavam as constelações de que ele nada sabia quando era pequeno e dava-lhes nomes poéticos: Sete-estrelo, as Três-Marias, os Três-Reis, o Cruzeiro, o Rosário, como toda a gente da sua terra sertaneja. Assim ficou muito tempo, gozando a frescura do vento noturno que lhe afagava as faces e apaziguava o espírito. Uma doçura imensa lhe penetrou os nervos, encheu-lhe a alma.

                No relógio da praça bateram nove badaladas. Tinha de ir ao quarto. Decidira fazer uma arrumação em regra nas suas cousas, que ainda não haviam tomado lugares definitivos. Levantou-se e saiu assobiando, baixinho, uma melodia predileta.

                Entre os móveis que trouxera de casa para o quarto havia uma pequena escrivaninha encimada de uma estante, e que era de uso da esposa. Esse móvel tinha duas gavetas e uma delas estava trancada, cousa que somente agora notava. Procurou nos escaninhos, dentro da outra gaveta, por toda a parte, nas outras peças, a chave que desse ali.

                Nada.

                Ocorreu-lhe, então, uma suspeita cruel: quem diria se aí não estava a prova de tudo? Febrilmente, com o auxílio de uma espátula de metal, machucando os dedos, forçou a tábua. Abriu. Percebeu, de logo, um maço de cartas amarrado com um torçal de seda. Rompeu o amarrilho e uma onda de perfume o envolveu. Quanta recordação! O perfume que sempre usara quando noivo e de que as suas cartas estavam impregnadas. Curioso até à agonia e um tanto ressabiado de nada ter encontrado que lhe confirmasse as suspeitas, prosseguiu na busca, mais nervoso, com o coração a esmurrar-lhe o peito, dolorosamente. Procurava uma prova, queria a certeza, mas quanto horror sentia de encontrar essa prova, de ter essa certeza! Tinha, agora, um livro entre as mãos. Lia-se-lhe na capa, em letras douradas: “Diário de A…”

                Folheou algumas páginas escritas com letra miúda e vulgar, numa linguagem ingênua, às vezes preciosa. “O bom gosto não era o seu forte…” – pensou. Premiu o livro entre o polegar e o índex e as folhas escorregaram céleres, até que viu o seu nome e parou recomeçando a leitura:

                “3 de março – Papai nem mamãe querem que eu me case com João, mas que hei de fazer, se o amo?” A nota era longa. Enterneceu-se. Umedeceram-se-lhe os olhos e reprimiu um soluço que se lhe quebrou na garganta. Passou adiante:

                “24 de dezembro – Afinal, casei-me. Hoje, véspera de Natal – parece um sonho! – estou a sós com o homem que amo…” Este registro seguia; sóbrio às vezes, piegas quase sempre, todavia de uma grande sinceridade e pleno de recordações agradáveis.

                Leu outras páginas. Todas revelavam a história de sua ternura, de seu pobre amor interrompido… continuou lendo:

                “6 de julho – … quem me dera um filho!”

                “12 de julho – O dia está muito quente. Sinto-me fatigada e só. Aborreço-me. A leitura me enfada e o tédio me possui… Não tenho um filho. Por que João não está a meu lado? O movimento da rua me enerva, provoca-me gritos que reprimo com receio de enlouquecer. Para qualquer lado que me volte encontro o vazio. Vou chorar. Estou me tornando tola…”

                “25 de julho – … e ele me persegue por toda a parte onde vou… Sinto os seus olhares lúbricos sobre mim, às vezes com tal persistência que me imagino nua. Já não sei com que força estou resistindo. Que será de mim?!”

                “26 de julho – Só a meu marido amo. Disto estou certa… Contudo sei que não posso fugir à opressiva sensualidade que dele me vem… Tenho medo, mas me aproximo desejosa… As minhas resistências diminuem… diminuem…”

                “30 de julho – Estou como se fora a mariposa em torno da luz. Por que João não me salva?… Mas como poderia ele fazer alguma cousa em meu benefício, se não percebe a miséria em que estou envolvida, se eu sou pusilânime e nada lhe confesso para que ele me salve, para que ele me guarde?”
……………………………………………………………………………………………..

                “29 de agosto – Estou doente; tenho febre. Ah! Se eu morresse!”

                Rasgou, uma por uma, as folhas do Diário e, riscando um fósforo, queimou-as todas. Tirou o paletó do cabide, vestiu-o, aprumou o chapéu na cabeça. Ao sair, encontrou o zelador do prédio, metido numa camisa de listras horizontais, a se balançar no seu andar compassado de símio.

                – Boa noite, meu patrão; para onde ainda vai assim a estas horas? – fez o moleque piscando um olho, malicioso.

 (Braga Montenegro, Uma Chama ao Vento, 2ª ed. Fortaleza, Edições UFC, 1980)

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Nilto Maciel (Contistas do Ceará) O Grupo Clã – Braga Montenegro

Na opinião de Sânzio, “o conto moderno só irá consolidar-se definitivamente em nossa terra com o chamado Grupo Clã, já na década de 40”.

O surgimento do Grupo Clã e sua revista (as Edições Clã se iniciam em 1943) traz a lume uma plêiade de novos contistas, entre eles Braga Montenegro, Moreira Campos, Fran Martins, Eduardo Campos, Artur Eduardo Benevides e outros. Em fevereiro de 1948, sob a direção de Fran Martins, saiu o número 1 da Revista Clã. Primeiramente patrocinada pelos próprios autores, passou a ser publicada pela Imprensa Universitária. Teve trinta números (do zero ao 29).

O termo Clã vem, a priori, de Clube de Literatura e Arte – Cla. Posteriormente, a agremiação passou a se chamar Clube de Literatura e Arte Moderna – com sigla Clam que passou a se grifar como Clã. Assim o grupo ficou conhecido até a sua extinção, no final da década de 80. “Procurando recuperar a funcionalidade da arte e empreendendo um constante esforço para sua reintegração com a vida, o Grupo Clã veio trazer a definitiva implantação do Modernismo no Ceará. A agremiação surgiu, portanto, quando já havia passado a fase primitiva do Modernismo e entravam os escritores em outra fase, chamada por alguns de construtivista. Despontava, portanto, a geração de 45, quando o Grupo Clã, já com alguns livros publicados, começou a projetar-se”, explica a professora Vera Moraes, autora do livro Clã: trajetórias do modernismo em revista.

Observa Sânzio de Azevedo em Literatura Cearense (p. 428): “A nosso ver, o Grupo vai adquirir maior coesão por volta de 1946. Além de nesse ano serem editados nada menos de quatro importantes livros de seus componentes (Noite Feliz, Fran Martins, Face Iluminada, Eduardo Campos, Roteiro  de Eça de Queirós, Stênio Lopes, Os Hóspedes, Aluízio Medeiros, Antônio Girão Barroso, Artur Eduardo Benevides e Otacílio Colares), ocorre o lançamento, em dezembro, do número zero da revista Clã, sob a direção de Antônio Girão Barroso, Aluízio Medeiros e João Clímaco Bezerra.”

Poetas e romancistas desse período que também escreveram composições ficcionais curtas são Alba Valdez, Aluízio Medeiros, Angélica Coelho, Antônio Girão Barroso, Assis Memória, Cândida Galeno (Nenzinha Galeno), Carlos Cavalcante (Caio Cid), Carlyle Martins, Edigar de Alencar, Elizabeth Barbosa Monteiro, Florival Seraine, F. Magalhães Martins, Geraldina do Amaral, Hilda Gouveia de Oliveira, Jáder de Carvalho, Jandira Carvalho, João Clímaco Bezerra, João Jacques, João Otávio Lobo, José Maia, José Stênio Lopes, Lauro Ruiz de Andrade, Margarida Saboia de Carvalho, Martins d’Alvarez, Miguel Newton Arraes, Milton Dias, Mozart Firmeza, Nívea Leite, Nonato de Brito, Otília Franklin, Paulo Aragão, Raimundo Amora Maciel, Sinval Sá e Yaco Fernandes.

E ainda Antônio Marrocos de Araújo, Elcias Lopes, Hélder de Queirós Lima, Jairo Martins Bastos, Maria Luísa de Queirós, Mário Alcântara, Melo Lima, Miguel Newton de Alencar e Nieddy Frederick.

                De todos os nomes deste período, somente um pode ser chamado de contista por excelência ou por natureza – Moreira Campos. Outros foram mais poetas ou mais romancistas. E isto não é apenas uma opinião, é uma constatação. Vejam-se os estudos, as teses, as monografias, os ensaios de história da literatura, as enciclopédias – em todos eles, quando o assunto é conto, o primeiro nome cearense é o de Moreira Campos.

Braga Montenegro

Joaquim Braga Montenegro (Maranguape, 1907- Buenos Aires, Argentina, 1979), mais conhecido como “crítico de primeira plana, ensaísta agudo e sensível”, no dizer de Herman Lima, estreou com Uma Chama ao Vento (contos, 1946), reeditado em 1980 pelas Edições UFC, seguindo-se, em 1976, As Viagens e Outras Ficções, (novelas e contos), mais uma seleção dos Contos Derradeiros, até então inéditos em livro. Em Uma Antologia do Conto Cearense esteve presente com “Os Demônios”, editado pela primeira vez em 1959, na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras.

Francisco Carvalho estuda a obra de Braga em “A Inquieta Modernidade de Braga Montenegro”, incluído na 2a. edição de Uma Chama ao Vento e em Exercícios de Literatura. E elucida: “um dos aspectos a destacar em Braga Montenegro é o permanente sentido de universalidade que caracteriza os seus trabalhos de ficção. Universalidade nascida da convicção de que o homem é tudo o que importa. Não o têm seduzido, por isso mesmo, os regionalismos tipificadores, com o seu conhecido cortejo de deformações. Muito embora as raízes espirituais do ficcionista mergulhem fundo nas fontes da literatura europeia, importa assinalar que isso em nada lhe compromete a originalidade, nem lhe desfigura as matrizes do impulso criador. Não menos digna de nota é a verticalidade com que o ficcionista engendra situações no contexto das suas narrativas e com que tece a teia do acaso em que se envolvem os seus personagens. Em nenhuma das novelas e contos do presente volume a atmosfera ficcional vem a ser comprometida pelo simples devaneio formal ou pelo discurso literário inconsequente”. Ao se referir às histórias curtas, o crítico vê nelas “peças de extraordinária expressividade e de considerável beleza literária. A austera poesia dessas páginas como que nos fere a sensibilidade com a sua pungência avassaladora. ‘Os Demônios’, ‘O Hóspede’, ‘O Potrinho Pampa’, ‘Agonia’ e ‘Ansiedade’ são, inquestionavelmente, documentos que se impõem pela autenticidade e grande beleza literária com que foram realizados”. Destaca também “O Tesouro”.

Os dramas em Braga Montenegro são dos mais variados matizes, sempre relacionados aos “conflitos da alma humana”, como afirma Francisco Carvalho, em “A Inquieta Modernidade de Braga Montenegro”, apresentação da 2a edição de Uma Chama ao Vento. No conto “Uma chama ao vento” se distingue com clareza um conflito amoroso. Tudo gira em torno de três personagens: o narrador, Gertrudes e Maria Luísa. O protagonista ama a prima Gertrudes, desde quando esta tinha apenas treze anos. No entanto, casa-se com Maria Luíza, de quem se separa mais tarde. E este é o núcleo básico do conto. Em “A mulher de Putifar” também se pode ver a psicologia do amor no desenrolar da trama.

Em “O vento, o desejo e o rio”, classificado como novela, reaparece o drama amoroso, embora apenas na cabeça do protagonista, o imediato do navio onde o conflito se desenrola. Na verdade a trama não se realiza em relação aos demais personagens. Pode-se dizer até que o embate amoroso é secundário. O episódio central seria a tempestade: o vento e o rio do título. A narrativa é dividida em diversas ações e todas elas compostas de narrações e falas. Na primeira se veem a cabina do comandante, a proa, o convés, os balaústres da amurada, a casa de leme, etc. No primeiro bloco (“passados momentos”) o comandante aparece à frente da ação, como se fosse o protagonista. Segue-se breve descrição da paisagem amazônica e logo se narram ações dos seres do rio, da natureza e dos homens: “uma piraíba saltou”, “o sol coloria de rubro”, “se abria em leque”, “sacudindo as canaranas”, “reboando nas ravinas”, “inundando as praias”. Sucedem-se diversas pequenas ações com algumas falas e diálogos. Surge a personagem que irá impressionar o protagonista, madame Muñoz. O início da tempestade se dá na segunda metade da narrativa. As falas demonstram nervosismo dos personagens mais para o final da história, quando a ventania “desatava-se aos borbotões”, (…) “uma vaga imensa assomou pela proa” (…), “o navio embicou” (…), “sacudindo todo”. E a novela chega ao final sem desfecho.

O ponto de vista de primeira pessoa, sempre protagonista, nos contos de Braga Montenegro, está presente em “Uma chama ao vento”. O narrador não se nomeia e ao longo na narração ora faz evocações, ora se volta para o presente. Nas evocações se serve de verbos como “evoco”, “recordo”, “rememoro”, “lembro-me”. Esse passado é o do cabriolé, do engenho de açúcar, dos bondes, dos cafés da Praça do Ferreira, da coluna da hora.

As falas em Braga Montenegro já não trazem os tradicionais: “disse”, “perguntou”, “respondeu”, embora ainda apresente travessões. Em algumas falas há explicações, em continuação à narração: “respondeu com voz trêmula”, “E num esforço, corando da minha fraqueza, acrescentei:”, como se pode ver em “Uma chama ao vento”.

Em “A mulher de Putifar” o ponto de vista é onisciente. O narrador é também onipresente. Os diálogos são curtos, seguidos de narrações mais longas. As falas são literárias, distantes da linguagem oral: “– Advirto-o, não obstante, de que o momento não está para filosofia.” Segundo Francisco Carvalho, “algumas vezes, a estruturação dos diálogos” assume “configurações despropositadamente eruditas”. No entanto, isto releva “um autor extremamente preocupado em preservar a autenticidade e a autonomia psicológica de seus personagens.”

Em “Agonia”, também na terceira pessoa, Braga se vale exclusivamente da narração, com uma ou outra descrição. Cartas dos personagens aparecem em algumas histórias. A narração de um delírio do personagem, no final, é primorosa. Um homem solitário e seu desespero – eis a trama. O desfecho é trágico. Em “Do limiar às fronteiras”, como no primeiro conto, o narrador é o protagonista. Isaías narra pensando, rememorando. Espécie de confissão: “hoje estou só e doente” (…), “não tenho ainda quarenta anos e estou velho”).

O uso do flashback, muitas vezes em monólogo interior, é frequente em Braga, como em “Do limiar às fronteiras” e “O carneirinho de feltro”. A trama da primeira se desenvolve no sertão, numa fazenda, embora nada de sertanejo (linguagem, descrição de ambiente) seja visível. O narrador Isaías ora se volta para o presente, ora para o passado. Para este muito mais. São poucos os momentos em que o narrador se refere ao presente: “estendido na rede armada, no alpendre da fazenda, lanço o olhar pelo pátio” (…), “no oitão, o curral derrama-se pela encosta” (…). O narrador constantemente volta ao passado e só no final regressa ao presente, para o arremate: “vou-me deixando ficar por aqui mesmo”.

As narrativas de Braga Montenegro se localizam ora em Fortaleza, ora no sertão, ora na Amazônia (“O vento, o desejo e o rio”). As cinco novelas de As Viagens apresentam situações relativas àquela região. No primeiro conto a capital do Ceará do início do século XX é o palco maior do embate: “na Praça do Ferreira, um ou outro grupo palestravam nos cafés e, nos bancos dos passeios, boêmios cochilavam. Cotejei o meu relógio com a coluna da hora.” É o tempo dos bondes: “os últimos bondes passavam vazios e apressados”.

As ações dramáticas nas narrativas de Braga se imbricam, embora separadas às vezes por dias. Em “Um conto por cem mil réis” o embate se desenrola em três dias. As ações são narradas com lentidão. Alberto Seixas lia um romance, sentado ao pé da janela: “Há pouco e pouco ia-se tornando escuro”. O narrador amplia o foco de visão: “parou um ônibus na esquina”. Narra o movimento de pessoas na rua, volta-se para a casa onde o conflito se desenrola: no jardim, Venância, a empregada, aguava as roseiras. Mais adiante um diálogo. Motivo: sumiço de cem mil réis. Só então aparece o personagem principal, o menino Paulino. A última ação do sábado é o jantar. Outro bloco de ações se dá no domingo, com mais narrações e diálogos. O drama central toma corpo: Rosinha, a dona da casa, chama Venância para um interrogatório.  No último bloco, na segunda-feira, com o aprisionamento da empregada, o conflito chega ao final, com a confissão do furto praticado pelo garoto.

As histórias de Braga são longas, se comparadas às de outros contistas modernos. Uma de suas características é a ação narrada em seus mínimos detalhes e o diálogo entre uma narração e outra. No mais das vezes seus contos se aproximam da novela. A mais longa narrativa do livro, com 28 páginas, é “O carneirinho de feltro”. Dividido em quatro partes, se inclui no rol das histórias voltadas para os dramas familiares ou domésticos. São apenas três personagens: Manuel, Júlia e o filho pequeno. Como nas demais narrativas, às narrações seguem-se diálogos e às vezes monólogos ou solilóquios. Fortaleza, mais uma vez é o palco maior do conflito, ao tempo do bonde. O narrador se queixa: “cidade tão pequena”. Diferentemente dos outros contos, em “O carneirinho de feltro” há o final feliz, a reconciliação do casal.

Descrições também se veem com frequência na obra de Braga, como quando Manuel se posta diante do casarão do padrinho rico: “duas amplas varandas com soleiras e boiais de mármore; as platibandas altíssimas, encimadas por uma ordem de balaústres vulgares, sob a cornija moldada em alvenaria”. A descrição faz com que o leitor perceba muito mais a angústia do personagem, tão pobre, tão frágil diante de tanta riqueza.

“Suspeita” é um dos menores contos do livro: João Vieira e a esposa moribunda no primeiro ato. No segundo ato, o velório e o enterro. O terceiro ato se dá sete dias depois. No quarto ato o protagonista, só no quarto, se deixa conduzir por solilóquios. No quinto ato, o personagem, agitado, “abalroou com um sujeito de óculos”. Sucede-se diálogo de insultos. O protagonista volta para o quarto, vasculha as gavetas e encontra um diário escrito por sua mulher. Trechos são transcritos na narrativa. O desfecho é enigmático: João Vieira rasga e queima as folhas do diário. E se retira para a rua. Teria a mulher se relacionado com outro homem? É a “suspeita” do título.

Pelas epígrafes dos contos e novelas, quase todas no original, extraídas de Goethe, James Joyce, Stendhal, Aldous Huxley, Dante, Pirandello, Machado de Assis, livros bíblicos, se pode avaliar o conhecimento literário de Braga Montenegro, que exerceu com mestria a análise crítica de escritores importantes, em obras como Correio Retardado. Essa bagagem terá propiciado a ele a elaboração de narrativas com a preocupação do novo, do essencial, do mais importante no conto e na novela.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Convite do Clube Literário Marconi Montoli (Sessão Solene)

Data: 07/12/2013

Local: Emart
Pça. Rubens Dalariva c/ Rua Treze de Maio – centro – Formiga – MG

Programação:

Solenidade de Premiação aos classificados no Concurso Literário 2º Troféu Formiga de Letras;

Pré-Lançamento do Concurso Literário 3º Troféu Formiga de Letras; Lançamento do 5º Ípsis Lítteris Revista Literária Jovem do CLMM;

Sarau Poético Luna Prata

Confraternização de Fim de Ano.

Contamos com sua especial presença!

Fonte:
Paulo José (Pajo)
Presidente do Clube Literário Marconi Montoli – CLMM

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Carolina Ramos (Caderno de Trovas)

Adeus, filho, segue a vida…
Volta um dia, sem promessa…
que a primeira despedida
no ventre da mãe começa!

A grande, a maior vitória
que até hoje consegui,
foi remover da memória
as batalhas que perdi.

Alforriada, ela passa
gingando frente ao feitor
e o dengo de sua raça
faz dele escravo do amor!

Alforria… e a voz dos bravos
se erga, potente, entre as massas,
negando criar escravos
de um ódio cruel entre raças.

Alforria… ela desperta
tendo ao rosto um novo brilho,
não lhe importa estar liberta,
mas, ver liberto o seu filho!

Alforria… que mentira!
pensa o negro velho a rir…
– seu braço tanto servira,
que apenas crê no servir…

A liberdade germina
quando um povo pulsa e anseia,
qual semente pequenina
que rasga o solo e se alteia!

A lua beija a favela…
A estrela no céu reluz…
– Meu bem, apaga essa vela,
o amor não quer tanta luz!…

Angústia, imensa, dorida,
pior que a dor de morrer,
é não ter apego à vida
e ser forçado a viver…

Ante a força intransigente,
para o caos a paz resvala…
– Deus, deste alma a tanta gente
que nem sabe como usá-la!

Ante a lua, o mar se alteia,
tenta alcança-la na altura,
mas é nos braços da areia,
que encontra a paz que procura!…

Ante os dilemas da vida,
embora ilusões destrua,
à mentira bem vestida,
prefiro a verdade nua!

A pele negra retrata
a dor de uma triste saga,
pois o estigma d chibata
nem mesmo a alforria apaga!

A penumbra da saudade
torna os meus dias tristonhos
e eu bendigo a claridade
das estrelas dos meus sonhos!

As bandeiras desfraldadas..,
O povo em vai-vem nas ruas…
e as esperanças sonhadas
são  minhas… e também  tuas!

A sós, na penumbra doce…
Neste agora sem depois,
é como se o mundo fosse
um mundo só de nós dois!…

A verdadeira alforria
é aquela que estende as mãos,
unindo em plena harmonia
branco e negro, como irmãos.

Bendigo o dom da poesia:
– num mundo de tais perigos,
deu-me a serena alegria
de achar um mundo de amigos!

Bichinho cheio de manha,
terno e manso quando quer;
mas, zangado, morde e arranha:
– É gato? – Não… é mulher!

Boneca sem cor, partida…
uma bola abandonada…
– Saudade mostrando à vida
quanto vale um quase nada!

Buscá-la cansa, é verdade…
mas a vida nos ensina:
– Se queres felicidade,
olha a seta…só lá em cima!

Choram as mães… Alforria!
e os negrinhos, assustados,
não sabem que uma alegria
também faz olhos molhados!

Como é fútil e tamanha
a soberba dos ateus…
Seixos ao pé da montanha,
negando a montanha – Deus!

Como pode haver poesia
nos rumos da humanidade,
se tarda tanto esse dia
da paz ser PAZ de verdade?

Creio num Ser superior,
num Deus-Pai e creio, sim,
na eternidade do Amor
que nem a morte põe fim!

Das cores, qual a mais bela?
– “A negra” – diz o ceguinho…
“pois, dentre todas, é aquela
que eu vejo no meu caminho.”

Dessa cruel liberdade
de ofender, há quem abuse
a esquecer de que a verdade
um dia talvez o acuse!

Deu a tantos seu carinho
que no enlace, em confusão,
deu o sim para o padrinho
e o beijo no sacristão!

Ele chega de mansinho,
velho cão ressabiado…
mas, se conquista um carinho,
nos dá carinho dobrado!

Ele mente e se arrebata
com tal veemência e desplante,
que, se um besouro ele mata,
vira o besouro elefante!

Embora sozinha eu siga
e sigas também a sós,
dentro do amor que nos liga
não há distância entre nós!

Enquanto a vida nos cansa,
o poeta, fugindo ao chão,
vai procurar a esperança
entre as nuvens de algodão!

É possível que aconteça:
Seja folclore ou novela,
tanta gente sem cabeça…
por que não mula… sem ela?

Esse que vive algemado
às paixões, odiando a esmo,
mesmo sendo alforriado,
segue escravo de si mesmo!

Esta penumbra… Este frio,
este agora sem porquê…
Este silêncio vazio
é o meu mundo sem você!

Filho, a montanha da vida,
escala devagarinho,
que há muita flor escondida
entre as pedras do caminho!

Foi Mestre. Sábio! Hoje em dia,
na humildade e de olhos baços,
esquece a sabedoria
e um tolo lhe guia os passos!

Guarda sempre esta mensagem
da própria vida que diz:
– é feliz, quem tem coragem
de acreditar que é feliz!

Há contraste em nossas vidas
mas, perfeito é o desempenho:
luz e sombra, quando unidas,
dão força e vida ao desenho…

Há vidas que se parecem
com as roseiras viçosas:
quando podadas, mais crescem
e mais se cobrem de rosas!

Já velhinho, sonha ainda,
mantendo o brilho no olhar,
que a juventude só finda,
quando é impossível sonhar!

Lembrando a ternura antiga,
minha saudade se exalta…
– Bendigo a penumbra amiga
que me esconde a tua falta!

Liberdade de calar
todos têm, mas, cuida, pois,
ser livre é poder falar
e seguir livre depois!

Liberdade, em termos sãos,
vale mais se, humildemente,
podendo retê-la em mãos,
nós a damos de presente!

Liberdade é o grande anelo!
Na mansão, casebre ou ninho,
é o cobiçado castelo
quer do rico ou pobrezinho!

Mente com tal propriedade,
que ao mentir jamais hesita
e quando diz a verdade,
nem ele mesmo acredita.

Mesmo descendo a montanha,
não temo abismos do mundo;
– quando a Fé nos acompanha,
pode haver flores no fundo!

Não prolongues a partida…
Vai… não olhes para atrás,
dói bem mais a despedida,
quão mais longa ela se faz!

Não temas portas fechadas,
nem mesmo fracassos temas,
há sempre forças guardadas
para as conquistas supremas.

Na penumbra, o berço é um templo,
ajoelho e em ternura enorme,
entre rendas eu contemplo
meu pequeno deus que dorme!

Não se queixa de ser pobre,
quem, no seu modesto lar,
trabalha e feliz descobre
que é livre para sonhar!

Na vida, a luta não cessa
em prol do sonho e do pão
e a liberdade começa
onde acaba a servidão!

Na vida, quanta maldade
não punida, se repete!
E, em nome da liberdade,
quantos crimes se comete!

No amor o tempo se gasta
com medidas desiguais:
se estás longe, ele se arrasta;
se perto, corre demais!

No claro-escuro da vida,
fusão de alegria e dor,
a penumbra é colorida
se for penumbra de amor!

No Livro da Eternidade,
o herói a expirar, exangue,
a História da Liberdade
escreve com o próprio sangue!

Nosso amor, quadras desfeitas,
de um poema sem achados…
Rimas tristes, imperfeitas,
fechando versos quebrados!…

Nós somos duas tipóias,
somando forças escassas:
– quando eu fracasso, me apóias,
te apoio, quando fracassas!…

O mar da vida parece
que, às vezes, quer me afogar,
mas, Deus, que nunca me esquece,
atira a boia no mar!…

O mar, raivoso, se alteia,
como todos, quer a altura,
mas, é nos braços da areia
que encontra a paz que procura.

O mundo é paisagem triste,
chora o rico e o pobre chora…
– Meu Deus, se a ventura existe,
onde será que ela mora?!

Os ponteiros marcham lento,
mais um ano que se acaba
– pede PAZ meu pensamento,
para um mundo que desaba!

Ouço teus passos serenos
e o meu abraço se expande,
mas sinto os braços pequenos,
para ternura tão grande!

Para os que entregam ao nada
os sonhos que ontem sonharam,
o orgulho é terra pisada
moldando os pés que a pisaram…

Passa o tempo… bem depressa…
a roubar o que nos deu,
e, uma dúvida se expressa:
– passa o tempo… ou passo eu?!

Paz e Amor – eram Seus planos
e por eles deu a vida.
– Mensagem que há dois mil anos
não foi ainda entendida!

Pequenino grão latente,
que brota e aos poucos se expande,
criança é humana semente,
na conquista de ser grande.

Pobre pássaro!… é de crer
que a prisão não mais suporta
– e vale a pena viver
se a liberdade está morta?!

Por te amar, tenho sofrido,
mas não me arrependo: Vem!
– Quem ama as rosas, querido,
ama os espinhos também!

Preso ao tronco, em ais tristonhos,
geme o negro, sem alarde…
– para quem não tem mais sonhos,
a alforria chegou tarde…

Quando a penumbra descia,
a nossa emoção vibrava,
sonhando o que não dizia,
dizendo o que nem sonhava!…

Quem se agarra a uma quimera,
quem persegue uma utopia,
age como se soubera
que sem sonhos… morreria!

Quem não sabe, quem não sente
que às vezes nos custa caro
essa audácia de ser gente,
quando ser gente é tão raro?

Que o presente se reparta
com o passado, sem queixa…
– A memória não descarta
o que a saudade não deixa!

Queres vencer? – Pensa bem
e não dês passos a esmo,
ninguém pode ser alguém
sem conquistar a si mesmo.

Saltando apenas num pé,
negrinho, maroto e arteiro,
o saci, nada mais é,
que o capeta brasileiro…

Se amigo é o que escuta a queixa,
seca o pranto e ajuda a rir,
mais amigo é o que não deixa
sequer o pranto cair!

Se a ternura nos aquece
e um grande amor nos ampara,
é quando a penumbra desce
que a vida fica mais clara!

Se eu sinto fugir a calma
e até viver me angustia,
eu abro as janelas da alma
e deixo entrar a Poesia!

Segue em frente, com cuidados
que a prudência mal não faz
e os bons passos, ontem dados,
dão mais força aos que hoje dás!..

Sempre acolho de mãos postas
e, humilde, tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar!

Ser livre é também saber
que a liberdade alcançada
faz parte do próprio ser
e não se troca por nada!

Ser mau é fácil…insiste
em ser bom, sempre a lembrar:
– bondade, às vezes, consiste
em ver, ouvir… e calar!…

Sofre e perdoa sem grito,
o mal que de alguém se emana,
que há outro Alguém no Infinito,
maior que a maldade humana!

Sorrindo ao branco menino,
que o negro seio mordia,
mãe preta cumpre o destino,
alheia à própria alforria.

Sussurrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta,
como é possível ser pura,
mesmo tendo lama em volta.

Teu amor… tal força tinha,
que a saudade me conduz
e esta penumbra só minha
ainda é cheia de luz!

Vai-se um dia… Vai-se um mês…
E eu te imploro, sem revolta,
se não regressas de vez,
esta noite, ao menos, volta!

Fonte:
Trova Brasil n. 7- março 2013.

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Carolina Ramos (Outros Versos)

Biblioteca Manuel Antonio Pina
RETORNANDO…
DE UMA FESTA POÉTICA

 Obrigada, Senhor, eu Te agradeço
 os dias de emoção que me ofertaste;
 este sol, esta luz, que não tem preço
 e faz do céu azul o seu engaste;

 estes campos viçosos que se estendem
 numa carícia aos olhos que, cansados,
 buscam repouso e o brilho reacendem
 na veludosa ondulação dos prados.

 Obrigada, Senhor, pela ternura
 colhida em cada gesto, em cada olhar…
 ficou mais bela a minha noite escura
 depois do beijo suave do luar.

 Obrigada, Senhor, muito obrigada,
 pela doce esperança que acarinho
 de que a Poesia, que me abriu a estrada,
 me ajude a reencontrar este caminho!

ANSEIO

 Por mais que em convulsões o mundo trema,
 rumo ao caos que implacável nos atinge…
 Por mais, seja negado o suave lema,
 Paz e Amor, que de sangue hoje se tinge…

 Por mais que o desencanto fel esprema
 nas almas secas de quem já nem finge,
 creio, ainda, num Deus que é Luz suprema,
 e é Sol que aclara o Bem e o Mal restringe!

 Mesmo envolta nas sombras da amargura,
 mesmo que os dias sigam mais tristonhos
 e a vida, cada vez menos segura,

 fujo à incerteza que o momento traz
 e, sempre vivo, a incrementar meu sonho,
 eu guardo o anseio de encontrar a Paz!

 A GRANDE MESTRA

 Não temas que o Destino te atraiçoe
 pondo pedras demais no teu caminho.
 Usa as pedras que acaso ele te doe,
 e, ao construir, não estarás sozinho!

 Se Deus te deu a luz da inteligência
 e o poder de ir e vir em liberdade,
 tens o solo, a semente e, com paciência,
 um dia hás de colher felicidade!

 Não creias, por temor e covardia,
 que só o Destino teu porvir decida!
 – Destino tu constróis, a cada dia!
 E a Gran Mestra da Obra é a própria Vida!

 ENCANTAMENTO

 Como se a luz de um palco se abrandasse
 velada pelas nuances da cortina,
 assim o fim-do-dia inteiro dá-se,
 num cenário de encanto que fascina!

 O sol, como se o leito procurasse,
 reduz o ardor da audácia matutina.
 Um toque de rubor colore a face
 das nuvens com recatos de menina.

 Volta em bando ruidoso o passaredo,
 não é mais dia e não é noite ainda,
 ganham mais vida os galhos do arvoredo!

 A tarde se desfaz… o céu deslumbra…
 e a natureza, cada vez mais linda,
 mergulha, pouco a pouco, na penumbra!

 CONSELHOS DE MÃE

 Meu filho, a vida é dura e fere… e nos magoa…
 mas, trata-a com respeito e guarda a dignidade.
 Ainda que a alma inteira sem clemência doa,
 não permitas que o mal altere o que é verdade!

 Sonha bem alto e segue o voo do teu sonho,
 sem pressa de alcança-lo e tendo-o sempre à vista!
 Cada dia que passa é um dia mais risonho,
 quando o amanhã promete as glórias da conquista!

 “Segura a mão de Deus!” Segue o rumo sem medo.
 Os caminhos, verás, se abrirão à medida
 que teu passo provar firmeza e, sem segredo,
 revelar o sentido e o Ideal da tua vida!

 Não temas opressões nem quedas. Persevera!
 Se achares que ao final o saldo não convence,
 reage, continua… a vida tens à espera!
 Confia em teu valor! Trabalha! Luta! E vence!

ALMA LIBERTA

Ser livre é poder falar e seguir livre depois…

 A paisagem é rude! E triste pobre é o mundo
 onde o sonho fenece à míngua de lugar!
 Onde a Fé e a Esperança habitam caos profundo,
 onde o Amor estertora, exangue a agonizar!

 Olho o ventre da terra, ubérrimo, fecundo,
 a pedir que a semente o venha despertar.
 E vejo a fome rir… levando ao colo imundo
 as vidas que roubou da indigência ou de um lar!

 Clamo! Fechem-me a boca e hei de gritar! Que importa,
 seja selado o vão de minha humilde porta,
 ninguém há de abafar meu grito, meu lamento!

 Clamo! Quebro o silêncio… o vil silêncio imposto!
 – De que serve o mutismo a mascarar meu rosto,
 se tenho a alma liberta e livre o pensamento!?

CÂNTICO DE FÉ

 Manhã de sol, fragrante a maresia!
 A vida a pedir vida, de asa ao vento…
 Cada suspiro alenta o novo dia
 e cada instante vale o novo alento!

 O sonho espera na amplidão vazia…
 E o vazio recua no momento
 em que o Amor se antecipa, na alegria
 de recompor os sonhos em fragmento!

 Ouro jorra do azul. Rebrilha o sol.
 Desdobram-se as alvuras do arrebol
 e em taça cristalina a aurora dá-se!

 O céu é fonte a transbordar de luz!
 E, enquanto a Deus entrego a minha cruz,
 eu bebo Fé nesta manhã que nasce!

SILÊNCIO

 O silêncio sucede à voz da tempestade.
 No silêncio do aroma, inteira dá-se a rosa,
 a oferecer à vida a sua amenidade
 e em silêncio a desfolha a insensatez maldosa!

 Há silêncio no espaço. E densa nebulosa
 guarda estrelas sem conta! A penumbra persuade
 de que se oculta em véus, talvez, porque invejosa
 desses sonhos de luz, de brilho e de verdade!

 Se o silêncio de um beijo, ou tantos que colhemos,
 em transportes de amor, em anseios supremos,
 a vida transformar em pedras contra nós,

 silenciemos, calando a mesquinhez do mundo,
 que não entende a voz do nosso amor profundo,
 nem o amargo e infeliz cansaço de dois sós!

BENDITO SEJA…

 As palavras o tempo apaga e arrasta
 – pétalas soltas, ao sabor do vento…
 O livro é escrínio que resguarda e engasta
 as jóias perenais do pensamento!

 O livro é amigo silencioso. E basta
 que traga em si o gérmen do talento,
 para, banindo a dúvida nefasta,
 mentes clarear e aos sonhos dar alento!

 Bendito o livro que mantém o lume
 do saber, a ajudar a erguer-se um povo
 que na cultura o seu lugar assume!

 Bendito seja quem imita os astros,
 valorizado, a cada instante novo,
 à luz de um livro, que lhe doura os rastros!

SAUDADE

 Roubando idéias sensatas,
 tu queimas, corróis, causticas!…
 Saudade – torturas, matas!
 Mando-te embora mas… ficas!

 Que esta mão, que o verso escreve,
 de minha alma te retire!
 Saudade, a vida é tão breve,
 deixa que eu, livre, respire!

 VI NOS TEUS OLHOS:

 A negação de tudo o que eu sonhara!
 A saciedade, o tédio, a indiferença.
 o desencanto, consequência clara
 da estafa emocional, que o amor dispensa!

 Mentiras, decepções, vi nos teus olhos,
 neles tentando achar sinceridade.
 Vi muita coisa boa entre os escolhos,
 porém, não pude ver felicidade!

PRESENÇA

 Tão feminina e triste, minha amiga,
 não queiras com teu jeito amargo e doce,
 instilar-nos no sangue o fel da intriga:
 – basta o suplício que este adeus nos trouxe!

 Nosso amor é tão grande… não periga!
 Ao teste da distância, confirmou-se.
 Deixa que a vida sua estrada siga…
 Nossa estrada, por ora, bifurcou-se.

 Terna, dizes que beijas seus cabelos…
 Eu asseguro que não tenho zelos
 por estares, fiel, sempre ao seu lado:

 – Ora, saudade, não me fazes ciúmes!
 – Ao lado dele, minha forma assumes
 e, junto a mim, tens o seu rosto amado!

CÉU DE AMOR

Bastava o manto azul da fantasia
a oferecer à vida luz e cor…
Bastava uma semente de Poesia
para, de sonhos, um jardim compor!

Bastava acreditar que ainda viria
nos meus braços pulsar um grande amor.
O que nunca, meu Deus, pressentiria,
é que a vida guardasse tanta dor!

E se a angústia aceitei por companheira,
sinto, agora, feliz, por vez primeira,
a doçura de obter, sem pedir nada!

Que importam rumos que o destino assume,
se, sobre mim, há um céu que se resume
nesta glória de amar e ser amada!
1976
(in: Destino, p.64)

SÚPLICA

Dá-me, Senhor, a benção que resume
a certeza de que, crescendo aos poucos,
hei de chegar a ver o excelso lume
– privilégio dos bons, quiçá bem poucos!

Dá-me a graça de olhar, sem ter ciúme,
namorados aos pares, de amor loucos,
da saudade a esquecer o frio gume
e o coração no peito a dar-me socos!

Dá-me ver rosas, mesmo em vaso alheio,
a enfeitar este mundo, às vezes feio
– feio porque o egoísmo assim o quis!

Dá-me um punhado tenro de esperanças…
Dá-me o riso espontâneo das crianças…
– Mais nada eu peço, para ser feliz!
(in: Destino, p.98)

NOVA FRIBURGO

Loira “Princesa da Serra”,
das nuvens rasgando o véu!
Indago, serás da terra
ou doce visão do céu?!

Tens glórias de velho burgo,
cobrem-te rendas e galas,
mas, sempre nova, Friburgo,
vive a beijar-te o Bengalas!

Pelas nuvens resguardada,
meio aos penhascos da Serra,
Friburgo és concha encantada,
onde a Poesia se encerra!

Tua chave, hoje, me ofertas!
Isto me faz tua irmã…
e vejo portas abertas,
nesta festiva manhã!

Em troca deste presente
que me dás, Friburgo bela,
minha alma te abro e, contente,
verás que estás dentro dela!

E quando meus olhos ponho
no céu azul, sobre ti…
Não sei, Friburgo, se é sonho…
só sei que o teu céu sorri!!!
(in: Destino, p.186-187)

Fontes:
http://www.avspe.eti.br/avspe2012/CarolinaRamos.htm
RAMOS, Carolina. Destino: poesias. SP: EditorAção, 2011

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Arquivado em Poemas, São Paulo

Carolina Ramos (1929)

Nasceu em Santos, em 1929. Estudou no Colégio São José, onde, além do curso primário e ginasial, fez, também, Secretariado e a Escola Normal. Completou seus estudos formando-se em música e enfermagem.

Trovadora, contista, poeta, santista ilustre, foi Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos por oito anos (2001 a 2007) e é a atual Presidente da União Brasileira de Trovadores – Seção de Santos.

Carolina pertence a diversas entidades culturais, como

Academia Santista de Letras,
Academia Feminina de Letras
Centro de Expansão Cultural.

Foi agraciada com diversas medalhas de mérito cultural, entre as quais a de “Magnífica Trovadora”, em 1973, em Nova Friburgo-RJ, e em Santos, com a Medalha do Sesquicentenário e a Medalha dos Andradas.

Também recebeu diversos títulos, homenagens e prêmios em Portugal e Angola.

Um dos mais importantes foi o Prêmio Rui Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores de São Paulo.

Bibliografia:
“Sempre” (poesias, 1968);
“Cantigas feitas de sonhos” (trovas, 1969);
“Espanha” (poema épico, 1970);
“Rui Ribeiro Couto – Vida e Obra” (bibliografia, 1989);
“Trovas que cantam por mim” (trovas, 1989);
“Espanha” e outros poemas (1992);
“Interlúdio” (contos, 1993);
“Paulo Setúbal – Uma vida/Uma obra” (1994, em co-autoria com Cláudio de Cápua),
Evocação (História da Associação das Ex-Alunas do Colégio São José) em co-autoria com Maria Edith Prata Real;
Feliz Natal (Contos natalinos);
Principe da Trova (biografia);
Saga de uma vida (biografia) e
Um amigo Especial (Conto-ficção), 2003.

Obras inéditas:
“Rosas de sangue” (sonetos);
“Trovas de amor e ternura”;
“Canta Sabiá” (poesias sobre o Brasil, lendas e temas do folclore);
“Júlia Lopes de Almeida” (biografia);
“Contos”;
“Contos Infantis” e
“Trovas”.
–––––––––––––––-

Entrevista de Carolina concedida a José Feldman, em janeiro de 2011 para o Blog http://singrandohorizontes.blogspot.com.br, em A Escritora Atrás da Mulher, A Mulher Atrás da Escritora.

1 – Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

CR – Nasci em Santos, SP Brasil, no dia 19 de março, dia de São José no ano… que importa o ano?! Importante mesmo é o dia que vivemos. Depois dos sessenta, cada um deles é um troféu. Nasci, cresci e vivo, até hoje, em Santos, onde espero morrer num dia escolhido por Deus. Fiz meus estudos no Colégio “São José”, do “Jardim da Infância”, ginásio de cinco anos, Secretariado, e Escola Normal.

Não podendo cursar Medicina, porque Santos ainda não possuía Faculdade, contentei-me em seguir o Magistério. Por sinal, o curso de normalista, embora hoje abolido, era da maior significado para a formação da mulher, abraçando, para tanto, matérias de essencial importância, como: Psicologia, Puericultura, Pedagogia, Fisiologia, Sociologia, Trabalhos manuais, Desenho pedagógico etc. Os conhecimentos adquiridos nesse curso, embora me dedicasse ao magistério por pouco tempo, muito me ajudaram na criação de meus filhos.

Fiz ainda o curso completo de Música, nove anos de piano e matérias concomitantes, Teoria Musical, Harmonia, Pedagogia, História da Música etc.

Vários cursos de Literatura, de Folclore, Linguas e um pequeno Curso de Enfermagem, para compensar a minha frustração de não ter podido seguir Medicina.

2 – Como era a formação de uma jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

CR – Bem poucas jovens, residentes em cidades não dotadas de Faculdades, conseguiam, chegar a elas, naquele tempo. A disciplina era muito mais rígida e os pais, com raríssimas exceções, não abriam mão da autoridade. Meu pai, não era uma dessas exceções. A Serra do Mar era gigantesco obstáculo, erguido entre Santos e São Paulo, que me impediu, definitivamente, de concretizar o sonho de ser médica.

Mesmo depois de Secretária bilíngue, boa datilógrafa e estenógrafa, portanto, com ótimas chances de conseguir um bom emprego, o pulso de meu pai, não me liberou: “Minha filha não vai ser Secretária de ninguém!” “Punto e basta!”, diria ele se fosse italiano. Mas, o seu NÃO, espanhol, não demonstrou menor força! Esquecia-me de dizer que sou filha única. Talvez isso explique os excessos de zelo. Nunca, entretanto, me prevaleci dessa situação. Nunca fui mimada! E, absurdamente, era incapaz de pedir algo a meus pais. Claro, que tinha tudo o que precisava, mas, mesmo assim, sempre havia algo a desejar e mesmo sabendo que me seria dado com gosto, eu não pedia! Detesto pedir algo até hoje! Falta de humildade? Claro que não, o oposto, talvez. Respeitava meus pais e não me insurgia contra a severidade que me reprimia – possível semente da timidez que dificultou muito meus passos, ao correr dos tempos. Timidez contra qual luto, quem sabe, até hoje. Só ao escrever, não sou tímida, porque escrevo para mim mesma.

Foram as circunstâncias, citadas, que fizeram com que me tornasse professora, dedicada, a ponto de, pós-aulas, levar para casa os alunos mais fracos, para ajudá-los na recuperação. Embora não fosse essa nobre profissão a minha eleita. Era querida por meus alunos e, de um deles, tive a surpresa de ouvir emocionada: “Quando eu crescer, vou me casar com a senhora!” Onde estará aquele pequenino José, que me fez a primeira declaração de amor?!

3 – Recebeu estímulo na casa da sua infância?

CR – Na casa onde nasci, na Vila dos Andradas, onde se ergue, hoje, a Rodoviária de Santos, morei apenas 5 anos. Na primeira casa dessa vila, morava dona Rosinha grande paixão de Martins Fontes. Assim, volta e meia, as crianças corriam, eu entre elas, para saudar a chegada daquele homem bom, que abria os braços para recebê-las. Lembro-me um a um, dos nomes dessas crianças, que perdi de vista. Muitas vezes, esse “Homem Bom” (tenho um soneto com esse título) pegava-me ao colo e beijava meu rosto. Soube, mais tarde, por minha mãe, que aquela pessoa que eu conhecia apenas como “o homem bom” era o queridíssimo vate santista, José Martins Fontes! O que muito me emocionou!

Numa dessas casas, morava uma garota de nome Odila, uns sete anos mais velha que eu. Odila era filha de um livreiro. E tinha em sua casa, um gavetão que, para mim, era uma rica e misteriosa arca de tesouro! O conteúdo… livros, só livros! Um tesouro de livros infantis! Lembro-me ainda do encantamento que eu sentia, sentada no chão, com o gavetão aberto, dadivosamente colocando à minha disposição, aqueles preciosos livros que eu folheava, ainda sem saber ler, maravilhada com as ilustrações! Mesmo quando minha amiga não estava em casa, sua mãe, dona Caridade, carinhosamente, me conduzia até o tal gavetão, e me esquecia por lá. (e era tudo o que eu queria!)

Foi essa “arca do tesouro” que, nos meus deslumbrados cinco anos, me apresentou Narizinho, Pedrinho, Anastácia, Emília, Visconde de Sabugosa ou seja, aquelas personagens que passei a amar, e que, mais tarde, me fizeram devorar toda a obra de Monteiro Lobato – hoje, lamentavelmente expulsa das escolas, sem que as alegações me convençam!

4 – Quais os livros foram marcantes antes de começar a escrever?

CR – Aprendi muito com os livros de Lobato. Desde respeitar a natureza, conversar com as bonecas, subir em árvores e amar a vida do campo, através do Sítio do Picapau Amarelo. Aprendi muito, ainda, de modo deliciosamente lúdico, sobre Gramática, Aritmética, Geografia, História, Astronomia, Folclore e tanta coisa mais que era absorvido pelos meus sentidos, com espontaneidade e verdadeiro interesse, sem agruras das imposições curriculares. E acho inconcebível que tudo isto seja negado agora, a troco de más interpretações e possíveis influências malignas, às nossas crianças! Lobato sofreu por ousar dizer que “O petróleo era nosso”! Deveria, hoje, ser louvado e, no entanto, sofre através de sua opulenta obra, mais uma nova injustiça! Não só defendo o escritor, mas parte da minha infância que ele tanto enriqueceu!

Depois de Lobato, e de toda a literatura clássica infantil universal, a partir dos Contos da Carochinha, de fadas, de príncipes e princesas etc, li, na minha adolescência, tudo o que me caiu nas mãos! Li quase toda a obra de Machado de Assis, José de Alencar, e outros escritores nacionais. Li muita poesia de Bilac, no mesmo livro que vi nas mãos de meu pai, algumas vezes, quando lia, à meia voz, poemas, passeando pela casa. Li, poetas clássicos e românticos e particularmente, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, para citar os mais próximos, e com os quais minha alma se identificava bem mais do que com os modernistas, embora, Guilherme, tivesse integrado a Semana de 22. Enfim, li de tudo, sem esquema, autores nacionais e estrangeiros. Cheguei a ler

“ Os Miseráveis, de Victor Hugo e começava a ler O Corcunda de Notre Dame, quando levei um “puxão de orelhas”, no confessionário. Outra obra importantíssima, que comecei a ler cedo demais, e talvez por isso não fui até o final, foi “Os Sertões” , de Euclides da Cunha. Mais madura, tentei novamente, e, envergonho-me de dizer, que também não cheguei até o fim. Talvez hoje, com outros valores, eu conseguisse ir adiante, mas, e o tempo?! E o fôlego?! Que Euclides me perdoe, perdi no tempo a chance de conhecê-lo melhor. “O Pequeno Príncipe” também li com muito gosto. De Cronin, praticamente li, a obra inteira, com raras exceções.

Agora, o livro que me influenciou, mais objetivamente a escrever poesia, foi sem dúvida, “Cartas a um jovem Poeta” de Rilke. Escrevi um artigo a respeito desse livro e nele afirmo o que digo acima. Li-o, como se Rilke o tivesse escrito especialmente para mim!

5 – Fale um pouco sobre a sua trajetória literária. Como começou a sua vida de escritora?

CR – Sempre me senti atraída pelas artes em geral. Desde pequenina, vivia desenhando tudo o que via, até retratos de artistas de cinema, famosos. Vivia moldando bichinhos de barro, e sempre cercada de música! O que, às vezes desgostava minha mãe, que me via estudar com o rádio ligado e não se conformava com isso! A poesia veio mais tarde. Ainda no ginásio, costumava fazer algumas quadrinhas de pé quebrado, sem saber que me iniciava na trova. Fiz meu primeiro poema quando minha filha, Márcia, nasceu. A menina tinha intolerância láctea e, nos cinco primeiros meses, não me deixava dormir direito, nem durante o dia e muito menos à noite.Tive medo de perde-la! Com vinte dias, eu era um perfeito zumbi! Numa das inúmeras idas e vindas, da minha cama ao berço e vice-versa, dormi andando e fui de encontro à parede. Conto isto, porque em virtude desta insônia forçada, é que o meu primeiro poema nasceu. Chamei-o, “Se eu soubesse esquecer”. Bem… o que eu queria esquecer, esqueci! Porque não sei do que se tratava! E perdi também o poema, que justificava o nome. Talvez intimamente o condenasse, julgando-o fruto de um resquício de saudade do primeiro namoradinho – só seis meses de namoro, num tempo em que nem de mãos dadas se andava! Mas… fora o primeiro! Com o segundo, casei-me (união desastrosa que durou 21 anos!)

Minha primeira aparição pública, que marcou o início de minha carreira poética, se é que assim posso dizer, aconteceu em 1961. A Comissão Municipal de Cultura lançara um Concurso de Poesias, tendo como tema, SANTOS. Como quem não quer nada, resolvi abraçar o tema, compondo um poema a que dei o nome de “Gosto de ti, minha terra”. Fechando os olhos e procurando vencer a timidez, mandei-o. Dias depois de expirado o prazo, recebi um telefonema de alguém que não se identificava. Queria falar com Carolina, dizendo que tomara conhecimento de que eu compusera uns versos muito bonitos para Santos. Insisti para que se identificasse. Dizia-se “um poeta do outro mundo”. Achando que tudo não passava de um trote, desculpando-me, desliguei o telefone. Dias depois, vim a saber pelos jornais que o meu poema conquistara o 3º lugar no referido Concurso, e que o grande poeta, Cesídio Ambrogi, de Taubaté, era o 2º colocado. O conhecido Poeta e Jornalista, Corrêa Junior, de São Paulo, conquistara o 1º lugar. Uma surpresa enorme! E uma emoção sem tamanho!Eu começava a sair da gaveta! Só vinte e tantos anos mais tarde, vim a saber, por ele mesmo, que o tal “poeta do outro mundo”, do telefonema anônimo, era, simplesmente, dr Archimedes Bava, um dos mestres do Direito, em Santos e Presidente do IHGS, instituição que eu, bem mais adiante, viria a presidir, por sete anos consecutivos, de 2000 a 2007. Aturdida, desculpei-me perante ele, já então velho amigo, censurando-o por não ter se identificado me forçando à indelicadeza, de desligar o telefone! Fora a surpresa, explicou-me ele, que o fizera ligar para mim, para sondar quem seria aquela Carolina, que ninguém conhecia, e que conseguira abocanhar um 3º lugar, situando-se ao lado de dois poetas consagrados vindos e fora!

Daí para frente, comecei a publicar versos num Suplemento de Arte, do Jornal local, A Tribuna, o que estimulou muito minha produção. Ainda em 61, concorri a um Concurso de Trovas do Centro Português de Santos. Tema: A Amizade entre Brasil e Portugal. Compus um pequeno poema com versos de sete sílabas e não cheguei a mandá-lo, porque alguém teve a caridade de me avisar que aquilo não era uma trova! Melhor informada, retirei do poema uma das estrofes com sentido completo e rima simples e encaminhei-a para o Concurso. Conquistei, mais um terceiro lugar. Na noite da premiação, conheci o caro e grande poeta Orlando Brito (recém falecido) também classificado, que me falou de Nova Friburgo e do Movimento Trovadoresco que alvorecia, induzindo-me a participar. Foi o gancho! Aos poucos, deixei-me levar por essa enxurrada maravilhosa de talentos, que me arrastou por este Brasil afora, mediante classificações em Concursos e Jogos Florais.

Em 1964, alcancei meu primeiro prêmio de relevância na Trova. Foi em Petrópolis. Na ocasião, tive a feliz oportunidade de conhecer a nata dos trovadores. Chefiados por Luiz Otávio, eles aguardavam, na Rodoviária do Rio de Janeiro, o ônibus que os levaria a Petrópolis. Sem conhecê-lo pessoalmente, dirigi-me a quem supunha ser Luiz Otávio. Quando me identifiquei, o Príncipe, dirigindo-se ao grupo, indagou: “Pessoal, qual foi a trova que eu disse, ainda há pouco, que era a melhor do Concurso?” A resposta veio em coro: “ A segunda colocada”. E Luiz Otávio, indicando-me, completou: -“Eis a autora!” Foi assim, que me integrei ao Movimento Trovadoresco e comecei a colecionar prêmios. O tema daquele Concurso era Vitória. E minhas vitórias, na área literária, começavam a intensificar-se.

6- Como foi dar esse salto de leitora para escritora?

CR – Aconteceu normalmente, sem um momento que eu possa determinar. Esta frase escrevi na noite de ontem. Um dia depois, reconsidero-a. Acho, sim, que sei exatamente o instante em que me senti “escritora”. E então terei de contar um caso. Eu tinha precisamente 11 anos e acabara de entrar no ginásio. Pré-adolescente, era aquela menina muito sensível e tímida ao extremo! A professora, única, que nos ensinava tudo nas aulas do ensino básico, fora substituída por vários professores que ministravam, cada um deles, uma única matéria.

A professora de português, das mais competentes de Santos, tinha fama de severa, de brava, mesmo! Uma das primeiras tarefas que nos passou como dever de casa, foi a narração “A morte do sabiá”, que ainda guardo com carinho, até hoje, porque me marcou muito e, pensando bem, foi minha primeira demonstração de que tinha alguma tendência para escrever. E foi com muito carinho que derramei toda a minha sensibilidade, sempre contida, na descrição da morte daquele sabiá! Entreguei a narração, confiante de que mereceria boa nota! Alguns dias depois, recebíamos de volta nossos trabalhos, com as correções necessárias e a nota. – A máxima era o ambicionado 100. Quando ouvi meu nome, fui até a mesa da mestra, acalentando a esperança de ter conseguido boa nota. Decepção absoluta!

A mestra entregou-me o trabalho. A nota 60, em vermelho, feriu-me os olhos e as palavras ríspidas da professora: “Isto foi feito com a mão do gato!” atingiram em cheio meu coração e acabaram com minhas primeiras e ainda inconscientes pretensões literárias.

Dali em diante, numa reação puramente infantil, ao escrever meus trabalhos, eu economizava palavras, na tentativa de que os textos não deixassem dúvidas de terem sido feitos por mim, uma criança ainda! Isto, de certa forma, prejudicou bastante essa minha fase estudantil. Nunca fui reprovada, mas não fui boa aluna, pois, a mesma coisa veio a acontecer com o Desenho, outra de minhas atividades preferidas. Descobri que não ganhava boa nota, porque meu professor pensava que eu “colava” meus desenhos. Esse dois casos me desestruturaram, bastante, embora, no segundo, a minha reação já se mostrasse mais madura. Eu teria então uns 14 anos. Quando notei a desconfiança do professor, passei a entregar meus desenhos no tamanho exigido, segundo o modelo (caderno Fachini) e, por minha conta, fazia outro, ampliado. Comprei outros cadernos Fachini com modelos de mãos e rosto, que não faziam parte do currículo, por serem mais difíceis. E, mostrando-os ao mestre, consegui que o meu querido professor, enfim, valorizasse a sua aluna! Esses dois episódios, entretanto, influenciaram negativamente na minha auto-estima. Fui uma aluna sem brilho no meu tempo de ginásio.

A professora brava, que não acreditara em mim, tornou-se, posteriormente, muito minha amiga e grande incentivadora de minha poesia. Devo a ela, indiscutivelmente, o que sei da língua portuguesa. E o fato de ter julgado que aquela narração não poderia ter sido feita por uma criança da minha idade, pensando bem, foi um elogio e tanto!

Hoje, considero esse incidente, como o primeiro prêmio literário que, nos meus tenros onze anos, conquistei, embora, na época, muito me fizesse sofrer! Já no Secretariado, sem censuras, passei a escrever com muito mais desenvoltura, conquistando sempre as melhores notas, o mesmo acontecendo na Escola Normal, o que desenvolveu em definitivo, meu gosto pela linguagem escrita.

7 – Teve a influência de alguém, para começar a escrever?

CR – Acredito que, na adolescência, meu primeiro e único namoradinho, que gostava muito de poesia e, de vez em quando, enquanto passeávamos pelos jardins da praia, declamava versos de Bilac, Menotti, e outros, com certeza, deve ter despertado meu interesse pelas rimas. Daí em diante, foi por minha conta.

8 – Tem Home Page própria? ( não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)

CR – Já tive Home Page, com foto, poesias, um conto premiado em Portugal, Trovas etc. Mas, como dependia de outros para alimentá-la, acabei por perdê-la.

9 – Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura , em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

CR – Bem, não encontro essa dificuldade, porque nunca pensei em “viver de literatura”.

Creio que a habilidade para escrever, prosa ou poesia, é quase um dom. Um dom que Deus oferece gratuitamente e que pode permanecer enrustido e morrer embrionário, ou sendo cultivado, vir a florescer em qualquer fase da vida. Poesia pode ser fuga, sublimação, passatempo, mas nunca profissão. Claro, que em tudo há exceções, neste caso, raríssimas! O poeta, simplesmente, nasce Poeta! O instante em que a Poesia passa a ser o seu meio de expressão, exigindo constante aprimoramento, pode acontecer em qualquer tempo. O mesmo se dá com o escritor e os artistas em geral. Entretanto, viver de literatura é muito difícil. Mas há uma “remuneração”, polpuda, que o artista aspira e, quando chega, o gratifica plenamente! È quando sente que a sua mensagem foi entendida e encontrou ressonância na sensibilidade de alguém. Uma glória!

SEUS TEXTOS E PRÊMIOS

10 – Como começou a tomar gosto pela escrita?

CR – Sempre lutando contra meu natural retraimento, que me levava mais a ouvir do que falar, fui me abrindo para a poesia e acumulando versos em cadernos, fechados em gavetas. O primeiro prêmio conquistado me obrigou a dar um passo a frente. Ao ver meu primeiro poema publicado na imprensa, enviado, sem que eu soubesse, por um amigo que me pedira um poema para suas filhas, quase morri de vergonha, pois me senti como que se minha alma fora desnudada em público! Mas essa primeira reação foi sendo substituída pela sensação gostosa de saber que meus versos eram bem acolhidos por gente que eu nem conhecia e ganhavam elogios que me surpreendiam! Em consequência, fui saindo aos poucos do casulo. Quando me voltei para os Concursos, foi como que um desafio à minha insegurança. Mais uma tentativa de auto-afirmação! As vitórias, de certa forma, provavam-me que eu realmente estava apta a fazer o que fazia! Então, promovi um encontro comigo mesma e decidi: Se este é o caminho que eu quero seguir, só há uma solução – ou me venço, ou serei vencida! E foi assim que, aos poucos, deixei de corar como uma adolescente, cada vez que via uma poesia minha publicada num jornal ou revista. E, o que era melhor, agora enviada por mim! Tomei gosto!

11 – Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros?

CR – Publiquei meus primeiros livros em 1969. “ Sempre”, chamou-se o primeiro e reunia as poesias feitas até ali. ( antes de vir a público, foi agraciado com o “Prêmio de Melhor Obra Inédita”, outorgado pela UBE.) “Espanha”, foi o segundo. Uma verdadeira ousadia, pois escrevi um poema épico em que viajei pela terra de meu pai, descrevendo muito de sua história e geografia, de ponta a ponta, sem ter saído de minha casa e sem conhecer o país de Cervantes. Fui convidada a ler meu Poema no Instituto de Estudos Hispânicos e, como de início eu me desculpara, pedindo que me perdoassem erros e omissões, já que eu não conhecia a Espanha, ao final da minha leitura, um senhor veio cumprimentar-me dizendo: “Não acredito que a senhora não tenha estado na Espanha! Eu cheguei de lá agora, e descreveu minha viagem inteirinha!”

Este livro, escrito apenas com estudo e coração, foi um presente a meu pai, que de lá veio com nove anos de idade e morreu sem lá voltar, apesar de minha insistência. Anos depois do falecimento dele, estive na Espanha, quase que com remorsos, por estar vendo o que ele nunca vira. O livro já está com a 2ª edição esgotada, se tiver tempo, tentarei uma 3ª.

O terceiro livro, foi de trovas, “Cantigas feitas de Sonho”.

Vieram a seguir, algumas Biografias. Falarei sobre elas quando der resposta à pergunta de nº 14. “Trovas que Cantam por Mim” foi lançado em 1968. Pretendo fazer um livro de trovas juntando este dois primeiros livros e anexando mais umas 300. Não é muito, devo ter em estoque pelo menos umas três mil trovas que poderiam ser aproveitáveis! É a minha contribuição ao Movimento.

“Interlúdio”, meu primeiro livro de contos. Gosto de escrever contos. Dá asas à imaginação e não atrapalha minhas tarefas domésticas. Planejo-os, trabalhando. Depois é só correr para o computador deixar que fluam sem rascunhos. Tenho material para mais uns dois livros de contos. Assim aconteceu com “Feliz Natal”. Escrevi, por algum tempo um ou dois contos natalinos, a cada fim de ano. O livro está esgotado, como os demais, e, se partir para uma segunda edição, será ela acrescida de, pelo menos, oito contos inéditos.

“Evocação”- livro escrito de parceria com Maria Edith Prata Real. É o levantamento histórico da “Associação das Ex-Alunas do Colégio “São José”. O meu querido Colégio São José!

“Um Amigo Especial” é livro de ficção. Era para ser leitura para crianças, tanto que, nele, passo alguns conceitos de maneira bem accessível ao alcance da gente miúda. Mas, o livro evoluiu em conteúdo, na linguagem também, e os adultos é que mais o aplaudem. Assim, achei melhor endereça-lo com as palavras que deixei na primeira página: …” para jovens de qualquer idade.”

Neste findo 2010, veio à luz “Liberdade…Sonho de Todos!”, que nasceu da necessidade, urgente, de conquistar um pouco mais de tempo e liberdade para fazer, dentro da morosidade desejada, a revisão do meu próximo, e, quem sabe, derradeiro livro, “Destino”. Separei tudo o que tinha à mão e que falasse de liberdade, em prosa, verso ou trova e disse ao meu editor, (marido): – “ Pronto! Edita este. Mas, agora, quero liberdade para cuidar do meu “Destino”! (que até hoje, por conta da tal reforma ortográfica, ainda não saiu de minha mão!!)

12 – Como definiria seu estilo literário?

CR – Na poesia, meu estilo é, preferencialmente, acadêmico. Faço, com menos frequência, poesia sem métrica e rima. Evito dizer poesia livre, porque me sinto perfeitamente liberta, dentro dos cânones acadêmicos, tradicionais, ou clássicos. A rima e a métrica, longe de me prenderem, me ajudam a voar.

Na prosa, procuro escrever certo o que quero dizer. E ser clara. E ser simples. Será isto um estilo?

13 – Dentre os livros escritos por você, qual lhe chamou mais atenção? E por quê?

CR – Aquele que mais me preocupou, digamos assim, foi, sem dúvida, “Príncipe da Trova”. Levei quase vinte anos para terminá-lo! Comecei-o e parei por circunstâncias que explico nas primeiras páginas. Foi um livro difícil de ser escrito, em tudo e por tudo, mas era um livro que precisava ser escrito.

14 – Você publicou algumas biografias. Separadamente, como pessoa e como poeta, qual a importância para si de Ribeiro Couto? E Paulo Setúbal? E Luiz Otávio?

CR – Rui Ribeiro Couto, é nome internacional, consagrado, de poeta, escritor, embaixador etc e que, além de tudo, de um santista. Como se não bastasse, Ribeiro Couto é o Patrono da Cadeira nº 30, que tenho a honra de ocupar na Academia Santista de Letras. Logo, biografá-lo era para mim um dever, por sinal, agradabilíssimo!

“Paulo Setúbal – Uma Vida –Uma Obra” – co-autoria de Cláudio de Cápua e Carolina Ramos, aconteceu em virtude de um Concurso. O tempo era escasso. O livro ficou pronto em praticamente quinze dias. Faço questão de dizer que o mérito da pesquisa deve-se inteiramente a meu marido. Havia um prêmio polpudo em dinheiro, e também a promessa de publicação da obra vencedora. Conquistamos o 2º lugar e fomos cumprimentados pelo primeiro colocado. Editamos o livro por nossa conta.

Escrevi mais duas biografias.”Saga de uma Vida” – biografia de um médico amigo, Presidente de Honra do IHGS, dr. Raul Ribeiro Flórido, que, depois de lê-la, me disse: “Obrigado, Carolina, agora posso morrer tranquilo.”

Esta é a tal “remuneração” que tanto gratifica a quem escreve!

Dr. Florido faleceu um ano depois, aos 91 anos de idade. Foi ele que, quando presidente, cedeu uma sala no IHGS, para instalação da sede da UBT/Santos.

Quanto à pergunta sobre nosso saudoso Luiz Otávio, que mais poderei dizer? Não fujo à pergunta: Qual a importância de Luiz Otávio para mim? Mesmo porque, todos os interessados no assunto, conhecem a resposta. E ela está inteira e detalhada no meu livro “Príncipe da Trova”, que precisava ser escrito, porque a verdade estava sendo maldosamente explorada e deturpada.

Respondo à pergunta com outra, embora não seja isto elegante.

Quem poderá avaliar que importância poderá ter para alguém, um outro alguém que, na última década de sua vida, lhe ensinou o que é viver, o que é ternura e com quem descobriu o grande e verdadeiro Amor?! Ninguém! A menos que tenha vivido uma situação semelhante!

Digo isto, sem constrangimentos, porque, hoje, tenho ao meu lado, alguém, também muito amado e com compreensão suficiente para não coibir a minha sinceridade. Mesmo porque, foi ele, Cláudio, hoje meu marido, quem, com aquela magnanimidade que talvez eu não tivesse, me incentivou a levar a cabo a biografia de Luiz Otávio, que, após o nosso casamento, por respeito a ele, eu interrompera. E foi ele, também, quem me estimulou e não embargou minha decisão de só recomeçar a escrever, se pudesse ignorar a sua presença em minha vida, para poder escrever com transparência e absoluta sinceridade o que tinha a dizer. Não fosse assim, eu estaria completamente tolhida e não poderia ter escrito com a abertura de alma, com que escrevi aquela biografia do nosso Príncipe, da qual sempre me orgulharei de ter participado.

15 – Que acha dos seus textos: O que representam para si? E para os seus leitores?

CR – Pergunta difícil! Meus textos… são meus textos! Gosto deles, ou os rasgaria! Sou exigente. Leio, releio, corrijo e, não raro, volto atrás. Faço por eles, tudo o que se faz para tentar educar um filho. Toda mãe quer chegar à perfeição. Busca mas, nem sempre consegue. Afinal, perfeito, só Deus! O que posso dizer, é que as opiniões dos meus leitores e amigos têm sido sempre bastante magnânimas e estimulantes. Creio na sinceridade deles, tanto como gosto que creiam na minha. E entre essas avaliações tenho palavras preciosas e bastante alentadoras de vozes muito importantes para nossas letras, como: Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Câmara Cascudo, Fernando Jorge, Menotti Del Picchia, Moacyr Scliar, Salomão Jorge, Paulo Bomfim, e muitos outros. Palavras que me dão confiança e me incitam a continuar.

16 – Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

CR – A Internet é um meio fantástico de comunicação quase que instantânea! A troca de pps fascina! Mas, apesar do seu poder encantador de fazer novos amigos, ela também nos coloca frente a um sério problema!

Se não nos disciplinarmos (o que ainda não consegui), ela nos engole! Engole o nosso tempo, compete com os nossos horários, interfere nos compromissos, furta horas de sono e também os momentos reservados à leitura. E chega a perturbar nossas atividades literárias! Enfim, separa interesses e até casais! Estou chegando ao limite, preciso me reorganizar.

A Internet poderia me ajudar muito na divulgação de meus trabalhos, mas ainda sou bastante inábil e, às vezes, preguiçosa.

17 – Tem prêmios literários?

CR – Dessa pergunta me esquivo sempre. Mas, como esta entrevista já virou autobiografia não posso deixar de ser sincera, embora possa parecer vaidosa, o que realmente não sou. Tenho prêmios, vários prêmios, no Brasil e alguns no Exterior, de Contos, Poesias, Trovas e Crônicas. Não digo quantos, porque é mais fácil ver um prêmio valorizado do que um número maior deles. Não posso deixar de dizer que, neste ano, por meu poema, Paz, fui agraciada com Diploma e Medalha de Mérito Internacional, em Nocera – Salerno, Itália. E em dezembro, deveria estar em Mérida, já que estou entre os Vencedores dos Jogos Florais da Venezuela, mas, infelizmente, não pude ir.

18 – Participa de Concursos Literários? Qual sua visão sobre eles? Acha que eles têm “marmelada”?

CR – Concorrer é, para mim, um verdadeiro vício! Concorro como um desafio a mim mesma. Seria hipocrisia dizer que não gosto de ganhar, mas, ganho e perco, sem questionamentos. Festejo uma vitória como se fora a primeira e a última! E consigo alegrar-me com a vitória dos meus irmãos! Não gosto é de preparar tudo e, afinal, deixar passar o prazo, sem postar o envelope. E como isso acontece!

Quanto à pergunta se há “marmelada” em Concursos, digo, e espero estar certa, que não há! O que se ouve com relação a Concursos em que nomes dos Vencedores são repetidos, seria tão fácil de entender e aceitar quando não predominam despeitos nem vaidades feridas! Comparemos: Num campo de futebol, quem são os que marcam mais gols? O mesmo desempenho repete-se nos mais diferentes jogos. Logo, é de se esperar que os nomes de tais campeões estejam mais em evidência que os demais! Qual a solução para virar o jogo? Só há uma: – Jogar com mais eficiência para suplantar os demais concorrentes! Enquanto isto não for conseguido, o certo é aplaudir, fraternalmente, a vitória dos ganhadores, sem críticas mesquinhas! Aí está o verdadeiro prazer de concorrer! É preciso querer ganhar, quando se pode! Não apenas, quando se quer.

CRIAÇÃO LITERÁRIA

19 – Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa/ou muso pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial?

CR – É muito bom que haja uma situação psicologicamente definida quando alguém se decida a escrever. Então, é só derramar a alma sobre a folha de papel, ou tela de computador, sem comprometimento algum. É fazer um “clic” e deixar que os dedos captem o que o cérebro, a alma e o coração transmitem, numa espécie de coral afinado. Depois, é só burilar. Contudo, há os momentos de escrita, exigida, menos intimista sujeita a cargos ou Concursos, que pedem maior concentração.

Quando escrevo por diletantismo, não preciso, não, de um ambiente especial para escrever. Sempre desejei um cantinho todo meu, privativo, mas nunca consegui tê-lo! Habituei-me a “escrever” em ônibus, na direção de um carro, ou com crianças correndo em volta de mim, quando meus filhos eram ainda pequeninos. Escrevi sempre com a televisão ao meu lado, seguindo novela, e até só mentalmente, durante as tarefas domésticas. E, se não tenho papel para anotar, acabo perdendo muita coisa que poderia aproveitar. Esta é a sina da mulher! Mulher tem que criar tempo para tudo! Porque, antes de ser escritora, artista ou lá o que for, é apenas mulher e esse termo tem subdivisões prioritárias infinitas! Gosto de escrever com música! Ela nunca me perturba, até me ajuda! Não sei viver distante dela!

20 – Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os textos?

CR – O único livro que projetei foi o Príncipe da Trova. Fui coletando dados, agregando-os cronologicamente e desenvolvendo-os. Aliás, corrijo, as demais biografias também passaram por esse mesmo sistema. Quanto aos contos, poesias e trovas, obras de ficção, simplesmente acontecem. Já fiz um conto a partir de uma frase, a maioria dos sonetos, baseados num fecho, e a maioria das trovas, sob temas dados, ou seja, estipulados por Concursos.

21 – Você acredita que para ser poeta ou trovadora basta somente exercitar a escrita ou vocação? Isto é essencial?

CR – Tudo na vida precisa ser exercitado. Poesia é o que se pode chamar de dom, acho que já me referi a isto, mas a predisposição, para qualquer coisa, não é o bastante. Quem pretenda escrever e ser bem sucedido, precisa conhecer muito bem a língua que vai usar. E aprimora-la sempre! È o seu instrumento de trabalho. É preciso saber manipulá-la bem, estuda-la sempre, para que a inspiração possa ganhar asas e voar alto! Mas é preciso que se diga, que o poeta é poeta nato! Ao nascer, sua alma já vem carimbada! Se será bom ou mau poeta, é o que se saberá depois. Independe de cultura. Ser poeta é um estado de alma, é um dom! Vemos coisas lindas, cheias de conteúdo poético, expressas em linguagem precária, por artistas praticamente sem estudo, mas que têm a poesia dentro da alma e são poetas de fato! Como vemos, também, poesias elaboradas por gente que notoriamente esbanja cultura e que gostaria de ser poeta mas, infelizmente, não o é!

22 – No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

CR – Porcaria nunca fez bem a ninguém! Mas, eu, quando jovem, lia tudo o que me caia nas mãos, menos coisas pornográficas que, automaticamente meu íntimo repelia. Acho que é por isso que até hoje não gosto das trovas licenciosas, que andam por aí. E que sempre repudiei, em particular, as “escabrosas”, que nunca cheguei a ler e com as quais tentaram macular o Movimento Trovadoresco Brasileiro, canalizando um rio de águas turvas para que desaguasse no nosso meio. O bom, mesmo, é ler boa literatura, vinda de onde vier, o que sempre ajuda a evoluir.

O ESCRITOR E A LITERATURA

23 – Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

CR – Não gosto de citar nomes. Digo apenas que os autores que deveriam ser descobertos são aqueles que escrevem porque sentem prazer de escrever, sabendo dizer o que pretendem dizer. Esse ato de enxugar a alma numa folha de papel, realiza o anseio, incontido, de comunicação que nasceu com eles e que com eles morrerá, quer lhes dê, ou não, notoriedade ou sequer acolhimento público. Infelizmente, estes poetas ou escritores, são os que mais dificuldade têm de sair da gaveta, das rodinhas de amigos, das tertúlias íntimas e nem sempre chegam à mídia! O que lhes importa, mesmo, é exteriorizar as coisas que a alma dita e que morreriam sem vez, se a palavra escrita não lhes servisse de veículo para trazê-las à luz. Basta-lhes satisfazer a necessidade íntima de comunicação com seu próprio ego. E quanto talento se perde! E. em todas as áreas, quantos ensinamentos úteis vão morrendo embutidos, sem jamais chegar até aqueles a quem, talvez, pudessem ajudar ou tão-somente deleitar!

24 – Na sua opinião, que livro ou livros da literatura portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

CR – Ainda uma vez, evito citar nomes. Acho que, para quem quer ter uma visão o quanto possível ampla, da literatura luso-brasileira, deve começar lendo os clássicos da literatura tanto portuguesa como brasileira, tanto na prosa como na poesia Daí para a frente, o seu passeio pelas estantes vai se impondo de acordo com a evolução das fases que se sucedem, através de diferentes autores, até chegar aos ditos tempos modernos, com seus voos e quedas, com seu realismo, suas extravagâncias, hermetismos e crueza de linguagem que, não raro, nos impelem a procurar matar saudades das leituras mais amenas, que deleitaram nossa juventude, principalmente na área da poesia.

25 – Qual o papel do escritor na sociedade?

CR – A obra do escritor não tem fronteiras. Não há limites que cerceiem a sua criação, e, muito menos, cronológicos. Mas o escritor não é imune às influências do meio e da época em que vive. Seus escritos bebem a água da inspiração, na fonte que corre perto de seus pés. A voz do escritor incorpora a voz do seu tempo e, automaticamente, através do que escreve, passa a interagir, de acordo, ou não, com a vida que rola à sua volta, e até mesmo contra suas próprias convicções, segundo as exigências da personagem criada. Note-se, que há, sempre, escritores e poetas envolvidos nas grandes causas que o cercam e que acabam por marcar suas existências. É por isso, que podemos afirmar que poetas e escritores, em qualquer tempo ou lugar, são quase sempre ativistas sociais e arautos dos grandes acontecimentos que marcam o seu tempo.

26 – Há lugar para a poesia em nossos tempos?

CR – Logo que me iniciei na poesia, recebi um artigo de um poeta de São Paulo intitulado “A Poesia morreu!…” Arrepiei-me e dei-lhe resposta, escrevendo um outro artigo provando que a poesia ainda estava viva e que nunca morreria, porque o mundo precisava dela! Perdi esse artigo, que também foi para os jornais. Mas a minha opinião continua a mesma! Hoje, os tempos são outros, mais agressivos mais duros, mais frios…simplesmente mais, em tudo o que é mau! E, por isso mesmo, também mais do que nunca, o mundo precisa de ternura, de amor, de congraçamento, de fraternidade, de suavidade e de beleza – em suma, cada vez mais, o mundo precisa de Poesia! E há lugar para ela em nossos tempos?! Há sim… é empurrar o materialismo daqui, os excessos de vaidades dali, as prepotências, os ódios e outros tantos defeitos inerentes ao homem e então veremos que sempre há de sobrar um lugarzinho discreto para que a rosa da poesia se instale, desabroche e esparja seu inefável perfume. Perfume que atrai corações e une as almas! E estejamos certos, de que, quanto mais rudes e maus os tempos se tornarem, mais a poesia há de se manter indispensável!

UBT

27 – Pertencer à UBT muda o que em sua vida?

CR – Tudo! A UBT (União Brasileira de Trovadores) promoveu uma verdadeira revolução em minha vida! Filha única, eu tinha uma enorme carência de irmãos! Canalizei todo esse amor para meus filhos. Mas faltava ainda aquele afeto diferente, fraterno, da palavra amiga e dos sonhos divididos com igualdade. E, de uma hora para outra, ou seja, de 1960 em diante, quando entrei no turbilhão da Trova, através do GBT, (Grêmio Brasileiro de Trovadores) logo transformado em UBT, ganhei uma enxurrada de Irmãos e Irmãs, acolhidos por meu coração com um carinho deslumbrado, que talvez nenhum deles consiga jamais aquilatar! Foi uma glória para mim, encontrar gente amiga, que sonhava, pensava, sentia e se expressava poeticamente, da mesma forma que eu! E esse fascinante diletantismo de concorrer a concursos e conquistar prêmios,( ou não), passou a ser meu hobby predileto, porque me facultava a proximidade desses Irmãos e Irmãs que as artérias da Trova canalizaram para mim.

28 – O que é para a mulher atrás da trovadora pertencer à UBT?

CR – Quem indaga bem sabe que a pergunta é delicada. Não a contorno. A mulher atrás da trovadora, era a mulher sofrida que ninguém desconfiava que fosse. O casamento, à beira de um despenhadeiro! Incompatibilidade total! Dizer que a Poesia, em particular a Trova, foram uma fuga é quase ofendê-las, mas, ninguém pode fugir à verdade! Busco imagem melhor. Tanto a Poesia como a Trova foram aquela janela que consegui abrir para que o sol chegasse a mim e afastasse o inverno prematuro, que avançava e me envolvia cada vez mais! A UBT foi a mão amiga que destravou essa janela!

29 – Comente sobre algum fato curioso ou engraçado que tenha ocorrido em algum Concurso de Trovas.

CR – Há muitos fatos curiosos! Vejamos um, acontecido em Cambuquira, creio que em 1969. O tema do Concurso era Fonte. Eu tinha uma trova premiada, esta:

Sussurrando, com ternura,
prova a fonte, sem revolta,
como é possível ser pura,
mesmo tendo lama em volta!

Mas, ao ser-me entregue o livreto do Concurso, vi que meu nome não aparecia e minha trova fora publicada com o nome de outro autor. O promotor do Concurso desculpou-se muito, prometendo-me corrigir o erro em sua Coluna de Trovas, num jornal local. Tranquilizei-o, dizendo-lhe que não se preocupasse, essas coisas aconteciam com frequência. Uma semana depois, recebo, em minha casa, o referido jornal e o desconsolo do promotor que me dizia consternado: – “ Veja só, Carolina, o que fizeram com sua Trova!” E lá estava minha pobre trova, com o verbo sussurrando completamente deturpado, ou seja:

Surrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta… etc

“ – Mas, eu vou corrigir, Carolina, pode deixar”, completava o articulista.

Passa-se mais uma semana, e chega novo exemplar do jornal de Cambuquira, com esta calamidade:

Urrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta etc

Vinha junto, um recadinho desconsolado, escrito de próprio punho, que me fez rir um bocado:

“- Mil perdões, Carolina! Desisto!”

Daí em diante, prometi a mim mesma, que nunca mais usaria esse perigoso verbo, sussurrar, em trabalho algum!

30 – O que é a Trova para você como trovadora?

CR – Eu vinha dos sonetos e dos poemas de muitas estrofes.. Meu primeiro livro de poesias, de nome, “Sempre”, é uma prova disto. A Trova me disciplinou, impondo-me a síntese. Tenho um ou outro soneto cuja base é uma trova e tenho trovas que desenvolvi em sonetos.

E percebo que, tudo o que há de mais substancial, está nos quatro versos de sete sílabas da trova. O mais, que tece a trama ampla do soneto, mesmo sem ser supérfluo, é rendilhado decorativo.

A PESSOA POR TRÁS DA ESCRITORA

31 – O que a choca hoje em dia?

CR – Muita coisa me choca, hoje em dia! A insinceridade, as injustiças, os desmandos políticos, a corrupção, a falta de caráter; o poder dissociado da responsabilidade, os rumos da educação e da saúde, a paternidade irresponsável, a exploração das crianças, o descalabro e propagação do poder nocivo das drogas, a falta de respeito para com os idosos; a sexualidade exacerbada e precoce dos jovens e consequente banalização do amor; a ausência de uma religião, a falta de fé e do amor a Deus, o desamor à vida e a facilidade com que se trama uma guerra! Mas, é melhor parar por aqui, ou a lista ficará por demais extensa!

32 – O que mais lê hoje?

CR – Para ser bastante sincera, devo dizer que hoje mais escrevo do que leio. Mesmo assim, leio tudo o que me cai em mãos, ou dois ou três livros ao mesmo tempo, sem mais aquele estoicismo, inicial, de ir até a última página, mesmo não sendo a leitura do meu total agrado. Recebo muitos livros e não lhes dou resposta sem lê-los. Isto toma tempo! Assim, tenho que dividir minhas horas, inclusive de sono, entre encargos domésticos e sociais, o fascínio do computador e os momentos repousantes que um livro, de livre escolha, possa me oferecer.

33 – Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

CR – Nunca deixei de escrever, mesmo ocupada com outros afazeres, cargos etc, mas, dormi no tempo, trabalhando para entidades e acumulando trabalhos meus que poderiam estar publicados. Assim, minha meta atual é colocar em dia os livros que praticamente estão prontos, dependentes de seleção e revisão. Quanto a projetos, gostaria, se Deus me desse algum tempo mais, de terminar e levar a público meu livro, “Canta, sabiá!” de prosa e poesias baseadas em temas folclóricos. E gostaria também de voltar a pintar e frequentar algumas aulas de teclado, já que dei meu piano à minha neta e sinto falta dele, pois não sei viver sem música! Penso, também de voltar a dedicar-me a obras sociais. Mas, a saúde e a vontade de Deus decidirão. Tudo está no terreno das veleidades, que nem chegam a ser sonho!

34 – De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

CR – Precária! Só aquele que ainda é capaz de sonhar, se interessa pela cultura. Nosso povo é ingenuamente criativo, é sonhador por natureza, gosta de arte, mas a luta entre o “feijão e o sonho” continua cada vez mais árdua! E qualquer ajuda oficial, na hora do aperto, os primeiros cortes vão para a área da cultura. Isto poda as asas dos artistas e os seus voos só podem ser rasteiros. Mesmo assim, o brasileiro canta, toca, compõe, modela, cria e o quanto possível sonha, porque aquele que nasce artista sempre encontra um meio de dar vaza às suas tendências, buscando inspiração mesmo dentro da rústica precariedade que o cerca. E é assim que vão se multiplicando gerações de cantadores, cordelistas, violeiros, artesãos e pintores, que enfeitam, com a ingenuidade da sua arte, a cultura popular deste nosso Brasil.

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

35 – Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?

CR – Quem sou eu para dar conselhos?! Tentarei. Quando alguém pretenda começar a escrever, deve preocupar-se, a priori, com o manejo da língua pátria. Estudar, estudar muito! Estudar a vida inteira, para errar o quanto menos possível! Quem quer tocar um instrumento estuda o seu manejo. Pratica! E assim acontece em qualquer área.

O computador, a máquina de escrever, a caneta, o lápis, são meios utilizados na grafia das palavras, mas, o instrumento propriamente dito do escritor, é o seu idioma.

Antes de dedicar-se à escrita, portanto estude e leia. A leitura ajuda muito! Deve ser uma espécie de hábito compulsivo. A receita é ler, ler e ler sempre, autores nacionais e também, estrangeiros. Quando se sentir seguro, então escreva. A princípio, para si mesmo, com sinceridade, fluência como se só você fosse ler o que deixar no papel. Aceite, com humildade as ponderações dos que procurarem ajuda-lo e não se deixe abater por possíveis críticas acerbas e não construtivas, capazes de desestimula-lo.

E acredite que, se escrever lhe agrada de fato, o texto concebido há de ser sempre o seu maior prêmio! Isto é o que eu diria, com toda a sinceridade aos que se iniciam no caminho das Letras.

36 – O que é preciso para ser um bom poeta ou trovador?

CR – 1) – Ter alma e coração, ou seja sensibilidade. E também certa predisposição poética, que já nasce com ele e com ele deverá crescer.
2) – Amar a Trova, conhecer e estudar, a fundo, a sua técnica e requisitos principais.
3) – No que se refere a atitudes: – Quem pretenda tornar-se um “bom” trovador, deve entrar no Universo da Trova, para somar e não para dividir! Para respeitar, e ser respeitado! Enfim, para fazer amigos, evitando ferir e criar opositores. Indispensáveis, também, trazer consigo alguma humildade, espírito fraterno e isenção de vaidades excessivas. Ninguém poderá vencer sempre, mesmo sendo um bom trovador! E como é feliz quem, sem maledicências, consegue alegrar-se com a vitória dos demais! Aquele que é capaz de crescer e evoluir graças aos seus esforços e principalmente do seu talento inato, tarde ou cedo, há de ser um autêntico trovador, de valor reconhecido e querido por todos! Sua atuação só poderá engrandecer o tão bonito e atuante Movimento Trovadoresco, que avança a passos largos e tantos momentos felizes proporciona aos seus seguidores!

37 – Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, críticas etc…

CR – Já me alonguei demasiado. Abusaria um pouco mais, citando os meus livros publicados. São eles: Sempre (Poesia); Cantigas feitas de Sonho (trovas); Espanha (poema épico 2ª ed.); Rui Ribeiro Couto- Vida e Obra (biog); Trovas que Cantam por Mim; Interlúdio (Contos); Paulo Setúbal –Uma Vida/Uma Obra (biog. parceria com Cláudio de Cápua); Feliz Natal ( contos natalinos); Evocação (parc. c/ Edith Prata Real); Príncipe da Trova (biog); Saga de uma Vida (biog.); Um Amigo Especial (ficção para juventude) Liberdade – Sonho de todos (prosa e poesia), Destino (poesias)

Livros Inéditos: Contos ; Mosaicos (trovas); Canta , Sabiá! (folclore)

38 – Se Deus parasse na sua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?
CR- Em termos globais: – PAZ, JUSTIÇA E AMOR. Urgentemente!!!

Fontes:
http://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult016.htm
Instituto Histórico e Geográfico de Santos. http://www.ihgs.com.br/
Pavilhao Literario Singrando Horizontes
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br/2011/01/carolina-ramos-escritora-atras-da.html

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Aquarela de Trovas n. 1

Mesmo soltas e espalhadas,   
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

No refúgio de teus braços
 encontro a felicidade,
 mas, longe de teus abraços,
 viro refém da saudade!
ALICE CRISTINA VELHO BRANDÃO
Caxias do Sul/RS

 
Se de barro fomos feitos
nesta olaria divina,
somos dois corpos perfeitos
partilhando a mesma sina.
ANTONIO FACCI
Maringá/PR

A vida é um laço apertado
que nos tortura sem dó;
e quanto mais amarrado,
mais atado fica o nó!
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis/RJ

Sou feliz! Não vivo ao lado
das estrelas na amplidão,
mas posso ter um punhado
de vaga-lumes na mão.
ANTONIO ROBERTO FERNANDES
Campos/RJ

Não te peço, Deus amigo,
igual multiplicação:
basta o milagre do trigo,
que a gente o transforma em pão!
ARLINDO TADEU HAGEN
Belo Horizonte/MG

As almas de muita gente
São como o rio profundo:
-A face tão transparente,
E quanto lodo no fundo!…
BELMIRO BRAGA
Juiz de Fora/MG

Em meus vagares tristonhos,
um repouso, em vão, procuro,
e a caravela dos sonhos
não acha um porto seguro!…
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

A canção do amor primeiro
O teu sorriso gravou…
Mas foi assim tão ligeiro,
como o vento que passou!
CIDINHA FRIGERI
Londrina/PR

Da Tribuna, manda o aviso:
 – Não roubo por ser ladrão,
 tampouco porque preciso,
 mas por coceira na mão!
CLÁUDIO DERLI SILVEIRA
Porto Alegre/RS

Coincidência que me arrasa,
que me assusta e me espezinha…
– Meu marido chega em casa
quando cehga o da vizinha!
CLENIR NEVES RIBEIRO
Nova Friburgo/RJ

Não pule do trem do tempo
em desembarque apressado.
Viaje sem contratempo
e não pare adiantado.
DINAIR LEITE
Paranavaí/PR

Bendigo a mão calejada
que, num trabalho fecundo,
presa ao cabo de uma enxada,
dá cabo à fome do mundo!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Rio de Janeiro/RJ

Quem dera se o povo inteiro,
num gesto de amor profundo,
fosse apenas jardineiro
plantando rosas no mundo!
EDUARDO A. O. TOLEDO
Pouso Alegre/MG

No tear da solidão,
rendeiro em dias tristonhos,
basta um fio de ilusão
para tecer os meus sonhos!
ELIZABETH SOUZA CRUZ
Nova Friburgo/RJ

Nesta vida de atropelos
os empecilhos são tantos,
que já afoguei meus apelos
na correnteza dos prantos.
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE

O meu amor é bonito,
é grande, imenso, sem fim…
É bem maior que o infinito,
mas cabe dentro de mim!
GISLAINE CANALES
Porto Alegre/RS

Na vidraça do passado,
onde revivo os meus sonhos,
sinto a saudade ao meu lado
nos longos dias tristonhos.
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

Meu barracão na favela,
Onde vou vivendo ao léu,
Na moldura da janela,
Não tem vidraça: -Tem céu!
JOSÉ ANTONIO JACOB
Juiz de Fora/MG

Vejo tanta mulher feia,
Mas muitos homens também.
Colocando-os na cadeia,
não sobra quase ninguém…
JOSÉ FELDMAN
 Maringá/PR

Baú velho, tampo torto,
cartas e fotos mofando…
-Refúgio de um sonho morto
que eu vivo ressuscitando!…
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP

Saudade, quase se explica
Nesta trova que te dou:
Saudade é tudo que fica
Daquilo que não ficou.
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ

 
Se a vida apaga as estrelas
e espalha trevas na estrada,
meu sonho pode acendê-las
criando luzes…do nada!…
MARIA LUA
Nova Friburgo/RJ

Quisera ser um brinquedo
      ou ser fios de esperanças,
para morar em segredo
no coração das crianças!
MARIA NASCIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Soprei. Apagou-se a chama.
      Disse-te adeus em seguida.
-Quem diz adeus a quem ama
diz adeus à própria vida!
OLEGÁRIO MARIANO
Recife/PE

Ó Senhor, com o teu poder,
    deixa na praia eu sonhar,
pois as ondas irão ver
que eu também pertenço ao mar!
SARAH RODRIGUES
Belém/PA

Amigos que não convém
São aves de arribação:
– Se faz bom tempo eles vêm…
– Se faz mau tempo eles vão…
SOARES DA CUNHA
Belo Horizonte/MG

Feliz quem, olhos sem pranto,
viu-se, alegre, envelhecer,
tanto amando e amando tanto
que se esqueceu de morrer.
TRIGUEIRO LINS
Santos/SP

Num dos lances mais astutos
que a vida tem-me inspirado,
eu mostro os olhos enxutos,
e escondo o lenço molhado.
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba

Amor, um santo remédio,
que revitaliza e cura.
Livra-nos de qualquer tédio,
também nos leva à loucura.
VÃNIA MARIA SOUZA ENNES
Curitiba

Virtude é vaso lavrado,
cristal de fino lavor,
mas que perde, se trincado,
quase todo o seu valor.
WALTER WAENY
Santos/SP


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John Banville (O Mar)

O escritor e crítico literário irlandês John Banville, 61 anos, é quase um desconhecido do público brasileiro. O que não chega a ser surpresa: ele também não goza lá de grande fama entre os leitores anglófonos. Considerado um autor “difícil” por sua prosa poeticamente trabalhada e pelo ritmo lento de suas narrativas, Banville nunca teve vendas além de uns poucos milhares de exemplares – tiragem de ficcionista brasileiro – até ganhar o Booker Prize de 2005, e com ele uma avalanche de manchetes, por este “O mar”. O romance é narrado de forma não linear por um crítico de arte de meia-idade que, tentando se recuperar da morte da mulher, retorna à cidadezinha praiana onde passava férias na infância e mergulha num mar de memórias dolorosas. A maior parte da crítica internacional saudou o livro como a obra-prima de Banville, e os elogios, embora eu ainda esteja no início da leitura, me parecem fundados.

A sinopse do livro nos conta o seguinte: “Neste romance, John Banville constrói uma narrativa emocionante, trabalhando a linguagem como um grande artista. Em ‘O mar’, Banville conta uma história com vários momentos, na qual o narrador, Max Morden, procura viver o presente e o futuro no passado, na busca por recuperar-se da constante presença da morte.”

Banville constrói sua narrativa com idas e vindas em seu passado, presente e por assim dizer a projeção do futuro. Narrativa entrecortada, mas que com as palavras certas, e um certo tom irônico e às vezes cômico, nos leva a participar da história, da sua dor, da construção da sua vida e dos momentos por vezes imaginário.

Lidar com perdas, com dor, não é tarefa simples, mas não o torna um livro pesado e arrastado, pelo contrário, apesar de ter deixado em mim algumas marcas, é uma narrativa que nos faz pensar em algumas coisas sim, acerca da vida e da morte.

Em alguns trechos do livro, nos identificamos, pois a linguagem simples e clara do autor, nos leva a essa imediata empatia.

A beleza hipnótica de sua prosa, conservada pela tradução, brilha no trecho abaixo, que abre o livro:

Os deuses partiram no dia daquela maré estranha. Durante toda a manhã, sob um céu leitoso, as águas da baía foram subindo, subindo, atingindo alturas inauditas, com pequenas ondas lambendo a areia ressecada que, por anos a fio, não soube o que era umidade, a não ser pela chuva, e chegando até a base das dunas. Os despojos enferrujados do velho navio encalhado lá na entrada da barra, e que, para qualquer um de nós, estavam naquele lugar desde sempre, devem ter achado que tinha chegado a hora de voltar a navegar. Depois daquele dia, nunca mais nadei. As aves gritavam e mergulhavam do céu, parecendo perturbadas pelo espetáculo daquela imensa bacia cheia de água que inchava como uma bolha de um azul quase chumbo malignamente reluzente. Naquele dia, os pássaros estavam mais brancos, com uma cor nada natural. As ondas iam deixando uma faixa de espuma amarelada na areia. Nenhuma vela manchava a linha do horizonte. Não, não voltei a nadar depois desse dia. Nunca mais.

Acabou de passar alguém sobre o meu túmulo. Alguém.

A casa se chama Os Cedros, como antigamente. Um punhado eriçado dessas árvores, de um marrom cor-de-macaco, um cheiro rançoso de resina e os troncos assustadoramente retorcidos, ainda cresce à esquerda da casa, diante de um gramado maltratado que fica defronte da grande janela abaulada do cômodo que era a sala de visitas, mas que Miss Vavasour, como boa profissional do ramo, preferia chamar de saguão. A porta da frente fica do outro lado, dando para um pátio quadrado, recoberto de cascalho manchado de óleo, logo depois do portão ainda pintado de verde, embora a ferrugem tenha reduzido aquela pomposa grade a uma frágil filigrana. Fiquei impressionado ao ver como tudo mudou tão pouco nos mais de cinqüenta anos que se passaram desde que estive aqui pela última vez. Impressionado, e desapontado. Diria até horrorizado, por razões que não consigo descobrir; afinal, por que eu desejaria que as coisas houvessem mudado, logo eu, que voltei a viver em meio aos escombros do passado?

Não sei por que a casa foi construída desse jeito, de lado, com uma parede branca e sem janelas virada para a rua; talvez, em outros tempos, antes da construção da estrada de ferro, o traçado da rua também fosse diferente, passando bem diante da porta da frente. Tudo é possível… Miss V. é bastante vaga quanto a datas, mas acha que, de início, construíram ali uma casinha pequena, em princípios do século passado, quero dizer, do anterior, estou perdendo a noção dos milênios, e, depois, foram fazendo obras e aumentando a casa meio aleatoriamente ao longo dos anos. Isso explicaria o ar caótico daquela construção, com salinhas que dão passagem para outras salas maiores, janelas que se abrem para paredes cegas, e tetos baixos de ponta a ponta da casa. O assoalho de pinho dá um toque náutico ao local, assim como a minha cadeira de rodinhas, com encosto de ripas de madeira. Posso até imaginar um velho lobo-do-mar, cochilando ao pé da lareira, finalmente assentado em terra firme, e o vento do inverno fazendo as janelas baterem. Ah, ser esse marinheiro… Ter sido ele…

Quando estive aqui tantos anos atrás, no tempo dos deuses, Os Cedros era uma casa de veraneio, alugada por quinzena ou por mês. Todo ano, em junho, um médico rico e sua família estridente infestavam o lugar — não gostávamos dos seus filhos esganiçados, que riam de nós e ficavam nos atirando pedras, protegidos pela barreira impenetrável do portão. Depois deles, vinha um casal misterioso, de meia-idade, que não falava com ninguém e quase toda manhã levava, sempre de cara amarrada, o cachorro salsicha para passear, descendo a Station Road até a praia. Para nós, agosto era o mês mais interessante naquela casa. A cada ano, havia inquilinos diferentes, gente da Inglaterra ou do Continente; uns casais esquisitos em lua-de-mel, que ficávamos tentando espionar, e, certa vez, veio inclusive uma trupe de teatro ambulante que estava se apresentando na matinê do cinema do vilarejo, com o seu telhado de zinco. E, então, naquele ano, veio a família Grace.

“Há momentos em que o passado tem tanta força que parece que vamos ser aniquilados por ele.” página 43

E mais um trecho que faz pensar bastante:

“Os últimos raios de luz do dia, que eu podia ver em parte pela metade superior da janela do bar que não era pintada, tinham aquela tonalidade raivosa de um marrom-arroxeado que acho comovente, mas, ao mesmo tempo, perturbadora, e que é a própria cor do inverno. Não que eu tenha algo contra o inverno; na verdade, é a minha estação favorita, juntamente com o outono; mas, este ano, esse brilho de novembro parecia o presságio de algo mais do que o inverno, e mergulhei num clima de amarga melancolia.” página 212

Os livros nos escolhem e sempre nos impregnam com suas linhas e palavras, para mim é mágico, por vezes curativo, por vezes arrebatador e também serve de alerta.

Fontes:
Letícia Alves in  http://www.minhastempestades.com.br/2013/04/o-mar-john-banville.html
Sérgio Rodrigues in http://veja.abril.com.br/blog/todoprosa/primeira-mao/john-banville-o-mar/

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Lídia Serras Pereira (Eterno elo)

Cada Natal que passa vem lembrar
outro Natal distante e venturoso
onde tudo era luz e riso e gozo
e a vida, um lindo sonho p’ra sonhar.

Se quanto recebemos vamos dar
p’ra um Natal melhor e mais ditoso,
tudo volta a ser luz e radioso
um sorriso feliz há-de aflorar.

Num presépio, Jesus todo nuzinho
mais um brinquedo a pôr no sapatinho,
no coração, a mais, uma saudade.

Natal do Deus Menino, como és belo,
porque és o grande, o doce, eterno elo,
a unir entre si, a Humanidade!

(Do livro “Sonetos”, de Lídia Serras Pereira – 1964

Fonte:
Boletim de Informação e Cultura da Câmara Municipal de Sardoal – Trimestral – Ano 14 – outubro a dezembro 2012. n. 72.

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Lídia Serras Pereira

Elvira Lídia Valente Correia Serras Pereira, nasceu em Algôz, no Algarve, Portugal, em Janeiro de 1903. Está ligada ao Sardoal através do casamento com o prestigiado escritor e filósofo António Serras Pereira, natural desta vila. Casaram em 1931, após se terem conhecido num baile da faculdade. Tiveram uma única filha, Maria Helena, já falecida.

Lídia foi homenageada, a título  póstumo, pela Junta de Freguesia de Silves, pela sua actividade cultural, artística e de colaboradora em programas infantis em rádios nacionais. Enquanto residiu entre nós foi uma grande militante associativista, integrando os grupos cénicos que se constituíam para apresentação de récitas.

Em conjunto com Gregório Cascalheira foi autora de muitos textos e versos desses espectáculos.

De Lídia Serras Pereira existem as seguintes obras publicadas:

“Bicharada Endiabrada” (contos infantis em verso – 1941),
“O Pinto Pintalegrete” (contos infantis em prosa – 1944),
“A Bravata de D. Barata” (1945) e
“A Burrinha Toleirona” (1947),
todos da Clássica Editora, de Lisboa.

Quanto a outros géneros, escreveu o romance regional

“Como Nasce um Romance”, editado pela Empresa Literária Fluminense (1944).

Após o seu falecimento, a família publicou as duas obras a título póstumo, “Sonetos” (1964) e “Quadras Soltas” (1965).

“O Século”, um jornal diário já extinto, disse em 1964 que o volume “Sonetos”, de Lídia Serras Pereira reúne “uma admirável série de poesia”. Apesar do livro ser publicado alguns meses depois da morte da autora, precisamente em 1964, o periódico escreve: “a poetisa mostra-nos, em todos os seus versos, uma inspiração rica e uma delicada sensibilidade. Os sonetos são todos perfeitos, de uma fluência encantadora, e difícil se torna dizer qual é a composição melhor e a mais linda. As imagens são belas, e no classicismo de forma encontramos outro motivo para apontar o livro como uma das melhores obras poéticas publicadas nestes últimos tempos. Os modernismos, os versos sem rima, deformados e sem regras, não tocaram, felizmente, a autora.”

Fonte:
Boletim de Informação e Cultura da Câmara Municipal de Sardoal . Bimestral – N.º 58 – Ano 10 – Maio/Junho de 2009.

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Herman Lima (Alma Bárbara)

A Leão de Vasconcelos

             Pois foi assim, meu amo. Nesse tempo, nós andávamos pelo sertão, a serviço do coronel Feitosa, do Icó, por via de uns negócios de política. O Pedro, o patrão deve estar lembrado dele. Negro famanaz, vivedor como trinta, baixo e grosso como um toro de aroeira, com uns beiços revirados, e umas ventas rombudas, como amassadas de murro. Contador de quantos casos de amor e de briga ouvi neste mundo, toda cabocla ele dizia que podia possuir, não achava homem que o fizesse voltar atrás. E, a propósito, deixe contar-lhe.

            Uma noite de lua, num forró de casamento, lá na Barreira Preta, no Aracati, quando ainda era, a bem dizer, meninote, o Pedro, encontrando a Ritinha da Venância, uma morena de papoco, falou pra cabeça dela, e foram os dois passear de bote, escondidos, no lagamar confronte. No princípio, o negro ainda se lembrou dos remos, e remou até o meio do rio. O rio estava uma prata. No brejal escuro das margens, berrava a saparia do inverno, assim, zôôôm… Só de longe em longe, um vulto de pescador aparecia, tarrafeando nos baixios. E a cabocla, na proa, olhando o lume do luar tremer nas águas, cantava como uma sereia encantada, dessas que tentam os marinheiros no alto mar. Depois, o negro pegou a se queixar dos braços, descansou os remos atravessados na beirada do barco, e foi sentar-se mais a moça. E tantas coisas fez e achou, meu amo, que quando sentiu foram as pancadas do mar no casco da canoa. Num pulo, deixando a morena quase desmaiada no fundo do bote, o Pedro atirou-se para os remos. Mas, qual. Logo que o barco entrou nas ondas, os remos tinham rolado na água. De forma que o preto botou as mãos na cabeça, assuntando, porque o caso estava mesmo feio. Mirando o céu, ele viu, pelo Cruzeiro grande, que havia de ser meia-noite, pelo menos. Nessa hora, naquelas alturas, só Deus com um gancho lhe podia valer. Assim, não assuntou muito tempo, e tratou de espertar a mulata. Mandou que ela se despisse e fizesse uma trouxa da roupa, que ele amarrou nas costas. E, tomando a pobre nos braços, atirou-se ao mar, nadou até a praia. Como a moça não podia voltar pro baile, por via da distância e das roupas ensopadas de água, o negro achou melhor levá-la pra casa de uma tia, que morava ali perto, no Fortim. No dia seguinte, toda a gente sabia do acontecido. O Pedro mesmo não negou o passeio. E a Ritinha, assim, caiu na boca do mundo. Mas, daí a uns tempos, como a mulata era mesmo um mimozinho deveras, não tardou em acender uma paixão de louco no coração de um cabra fornido, passador de gado nos sertões do Limoeiro, que andava há coisa de três semanas por ali. Quando o Pedro viu o cabra todo derretido pela Ritinha, tratou de ajudar-lhe o xodó, enquanto preparava a pobrezinha, dando de um tudo a ela. Até umas bichas de ouro, em forma de meia lua, ele deu.

            Mas, aí, como sempre, não faltou um malvado, que foi contar o passeio do rio ao boiadeiro. Mas o cabra, que estava mesmo de beiço pela morena, desprezou a conversa, ainda disse o diabo ao intrigante. Pra encurtar a história, o homem casou sempre com a Ritinha. Pois o Pedro, um dia, meteu na cabeça que devia contar-lhe tudo, e contou.

            – E ele?

            – Pra lhe falar verdade, meu amo, eu não acreditei muito no que o negro me disse a respeito. Mas ele jurou pela fé em Deus, fazendo cruz na boca, que o outro não fez coisíssima nenhuma. O certo é que uma feita, conversando muito distraído, o preto me falou numa sentença sofrida na cadeia do Aracati; e, num domingo, quando nos banhávamos no açude do João Lopes, na Fortaleza, descobri, lá nele, aqui, embaixo da pá, um risco de faca de dois palmos. Quando lhe mostrei aquilo, o Pedro fechou a cara, disse de mau modo que não era nada, tinha sido uma chifrada de marruá, no tempo dele menino. Deus me perdoe, patrão, mas só me parece que ali andava obra do cabra da Ritinha, e ninguém me tira da ideia que o Pedro tenha feito alguma a ele.

            Mas, bom. Como ia dizendo, o caso foi assim. Nós tínhamos chegado no Crato, numa quinta-feira, devendo voltar na outra semana. Quando foi no domingo, como não tivesse serviço, arreamos os cavalos de manhãzinha e nos atiramos no mundo, cada qual no seu rumo. Eu tombei pra venda do Zé Bacurau, onde fiquei até a boca da noite, mais uns freteiros de folga, numa partida de – vinte-e-um, que me limpou os cobres. Na volta, chegando em casa, já com a lua de fora, encontrei o Pedro estirado na tipoia, com uma ponta de mata-rato no queixo. Quando me viu, o preto fez ar de alegria, foi logo dizendo que tinha uma história pra contar. Aí, eu fui coar um gole de café com rapadura, e bebi pelo pires, soprando, danado, pra ouvir o negro. Porque o diabo do homem, patrão, sabia mesmo enrabichar a gente com as falas. Com pouco, eu estava outra vez junto dele, na minha rede, mascando minha felpa de mapinguim. E, metido na tipoia, com um pé no chão pra dar o balanço, o Pedro contou que tinha ido pras bandas do Salgado, chegando num ponto em que foi preciso romper o mato, pra alcançar o rio. A manhã estava bonita, não havia hora melhor para um banho. E já ele tinha desapeado, quando avistou, mais pra cima um pedaço, uma cabocla novinha, nuazinha, trepada numa pedra, mirando-se na água serena que passava. Vendo que a mulatinha não tinha dado por ele, o negro, muito de manso, prendeu o cavalo num buritizeiro, e foi rastejando, rastejando, pelo mato, num piso de sussuarana, até que topou com as roupas da moça escondidas numas moitas. O preto logo assentou um plano. Mais que depressa, agarrou nos vestidos e de repente apareceu à morena. A pobrezinha, como se tivesse visto o Maligno, soltou um grito tamanho, e mergulhou como pecapara assustada. O rio aí já era de nado. Com pouco mais, adiante, ela botou a cabecinha de fora, olhando muito agoniada, sem saber o que fazer. Enquanto o Pedro, muito bem sentado na ribanceira, mostrava-lhe as roupas, rindo para ela, e chamando-lhe quantos nomes de amor sabia. E disse que não tivesse medo, viesse buscar os paninhos, que ele não lhe fazia mal, queria só um beijo dela dado assim nua como estava. Isso ele dizia, meu amo, mas só dos dentes pra fora. Deus me perdoe. Pois alguém acredita que o negro não tivesse má tenção, armando aquele mundéu à coitadinha? No mais, o patrão faça de contas que era ele numa hora dessas, e veja lá se tinha coragem de resistir… Pois a verdade é que a mulatinha pareceu adivinhar os desejos do preto, e desatou a chorar, disposta a morrer, mais antes do que se apresentar despida a ele. Nessa ideia, fez o pelo-sinal, e se soltou no rio. Aí, o Pedro mediu toda a ruindade da ação que estava praticando, e sentiu os olhos cheios de água, com pena e dó da criança. Atirando as roupas no chão, despiu a camisa, e jogou-se na correnteza. A moça, nesse tempo, já ia longe, enrolada nos cabelos, arrastada pelo rio. O negro mergulhou, e nadando por baixo da água, como um peixe, foi tomar fôlego já nos calcanhares da cabocla. Com duas braçadas mais, emparelhou com ela, e, agarrando-a pela cintura, nadou com força pra terra, como tinha feito com a outra, lá no Aracati.

            Garanto, meu amo, que o negro, me contando isso, ficava ainda com os olhos afogados de pranto, como quem atravessa a fumaça de um incêndio… Coisas do coração, moço, mas não é? Pois, quando vinha trazendo a moça pro seco, apertando contra o peito aquele corpinho novo, macio e cheiroso, que nem uma fruta do mato, o preto me disse que só sentia uma bondade tão grande, uma pena tão esquisita, como se fosse Nossa Senhora que ele tivesse salvado das águas. Acredite se quiser, meu patrão, mas o negro botou a caboclinha na beira do rio, com o mesmo amor de uma mãe, deitando o filhinho na rede. Quando viu que ele não lhe fazia maldade, a mulata descruzou os braços que escondiam o peito tentador, e num jeito de onça enrolou-se toda nas roupas. Aí, o Pedro enfiou a camisa, e foi-s’embora, sem mesmo olhar pra trás.

            No fim da semana, estávamos de viagem. Tínhamos deixado o Crato de madrugada, no segundo canto do galo. Os cavalos eram bons, bralhadores famosos, de forma que às onze horas tínhamos tirado oito léguas. Aí, fizemos uma parada, pro almoço, na sombra de uma oiticica verde, que ficava mesmo cobrindo a picada. Os animais ali por perto babujavam o capinzinho da vereda. Acabando de comer meu bocado de paçoca e rapadura, fiz da carona travesseiro, e me deitei no chão, disposto a dormir um minutozinho. A mata, nessa hora, estava quieta, que nem capela vazia. Só se ouvia o chio-chio de uma cigarra cantadeira nas folhas e um ou outro sopro de venta dos cavalos cansados, roendo a erva. Ainda me lembro que estava dorme-não-dorme, quando o Pedro, que também tinha acabado de almoçar, levantou-se bocejando e se afastou pela estrada. Não sei dizer se tive tempo de dormir um cochilo, quando de repente um berro medonho encheu todo o mato. Num instante, me vi de pé, correndo como um doido, no rastro do negro, que fui achar pouco adiante, agarrado com um cabra moço e entroncado, como um mourão. Pelos modos, meu camarada tinha sido atacado de surpresa, nem teve tempo de se defender. E, antes de sair de meu assombro, o curiboca recuou num pulo, com os olhos relampeando, como uma onça acuada, e uma faca que era isto, encarnada de sangue, no punho. O Pedro se bambeou, com as mãos na barriga, como quem sofria uma grande dor. Aí, acudi com meu punhal desembainhado, e avistei uma coisa, patrão, que me tirou o sono muitas noites. O negro tinha levado uma estocada no vão do umbigo, que era mesmo uma barbaridade, as tripas tinham espocado, pois assim mesmo, quase de cócoras, procurando aguentar os bofes que escorriam para o chão, o preto arrancou a garrucha do quarto, e – ah! negro bom mesmo na hora! – levou um pé adiante, fazendo mira no assassino. Quando viu a arma alumiando, o cabra atirou-se pra cima dele, batendo o queixo que nem caititu furioso, mas já o tiro tinha estrondado por aquele sertão a fora. Aí, o homem deu um salto para o ar, como cabrito assustado, e caiu de bruços na estrada, sem bulir. Vendo-o derrubado, corri para o Pedro, que também tinha rolado na areia. Tomei a cabeça dele nas mãos, quis ver se ainda o levantava. Mas o pobre pegou a revirar os olhos, gemendo como doente de “puxado” no inverno. Só teve tempo de chegar a boca no meu ouvido, e disse, apontando o outro: – “É o irmão daquela diaba!”. – A cabeça pendeu pra trás, o corpo amoleceu nos meus braços. Estava morto, meu patrão!

            Por causa disto, tive de andar no mato, fugido como cangaceiro, dois anos e tanto. Hoje, ninguém fala mais no caso, posso estar por aqui, sem medo. Mas, pra acabar a história direito, voltando uma vez no Crato, todo barbado e diferente, pra não me conhecerem, soube que o assassino do Pedro era um irmão da mulatinha do rio. Um comboieiro tinha encontrado os dois corpos na estrada, galopou como um doido até a cidade, e tudo se descobriu.

            Já vê, meu amo, que não serviu de nada a boa ação do preto, não tocando num cabelo da morena. Se ele tivesse feito mal a ela, talvez que nem a descarada contasse o caso aos parentes. Como o pobre a tratou como uma santa do altar, achou bom vingar-se.

            Mulheres?!… Pode crer, patrão. Uma tira pelas outras. E é tudo uma pouca vergonha.

 (Herman Lima, Tigipió, 7ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1976)

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Herman Lima

Herman de Castro Lima (Fortaleza, 1897 – Rio de janeiro, 1981) trabalhou como auxiliar da estrada de rodagem de Aracati a Morada Nova. De volta à capital do Estado, foi escriturário da Delegacia Fiscal, transferindo-se, em 1922, para repartição congênere em Salvador, Bahia, onde se diplomaria em Medicina. De 1933 a 37 foi auxiliar da Presidência da República, indo depois para a Delegacia do Tesouro em Londres. Autor de livro fundamental intitulado Variações sobre o conto (1952), publicou nesse gênero dois livros, Tigipió (1924) e A Mãe-da-Água (1928).

            Depois de Gustavo Barroso, o nome mais importante da história curta cearense no início do século XX é o de Herman Lima, que se teria iniciado na elaboração desse tipo de prosa “por influência” da ficção do primeiro, na opinião de Sânzio de Azevedo, que o chama de “mestre incontestável, na teoria e na prática, autor que seria de contos e livros sobre a técnica do conto”. Noticia Sânzio que a partir da terceira edição (1932) o primeiro livro sofreu alterações: teve incluídos o inédito “O Arrieiro” e três peças do segundo livro (“Os Caboclos”, “As Mulheres” e “A Mãe-dágua”). Na mesma nota, no final do livro, Herman Lima esclarece que não pretende “reeditar esse último, por ser um livro sem homogeneidade, composto de contos e crônicas”. O contista publicou também o romance Garimpos e obras de pesquisa, Rui e a Caricatura e História da Caricatura no Brasil, tido como sua principal obra e com a qual se tornou o maior conhecedor do assunto no país. Tornou-se, ainda, um dos grandes teóricos da história curta e escreveu Variações Sobre o Conto, com que mereceu os melhores elogios.

No mesmo ano de sua publicação, Tigipió recebeu prêmio da Academia Brasileira de Letras, apesar de impresso na Bahia e às expensas do autor. Quase todos os críticos brasileiros de então teceram grandes loas a Tigipió. Humberto de Campos escreveu: “O Sr. Herman Lima não é, entretanto, apenas um admirável fixador das coisas do sertão de que é filho. As suas qualidades de marinhista são, igualmente, consideráveis”. Carlos Drummond de Andrade também se rendeu aos encantos dos livros de Herman: “Há em Tigipió, como em Garimpos, uma identificação com a terra, uma visão amorosa e fiel de paisagens e seres, um sentido dramático das situações que tornam admiráveis muitos de seus contos e cenas do romance”. A composição de Herman estudada por F. S. Nascimento intitula-se “O Arrieiro” e, curiosamente, teve como primeiro título “O Camarada”, traduzido para o francês como “Le Muletier”, em 1935. Na lição de Nascimento, “aliando o senso de observação ao jogo impressionista das cores tropicais, Herman Lima se firmaria como um extraordinário paisagista, retratando com absoluta fidelidade as praias e os sertões do Ceará.”

Sânzio ensina: “narrativas como ‘Tigipió’, ‘Alma Bárbara’, ‘Os Sertanejos’, ‘O Arrieiro’, ‘Ventura Alheia’ e outros garantem a Herman Lima lugar do maior destaque no panorama do conto cearense, ele que na verdade já figura no panorama do conto brasileiro”. Em “Relendo Herman Lima”, de Dez Ensaios, o citado estudioso assegura: “Alguns contos de Tigipió são páginas soberbas, dignas de qualquer antologia do gênero: seja no clima fantástico de ‘Sereias’, no anedótico de ‘As Guabirabas’, ou no trágico de ‘Alma Bárbara’; em todas as narrativas sentimos o pulso do verdadeiro ficcionista”.

Nas 14 narrativas de Tigipió o leitor encontra um narrador voltado para a geografia que vai do litoral ao sertão cearense. Os dramas se desenrolam quase sempre em lugares abertos, amplos, devastados por secas. Aqui e ali aparece uma sala, um quarto. No mais das vezes, o leitor se vê diante de imensos espaços rurais, estradas, caminhos e praias. Os personagens são sertanejos endurecidos pela vida áspera, mulheres lindas, sensuais, sedutoras, pescadores igualmente embrutecidos. Vivem intrigas violentas, envoltas em amores frustrados, mistérios, vinganças, loucuras, traições, que terminam em tragédias pessoais ou familiares.

No entanto, a linguagem das narrativas é pomposa, recheada de vocábulos em desuso, mesmo na literatura escrita do século XX. Alguns não se encontram em dicionários: “Bandos de urubus, de vinte a trinta, frufrulejam (grifo nosso) as asas” (…). É até possível imaginar-se Herman Lima jovem diante dos livros de Coelho Neto, atento, maravilhado, a anotar esta e aquela frase: “O rancho negro desenvolveu-se em hemiciclo com os músicos ao centro zangarreando, as mulheres aos guinchos” (Coelho Neto, Rei Negro, p. 110, apud Novo Dicionário Aurélio). “E, aos primeiros compassos de um baião fogoso e estonteador zangarreado pelo vaqueiro” (…) (Herman Lima, “Sereias”). Entretanto, numa história em primeira pessoa, “Coração”, cujo narrador é um caboclo, João, a linguagem é naturalmente simples. O uso de vocábulos como “sufragante”, “maginando”, pass’os (pássaros) e relamp’os (relâmpagos) não tornam ininteligível a leitura.

Permeiam as narrações, quase sempre espichadas, longos períodos de descrições de ambientes e aspectos físicos de personagens. Assim, muitas vezes os personagens desaparecem para dar lugar ao ambiente, isto é, o leitor se vê diante de largos murais, pinturas do espaço onde vivem os personagens.

No conto “Tigipió”, o mais longo do livro, há referências a diversas cidades e localidades do Ceará, em tempo de seca, “uma só terra devastada e morta, savanas nuas, ermos escalvos”. Os personagens principais são o velho Cesário, sua filha Matilde e Heitor. Viviam os dois primeiros do “fabrico de chapéus de palha”, numa casinha de “tacaniça sem reboco”, no sertão, proximidades do Rio Jaguaribe. O cenário sertanejo reaparece em “Choça Vazia”, embora a narrativa se aproxime mais do gênero crônica: “À margem da estrada, entre a mata reinante, fica, num claro, vazia e silente, uma choça antiga.” Em “Ventura Alheia” vê-se um “tabuleiro ermo”, onde os personagens “viviam do cultivo das terras, lindas vazantes que se estendiam ao fundo das casas, à beira do riacho de Russas.” Um dos contos mais famosos de Herman Lima é “O Arrieiro”. O narrador, o engenheiro Norberto Sales, conta uma história vivida durante a seca de 1919, entre Aracati e Quixadá. Narra uma viagem do sertão a Fortaleza, assim como a volta. “Léguas e léguas sem fim,” (…) “o calor da fogueira universal esbraseando a paisagem de redor, o horizonte refervendo, e o céu e a terra, tudo envolto no mesmo turbilhão de labaredas invisíveis.” Como o título indica, em “Sertanejos” o drama se desenvolve também no sertão: a “várzea larga”, a “mata quieta”, estradas, veredas, cavalos, cangaceiros. No sertão de Quixeramobim vivia Juventina, de “Coração”. Que termina seus dias em Fortaleza, a mendigar. O início de “Os Caboclos” é uma descrição longa de um pedaço do sertão: várzeas imensas, cortadas de carnaubais. A última história do livro, “A Mãe-d’água”, quase tão longa quanto a primeira, encerra esse ciclo sertanejo. Hugo, o protagonista, viaja de Fortaleza para Aracati e, em seguida, para o sertão, nas proximidades de Limoeiro, para viver uma história de amor.

O espaço praiano e marinho do Ceará está presente nos demais contos de Tigipió. O primeiro deles é “Sereias”, como não poderia deixar de ser. O drama se inicia na praia de Meireles, em Fortaleza. O pescador Bento Caiçara vai ao mar, para pescar. Termina diante de sereias: “O pobre alçou-se em desvario, bracejou, ofegante, exausto, os membros chumbados, impotentes, os ouvidos zoando, ele todo numa luta surda e titânica, a reagir contra o assombro.” Em “Alma Bárbara” o drama se inicia num lugarejo praiano, próximo à cidade de Aracati, num “lagamar confronte”, e termina no mar. Em outra ação, no rio Salgado. Em “As Guabirabas” veem-se dunas, coqueirais, a praia e “ondas abrindo mansamente, em leque, esfroladas de espumas, morros alvíssimos, onde passavam pescadores, mais ao fim o farol” (…). Fortaleza reaparece em “As Mulheres”. O velho Rufino, lenhador e camaroeiro, vivia “à margem do rio Cocó”. Em “Gata Borralheira” a protagonista Genoveva vivia com uma tia viúva e suas duas filhas, sempre a correr a praia, “sozinha, à cata de mariscos”. Mais tarde, já mocinha, enamorou-se de um desconhecido, com quem se encontrava “sob as árvores”, “entre os cajueiros”. Mais adiante se dá o afogamento do namorado. A moça enlouquece: “Quando era noite de lua, a louquinha abalava para a praia, e ficava sobre um penedo rasteiro às vagas, atenta ao marulhar constante da onda.” E finalmente, ao “avistar” o iate branco do seu príncipe, nada em busca dele. “A onda erguia-a, repuxava-a, trepava-lhe pelos ombros.” No desfecho, a moça “ainda pôde jogar-lhe um beijo, antes de afundar.” Outra tragédia marinha se mostra em “Ressaca”. O velho pescador Manuel Lucas vivia, com a filha Rosa, “num casebre abandonado, além de Mucuripe, quase ao pé do farol.” Certo dia, ao voltar para casa, não encontra a moça. Desesperado, sai em busca da filha, pela praia. “Mas, de repente, um vagalhão estupendo, alto e negro como a muralha de um forte, ergueu-se-lhe em frente, a poucos passos.” E dá-se a tragédia.

Os personagens dos contos de Herman Lima são sertanejos embrutecidos pela seca e pela violência, pescadores afeitos à solidão do mar, às vezes aventureiros fora de seu habitat. As personagens são mulheres lindas, voltadas exclusivamente para o amor. O sertanejo Cesário, de “Tigipió”, se vinga da vida, ao provocar a própria morte, assim como a da filha e seu namorado Heitor. Matilde, a filha de Cesário, era “uma cabocla linda e viva, de tentadores encantos”. O desfecho de “Alma Bárbara” é outra tragédia. Pedro e o irmão da “mulatinha” que o primeiro tentara possuir num rio se matam, a golpes de faca. Ritinha, da mesma narrativa, “era mesmo um mimozinho deveras”. A outra, a mulatinha, apresentava um “corpinho novo, macio e cheiroso, que nem uma fruta do mato”. O engenheiro de “O Arrieiro” não é um sertanejo e vive momentos de angústia, ao se imaginar refém de perigoso assassino, Mariano, “feitor lombrosiano”. Viúvo, Rufino, de “As mulheres”, propõe casamento a Joana. Casados, conhece a mulher outro homem, João Vicente, o “paroara”. Inicia-se, então, a trama propriamente dita. Após uma briga, Vicente decide eliminar o rival e o mata. A mulher, no entanto, foge de casa só. Genoveva, de “Gata Borralheira”, ao se fazer púbere, é “trigueirinha e linda a valer”. Justino, de “Sertanejos”, é vingativo. Quando “rapazelho tímido”, a serviço do tio Zé Balaio, sofre deste duro castigo, ao “permitir” que uma égua se alarmasse “frente a um garrancho negro” e disso resultasse um rasgão num saco de farinha. Feito homem, se transforma em bandoleiro e ataca a tropa do tio. Juventina, de “Coração”, é pintada como a mais linda das mulheres: “Os olhos dela brilhavam, que nem duas estrelas Papaceia”. (…) “Os beiços eram duas fatias da fruta do mandacaru. E o colo – ah! Peitinho da minha paixão! – era empinado que nem peito de nambu, e macio como travesseiro de pêlo de croatá.” 

O apreço pelos naturalistas se pode perceber numa referência a Aluísio Azevedo no conto “Tigipió”. Como eles, Herman Lima também cultua a descrição de traços fisionômicos, físicos e psicológicos dos personagens. Justino, de “Ventura Alheia”, “era um caboclo airoso e vivo, muito fornido de corpo, de cara bonita e franca, de uma alegria sem par.” Damião, “pequenino, raquítico, o tronco abaulado, os ombros para cima, só tinha em proporção a cabeça, uma cabeçorra horrível, de olhos esbugalhados, vítreos e mansos, como olhos de peixe ou de sapo.” A beleza física estaria relacionada à beleza espiritual, assim como a feiúra corporal à deformação do caráter, da personalidade. Mariano, de “O Arrieiro”, tem “cara fosca e modos torvos, olhos injetados, trunfa caída sobre a testa, a dentuça vasta à mostra no prognatismo feroz, o corpanzil ereto e longo, com a musculatura enxuta do mestiço do Norte” (…).

Herman Lima não é apenas um dos melhores contistas cearenses do início do século XX. É também um dos mais autênticos narradores/descritores da paisagem e do homem cearenses.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Zé Lucas (Caderno de Trovas)

A ciência, sem suspeita,
será no mundo aplaudida
se a clonagem só for feita
em benefício da vida.

A esmola às vezes se “enfeita”
com tinturas de vaidade,
mas a caridade é feita
de amor e fraternidade.

A liberdade é um tesouro
da mais alta qualidade…
Nem por gaiola de ouro
há quem troque a liberdade!

A menina seminua,
presa, disse ao detetive:
– eu não me queixo da rua,
mas do lar que nunca tive!

A mulher, rasgando os passos,
caminha alegre, vai cedo…
Quem leva um filho nos braços
enfrenta o mundo sem medo.

A multidão me põe louco
entre empurrões e zoada…
Sozinho, sou muito pouco;
na multidão, não sou nada!

Antes de sair de cena,
peço tempo aos céus risonhos,
pois acho a vida pequena
para a vida de meus sonhos.

Ao voltar, com muito amor,
ao campo que já foi meu,
bebi no cálix da flor
o mel que a abelha esqueceu.

A poesia se ilumina
e em trono de amor repousa,
pela pureza divina
dos versos de Auta de Souza.

A preguiça dos ponteiros
de meu velho carrilhão
mostra os minutos ronceiros
das noites de solidão!

Aquele singelo enredo
de amor, ensaiado a sós,
foi o mais belo segredo
que a vida pôs entre nós!

Auta pôs, com mãos de fada,
em versos de encanto e dor,
toda a pureza filtrada
na luz eterna do amor.

Carcará desce do pico,
pega a vítima e condena,
pois, sendo de pena e bico,
bica e mata sem ter pena.

Chove no Sertão, e o rio
desce da serra distante;
devolve a vida ao baixio
e o sorriso ao retirante!

Com devotamento ao lar,
onde o amor finca raízes,
a noite é para sonhar
e os dias são mais felizes.

Como é belo ver a planta
que abre flores nos caminhos,
nas horas em que Deus canta
pela voz dos passarinhos!

Como os demais trovadores,
tenho ilusões,toda hora…
São lindas, parecem flores,
mas, num sopro, vão embora!

Corre o viver tão bonito,
nesta paz de vento brando,
que eu vejo e não acredito
que a velhice está chegando!

Crianças em doce anelo,
fitando, além, o horizonte,
sonham que um dia mais belo
vai nascer por trás do monte!

De alguém que há pouco passou,
deixando a porta entreaberta,
alguma coisa ficou:
talvez a lembrança incerta!

Deus, que viagem florida,
em campos tão sedutores!
Como é bom trilhar, na vida,
pelo caminho das flores!

Duas taças num banquinho,
sem ninguém, têm a igualdade
do cheiro do mesmo vinho,
da dor da mesma saudade!

Em louco e brutal delírio
pra devastar o que resta,
a motosserra é um martírio
no calvário da floresta!

Em manhã chuvosa, a vida
canta no seio da mata
e há notas de água caída
no piano da cascata.

Em minha infancia inocente,
teu afeto, mãe querida,
desenhou-me fielmente
o lado belo da vida!

Em momentos mais risonhos,
sei que já fiz trova linda,
mas a trova dos meus sonhos
não pude fazer ainda!

Em muitas ocasiões,
só somos bons elementos
porque certas intenções
não passam de pensamentos.

Enquanto a emoção se alteia
sobre as dunas, a rolar,
a vida brinca na areia
ouvindo a canção do mar.

Entre o cãozinho e a criança
há tão lindo entendimento,
que na estrada da esperança
há, para os dois, um assento!

Esta fé que nos norteia
para a “terra prometida”,
mesmo sendo um grão de areia,
faz o alicerce da vida!

Estas cenas nos comovem,
como, na rua, alguém disse:
– Juntas, a energia jovem
e a lentidão da velhice!

Eu sou mais poeta quando,
no jogo de altas marés,
fico na praia esperando
que as ondas lavem meus pés.

Existem palavras mudas
que têm o peso da cruz,
e foi sem falar que Judas,
num beijo, entregou Jesus.

Feitas de sonhos e flores,
as nossas trovas são ninhos,
onde os vates trovadores
trinam como passarinhos.

Felicidade é o lugar
indicado pelo amor…
Lá, quem consegue chegar
é, por certo, um sonhador!

Há tempo sem teus afagos,
deixa-me lavar as dores
nos dois pequeninos lagos
de teus olhos sedutores!

João Maria, em nenhum canto
deixava um mendigo ao léu…
Na terra já era um santo;
foi ser mais santo no céu.

João Maria morreu quando
fazia um trabalho lindo.
Sua alma subiu cantando;
Deus o recebeu sorrindo!

Mais vale da vida o espelho
que muitos sermões no templo…
Em vez de nos dar conselho,
seu padre, nos dê o exemplo!

Mesmo enfermo, João Maria,
cumprindo a santa missão,
a própria dor esquecia
pra sanar a dor do irmão!

Mesmo que eu mude de estilo,
não mudarei, nem de leve,
uma vírgula daquilo
que a mão do destino escreve.

Mesmo que eu renove as trilhas,
desviando a caminhada,
não escapo às armadilhas
que o destino põe na estrada

Meu querido Rio Grande,
na beleza de teus vales,
desfeito em trovas se expande
o amor do “Trio Canalles”.

Meu rancho, no campo em flor,
longe de intriga e maldade,
era o meu ninho de amor,
hoje é o ninho da saudade!

Minha mulher reza tanto
aos pés de Nosso Senhor,
que eu vou precisar ser santo
pra merecer seu amor.

Musas divinas!… Ao vê-las,
no sonho que me seduz,
subo ao ninho das estrelas,
seguindo os rastros da luz!

Não há coisa mais bonita
neste mundo de pecado,
do que a fé que ressuscita
um sonho já sepultado!

Não me fizeste justiça
ao negar-me o teu carinho,
e hoje a saudade aterrissa,
como sombra, em meu caminho!

Não temo a longevidade
por esta simples razão:
a flor da felicidade
brota em qualquer estação.

Na paz da boa atitude
não há passada perdida,
e a moeda da virtude
paga o pedágio da vida.

Na paz de um lago deserto,
longe da luz da cidade,
foi quando estive mais perto
da luz da felicidade

No doce embalo da rede,
um sono bom me enfeitiça
e o relógio de parede
me acompanha na preguiça.

No instante em que o sol se enfada,
de tanto aquecer a Terra,
deita a cabeça dourada
no travesseiro da serra…

No meu rancho, pobre teto,
o chão era a cama e a mesa,
mas fui tão rico de afeto,
que nem falava em pobreza.

No trabalho, meus irmãos
não buscam prêmio nem glória,
e os calos de suas mãos
enobrecem nossa História.

Numa devoção de monge,
o Potengi, sem parar,
traz água doce de longe
e entrega de graça ao mar.

Numa fonte de águas claras,
Onde as musas cantam hinos,
Bebo as imagens mais raras
De meus versos peregrinos.

O alpinismo é dura prova
que não ficou para mim,
mas, no alpinismo da trova,
escalo alturas sem fim.

O amor e o sonho, querida,
são graças que Deus nos deu…
Quem não ama não tem vida,
quem não sonha já morreu.

O beijo, em qualquer instante,
estimula o amor e a vida,
e, sendo um beijo dançante,
faz tudo além da medida.

O cego, com dedos certos,
tange a sanfona dorida,
e eu, com dois olhos abertos,
erro nas teclas da vida.

O céu azul de meus sonhos
e as flores da mocidade
lembram-me dias risonhos
na aquarela da saudade!

O destino abre-me os braços
mas tem seu lado mesquinho:
guia-me todos os passos
mas não me ensina o caminho.

– Oh! Que demora sem fim
para tua decisão!
Chegou tão tarde o teu sim,
que já parecia um não!

Olhando o primor da teia,
eu fico aos céus inquirindo:
como é que a aranha, tão feia,
traça um desenho tão lindo!

Olho o céu de eterno azul,
e como fico feliz,
vendo o Cruzeiro do Sul,
emblema de meu país!

O perdão é que é o sinal
de perfeita lucidez…
Quem se vinga faz o mal
do jeito que alguém lhe fez.

O Potengi deita a luz
no seu leito sedutor
e, ao tê-la formosa e nua,
mergulha em sonhos de amor.

Os anos trazem cansaços;
nossa vida é sempre assim,
e a saudade segue os passos
da velhice, até o fim!

O trabalho é luta santa
que não vislumbra medalha,
e um país só se levanta
pelas mãos de quem trabalha.

O trabalho me norteia
e dele eu não me despeço,
pois quero meu grão de areia
a construção do progresso.

Para abraçar-te, menina,
meu anseio é tão profundo,
que a distância de uma esquina
parece uma volta ao mundo.

Pobre casal foi multado
sem defesa, na avenida,
por beijo estacionado
numa faixa proibida!

Por mais que a vida me açoite
com refinada ironia,
depois da prece da noite,
esqueço as mágoas do dia!

Potengi, corrente amiga
que alimenta o manguezal,
artéria grossa que irriga
o coração de Natal.

Qual a fonte de energia
Da luz de tantas estrelas?
Se não for Deus, quem teria
Um facho para acendê-las?

Quando a jangada flutua
sobre as águas, ao luar,
é uma lágrima da lua
nos olhos verdes do mar.

Quando a Lua se retrata
com seu encanto invulgar,
traça um caminho de prata
sobre a esmeralda do mar.

Quando estou em meu terraço,
olhando os astros risonhos,
a Lua atravessa o espaço,
puxando o carro dos sonhos!

Quando eu vejo a morte acesa
na fúria de uma queimada,
sinto a dor da natureza,
impunemente afrontada!

Quando o tempo se levanta
no sertão, e a seca vem,
não morre somente a planta,
morre a esperança também!

Quanta labuta perdida
para a clonagem de gente,
quando o amor que traz a vida
jorra de infinda vertente!

Queimada!… A terra ferida
clama por um povo forte
que faça brotar a vida
onde o fogo impôs a morte!

Quem fere, seja onde for,
uma simples borboleta,
mata um sonho multicor
que sobrevoa o planeta!

Se a lua beija as areias
destas praias de Poti,
cantam todas as sereias
das noites do Potengi.

Se aos pintores falta tinta
que eternize a juventude,
feliz quem, na vida, pinta
um retrato da virtude!

Sei que deste mundo lindo
vou sair, só não sei quando,
mas quero morrer dormindo
para entrar no céu sonhando.

Se já não restam viventes
sobre a terra calcinada,
plantemos novas sementes
na cicatriz da queimada!

Se meu Potengi não fosse
perene, iria esgotar
de despejar água doce
no fundo amargo do mar.

Sem ter o clone a beleza
do amor que embala os casais,
torce as leis da natureza
e engendra seres sem pais!

Sem ter da mulher o afeto,
não tenho felicidade.
Homem nenhum é completo
quando lhe falta a metade.

Senti o ardor da poesia
nos meus primeiros amores,
quando a vida parecia
uma cascata de flores!

Sinal da antiga aliança
de Deus com a humanidade,
o arco-íris nos traz bonança
de paz e felicidade.

Toda a natureza é um plano
de vida farta e beleza,
mas o lucro desumano
põe no bolso a natureza!

Tomara que os trovadores
batam do verso a poeira,
e a trova, assim como as flores,
enfeite as bancas da feira.

Tua voz, terna e macia,
sob o calor dos lençóis,
tinha a doce melodia
de um canto de rouxinóis.

Viram cinza os verdes braços
de árvores tão bem formadas
e a terra morre aos pedaços
por onde vão as queimadas!

Volta aos sonhos de criança,
em teu recanto singelo,
mas nutre a flor da esperança
que torna o mundo mais belo!

Vou brincar com pirilampos
e beijar as flores nuas
pra ver se encontro nos campos
a paz que fugiu das ruas!

Zarpei ao romper do dia,
no meu barco, a velejar,
para “pescar” a poesia
que a Lua escondeu no mar.

PANTUM DA ECLOSÃO DO AMOR

Trova-tema:

Eu vi o amor eclodindo
na mensagem de um chamado:
o mar, despido, sorrindo…
O Sol se pondo, apressado.
(Mara Melinni)

Na mensagem de um chamado,
vinha um toque de magia:
o Sol se pondo, apressado,
visto que a noite caía.

Vinha um toque de magia
naquele doce arrebol,
visto que a noite caía,
logo após o adeus do Sol.

Naquele doce arrebol,
quase fiquei de alma nua,
logo após o adeus do Sol,
ao primeiro olhar da Lua.

Quase fiquei de alma nua,
e, num êxtase tão lindo,
ao primeiro olhar da Lua,
eu vi o amor eclodindo.

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