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Ialmar Pio Schneider (1942)

Entrevista realizada virtualmente por José Feldman (PR) com o poeta e trovador Ialmar Pio Schneider (RS), para o blog Pavilhão Literário Singrando Horizontes.
JF: Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou, sua trajetória literária.

Nasci no município de Sertão/RS em 26-08-1942. Filho de Henrique Schneider Filho e dona Amábile Tressino  Schneider, ambos falecidos.

Cursei o primário em minha terra natal na Escola Pio XII das Irmãs Franciscanas onde diplomei-me inclusive em datilografia com 13 anos de idade. Ingressei no Ginásio Cristo Rei dos Irmãos Maristas em Getúlio Vargas/RS que conclui após 4 anos, em 1959, período em que iniciei a compor poesias. Daí transferi-me para Passo Fundo/RS onde ingressei no Colégio N. Sra. da Conceição dos Irmãos Maristas cursando então simultaneamente o Curso Científico e a Escola Técnica de Contabilidade por um ano e meio, continuando a escrever poesias inclusive gauchescas, algumas das quais foram publicadas no Jornal do Dia, de Porto Alegre, até que um concurso público para o Banco do Brasil S.A. me levou a Cruz Alta/RS, onde assumi em 1961, poucos dias antes de completar 19 anos de idade.

Posteriormente integrei o corpo de funcionários da agência de Soledade/RS, que estava em Instalação, o que ocorreu em 1962. Completei o curso em Técnico de Contabilidade em 1962, permanecendo por 5 anos na cidade, onde exerci o cargo de Fiscal da Carteira Agrícola do Banco até ser transferido para a Metr. Tiradentes do Rio onde não cheguei a tomar posse, tendo feito uma permuta tríplice com outros dois colegas, vindo a assumir em Canoas/RS, em 1967, para logo após um ano se transferir para São Leopoldo/RS em nova permuta com outro colega, onde tencionava tirar o Curso de Direito da Unissinos, o que não se concretizou.

Casei-me em 1968 com Helena Dias Hilário, de Soledade/RS e transferi-me para a Agência Centro do Banco do Brasil S.A de Porto Alegre, em 1969. Residindo em Canoas, nasceu minha filha Ana Cristina Hilário Schneider. Permaneceu por 3 ou 4 anos compondo poesias diversas inclusive a maior parte de seus poemas gauchescos ainda inéditos bem como muitos sonetos então com 30 anos de idade. Resolvi novamente transferir-me de cidade a fim de ficar mais próximo dos meus parentes e os de minha esposa e pleiteei uma permuta, que consegui para a cidade de Passo Fundo, tendo lá permanecido por cerca de 3 anos, ocasião na qual requeri e fui transferido para a agência do Banco em Palmas/ PR, onde residiam minha mãe e irmãos, de cuja remoção desisti pelo motivo de minha esposa ser professora estadual e não ter conseguido aproveitamento naquela cidade. Com dificuldade em adquirir casa de moradia retornei a Canoas voltando a residir e a trabalhar no Banco até que em uma concorrência nacional para fiscal da Carteira Agrícola do Banco fui nomeado para a cidade de Antônio Prado/RS, onde permaneci por 2 anos e meio aproximadamente.

Em 1980, regressei a Canoas onde adquiri um apartamento em que resido até hoje, na rua que leva o nome do grande pintor Pedro Weingartner tendo feito vestibular para a Faculdade de Direito do Instituto Ritter dos Reis, classificado em segundo lugar de que também participou o ilustre jogador de futebol do Internacional Paulo Roberto Falcão, que logo depois transferiu-se para a Itália.

Trabalhando no Banco do Brasil- agência de Canoas e estudando, só consegui formar-me em Direito nas Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis em 1990, após 10 anos de curso superior. Enfim, antes tarde do que nunca.

Transferi-me para o CESEC do Banco do Brasil Sete de Setembro em Porto Alegre, onde trabalhei até 1991, tendo completado 30 anos e alguns dias de serviço no Banco quando me aposentei por tempo de serviço.

Por enquanto, resido na cidade de Porto Alegre/RS, no Bairro Tristeza, com uma vista maravilhosa para o Rio Guaíba, em uma janela do qual até um joão-de-barro já fez um ninho há uns dois anos. Como diz o inigualável poeta gauchesco saudoso Jayme Caetano Braun: “Eu até fiquei contente/ Dizem que dás muita sorte !”em seu poema “João Barreiro”.

Atualmente minha filha é casada, ambos advogados, com escritório.

Durante os meses de verão, dezembro até fevereiro, permaneço em Capão da Canoa/ RS, cidade praiana, onde produzo diversas poesias: poemas, sonetos e trovas. Nos últimos dois anos desloquei-me com a família por uns dez dias em final de temporada para a praia de Canavieiras, precisamente Cachoeira do Bom Jesus, em Florianópolis/SC.

Eis em rápidas pinceladas a sucinta biografia rotineira de um poeta menor.

JF: Ialmar, se é poeta menor, então eu nem existo, precisaria um ultra microscópio para me encontrar (risos). Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Total estímulo e incentivo inclusive éramos 6 filhos, 4 irmãos e 2 irmãs e nossos pais só tinham como meta o nosso estudo.

JF: Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.

Muitos livros de poesias: Fagundes Varela, Casemiro de Abreu, romances de Paulo Setúbal, os grandes romances do Cristianismo, trovas de Adelmar Tavares e diversos outros. Mas o romancista que mais me agradou foi Lima Barreto, antes Dostoiewsky, Érico Veríssimo, Dyonélio Machado, Cronin, uma infinidade de autores, enfim. Desculpe se não cito todos, nem um por cento talvez.

JF: Teve a influência de alguém para começar a escrever?

Foi naturalmente através das leituras escolares.

JF: Tem Home Page própria (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)?

Tenho diversos blogs que podem ser encontrados procurando por IALMAR PIO SCHNEIDER no Google, como http://ialmar.pio.schneider.zip.net/; http://ialmarpioschneider.blogspot.com http://ial123.blog.terra.com.br

JF: Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Nunca pensei nisto. No Brasil acho que só meia dúzia o consegue.

JF: Como começou a tomar gosto pela escrita?

Para conhecer e aprender, pois acho que todo o livro é de auto-ajuda.

JF: Você possui livros?

Fiz a estréia editorial na obra TROVADORES DO RIO GRANDE DO SUL, org. por Nelson Fachinelli, em 1982. Publiquei a obra poética SONETOS E CÂNTICOS DISPERSOS, em 1987. Figuro em outras coletâneas. A última obra, POESIAS ESPARSAS DIVERSAS, de 2000.

JF: Como definiria seu estilo literário?

Eclético para poesia e crônicas também.

JF: Que acha de seus textos: O que representam para si? E para os leitores?

Acho que são a expressão do meu pensamento. A maioria dos leitores dizem gostar.

JF: Qual a sua opinião a respeito da Internet? Tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Tem contribuído muito e eu considero o mais valioso meio de publicação atual, ainda mais para quem não tem a grande mídia ao seu dispor.

JF: Tem prêmios literários?
Alguns.

JF: Participa de Concursos Literários? Qual sua visão sobre eles? Acha que eles tem “marmelada”?
Participo às vezes. Tenho visto trovas sem nenhum fundamento serem premiadas.

JF: Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente precisa de algum ambiente especial ?
Surge de repente, não sei de onde nem quando.

JF: Você acredita que para ser poeta ou trovador basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?

Tudo é essencial, principalmente muita leitura.

JF: No processo de formação do escritor é preciso que ele leia livros de baixa qualidade?

É preciso distinguir.

JF: Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós chega apenas o que a mídia divulga. Na sua opinião que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

Os clássicos: Machado de Assis, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Rui Barbosa. Paulo Setúbal, Érico Veríssimo, Dyonélio Machado, Lya Luft e outros. Os bons escritores. A lista é infindável. Poesias de Vinicius de Moraes, Guilherme de Almeida e os clássicos também Castro Alves, Fagundes Varela, Alvares de Azevedo, Olavo Bilac, tantos e tantos.

JF: Qual o papel do escritor na sociedade?

Ensinar e divertir também.

JF: Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Há sim. Aqui no sul principalmente a poesia gauchesca, os sonetos românticos. Basta declamar uma poesia atraente todos gostam.

JF: A pessoa por trás do escritor

Um bancário aposentado, um advogado não militante e um diletante em literatura.

JF: O que o choca hoje em dia?

A violência e a falta de saúde pública.

JF: O que lê hoje?

Romances e poesias. Estou curtindo um ócio criativo. Nada de muito profundo.

JF: Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Continuar escrevendo nos blogs e talvez preparar um livro de poemas e poesias gauchescas.

JF: De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

Vai andando aos trancos e barrancos, mas com o andar da carroça as abóboras se ajeitam na caixa.

JF: Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?

Ler bastante e escrever mesmo errando.

JF: O que é preciso para ser um bom poeta ou/e trovador?

Muita leitura e perspicácia.

JF: Trovas de sua autoria.

Cada paixão que me invade
surge do amor que não tive;
e representa a saudade
de quem neste mundo vive.

Eu não sou navegador,
mas enfrento o mar da vida,
por causa do nosso amor
que não teve despedida.

Foste a morena brejeira
que surgiu em meu amor
como o botão da roseira
que agora não dá mais flor.

Não foram horas perdidas
as que passei junto a ti;
são lembranças bem vividas
que nunca mais esqueci…

Perambulando sozinho
pelas ruas da cidade,
procuro achar o caminho
que leva à felicidade.

JF: Finalmente, se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos quais seriam?

Boa saúde, meios para continuar vivendo e a felicidade da Humanidade inteira.

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Oscar Nakasato em Xeque (Entrevista com o Escritor Maringaense)

Entrevista realizada por Wilame Prado para o Jornal “O Diário”.

Oscar Fussato Nakasato, 49 anos, é o primeiro maringaense a vencer o Prêmio Jabuti em uma categoria de ficção. Na noite de quinta-feira (18), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou os vencedores das 29 categorias da 54ª edição de um dos prêmios literários mais tradicionais do País. Seu livro “Nihonjin” (Benvirá, 2011) foi considerado pelo júri o melhor livro na categoria Romance, desbancando Domingos Pellegrini, Wilson Bueno e outros nomes consagrados da literatura nacional.

Escritor maringaense Oscar Nakasato vence o Prêmio Jabuti de 2012 com “Nihonjin”

Quando soube que era um dos finalistas na categoria Romance, Nakasato, atenciosamente, concedeu uma longa entrevista para mim, que objetivava publicá-la no D+, caderno de cultura do Diário de Maringá. Por falta de espaço, precisei resumir a publicação da entrevista, mas agora o leitor pode ler na íntegra e conhecer um pouco mais sobre a vida desse grande escritor. Leia:

-Primeiramente, nome completo, idade, cidade de nascimento, cidade e bairro atual onde mora, formação acadêmica e profissão.

OSCAR NAKASATO – Meu nome é Oscar Fussato Nakasato, completei 49 anos este mês (setembro). Nasci em Maringá, mas meus pais tinham um sítio em Floresta – PR, onde morei até completar 8 anos. A partir de então, passei a residir em Maringá. Atualmente resido em Apucarana, na Vila Agari, e sou professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Graduei-me em Letras na Universidade Estadual de Maringá depois de uma dolorosa experiência de dois anos e meio no curso de Direito. Também sou mestre em Teoria da Literatura e Literatura Comparada e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual Paulista.

-Breve histórico da sua biografia ligada à literatura.

Em 1999 fui premiado com os contos “Olhos de Peri” e “Alô” no Festival Universitário de Literatura, promovido pela Xerox do Brasil e Editora Cone Sul, que os publicou com outros três num volume que se chamou “Contos”. Em 2003, fui vencedor do Concurso Literário da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, Prêmio Especial Paraná, com o conto “Menino na árvore”, que também foi publicado com outros contos e poemas premiados no mesmo concurso. Em 2011, meu romance “Nihonjin” venceu o Prêmio Benvirá de Literatura e foi publicado pela Editora Saraiva. No mesmo ano, o romance dividiu o Prêmio Bunkyô de Literatura em língua portuguesa com “Contos do Sol Nascente”, de André Kondo, e “Retratos Japoneses no Brasil”, organizado por Marília Kubota.

-Conte em detalhes como é seu dia a dia. O que faz durante a manhã, tarde e noite. É casado, tem filhos? Quanto tempo trabalha?

Ano passado, logo após ser anunciado como vencedor do Prêmio Benvirá, eu disse que minha prioridade é a docência, e em entrevista recente, mais de um ano após o prêmio e com uma vendagem expressiva de “Nihonjin”, reiterei essa condição. Minha rotina inclui as atividades da universidade, onde trabalho em regime de dedicação exclusiva, e as obrigações como esposo de uma mulher tão bonita quanto exigente e pai de dois filhos adolescentes e modernos. Além disso, atualmente dedico grande parte do meu tempo e da minha disposição para construir a minha casa, tarefa muito árdua para alguém com pouco talento para lidar com questões práticas. Pretendo escrever outros livros, mas construir outra casa, jamais.

-Como é o seu processo de escrita? Quantas horas escreve por dia, de que jeito, no computador mesmo, no silêncio, com a luz apagada, bebendo, fumando, longe do barulho, com a janela aberta, atolado de papeis de pesquisa, atolado de anotações feitas num caderninho etc?

Já tentei estabelecer uma rotina para escrever, mas não deu certo, pois não tenho disciplina. Como nunca entendi o ato de escrever como trabalho, não me sinto responsável para cumprir horários e metas. Por isso, às vezes passo um mês sem escrever, o que, contraditoriamente, me enche de culpa. Então corro até o computador e procuro me redimir teclando algumas linhas ou páginas. Às vezes interrompo a escritura para ler um parágrafo de Clarice Lispector ou de Guimarães Rosa, é uma necessidade de me iluminar. Gosto de escrever em computador com internet, pois quando tenho alguma dúvida, mesmo em relação a um vocábulo, faço a pesquisa imediatamente.

 -O que te obriga a escrever? O que te incomoda ou surpreende a ponto de não resistir à feitura de um texto?

Às vezes o que me obriga a escrever é a sensação de culpa por estar há muito tempo sem escrever, outras vezes escrevo porque preciso logo traduzir uma sensação em palavras para de algum modo represá-la, pois tenho medo de perdê-la para sempre. Em geral escrevo porque tenho prazer no ato.

 -De onde tirou a ideia do romance ‘Nihonjin’ e quanto tempo demorou para escrevê-lo?

“Nihonjin” nasceu de uma decepção. Quando iniciei a minha pesquisa sobre personagens nipo-brasileiros na ficção para a minha tese de doutorado, já sabia que não encontraria muito material, mas não imaginava que esses personagens fossem tão escassos. Então, antes de terminar a minha tese, já comecei a esboçar o romance, aproveitando as pesquisas que havia feito sobre a imigração dos japoneses no Brasil e o seu processo de aculturação. Passei por períodos de intensa produção e outros de absoluto recesso, levando cerca de quatro anos para terminar o romance.

– Para compor o personagem Hideo Inabata, inspirou-se em algum amigo ou familiar?

Hideo é, antes de tudo, um personagem de ficção, fruto de pesquisa em livros de História, Sociologia e Antropologia, mas vejo nele traços de alguns tios.

– Como é sua relação com o Japão? Seus pais nasceram lá, já foi para lá, aprecia a cultura?

Sou sansei, ou seja, sou neto de japoneses. A minha relação com o Japão ou com a cultura japonesa foi conflituosa na adolescência, quando passei por uma fase de negação das minhas origens. Nesse período procurava fazer amizade com quem não tinha ascendência japonesa e me interessava pela cultura ocidental. Depois me dei conta de quão ignorante eu era em manter tal postura e do quanto eu perdia em me afastar da cultura japonesa, descobri que o grande barato era exatamente ser essa mescla, esse ser híbrido. Então estudei língua japonesa no Instituto de Língua Japonesa da Universidade Estadual de Maringá durante dois anos, depois escolhi a análise de personagens nipo-brasileiros para a minha tese de doutorado. Espero, um dia, como o narrador de “Nihonjin”, ir ao Japão e sentir essa “ida” como um “retorno”.

-Você foi o vencedor do 1º Prêmio Benvirá de Literatura, tendo um livro considerado melhor do que outros escritos por 1.932 concorrentes de todo o Brasil com obras inéditas. Espera vencer? Como ficou sabendo do prêmio? Antes disso, ‘Nihonjin’ foi rejeitado por editoras?

Sempre acreditei em “Nihonjin”, por isso o enviei somente para grandes editoras, pois sei que as pequenas têm dificuldades em dar visibilidade às obras que publicam. O romance foi rejeitado por todas, e também não ganhou o Prêmio Sesc de Literatura, do qual participei. Por isso, enviei os originais para o Prêmio Benvirá evitando criar grandes expectativas, mas ninguém participa de um concurso pensando que não tem nenhuma chance de ganhar. Um dia, ao chegar a Maringá após uma viagem a Goioerê, abri minha caixa postal e li duas mensagens, um do Thales Guaracy e outro do Luís Colombini, editores da Saraiva, ambos dizendo que tentaram entrar em contato comigo por telefone e que gostariam de falar sobre o Prêmio Benvirá. Meu coração começou a bater mais forte, disse à minha esposa que algo de bom estava acontecendo, que “Nihonjin” talvez tivesse sido premiado. Como era tarde, entrei em contato com eles por telefone no dia seguinte, e então anunciaram o prêmio. Abracei a minha esposa, senti uma paz muito grande, mas não pulei, não gritei. Fiquei feliz, simplesmente.

-Dentre seus concorrentes está ‘Herança de Maria’, de Domingos Pellegrini, que também foi vencido no Benvirá. Sabendo disso, acha que suas chances são maiores para vencer o Jabuti de melhor Romance?

De forma nenhuma. Após o anúncio do prêmio Benvirá, o Pellegrini entrou em contato comigo e humildemente me parabenizou. Mas veja, “Herança de Maria” também está entre os finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, do qual também participei, sem resultado positivo. Isso somente confirma que há um grau de subjetividade muito grande nos prêmios de literatura.

-Quais suas apostas, além da torcida para o próprio livro, tanto no romance como no conto e no infantil?

Há muitos autores que não conheço, mas os favoritos sempre são os nomes já consagrados. Espero que haja surpresas. Se fosse o “Oscar”, eu apostaria no meu concorrente Wilson Bueno, outro paranaense, pois seria uma forma de realizar uma homenagem póstuma, já que ele faleceu em 2010. Entre os contistas/cronistas, estou torcendo pelo Luís Henrique Pellanda, cujas crônicas acompanho no site “Vida Breve” (vale a pena conferir), mas o quase invisível Dalton Trevisan e a simpática senhora Lygia Fagundes Telles são grandes candidatos. Gosto do Fabrício Carpinejar (outro que escreve em “Vida Breve”), que concorre na categoria de Literatura Infantil, mas o Ziraldo também é candidato… De qualquer forma, cito esses nomes pelo conjunto da obra, pois ainda não li os livros que participam do prêmio.

-Ouvi uma história dizendo que você talvez pararia de escrever. Por que?

É uma estória, como diria o Guimarães Rosa. A Lygia Fagundes Telles, que está com 89 anos, diz que escreve todos os dias, e o Ignácio de Loyola Brandão, com 76, afirma que o ato de escrever o mantém vivo. Eu escrevo pouco, mas quero escrever até os cem anos.

 -Só escreve romance ou gosta de contos, crônicas?

Sempre escrevi contos, pois sou conciso. Imaginava que jamais escreveria um romance. “Nihonjin”, ainda que seja breve, foi uma grande conquista. Tomei gosto, preparo um novo.

 -Como é sua rotina dando aulas, o que sente, quais são os grandes desafios de se ensinar literatura?

Ensinar leitura e literatura em tempos de ditadura da imagem é um grande desafio. Recentemente li no jornal Rascunho a Márcia Tiburi dizendo: “As pessoas que lêem são mais interessantes, mais inteligentes, mais bonitas, mais bacanas, mais poderosas — são tudo. Quem não lê é um otário.” Achei espetacular o exagero! Mas logo me lembrei de várias pessoas que não leem e não são otárias. Ocorre que sempre julgamos sob um ponto de vista muito particular. De qualquer forma, tenho plena convicção de que a leitura, principalmente a boa ficção, torna as pessoas mais inteligentes, mais sensíveis e mais educadas. A leitura nos afasta da barbárie. E ter o texto, o romance, a poesia, como objetos de trabalho é um grande privilégio. Ser professor é um barato, um verdadeiro exercício de cidadania, pois, tendo concluído a Licenciatura em Letras e estudado tanto Literatura, é um dever partilhar o que penso que sei com os outros.

-Qual sua opinião a respeito dos prêmios literários?

Nunca houve no Brasil tantos prêmios, bienais, feiras e semanas dedicados à literatura. E os balanços das editoras demonstram que nunca o país vendeu tantos livros como agora. Faltam os leitores. É paradoxal, mas milhares de pessoas vão a esses eventos, milhões de livros são vendidos, e ainda há poucos leitores. Os prêmios literários, como essas outras atividades, promovem a visibilidade do produto livro, mas ainda se esforçam para promover a leitura. Não vejo, porém, que o caminho esteja errado. Aqui cabe o ditado: água mole em pedra dura bate tanto até que fura.

-Quais suas referências literárias? O que gosta de ler? Da sua leitura, o que te influencia na hora de escrever? Qual seu livro de cabeceira?

O meu livro de cabeceira é aquele que estou lendo, e ele está, agora, literalmente, sobre a mesinha de cabeceira, mas me acompanha aonde eu vou. É “Cidade de Deus”, de Paulo Lins, uma leitura tardia de um romance que foi publicado em 1997. Não o escolhi, a Universidade Estadual de Maringá o elegeu como uma das obras do Vestibular, e me vi obrigado a lê-lo. É uma daquelas obrigações que se tornam prazer. Daqui a uma ou duas semanas, outro livro estará sobre a minha mesa de cabeceira, talvez um desses indicados para o Prêmio Jabuti. Leio muito, mas não somente ficção. Gosto muito de ler revistas e jornais, levo-os ao banheiro e me demoro mais que o necessário. A vida é mais que fazer necessidades. Gosto dos clássicos, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, e de alguns mais novos, como o Luiz Rufatto, cujo romance (que não é romance) “Eles eram muitos cavalos” me deixou perplexo. É assim, as influências vêm de diversas páginas.

-Quem, ultimamente, no Brasil e no mundo, estão fazendo literatura de respeito?

Não tenho autoridade nem condições para fazer essa indicação. Seria uma leviandade, pois não tenho lido suficientemente os escritores da atualidade, principalmente os estrangeiros.

-Morar no interior do PR atrapalha no sucesso de um escritor, mesmo ele tendo feito um livro premiado como o seu?

Atores e cantores que querem fazer sucesso geralmente vão a São Paulo ou ao Rio de Janeiro para ficar sob os holofotes, mas os escritores não precisam se projetar dessa forma, embora o comentarista de literatura Afonso Borges tenha observado recentemente em seu boletim Mondolivro, na rádio CBN, que os escritores, ultimamente, não podem ficar reclusos, pois precisam participar de mesas redondas e seminários nos diversos eventos literários que ocorrem no país. Rubem Fonseca e Dalton Trevisan precisam ser avisados dessa nova “revolução na vida dos escritores brasileiros”, como qualifica Borges. Manuel de Barros, festejado pela crítica, pela academia e por leitores fieis, segue vivendo muito bem no Mato Grosso do Sul. Hoje há escritores que vivem, sim, sob holofotes, mas não creio que essa condição seja essencial. No meu caso, eu pude participar do Prêmio Benvirá e realizar toda a negociação da edição do livro, incluindo a revisão que antecedeu a publicação, sem sair de Apucarana. Fui a São Paulo somente para receber o prêmio. Se eu morasse lá, daria mais entrevistas, participaria de mais eventos e, assim, “Nihonjin” teria maior visibilidade, mas creio que eu e meu romance podemos viver bem em Apucarana ou Maringá.

-Já viajou para onde divulgando ‘Nihonjin’?

Lancei o romance somente em São Paulo, na ocasião da premiação, em Maringá e em Apucarana.

-O que sua família acha da sua ascensão como escritor?

Logo após receber o meu prêmio, um tio de São Paulo veio a Maringá e trouxe um recorte de jornal com uma entrevista e uma fotografia. Esse fato revela a relação que se estabeleceu entre a minha família e a repercussão do prêmio e da publicação de “Nihonjin”. Todos sentem esse orgulho ingênuo de ver o nome de um familiar impresso nas páginas dos jornais, e isso me emociona. A minha esposa, que acompanhou mais de perto a minha trajetória e sempre me incentivou, agora compartilha as alegrias que “Nihonjin” me trouxe.

 -O que espera para o futuro? O que ter feito uma boa história representou para sua vida? Acha que vai conseguir superar Nihonjin ou está com a síndrome de Raduan Nassar, que disse ter parado de escrever por achar não ter capacidade de escrever nada melhor do que Lavoura Arcaica?

Espero não ter o destino de Raduan Nassar, que, realmente, não escreveu nada de interessante após o belíssimo “Lavoura arcaica”. Há pouco tempo o Paulo Lins justificou os quinze anos que separam “Cidade de Deus” e “Desde que o samba é samba”, lançado este ano, dizendo que o seu primeiro romance lhe custou tanto tempo e causou tanta tensão e desequilíbrio emocional que ele precisava descansar. “Nihonjin” não me cansou e não me desequilibrou emocionalmente, pelo contrário, me estimulou a escrever mais. Espero não entrar na paranoia de ter a responsabilidade de escrever algo melhor que “Nihonjin”.

-Fique à vontade para comentar o que quiser.

Já “falei” demais. Obrigado.

Trecho do romance “Nihonjin”

“_ Haruo, não seja impertinente! O espírito não conhece distâncias! E o nosso espírito é japonês!

Era isso que ensinava naquela noite aos vinte e poucos alunos amontoados num velho galpão de madeira. Meninos e meninas reunidos ao redor de mesas improvisadas com tábuas e cavaletes, sentados em longos bancos, com os cadernos repletos de hiraganas, katakanas e ideogramas. Hideo propusera-se a ser professor voluntário porque aquelas crianças, impedidas pelo governo de ir ao nihongakkō, não poderiam crescer como se fossem gaijins.

Os policiais chegaram sorrateiramente e, antes de invadirem o galpão, espiaram pelas frestas e viram as crianças sentadas, em silêncio absoluto, atentas ao que dizia sensei.

_ Esses japoneses fazem lavagem cerebral”, comentou um deles. “Crianças não se comportam dessa maneira.

Quando os homens entraram, Hideo não ofereceu resistência. Disse somente para que deixassem as crianças em paz e quis saber quem havia feito a denúncia. Os policiais, obviamente, não responderam. Recolheram todos os cadernos e dois livros do professor. Um menino tentou resistir, segurou firme o seu caderno, na outra ponta o policial, e os dois mediram forças, e cada um tinha a sua, a do braço e a da alma, e esta alimentava aquele, por isso a criança era quase homem, olhava o adversário como um igual, e o homem, que tinha a malícia que o menino ainda não alcançara, soltou de repente o caderno, e o menino foi ao chão. Hideo, que assistia à luta e via, orgulhoso, a força do menino, aproximou-se, então, disse-lhe em voz baixa que era verdadeiramente um súdito do imperador, ajudou-o a se levantar, pegou o caderno e o entregou ao policial, pois não adiantava resistir. Os alunos se encolheram num canto do galpão, algumas meninas choravam, todos emudecidos pelo medo.”

Fonte:
Entrevista por Wilame Prado, 19 out 2012, para o Jornal O Diário, de Maringá. Disponível em http://blogs.odiario.com/wilameprado/2012/10/19/entrevista-na-integra-de-oscar-nakasato-vencedor-do-jabuti-com-nihonjin/

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André Carneiro (O Peregrino das Dimensões Simbólicas em Xeque)


O escritor Luiz Bras entrevista o romancista e poeta André Carneiro, um dos precursores da da literatura de ficção científica no Brasil e que, há mais de uma década, está radicado em Curitiba 
 Os recém-nascidos são na verdade viajantes interdimensionais. É o que afirmam certas doutrinas místicas. Se verdadeiras ou falsas, não importa. Na obra multidimensional de André Carneiro elas fazem bastante sentido. André desembarcou neste planeta há noventa anos. Mais precisamente em 9 de maio de 1922. Veio em missão de paz. Desembarcou em Atibaia, no interior paulista, morou muitos anos em São Paulo e vive em Curitiba desde 1999.
 Como ocorre com todos os artistas e escritores deste mundo, o que mais fascinou o jovem visitante de outra dimensão, logo que aqui chegou, foi o drama humano. Para melhor entender esse drama, André rapidamente começou a escrever, fotografar, pintar e filmar, virando do avesso todas as pessoas que encontrava pela frente. A matéria-prima de sua arte e de sua literatura é o ser humano em estado sólido, líquido, gasoso e simbólico.
 “André Carneiro, antes de tudo, é um poeta”, escreveu o jornalista Dorva Rezende no prefácio da coletânea Confissões do inexplicável, de 2007. A substância poética, sempre radioativa, contamina todo o trabalho criativo de André, em prosa, verso ou imagem. Ângulo e face (1949), seu livro de estreia, é uma reunião de poemas sinuosos e comoventes, numa palavra: transfiguradores. Em seguida vieram Diário da nave perdida (1963), de contos, e Espaçopleno (1963), novamente de poemas, elogiado por Sérgio Milliet e Wilson Martins, entre outros.
 Os últimos cem anos foram tão fabulosos, que às vezes é difícil acreditar que realmente existiram. No começo do século XX não havia o plástico, a televisão, o avião, o antibiótico… No final do século, duas dúzias de pessoas já haviam visitado a lua. Por um lado, a arte e a literatura de André Carneiro examinam o presente e o futuro, mas, por outro, são uma tentativa de provar que os últimos cem anos não foram um sonho louco. Eles realmente existiram. Se não existiram, precisam ser inventados, e André já inventou uma boa parte.
 Nem mesmo a acentuada dificuldade de visão impede André de ler e escrever cada vez melhor, provando que a visão interior, mental, é muito mais potente do que a meramente orgânica.
Ao longo de sua vida criativa, você se expressou por meio da poesia, da prosa, da fotografia, da pintura, da colagem e do cinema. Sabendo que as artes visuais e a literatura estimulam nossa sensibilidade de modos diferentes, você procurou criar conexões entre elas? Ou preferiu trabalhar com as particularidades de cada meio de expressão?
 A sensibilidade e a visão crítica do entrevistador podem mostrar um retrato representativo do entrevistado. Quando criei as obras de arte e de literatura aqui citadas, sempre vivi a emoção por elas provocada. No momento da criação, não havia relação com quaisquer de minhas outras realizações. Entretanto, escrevendo tantos roteiros de cinema, senti a parecença de processos entre a descrição das imagens de cinema e as dos contos. Um bom crítico ajuda o autor a desvendar os processos da sua criação. Admito que sua proposição é correta, todas as minhas atividades têm um inegável parentesco intrínseco entre elas.
Sabemos que o vínculo afetivo entre o criador e sua obra é algo capaz de resistir a qualquer tentativa de autoanálise fria e objetiva. Mas, se você fosse convidado a fazer um balanço, o mais imparcial possível, de sua longa produção criativa, quais obras você salvaria e quais descartaria?
 Terrível pergunta que nunca me fizeram. Cheguei a sentir-me com duas asas e dois olhos de coruja, pensando: todos os meus filhos são tão bonitos… De toda a minha obra publicada, não sou capaz de separar uma que eu rejeite. Mesmo os contos antigos, publicados no meu jornal literário Tentativa, leio hoje com surpresa e nenhuma resistência crítica. Confio essa tarefa aos críticos.
 Você sobreviveu a duas ditaduras: a de Getúlio Vargas, na época do jornal Tentativa, e a dos militares que derrubaram o governo de João Goulart. Então, em 1985, a opressão e a censura foram substituídas pela liberdade e pela corrupção: Fernando Collor de Mello, escândalo dos anões do orçamento, escândalo do mensalão, caso Renan Calheiros, escândalo dos Correios etc. A espécie humana ainda tem jeito ou é um caso perdido?
 Todas as vezes que a espécie humana me causou grandes decepções, sempre me consolei com a máquina do tempo: se olharmos a História em uma visão panorâmica, é inevitável descobrirmos que agora, com todas as imperfeições do mundo contemporâneo, podemos encontrar nítidas melhoras. A horrorosa escravidão explícita de um ser humano, imposta por outro, está eliminada oficialmente. As leis trabalhistas em todo o mundo têm sido paulatinamente melhoradas. Eu ainda acredito no ser humano. Acredito até que a ciência chegará ao ponto de uma mutação que nos garanta um DNA mais favorecido.
No final do ano passado, numa votação informal promovida pelo blogue Cobra Norato, seu conto “A escuridão”, de 1963, foi eleito o melhor conto brasileiro de ficção científica. Na opinião dos leitores que conhecem bem a literatura brasileira, “A escuridão” merecia figurar em qualquer antologia do tipo Os cem melhores contos brasileiros do século 20, organizada por Ítalo Moriconi. Em sua opinião, o que está faltando para que nosso establishment perca o notório preconceito contra a ficção científica?
 Agradeço pela sua colocação. Aliás, talvez uma publicação com o mesmo peso, a maior editora do mundo, a G.P. Putnam’s Sons, em 1973 publicou uma antologia dos melhores contos mundiais daquele ano e o único representante brasileiro foi o meu “A escuridão”, traduzido para o inglês por Leo Barrow. É doloroso admitir, mas o establishment brasileiro segue o mesmo rumo das estatísticas da nossa ignorância literária em geral. Talvez por isso Fernando Henrique Cardoso tenha dito que somos um país caipira. Acrescente-se o tolo preconceito contra o gênero ficção científica, que os mal informados julgam pelos filmes B e pelas histórias em quadrinhos americanas, que o banalizam utilizando apenas temas como alienígenas, monstros e super-heróis.
 O desejo e o erotismo são a matriz de suas principais obras literárias. Estou pensando nos romances Piscina livre (1980) e Amorquia (1991), e na maioria dos contos de A máquina de Hyerônimus (1997), por exemplo. Em sua opinião, a chave de nossa transcendência não está na razão cartesiana, mas nos delírios do corpo sensível?
 Todos os delírios do erotismo e do corpo sensível, como você poeticamente afirmou, exigiriam um livro que fosse metade do entrevistador, metade do entrevistado. Nelson Rodrigues captou bem esse clima na sua dramaturgia. A mistura complexa das nossas etnias formadoras seria um ponto de partida. Sempre me impressionou nos Estados Unidos a diferença entre uma alegria ao estilo carioca, dos negros americanos quando reunidos em qualquer situação, contrastando com a sisudez dos brancos americanos, embora menos aguda que a dos britânicos.
Nelson Rodrigues é um dos teus dramaturgos prediletos? Qual a sua relação com o teatro? Você nunca se interessou em escrever também para o palco?
 Gosto muito de Nelson Rodrigues como retratista da realidade brasileira. Porém, prefiro peças mais arrojadas, como as de Arrabal, Sartre e Brecht. Escrevi uma vez uma peça que infelizmente não foi encenada. Chamava-se Azarada. A companhia que ia levá-la ao palco se dissolveu antes da estreia. E foi só essa experiência.
Muitos de seus personagens são publicitários ou ex-publicitários irritados com a profissão. Igual a outros escritores importantes, como Jamil Snege e Sebastião Nunes, você também trabalhou em agência de publicidade. Uns dizem que a publicidade também pode ser arte, outros dizem que isso é uma grande besteira…
 Acho impossível um bom publicitário que ignore a arte. É elogiável quando um comercial tem qualidades artísticas. Uma boa publicidade pode ser artística. É pena que nem sempre o produto tem as mesmas qualidades do anúncio. É pena também quando um bom artista gasta sua criatividade só na publicidade.
Outro de seus contos muito apreciado no Brasil e no exterior é “O homem que hipnotizava”, também de 1963, sobre um sujeito que aperfeiçoa a própria realidade por meio da auto-hipnose. Sobre esse assunto, a hipnose, você publicou dois livros teóricos. Em que circunstância aconteceu seu encontro com essa técnica de indução psicológica?
 O primeiro livro, O mundo misterioso do hipnotismo, foi publicado em 1963; o segundo, Manual de hipnose, em 1978. Descobertas e novidades cientificas sempre me fascinaram. A hipnose era algo revolucionário, mas pouco estudado no mundo e muito menos no Brasil. Comprei livros estrangeiros e cuidadosamente tentei com amigos algumas experiências de indução hipnótica. O sucesso que consegui rapidamente me impressionou e me motivou a seguir mais adiante. Naquele tempo eu estava mergulhado no estudo da psicologia e da psicanálise, e foi inevitável que eu utilizasse técnicas hipnóticas em alguns pacientes. À medida que minhas experiências avançavam em profundidade, eu me espantava que o assunto fosse ainda ignorado pela medicina brasileira. Escrevi os dois livros e posso dizer, através de uma só citação, que foram um grande sucesso. Carol Sonenreich, o grande cientista radicado no Brasil, classificou meus livros como os melhores até então publicados sobre o assunto. Acredito que pelo fato de eu ser escritor, minhas explicações técnicas são melhor absorvidas pelos leitores em meus contos. Tenho em meus arquivos um caso de processo criminal em que um indivíduo casado foi indiciado por ter usado a hipnose numa divisão de herança. Observei que, na literatura universal, a hipnose era explorada de maneira amadora, sem conhecimento científico. Me inspirou o fato de que a hipnose já estava sendo usada criminalmente na realidade, e usei então essa sugestão em textos ficcionais.
Amigos brincam que você é uma espécie de Leonardo da Vinci brasileiro. Além da produção artística e literária, seu apartamento está cheio de invenções, objetos e esculturas feitos de sucata…
 A pintura modernista foi para mim uma grande fascinação. De Chirico, Picasso, Pollock, não importa se abstratos ou concretos, todos que revolucionaram a visão do espectador, mostrando um mundo inventado pelo artista, me influenciaram. O uso do objeto tridimensional me permitia então experiências dentro da minha relatividade monetária. Comecei a explorar ferros-velhos por toda São Paulo, e quando visitei Manhattan foi como se descobrisse Shangri-la, nunca vi lixos tão ricos em toda espécie de objetos interessantes. Como herdei de meu pai uma loja de ferragens, sou até hoje um perito cortador de vidros usando diamante. Criei o que chamei de quadros dinâmicos, com diversos compartimentos de vidros com líquidos de cores variadas, além de mercúrio e outros materiais. Manuseado pelo espectador, podem-se formar milhares de combinações plásticas. Pesquisei também na escultura com materiais que, solidificados, pareciam cristais. E, em Murano, até no chão resgatei pedaços de cristais de cores variadas que fazem parte de esculturas minhas. Como sou muito jovem, ainda tenho intenção de dar vida a diversas criações.
E o que nos diz sobre as oficinas de criação literária? Você coordenou várias, numa época em que não havia muitas. Agora há centenas. Que benefícios uma atividade como essa costuma trazer aos participantes?
 Tenho a impressão que a minha oficina, iniciada com algumas outras na casa que foi do Mário de Andrade, foi uma das primeiras em São Paulo. Durante anos essas oficinas funcionaram com grande sucesso e eu fico espantado como uma realização tão pródiga na ampliação da nossa cultura não tenha sido ampliada ainda mais. Em Curitiba, coordeno uma oficina há muitos anos, eficientemente secretariada pelo escritor Mustafá Ali Kanso. A palavra oficina é extraordinariamente adequada a esta forma de cultura direta e prática. Contos ou poemas elaborados pelos oficinandos (não chamo de alunos, pois muitos já têm livros publicados) são analisados de um ponto de vista construtivo, com um toque final dado por mim. A crítica coletiva possibilita uma visão magnífica sobre o trabalho e infunde um conhecimento prático da técnica literária com mais eficiência do que qualquer outro método. Espero que continuem ampliando essa prática para que novos e excelentes autores surjam dessa iniciativa.
Antônio Abujamra, do programa Provocações (TV Cultura), termina seu programa de um jeito que eu gosto: ele olha para o entrevistado e diz: “Qual pergunta importante, na sua opinião, ficou faltando eu fazer?” No seu caso, André, qual pergunta ficou faltando eu fazer? Algo que você sempre julgou importante, mas nenhum entrevistador pensou em perguntar.
 Nenhuma. Você é um ótimo psicanalista, suas perguntas são aquelas que induzem à confissão das nossas verdades. Você foi gentil não pedindo detalhes do golpe militar. Eu não posso falar mesmo dele, perco a calma porque o assunto é sempre triste. Ainda bem que entre altos e baixos a nossa democracia tem melhorado visivelmente.
Fonte:
Revista Cândido n. 16 – nov 2012 – Curitiba

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Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque

Ademar Macedo (O Homem atrás do Escritor, o Escritor atrás do Homem)


Entrevista concedida pelo poeta potiguar para José Feldman,  em 26 de novembro de 2010.
O poeta faleceu anteontem, 15 de janeiro de 2013 de câncer.

INFANCIA E PRIMEIROS LIVROS

JF: Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

AM: Nasci em Santana do Matos/RN, no dia 10 de setembro de 1951, aos oito anos fui morar em Zabelê, município de Touros também no Rio Grande do Norte, onde fiquei até 1963, quando mudamos para Natal, onde terminei o primário e através de uma seleção (concurso), em 1965 fui para o Ginásio Agrícola de Ceará-Mirim/RN; terminando o ginásio voltei para Natal onde fiz o Científico (naquela época) que era o 2º Grau. Em 1971 entrei Para o Corpo de Fuzileiros Navais, passei no 1º concurso para Cabo, fui cursar no Rio de Janeiro e nunca mais estudei. Voltei para Natal em 1980 e em 81 perdi uma perna num acidente.

JF: Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

AM: No Ginásio agrícola (que era um Internato) Sob o duro comando de Paulo Mesquita, o Diretor, um Oficial Reformado da Aeronáutica, eu tive a melhor aprendizagem da minha vida, lá era um verdadeiro quartel, mas até hoje eu agradeço pelos seus ensinamentos, principalmente no que tange a moral, dignidade, honestidade que me acompanham até Hoje!

JF: Recebeu estímulo na casa da sua infância?

AM: Perdi meu Pai muito cedo, aos 7 anos, minha infância foi um tanto difícil, mas minha Mãe e meu irmão mais velho nunca deixaram faltar nada, Inclusive o estímulo.

JF: Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever?

AM: Confesso que nunca fui muito de ler…Lembro bem de “O Pequeno Príncipe” e alguns pouco mais.

JF: Como foi que você chegou à poesia e às trovas?

AM: Tudo começou após o meu acidente. Numa maneira de passar melhor o tempo, comecei a frequentar cantorias de viola, festivais de Violeiros, tudo o que dizia respeito a Poesia Popular, e por meu Pai ter sido Poeta, eu sentia correr nas minhas veias o sangue da Poesia e comecei a fazer algumas estrofes; e meus irmãos Francisco Macedo e Augusto Macedo (falecido) que já eram poetas, me disseram que eu levava jeito pra coisa! Eu, já poeta popular, conhecido em todo estado devido as minhas declamações nas rádios: (Rural de Natal, Rádio Poti e 98FM), fui convidado por José Lucas de Barros, que assistia as minhas declamações nas cantorias e nos festivais e por Joamir Medeiros, que me ouvia nas Rádios, para ingressar na ATRN (Academia de Trovas do R.G.do Norte), fui sabatinado e após uma comissão analisar as trovas feitas por mim, fui aprovado e lá estou desde 2004.

SEUS TEXTOS E PREMIOS:

JF: Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros?

AM: Lancei o meu primeiro Livro em 1993: “…E DA DOR SE FEZ POESIA.” E tenho ainda os seguintes Livros (Em Parceria): “POESIAS EM QUATRO VERSOS”, “DOIS POETAS EM SETILHAS”, “UM DEBATE EM SETILHA AGALOPADA”, “NOS ARPEJOS DAS SETILHAS” e “UM ROJÃO EM SEXTILHA AGALOPADA”. Já prontos tenho: “SEXTETO EM SEXTILHAS”, “SEXTETO POTIGUAR”, “SEXTILHAS A QUATRO VOZES”, “TRÊS À MESA DA POESIA”, E em andamento: “NO COMPASSO DAS SETILHAS”. 

Editei um Cordel que intitulei: “DIVAGAÇÕES POÉTICAS”
E tenho dois CDs declamando Poesias: “NA CADÊNCIA DA POESIA” e “O POETA E A RAPOSA”(Com minhas declamações ao vivo, na 98 FM)
E tenho um Livro pronto esperando ajuda para publicação, que se chama: “…E DA POESIA SE FEZ O ABSURSO”, é um livro inspirado em ZÉ LIMEIRA, o Poeta do Absurdo.
A inspiração para tudo isso veio, com certeza, da Natureza e do Sertão!

JF: Como definiria seu estilo literário? 

AM: Como escrevo poesia popular nordestina, o estilo predominante é o Cordel.

JF: Dentre os livros escritos por você, qual te chamou mais atenção? E por quê?

AM: É muito difícil um Pai amar os seus Filhos de maneira diferente, assim é com os Livros; no entanto, para mim, o Livro onde mais eu me inspirei, onde estão as melhores poesias É: “UM DEBATE EM SETILHA AGALOPADA”.

JF: Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

AM: Basta dizer que os livros em parceria (DEZ) foram todos feitos pela Internet, Por exemplo: “TRÊS À MESA DA POESIA”, Zé Lucas me mandou a sua estrofe, eu respondi e enviei as duas para o Professor Garcia, que por sua vez, me respondeu e as enviou para Zé Lucas e assim sucessivamente até chegar 150 estrofes. VEJAM AS TRÊS PRIMEIRAS:

01 – Zé Lucas
Com Ademar e Garcia
vou pelejar desta vez,
enchendo a taça dos versos
com carinho e lucidez,
para que o vinho sagrado
das musas dê para os três.

02 – Ademar
Vou beber com honradez
uma taça todo dia,
e eu peço a Deus neste verso
talento e sabedoria,
e que este vinho sagrado
me embriague de poesia.

03 – Prof. Garcia
Eu vou beber todo dia
para afastar o meu pranto,
deste vinho que embriaga
e nunca me causa espanto,
porque o vinho do verso
tanto é puro quanto é santo.

JF: Tem prêmios literários?

AM: Eu já fui premiado em 21 Cidades de diferentes estados da nossa federação; mas estas premiações foram todas em Concursos Nacionais de Trovas. Tive também alguns Prêmios em “Poesia” apenas aqui no meu Estado.


CRIAÇÃO LITERÁRIA :

JF: Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?

AM: Esta eu vou responder com uma Trova e uma estrofe apenas:

“Vi à luz de lamparina,
em inspirações imerso
que a musa se faz menina
para brincar no meu verso.”

“Na inspiração do poeta
sinto um pouco de magia,
porque toda estrofe minha
me fascina e me extasia;
e em cada verso que faço
vou mastigando um pedaço
do pão da minha poesia.”

JF: Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os textos?

AM: Não projeto nada, os versos nascem assim…de repente.

JF: Você acredita que para ser poeta ou trovador basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?

AM: A poesia é um dom divino, nenhuma escola ensina você se tornar Poeta…O Poeta já nasce feito!

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR :

JF: O que o choca hoje em dia?

AM: A violência. (que é a falta de Deus no coração das pessoa…)

JF: O que lê hoje?

AM: Livros de Poesias…

JF: Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

AM: Divulgar a poesia nas escolas…

JF: De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

AM: Com a mesma visão de sempre…Falta de apoio para a edição de Livros e Etc…

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES :

JF: Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?

AM: Que tenha muito amor pelo que faz e muita Fé. Quem sabe, um dia você encontre uma porta aberta!

JF: O que é preciso para ser um bom poeta ou/e trovador?

AM: …Apenas Inspiração.

JF: Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.

AM: Queria apenas agradecer esta oportunidade que me foi dada, para que eu pudesse aqui, da forma mais sincera, me desnudar poeticamente perante todos vocês…

JF: Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

AM: Seriam apenas de agradecimentos por tudo o que Ele tem feito na minha vida… Resumindo:

Nunca quis ganhar fama nem cartaz,
sou feliz no papel que desempenho,
sou um homem de fé, temente a Deus,
não reclamo do peso do meu lenho
nem de tudo na vida que padeço…
Eu já tenho até mais do que mereço
e me sinto feliz com o que tenho!

JF: Para finalizar, um poema e trovas de sua autoria que possui um carinho especial.

POESIA

Há sorriso que fere e que magoa
e há pranto que comove e traz alento,
e os que trazem a dor e o sofrimento
deixam marcas no rosto da pessoa;
e por mais que este pranto não lhe doa
deixará para sempre uma seqüela,
que se faz cicatriz no rosto dela
maculando esta dor que não termina;
se tiver que chorar feche a cortina,
quando for pra sorrir, abra a janela.

TROVAS:
Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela.
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!…

Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca faz chover prantos
nos olhos dos nordestinos!

O grande desmatamento,
por ganância ou esperteza,
põe rugas de sofrimento
no rosto da natureza…

Quando a inspiração lhe acena,
o bom Trovador se expande.
Numa Trova tão pequena,
faz um poema tão grande!

Quem se entrega a solidão
e dela se faz refém,
anda em meio à multidão
mas não enxerga ninguém!

Numa combatividade,
cheia de brilho e de glória,
saber perder, na verdade,
é também uma Vitória!

Na Floresta, a “derrubada”
deixa em minha alma seqüela,
pois a dor da machadada
dói mais em mim do que nela.

Ademar Macedo ainda complementa mais sobre ele:

UM POUCO MAIS DE MIM:

Como eu relatei no início, Eu Sou um Fuzileiro Naval (Reformado) perdi uma perna num acidente no ano de 1981, desde então me entreguei de corpo e alma a Poesia. Em 2006 tive um câncer no intestino, me operei no dia 09/05/2006, no Rio de Janeiro; fiz 52 Quimioterapias e 25 Radioterapias, terminei o tratamento no dia 20 de Outubro do mesmo ano, e como DEUS é Maravilhoso acredito que eu já esteja Curado, pois eu Estou sendo acompanhado aqui em Natal pela Liga contra o Câncer através de exames feitos de 6 em 6 meses, e agora em Setembro último fiz uma Colonoscopia e havia um pólipo que foi retirado para fazer a biópsia e deu o seguinte resultado: “ausência de malignidade no material Examinado” E Deus, na sua misericórdia, além do dom da Poesia deu-me também a Cura. E hoje a minha vida é regida pelo AMOR, pela ALEGRIA e pela FÉ, e são baseados nesses temas que nascem a inspiração para as minhas poesias e Graças ao nosso bom DEUS e a minha FÉ, é que estou hoje aqui contando a minha história…

Em Versos:
Guardei todos momentos que passei
de ternura, de carinho e de amor,
momentos que na vida mais gozei
e os momentos que mais eu senti dor.
O momento feliz da minha vida,
quando Deus curou em mim uma ferida,
que os médicos diziam não ter jeito,
e apesar de hoje eu ser um mutilado,
guardo sempre as lembranças do passado
pra curar as feridas do meu peito!…

A minha poesia é Santa
porque é Deus quem a projeta,
pois ele mesmo é quem planta
no coração do poeta;
pois todos os versos meus
vêm lá da mansão de Deus
como se fosse uma luz;
são escritos com emoção
pela minha própria mão,
mas seu autor, é Jesus!…

Quero então quando eu morrer,
feito em letras garrafais,
aquela minha poesia
que me deu nome e cartaz;
e escrito, seja onde for:
– Eis aqui um trovador
que morreu feliz demais!

Abraços Fraternos:
Ademar Macedo.

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Antônio Martins (Memória Viva de São Luís em Xeque)

 Antônio Martins de Araújo nasceu em São Luís do Maranhão, numa meia-morada situada na rua dos Afogados, esquina com a rua do Ribeirão, tendo em frente a Fonte do Ribeirão, no dia 1º de agosto de 1932. O escritor é Doutor em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, tendo se aposentado como professor de Língua Portuguesa por essa instituição. É considerado o maior expert, no Brasil, no que se refere à obra de Arthur Azevedo. Ocupa atualmente a presidência da Academia Brasileira de Filologia – ABF e é membro da Academia Maranhense de Letras – AML, trabalhando ainda como professor do Instituto de Língua Portuguesa do Liceu Literário Português. Entre suas principais obras é possível mencionar: Arthur Azevedo – a palavra e o riso, Noel Rosa – língua e estilo (em parceria com Castelar de Carvalho), A herança de João de Barros e outros estudos, Chão do Tempo, e O peito do Pelicano – ensaios maranhenses. Numa bela manhã do início de setembro deste ano, Antônio Martins de Araújo concedeu ao Guesa Errante a entrevista que publicamos abaixo. O intelectual maranhense mora no Rio de Janeiro.

Paulo Melo Sousa – Caro mestre Antônio Martins, quais as recordações mais antigas da sua infância, vividas em São Luís? 

Antônio Martins de Araújo – Eu me lembro bem da casa na qual nasci, local em que meu pai manteve um comércio durante a segunda guerra mundial. Em 1938 ele abriu falência, eu tinha seis anos de idade, foi quando ele perdeu a Mercearia Gaúcha. Ele vendia a crédito para os garis da prefeitura de São Luís e, na época, sofreu um calote de 30 contos de réis. As compras dos garis eram descontadas dos salários deles, por intermédio de meu padrinho, um maçon chamado seu Cruz. Aí o governo mudou em 1938, e o substituto de seu Cruz, Agenor Vieira, não honrou os compromissos assumidos com a mercearia. Então, meu pai foi obrigado a vender tudo e fomos embora para Viana, terra natal do meu pai. Lá eu estudei no Colégio Municipal entre os seis e os sete anos de idade. Tenho muitas saudades do lago de Viana, das mocorocas e das enchentes. Dessa época tenho uma recordação magnífica, lembro de histórias que conto no meu livro “Menino do Ribeirão”, que ainda não publiquei, já que existem dois capítulos da obra nos quais relato as minhas primeiras experiências sexuais, e como as meninas ainda estão vivas, uma delas casada, o livro só será publicado trinta anos depois da minha morte (risos).

Em seguida, a sua família retornou a São Luís… 

Sim, e aí eu estudei aqui no Colégio Justo Jansen, que funcionava num sobradão situado na rua da Cruz, esquina com a rua dos Afogados. Ali, tive uma experiência muito boa, pois estudava pela manhã e, na parte da tarde, quatro portas além da minha casa, tinha aula particular com a professora Maria de Lourdes Garrido. A ela devo a minha orientação para fazer o exame de admissão ao Colégio Marista, no qual fui aprovado de imediato, aos 11 anos de idade. Poucos anos depois, aos 15 anos, comecei a dar aulas de Português e História do Brasil na Escola Champagnat, uma espécie de escola supletiva, que funcionava à noite. No entanto, na minha formação, eu digo que a minha primeira universidade foi o Teatro Arthur Azevedo, o mundo recontado através da arte.

Como aconteceu esse seu contato com o teatro? 

Entre os meus 5 anos e os 15 anos de idade, a minha madrinha, Edith Barbosa Pinto, mãe de criação da minha mãe, Edith Raposo Martins Araújo, era quem me levava ao teatro. Ela vendia cafezinho e mingau de milho aos atores e para alguns outros fregueses. Dessa forma, eu assisti de graça aos espetáculos de todas as companhias de teatro que passaram por São Luís de 1937 a 1947. Quando digo que a minha primeira formação superior aconteceu no Arthur Azevedo é porque ali tive o privilégio de assistir às apresentações de nomes magistrais do teatro, tais como a Companhia dos Estudantes de Coimbra, as operetas dos irmãos Vicente Celestino, peças com Pascoal Carlos Magno, Eva Tudor, Iracema de Alencar, Henriette Morineau, Lenita Bruno. Em homenagem a essa atriz, que, entre 1937 e 1947, brilhou intensamente por mais de uma vez no Teatro Arthur Azevedo, e me dedicava, eu menino ainda, um carinho muito especial, sugeri à minha mãe que pusesse o nome de Lenita à minha segunda irmã, o que foi feito. Foi na nossa principal casa de espetáculos que, sob o prisma da arte cênica, o universo à minha volta se revelou a mim.

Esse seu interesse pelo teatro continuou quando você foi morar no Rio de Janeiro… 

É verdade. O ator Delorges Caminha, marido da atriz francesa Henriette Morineau, foi o meu primeiro diretor na Escola de Teatro Martins Pena. Tive também lá como meus diretores, entre outros, o brilhante ator José Wilker e o excelente bailarino Klaus Viana. As aulas de Impostação da Voz eu só ministrei duas ou três vezes, após fazer um curso intensivo, nos anos 60, com a professora cearense Glória Beutmuller, radicada no Rio, há muitos anos. Eu também lecionava sobre História do Espetáculo, mas, não recuava até 5 mil anos antes de Cristo quando, na ilha de Bali, praticamente nasceu o teatro. Ainda hoje os atores representam nessa ilha o espetáculo do embate entre o bem e o mal, e, quem faz o papel do demônio se deixa atravessar por uma espada e não sangra, já que o golpe desferido não atinge os órgãos vitais. Trata-se de uma cultura milenar, diante da qual devemos tirar o chapéu. Lá é que nasceu realmente o teatro. Isso pode não ter tido influência alguma sobre o teatro greco-romano, mas, é uma ilusão. Quando se diz que Monteiro Lobato foi um grande contador de estórias, isso é conversa fiada, já que ele recontou estórias que La Fontaine já contava. E aí quando se diz que La Fontaine era um grande contador de estórias, fábulas, isso também é conversa fiada, já que ele bebeu nas fábulas de Esopo…

 Isso nos lembra a ideia do eterno retorno, de Nietzsche, e ainda de Jorge Luís Borges, na obra “História da Eternidade”; ali, num pequeno ensaio intitulado “A doutrina dos ciclos”, ele escreve que “num tempo infinito, o número de permutações possíveis deve ser alcançado, e o universo deverá se repetir”… Sim. E então poderíamos pensar que a cultura greco-romana é o berço da nossa cultura. Nesse particular específico do fabulário, a história nos ensina que a literatura europeia ocidental, grosso modo, possui origem nas estórias de animais encontradas nos livros sagrados hindus do Mahabharata e do Rig Veda, que são muito anteriores à cultura helênica. Assim também, quando se fala de gíria, muita gente pensa que é criação tupiniquim, quando, na verdade, foi a tribo dos bazigares oriundos, creio, que da Hungria, que a teria criado. Procurei mostrar como chegou até nós esse gosto pela gíria em meu ensaio “Arthur Azevedo: a Palavra e o Riso”, co-editado em 1988 pela prestigiosa Editora Perspectiva e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Então, nós temos que tirar o nosso chapéu para a lei de Lavoisier, que diz que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. O Chacrinha tinha uma paráfrase do Lavoisier: “na vida nada se perde, nada se cria, tudo se copia”…(risos!).

Mestre Martins, fale-nos sobre a sua inserção no movimento cultural maranhense de então..

Muito me agrada a sua pergunta. Nós nos reuníamos no Centro Cultural Gonçalves Dias, cujas sessões eram realizadas no Grêmio Lítero Recreativo Português, ali em frente à praça João Lisboa, aonde assisti a declamações de poesia de Ferreira Gullar, que hoje tem ódio ao seu livro de estréia, “Luta Corporal”. No entanto, acho que esse livro marca a trajetória ascensional do Gullar. Nós nos reuníamos também no Café do Chico, em frente à João Lisboa, situado na esquina da rua de Nazaré, de onde se defrontava a Livraria Moderna. Ali nós líamos os nossos poemas uns para os outros e, quando um dizia que era para se rasgar o texto, que estava uma merda, nós rasgávamos o poema na mesma hora, respeitávamos a opinião dos amigos, todos bem informados. Ali se encontrava o Sarney, o Tobias Pinheiro, o Gullar. Também havia encontros na galeria do Paiva, na Movelaria Guanabara, situada na rua do Sol. Nós, um pouco mais jovens, nos reuníamos na casa de Zé Mário Santos, grande orador, que ficava no Campo de Ourique, perto da praça Deodoro. Eu era liderança da “Agremiação Liberal Acadêmica – ALA” e ele era líder do “Movimento Nacionalista Acadêmico – MNA”, e nessa casa eu me reunia com Manoel Lopes, Clóvis Sena, que faleceu recentemente.

No entanto, os encontros sempre estavam ligados a questões culturais… 

Sempre. Eu me lembro que nós tivemos a oportunidade de receber por lá a visita de Darcy Ribeiro e de um parente do famoso escritor Aldous Huxley, o antropólogo Francis Huxley, de procedência inglesa. Então, ele resolveu declamar um trecho de Shakespeare, que era muito onomatopaico. Na sua declamação, ele fazia ohhhhh, aliado a uns trejeitos meio estranhos e nós nos danamos a rir, foi um surto de riso vexaminoso (risos), que pegou muito mal. O rapaz estava querendo fazer uma homenagem a nós, declamando da melhor forma possível, mas, os trejeitos dele eram muito cômicos (risos). Um dia nós fomos almoçar num restaurante que ficava nos fundos da atual Academia Maranhense de Letras, e eu fiquei admirando o tamanho dos sapatos do Darcy. Então, ele me disse: “já sei, Antônio, você está achando o sapato exagerado, mas, é que eu e o Francis vamos pisar na tribo dos índios Urubus-Kaapor, e tenho que me proteger dos tocos do mato, né? Por isso os sapatões que usamos”. Então, essa geração nos deu muitas alegrias.

Até que idade você morou em São Luís, e qual a razão da sua partida? 

A minha partida daqui se deveu a uma experiência altamente frustrante, ao mesmo tempo em que foi altamente redentora. Eu acabara de fundar, quando tinha uns 27 anos de idade, um colégio chamado Ginásio Operário Getúlio Vargas, no âmbito da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, no bairro do Lira. Dr. Elói Coelho Neto era o presidente dessa instituição, no Maranhão, da qual eu era Secretário Geral. Nós fundamos vários colégios pelo interior do Maranhão, em Codó, Coroatá e outros municípios. Quando eu estava prestes a me tornar diretor da instituição, o governador Newton Belo me convidou para ser diretor do Liceu Maranhense, eu tinha apenas 28 anos de idade. Nos quatro anos em que permaneci ali, com um grande amigo, meu compadre, padrinho de um filho meu, o saudoso Merval Lebre Santiago, eu tive experiências ‘magníficas’, já que grandes ‘amigos’ que eu ajudei a colocar no Liceu me traíram posteriormente, disputando a diretoria, como é o caso de um pernambucano mau caráter chamado Gildo Cordeiro Rosa, que reprovava os alunos para depois ensinar matemática aos mesmos alunos, de forma particular, para poder aprová-los. Eu vivia recebendo pauladas do Jornal Pequeno, do meu amigo Bogéa, e do Neiva Moreira, que era diretor do Jornal do Povo. Faltava energia e no outro dia surgia a manchete: ‘diretor irresponsável do Liceu suspende as aulas’… Como é que se poderia dar aulas com velas? Era na época do João Goulart, greve atrás de greve, jogavam bombas na porta da escola, então eu mandava os alunos para casa.

Período conturbado… 

Pois é, e aquilo me cansou a beleza, eu já tinha 32 anos. Então, resolvi fazer concurso para professor no Rio de Janeiro. Na ocasião, falei com o grande comandante, grande amigo meu, Renato Archer, que tinha grande trânsito junto à Panair. O Renato me ajudou com a passagem, eu era pobre, e fui fazer concurso na Escola Técnica Federal, na Universidade Gama Filho e na Escola Naval. Então, fui aprovado e me transferi para o Rio de Janeiro. Foi o início da minha redenção, pois eu dava 72 horas de aula no Maranhão, acumulava a direção do Liceu durante a manhã e à noite. Durante a tarde, funcionava a Escola Normal, sob o comando de Oceanira Galvão, descendente do grande poeta maranhense Trajano Galvão. Então, no Rio de Janeiro passei a trabalhar oito horas a menos e a ganhar seis vezes mais. Vivi durante dois anos na rua Maranhão, perto da escola Maranhão, da farmácia e da padaria Maranhão, para não fugir à tradição…(risos). Então, não cortei de uma vez o cordão umbilical com a minha terra, fui me despedindo do Maranhão aos poucos. Depois de dois anos comprei meu apartamento na rua do Copacabana Palace, onde moro até hoje.

Depois de tanto tempo fora do Maranhão, as suas vindas a São Luís são sempre marcantes… 

São Luís é sempre um encantamento. Essa prosápia, essa fidalguia, esse orgulho que o Maranhão tem de praticar o melhor português do Brasil, sem favor nenhum, porque o Maranhão já nasce com essa vocação para respeitar o idioma pátrio, que é uma prova de bom caráter, realmente me impressiona. Havia um sujeito pichando uma das paredes da cidade e quebraram o maior pau em cima dele não por causa da pichação, mas, em razão de ele ter escrito à bessa com dois esses em vez de à beça, desrespeitando a língua portuguesa; só mesmo no Maranhão existem essas coisas.

E seus planos futuros? 

Ano que vem vou fazer pela quarta vez 20 anos de idade…(risos)…não ria não porque a coisa é séria…(risos)…já estou descendo a ladeira…(risos)…mas vou descendo e também subindo, agora mesmo estou dando aulas para um curso de mestrado em Cruzeiro do Sul, perto de Rio Branco, formando uma turma de 50 mestrandos. Em maio ministrei aulas de Linguística Aplicada ao Ensino de Letras Neolatinas, área da minha formação, e tenho textos inéditos à espera de publicação; enfim, continuo escrevendo, produzindo sempre.

Fonte:
Suplemento Cultural & Literário JP Guesa Errante. Ano X. Edição 238. 5 de outubro de 2011.

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Arquivado em Entrevista, Maranhão, O Escritor em Xeque

Euclides Riquetti (Entrevista e Poema: O Voo da Garça)

O professor Euclides Riquetti recebeu, no auditório do Praia de Palmas Beach Resort, em Governador Celso Ramos, na região da Grande Florianópolis, a Medalha do Mérito de Literatura professor Lauro Junckes e uma placa em sua homenagem pela conquista do 10º lugar no concurso nacional de poesias Prêmio Mário Carabajal.

O Tempo – Como foi isso?

Riquetti – Bem, Eu compus um poema denominado O Voo da Garça, em 1997, que já foi publicado em O Tempo – e ainda na capa do jornal O Balainho, da Unoesc, de Joaçaba. Quando tomei conhecimento do concurso, mesmo sabendo que ia concorrer com escritores habilidosos, apostei neste poema, pois acreditava que ele iria ficar entre os 100 primeiros colocados, que poderiam ser selecionados. Mas, sinceramente, sentia que ele tinha condições de ficar entre os dez melhores, e isso acabou acontecendo. É um poema que foge da linha convencional, em suma, é um poema diferente. Se eu fosse cantor, diria que seria minha “música de trabalho”. Mas é apenas um poema, mas que tem seu valor, lá isso tem.

O Tempo – Há quanto tempo compõe?

Riquetti – Componho poemas desde minha adolescência. Lia muito e admirava Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e muitos outros, principalmente os românticos. Isso levou-me a optar pelo curso de Letras/Inglês. Estudei muito as Literaturas Portuguesa, Brasileira, Inglesa e Norteamericana. Na juventude, época de faculdade, lia pelo menos um romance em português e dois ou três em inglês por semana. Eu era fanático por literatura. Houve semana em que cheguei a ler cinco romances, de mais de 100 páginas cada um, em inglês. Admirava Júlio Verne, Charles Dickens, Camilo Castelo Branco, Shakespeare, Alexandre Herculano, Eça de Queiroz e outros grandes. Mas também li muitos brasileiros, de Machado de Assis a José de Alencar. Bem, isso significa que para compor é preciso conhecer. E, para conhecer, é preciso ler, mergulhar no maravilhoso mundo dos livros.

O Tempo – Tem poemas publicados?

Riquetti – Nunca fui muito dado publicar, embora contribuí com dois poemas no livro Primas, volume IV, da Coleção Vale do Iguaçu, em União da Vitória, Paraná, ainda em 1976. No ano passado emplaquei cinco poemas na coletânea “Santa Catarina Meu Amor”. Há outras publicações em jornais, inclusive em O Tempo.

O Tempo – Pretende publicar livros?

Riquetti – Tenho poemas prontos para editar dois ou três livros. Mas, com o passar do tempo, vou ficando mais exigente comigo mesmo. Tenho algumas crônicas e tenho, praticamente, a História do Município de Ouro. Tenho, também, uma visão das questões dos limites à época do Contestado. Mas, História, é compromisso, você não pode sair aí escrevendo aquilo de que não tem comprovação, só porque alguém falou… Mas pretendo escrever uma história meio leve, não com cunho épico, nem demagógico…

O Tempo – Como foi receber uma homenagem lá em outra cidade?

Riquetti – Bem, recebi a medalha, das mãos do presidente da Academia de Letras de Santa Catarina, professor Miguel Simão, juntamente com outros cerca de 50 escritores presentes. Mas minha emoção maior foi ter recebido do Doutor Mário Carabajal a placa pela conquista do décimo lugar no concurso em homenagem a ele. Foi um concurso em que os dez primeiros colocados são das cidades de Itararé (SP), São Vicente (SP), Divinópolis (MG), Florianópolis (SC), Petrópolis (RJ), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Pirapetinga (MG), Congonhal (MG) e Ouro (SC), no meu caso.

O Tempo – O que tem a dizer para outras pessoas que escrevem?

Riquetti – Vejo que há, em nossas cidades, muitas pessoas que escrevem anonimamente, e que não costumam, por alguma razão, expor o que escrevem. Mas temos pessoas, de todas as idades, que escrevem muito bem. Mas, também, há muitos publicando em jornal. A Internet é um meio barato de propagar a literatura. Tenho poesias, comentários e crônicas em meu blog na internet: http://www.blogdoriquetti.blogspot.com . Quem acessar, clica nos números que estão à sua direita e vai encontrar minhas postagens. E até podem postar comentários.

O VOO DA GARÇA 

A garça voa o voo leve da alma
Voa a garça
Voa como a branca pluma, com graça
Voa a garça.

E no voo breve, voa lenta, calma
Voa com toda a graça a garça.

Voa o infinito, voa por instinto
Voa sobre o monte a garça…
E pousa na torre da igreja
Ou na árvore da praça
Voa pousa a garça.

E seu voo atrai o disperso
O menino, o esperto
O velhinho, o passante
E voa de novo a garça.

Vai, seguindo os trilhos dos raios de sol
Cortando o azul, a garça.

E pousa suavemente sobre a nuvem
Uma nuvem feita branco lençol…
E descansa outra vez a garça!

(A garça povoa os meus sonhos, orienta minha vida.
A garça é meu ser, é você, sou eu…
A garça é meu norte seguro, é minha inspiração…
É minha emoção transmitida no papel…
Euclides Riquetti)

Fonte
Jornal O Tempo

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Dyonelio Machado (Entrevista:: “Escrevi Os Ratos em 20 noites”)

(Esta entrevista foi organizada a partir do depoimento de Dyonelio Machado a Fernando Paixão e Nelson dos Reis, em 1981, e está publicada na 20º edição nas primeiras páginas do livro “Os Ratos”, da editora Ática.)
Quando o senhor começou a se dedicar à literatura?
Eu já estava na Escola de Medicina quando isso aconteceu. E aconteceu como um relâmpago: Escrevi um livro polêmico (A política contemporânea, publicado em 1923), onde eu metia o pau no governo de então. Mas com base, porque eu nunca fiz nada que não tivesse base. Alguns, inclusive, reconhecem essa qualidade em mim. Eu tiro do ar a poesia, a imaginação, mas tudo tem base real, e isso eu creio muito importante em termos de literatura.
E como nasceu “Os ratos”, seu livro mais famoso?
A história se passa em um dia. Eu o escrevi em vinte noites – num dezembro, durante um verão maravilhoso -, após terminar meu trabalho como médico. O que eu escrevia de noite ia passando para a minha mulher ler. Todo o livro estava muito claro pra mim, porque eu havia passado nove anos pensando nesse livrinho. Então eu saía para atender os doentes, no hospício onde eu era médico e nos dois hospitais onde também trabalhava, e, após tudo isso, ia pra casa e começava a escrever. Uma mocinha que era empregada da Livraria Globo, a principal de Porto Alegre, me foi indicada pelo Érico Veríssimo para datilografar o trabalho. Num dia, eu levava uma folha manuscrita e pegava uma datilografada, e assim o trabalho ia avançando. Numa dessas vezes ela perguntou: “Escute, doutor, o Naziazeno vai ser feliz?” – O Naziazeno é o personagem central . Eu lhe respondi: “Leia tudo, que você vai ver”. Foi assim que descobri que “Os Ratos” era um romance.
Em 1935, o senhor recebeu o prêmio Machado de Assis, como foi isso?
Quando eu escrevi “Os Ratos”, hesitei em mandar para o concurso da Academia, mas acabei mandando. Eu soube da premiação, quando estava preso, incomunicável, no porão de um navio estacionado no porto de Santos. Apesar disso, teve um sujeito que conseguiu me avisar do prêmio.
O senhor foi político, psiquiatra, escritor: em quais destes papéis mais se realizou?
Eu não me considero realizado em nada.
Qual dos seus livros lhe agrada mais?
Primeiramente, eu vou para qualquer um dos meus livros negaceando – vocês conhecem esse termo gaúcho? Eu vou perguntando: “Será que eu leio?”. Aí, eu vou lendo, lendo, e no final digo para a pobre da minha esposa: “Olha, esse livro é bom!”. E ela agüenta essa minha opinião sobre meu livro! Agora veja bem: Pra mim, ou tudo presta ou tudo não presta. É muito melhor que o leitor faça a escolha.
E a crítica, como o senhor a vê?
A crítica entende como quer. Não há crítica boa ou má. A crítica é um momento às vezes do próprio ledor, outras vezes do que está vigorando como escola, etc. A crítica é tremendamente subjetiva. Veja só: Camões fez aquela coisa maravilhosa que é “Os Lusíadas”, e depois vieram uns alunos de Coimbra e fizeram modificações, fizeram alterações sem sentido. De modo que a crítica pra mim só tem um valor: polemizar. Mas a crítica é boa quando aponta coisas.
Até 1970, o senhor era pouco conhecido no Brasil todo. Mas, a partir daí, todo mundo tomou conhecimento de Dyonelio Machado. Como o senhor vê isso?
Eu temo que essa coisa fique muito grande e depois caia. Isso tem que vir devagar, às colheradas. Um cidadão, que havia ido a um sebo comprar um livro antigo, certa vez me perguntou: “Mas por que os seus livros estão sendo procurados?”. Eu respondi: “Foi porque eu morri.” Então ele me disse: “Ah, deixe disso!”. Eu retornei: “Foi morte, sim,porque somente depois de morto o escritor foi reconhecido”. Há várias mortes, e me pegaram para uma delas.
E essa morte é boa?
Não há morte boa. Mas veja, eu falo de coisas simbólicas. Existem muitas coisas estranhas que têm o valor de coisas reais. Toda a vida se fez assim, não é? Eu acho que todos nós somos simbolistas: nós não somos nós, somos uma imagem de nós. Toda poesia é fundamental, mesmo na prosa mais prosaica.
Fonte:
Escritores do Sul – http://www.escritoresdosul.com.br
(este site está desativado)

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Érico Veríssimo (Uma entrevista, 2 anos antes de sua morte)

Pintura de Tânia Hanauer
*Esta entrevista foi publicada originalmente no jornal Opinião (SP), de 05/02/1973, com o título: Sou contra a censura, e republicada em VERÍSSIMO, Érico. A liberdade de escrever: entrevistas sobre literatura e política. São Paulo: Globo, 1999, de onde foi extraída. 

 Porto Alegre, Érico Veríssimo falando ao Opinião:
“Quero começar com um elogio (…). Agora vem a reclamação. Quase todas as perguntas que vocês me fazem na realidade exigem como resposta um longo ensaio. Ora, não sou ensaísta. Um romancista é antes de mais nada um intuitivo. Quando ele se aventura a analisar seus próprios livros, a fazer a sua exegese, mete os pés pela mãos. Se há uma coisa que não me preocupa nem me ocupa agora é a interpretação dos livros que já escrevi e publiquei. Dados esses esclarecimentos, vamos às respostas”.
– A História é a matéria básica da sua ficção em pelo menos dois livros seus: O tempo e o vento e Incidente em Antares. Qual a importância da realidade histórica para a sua literatura? 
Ninguém pode fugir à História… e lá se foi o primeiro lugar-comum. Clara ou oculta, essa “senhora”, está presente em todos os meus romances. Sempre considerei importante. Não só ela mas também esse cavalheiro, mais misterioso ainda, sem o qual ela não poderia existir: o Tempo. Como é possível desenvolver, fazer viver um personagem, um grupo social, fora do tempo e da História? Como se poderia contar uma fábula num vácuo temporal e espacial? Claro, com artifícios de linguagem, com refinamento de técnica, é possível dar ao leitor a impressão de que o romance não tem quando nem onde. Acho que qualquer autor tem o direito de escrever o que entende, o que sabe, esquivando-se do que lhe pode confundir o espírito. O importante é que o livro seja bom. É preciso não esquecer que a História não é sinônimo perfeito de Política ou que a política não pode ou deve ser sempre partidária. No meu caso particular, tenho sido naturalmente levado em minhas ficções para problemas políticos que vivi, em geral, como espectador. Graças aos meios de comunicação modernos, hoje em dia os acontecimentos nos chegam de todos os quadrantes do mundo com mais rapidez e força.
– No Prefácio de O reino deste mundo, Alejo Carpentier postula para o romancista latino-americano a necessidade de incorporar à sua ficção a “realidade mágica”. O senhor o faz, em certa medida, em Incidente em Antares. Acha que esse também é um caminho para a nossa ficção?
Conheci Alejo Carpentier em 1954, quando ele estava exilado na Venezuela por causa da ditadura do sargento Batista. É um grande romancista (Alejo, não Batista). Concordo com ele quanto à fatalidade, digamos assim, que nos impeliu para o “realismo mágico”. Note-se que o adjetivo “mágico” aqui significa também “absurdo”. Nossa América Latina é um território de prodígios, de maravilhas e misérias, de sustos e êxtases. Nela tudo pode acontecer. Seu tamanho, suas selvas e cordilheiras, sua gente sofrida e estranha, sua História nos induzem a uma realidade que pouco tem a ver com o “normal” cotidiano. Principalmente a América espanhola. Todos os “impossíveis” que nos narra o incomparável Gabriel Garcia Márquez em “Cem anos de solidão” tornam-se uma realidade que o leitor aceita. Não creio que tenha feito propriamente “realismo mágico” em “Incidente em Antares”. O realismo mágico verdadeiro é o desses romancistas hispano-americanos (Cortázar, Carpentier, Borges…e quantos outros mais?). É todo um clima que pervaga o romance ou o conto do princípio ao fim. Se acredito que esse “realismo mágico” pode ser um caminho para a nossa ficção? Ora, todos os caminhos nos estão aberto. É muito perigoso traçar roteiros definitivos para qualquer literatura. Pensemos, por exemplo, no Rio Grande do Sul, na nossa paisagem verde e desafogada, na nossa população de origem européia, na nossa pobreza folclórica, na nossa quase ausência de “mistério à flor da terra” e havemos de concluir que o realismo mágico aqui seria algo postiço. Mas está claro que temos muitos assuntos ainda inexplorados no nosso Estado. Josué Guimarães acaba de atirar-se corajosamente a um deles em “A ferro e fogo”, primeira parte de uma trilogia sobre a colonização alemã no R.G. do Sul, e da qual nos deu recentemente o primeiro volume: “Tempo de solidão”. Recorrendo aos que me leem, esse romance é feito com grande economia verbal, eu diria mesmo escrito em preto e branco, Josué Guimarães consegue nele criar uma atmosfera, o que me parece das coisas mais difíceis em ficção.
– De Clarissa a Incidente em Antares haverá, certamente, uma evolução na sua literatura. Quais as linhas-mestras dessa evolução?
Eu lhe pediria que eliminasse, de saída, a expressão linhas-mestras, que me assusta um pouco e pode me embrulhar o espírito. Usando de uma simplificação que os psicólogos não aprovam, direi que tenho dentro de mim um poeta, um romântico em turras permanentes com um realista dotado de veia satírica. Em Clarissa predominou o poeta, ou se preferirem, o pintor aquarelista. Logo depois o satirista chutou o poeta e escreveu Caminhos cruzados. A seguir, ambos se uniram e produziram Um lugar ao Sol. Pode-se passar a vida escrevendo novelinhas-poemas como Clarissa se fecharmos os olhos a certos aspectos sórdidos e negativos da vida. Gosto muito do ditado anglo-saxão segundo o qual ” é preciso um pouco de tudo para fazer-se um mundo”. É preciso saber que as condições econômicas de minha vida pessoal, particular, influenciaram muito os romances que escrevi entre 1933 e 1940. Observe-se como meus personagens dos livros dessa época preocupavam-se com as contas a pagar no fim do mês. Eu trabalhava longa e duramente durante mais de 12 horas por dia. Traduzia livros de várias línguas para o português (mais de 40), inventava histórias para programas de rádio para a infância, armava páginas femininas para o Correio do Povo, tudo isso enquanto trabalhava na revista e na editora da Livraria do Globo. Isso explica a pressa com que escrevi meus próprios romances naquela década de 30. Considero essa fase de minha carreira um período de exercícios em que me preparei, consciente ou inconscientemente, para a obra com que comecei a sonhar depois de 1935 e que acabou sendo publicada a partir de 1949 sob o título geral de O tempo e o vento. Depois de Olhai os lírios do campo, romance cheio de defeitos, mas com grande carga emocional, comecei a ganhar royalties que melhoraram minha situação econômica. Pude trabalhar mais devagar e tive mais tempo para ler… e para me ver e julgar.
– Na publicidade de Incidente em Antares usou-se a frase: “Num país totalitário este livro seria proibido”. O senhor submeteria um livro seu à censura? Por que?
Já disse muitas vezes que jamais submeterei um livro meu à censura prévia. Acho isso degradante, além de absurdo. Se André Gide, que leu a grande obra de Marcel Proust ainda em originais, não recomendou a sua publicação à editora Gallimard, que esperança podemos ter num comité de críticos literários improvisados e composto de membros da polícia federal ou de qualquer outra polícia, ou mesmo da Academia Brasileira de Letras. Repito que sou contra a censura, mas devo qualificar essa minha posição. Só merece liberdade quem tem consciência de sua responsabilidade profissional.
– Ao escrever Incidente em Antares o senhor se apoiou, naturalmente, numa certa interpretação histórica da realidade brasileira contemporânea. A seu ver, quais os fatos decisivo que conduziram ao movimento militar de 1964?
A revolução de 1964 de certo modo começou nos tempos em que se tentou impedir que Juscelino Kubitschek, legalmente eleito, tomasse posse. Atingiu um momento de alta periculosidade quando Jânio Quadros renunciou. Desse momento em diante, os dados estavami irremediavelmente lançados: o resto era questão de oportunidade, e essa oportunidade foi fornecida pela inabiidade de políticos da situação como, por exemplo, Leonel Brizola, que dizia muitas coisas certas, mas com a entonação errada e de maneira estabanada e inoportuna. Os políticos profissionais têm – não esqueçam – sua grande dose de culpa em todo esse processo que levou à revolução de 1964 e que começou pouco antes da proclamação da Repúbica. Nos anos que se seguiram, o Exército foi tantas vezes chamado a intervir nas revoluções tramadas pelo políticos (que mandavam soldados para a caserna mal conquistavam o poder) que, como era de se esperar, um dia arraigou-se a idéia na cabeça dos militares.
– Vargas é personagem de Incidente em Antares. A seu ver, o varguismo como ideologia e estilo político está completamente morto?
O varguismo está em “artigo de morte”, como diria Manuel Bernardes. (Não confundir com o Presidente Arthur Bernardes). Isso não quer dizer que a imagem de Getúlio esteja apagada de todas as mentes. Mas não creio nem desejo que o varguismo como estilo político volte a vigorar entre nós. Digo isso sem rancor, pois gostava pessoalmente do homem Getúlio, embora reconhecendo os erros que cometeu. Acho que foi dos personagens mais dramáticos da Hsitória do Brasil em todos os tempos. Sinto ainda uma ponta de tristeza quando o imagino (como fazia Dona Quita Campolargo, em Incidente em Antares) em sua última noite de solidão e abandono no Palácio do Catete.
– A última cena de Incidente em Antares é um estudante que vai escrever a palavra “liberdade” num muro e é baleado pela polícia. De que maneira o senhor encara as restrições atuais à participação política da classe estudantil?
Pensei que essa cena tivesse deixado bem claro o meu pensamento a respeito do assunto. Sou favorável à participação, não só da classe estudantil, como também de todas as outras classes do Brasil na nossa vida política, através do sufrágio universal e da possibilidade de candidatar-se a um cargo público. Nunca fui partidário do terrorismo, que não leva a nada de construtivo, mas por outro lado, sempre repudiei a tortura cmo método (ou como esporte) e sou positivamente contrário à condenação de quem quer que seja por “delitos de opinião”. Ninguém é criminoso por ter idéias… a não ser que se trate de idéias que levem deliberadamente ao niilismo, ao crime, ao caos.
– O seu estilo sempre foi dos mais despojados da literatura brasileira, aproximando-se bastante do jornalístico. O senhor considera isso uma fórmula peculiar sua ou uma normativa a ser seguida por todos os escritores que buscam maior comunicação com o público?
É a minha maneira de ser. Mas acho que cada escritor deve ser o que é, escrever como entende, usar mais ou menos adjetivos, frases mais curtas ou mais longas. Acredito também que às vezes é o assunto de um livro que dita o seu estilo. Comunicar-se a gente com o público é muito importante. Há em literatura duas coisas igualmente perniciosas e nem sei qual a pior. Uma é tornar-se vulgar, chulo, chão, sensacionalista para conquistar um público mais vasto. A outra é fazer-se hermético para ser entendido somente pelas elites, pelos eleitos. Mas repito que os escritores são como são. Cada qual deve ser dono de seu nariz: errar ou acertar por conta própria.
– Um balanço da cultura brasileira em 1972 demonstra que esse não é um momento particularmente criador, seja na música popular, no cinema, no teatro e na ficção, terrenos em que nos mostrávamos férteis há dez anos. A seu ver, a que se deve essa inibição generalizada?
Não sei com certeza se em matéria de criatividade estamos atravessando um período pobre na música popular, no cinema, no teatro e na ficção. Mas o que posso dizer claramente é que a censura não ajuda em nada o criador, e que a pior censura é aquela que acaba infiltrando-se aos poucos nas nossas cabeças, como um cavalo, ou melhor, um burro de Tróia. A criação é um ato de amor e de liberdade. Houve na História, eu sei, escravos que produziram obras de arte, mas isso não quer dizer que se possa trabalhar num ambiente de “não pode”, “é proibido”, “dá cadeia”. Olhem para os países que têm censura e me digam o que aconteceu à sua arte e à sua literatura. Vejam o que se está fazendo na Rússia com Soljenitzyn e outros escritores. É uma indignidade. E quem faz isso são os homens que cresceram, tornaram-se adultos durante os regime stalinista de terror e obscurantismo, isto é, gente que nunca conheceu a liberdade de pensar e de criar. E a extrema direita é tão má quanto a extrema esquerda. Sim, vocês têm razão, a inibição que perturba nossos artistas plásticos e nossos escritores, compositores, pensadores, jornalistas é causada pelo clima criado pela censura. Pessoalmente não fui ainda censurado, mas isso não me faz feliz, pois não quero, como meia dúzia de outros escritores, ser exceção num país de quase cem milhões de habitantes.
– Mais ou menos a partir de 1968 vivemos em clima de euforia, “em ritmo de Brasil grande”, na fórmula oficial. A seu ver, se justifica esse clima de otimismo?
Acho que se justifica. Nesses últimos anos, o Brasil tem crescido e em alguns setores as melhoras são visíveis a olho nu. Está claro que só temos estatísticas oficiais e nunca sabemos ao certo do que se passa nos bastidores da política. Não posso negar a Transamazônica, a melhor qualidade dos serviços postais e muitos outros empreendimentos. O que eu acho é que tudo isso se poderia fazer num regime democrático, dentro da velha Constituição, contanto que ela fosse realmente cumprida a rigor.
– O primeiro livro da trilogia O tempo e o vento descreve a incorporação do índio à civilização luso-brasileira. A seu ver, através de que formas se deu essa integração?
Não sei. Desculpe-me. Não sei. Façam essa pergunta a um especialista.
– O gaúcho valente e altivo parece historicamente desaparecido há muito tempo, embora o rio-grandense de hoje tenha herdado alguma coisa dele. Quais os traços dominantes na psicologia e no comportamento do rio-grandense médio em 1972?
O gaúcho altivo, valente, varonil, nobre, bom amigo, generoso é um arquétipo. Hoje em dia alguns (ou muitos?) rio-grandenses procuram viver de acordo com essa imagem idealizada. Ouço de turistas que o gaúcho é hospitaleiro, simpático, serviçal. Os Centros de Tradições Gaúchas deviam procurar estimular essas qualidades, dando menos atenção ao aspecto da indumentária gauchesca. A mistura de sangue é muito grande entre o nosso povo. O contingente de sangue italiano e alemão é considerável nos habitantes deste Estado. A incidência do tipo humano de pele e cabelo claros é grande entre nós. E não preciso dizer que nossa maneira de falar é inconfundível: quadrada, escandida, meio seca. Linguagem de carnívoro.
– O Rio Grande do Sul sempre foi um dos Estados mais politizados do Brasil. A que se deve isso?
Nunca tinha pensado nisso. Talvez essa politização se deva a nossa condição de fronteira (influências do Prata) e ao fato de termos sido durante mais de um século o campo de batalha do Brasil. Ocorre-me que temos sido um viveiro de líderes políticos. (nem todos bons) A figura de Castilhos, sobre quem Sérgio da Costa Franco escreveu um magnífico ensaio biográfico, é ímpar. Borges de Medeiros foi a encarnação da política positivista. Castilhos foi pai espiritual de Borges, e Borges pai de Getúlio, de Flores da Cunha, de Oswaldo Aranha e João Neves da Fontoura. Não esqueçamos o vulto interessantíssimo de Pinheiro Machado. E o de Luiz Carlos Prestes. É, parece que vocês têm razão. O Rio Grande é (ou era) um Estado altamente politizado.
– Esta politização está aumentando ou diminuindo?
Creio que está diminuindo.
– Qual a grande epopeia do Brasil atual (o acontecimento grandioso, significativo e de projeção para o futuro)?
Faça esta pergunta ao meu filho daqui a trinta anos. Minha tendência no momento é dizer que o grande herói desta hora é o povo, o homem comum, que, se continua vivo, é de teimoso. 
Fonte:
(este site está atualmente desativado)

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Lino Mendes (CONVERSA com a Escritora Dulce Rodrigues)

Mas quem  é DULCE RODRIGUES?
 Dulce Rodrigues é uma escritora portuguesa que vive um pouco por toda a Europa. Gosta de jardinagem, fotografia, arte, música, animais e livros – tanto os dos outros como os que ela própria escreve, especialmente os que escreve para crianças e jovens… de todas as idades. É uma apaixonada por História e por viagens e adora os seus dois filhos. Leia excertos dos seus livros, os textos das suas conferências, os seus artigos sobre plantas medicinais, lendas e tudo o mais que encontrar no seu sítio web – http://www.dulcerodrigues.info – e sinta-se à vontade em lhe dizer o que pensa… sobre tudo ou quase tudo
Mas as suas respostas nesta nossa “conversa “complementam”, e de que maneira, esta curta apresentação
1) A doutora dedica uma especial atenção à literatura para a infância, sem ignorar o género teatral.  Alguma razão para a preferência?
Efectivamente, há várias razões para a minha preferência pelo género teatral. Como menciono na página teatro do meu sítio http://www.dulcerodrigues.info, um texto de teatro (ou guião) pode ser usado como fonte de leitura na sala de aula ou em actividades depois das aulas. As crianças nem sequer têm necessidade de memorizar os textos, mas simplesmente de os ler, e este género de actividade dispensa mesmo o palco. O espaço da sala de aula chega para o efeito, pois o objectivo principal é a leitura do texto, se possível acompanhada de expressão verbal e corporar, coisas que os jovens normalmente adoram fazer. 
Por outro lado, os textos de teatro são sempre numa linguagem mais fácil, porque são diálogos, um discurso de todos os dias. A minha experiência mostrou-me, assim, que crianças e jovens pouco interessados pelos livros ou que sentem por vezes dificuldades na leitura ganham confiança e gosto em ler à medida que começam a poder gerir textos de teatro (guiões) de dificuldade média.
A finalidade da leitura é transmitir ao leitor conhecimentos sobre assuntos variados, sobre outras gentes e outras culturas e fazê-lo, tanto quanto possível, de uma maneira lúdica e num discurso acessível, e uma peça de teatro reune geralmente esses ingredientes. 
2) O que deve  caracterizar  a literatura infanto-juvenil?
O livro – seja ele infanto-juvenil ou para um público mais crescido – não é um objecto decorativo para pôr na prateleira. A sua apresentação gráfica é importante, mas é sobretudo o seu conteúdo literário que nos deve interessar. É no conteúdo literário que reside o valor intrínseco de um livro. Uma estória para crianças deve ter um discurso autêntico e espontâneo e desenvolver um laço afectivo entre o leitor, as personagens e o autor. A estória de um livro infantil tem de despertar a imaginação dos leitores a que se destina. É preciso que as crianças se identifiquem com as personagens, os seus defeitos, virtudes, desgostos e desejos. Mas, tudo isto, contando uma estória. 
É neste aspecto que, por exemplo, os contos tradicionais e os contos de fadas têm tanto interesse para as crianças e foram adaptados ao cinema, primeiramente por Walt Disney, por outros realizadores mais tarde. Continuam e continuarão a ser actuais – embora com algumas evoluções a nível de certos usos e costumes morais e sociais. Contam estórias que são universais e que agradam a todas as crianças, quer elas tenham vivido no século XVIII ou vivam agora no século XX; quer elas vivam na Europa ou em África. 
Na literatura infanto-juvenil, todavia, devemos considerar em primeiro lugar a idade dos leitores para que escrevemos. Se o livro se destina a crianças com idades entre os dois e os quatro/cincos anos, o indicado são livros de imagens onde o texto é reduzido a algumas frases que contam a estória. Para leitores entre os cinco/seis e os dez/onze, o texto deve ser mais extenso,mas também é recomendado que leve ilustrações. Aqui, faço a distinção entre um livro de imagens e um livro com ilustrações, pois não são a mesma coisa. Tratando-se de literatura juvenil, portanto para um público já adolescente, no meu ponto de vista o livro pode conter somente texto. Contudo, não esqueçamos que mesmo alguma literatura, em princípio dirigida aos adultos, também contém por vezes ilustrações.
No caso particular de peças de teatro, a ilustração pode ser inexistente ou reduzida a um mínimo. Contudo, considero que uma peça de teatro infantil pode muito bem incluir ilustrações se assim o entendermos. Afinal, trata-se igualmente de literatura jovem, por vezes até mais acessível a quem ainda não domina muito bem a leitura, visto que a escrita em diálogo que caracteriza uma obra literária de teatro é muito mais acessível do que qualquer outro texto de ficção. Aliás, tenciono ilustrar uma ou mais das minhas peças de teatro infantis, e o livro Le Théâtre des Animaux levou também algumas ilustrações.
Por outro lado, a escrita é também uma forma de arte, e a arte deleita. A literatura infantil – embora um utensílio através do qual a criança descobre novos mundos e desperta para novas sensações, isto é que tem um fundo moral,  pedagógico e didáctico –- não pode de modo algum esquecer a componente lúdica, a criatividade, a imaginação. Excluo a fantasia, pelo efeito nefasto que ela exerce no desenvolvimento intelectual do indivíduo, conduzindo-o a uma alienação da realidade. Na nossa sociedade ocidental actual, os jovens parecem viver desde há algumas décadas num mundo fantasista, alheados das realidades da vida, num mundo cada vez mais virtual, no plano tecnológico como humano. Penso que a literatura do fim do século passado e início do presente tem contribuído, de certo modo, para essa alienação.
3) O que devemos considerar  como literatura portuguesa?
Na minha modesta opinião, acho que hoje em dia na Europa – e até mesmo de um modo geral no mundo, com excepção ainda de alguns países – já  não existe propriamente uma literatura portuguesa ou luxemburquesa, francesa… Vivemos numa época em que as pessoas se movem cada vez mais de um lado para o outro e conhecem novas ideias e culturas. Quer nos agrade ou não, a globalização existe e reflecte-se em todos os domínios culturais. O que é preciso é que continuemos a ser nós próprios, impregnando-nos do ambiente que nos rodeia mas sem, todavia, nos deixarmos contaminar por ele. Assim, a obra de cada um será única e universal ao mesmo tempo. 
4)  Conhece e escreve para vários países. Há grandes diferenças nos projectos educativos?
Infelizmente, sim. Enquanto em Portugal reduzimos os orçamentos para a Educação e o Ensino (além dos da Saúde), em países com a França o orçamento da Educação nacional é o maior de todos os orçamentos do governo! Um povo ignorante é muito mais fácil de manipular do que um povo culto. Aliás, a Educação e a Cultura  têm sido desde sempre duas órfãzinhas no nosso país. 
Deixando de lado a “complicada” história do Ministério da Educação, que até 1976 geria igualmente a Cultura, não esqueçamos que esta última tem tido ainda uma vida mais atribulada e efémera do que a Educação, ora pertencendo a uma Secretaria de Estado, ora sendo elevada a uma categoria superior digna de um Ministério da Cultura. Estamos de novo com a Cultura entregue a uma Secretaria de Estado. A título informativo, por exemplo, data de 1959 o Ministério da Cultura em França, sem nunca ter sofrido nenhuma descida de estatuto. 
A própria palavra “cultura” parece ser algo de que muitos Portugueses fogem como o Diabo foge da cruz. “Cultura” em Portugal, só a do futebol, das telenovelas e dos programas débeis como o do “Gordo” e semelhantes e, como se já não chegasse, temos agora ainda um tal de “Café Central”. Sem falar nas touradas, de que alguns “aficionados” (empresas e membros da família) receberam em 2011 subsídios no valor de 9.823.004,34 (nove milhões, oitocentos e vinte e três mil e quatro euros e trinta e quatro cêntimos)!! Depois não há dinheiro para a Educação, a Cultura e a Saúde!
Claro que este estado “cultural” se reflecte em tudo o resto, incluindo o nível do ensino. Todos sabemos que os sábios desejam rodear-se sempre de outros sábios. Mas que  os medíocres  se rodeiam de outros ainda mais medíocres, pois é a única maneira da sua mediocridade não dar muito nas vistas. Assim, mesmo que queiramos fazer alguma coisa a nível pessoal, porque sabemos que não podemos contar com as instituições e entidades oficiais para isso, deparam-nos com um muro impossível ou difícil de transpor. Somos um povo muito bairrista e, se não tivermos uns “conhecimentos” que nos arranjem uma “cunha”, só por milagre poderemos concretizar alguma coisa. Só a título de curiosidade, nas poucas ocasiões em que contactei alguma entidade governamental – nomeadamente o Ministério da Educação em 2002, 2003 e, mais recentemente, de novo em 2012, com propostas de projectos pedagógicos, nem resposta recebi. 
Quando, regularmente, envio para um jornal qualquer português ou para um programa televisivo, supostamente cultural, uma carta ou mensagem, a carta fica sempre sem resposta e a mensagem é eliminada sem ter sido lida. Isto sucede sistematicamente também com as bibliotecas! Não devo, possivelmente, ser uma escritora com suficiente estatuto para que, ao menos as bibliotecas se dignem ler as minhas mensagens. 
Em contrapartida, como sabe, continuo a receber com regularidade convites de países estrangeiros. O último veio de França, nomeadamente de Oloron, onde tinha estado em 2009 para dar uma conferência na Câmara Municipal sobre o nosso grande poeta Camões (entre outras actividades), e nessa altura conheci os Franceses que me convidaram agora para o Salão do Livro Sem Fonteiras e visita a duas escolas da região. Em 2002, A Education nationale (nome do Ministério de Educação de França) realizou um projecto-piloto e um dos livros escolhidos e trabalhados em quatro escolas da região de Longwy (perto da fronteira com a Bélgica) foi o meu primeiro livro infantil L’Aventure de Barry. No seguimento desse trabalho sobre o livro, alguns alunos sentiram-se inspirados pelas estórias e escreveram maravilhosos poemas, para grande surpresa de professores, que nunca tinham visto nada semelhante acontecer antes, e para grande prazer meu, como é óbvio.   
Dos países com quem tive o prazer e honra de colaborar, considero que a Alemanha, a França e, de certo modo o Luxemburgo são os que mais se investem a nível educacional e cultural. Enquanto isto, Portugal torna-se cada vez mais pobre, porque a riqueza de um povo está no nível do seu ensino, da sua educação, da sua cultura.
5) Como situa Portugal neste campo e no contexto internacional? Aliás, como é a criança portuguesa em relação às outras?
Relativamente a Portugal, o ponto anterior responde a essa pergunta. Quanto à criança portuguesa, ela não fica de modo algum atrás das crianças dos outros países; é tão interessada e com as mesmas capacidades intelectuais que qualquer outra criança. O que a pode “castrar” é o meio em que vive. E nesse aspecto as nossas crianças estão em devantagem, o que é lamentavelmente injusto, porque a aprendizagem para aquilo que vamos ser mais tarde, quando adultos, joga-se precisamente nos primeiros anos. Neste aspecto, refiro-me também ao meio familiar, não somente à escola, pois é no seio da família que se dão os primeiros passos. Os níveis educacional e cultural da maioria das famílias portuguesas não são dos mais elevados, e o interesse pela aprendizagem, o conhecimento, numa palavra os interesses culturais, são muito baixos.  
    
6) Qual a sua posição face ao novo acordo ortográfico? Concorda que nos nossos jornais de referência se escreve por vezes muto mal, em especial na construção das frases?
De um modo geral, os Portugueses falam e escrevem muito mal o português, e os jornalistas (mesmo alguns que são igualmente escritores) não são excepção, contribuindo até para que haja uma degradação cada vez maior da língua portuguesa.
Quanto ao “aborto” do acordo ortográfico, dentro de alguns dias tenciono tornar pública a carta que vou enviar ao Parlamento sobre o assunto. Nessa altura; envio-lha para que a publique também, se quiser. Como já deve ter deduzido pelas minhas palavras, sou completamente contra. Foram pressões, especialmente de grandes editoras (algumas brasileiras, aliás) que estão por detrás deste acordo. E como os Portugueses, especialmente aqueles que nos têm governado ultimamente, têm um baixo perfil e se humilham perante qualquer estrangeiro, foi este o resultado…
De todos os países de língua portuguesa, o Brasil é exactamente aquele em que se fala pior e onde a língua portuguesa é mais estropiada. O que se fala no Brasil é já um dialecto português não A língua portuguesa, e por mais acordos que possa haver, mais tarde ou mais cedo seremos obrigados a considerar duas linguagens separadas – mas, entretanto, a língua degradou-se também em Portugal. Fala-se tão mal português no Brasil que as pessoas com mais educação e instrução, como professores universitários, por exemplo, dizem ter de falar e escrever mal, pois de outro modo a maioria dos Brasileiros não os percebe!  Basta falarmos com Brasileiros para nos apercebermos que eles têm dificuldade em nos compreender e que falam uma linguagem que já se distanciou da língua portuguesa, uma das línguas literárias mais antigas da Europa e que está em risco de se tornar um dialecto a curto ou médio prazo se não a salvarmos. 
Aliás, não penso que seja por acaso que a procura do ensino da língua portuguesa tenha descido 26% no estrangeiro. As pessoas aperceberam-se já dessa degradação e perderam interesse em aprendê-la.
Se já o anterior acordo ortográfico (que, curiosamente, os Brasileiros não assinaram…) não devia ter sido posto em prática – e nem sequer devia ter sido pensado – este ainda menos. Ainda o podemos recusar e, de qualquer modo, há uma maneira democraticamente cidadã de o boicoitar: não comprar livro nenhum que seja escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico. Em momento de crise, esta medida terá ainda a vantagem de se poderem adquirir livros mais baratos, em segunda-mão; e não deve ser difícil encontrá-los. Pessoalmente é o que tenciono fazer. E, claro, muito menos devemos escrever ao abrigo do acordo. Excepto as “pobres criancinhas” que serão obrigadas a (des)aprender a língua na escola. 
É fácil eliminar do computador o corrector de português. Aliás, quanto mais as pessoas se habituarem a deixar que as máquinas substituam as suas faculdades mentais, mais vão perdendo capacidades. Um dia, quando precisarem de escrever alguma coisa sem recorrerem ao corrector, não saberão como se escreve. E assim, a língua portuguesa ainda se vai degradando mais. A perda de faculdades, por causa do uso de “máquinas” que substituem o esforço de pensar, é um dos grandes problemas com que vão defrontar-se as gerações mais novas e as futuras, que possivelmente já por volta dos 50 anos sofrerão da doença de Alzheimer e outras do género. Poderemos discutir deste assunto numa outra ocasião.
Quanto aos livros que escrevo, com a evolução que o mercado editorial tem sofrido, em que é possível publicar um livro em qualquer língua em qualquer país, não publicarei certamente em Portugal se me exigirem que seja escrito ao abrigo do novo acordo. O livro infantil que publiquei recentemente em Portugal – Era uma Vez uma Casa – não foi escrito ao abrigo do novo acordo. 
   
7) Projectos para o futuro?
Tenciono continuar a trilhar os mesmos ”caminhos” que até agora:  publicação de livros infanto-juvenis em várias línguas (incluindo peças de teatro, claro) e actividades lúdico-pedagógicas, por um lado; por outro, conferências e fóruns, participação em salões do livro, publicação de livros também para um público adulto. 
Fui contactada há dias por um editor em Paris que disse ter-me conhecido durante o Salão do Livro de Paris de 2011 — em que participei a convite do editor do meu livro bilingue O Pai Natal está constipado. É possível que se verifique uma colaboração a curto ou médio prazo. Ele disse-me ter adorado o meu livro Il était une fois une Maison, uma estória que recebeu um prémio literário em França em 2004 e que é, na realidade,  a versão original de Era uma Vez uma Casa, o livro recentemente publicado em Portugal. 
Projectos não me faltam, o que me falta é o tempo para poder realizá-los todos, pois já não sou nova…
8) Uma mensagem e tudo o que mais entender
Teria imensas mensagens que gostaria de enviar a todos os Portugueses que lerem esta entrevista. Mas vou tentar condensá-las numa pequena frase que me tem acompanhado ao longo da vida : “Desejo que cada um de nós  procure ver o mundo através do olhar da criança que todos já fomos, e que continua sempre no fundo de nós mesmos. Só uma alma de criança nos fará aproveitar em harmonia e felicidade tudo o que a Vida tem para nos oferecer.”
Fonte:
Colaboração de Lino Mendes

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Mário Quintana (Entrevista concedida à Edla Van Steen)

Arte: Arradium
Entrevista concedida à Edla van Steen e publicada no livro: Viver & escrever. V. 1. Porto Alegre: L&PM, 2008. 
 – Você se lembra de como ou quando descobriu que podia ou queria fazer versos?
Ser poeta não é uma maneira de escrever. É uma maneira de ser. O leitor de poesia é também um poeta. Para mim o poeta não é essa espécie saltitante que chamam de Relações Públicas. O poeta é Relações íntimas. Dele com o leitor. E não é o leitor que descobre o poeta, mas o poeta é que descobre o leitor, que o revela a si mesmo. O poeta que “me descobriu” foi o Antônio Nobre do Só. Tínhamos lá em casa aquela bela edição ilustrada por Antônio Carneiro, e não sei em que mãos estará agora. A propósito, o jornalista e poeta Egydio Squeff comprou num sebo um exemplar do Só onde estava escrito: “Este é o quarto exemplar do Só que eu compro. Os outros todos me roubaram.” E vinha assinado em baixo: Álvaro Moreyra. Em meu primeiro livro, A Rua dos Cataventos, tenho, por dever e devoção, um soneto a ele dedicado e mais uma referência em outro poema. Isto bastou para acusarem em mim a influência de Antônio Nobre. Protesto: não há influência – há confluência, pois a gente só gosta de quem se parece com a gente. Porém, mais remota do que a presença de Antônio Nobre, está, entre as recordações da infância, a voz grave e pausada de meu pai a recitar-me o episódio do Gigante Adamastor. Aquele ritmo severo ensinava-me a profundidade da poesia e até hoje me assombra aquele verso: “Que o menor mal de todos seja a morte”. Em compensação minha mãe, educada no Uruguai, recitava-me Espronceda e Becquer: “Ya se van las oscuras golondrínas”. A par disso aprendi a ler muito cedo, sem quase saber que estava lendo. E ouso afirmar que as verdadeiras influências na minha formação foram Camões e O tíco-tico.
– Tentou alguma vez escrever conto ou romance?
Aos vinte anos ganhei o primeiro prêmio num concurso estadual de contos, entre duzentos e tantos concorrentes, promovido pelo Diário de Notícias, de Porto Alegre. Depois de algumas outras tentativas, reconheci que os meus contos só tinham um personagem: eu mesmo. Desisti.
– Conte um pouco de sua infância ou adolescência.
Não sei se tive infância. Fui um menino doente, por trás de uma janela. Creio que foi a ele que eu dediquei depois um soneto de A Rua dos Cataventos. O meu “elemento” era a poesia. Comecei a ser poeta como um cachorro que cai n’água e não sabia que sabia nadar. (Sabia.) E o meio familiar ajudou. Tanto meu pai e minha mãe, como meus irmãos Milton e Marieta, a quem dediquei meu primeiro livro, gostavam de poesia. Nunca tive a clássica incompreensão da família, de que tanto se vangloriam alguns poetas. Aliás, foi meu próprio irmão Milton, quinze anos mais velho do que eu, quem me ensinou a metrificar. Como tive a infância muito presa, devido à precariedade da saúde, quando pude soltei-me no mundo. Um choque. Fui criado num aviário e solto num potreiro. Daí talvez a explicação da minha posterior e prolongada boemia.
– De quem herdou os olhos azuis?
De meu bisavô holandês Van Ryter, morto num naufrágio como bom holandês.
– Seu primeiro livro – A Rua dos Cataventos – saiu publicado em 1940, quando você tinha 34 anos. Por que tão tarde?
Preguiça e consciência. Tudo o que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho. Consciência, porque eu sempre quis fazer uma coisa muito conscienciosa.
– Depois de A Rua dos Cataventos você publicou mais nove livros. Em São Paulo, durante a “Semana do Escritor Brasileiro”, em 1979, você afirmou numa entrevista que o livro de que mais gosta é exatamente o primeiro. Explique a preferência, por favor. Eu disse, ou creio que disse, que “era dos livros de que mais gostavam”. É o livro de que mais gosta o público em geral. Augusto Meyer e Manuel Bandeira preferiam O Aprendiz de Feiticeiro. Carlos Drummond também (ele até fez um poema sobre O Aprendiz, intitulado “Quintana’s Bar”). Por outro lado, Guilhermino César e os meus colegas poetas daqui acham que o meu melhor livro é Apontamentos de História Sobrenatural. Isto é ótimo, pois eu o escrevi, na maior parte, depois dos sessenta anos.
– Muitos poetas e escritores tiveram de pagar a edição dos seus primeiros títulos (alguns ainda são obrigados a isso). Fale do que aconteceu com você.
Como disse, eu ia deixando, adiando … Erico Verissimo, então secretário da Editora Globo, pôs-me contra a parede. Meu irmão Milton disse-me que eu ia ficar como aquela personagem do Eça, muito gabado, muito louvado … e nada! Reynaldo Moura, poeta e amigo, pôs-me em brios: “Se você não publicar nada vão achar que você é um boêmio. Se publicar, dirão: É um escritor! Meio extravagante … ” Ora, como eu tivesse escrito também sonetos e como o soneto era uma forma meio desmoralizada, eu fiz questão de estrear com um livro de sonetos para provar que os sonetos também eram poemas. (Provei.) Provei-o muito antes de outros fazerem “a descoberta do soneto”.
– “Eu nada entendo da questão social. Eu faço parte dela, simplesmente… ” Gostaria de comentar algo sobre a poesia de cunho social e político?
A poesia engajada? Eis aí uma questão com que, em certas épocas, costumam ser assaltados os poetas. Impossível não levá-la em conta quando se pensa no que fez pela abolição da escravatura um poeta como Castro Alves. Mas querer obrigar todos a serem Castro Alves é forte. E, convenhamos, uma boa causa jamais salvou um mau poeta. Essa gente poderá fazer mais pelo povo candidatando-se a vereadores. É muito de estranhar essa campanha contra o lirismo, isto é, contra 95% da poesia de todos os tempos. Nem se pense que o poeta lírico está fora do mundo. Os sentimentos que ele canta pertencem a todo o mundo, a toda a humanidade, são de todos os tempos e não apenas os de sua época – independentes de quaisquer restrições de nacionalidades, raças, crenças ou partidos políticos. Se não é assim, depois de resolvidos os problemas, o que seria dos poetas? Ficariam simplesmente sem assunto.
– Alguns autores escrevem a lápis, outros têm necessidade de ouvir o teclado da máquina. Quais são os seus hábitos para escrever? Costuma carregar algum caderninho no bolso?
Não sei pensar à máquina. Escrevo a lápis. Depois, com o queixo apoiado na mão esquerda, passo a coisa a limpo com um dedo só, na máquina. Não uso caderninhos.
– Em geral os poemas saem prontos, ou você tem apenas uma frase poética e constrói o poema em torno dela?
Às vezes a frase nem é poética. Certa vez, por exemplo, disse-me um companheiro ao observar um nosso amigo, desses do tipo “mosquito elétrico”, gesticulante, etc.: “Fulano parece um boneco de engonço”. Pois bem, fui para casa e escrevi um dos meus poemas mais realizados, aquele que assim começa: “Os mortos são ridículos como bonecos de engonço a que cortassem os fios”. Por outro lado, meu poema O Morituro, em Apontamentos de História Sobrenatural, saiu ali publicado na sua quarta versão. E olhe lá!
– O que gosta de ler atualmente (ou gostava antigamente)? Prefere prosa ou poesia?
Leio de tudo, noite adentro, intercaladamente, novelas, ensaios, poesia. Mas, para ser sincero mesmo, parece que já passei da idade de ler coisas sérias. Em minha adolescência devorei todo o Dostoiévski (como os adolescentes liam naquele tempo, antes da era analfabetizante das histórias em quadrinhos!). Abominava Camilo, embora gostasse de Herculano. Os meus colegas adoravam Vargas Vila e Coelho Neto, que eu detestava. Pois a minha principal característica foi sempre o bom senso. Foi esse mesmo bom senso que me afastou das questões metafísicas da adolescência, pois se nem Pia tão e outros craques da Antigüidade, se ninguém, em trinta séculos de pensamento, conseguiu decifrar o significado da vida – muito menos eu! Fiquemos com o mistério da poesia. Nem foi por outro motivo que dei ao meu penúltimo livro o titulo de Apontamentos de História Sobrenatural. Há pouco você me perguntou se bastava “uma frase poética”, etc. A conquista da poesia moderna é a transfiguração, acabaram-se os temas poéticos. Antes só se podia falar em cisne, agora fala-se em pato e sapato. O cotidiano, escrevi eu no Sapato Florido, o cotidiano é o incógnito do mistério. Existe a lenda do Rei Midas, que conta que tudo quanto ele tocava se transformava em ouro. O verdadeiro poeta, tudo quanto ele toca se transforma em poesia. Há poetas que sempre leio, quero dizer, aos quais sempre volto: Cecília Meireles, GarcÍa Lorca, Guillaume Apollinaire.
– “Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos”, você disse na Carta a um Jovem Poeta. O que vem a ser esse medo?
Tenho medo de ceder a injunções que não sejam a da pura expressão. Pois a gente sente necessidade é de expressão. A badalada comunicação é apenas uma decorrência disso. Um poeta deve escrever como se fosse o último vivente sobre a face da terra. – Então, para que escrever? – Por isso mesmo! Como o último vivente, ele não tem de pensar no que pensarão os outros. Às vezes – às vezes? – muita vez o poeta é induzido a modas, quando na verdade não há nada tão ridículo como os figurinos da última estação. Só nunca sai da moda quem está nu.
– Entre outros autores você traduziu Proust e Virginia W oolf. Foi amor pelas obras ou alguma necessidade financeira que o teriam levado à tradução?
Traduzi Proust por amor à dificuldade da tradução. Quando soube que Proust estava incluso no programa editorial da Globo, pedi para traduzi-lo, por medo que caísse em outras mãos. Retirei-me do quadro de funcionários da Globo quando, por ocasião de um aumento de salário, eu não fui contemplado, sob a alegação de que me demorava muito na tradução de Proust. Traduzi da primeira até a quarta parte (Sodoma e Gomorra). Por felicidade, o restante foi cair em excelentes mãos (Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade). E Virginia Woolf? Pois foi isso mesmo: eu não tive medo de Virginia Woolf! Mrs. Dalloway é um denso, belo, misterioso poema. Brito Broca julgou a minha tradução à altura do autor. Fiquei contente de ter sido o outro livro de Virgínia (Orlando) traduzido por um poeta como Cecília Meireles. Em tempo: quem me introduziu na vida literária foi Cecília Meireles. Lembro que ela publicou a Canção do Meio do Mundo no suplemento do Diário de Noticias, com uma bela ilustração de Correia Dias. Outro que sempre fez muito por mim foi Augusto Meyer, o nosso último humanista. O que mais me admira em Augusto Meyer é a admiração que eu tenho por ele. Embora apenas quatro anos mais velho do que eu, sempre o considerei um mestre. A saudação que ele me fez de improviso na Academia Brasileira de Letras em 1966, o Aurélio Buarque de Holanda me confessou que era uma obra-prima, com o perdão da palavra. Não sei se foi gravada.
– No seu entender, o que é uma boa tradução?
Aquela que segue o estilo do autor, e não o do tradutor. Os períodos de quadra e meia de Proust (sim, o período dele dava volta na quadra) não poderiam ser divididos em pedacinhos, por amor da clareza ou coisa que o valha, como acontece às vezes na tradução castelhana. Mas a maior alegria que tive como tradutor foi quando a minha tradução dos Romans, Voltaire, um calhamaço enorme. Com jóias como Cândido e A princesa da Babilônia, foi remetida à apreciação de Paulo Rónai, especializado em literatura clássica francesa. Ele devolveu os meus originais com a seguinte nota: “É preciso ortografar”. A tradução de Voltaire foi também a meu pedido. Você há de espantar-se que eu, assombrado com Camões, envolto de Virginia Woolf, tenha me comprazido na luz mediterrânea de Voltaire. A culpa foi também de meu pai, que adorava La Fontaine e me fez decorar algumas de suas fábulas antes que eu as pudesse ler. Assim as névoas e perigos do Cabo Tormentório eram varados pelo riso claro e simples do bonhomme fabulista. Não admira, pois, que, mais tarde, eu adorasse Racine, a par de Shakespeare. Cheguei a começar por conta e risco uma tradução da Ifigênia, de Racine, e do Sonho de uma noite de verão, as quais infelizmente se perderam. Ou felizmente, nunca se sabe. Bem, eu estava falando nas minhas atuais leituras. Há uma época de ler e uma época de reler, como diria o Eclesiastes. Agora, para descanso, estou na época de desler. E, como continuo insone (uma vez escrevi que não tenho medo do sono eterno, mas da insônia eterna), agora leio principalmente para adormecer. É uma leitura de fora para dentro, como quem olha distraidamente a televisão. As outras leituras, as leituras de dentro para fora, excitam o cérebro e não são recomendáveis no meu caso. Leio ficção científica, uma espécie de volta a O tico-tico. A falar verdade, o que de melhor e pior se publica atualmente nos Estados Unidos são as novelas de ficção científica. Entre elas, descobri as de um grande poeta, Ray Bradbury. É dessas obras que a gente gostaria de ter escrito.
– Você gosta da literatura norte-americana?
Gosto de Scott Fitzgerald, o que não é de admirar porque ele pertence à minha geração: o mesmo caldo de cultura, a mesma sensibilidade. Gosto de Edgar Poe, e eu não compreendo como é que ele foi aparecer por lá. Deve ter havido um engano de país ou de planeta. Gosto de Gertrude Stein (Três Vidas eu já li outras tantas vezes).
– Só?
Só. Não esquecer que minha infância se passou na belle époque, quando até os americanos sabiam falar francês. Tenho uma amiga que foi para a Alemanha apenas sabendo francês. Como eu lhe observasse que era pouco, ela respondeu: “Não vale a pena conhecer alemães que não saibam francês”. Aproveito a ocasião para lançar o meu protesto contra essa idéia de tirarem a língua francesa do currículo escolar. O que devemos à França não é a cultura francesa, é a cultura universal. Toda obra, para universalizar-se, teria de passar pelos tradutores franceses. Se não fosse a França. o mundo ocidental teria perdido Dostoiévski. Imagine você o que teríamos de conhecimento da alma humana se não conhecêssemos Dostoiévski. Nada. Ou quase nada. Pois me lembrei agora de Shakespeare. Mas a minha queixa é contra os americanos. Já disse e repito que, se há males que vêm para bem, há bens que vêm para mal. Exemplo: os Estados Unidos ganharam a guerra. Resultado: o povo, em geral, só lê os best-sellers americanos que eles nos impingem. São tão ruins que chego a acreditar que sejam apenas literatura de exportação. Enquanto isto, os livros brasileiros bons não são reeditados. Nem são reeditadas as traduções de bons livros estrangeiros. Onde está, por exemplo, a minha tradução de Poeira, de Rosamond Lehman, o meu Sparkenbrook, de Charles Morgan?
– Você tem sido bastante estudado pela crítica brasileira? O que pensa?
Nem tanto. Transcrevo aqui o final do meu verbete no Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, de José Paulo Paes e Massaud Moisés: ( … ) “O enganoso ar ‘passadista’ de boa parte da obra de M. Q., marginalizando-a no contexto da poesia brasileira posterior a 22, fez com que a crítica negligenciasse, as mais das vezes, o que há de refinadamente original no seu humor sutil e na sua diáfana melancolia”. Dos que disseram bem do autor, isto é, dos que compreenderam e sentiram o autor, cito, por um dever de gratidão, o belíssimo estudo, com antologia crítica, de Fausto Cunha, em Leitura Aberta, quase uma terça parte do volume, e os estudos de Augusto Meyer em A Forma Secreta, Paulo Mendes Campos em O Anjo Bêbado. É muito significativo o meu verbete no Dicionário da Literatura Brasileira e Portuguesa, de Celso Pedro Luft.
– O trabalho crítico tem algum efeito sobre você ou na sua obra?
Nenhum.
– Quem teria sido o crítico mais sensível à sua poesia?
Augusto Meyer e Fausto Cunha. Os outros, os doutrinários, em vez de me julgarem pelo que eu sou, julgam-me pelo que eu não sou. É como quem olhasse um pessegueiro e dissesse: “Mas isto não é um trator!” Em todo caso, tive “o amor dos grandes”, como escreveu Gustavo Corção a meu respeito: Cecília, Drummond, Augusto Meyer, Bandeira…
– Aliás, se não me engano, foi no prefácio dos Apontamentos de História Sobrenatural que você disse que nunca evoluiu. Que foi sempre o mesmo. Não acredita no aprimoramento técnico etceterá e tal?
No fundo, sou sempre o mesmo. Só acredito em poema escrito de dentro para fora, e não de fora para dentro, isto é, os que são como redações, que até podem tirar grau 10, mas não passam de temas escolares. Aliás, um tema é sempre um ponto de partida e nunca um ponto de chegada, da mesma forma que as bem-amadas são um pretexto para o amor. Quanto à técnica do poema, isto já é outra coisa. O poeta tem de criar ele mesmo a sua arte poética. Mas não se cristalizar nela. Aí seria então um poeta satisfeito. E um poeta satisfeito não satisfaz. Tenho tratado sempre de despojar-me. Muita vez sacrifiquei uma bela imagem em prol da unidade e do equilíbrio do conjunto. Em suma, para cada poema urna arte poética. É preciso evitar o excesso de inspiração. Ah, as associações de imagens! Elas vêm vindo, vêm vindo, até que o poema parece um desses altares barrocos, tão cheios de anjinhos que a gente não enxerga o santo. Mas escrevo tudo. Depois guardo. Deixo passar o tempo. Até esquecer o poema. Quando vou relê-la é como se fosse de outra pessoa. Aí vou cortando, para só deixar o que julgo essencial.
– Que critério deve ter um poeta ao selecionar poemas para uma antologia? O cronológico, como o adotado por você em Apontamentos de História Sobrenatural?
Ao compor a edição de meus outros livros, dividindo os poemas por afinidades entre eles, ao reuni-los depois num volume só, aconteceu que os críticos apressados, ao ler Poesias, julgaram o todo pela primeira parte. Quando adotei em Apontamentos a ordem cronológica, descobri, pela reação dos leitores, que era a melhor. Pois bem se pode dizer dos poetas o que disse dos ventos Machado de Assis: “A dispersão não lhes tira a unidade nem a inquietude a constância”.
– O que significam na sua obra os livros infantis?
Fazem parte do menino que faz parte de mim. O Pé de Pilão creio que é uma história que eu contei mais para mim mesmo. Foi escrito à maneira da poética infantil, porque as crianças gostam muito de rimar. As brincadeiras delas são rimas em parelhas. Assim: “Olha a Gabriela cuma cara de panela. Olha o João cuma cara de feijão.” Coisas assim. Nada mais que duas linhas. Eu consegui escrever uma história dentro dessa poética infantil: duas linhas, ponto, duas linhas, ponto, duas linhas, ponto. E parece que não perdeu a naturalidade, porque as crianças gostaram. Já vai para a quinta edição. A propósito, na década de 20 vi Monteiro Lobato num famoso sebo do Largo da Sé (não sei se ainda existe). Disse-lhe que adotava os seus livros infantis. Resposta de Lobato: “Isto é que me deixa com a pulga na orelha: eu escrevo para criança e barbado é que gosta”. Respondi-lhe que tinha “uma imundícia de sobrinhos” (vi que ele gostou da expressão, não sei se tomou nota), e que os meus sobrinhos eram doidos pelas suas histórias. De modo que eu comprava os livros para eles, mas antes os devorava (os livros). Ora, uns dez anos depois estava eu na minha cidade natal (Alegrete) e lá eram publicados, mais ou menos mensalmente, os Cadernos do Extremo Sul. Pediram-me colaboração. Tinha eu uns pensamentos. Mas achei que umas sentenças isoladas pareceriam algo pedante e ridículo, como se eu quisesse bancar o Marquês de Maricá. Resolvi enquadrá-los em quartetos. Eram dez ao todo. O diretor da publicação enviou-a a Monteiro Lobato. Monteiro Lobato leu e gostou. Entregou à UJB, que os distribuía pelos jornais do interior (pelo mundo, disse Lobato), e pediu-me em carta que arranjasse mais, para serem publicados em livro. Entreguei-me então esportivamente à luta com as palavras. Essa luta parece que não termina nem no outro mundo. É pelo menos o que está escrito no último soneto de A Rua dos Cataventos:
Hei de levar comigo uns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão.
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da expressão!
Por falar em conhecimentos ilustres, fui ao Rio em 1966 para lançar a minha Antologia Poética a pedido expresso de Manuel Bandeira, o qual me escreveu instando-me que fosse, pois não podia viajar porque já estava com oitenta anos e queria dar-me um abraço antes. Escrevi-lhe: “Isto não é um pedido. É uma ordem. Irei. Mas você não imagina como eu sou chato no intervalo dos poemas.” A primeira vez que vi Manuel Bandeira foi no Rio, em 35, quando Egydio Squeff e eu estávamos sentados num banco do Passeio Público, ocultos por umas palmas. Bandeira passou, lento, cabisbaixo, mãos às costas. Gritamos: “Manuel!” Ele virou-se, olhou para o busto de Castro Alves e continuou imperturbável o seu caminho. A última vez que falei com Manuel Bandeira, por assim dizer não falei com ele. Era num almoço da Editora José Olympio e quem falou todo o tempo foi Ivan Pedro de Martins, que estava à nossa frente e nos fez uma preleção sobre poesia, aliás belíssima.
– Sei que você não gosta de dar entrevistas …
Poeta lírico, falo do meu eu, nos poemas, como ser humano. Mas acho incorreto estar falando sobre minha pessoa. Creio que a minha vida íntima nem a mim interessa. Quando a gente fala sobre si mesmo é para se gabar ou para se queixar. No primeiro caso, ainda passa. Mas, no segundo, ninguém gosta de despertar piedade. Disse que minha infância transcorreu na belle époque, mas isso implica uma disciplina vitoriana em matéria de educação. Como eu era o caçula, todos me observavam, me aconselhavam, me dirigiam. Havia um mundaréu de coisas que não se podia dizer, que não se podia fazer. A tragédia dos da minha geração é que nascemos e fomos criados numa casa de intolerância.
– Mas aquele ambiente familiar de poesia a que você se referiu …
Era um mundo paralelo. Meus pais, embora lhes agradassem meus poemas, temiam a “vida de poeta”. Seria bom você ler, em Apontamentos de História Sobrenatural, “O Velho e o Espelho”, em que se nota a comovente tragédia pai-filho. Mesmo depois que vim para um internato em Porto Alegre, notei que certo bedel se interessava muito pelo que eu fazia. Desconfiei. Preguei-lhe algumas mentiras. E, nas férias seguintes, meu pai me falou naqueles inocentes pecadilhos inventados. Na adolescência, como eu sempre fui eu mesmo, queriam saber de onde é que eu tirava “aquelas idéias”. Tempos depois, vim a saber que meu pai fora à Biblioteca Pública do Estado informar-se sobre que livros eu lia. Consultado o fichário, verificou-se que as minhas leituras, feitas nas tardes e noites de sábado, eram os novelistas russos, os poetas simbolistas franceses, as revistas de arte européias. Dessas e de outras leituras formativas, falo eu a páginas tantas de A Vaca e o Hipogrifo, creio que para desculpar-me de certas acusações de europeísmo. Puxa! É o diabo ser diferente! Certa vez, numa redação, escrevi eu: “Vasco da Gama transportou as Colunas de Hércules para a Índia”. Creio que o professor morreu sem acreditar que a imagem fosse minha mesmo.
– Então a poesia só lhe trouxe transtornos!
A poesia só pode trazer alegria, a alegria criadora que, como no ato genésico, apaga tudo o mais. Em todo caso, os tempos mudaram. O fato de a Câmara de Vereadores conceder-me unanimemente, na passagem de meus sessenta anos, o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre, pelo simples motivo de ser poeta, é uma prova de que outros ventos estão soprando. Tanto que, na minha fala de agradecimento, aliás brevíssima, disse eu: “Antes, ser poeta era um agravante. Depois, passou a ser uma atenuante. Vejo agora que ser poeta é uma credencial.” Outra coisa que achei extraordinária – e no mesmo sentido – foi que Alegrete, minha terra natal, resolveu gravar um poema meu em praça pública: a principal da cidade. Fiquei numa situação terrível, aquilo já tinha sido votado, mas como é que eu ia escolher um poema? Se eu achava que não poderia escolher, muito menos outros poderiam. Mas eu não podia cometer a grosseria de recusar. Em discussões que tive com o prefeito e o presidente da Câmara, disse-lhes que não podia escolher um poema porque um engano em bronze (- um engano eterno. Discutiu-se, discutiu-se, e ficou assentado que ficaria apenas isto na placa: “UM ENGANO EM BRONZE É UM ENGANO ETERNO”. MARIO QUINTANA (palavras com que o poeta se eximiu a que fosse gravado um poema seu, nesta praça, como justa homenagem de seus conterrâneos). ALEGRETE 1968. Acho que este é um monumento único no mundo – foi uma grande solução. E, depois disto, no caso de não sobrar nada do que fiz, eu lavo as mãos, Alegrete lava as mãos e a posteridade toma um banho de corpo inteiro nas águas do Ibirapoitã.
– Tenciona escrever, já escreveu um livro de memórias!
Se você conhecesse o meu eletroencefalograma… Bem, temo o perigo das falsas recordações. Embora não acredite na observação direta, acontece que tenho tal poder de visualização que às vezes não sei se aquilo que evoco eu vi mesmo ou foi algo que me contaram, ou apenas imaginei. Mas há muito descobri que a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer. Como vê, nada disto leva a um livro de memórias, só pode levar a um livro de poemas.
o poema,
essa estranha máscara,
mais verdadeira do que a própria face …
– Você falou nas homenagens oficiais que lhe valeu a poesia. Que me diz da Academia?
As homenagens que recebi foram espontâneas, não partiram de mim ou dos meus empenhos. Quanto aos prêmios literários, tanto o Fernando Chinaglia, 1966, para o melhor livro do ano, como o Prêmio Pen Clube de Poesia, 1977, para os Apontamentos de História Sobrenatural não dependiam de inscrição. Para a Academia é preciso o próprio candidatar-se, mexer os pauzinhos. Ainda mais, eu tenho a coragem de não animar-me a solicitar pessoalmente o voto a cada um dos acadêmicos, como é de praxe obrigatória. A vida do acadêmico, por outro lado, é dispersiva. As Academias são uma espécie de sociedades recreativas e funerárias. Você sabe como é, não precisa explicar mais. Nada como o silêncio e o recolhimento para a criação. Antes, nas histórias da literatura, vinha assim: “No Rio Grande, Érico Verissimo, Augusto Meyer, Alcydes Maya, Eduardo Guimarães e outros”. Nesses outros eu me sentia orgulhosa e anonimamente incluído. Agora passei para os citados. O que importa em entrevistas, tevês, homenagens … Isso é também uma vida dispersiva. Você não imagina a inveja que eu tenho de mim mesmo quando eu era os outros. Não gosto de estar sendo exibido como um macaco sábio. Sei que me acusam de introversão. Se eu fosse de fato um introvertido, não faria poemas. Pelos poemas sinto-me compensado, especialmente por causa do público jovem. Pois isso prova que, tendo eu atravessado umas três gerações, conservo leitores em todas elas, inclusive a minha. Portanto, deve haver algo de permanente na minha poesia.
– Aos 73 anos de idade, Mario, valeu a pena ser poeta?
Valeu e vale.
Fonte:
Escritores do Sul
(este site foi desativado)

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Dalton Trevisan (O Escritor em Xeque, por Alexandre Gaioto)

Texto: Dois Encontros com Dalton Trevisan, autor de Cemitério dos Elefantes, publicada no Jornal do Brasil (20/02/2010)

Ele repudia o culto à celebridade. Apressa o passo de suas caminhadas matinais quando é perseguido por fotógrafos. Xinga os repórteres que, sedentos, se aproximam em busca de uma entrevista. E jamais, de forma alguma, comparece aos eventos nos quais é homenageado. Hoje aos 84 anos, o escritor Dalton Trevisan escolheu viver nas sombras, no silêncio que somente o anonimato pode propiciar.

O sonho de qualquer jornalista? Uma entrevista exclusiva. Quando isso vai acontecer? Nunca. Então, para arrancar algumas palavras do Vampiro de Curitiba – apelido devido ao seu livro homônimo, lançado em 1965 – traço a estratégia: encarar os 428 quilômetros que separam minha cidade, Maringá (PR), de Curitiba, omitir ser estudante de jornalismo e torcer para o contista sair de casa. Se chover, o plano vai por água abaixo: como armar a tocaia em frente à casa do enigmático Trevisan?

Às 8h entro, pontualmente, no táxi que me levará ao bairro Alto da Glória – um nome digno para acomodar o maior contista brasileiro vivo. No curto caminho que separa a casa de Dalton da rodoviária, pergunto ao taxista se é verdade que o famoso escritor reside por ali.

– Dizem que mora sim, mas ninguém nunca o viu – responde o curitibano, seco, sem tirar os olhos do volante.

Chamando à porta de casa

Uma leve garoa atinge os transeuntes que atravessam a movimentada esquina onde reside o escritor. Para quem escreve sobre violência, assassinatos, drogas, prostituição, pedofilia e fetiches sexuais, Dalton Trevisan escolheu um lar ideal: grande e antigo, totalmente cinza, cercado por árvores que funcionam como barreiras aos curiosos que se penduram no muro, a fim de tentar espiar o tão misterioso autor. Estranhices à parte, não há barulho algum dentro da casa. Uma única luz acesa, no corredor, indica que ela não está abandonada.

Com um olhar mais atento sobre o puxadinho de trás, é possível observar que as janelas estão, desde cedo, escancaradas. Em julho do ano passado, quando passava, descompromissadamente, perto da residência do escritor, resolvi mudar meu roteiro e chamar ao portão. Sem campainha, tive de bater palmas e gritar seu nome. Para minha surpresa, o Vampiro abriu uma fresta da porta, deixando o rosto parcialmente escondido, protegido de algum flash que eu, rapidamente, poderia disparar. Mostrei três livros para que ele viesse ao meu encontro: “Deixe na livraria do Chain!”, gritou, antes de bater a porta na cara do petulante.

Agora a situação é diferente. Permaneço em silêncio, atento a cada movimento. Sorte minha: não chove. Precisamente às 10h50, Dalton Trevisan abre a porta de sua casa. Debaixo do braço, ele carrega alguns livros. Com passos rápidos, o ágil senhor de 84 anos caminha em direção à Livraria do Chain, local em que troca mensagens com sua editora e autografa os livros deixados por seus leitores.

Cinco minutos é o tempo que o Vampiro permanece na livraria, observando os lançamentos e deixando as edições que trazia de sua casa. Ele sai, agora, sempre taciturno; caminha geralmente olhando para baixo, e nunca se distrai com as belas curitibanas que passam ao seu lado ou cruzam sua frente.

É assim que observa os detalhes de Curitiba, cidade mitificada em suas obras: quieto, sem gestos bruscos, imperceptível. Passa pelo Teatro Guaíra e dá uma volta e meia na praça em frente à Universidade Federal, num cenário em que namorados, mendigos, hippies, empresários e turistas convivem em harmonia.

Quando passa por alguma banca de revista, para por cerca de dois ou três minutos, contemplando as notícias dos exemplares à mostra. Misturado aos curitibanos, o Vampiro escuta camuflado as novelas nada exemplares da vida urbana, como um anônimo ladrão de histórias. E volta a caminhar. Cruza semáforos, em meio a um trânsito caótico, driblando barracas de camelôs, passando por botecos, padarias, pontos de ônibus, deficientes físicos, filas de aposentados e indivíduos suspeitos.

Estou preparado para ficar cara a cara com o Vampiro. O local da abordagem? Uma esquina bem no Centro da cidade. No meu primeiro encontro, em janeiro de 2009, identifiquei-me como aspirante a escritor e revelei estudar letras (omiti estudar também jornalismo). Se ele sente qualquer intenção jornalística, foge como se lhe exibissem uma cruz. Trevisan, há um ano, na esquina de sua residência, me convidou a ir até à livraria, pois compraria alguns livros para mim. Antes, porém, perguntei como ele gostaria de ser lembrado daqui a 40 anos. A resposta, que arrancou uma boa gargalhada minha, foi surpreendente:

– Daqui a 40 anos, ninguém se lembrará de mim.

Eu o contestei imediatamente. Não adiantou nada:

– Essa sua opinião é uma opinião isolada.

No rápido trajeto, o contista revelou uma listinha com seus livros prediletos e fez críticas concisas às obras.

O poeta alemão Rainer Maria Rilke, com Cartas a um jovem poeta, foi o primeiro a ser citado:

Nas cartas dedicadas ao jovem poeta, ali está tudo o que você pode aprender sobre inspiração, escrita e linguagem – afirma Trevisan.

A metamorfose, do também alemão Franz Kafka, foi considerada como “uma história incrível” e

A morte de Ivan Ilitch, do russo Liev Tolstói, “a melhor novela já feita”, na opinião do contista.Dentro da livraria, Trevisan elogiou outro contista:

Leia tudo o que puder do russo Anton Tchecov. Aliás, existem boas coletâneas de suas obras.

No campo da poesia, o Vampiro indicou o pernambucano Manuel Bandeira, um dos seus prediletos:

O estilo e a linguagem dele são maravilhosos. As crônicas também são boas. Leia Crônicas da província do Brasil e Os reis vagabundos.

E para o Vampiro, quem é o maior contista brasileiro?

– Machado de Assis. Além dos contos, leia Quincas Borba, Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro.

Depois de Machado, indagou-me se eu gostava de Rubem Braga. A última obra citada , classificada como “maravilhosa”, foi Madame Bovary, de Gustave Flaubert.

Em meio a tantos clássicos, o Vampiro seria capaz de reescrever as histórias melhor do que os próprios autores? A resposta é negativa:

– Ninguém pode reescrever A metamorfose melhor do que Kafka. Ninguém vai reescrever A morte de Ivan Ilitch melhor do que Tolstói.

Naquela manhã, ganhei dois presentes de Dalton Trevisan: duas edições pockets das obras citadas de Tolstói e Rilke. Outros livros, solicitados pelo contista, estavam fora do catálogo. Na frente do Vampiro, a atendente se comprometeu a conseguir os livros para eu buscá-los no dia seguinte. Ao encerrar o encontro, o contista estendeu a mão e abriu um sorriso. Semanas depois, entrei em contato com a livraria, passei meu endereço em Maringá e recebi, em minha casa, outras quatro edições de bolso enviadas pelo contista: Kafka, Tchecov, Machado e Dalton.

Jamais imaginaria que eu teria a chance de encontrá-lo novamente. Ele deve ter se irritado. A reportagem relatando nosso encontro foi publicada em um jornal do Paraná. Depois da publicação, enviei um outro livro para ele autografar, alguns contos de minha autoria e uma carta agradecendo pelas edições enviadas e também por sua produção literária. Todo o material foi reenviado para mim. No livro, nenhum autógrafo. Da mesma forma que foi, voltou. Era a primeira vez, em três décadas, que o contista concedia alguma declaração à imprensa.

Agora, quase um ano depois do primeiro encontro, eu me aproximo com três livros para serem assinados. Estamos em uma movimentada esquina. O sinal fecha.

– Dalton? – eu pergunto. Ele vira e me olha desconfiado. Peço um autógrafo nos três livros que retiro de dentro de uma sacola plástica.

Ao se deparar com uma rara primeira edição de Cemitério de elefantes, publicada em 1964, o contista reclama:

– Mas esta edição eu renego! Já reescrevi diversas vezes!

A curiosa cena protagonizada pelo autor, fanático por recompor suas obras em novas edições, extirpando uma ou outra conjunção, sempre reduzindo o tamanho dos contos, arranca uma risada minha. Peço que ele autografe mesmo assim. Dalton olha para trás, onde há uma pequena padaria, e indica o balcão:

– Vamos ali, para firmar os livros.

Na dedicatória, ele pede meu sobrenome, mas me recuso a dizer.

– Basta só Alexandre? – indaga o mestre da concisão e, diante da minha afirmativa, diz sorrindo:

– Então tá, só Alexandre.

Com o tempo, Trevisan padronizou seus autógrafos: “Ao (nome), cordialmente, D. Trevisan”. Agora, se há uma intimidade, o Vampiro muda: “Ao (nome), com um abraço do D. Trevisan”. E ele só rabisca a dedicatória em um dos livros. Nos seguintes, deixa apenas a assinatura. Na década de 60, quando iniciou sua trajetória literária, era diferente. Ele sempre era afetuoso na dedicatória e não assinava seu sobrenome, apenas Dalton.

Antes de encerrar o encontro, o contista indaga:

– Como você me achou aqui no Centro?

É claro que não digo que estou perseguindo-o há cerca de meia hora. Sem desviar o olhar, relembro um trecho de uma entrevista concedida nos anos 60, em que o próprio Trevisan contestava a fama de recluso. Cara a cara com o Vampiro, parafraseio sua declaração: “É possível encontrar Dalton Trevisan em cada esquina de Curitiba”. Ponto para mim. Arranco outro sorriso do autor, que observa:

– E você confirmou isso mesmo!.

Na padaria, ele estende a mão, compassadamente, e sorri:

– É sempre bom encontrar um leitor .

O escritor retoma a caminhada sem olhar para trás. Dalton Trevisan nunca olha para trás. Volto a segui-lo. Ele entra em um restaurante vegetariano. Sozinho. É muita ironia: um vampiro que se abstém de carne. Na volta para casa, meia hora depois, ele escolhe o mesmo trajeto e circula pelas mesmas praças, até enfrentar a íngreme rua que o leva à sua residência. Deixo o Alto da Glória com os livros assinados e algumas imagens do recluso contista. Curiosamente, não são as palavras do nosso encontro que ecoam na minha cabeça. Mas, sim, um excerto de sua nova obra, Violetas e pavões: “O senhor esconde o rosto desta cidade, mas não de mim”.

Fonte:
http://materiasdealexandregaioto.blogspot.com.br/2010/02/dois-encontros-com-dalton-trevisan.html

Imagem = montagem com fotos obtidas na internet, por JFeldman

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Arquivado em Curitiba, Entrevista, O Escritor em Xeque

Alcy Cheuiche (O Escritor em Xeque)

Entrevista realizada para o site de Leandro Rodrigues (SC), Escritores do Sul (hoje desativado), em 2010

Gaúcho típico – nascido em Pelotas, criado em Alegrete – Alcy Cheuiche é um dos nomes mais importantes da literatura do Rio Grande do Sul. Autor de livros como “Sepé Tiarajú”, “Ana Sem Terra”, “O Mestiço de São Borja”, “Guerra dos Farrapos”, entre muitos outros, o escritor conversou com a revista Escritores do Sul e contou um pouco de sua bela e interessante história de vida. 

 Qual seu nome completo?
Alcy José de Vargas Cheuiche.

Onde e quando nasceu?
Em Pelotas, Rio Grande do Sul, no dia 21 de julho de 1940, o mesmo dia e mês de Hemingway, meu escritor predileto.

Como você se define?
Hoje? Sou um escritor e ponto.

Como foi a sua infância? Você era uma criança que já costumava ler? Se sim, do que você gostava?
Minha infância foi maravilhosa, em Alegrete, onde cheguei com 4 anos de idade. Meu pai era veterinário do Exército, no tempo da Cavalaria. Ele arrendou uma granja a poucos quilômetros da cidade para produção de leite, mas o que mais produziu foi a felicidade da minha mãe e de todos nós. Ali aprendi a andar a cavalo, a nadar, a subir em árvores, a respeitar a natureza em todas suas manifestações, formas e cores. Não por acaso, o meu livro “O Mestiço de São Borja”, de 1980, é considerado um dos primeiros romances ecológicos do Brasil.
Antes de ser alfabetizado no Instituto de Educação Oswaldo Aranha, ouvia extasiado as histórias contadas pelo meu pai, um fantástico narrador. Aliás, depois fique sabendo que a narrativa oral é uma característica comum dos árabes, em especial dos libaneses. E meu avô emigrou do Líbano, como narrei no romance “Jabal Lubnàn, as aventuras de um mascate libanês”.
Os primeiros livros que li foram de Monteiro Lobato e me acompanham até hoje. Eu tinha sete anos quando ele morreu e chorei como se fosse uma pessoa da minha família. Quando fui à Grécia, fiquei impressionado com o que aprendera em criança nos seus livros, em especial nos romances históricos infanto-juvenis “O Minotauro”e “Os Doze Trabalhos de Hércules”.

E a sua família? Como era?
Meu pai, Alcy Vargas Cheuiche, era um homem enérgico, disciplinador, mas paciente para tudo explicar aos filhos e aos amigos dos filhos. Inclusive, as razões porque participara das revoluções de 1930 e 1932. Era getulista, mas, embora fosse Vargas por parte de mãe, nunca se aproveitou disso em sua carreira. Fanático pela educação e cultura, diplomou-se em medicina veterinária e direito, numa época em que um só diploma era raro. Depois de aposentado, dedicou-se a tarefas comunitárias sem remuneração, tendo presidido a Fundação Educacional de Alegrete por cerca de vinte anos. Criou uma dezena de cursos superiores, entre outras façanhas.
Minha mãe, Zilah Tavares Cheuiche, era uma pessoa inteiramente dedicada à família. Muito inteligente, pouco falava, mas não tinha medo de nada. Aliás, pelo lado dela, sou descendente em linha reta do Coronel João da Silva Tavares, o Visconde do Cerro Alegre, que lutou contra os farroupilhas durante os dez anos da Guerra dos Farrapos, tema de outro romance meu. Eu adorava quando meu pai narrava essas histórias em que os Silva Tavares e os Vargas eram protagonistas, o que foi muito estimulante para a minha vocação de escritor.

O que lhe fez cursar medicina veterinária? Você já pensava em ser escritor nesta época?
Estive entre a medicina veterinária e o direito, porque eram as profissões do meu pai, a quem sempre admirei. Escolhi a primeira porque, aos dezoito anos, eu era um gaúcho de verdade e não queria me separar do campo. Nunca me arrependi dessa escolha. O veterinário me sustentou por muitos anos, até que me tornasse um escritor profissional. E isso impediu que eu enveredasse por caminhos errados na literatura, apenas para sobreviver.
Comecei a escrever na escola e ganhei o meu primeiro prêmio literário aos dez anos de idade. Foi um concurso de redações sobre o “Duque de Caxias” que mobilizou muitas crianças da cidade. O prêmio foi entregue na praça, antes do desfile do “Dia do Soldado”. Nunca deixei de lhe dar valor.
Sim, sempre pensei em ser escritor. Um dia, mal alfabetizado, peguei a máquina de escrever da minha mãe (com a qual ela batia os discursos do meu pai) e iniciei meu primeiro romance. Acho que não passou de quatro linhas.

Como foi a sua experiência na Europa com a bolsa conquistada na faculdade?
Foi na França, onde cheguei com 23 anos, que a minha vocação se firmou para a literatura. Hemingway dizia que “se você teve a sorte de viver em Paris quando jovem, sua presença o acompanhará pelo resto da sua vida”. Essa é uma grande verdade. Paris é muito mais do que a França, é uma encruzilhada universal. E a arte é uma só. Você se prepara para ser escritor, não só lendo bons livros, mas também apreciando pinturas, ouvindo música, indo ao cinema e ao teatro. Descobrir Brecht no Teatro Nacional Popular, onde os estudantes pagavam uma ninharia, foi uma revelação. O mesmo com Buñuel na Cinemateca do Palais de Chaillot. O mesmo com os pintores impressionistas, pois Hemingway já me ensinara que queria escrever como Cézanne pintava.
Durante dois anos, enviei crônicas semanais para o jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre, sob a rubrica: “Cartas de Paris”. Até hoje considero a crônica um exercício fundamental para o romancista. E me orgulho de ter dois livros de crônicas publicados.
Foi em Hannover, na Alemanha, onde também fiz pós-graduação em veterinária, que escrevi minha primeira novela “O Gato e a Revolução”. Naquele momento, tomei a decisão de dar prioridade à literatura, mesmo sacrificando a carreira científica. Não foi fácil, eu tinha 26 anos e já me iniciava na cirurgia experimental de transplantes de órgãos. Mas nunca me arrependi.

Você fez muitas viagens quando trabalhou na Johnson & Johnson. Alguma lhe marcou mais? O que lhe marcou mais neste período de sua vida?
Quando meu livro “O Gato e a Revolução” foi cassado, após o Ato Institucional de dezembro de 1968, comecei a sofrer perseguições na universidade e tive que buscar trabalho em São Paulo. O curioso é que eu era chamado de “comunista e subversivo” em Porto Alegre, o que não impediu uma empresa americana de me contratar. Pragmatas, eles confiaram mais no meu currículo de veterinário.
Além de viver em São Paulo, uma cidade muito profissional e culta, viajei por diversos países a serviço da Johnson&Johnson, tendo feito um estágio de três meses na Bélgica e de um mês na Austrália. Foi voltando da Austrália que visitei a Ilha da Páscoa, cuja descoberta narro no livro “Sepé Tiaraju, romance dos Sete Povos das Missões”, um dos mais conhecidos, com edições em Braille, quadrinhos, e em outros idiomas.

Seus livros já foram muito elogiados em espanhol e em alemão também, pois relatam um Brasil que os estrangeiros não estão acostumados a ver. Fale sobre isso.
Eu acredito, como Tolstoi, “que o universo começa no pátio da nossa casa”. Assim, os temas brasileiros podem agradar leitores de todo o mundo e, se não somos mais conhecidos, os escritores do Brasil, é porque dependemos de agentes literários com experiência internacional (temos pouquíssimos) e tradutores competentes (menos escassos, mas também em falta). Quando viajei pela Alemanha, em 1997, realizando conferências e lançando as versões em alemão dos livros “Sepé Tiaraju” e “Ana Sem Terra” fiquei impressionado com o interesse despertado nas quinze cidades visitadas, inclusive Berlim. A tônica da imprensa alemã foi a afirmativa de que livros como os meus abrem uma porta para a compreensão da literatura e da saga brasileira atual, uma vez que abordam temas históricos e sociais, inclusive com personagens que sofreram com a imigração. É a vantagem dos romances que popularizam esses temas.

Quando inicia um livro, sabe antecipadamente seu conteúdo, já o planejou na cabeça ou vai construindo-o aos poucos?
O roteiro está na minha cabeça e só começo quando termino o fundamental da pesquisa, o que, às vezes, pode levar até dois ou três anos. Mas nunca me coloco num trilho e sim numa trilha, o que me permite enriquecer o romance, a qualquer momento, com novas situações e personagens.

Você começou imitando alguém? Quem?
Sofri a influência de Erico Verissimo, como os escritores rio-grandenses da minha geração e ainda considero “O Tempo e o Vento” e “O Prisioneiro” como duas obras primas da nossa literatura. A Hemingway já me referi, sendo sua lição principal a necessidade de conhecer a fundo um tema antes de transformá-lo em livro, como é claro em toda sua obra, mas especialmente em “Por quem os sinos dobram?” e “O velho e o mar”. Aliás, Lobato, a quem já me referi, foi tradutor de Hemingway.
Durante o período francês, outros escritores me influenciaram, como Roger Martin du Gard, André Malraux, Exupéry, Sartre e Simone de Beauvoir, Sagan, Pagnol. Muitos, muitos deles, sem citar os mais modernos.

Há algum livro seu que você já amou e hoje não gosta mais, como acontece com alguns escritores? Por que?Acho que tive muita sorte, como expliquei acima, em poder me sustentar como veterinário. Assim, não aceitei escrever livros pornográficos, que eram muito bem pagos na década de setenta a oitenta, quando vivi em São Paulo. Também não me preocupei em publicar um livro por ano, o que é o erro de muitos, até por necessidade material. Livro é como a gente, tem período de gestação.

Qual o seu objetivo com a escrita?
Contar histórias, como meu pai fazia, só que por escrito. Criar personagesn e dar vida a outros que merecem ser conhecidos, como o índio Sepé Tiaraju, o negro João Cândido e o branco Alberto Santos Dumont, cuja história é mal contada nos livros e nas escolas, ou nem é narrada aos alunos, como no caso do “Almirante Negro”.
Acredito na literatura como caminho ético e estético. E o ato de escrever, como disse alguém, é tanto uma vocação como uma condenação.
Para mim, também, uma ótima maneira de manter o alto astral, o equilíbrio psíquico. Gosto tanto, que até pagaria para escrever. Se me pagam, é ainda melhor.

Quais são, na sua opinião, suas principais qualidades e seus principais defeitos como escritor?
As qualidades acho que são ligadas ao respeito com o tema e com o leitor. Como sempre digo aos meus alunos, é preciso preparar-se para escrever como um atleta olímpico se prepara para competir. Só o talento não basta.
Dos defeitos não vou falar. Os livros são como filhos, não é verdade?

E a sua rotina, como funciona? Você escreve todos os dias? Tem horários próprios para isso? Concilia com facilidade a vida profissional e a vida pessoal?Não sou escritor de fim de semana. Quando estou escrevendo um livro, reservo para ele todas as manhãs. Antes, quando tinha expediente de outro trabalho a cumprir, era comum começar a escrever de madrugada, acordando cada vez mais cedo. Lembro de um dia que acordei a uma e meia com um trecho do livro na cabeça, levantei e segui escrevendo até às sete da manhã. Tomei café e fui para o outro trabalho. Sou matinal para escrever. O sono me descansa e me inspira.
Hoje só escrevo, traduzo, participo de reuniões do Conselho Estadual de Cultura do RS, faço palestras e dou aulas de oficina literária. Posso organizar melhor o meu tempo, como fiz nos últimos seis meses, em que escrevi um romance e um livro para o público infantil.

E o seu fascínio por Santos Dumont, de onde veio? Sua pesquisa levou muito tempo para ser feita? Você prefere trabalhar com livros como esse ou com ficção?Meu fascínio nasceu quando li um livro de Santos Dumont, publicado em Paris, em 1904, e cujo original em francês só foi traduzido no Brasil 37 anos depois. Nesse livro, que achei na biblioteca do meu pai, descobri que o nosso inventor já era famoso muito antes do primeiro voo do 14-Bis, pois foi ele quem deu dirigibilidade aos balões. Assim, ao contrário dos irmãos Wright, que fabricavam bicicletas antes de seu pretenso voo com o Flyer, em 1903, Santos Dumont já era reconhecido como aeronauta no mundo todo, desde 1901, após seu famoso voo de balão dirigível em torno da Torre Eiffel.
Outro aspecto que me impressionou foi seu idealismo e sua coragem. Nunca vendeu nenhum dos seus inventos, doou-os todos para o patrimônio comum da humanidade. E nunca contratou pilotos de provas, ele próprio arriscava a vida para provar suas teorias revolucionárias.
Tenho dois livros sobre o “Pai da Aviação”, ambos em edição de bolso, pela L&PM. O primeiro é um romance “Nos céus de Paris” e o outro “Santos Dumont” uma biografia encomendada para a enciclopédia em fascículos, da editora. O romance foi muito mais difícil porque me exigiu uma pesquisa super cuidadosa sobre Paris da Belle Époque, e não se brinca com Paris. Quando Alberto voava em seus balões, o que via lá em baixo? Isso, sem contar que, num romance, é preciso criar diálogos. Para que fossem autênticos, tive que pesquisar nos jornais franceses da época, retirando frases pronunciadas por ele. Um romance histórico precisa recriar também outros detalhes sobre personagens coadjuvantes. Tive que estudar a vida da Princesa Isabel porque foi amiga de Santos Dumont. O mesmo com o jornalista Jean Jaurès, outro amigo dele, que foi assassinado às vésperas da Primeira Guerra Mundial, por ser pacifista. Tudo isso exige muito tempo e paciência. Felizmente eu domino o francês e meus amigos de Paris me ajudaram bastante.

E por Sepé Tiaraju?
Porque o meu primeiro livro, “O Gato e a Revolução”, uma sátira política, tinha sido cassado pela ditadura. Assim, eu queria escrever sobre um tema social que não fosse só meu, e sim, de respeitabilidade universal. Além disso, nunca aceitei as teses colonialistas sobre a incapacidade dos índios. E a “República Guarani” com sua estrutura econômica, social e política, com sua cultura expressa na pedra, na madeira, na música, é um desafio para os que ainda defendem o genocídio do povo guarani. Para os que não aceitam que somos uma sociedade gerada pelo caldeamento de muitas raças que os índios e negros representam a maioria da nossa herança.
Hoje, Sepé Tiaraju é reconhecido oficialmente como herói rio-grandense e brasileiro. As ruínas de São Miguel Arcanjo, cidade missioneira da qual foi prefeito, foram tombadas pelo UNESCO como Patrimônio da Humanidade. Meu livro deu sua gota d’água para isso, o que me deixa feliz.

Para você, Espanha e Portugal devem desculpas ao povo Guarani? Fale um pouco sobre isso.
Não só desculpas. Na Alemanha existe uma lei chamada “Auschwitz Lüge” (Mentira de Auschwitz) que proíbe qualquer pessoa a mentir, dizendo que não houve o Holocausto dos judeus e outras minorias raciais, pessoas assassinadas aos milhões pelos nazistas. Além disso, a Alemanha investe ainda muito dinheiro para reparar uma pequena parte desse erro monstruoso. Acho que poderíamos ter uma lei semelhante, no Brasil, para os que negam o holocausto dos nossos índios, desde o descobrimento. E Portugal e Espanha deveriam investir para preservar a vida e a cultura dos guaranis e de outros povos indígenas sobreviventes.

Na história nacional e mundial da literatura, quais as personagens mais bem construídas que conhece e por quê?
Ana Terra, de Erico Veríssimo (que me inspirou Ana Sem Terra) continua viva, respirando, levando no ventre um filho do índio Pedro Missioneiro para iniciar uma nova família rio-grandense e brasileira.
Blau Nunes, o gaúcho pobre de Simões Lopes Neto, continua narrando histórias preciosas, exemplo de decência e honra.
O Jagunço Riobaldo de João Guimarães Rosa é um desafio para os que ainda consideram esses párias da história brasileira, Lampião, entre outros, como meros bandidos e assassinos.
Jean Valjean, de Victor Hugo, ainda continua sendo condenado, como todos os miseráveis do mundo, pelo crime famélico de roubar um pão.
A cigana Pilar, de Ernest Hemingway, continua representando toda a mística e personalidade autêntica da alma espanhola.
Muitos mais, muitos mais.

Você acha que para se tornar um grande escritor é necessário trabalho duro, como um “operário da escrita”, ou é uma questão de mero talento?
Acho que já respondi essa pergunta aí por cima. Como dizemos nas oficinas de criação literária: Ars sine scientia nihil est. Ou seja, a arte sem a ciência nada é. Talento é essencial, mas deve ser burilado, como as pedras preciosas.

Quais personagens que já criou que mais se identificam pelas ideias ou como ser humano? Criou-os já se tendo como modelo ou escreveu e se reconheceu apenas depois?
Oswaldo Winterfeldt é uma personagem de ficção, criada por mim, que me apaixona. Quando algum leitor de “O Mestiço de São Borja” pergunta se le é o meu alter ego, costumo responder que não, ele é muito melhor que eu. Não nasceu pronto. Foi evoluindo como ser humano através da vida. Chorei ao descrever a sua morte e me orgulho disso.
O velho Tiovô, do livro “A mulher do espelho” também me encanta. Dou boas risadas quando releio seus diálogos com o sobrinho neto, um engenheiro esquecido de apreciar a vida como ela é. Os nonagenários ainda são raros como personagens da nossa literatura. Inspirei-me, em parte, no meu tio Joaquim Tavares, que morreu com 93 anos, completamente lúcido, sem nunca deixar de amar a vida.
De pura ficção, tenho outros personagens que me tocam muito, como a menina Vavá, de “Lord Baccarat”, mas vamos ficar por aqui.

Você se sente mais à vontade escrevendo crônicas, contos, romances, ensaios. . .o quê?
Sou um romancista, no essencial. São as águas em que nado com maior desenvoltura.
A poesia é também minha companheira. Sempre que posso, digo um verso. Não necessariamente meu. O poeta predileto é Garcia Lorca.

O que o levou a escrever literatura infanto-juvenil?
Uma promessa que fiz a mim mesmo, que só o faria quando tivesse os cabelos grisalhos. Não deu para esperar mais. Experiência de vida e de literatura são essenciais nesse segmento. Escrever para crianças é muito mais difícil do que escrever para adultos, podem ter certeza.

E suas oficinas de literatura? Quando surgiu a idéia e como elas vem sendo? Já pode destacar alguns talentos que por lá passam ou passaram?
Pratico oficinas de criação literária desde 2002. Estou com vinte e um livros na estante dos meus alunos. Entre eles, alguns romances, em que dizem que sou o pioneiro, por ter iniciado em 2003.
A idéia consolidou-se depois de uma visita na PUC-RS ao meu amigo e colega Luiz Antônio de Assis Brasil, um dos introdutores das oficinas no Rio Grande do Sul e no Brasil. Ele foi generoso comigo, passando-me o essencial do método que, aos poucos, fui adaptando ao meu jeito de pensar e escrever.
Hoje tenho um prazer enorme em ser professor novamente, vocação antiga, da qual fui afastado durante a ditadura.
Alunos de talento tive e tenho muitos. Não vou destacar nenhum, porque são ciumentos, embora muito unidos em seus trabalhos.
Também destacaria alguns livros das oficinas que dirigi como muito bons. Mas, como maestro da orquestra, não posso nomear os que gosto mais.

Você é membro vitalício da Academia Rio-Grandense de Letras e sócio fundador da Associação Gaúcha de Escritores. Na sua opinião, o que essas tantas academias e associações de escritores hoje em dia representam? Qual a importância delas para a literatura e para a sociedade?
Entrei na Academia Rio-Grandense de Letras com 46 anos e na primeira reunião fui apresentado ao romancista Dyonélio Machado, cujo livro “Os ratos” morou muito tempo na minha cabeceira. Dyonélio faleceu naquele ano, mas ainda consegui conversar com ele, trocar algumas idéias.
Para mim o mais importante dessa Academia, a única que frequento, é o convívio que tenho tido. De início, apenas com os mais velhos. Agora, também, com os da mesma faixa etária e com os mais moços. Não sei como são as outras academias, mas a nossa tem poucos bens materiais, mas é honesta e digna. E uma curiosidade: nosso atual presidente, em pleno exercício de suas capacidades, tem 97 anos de idade. Francisco Pereira Rodrigues é o nome dele. Um escritor e uma figura humana admirável.
Quanto à AGEs, sou orgulhoso de ter assinado a ata de sua fundação, há 30 anos, porque ela se preocupa com o sucesso de cada um dos seus filiados.

Como você vê as universidades atualmente?
Como sempre vi: sou apaixonado por elas. Universidade significa preocupação com o conhecimento universal. São nossa plataforma de lançamento para a chegarmos a cidadãos do planeta Terra. Utopia? Adoro as utopias.
Existem muitas universidades que não prestam? É só investir nelas.

Defina em algumas palavras:

Amor: raro e genial.
Sexo: verdadeiro, só por amor.
Liberdade: essencial.
Religião: coisa íntima.
Deus: idem.
Inteligência: privilégio.
Burrice: uma praga.
Prosperidade: necessária, mas para todos.
Vida: nosso maior patrimônio.
Morte: sai prá lá.

Qual o sentido da vida para você?
Acordar cada manhã sorrindo e cheio de planos.

Já usou drogas, inclusive bebidas?
Se vinho e cerveja estão aí classificados, sim. E gosto muito, nos momentos que considero certos. Não bebo todos os dias e nunca sozinho.

Qual seu próximo lançamento?
O romance “João Cândido, o Almirante Negro”, dedicado ao centenário da Revolta da Chibata. Editora L&PM. Lançamento previsto para o dia 4 de novembro de 2010 na Feira do Livro de Porto Alegre, minha paixão.
O livro para crianças “O Ventríloquo”, dedicado a esse artista em extinção. Editora Libretos. Lançamento previsto para o dia 5 de novembro de 2010 na Feira do Livro de Porto Alegre, minha paixão.

Gostaria de dizer mais alguma coisa que não foi perguntado ou deixar uma mensagem para os leitores?
Para ler e escrever é preciso uma ferramenta essencial da espécie humana: a emoção.
Quem não é capaz disso, ou coloca em segundo plano esse sentimento, nunca será bom escritor, nem leitor.

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Betha M. Costa (Entrevistada por Selmo Vasconcellos)

Nascida em 26 de dezembro, na cidade Belém no Pará. Filha do médico José Maria de Mendonça com Rdª Yolanda Souza de Mendonça. Batizada Maria Elizabeth Souza de Mendonça, na infância ganhou o apelido de Betha, nome pelo qual se reconhece. Amante das letras escreve desde os 14 anos. Por força do casamento assina documentos oficiais como Maria Elizabeth de Mendonça Costa. Pediatra, mãe de dois rapazes. Adotou o pseudônimo Betha M. Costa e segue escrevendo poemas e prosas como hobby.

SELMO VASCONCELLOS – Quais as suas outras atividades, além de escrever?

Betha M. Costa – Sou médica pediatra. Também mãe, dona de casa, contadora, conselheira sentimental, psicóloga, pedagoga… Enfim: mulher! (risos)

SELMO VASCONCELLOS – Como surgiu seu interesse literário?

Betha M. Costa – A leitura sempre me atraiu. Em criança as fábulas de Esopo, La Fontainne, contos dos irmãos Grimm, Monteiro Lobato, os gibis… Comecei a tomar gosto por escrever, além de ler os romances de José de Alencar, os poemas de Gonçalves Dias e outros autores brasileiros e estrangeiros.

SELMO VASCONCELLOS – Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País?

Betha M. Costa – Participo com três textos em prosa da “Antologia Luso-Poemas 2008” (Edium Editores), em Portugal. É uma compilação de diversos textos de vários autores que publicam no site Luso Poemas. Apesar de estimulada por parentes, amigos e ter “paitrocínio” (risos), não tenho nenhum livro solo. Para mim a escrita é hobby e fator de interação com outros escritores amadores em sites e blogues.

SELMO VASCONCELLOS – Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz (es) de produzir poesia?

Betha M. Costa – A poesia está em toda parte. De acordo com o momento e sensibilidade, o cotidiano dá ferramentas para quem gosta das letras fazer um poema ou uma prosa.Sou estudiosa. Preocupo-me em conhecer os estilos literários e de repente nasce um poema, conto, crônica…O que vier a imaginação!

SELMO VASCONCELLOS – Quais os escritores que você admira?

Betha M. Costa – Cecília Meireles, Clarice Lispector, Gonçalves Dias, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), Drumonnd, Fernando Sabino, Ferreira Gullar, Gibran, Hermann Hesse e tantos outros…

SELMO VASCONCELLOS – Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas?

Betha M. Costa – Que não tenham medo de exporem-se através da palavra. Que procurem ler bastante, ter cuidado com ortografia e gramática, por respeito a si próprios e aos seus leitores.

Agradeço ao amigo Selmo o simpático convite, o estímulo e oportunidade para que eu mostre um pouco de mim e meus textos.

Fonte:
1a. Antologia Poética Momento Lítero-Cultural

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Nilton Manoel (Didática da Trova) Parte 10 – Entrevista com Luiz Otávio

ANEXOS

 1. Entrevista

Via Correios, entrevistamos Luiz Otávio, a 10 de junho de 1975, cujas perguntas obtiveram as seguintes respostas:

(P= pergunta, R= resposta)

P.: Luiz Otávio, qual a importância  principal do Movimento Trovadoresco na  literatura Brasileira?
R.: O principal valor, eu diria melhor, uma das características fundamentais do Movimento Trovadoresco é a sua espontaneidade.Nasceu, brotou espontaneamente como uma planta. A te mesmo os que o plantaram não se aperceberam bem, no momento, o que estavam fazendo, E,aí, este Movimento difere, essencialmente, de tantos outros movimentos, sub-movimentos e hipo-sub-movimentos que tem surgido e,  as vezes, morrem antes do nascedouro. Alguns pretensos “gênios” se reúnem ( não muitos), fazem manifestos, deitam plataformas, conseguem suplementos-literários, querem destruir tudo que encontram (é outro “cacoete” destes pseudos-gênios), e … no fim, a  “coisa” dura muito pouco… Eles  mesmos não se entendem… Citar exemplos? São inúmeros. Mas não  há tempo, nem espaço. Já o nosso Movimento Trovadoresco  nasceu, aos poucos, sem saber que viria a ser um Movimento. Espontâneo, genuinamente brasileiro, popular, moderno (porque comunicativo, rápido e direto) e que, em poucos anos, cresceu muito e continua a crescer. Tudo isto, reunido e dito em poucas palavras demonstram a importância do Movimento Trovadoresco. Diria mais que ele, tal como aquele anúncio de óleo, excede  os limites da literatura brasileira. Tem sido também um movimento social e turístico. Para explicar tudo isto só mesmo um Ensaio ou uma crônica…

P.: O trabalho que a UBT vem realizando todos estes anos, sabemos que está marcando a história da literatura nacional do futuro; Perguntamos: por que os tratados literários atuais teimam em deixar de fora toda a grandiosidade deste trabalho?
R.: A pergunta é simples e boa, mas a resposta não é fácil e seria complexa. Respondo com perguntas: Quem sabe  se certos professores e críticos andam pouco afastados da realidade e não se aperceberam que há, em suas portas, um Movimento poético vivo,  palpitante,  popular:?  Quem sabe se eles têm certo receio ou  constrangimento para reconhecer e divulgar  esta verdade? Quem sabe se tem faltado a nós, os dirigentes ou mais antigos do Movimento, tempo, oportunidade, para ir às escolas, faculdades e suplementos e dizer,  bem alto: “Minha gente, há um movimento de Trovadores que poetas, povo, associações, comércio, indústria, já tomaram bastante conhecimento… Chegou a vez de vocês saberem que nós existimos. Mas, meu caro Nilton, já há uma reação. Já há professores que nos convidam a falar sobre trovas em seus colégios ou faculdades, outros que, em seus livros, já dedicam páginas aos trovadores e outros ainda, como um professor sacerdote, que nos últimos Jogos Florais de Friburgo, num belíssimo sermão, reclamava justamente isto que é o tema de sua pergunta: de algumas esferas literárias ou professores ainda ignorarem o valor da Trova e do Movimento Trovadoresco.

P.: Qual a preocupação do Movimento Trovadoresco, atualmente, em relação à classe estudantil universitária? O que os trovadores brasileiros tencionam fazer para demonstrar a originalidade do “Movimento” que é nacional e não importado como o Romantismo, Parnasianismo,Simbolismo, etc?
R.: A pergunta é comprida e profunda. Verei se resumo a resposta. Já temos procurado levar a Trova não só à esfera Universitária mas, também aos outros graus anteriores. Já fizemos palestras e concursos  nos meios ginasiais, colegiais e universitários, em muitas cidades que evitarei de citar os nomes para não omitir algumas. Quanto à preocupação de demonstrar isto ou aquilo, de atacar ( mesmo o que nos atacam), de mostrar as nossas qualidades ou virtudes, não tem havido. Nós temos vencido  porque realmente é bela  a nossa rosa e porque temos trabalhado muito, com amor e autenticidade, a fim de que ela sobreviva e se multiplique. Se outros cultivam ou camélias ou cravos de defunto ou couve-flor, não temos nada com isto… Podem até cultivar flores de papel, importadas… Que nos deixem em paz cultivando a nossa rosa…

P.: Na antiguidade os Jogos Florais foram lançados para propiciar o não desaparecimento da produção poética, no Brasil, segundo  o Sr. mesmo já escreveu, nossos concursos de Trovas e Jogos Florais apareceram com a finalidade preponderante de selecionar democraticamente as produções literárias brasileiras. Sendo experimentado, promovendo, participando, concorrendo, publicando tratados e livros com suas produções trovadorescas, por que ainda no Brasil têm-se um imenso déficit de publicações por editoras de nomeadas?
R.: Há anos notei e escrevi a seguinte curiosidade ou paradoxo: Na Idade Média, quando caiu a Poesia Trovadoresca, tiveram a idéia dos Jogos Florais, em Toulouse, em 1.322, para  revitalizá-la. No Brasil, só  após a Poesia dos Trovadores ter alcançado certo nível ou progresso é que senti condições propícias para lançar em 1960 os Primeiros Jogos Florais de Nova Friburgo. Sim, na verdade tenho afirmado que estes concursos foram um meio útil e democrático para lançar grandes trovadores no Brasil. Quanto aos livros, acho que tem havido muitas publicações. Se o interesse das editoras é pequeno, tem acontecido o mesmo com outros gêneros mais vendáveis como o romance e o conto.

P.: Quantos anos temos de Movimento Trovadoresco? Ou  o que melhor propiciou a corrente literária trovadoresca?
R.:Quanto à primeira parte, se aceitarmos como um marco  de nosso Movimento, como li na apresentação desta entrevista, a publicação do livro “Meus Irmãos, os Trovadores”,temos, então, que, no ano próximo completaremos 20 anos de Movimento. É claro que, antes disto, já eram feitas trovas e alguns livros eram publicados. Mas, trata-se  aqui de marcar um ponto de partida para algo que significasse aglutinação, propaganda maior, estudo mais profundo,etc. Embora sendo o autor do livro e não o autor da proposta de transforma-lo como um marco, acho  –  modéstia à parte  –  perfeitamente válida a idéia.

Quanto ao que melhor propiciou  esta corrente, além do que já ficou dito, de autenticidade, popularidade, atualidade, etc., e das finalidades culturais, sociais e turísticas, queria ainda apontar algo que considero de muita importância e que resumo: depois do Movimento Modernista, passado o fogo inicial, parecia  que a poesia tinha morrido. Tornara-se tão difícil, tão hermética, que apenas alguns iniciados ou alguns pretensos entendidos, apreciavam e entendiam esta Poesia. Depois vieram grupos e subgrupos. Cada  vez mais discussões,cada vez mais originalidade e menos entendimento. O público ia cada vez ficando desconfiado e retraído… Se, em todas as antigas Escolas – dos Clássicos, Românticos, Parnasianos, Simbolistas, houve sempre grandes intérpretes do sentimento popular, – do Povo das várias camadas sociais – com o Movimento Modernista tudo mudou. Somente as elites intelectualizadas, ou as pseudo-elites, compreendiam aquelas mensagens poéticas herméticas e muitas vezes sem melodia, sem ritmo e sem sentido… Vieram os trovadores e, modesta mas autenticamente, deram aquele grito da fábula: “O Rei está nu!” Apenas, ao invés  de dar este grito diretamente e de entrar em debate, começaram a fazer trovas, aperfeiçoar esta singela forma da poesia popular, a realizar concursos e festas, a fundar associações, a pronunciar palestras, a escrever artigos e livros, enfim, a Trova veio mostrar, com êxito, que a Poesia não morrera, veio restabelecer aquele elo destruído entre o Povo e o Poeta.

P.: O título de “Magnífico Trovador” com o qual o Sr. foi agraciado após tantos anos de idealismo, de dedicação, contribuindo para a integração nacional através da poesia, sabemos que é internacional através de convênio com entidades culturais de Portugal; fale-nos sobre isto.
R.: Acredito que haja uma pequena confusão do caro repórter. O título com o qual fui agraciado devido ao meu trabalho em Prol da Trova e dos Trovadores foi o de  “ Príncipe dos Trovadores Brasileiros”  – por um Congresso Nacional de Trovadores, em 1.960, em São Paulo. O outro – o de” Magnífico”  dos Jogos Florais de Nova Friburgo (RJ) é um título muito honroso e difícil. Outros dez trovadores o obtiveram nestes 15 anos. Não tem nada com o trabalho pela Trova ou pela classe. Está relacionado a uma vitória, três anos consecutivos, entre os dez primeiros lugares, nos Jogos Florais. Mas repito: é um título muito honroso e difícil. Os dez que o obtiveram – e por ética permita tirar o meu nome – demonstraram talento,inspiração, fibra e, também, um pouco de sorte. Constituem uma verdadeira  seleção de trovadores, vitoriosos em várias cidades do Brasil. Para atingir este título não adiantam posição social, financeira, tentativa de protecionismo ou de corrupção. Nem simpatias ou troca de gentilezas como acontece na eleição de muitas academias… Com os “Magníficos” entraram em julgamento apenas as trovas, escondidas num pseudônimo. E chegaram quatro mil ou cinco mil ou mais trovas! E é preciso repetir  a vitória três anos consecutivos!

A presente entrevista, datada de 10/6/1975,Santos (SP) tem a assinatura de Luiz Otávio.

Continua…

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.

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Pam Orbacam (A Poetisa em Xeque, por Carmo Vasconcellos)

SELMO VASCONCELLOS – Quais as suas outras atividades, além de escrever ?

PAM ORBACAM – Sou educadora não por opção, por mero acaso, por questão de sobrevivência mesmo. Escrevo para viver, não para sobreviver. Amo arte, sou artista plástica autodidata, poeta e contista.

SELMO VASCONCELLOS – Como surgiu seu interesse literário ?

PAM ORBACAM – Meu pai tinha uma estante cheia de livros dentro de casa. Ele tinha muito orgulho deles. Eu adorava fuçar na estante. Ainda não sabia ler, mas fazia de conta que lia. Quando aprendi a ler percebi que meu mundo poderia ser de papel. Meu mundo não foi, mas minha vida é.

SELMO VASCONCELLOS – Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País ?

PAM ORBACAM – Pode parecer descaso, mas não é. Simplesmente não tenho idéia de quantos livros participei. Guardo na memória ?”Vide Verso” e “Saciedade dos Poetas Vivos”. Números e nomes não têm importância para mim. Gosto mesmo é de escrever no meu blog. La estou em casa.

SELMO VASCONCELLOS – Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia ?

PAM ORBACAM – Noite, Silêncio, definitivamente. A felicidade não provoca em mim inspiração. A dor e o cotidiano sim.

SELMO VASCONCELLOS – Quais os escritores que você admira ?

PAM ORBACAM – Clarah Averbuck, Pearl S. Buck, Nilo Oliveira, Rubem Fonseca. Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa.

SELMO VASCONCELLOS – Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas ?

PAM ORBACAM – Escrever é um exercício de prazer, de descoberta, de aprimoramento. Escreva, escreva, escreva. Leia, leia, leia. Releia. Escreva. Um dia uma aluna minha de nove anos me perguntou: Como faço para escrever uma poesia? Eu disse: Pense em coisas que vocÊ gosta, em coisas que você odeia. Escreva sobre elas. Ela escreve coisas belas, leves, pesadas, como é a vida. Adoro “Lê-la”. Poesia é leveza e intensidade, desmedidamente na medida certa.

Fonte:
http://4.bp.blogspot.com/_LeZahUxRZc4/TBzjX9nSGDI/AAAAAAAABrQ/MLGvzCDM3oc/s1600/PAM3.jpg

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Arquivado em Entrevista, Estado de São Paulo, Santo André

Marco Antonio Orsi (O Poeta em Xeque, por Selmo Vasconcellos)

SELMO VASCONCELLOS – Quais as suas outras atividades, além de escrever ?

MARCO ANTONIO ORSI – Escrever é para mim uma distração muito prazerosa. Gosto muito de cantar, tenho um site de músicas http://www.marcors.com.br, tenho uma pagina no Youtube “orsi650” e um Canal no YouTube.

Por incrível que pareça sou Professor Universitário de Matemática, Física e Estatística, completamente avesso as letras…

SELMO VASCONCELLOS – Como surgiu seu interesse literário ?

MARCO ANTONIO ORSI – Sempre gostei de escrever, já quando estudava no curso primário era sempre solicitado para declamar poesias nos eventos da escola e dali já começava a ensaiar meus primeiros rabiscos.

Mas, realmente vim me dedicar a poesia aqui na Net, iniciei em 2003, escrevia artigos em jornais esporadicamente.

SELMO VASCONCELLOS – Quantos e quais os seus livros publicados ?

MARCO ANTONIO ORSI – Não tenho nenhum livro solo publicado, tenho dois em andamento.

Participei da Antologia da Alma VI volume, e fui escolhido entre os melhores da poesia de 2011, que originou uma publicação.

SELMO VASCONCELLOS – Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia ?

MARCO ANTONIO ORSI – Gosto de dizer que sou mais um menestrel, um versejador do que um poeta, contudo, escrevo sobre tudo, principalmente elevo ao máximo o amor. Busco inspiração no quotidiano.

Não posso negar que muitas situações propiciam a confecção de um poema, uma musa, um amor desfeito, um novo amor, além da própria inspiração inata.

SELMO VASCONCELLOS – Quais os escritores que você admira?

MARCO ANTONIO ORSI – É difícil citar autores, já que existem tantos e excelentes, mas tenho uma admiração muito grande por Luiz de Camões, Castro Alves, Casemiro de Abreu, Mario Quintana, Pablo Neruda e tantos outros, muitos do próprio virtual. Aqui existem ótimos poetas dos quais sou fã incondicional.

SELMO VASCONCELLOS – Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas ?

MARCO ANTONIO ORSI – Para os poetas novos e para todos eu deixaria uma mensagem simples e objetiva: Jamais permita que pereça o romantismo, isso eu acho fundamental.

Fonte:
http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com.br/2012/07/marco-antonio-orsi-entrevista-n-416.html

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Arquivado em Entrevista, o poeta em xeque, Rio Grande do Sul

Carmen Cardin (A Escritora em Xeque por Selmo Vasconcellos)

SELMO VASCONCELLOS – Quais as suas outras atividades, além de escrever ?
CARMEN CARDIN – Além de escrever, sou professora e assessora administrativa.

SELMO VASCONCELLOS – Como surgiu seu interesse literário ?

CARMEN CARDIN – Escrevo desde os nove anos de idade. Desde que me entendo por gente, amo poesia! Entretinha-me nas horas vagas, nas tardes ensolaradas, debaixo de uma amendoeira, lendo Fernando Pessoa, Gonçalves Dias, Fagundes Varela e Augusto dos Anjos. Adoçava-me o espírito perceber a beleza incutida na nuvem perfumada dos seus versos. Essa aragem refrescava-me a alma e revigorava-me os sonhos nas tórridas tardes de um subúrbio carioca.

SELMO VASCONCELLOS – Quantos e quais os seus livros publicados ?

CARMEN CARDIN – Em antologias e coletâneas poéticas, além de sites e blogs há diversas publicações ilustrando a poesia de Carmen Cardin, que possui um acervo que ultrapassa os seiscentos poemas. Ultimamente, na XV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro lancei “Atalho Para O Banquete” – Poesia – 80 páginas – Oficina Editores.

SELMO VASCONCELLOS – Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesias?
CARMEN CARDIN – A aspiração – diuturna – de sonhar e idealizar, o “ser, enquanto poeta” e o “poeta enquanto ser” são a evocação natural que norteia minha existência. As pessoas costumam dizer que isso ou aquilo são a sua segunda natureza… A Poesia é a minha única natureza, portanto, ela é o meu espírito incorporado em palavras, lampejos efetivamente reais do meu ser! Não há uma necessidade de se escrever: há uma naturalidade. Penso, logo versifico!

SELMO VASCONCELLOS – Quais os escritores que você admira ?

CARMEN CARDIN – Além dos poetas acima citados, nutro profunda e absoluta admiração por Victor Hugo que, na minha opinião, é único. Aprecio, asseveradamente, Sthendall, Flaubert, Baudelaire, Schoppenhauer, Gibran Kalil Gibran, Saramago, Neruda, Borges, Shakespeare, Voltaire, Goethe, García Marques.

SELMO VASCONCELLOS – Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas ?

CARMEN CARDIN – Ler, acima e antes de tudo, para tentar entender a si mesmo, isso é pontual. Se pretende obter lucros com a literatura, pode esquecer. Deve ser um ideal e não um objetivo comercial. Mas, eu acredito, se você escrever, efetivamente bem, o sucesso será uma consequência natural desse sacerdócio. Ame primeiro, escreva depois.Mas, não desista jamais!

Fonte:
1a. Antologia Poética Momento Lítero Musical

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Adélia Maria Woellner (A Escritora em Xeque)

Adélia é poeta e escritora, membro da Academia Paranaense de Letras, autora dos livros: Férias no sítio, A água que mudou de nome, A menina que morava no arco-íris (história foi adaptada, por Gil Gabriel, para o teatro de bonecos), e Festa na Cozinha.

Adélia, quando nasceu o seu desejo de ser escritora?
– Para falar francamente, nunca desejei ser escritora. Aconteceu, porque escrever, para mim, sempre foi uma necessidade. Um prazer. O primeiro livro de poemas foi publicado por sugestão de um amigo, em 1963. Depois aconteceram outros, mas só consegui aceitar a condição de escritora há poucos anos.

Por que escreve para o público infantil?
– Eis outro presente que recebi da vida. Quando escrevi o livro “Para Onde Vão as Andorinhas…”, relatando a vida de meus antepassados, ao descrever o sítio de meu avô materno, onde passava alguns dias mágicos, encantadores, o texto surgiu em forma de poema.
Um amigo, lendo-o, me sugeriu: “este poema daria um livro infantil”. Pois é… E assim nasceu o “Férias no Sítio”, que foi ilustrado pelo meu sobrinho-neto Rafael Furtado Casagrande, com apenas 8 anos de idade. Foi uma delícia!
Acho que, aberta a porta, os outros livros aproveitaram a “fresta” e vieram atrás… Você já os citou. Além deles, também nasceram “A menina do vestido de fitas”, para colorir, e uma coleção em coautoria com a Heliana Grudzien, em doze volumes: “Valores Humanos”, para a Editora Expressão. Este ano será publicado “A vida do papagaio de cara roxa”, em projeto aprovado pelo Ministério da Cultura (Lei Rouanet). Espero, também, conseguir captar recursos para outro projeto, para edição da Coleção Tagarela, com cinco pequenas histórias: “A Casa de Cristal”, “O Reino das Águas Azuis”, “A Menina do Pastoreio”, “A Natureza das Coisas… é assim porque é assim…” e “No Céu e no Mar”.

Como surgiu a ideia de escrever um livro infantil sobre alimentos?
– A ideia não foi minha. Eliane Aleixo foi quem me sugeriu. Aos poucos, o tema foi “germinando” e, de repente, aconteceu a história de Dona Margarida. As minhas próprias dificuldades em apreciar alimentos naturais me inspiraram. E hoje, mais do que no meu tempo, os alimentos industrializados conquistam, seduzem as crianças que, pouco a pouco, perdem a atração por alimentos importantes e indispensáveis à saúde. Esta a motivação.

Como estão reagindo as crianças ao ver o livro “Festa na Cozinha”?
– As crianças estão se divertindo… e eu, também. Quando escrevo que cenoura tem topete e que cada fatia, cada rodela, parece um olho, elas reconhecem essas características e a curiosidade é consequência. Depois de ler o livro, tenho certeza de que as crianças passam a enxergar os alimentos de outra forma. Sentem-se mais atraídas por verduras, legumes, frutas… Professores e pais estão aproveitando os pequenos poemas de cada página para despertar essa atração.

Você também é palestrante. Quais são os quesitos para você aceitar ministrar palestras em escolas?
– Não faço restrições, nem exigências. Quando sou solicitada, e tendo disponibilidade de tempo, vou falar com as crianças, com a maior satisfação. O brilho nos olhos delas, o sorriso, as gargalhadas, a empolgação, tudo isso me anima e me incentiva a continuar.

Como podem fazer os professores interessados em suas palestras para entrar em contato com você?
– O contato comigo pode ser feito pelo telefone 9975-7108 ou pelo e-mail: adeliamaria@hotmail.com

Isabel Furini é escritora, poeta e palestrante autora de O livro do Escritor.

Fonte:
http://livrodoescritor.blogspot.com/

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Cezar Tridapalli (Leitura na Escola, Leitura na Vida)


No dia 23 de julho, o jornal Gazeta do Povo publicou em seu caderno “G Ideias” uma longa matéria intitulada “A literatura engessada”, assinada por Luís Henrique Pellanda. Na reportagem, foram entrevistadas várias pessoas, entre as quais este que vos escreve. A entrevista foi longa, mas como a matéria, claro, precisava ouvir mais gente, apenas uma pequena parte do que eu disse foi publicada. Por isso, como é meu dia de escrever no blog (sim, temos uma escala rígida e que funciona!), achei legal publicar aqui neste espaço um trecho maior dessa entrevista, na qual falei do projeto Sujeitos Leitores e de outros assuntos, todos relacionados à leitura. (Cezar Tridapalli)

G Ideias: Por que parece ser tão difícil, para a maioria dos professores ou do pessoal que trabalha com educação, interessar os alunos pela literatura? Como você vê esse problema (se é que considera isso um problema)? Para você, a escola tem ou não tem cumprido essa função (se é que é uma função da escola)?

Ah, a escola tem que ter esse papel, sim. É uma das principais agentes de difusão da leitura.

Eu acho que a gente é muito idealista. Isso não é um problema, claro que não, mas às vezes idealizamos até o nosso passado [tipo “Oh, que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais”, (risos)], como se fôssemos super leitores com 11, 13, 15, 17 anos. Não éramos (pelo menos a maioria de nós). Mas esse idealismo é bom porque faz a gente querer que todos sejam super leitores, mesmo sabendo que é uma batalha quixotesca. É essa luta, entre aspas, “perdida”, que faz com que consigamos transformar alguns alunos em ótimos leitores. Jamais conseguiremos com todos. Sempre conseguiremos com vários.

A heterogeneidade é outro fator que torna esse desafio algo imponderável: tem gente que já chega super bem e a gente só tem que ter cuidado para não estragar o sujeito (é um mantra que eu fico repetindo: “não posso estragar esse cara, não posso estragar essa guria”); outros passam a ser ótimos leitores na medida em que as aulas ou atividades ligadas à leitura acontecem. Há outros ainda que somente anos mais tarde é que você vai descobrir que se tornaram excelentes leitores (…). Dia desses, um ex-aluno me encontrou no Facebook e escreveu longamente pedindo desculpas por ter sido um aluno tão relapso, mas que hoje ele reconhecia o verdadeiro poder da leitura, essas coisas todas. Quer dizer: o cara era provavelmente daqueles alunos que ficavam voando, que nos fazem pensar que nada vale a pena por maior que seja a alma. De repente, a ficha cai. (…)

Para evitar a embromação toda aí de cima, poderíamos resumir assim: os ritmos são diversos, a heterogeneidade é grande. Tem gente que já chega super bem, tem gente que a gente vê se transformar ainda durante o processo das aulas, tem gente que a gente só vai descobrir bem depois, tem gente que a gente não vai descobrir nunca, e pode ser que tenha se transformado, pode ser que não (claro, tem gente que vai passar pela vida sem jamais se tornar leitora).

Precisamos também parar de colocar culpa nos novos meios digitais etc. Mais gente lê hoje do que lia antes, mesmo que na internet, com aquelas informações em flash. Uma dificuldade está em mostrar para o aluno que a leitura do literário não pode ser substituída pela leitura da informação diária rápida. Elas podem ser complementares. Grosso modo, a leitura do literário te dá profundidade, enquanto a da internet, do jornal, da revista te dá leitura de superfície. Conjugar essas modalidades pode trazer amplitude e profundidade ao leitor. A concentração para ler uma obra de 300 páginas traz benefícios que nenhuma parafernália multitarefas será capaz de dar. O foco e a reserva de “solidão solidária” que um livro proporciona serão importantes sempre.

A escola só conseguirá ser mais protagonista na formação do aluno leitor se o professor for, de fato, um leitor também. Pode parecer absurda de tão óbvia uma afirmação como essa, mas a gente ouve muito em curso de Jornalismo que os estudantes mal leem jornal. Na classe de professores não é muito diferente.

Quando eu dava aulas para o curso de Letras no Ensino Superior, os alunos – veja bem, alunos de Letras – resistiam à leitura, alguns até sob o argumento de que estavam fazendo Letras com habilitação em Inglês e que, portanto, dariam aula de inglês e não precisariam ficar lendo tanto. O professor que lê sabe do que está falando, e isso faz com que a gente se depare com outra situação: só sabe das vantagens de ser leitor aquele que é leitor. Então, como convencer um não leitor a ler se ele não experienciar isso? Sem essa vivência, nossa fala vira apenas blábláblá. Aí quem não lê e quer dizer que lê só sabe falar um monte de clichês meio bobos. Vem aquele papo de que ler é uma “sensação mágica”, “uma viagem”, “te dá uma coisa” (risos) etc. Como figura de linguagem, vá lá, mas repetir esses chavões e não conseguir mostrar o porquê da tal magia? Tem um trabalho intelectual aí que traz um prazer consistente. Você investe contra (ou com, ou em) um texto e sai dele com a certeza de que não é mais o mesmo porque você desbravou a linguagem e ela reverberou, ela provocou atritos com tua visão de mundo e, desse atrito, o leitor se modifica.
Como disse esses dias em outra entrevista, nós temos um mundo de certezas e incertezas dentro da gente. O livro também traz isso dentro dele e, desse atrito entre mundos, saímos diferentes, modificados de alguma forma justamente por causa de um jogo de estranhamentos e identificações. E muitas vezes nossas certezas desmoronam. Esse processo de investigação de linguagens é papel da escola. Mas não quero aqui dar uma de cabeçoide e me esquecer do prazer. É claro que o prazer está presente, mas não podemos aliciar o aluno dizendo a ele que ler é legal e que é mágico e que é puro prazer, como se fosse o mesmo prazer oco que a gente sente quando assiste a um filme banal.
Eu muitas vezes assisto a filmes banais. Dou umas risadas, fico apreensivo em alguns momentos, tiro sarro de algumas cenas e depois que o filme acaba saio praticamente igual, desligo a TV e nunca mais vou me lembrar daquele filme. Então aí nós temos um prazer bobinho, que não nos exigiu esforço. Não tenho nada contra esse prazer, mas a leitura é diferente, exige esforço, seja o esforço da solidão em um mundo que parece condenar os momentos solitários, seja o esforço de enfrentamento da linguagem. Mas e na hora de comparar a qualidade do prazer? Quem lê sabe o resultado dessa comparação.

E note que não estou querendo dar lição de moral, como se eu fosse um ser acima de tudo e ditasse as verdades do mundo. Tenho minhas grandes dificuldades: preguiça de começar, dificuldade de concentrar em um único foco (…). Então, falo isso por experiência própria e não como alguém que se acha e acha que é fácil fazer tudo isso que estou falando.

Toda essa enrolação de novo para dizer: a escola precisa ensinar o aluno a trabalhar, a se esforçar. Isso pode – e deve – começar com historinhas simples (não simplistas), mas o aluno precisa chegar lá nos 17 anos com uma bagagem capaz de fazer com que distinga prazeres conquistados de prazeres recebidos sem qualquer esforço. Que valor teria o diamante se ele desse em árvores (risos)? bem, não sei se a comparação é boa.

Outra coisa eu posso te dizer: falar aqui nessa entrevista o que deve ser feito é bem mais fácil do que chegar lá e fazer.

G Ideias: O vestibular e o Enem atrapalham muito o ensino de literatura na escola?

Se eu estivesse na comissão que elege os livros do vestibular da UFPR, por exemplo, talvez eu tivesse outra opinião, fosse convencido da lista que eles escolhem (sei que o pessoal lá é bom e sério), mas, aqui de fora, não me entra na cabeça por que tanto livro do século XIX para trás. Ou então bem do início do século XX. Tirando o Bosco Brasil, todos já estão mortos há mais de 30 anos (pensando na lista 2012). Entendo a necessidade de valorizar nossa história, de dialogar com a tradição, de conhecer alguns cânones da nossa literatura, mas não dava pra colocar uns 3 nomes representando os séculos XVII, XVIII e XIX, mais uns 3 modernistas, mais uns 3 contemporâneos “de verdade” e, sei lá, entre eles 1 paranaense? Aqui, de fora, não consigo entender. Acho que isso atrapalha. Ajuda a alimentar o imaginário de que literatura é um negócio velho, escrito por velhos que já se foram, que serviu para pensar um tempo que já passou e que hoje não tem nada que preste, nada que tenha algo a dizer para a sensibilidade contemporânea.

Além disso, muitos alunos já sabem que para fazer o teste não é preciso ler os livros. Uma aula com características da obra e da época mais um resumo completinho dão conta do recado e o aluno pode fazer a prova sem vivenciar a linguagem dela. Eu dizer que Dom Casmurro é a história de um cara que amava uma mulher, casou-se com ela depois de um pouco de dificuldade e foi tomado de ciúme ao desconfiar que o filho nascido não era dele está muito longe do que a obra é, com seus requintes de linguagem. E boa parte dos alunos faz isso: conhece a historinha. Contada assim, parece até história de novela das sete.

(…)

Outro problema é a profusão de listas. Se o aluno for fazer vestibular em 3 ou 4 instituições diferentes, ele pode acabar com uma lista de 30 livros para ler. Sabe quando ele vai fazer isso? Nunca. Talvez um em cem alunos faça isso.

Por outro lado, acho que a iniciativa de trocar o conteúdo de literatura, saindo da classificação das escolas literárias e indo para a leitura de obras específicas é um grande avanço. Só que a lista poderia ser mais arejada. Trabalham-se os gêneros (romance, conto, teatro, poesia) e isso é bem legal. Funciona com o aluno esforçado, que foi convencido pelo professor de que a leitura daquelas obras é de uma importância que vai além da prova. Eu costumava brincar fazendo a conta de que vinte páginas lidas por dia seriam suficientes para que dez obras pudessem ser lidas e, inclusive, relidas. Pegava as edições das obras, somava as páginas e dividia pelo número de dias que faltavam para o vestibular. E dava tempo até com certa folga. Minha incompreensão, enfim e sendo repetitivo, é com a escolha de autores. Tem que fazer a tradição dialogar com a contemporaneidade.

(…)
G Ideias: Depois de Harry Potter e da série Crepúsculo, os alunos mais jovens têm lido o quê? E os jovens que leram esses livros? Tornaram-se leitores?

Essa é uma boa pergunta. E quando digo que é uma boa pergunta é porque eu não tenho uma boa resposta. Gosto muito de perguntar isso para as pessoas da área, mas não de responder (risos).

Não sei se vale o raciocínio: ouvir sertanejo “universitário” vai te fazer mais tarde ouvir Mozart? Se valer a comparação, então podemos dizer: não há nada que mostre que o leitor de Harry Potter lerá obras mais elaboradas mais tarde. Ele pode cair numa fórmula e ficar prisioneiro dela, achando tudo que for diferente algo difícil e chato. Essa é uma maneira de ver a questão, e é a opinião também do Harold Bloom, que não é de se jogar fora.

Por outro lado, a própria prática da leitura – qualquer que seja – te obriga a um exercício mental e de imaginação que é infinitamente melhor do que ficar olhando para o teto. Então, entre não ler nada e ler coisas simples, com possibilidade – ainda que sem nenhuma garantia – de dar uns saltos de qualidade, fico com a segunda opção. Vamos deixar os adolescentes lerem todo o Harry Potter, toda a série Crepúsculo. Se, no entanto, estiverem lendo similares a isso quando tiverem 35, 40 anos… aí… sei lá.

Fonte:
Colaboração de Cezar Tridapalli. Disponível em http://midiaeducacao.com.br/?p=8320

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Cezar Tridapalli (Por Que "Ana Karenina" é um Clássico e "Anjos e Demônios" Não)

Para especialista, vencer a resistência a obras de maior qualidade leva o leitor a outro nível de compreensão, que foge do “bonitinho”, daquilo que “você já sabe, já pensou, já viu”

O tempo é curto e valioso. E o mercado literário está cheio de obras. E como “quem vê capa não vê conteúdo”, nada como algumas dicas para escolher bem e desfrutar. Com a palavra, Cezar Tridapalli, especialista em Leitura de Múltiplas Linguagens, mestre em Estudos Literários, co-editor da revista de educação Mediação, coordenador de Midiaeducação do Colégio Medianeira, tradutor, escritor e autor do romance Pequena biografia de desejos.

Sempre ouvimos falar dos livros “clássicos”. Essa classificação é informal ou existe alguma convenção oficial?

Existem de fato várias acepções do termo “clássico”. Uma delas diz respeito a um período histórico demarcado (a cultura greco-romana, o Renascimento…). Ou então àquilo que deve ser imitado, por ser um modelo do que há de melhor (a ideia de clássico no futebol, por exemplo). Esse “imitado” tem, por sua vez, várias nuances e assim a gente acaba entrando em um labirinto de sentidos para as palavras. Gosto de pensar no “clássico” como algo que é excepcionalmente interessante a ponto de, apesar de antigo – e só por isso mesmo –, vencer a barreira do tempo. Alguém já disse que o melhor crítico literário é o tempo.

Resumindo, daria para pensar assim: um livro se torna um clássico quando ele continua a fazer sentido e a habitar o imaginário individual e coletivo de várias gerações, em diferentes espaços e tempos. Ele não se esgota no seu tempo. Ele não fala apenas à sua comunidade. O autor de carne e osso se vai, mas a obra continua reverberando, com força sempre renovada, porque ainda toca os leitores, ainda tece a sua rede de referências, pensamentos e sensibilidade. Eis aí uma definição clássica de clássico. Como já dizia o ditado latino: Ars longa, vita breve. A vida material é curta, mas a vida simbólica, materializada em um livro clássico, se perpetua.

Como identificar um livro clássico? É possível afirmar que eles têm alguns “atributos”? Por que um livro como Ana Karenina é considerado clássico e Anjos e Demônios não?

Vamos pensar em Hamlet, de Shakespeare. Uma obra, certo? Dessa obra, quantas traduções já foram feitas para outras línguas? Quantas novas versões? E quantas vezes ela já foi representada, desde sua criação até hoje? Representações “fiéis”? Sim. Representações reinventadas, recriadas? Sim. E as versões para o cinema? Qual a diferença entre o “ser ou não ser: eis a questão” interpretada no cinema por Laurence Olivier e por Kenneth Branagh? Quantos ensaios, quantas teses? Enfim, a partir de uma obra, os seus sentidos se amplificam porque batem nas pessoas e ressoam. Em vez de encontrar uma parede, bater a cabeça e cair morta, a obra encontra um tecido poroso por onde transita e viaja de uma pessoa a outra e de uma sociedade a outra, seja ela contemporânea ou de uma geração vindoura. Mas, se uma obra não conseguir tratar com beleza (e aí inclusive o feio pode ser belo) valores humanos que transcendam uma ou duas gerações, corre o risco de ser um documento frio, de ter uma utilidade parecida com o jornal de notícias diárias. O tal prazo de validade expira com facilidade.

Voltando ao critério do tempo, fica fácil perceber por que, por exemplo, Ana Karenina é um clássico e Anjos e demônios não. Não posso cravar com absoluta certeza, mas eu apostaria no fato de que este último não se tornará um clássico. Entraríamos também na seara do bestseller e do longseller. Um estoura de tanto vender em um curto espaço de tempo e depois desaparece; outro pode não vender em quantidade exorbitante no momento da criação, mas está sempre ganhando reedições, vendendo sempre mesmo com o passar dos anos. Shakespeare vende sempre, Machado [de Assis] vende sempre… a lista é grande. Em uma escala de tempo menor, é o mesmo raciocínio que se aplica quando usamos expressões como “clássicos do rock”. São bandas que já sumiram fisicamente, mas ainda têm legiões de fãs, pois suas canções permaneceram porque ainda falam à sensibilidade de pessoas suficientes para “canonizar” uma música, um álbum, uma banda.

Por que ler os clássicos?

O Italo Calvino tem um livro exatamente com esse nome (Por que ler os clássicos). Ler um clássico nos mostra que, por meio da palavra – essa substância simbólica estranha, capaz de “materializar” na nossa mente o que nela entrou como simples abstração, signo arbitrário –, podemos compartilhar experiências com as quais nos identificamos ou, de efeito até mais pungente, as quais estranhamos.

Eu sou um indivíduo e, no sentido estrito do termo, sou indivisível, só posso estar comigo mesmo o tempo todo. Como sair ou ampliar esse ponto da minha vista, ou essa vista do meu ponto? Como fazer com que esse eu inevitável e que não consegue estar em vários lugares ao mesmo tempo se expanda e se (me) surpreenda? Se sou singular, como me enriquecer de pluralidades e me tornar menos limitado, menos fundamentalista, mais aberto a aprender com a experiência do outro? Isso é bastante possível com a literatura contemporânea também, não tenho dúvidas disso, mas o que impressiona no clássico é essa capacidade de não se esgotar, de ainda conseguir dizer e se reinventar em um meio com visões de mundo diferentes de quando a obra foi originalmente escrita.

A gente sabe que não apenas retiramos sentidos de um texto, mas também colocamos sentidos nossos. E o clássico é capaz de nos dar abertura para ainda nos projetarmos nele, não se apagando no tempo, mas, ao contrário, se alimentando desse tempo como um canibal que devora o inimigo para roubar-lhe as forças.

Você desaconselharia ler algum tipo de livro? Por quê?

Se eu fosse dar uma opinião olhando apenas a partir da minha lente, eu desaconselharia, sim. Há muita literatura que julgo ruim e nociva, que apenas reforça preconceitos, nos acomoda, nos domestica e não inquieta. A inquietação é importante para nos movermos, para movermos a roda do nosso mundo, tenha ele a amplitude que tiver.

Ninguém garante que ler os tais livros de autoajuda vá levar o leitor a dar saltos para obras mais elaboradas. Mas, assim como há bons argumentos contra ler qualquer tipo de livro, também há bons argumentos a favor. Quem disse que o meu filtro é o verdadeiro, único e real? Como posso ser pretensioso a ponto de achar que algo que não me acrescenta será lido da mesma forma por qualquer outro leitor?

Entrevistei recentemente o escritor Miguel Sanches Neto e fiz uma pergunta bem parecida. Ele usou um termo que me pareceu bastante apropriado: a frequência literária. Algumas obras atuam em uma frequência literária menor, exigem menos; outras trabalham com uma frequência maior, oferecem mais ao leitor, desde uma linguagem mais trabalhada até imagens e modos inusitados e muito renovados de ver o mundo. E ele finaliza: entre ler um livro ruim e não ler, é melhor ler um livro ruim. Isso tem a ver também com a própria atividade em si da leitura, que exige concentração em um mundo que quer nos dispersar o tempo todo. Ela nos dá reservas de solidão que nos despertam para outros diálogos, mais internos – mas que podem inclusive nos fazer reavaliar nossa relação com o mundo externo.

Para aqueles que não têm hábito de leitura, como não se deixar levar pela preguiça de abrir um livro? É mais fácil começar por livros mais fáceis? Você tem alguma sugestão?

Essa também é uma bela controvérsia, pois não funciona da mesma maneira com todo mundo. Eu comecei a ler por causa de leitura obrigatória na escola, na 5ª. série (fomos “obrigados” a ler 16 títulos). Para mim, foi excelente; mas sei que muitos acham que a obrigatoriedade é o caminho para a morte do leitor. E pode ser mesmo.

Pensando em questões bem práticas, há também dicas “clássicas” de como ler: um lugar bem iluminado, não muito nem pouco confortável, com um nível de barulho e ruído pequeno. Um lápis ao alcance da mão pode ser bacana, nem que seja apenas para grifar passagens bonitas, ou para pequenos comentários ao pé da página ou ainda em um caderninho de anotações, que podem servir para copiar trechos dos quais o leitor gostou ou derivar para pequenos textos, que partem do livro lido, mas que vão ganhando autonomia… e assim vai. Aos poucos, o leitor vai escrevendo também.

E insistência. Em um universo de livros que tende ao infinito, é impossível que nenhuma obra agrade. Pode acontecer de o leitor não gostar da primeira, da segunda, da terceira, mas quando encontrar um livro que o fisgue, aí vai começar a entender por que é que tanta gente fica nesse blábláblá da leitura como algo fundamental na vida. Enquanto não for fisgado, todo o entorno é mera conversa mole, parte de alguma conspiração de uma sociedade secreta cujo objetivo é chatear as pessoas com livros.

Outra coisa importante: não se curvar aos chamados clássicos só porque alguém disse que são clássicos. Mas a modéstia é outra face importante da mesma moeda: se um autor parecer incompreensível, antes de xingá-lo, vamos procurar entendê-lo. Se é considerado um clássico, algum motivo pode haver. Assim, num exercício de humildade, quem sabe não somos nós, leitores, que ainda não conseguimos a tal frequência literária que dará condições de ler aquela obra? Ler mais tarde, passados alguns anos, pode ser boa ideia, para tirar a prova. Se o leitor entender enfim qual é a do autor e da obra, aí, sim, pode ficar à vontade para amar, odiar ou mesmo ser indiferente.

Mas temos um complicador: no Brasil, nossa incapacidade de compreender enunciados básicos da Língua Portuguesa nos deixa reféns de uma imaturidade linguística que compromete demais a nossa interpretação dos textos e do mundo. Assim, o texto um pouco mais longo ou levemente retorcido leva o leitor a se afastar, a ver aquilo como algo tedioso. Como se resolve isso? Só lendo. Se uma vacina consiste, grosso modo, em injetar o próprio veneno ou vírus dentro do corpo, a dificuldade da leitura só vai ser superada com a introjeção da leitura como prática sistemática. Uma espécie de reverso da vacina: em vez de criar imunidade ao vírus da leitura, queremos perdê-la, queremos que a doença pegue.

Você poderia sugerir alguns livros clássicos ou de outro estilo que possam contribuir para o hábito de ler?

Há uma quantidade muito grande de títulos. Vou ficar com os autores clássicos, apenas, para não abrir demais. As tragédias gregas devem estar presentes: Édipo Rei e Antígona, de Sófocles, são bons exemplos.

As comédias são outras boas portas de entrada, pois não sei que falha na nossa formação (ou é só comigo?) associa o que é antigo a algo sério, sem senso de humor, uma vida sisuda em preto e branco. Para provar o contrário, interessante ler os surpreendentes Decameron, do Giovanni Boccaccio (mas cuidado!), Escola de mulheres, do Molière, ou mesmo, anteriormente, as peças do grego Aristófanes. Impressiona o senso de humor agudo, daquele tipo que faz jus à ideia de que “rindo, criticamos os costumes”, com o qual aprendemos a não cultivar as mesmas mesquinharias dos personagens. Lanço o desafio ao leitor: pegue uma dessas comédias e diga depois se não achou interessante.

Gosto muito dos russos, principalmente Dostoievski, que me marcou principalmente com o seu Crime e Castigo. Há uma comédia de costumes desse autor, menos conhecida, que se chama A aldeia de Stiepântchicov e seus habitantes, que é uma delícia.

Felizmente, também estamos bem servidos no Brasil. O leitor jovem deve dar uma chance ao Machado de Assis, que é nosso grande autor (ou um deles, certamente). Não se deve ler o Machado como se ele fosse impenetrável e seriíssimo. Desconfiar da sua seriedade é salutar, e um caminho para refinar a leitura e compreender a ironia, esse recurso da linguagem tão requintado quanto mal compreendido. Quando começar a perceber que ele é um grande zombeteiro, irônico e divertido, o leitor estará entrando no tal “universo machadiano”. Ler Graciliano Ramos e Guimarães Rosa me parece bem importante para entender a nossa literatura. Claro que há outros.

Mas eles exigem de nós. Essa exigência nos faz pensar em outro ponto bem importante: não podemos ter a ilusão de que ler é “puro prazer”, como se não exigisse nada da gente. Isso é muitas vezes propaganda enganosa. Como todo bom prazer, ele exige, e é isso que o faz ter uma função formativa. Então, importante colocar na cabeça: ler é uma prática que exige algum nível de esforço, concentração e disposição para enfrentar algumas matas cerradas. Mas vencer um caminho desses faz o leitor sair do outro lado com um nível de compreensão e maturidade linguística diferente daquele que consiste em atravessar um caminho fácil, simples, apenas bonitinho, que mostra o que você já sabe, já pensou, já viu.

Fazer listas é sempre uma temeridade e tem gente que fica sinceramente revoltada por pensar nas obras que ficaram de fora. Grandes autores já fizeram suas listas e foram malhados por isso. Então, por favor, esses são apenas os meus top of mind, escolhidos em 5 minutos. Cartas de repúdio, por favor, encaminhem para a redação do jornal.

Fonte:
Gazeta do Povo. 21 de novembro de 2011.

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Altino Caixeta de Castro (entrevistado por Maria Esther Maciel)


A história de um poeta é também a de suas perplexidades. E se uso a palavra perplexidades é por pensar nos vários sentidos que ela deflagra, como espanto, assombro, emaranhamento das certezas, dúvida, enredamento, irresolução e sinuosidade de caminhos, todos eles configurando-se como elementos também intrínsecos ao processo de criação poética. Borges externou essa consciência da perplexidade em uma breve conferência que fez sobre “o enigma da poesia”, ao dizer que diante de cada página em branco que encontrava tinha de redescobrir a literatura para si mesmo. Drummond vislumbrou na clareza e na claridade o mesmo enigma. Já Pessoa converteu sua perplexidade em um processo intrincado de ficcionalização do eu e do próprio ato de criação, correspondendo, assim, aos sentidos da palavra latina “perplexio, onis” (perplexão), que apontam, curiosamente, para “fingimento, dissimulação, refolho, dobra.

O poeta mineiro Altino Caixeta de Castro (Patos de Minas, 1916-1996), autor de Cidadela da rosa – confissão da flor (1980), Diário da Rosa Errância e Prosoemas (1989) e Sementes de sol (2004), ao também explorar as inquietudes do poeta perplexo diante de tudo, optou pela palavra espanto, construindo a partir dela toda uma poética. Não por acaso designou o poeta de “pastor do espanto” e forjou a partir dessa imagem sua própria persona poética. Mas não se ateve apenas à dimensão filosófica, existencial, da idéia de espanto – à qual associou todo um referencial ontológico de feição heideggeriana, mas redimensionou-a pela força da imaginação e nela imprimiu um traço lúdico, advindo do sentido de “maravilhamento” que a própria palavra espanto contém. Espantar-se é também maravilhar-se diante de algo. E esse algo para o “pastor” Altino Caixeta é a linguagem e todas as suas potencialidades de jogo. E o que é o maravilhar-se senão o deixar-se seduzir? Na poesia altiniana a sedução do poeta pelas palavras é explícita e se faz ver não apenas na forma como brinca com elas e delas se faz brinquedo, como também no processo de erotização do fazer poético. Uma espécie de libido scribendi perpassa o ato de criação do poeta, seduzido que sempre esteve pela força corporal, tátil, sonora, visual da escritura. Isso se dá a ver de maneira explícita no poema “A palavra ousada”, do livro Cidadela da rosa – com fissão da flor, onde se lê:

que coisa mais misteriosa é a palavra,
principalmente, o substantivo movido
pelo verbo. eu posso dizer: eu moro
nos subúrbios soberbos de uberaba. eu
moro nos subúrbios soberbos de teu
umbigo. eu moro nos subúrbios soberbos
de teus ombros. eu moro nos subúrbios
soberbos dos teus lábios. entretanto,
eu não moro, mas eu ouso dizer: que
coisa mais misteriosa é minha prosa
movida pelo moinho de vento soberbo de
teu verbo.

Altino sabe que as palavras podem deflagrar realidades imprevistas, fingir um mundo que não existe senão apenas dentro delas ou partir delas. Como Pessoa, sua perplexidade se “irresolve” na consciência de que é possível tanto sentir com a imaginação quanto escrever pelos sentidos o que a razão não entende. Mas seu pastoreio é menos o ato de conduzir e/ou vigiar a linguagem – como fazem os pastores de cabras e ovelhas – do que o ato de pastorejá-la, uma vez que o verbo “pastorejar”, relacionado ao pastorear, aponta sobretudo para a ação de fazer a corte, cortejar.

A entrevista que se segue, gravada no início de 1990, na casa do poeta em Patos de Minas, traz em viva voz esse espanto – transfigurado em “maravilhamento” – de Altino Caixeta de Castro diante da poesia. Nela, ele fala de sua descoberta do verso, do pastoreio das cabras e das palavras, da rosa como metáfora do poema, da beleza, da mulher, do artesanato da forma e do “transe” necessário ao fazer da escritura. Com humor e erudição, cita poetas, filósofos e críticos de vários tempos e tradições, declama versos seus e alheios, brinca e se deslumbra com suas próprias perplexidades de poeta. [M.E.M.]

MEM – Como se deu para você a descoberta da poesia?

ACC – Minha história de poeta é muito triste, pois descobri a poesia no pessimismo existencial de Augusto de Anjos. Quando eu era criança, de cabeça raspada e pés descalços, vivendo na fazenda Campo da Onça, decorei, pela primeira vez, um poema que vi em um almanaque. Era aquele soneto de Augusto dos Anjos, que diz assim: “…o homem que é triste/Para todos os séculos existe/ E nunca mais seu pesar se apaga!” Eu tinha entre 7 e 9 anos de idade. Ou melhor, não tinha idade. Creio que daí venham certos ressaibos – filosóficos, talvez – da poesia de Augusto dos Anjos em minha poesia.

MEM – Mas você continua sendo um poeta sem idade, por trazer todos os tempos possíveis (e impossíveis) em sua poesia…

ACC – Uma vez fiz para uma menina um verso de circunstância – isso, antes que o Manuel Bandeira colocasse em voga a idéia do poeta de circunstância – que dizia assim: “Eu não preciso do tempo / porque sou eterno / Necessito apenas / dos mínimos espaços / que demoram / entre mim e seus braços”. Meu destempos, meus dez tempos são minha eternidade provisória.

MEM – Sem dúvida, o signo mais recorrente em sua poesia é a palavra rosa. Como você explicaria esse signo?

ACC – Como dizia Gertrude Stein, uma rosa é uma rosa é uma rosa. É bastante interessante esse poema, porque nele a poetisa toca uma questão da semiologia moderna. Ela antecipa o livro O sistema dos objetos, de Jean Baudrillard. Ela, sem querer, fez uma semiologia do objeto rosa. Aliás, a rosa é o arquétipo da coisa, como diz o Borges. Borges, na verdade, buscou essa imagem em Crátilo, personagem de Platão. Tanto é que tenho um poema em que rimo “rosa” com “coisa”. Uma semi-rima sutilíssima, nunca usada nem pela Cecília Meireles ou pelo Guilherme de Almeida, que era um mestre das semi-rimas.

MEM – A rosa seria, em sua obra, uma metáfora do poema e uma metonímia da prosa?

ACC – Pode ser. Mas quando a rosa me chegou, eu não pensei nisso. Só muitos anos depois é que soube dessa parolagem. Minha mãe plantava rosas em torno de nossa casa. E minha poética é muito ligada à minha mãe. Acho que por causa dela fiquei muito impregnado pelo sentido da rosa. A vida inteira. Mais tarde descobri que a rosa era um símbolo difícil, mesmo para a poética. Descobri, mais teimei no símbolo.

A rosa tem também uma dimensão filosófica, de feição heideggeriana, em seus poemas, apontando para a imagem da “morada do ser”. E mesmo mística, se pensarmos na idéia da mandala que se faz presente no livro Cidadela da Rosa: com fissão da flor.

Isso me lembra um poema que está no livro O diário da rosa errância: “Mandá-la para Vênus./ Mandá-la para Eros./ Mandá-la para Deus./Mandala do mistério.” Mas é verdade, a minha rosa é metafísica. Mas a imagem da “morada” eu debito a Gaston Bachelard, que escreveu aquele livro lindo, A poética do espaço. Coloquei muitas moradas em minha poética, metaforizei várias vezes a morada dentro de meus poemas. E a rosa ficou sendo a morada essencial. Já Heidegger foi o filósofo-poeta que mais influenciou minha concepção da poesia moderna. Para ele, o “poeta é o pastor do ser” e a poesia é “a realização do ser pela palavra”. Isso me chamou muito a atenção. Tanto é que meu primeiro livro ia se chamar Pastor de sonhos – isso, trinta ou quarenta anos atrás.

MEM – E por que você optou pela imagem do “pastor do espanto” para definir o trabalho do poeta?

ACC – É o mesmo pastoreio. Na minha poesia, como eu disse, minha mãe é sempre a presença essencial. Coisa que os críticos em geral não percebem. Aliás, em se tratando de crítica, prefiro aquela que é feita pelos poetas-críticos. Como Eliot e Pound. Eles são melhores do que os outros, pois conseguem surpreender muito mais a poesia dos poetas. Mas como eu estava dizendo, minha mãe tinha, na fazenda, um rebanho de carneiros que eram dela. E meu pastoralismo passou por minha mãe antes de chegar aos meus poemas e antes que eu descobrisse Heidegger e seu pastoreio do ser. Tenho uma “Coroa de sonetos para uma cabra”, ou seja, catorze sonetos sobre a cabra, que não era cabra na verdade, mas uma metáfora. Não sei se você sabe, mas nasci de 7 meses e minha mãe não tinha leite, ainda não estava ainda preparada “galacticamente” (risos). E assim tive que ser amamentado por uma bela cabrita – uma mulher morena-escura, quase negra. Sequei o leite da cabrita. (risos) Aí minha mãe arranjou uma cabra de verdade para mim. Mamei, literalmente, nessa cabra, aos 2 ou 3 anos de idade. Tudo isso ficou impregnado na minha lembrança, no meu sensorialismo: os carneiros de minha mãe, que ela mandava tosquiar para tecer a lã, a cabrita morena que me amamentou quando nasci e a cabra de verdade que veio depois.

MEM – Realmente, as imagens relacionadas a essas reminiscências sensoriais estão muito presentes na sua poética. As cabras, os carneiros, os pastos, o leite, os seios, a boca, o beijo, o ato de mamar são recorrências explícitas. Algo da ordem da oralidade, no sentido psicanalítico do termo, não? Se bem que a oralidade, do ponto de vista lingüístico, também é uma das linhas de força de sua poética.

ACC – Isso está no meu poema “Soneto em limbos”: Mamar na luz que vem das nebulosas,/Dar pojo no mistério das estrelas,/Depois lamber os úberes redondos/ Da ovelha fulva ou ser lambido em limbos. Aí eu já estava “adulterizado” e usei as leituras que eu tinha da psicanálise de Freud. Aliás, não sei se você já reparou, mas esse é um soneto branco, sem rimas. Só tem ressonâncias internas. Como fazem os ingleses. Os poetas ingleses quase não rimam nas pontas. E não rimar nas pontas torna, muitas vezes, o poema mais bonito, pela força das aliterações e sonoridades internas. E por falar em psicanálise, costumo citar com freqüência um fragmento de Lacan – “o inconsciente é o discurso do Outro” – que, de certa forma, influenciou o primeiro poema do Cidadela da Rosa, intitulado “Discurso”. Os críticos costumam elogiar esse poema. Affonso Romano de Sant’Anna, por exemplo, que é um bom poeta e escreveu um livro sobre Drummond, ficou surpreso porque eu dediquei o “Discurso” a Michel Foucault, Roland Barthes e Julia Kristeva. Um caipira do interior de Minas escrevendo uma dedicatória pedante aos grandes nomes da filosofia contemporânea! – ele deve ter pensado. Na verdade, escrevi esse poema em um espaço em branco de um livro de Foucault. Os críticos gostaram, ficaram impressionados.

MEM – O que você pensa sobre esses críticos e filósofos franceses?

ACC – Já li muito da literatura francesa. Sobretudo Sartre, Baudelaire e Camus. Acho inclusive que o pessimismo artificial que tenho, que não é o de Augusto dos Anjos, ao contrário do que pensam, foi muito influenciado pela filosofia de Sartre, mais do que pela obra de Camus. Tenho um poema no livro A cidadela da rosa, mais ou menos inspirado no pessimismo sartreano. Aliás, nessa minha sonetilha houve um erro tipográfico e o verso ficou melhor. Mas não foi o erro de Malherbe. Você sabe qual foi o erro de Malherbe? Minha filha chama-se Roselle. Malherbe, poeta francês do século XVI, escreveu mais ou menos isto: “rosa, ela viveu o que vivem as rosas… o espaço de uma manhã”. Mas o tipógrafo errou na grafia. Ao invés de “Et Rose, elle”, colocou “Et Rosaelle. Ficou mais bonito. Esse foi o nome que dei à minha filha, Roselle. No dia de batizar minha filha, consultei o Grand Larousse e vi que “roselle” era um pássaro canoro existente na França. E minha filha gosta muito do nome. Mas voltando à sua pergunta, fiquei muito deslumbrado com a escritura de Barthes, quando li pela primeira vez o livro Fragmentos de um discurso amoroso. Muito do Diário da rosa errância está ali. Bebi no prazer do texto. Barthes era um poeta, um grande poeta da escritura. Você sabia que ele morreu atropelado porque atravessava a rua distraído, lendo o Cidadela da rosa? (risos). Já o Foucault não era poeta, mas escrevia muito bem. Li As palavras e as coisas umas três vezes quando morava em Brasília.

MEM – Você tem uma habilidade impressionante para lidar com as palavras. Ou melhor, uma volúpia pelas palavras e suas múltiplas possibilidades sonoras, visuais e semânticas…

ACC – Eu tenho e sempre tive uma volúpia pela palavra. Geralmente, ela me seduz primeiro pela sonoridade. O som de uma palavra sempre me leva a outras palavras que me levam a outras pela força dos ecos, das paronomásias, das assonâncias, das ressonâncias. E muitas vezes ou mais de uma vez, uma palavra me desviou da métrica. No meu livro deve ter no máximo uns cinco versos alexandrinos, porque eu sempre me dediquei mais aos decassílabos. E meus decassílabos são – perdoe a modéstia – muito bem feitos, com cesura e tudo mais. Só tenho um verso decassílabo feito para minha mãe que não pude corrigir. É um endecassílabo: Única mulher que quero ver no céu. Tudo por causa da palavra única. Eu poderia ter colocado “Prima mulher”, mas não encaixava. E eu queria mesmo era “única”, não apenas porque era o vocábulo que dizia mais precisamente o que eu queria dizer, mas pela beleza do proparoxítono.

MEM – Você é um poeta que ama a beleza e que faz dela o tema privilegiado de vários poemas. O que é o belo para você?

ACC – O que sempre me encanta na vida e na poesia é a mulher. Nela está a beleza que me sensibiliza. A beleza que me estremece. Veja o “Soneto do Belo”, que dediquei a um amigo meu que é cirurgião plástico em Belo Horizonte e a quem chamei de “o esteta da plástica impossível”, pois ele tenta construir artificialmente a beleza que já existe na mulher. O poema diz assim: Da essência da beleza me alimento, / De seu mistério sempre me estremeço, / como poeta, às vezes, reconheço / que a beleza é maior que o pensamento. Nesse soneto eu roubei um pouquinho de Schiller. Penso que a paródia é grosseira, mas paráfrase é aceitável, é boa. E todos os poetas parafraseiam. Os poetas não criam, nós imitamos no inventado. Quem cria é Deus, que tira do nada.

MEM – É exatamente isso que atravessa aquele seu poema “Por que vim”, no qual você afirma: “Não vim para dizer. Se cheguei tarde / não vim para dizer./ Cheguei tarde porque tudo está falado.” A consciência de que cabe ao poeta inventar no inventado.

ACC – É, e você replicou esse poema em um poema muito bonito que dedicou a mim em seu livro Dos haveres do corpo. Mas eu nunca estive de acordo com você, poetisa. Aliás, prefiro chamar as mulheres de poetisas. Acho machismo chamar uma mulher de poeta….

MEM – Hoje eu talvez não fizesse mais aquela réplica, por entender melhor agora o seu poema… Mas continuemos nossa conversa: você já incursionou alguma vez no romance? O exercício da narrativa o atrai?

ACC – Nunca gostei de romance. Gosto de fazer o anti-romance. Quando eu morava em Brasília escrevi umas 70 páginas de um anti-romance que intitulei Cibernéias, uma parafernália da prosa, tudo empolado. Eu empolo a linguagem, as personagens, as minhas referências culturais, tudo. Um texto completamente barroco. Outro dia eu li o romance O nome da rosa, de Umberto Eco. Também uma parafernália, só que uma parafernália semiótica. Fiquei interessado no livro por causa da minha temática da rosa e por já conhecer Umberto Eco como crítico. E foi uma surpresa ver que ele é também um grande romancista. Tanto o é que as primeiras páginas de O nome da rosa – e isso foi observado no mundo inteiro – não agradam aos leitores de romance. Isso acontece com Os sertões de Euclides da Cunha. Umas quinze páginas que são uma beleza e uma prova de fogo para o leitor. No caso do livro do Umberto Eco, as primeiras páginas são melhores que o romance inteiro, porque nelas o romance ainda não começou (risos).

MEM – Voltando à poesia, qual é a sua concepção do fazer poético? Para você, a criação poética é um trabalho de transpiração, de inspiração, de respiração ou de transe? Ou é tudo isso ao mesmo tempo?

ACC – Acho que poesia é fazer. A própria etimologia da palavra diz isso. Mas o fazer poético tem também essa coisa grande, misteriosa, que é o transe. Que está lá no Fedro de Platão: o daimon. O poeta é um “daimoniado”. Um diabo no meio do redemoinho, como diz o Guimarães Rosa. Aliás, o Guimarães Rosa é também um grande poeta. O Grande Sertão Veredas, para mim, não é só um romance. É também um poema épico magnífico. Nele o daimon não está separado do fazer, do artesanato. Penso que todo poeta deve superar o artesão. Mas o artesanato é sempre importante. João Cabral, por exemplo, o poeta da “Educação pela pedra”, lavra o poema. Eu o comparo a Francis Ponge. Ele lavra o poema-objeto. Ele vai além da semiótica de Peirce. E ele consegue ultrapassar o artesão, mesmo que não admita isso. O poeta que não supera o artesão não é poeta. Existe aquela história do sujeito que estava lavrando tanto a pedra para construir uma estátua, usando com tanto vigor o camartelo e o cinzel, que a pedra virou pó. O poeta que acredita no artesanato puro e continua enxugando o poema corre o risco de transformar em pó a poesia. Alguns poetas de hoje, que fazem o culto do poema enxuto, concreto, têm, a meu ver, um quê de parnasianos. Por outro lado, acho que eles têm o lado lúdico do trocadilho, do desmembramento do vocábulo, que me agrada muito. Mas a filosofia deles está um pouco para aquilo que o Bilac coloca naquele soneto, que diz: “Quero que a estrofe cristalina, /Dobrada ao jeito/ Do ourives, saia da oficina/ Sem um defeito.” São versos de uma grande modernidade, não acha? Um culto da forma, tal como se vê hoje. Mas antes dele, Álvares de Azevedo, poeta romântico que morreu muito moço, já escrevera: “Se a estátua não saiu como pretendo/Quebro-a mas nunca seu metal emendo.” Mentira dele, pois ele emendava sim. Mas foi um grande poeta.

MEM – E a idéia de que o silêncio seria o espaço por excelência da poesia?

ACC – É, essa idéia é boa. É o que chamei de “zero absurdo”. Mas você não pode eliminar o som da poesia, a letra, a forma. O silêncio faz parte das palavras.

MEM – Qual é, para você, o papel da crítica de poesia?

ACC – Sempre fui desconfiado dos críticos. Tanto, que eu não quis para meu livro uma apresentação. E poderia ter pedido um prefácio ao Oswaldino Marques, aquele poeta que mora em Brasília e que escreveu um estudo sobre a poesia de Cassiano Ricardo. Mas preferi escrever o meu próprio exórdio, o “Topos exordial do inédito”. Prefiro eu mesmo fazer minha autocrítica. Como eu já disse, em se tratando de crítica, prefiro a crítica feita pelos poetas. Foi o T.S. Eliot que deu o grande golpe na crítica acadêmica com o seu New Criticism.

MEM – Você acredita, como Octavio Paz, que a poesia moderna está sob o signo da “paixão crítica”?

ACC – Um poeta invejável, o Octavio Paz. Eu o conheci pessoalmente, fazendo uma conferência sobre poesia em Brasília. Mas sabe o que aconteceu comigo? Não tolerei a conferência dele, pois ele só falava coisas que eu já sabia. (risos) Saí no meio. Isso aconteceu também com uma conferência do Hernâni Cidade, sobre Fernando Pessoa. Ele começou a falar da vida particular do Pessoa. Eu, que estava esperando uma conferência sobre os aspectos filosóficos de Pessoa, sobretudo o seu existencialismo, preferi ir embora. Mas acho que o que realmente marca a poesia moderna é a estranheza, não a crítica. O poeta moderno é um estranho na e à sociedade. Octavio Paz tratou disso melhor do que ninguém.

MEM – Vamos falar um pouco sobre o Diário da rosa errância e prosoemas? O que o levou a escrever um livro de prosa poética?

ACC – Nada me levou ao livro. Foi tudo circunstancial. Eu nem sabia que tinha escrito esse livro, sinceramente. Acho que eu o escrevi em uma semana, em Belo Horizonte, em 1985. Do jeito que eu sempre gostei de escrever: nas páginas brancas de um livro. No caso, um livro de Roland Barthes. Depois passei a limpo. Minha mulher, Alfa, e Roselle, minha filha jornalista, que adoram adular os meus neurônios, me estimularam a publicar o livro. Resolvi entregar também para minha filha a série de 200 prosoemas intitulada “A minha deslumbrada”, para ela selecionar alguns. Ela selecionou 93. E engraçado você ter dito, um dia, que esses textos tinham algo do surrealismo. Eu já tinha, naturalmente, lido André Breton nessa época. Mas meu surrealismo no livro foi inconsciente. O que me inspirou mesmo – e aqui me refiro aos Prosoemas, que estão no final do livro – foi o trabalho dos pintores italianos, em especial de Fra Angelico, Leonardo da Vinci e Michelangelo. El Greco também me influenciou. Já no Diário da rosa errância, retomo a temática da rosa. Mas fiz aí uma coisa que nunca tinha feito antes: escrevi textos em prosa com frases curtas, concisas, nas quais a palavra vai puxando a palavra. Lembro que minha filha me falou: pai, esse livro está muito erótico! E respondi que não tinha importância, porque meu erotismo não tem “pornéia” (risos).

MEM – Mas a sua poesia é essencialmente erótica, mesmo em Cidadela da Rosa. É uma poesia que, além de ter uma volúpia pela palavra e de explorar as múltiplas possibilidades sensoriais, corporais da linguagem, aborda, com freqüência, uma temática voltada para o amor, o corpo, a mulher.

ACC – Pois é. Tenho um soneto em versos alexandrinos, chamado “Perpétua”. Todo simbolista. E o que me levou a escrever o poema foi exatamente a palavra “Perpétua”, que me seduziu. Sou um seduzido pelas palavras. São elas que me erotizam no poema.

MEM – Como você vê a poesia contemporânea no Brasil?

ACC – Não vejo nada. Além de João Cabral, não existe nenhum grande poeta no Brasil hoje.

MEM – Você poderia falar um pouco sobre sua formação? É realmente impressionante a sua erudição, a sua história de leituras nos mais variados campos do saber.

ACC – Sou um autodidata no campo das Letras. Cursei Farmácia e Bioquímica, mas não fiz nenhum curso na área de Humanidades. No meu tempo, tudo era mais limitado. Não havia as escolas de Filosofia que existem hoje. Talvez eu devesse ter escolhido o Direito, que é mais próximo da Literatura. Mas eu sempre li de tudo. Só não li muitos romances. Apenas alguns clássicos. Li muita Geografia, Filosofia, Química, História, Biologia. Os livros de ciências são tão importantes para a poesia quanto os de literatura. Goethe, por exemplo, era um cientista. Ele escreveu uma tese sobre as cores e pôs muito da sabedoria científica dentro dos seus versos. Eu não quero me comparar a Goethe, pois é impossível fazer uma comparação dessas, mas eu coloquei muito de minha sabedoria esparsa, vinda do campo das ciências, dentro de meus poemas. Sem querer, sem saber. Inconscientemente. Aquele poema mesmo, o “Discurso”, que está na Cidadela, foi escrito dentro do livro Arqueologia do Saber, do Michel Foucault. A arqueologia me atrai até hoje.

MEM – Mas você é um arqueólogo das palavras, que sabe “escavar o palimpsesto do que te resta”…

ACC – Pode ser. Mas para meter a pá no entulho do sexo para desenterrar ninhos… (risos)

MEM – Você é também um poeta que ama as mulheres, que elege musas para seus poemas. O que tem a dizer sobre isso?

ACC – Vinícius de Moraes dizia: As feias que me perdoem, mas a beleza é fundamental. Mas não é bem assim. Às vezes basta que uma mulher tenha um belo nome. Ou uma pinta no nariz. Ou olhos de cabrita assustada, no espanto de ser. Ou mágoas de Flor-Bela. A mulher é necessária ao poeta. Ela é – vou usar aqui um neologismo – uma “ademarragem” para o poema. Mas a química, a filosofia, a física, a arte também são. A mulher não é a única musa do poeta. Uma vez fiz uns versos inspirados na poesia surrealista de Murilo Mendes, que dizem mais ou menos assim: os carneiros esgrimam o enigma dos chifres / as mulheres esgrimam o enigma das lágrimas. Aliás, tenho em um caderno várias frases surrealistas que fui anotando aos poucos. Uma delas é: A tua simpatia (de pathos) passeia primaveras em meu rosto. A outra: Atingido de azul, trapaceio com as palavras a claridade de um anjo. E tem uma outra, que fiz para uma menina de 17 anos, que me mostrou uns poemas que havia escrito: Anjo isósceles, com inspiração para agarrar o azul. Foi daí que tirei para o meu futuro livro o título Inspiração para agarrar o azul. Um livro que talvez eu nunca escreva, mas que já existe.
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Maria Esther Maciel (Brasil, 1963). Poeta, ensaísta. Autora de livros como A lição do fogo (1998), A memória das coisas (2004) e O livro de Zenóbia (2004). Entrevista originalmente publicada na revista Alpha (Patos de Minas, UNIPAM, 2002).

Fonte:
in
Altino Caixeta de Castro: do espanto da palavra e outras perplexidades
Agulha Revista de Cultura Nº 46 – Fortaleza/São paulo – julho de 2005
Entrevista obtida em Do Próprio Bolso

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Maria Elizabeth G. de Vasconcellos (Contos de Fada: Nossos Medos e Nossos Sonhos)

As fadas… eu creio nelas! Umas são moças e belas, Outras, velhas de pasmar… […] Quem as ofende…cautela! A mais risonha, a mais bela, Torna-se logo tão má, Tão cruel, tão vingativa! É inimiga agressiva, É serpente que ali está!
Antero de Quental

Quando se fala de contos de fada, três nomes da literatura vêm à baila: Charles Perrault, os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Mas afinal, quais as marcas que fazem a atemporalidade dessas narrativas? Por que elas constituem eternos e sedutores convites à leitura e à releitura? Que sonhos e utopias nelas se inscrevem? Quando se fala de contos de fada, três nomes da literatura vêm à baila: Charles Perrault, os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Mas afinal, quais as marcas que fazem a atemporalidade dessas narrativas? Por que elas constituem eternos e sedutores convites à leitura e à releitura? Que sonhos e utopias nelas se inscrevem?

Comecemos por afirmar que uma das principais marcas que ali circulam é o medo. Os nossos e eternos medos, quer individuais, quer coletivos. E aqui vale lembrar Jean Delumeau, na obra da História do medo no ocidente: …. não só os indivíduos tomados isoladamente, mas também as coletividades e as próprias civilizações estão comprometidos num diálogo permanente com o medo. [1]

Vivendo, portanto, assolado pelo medo, o homem procura uma compensação que o liberte dessa agonia.

É preciso que encontre respostas que preencham as angustiantes lacunas do seu dia-a-dia. É então que, movido pela necessidade de sonhar uma outra História, o homem cria suas utopias pois, como ensina Hilário Franco Jr., [….] utopia é negação de um presente medíocre e sufocante, é espaço futuro sem limites, sustentado pelo desejo, é sonho apaziguador de regresso a perfeição das origens, é reencontro do homem consigo mesmo. [2]

Neste final de século – e de milênio –, quando heranças quer de um passado remoto, quer de um passado próximo misturam-se aos velozes progressos de uma moderna tecnologia, será necessário rever a História e repensar as utopias de ontem para entender os sonhos de hoje. E só assim seremos capazes de ter um amanhã.

Estudar as utopias de uma sociedade é lidar com o desejo dessa sociedade; é trabalhar com a falta e a esperança que circulam em seu imaginário. É preciso, então, revisitar a História que ali se viveu e ouvir as histórias que ali se contavam. E para tal há que se recorrer a determinadas pistas: aquelas deixadas pelos historiadores e pelos cronistas, pelos pintores e escultores, pelos poetas, romancistas e contistas.

Sendo assim, vamos encontrar nos contos de fada [3] as utopias que respondem aos eternos desejos da humanidade, pois como afirma Karl Mannheim, na obra Ideologia e Utopia,

Quando a imaginação não encontra sua satisfação na realidade existente, busca refúgio em lugares e épocas desiderativamente construídos. Mitos, contos de fada, promessas supraterrenas da religião, fantasias humanísticas, romances de viagens têm sido expressões, em contínua mutação, do que estava faltando na vida real. [4] (o grifo é nosso)

Em busca da abundância, da justiça e do amor – sonhos que embalam o imaginário social através dos tempos –, as personagens dos contos de fada vivem suas histórias que funcionam como respostas aos eternos desejos da humanidade. E por isso os contos tornam-se atemporais, como ensina Pierre Mabille:

Os contos, repetidos de boca em boca, de geração a geração, seguem uma trajetória comparável à de um eco gigante que se prolonga ao infinito. [5]

Assim entendidos, os contos de fada constituem documentos onde se inscrevem nossos medos e os mecanismos para neutralizá-los – as utopias. São eles que agora revisitaremos.

Contemporâneo de Luis XIV, o Rei-Sol, Charles Perrault (1628-1703) publica as suas Histórias ou contos dos tempos passados com algumas moralidades em 1697. A obra consta de oito contos de prosa: A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata Borralheira, Henrique de Topete e O Pequeno Polegar. Cada um é encerrado com uma moralidade em verso. No frontispício, a obra apresenta uma gravura com a inscrição Contes de ma mère L’Oye (Contos da Mamãe Ganso).

O tempo é de contrastes na França de então; ao lado do extremo fausto da corte de Versailles, os camponeses vivem em alarmante penúria, como salienta Robert Darnton:

Para a maioria dos camponeses, a vida na aldeia era uma luta pela sobrevivência,
e sobrevivência significava manter-se acima da linha que separava os pobres dos indigentes. A linha da pobreza variava de lugar para lugar, de acordo com a extensão de terras necessária para pagar impostos, dízimos e tributos senhoriais; separar grãos suficientes para plantar no próximo ano;e alimentar a família. [6]

Esse universo de fome e miséria inscreve-se em contos como O Gato de Botas e o O Pequeno Polegar. Para ajudar o terceiro filho de um pobre moleiro falecido, o Gato usa das mais refinadas trapaças e consegue para seu dono até um casamento com a filha do rei. Já o Polegar – sétimo filho de um lenhador também pobre –, após ser abandonado com seus irmãos, na floresta, pelos pais, consegue um lugar na corte, como correio, graças às botas que rouba do ogre; lá enriquece e emprega também toda a família. A lição dos contos é clara: num mundo onde as injustiças sociais e as diferenças econômicas são flagrantes, é preciso ser esperto para burlar o esquema e vencer.

Também nos contos dos irmãos Grimm (Jacob, 1785-1863; Wilhelm, 1786-1859) vamos encontrar idênticas situações em que o fraco (pobre) vence o forte (rico): são situações que alimentam o desejo de prosperidade e de fartura das classes menos favorecidas. Desejo este substantivado na utopia da Terra da Cocanha à qual os Grimm dedicam um conto homônimo. Nessa terra de abundância, retrato do «mundo às avessas», ninguém precisa trabalhar, pois «um rio de mel escorria como água de um vale profundo no cume de uma montanha muito alta» e «em um pátio próximo, se achavam outros quatro cavalos debulhando milho e duas cabras acendiam um fogão, enquanto uma vaca assava pães no forno». [7]

O ano da publicação dos Contos de criança e do lar dos irmãos Grimm é de 1812 e vamos encontrar a Europa vivendo sob o signo do Romantismo. Os contos fazem parte, portanto, de uma literatura que reflete as mudanças rápidas e profundas que a sociedade de então experimentava. Viajando pela Alemanha, os dois irmãos vão colhendo de diversos narradores as histórias que circulavam na boca do povo, cheias de tradições e, ao mesmo tempo, cheias de sonhos de renovação.

Quando as narrativas elegem o terceiro irmão (o bobo) – ou ainda um simples caçador (como em Os dois irmãos) – para protagonizar a aventura e finalizá-la com sucesso (muitas vezes casando-se com a filha do rei, como no conto citado), parecem responder a determinadas expectativas do público. Num mundo que vivia os ideais da Revolução Francesa, os contos apontam para a necessidade de revisão de atitudes despóticas da nobreza e da aristocracia: mais importantes que a força e a linhagem são a bondade, a coragem e a temperança. E para confirmar tais lições, as narrativas incorporam características daquele momento literário.

A vivência da Natureza, por exemplo, tão a gosto do espírito romântico, passa a constituir, nos contos de Grimm, importante marca para qualificar o herói. Lugar de refúgio ou de desamparo, a Natureza propicia muitas vezes ao personagem cenas de união e de compensação, como acontece com o caçador de Os dois irmãos. Auxiliado pela lebre, pelo urso, pelo lobo e pela raposa, casa-se com a filha do rei. É certo que tal união subverte a ordem, mas é muito bem aceita por um público que vive o sonho de «liberdade, igualdade e fraternidade». E esse final feliz alimenta, sem dúvida, a ilusão de ascensão econômica e social das classes menos favorecidas.

Mas se sonha com a ascensão social – desejo individual –, o homem sonha também com uma sociedade equilibrada, com uma terra regida por um soberano justo. Recorrendo a certos perfis já cristalizados no imaginário do ocidente cristão (como o Rei Arthur, o Imperador Carlos Magno, e até o fora-da-lei Robin Hood), as narrativas vão construindo heróis que satisfazem o eterno desejo das sociedades: o de um pai protetor.

Retrato da perfeição física e moral, o herói conta muitas vezes com a ajuda sobrenatural (de fadas, gnomos, objetos mágicos e até de animais encantados, como já salientamos anteriormente) para vencer o inimigo (muitas vezes também sobrenatural, como bruxas, ogres, anões malvados, dragões) e qualificar-se para ocupar o lugar de soberano. É o que acontece em Os dois irmãos. Assim como Arthur, personagem das histórias da Távola Redonda, o nosso herói – um caçador – é um predestinado para retirar a espada mágica de uma pedra:

Lá no alto, havia uma igreja e no altar havia três taças, cheias até a borda, e ao lado havia uma inscrição que dizia: «Quem esvaziar estas taças será o homem mais forte da terra e poderá brandir a espada que está enterrada ao lado de fora da porta». O caçador não bebeu. Saiu e achou a espada enterrada, mas não conseguiu arredá-la do lugar. Voltou e esvaziou as taças. Aí ficou bem forte, conseguiu tirar a espada do chão e manejá-la à vontade. [8]

De posse da arma, luta com o dragão que todos os anos exigia uma donzela imaculada, mata-o e ganha a mão da princesa, sendo em seguida proclamado herdeiro do rei. Esse final feliz – que é muitas vezes repetido nos contos – aponta para o nascimento de uma sociedade mais justa. Coroado, o herói reina por muito tempo, com muita sabedoria. Cumpre-se utopia da justiça.

Mas se o dragão é desafio constante ao jovem herói, é verdade que há outro oponente que se lhe apresenta igualmente tenebroso: a bruxa. Figura diabólica, a bruxa espalha malefícios que atingem a todos: a nobres, a camponeses e a crianças perdidas na floresta.

Através dos séculos – através dos contos –, detalhes anatômicos vão sendo acrescentados a um retrato de mulher que o desejo rejeita: ela é velha, é feia, corcunda, sua pele é enrugada aponteada de verrugas. Seus dedos de ossos longos completam-se com unhas tortas e ponteagudas. Demonizada, ela representa o ser marginal que a ordem rejeita. Ela opõe-se à fada que o desejo almeja. Mas como chegamos a esses perfis tão distintos?

Ao revisitarmos a literatura dos séculos XII e XIII – principalmente aquela que aflora a chamada matéria de Bretanha, de substrato celta –, aprendemos, através do exame de alguns perfis femininos (como Isolda, Viviane, Morgana e Mab), que fada e bruxa são representações das duas faces de uma mesma história da mulher. Como grande fiandeira, reeditando o fazer de Láquesis, Cloto e Átropos, as três parcas da tradição clássica, a fada é aquela que tece o destino (fatum) do homem. Como a sábia alquimista que prepara mezinhas e conduz os partos, a bruxa é aquele agente perigoso que se atreve a penetrar nos segredos da ciência, invadindo, assim, os domínios masculinos. É na fala de Mercúrio, personagem da obra Romeu e Julieta de Shakespeare que melhor vemos apresentada essa bipolaridade:

Pelo que vejo, foste visitado Pela rainha Mab. Ela é a parteira Entre as fadas. E é tão pequenininha. Como a ágata do anel que os conselheiros usam no indicador.[….] É essa mesma Mab que, de noite, Entrança as crinas sujas dos cavalos E dá-lhes nós feéricos, os quais Enfeitiçam aqueles que os desatam. Ela é bruxa que aperta as raparigas Que se deitam de papo para o ar, E lhes ensina na primeira vez Como se hão de portar para aguentar a carga. [9]

Com o passar dos séculos, cada uma dessas facetas vai ganhando autonomia, e fada e bruxa passam a ser representações distintas e antagônicas. Na obra dos Grimm, por exemplo, são abundantes os retratos de fadas e de bruxas e no conto João e Maria a descrição da bruxa muito se aproxima daquelas que foram feitas na Baixa Idade Média – séculos XIV e XV –, período em que a caça às bruxas atingiu o apogeu:

A velha, porém, apenas fingira ser boa. Na verdade era uma perversa feiticeira, que fizera aquela casa de pão doce, bolos e açúcar-cande com a intenção de atrair crianças. Quando uma criança caía em seu poder, ela a matava, cozinhava e devorava, pois, para ela, não havia um prato mais delicioso do que carne de criança.

As bruxas têm os olhos vermelhos e enxergam muito mal, mas por outro lado, têm um faro igual ao de certos animais e, mesmo sem vê-lo, percebem quando um ser humano se aproxima. [10]

Mas afinal, que motivos levaram uma sociedade – como a cristã medieval, da qual herdamos vários tabus e muitos medos – a alimentar esse amedrontador perfil feminino? É bem verdade que o medo da mulher não é uma invenção dos ascetas cristãos. Por ter sido um constante enigma para o homem, a mulher sempre o amedrontou, como salienta Jean Delumeau:

Mal magnífico, prazer funesto, venenosa e enganadora, a mulher foi acusada pelo outro sexo de ter introduzido na terra o pecado, a desgraça e a morte. Pandora grega ou Eva judaica, ela cometeu a falta original ao abrir a urna que continha todos os males ou ao comer o fruto proibido. O homem procurou um responsável para o sofrimento, para o malogro, para o desaparecimento do paraíso terrestre, e encontrou a mulher. Como não temer um ser que nunca é tão perigoso como quando sorri? [12]

Mas se é verdade que o medo da mulher não é invenção do ascetismo cristão, é certo também que foi o cristianismo que muito cedo o integrou em seu ideário e trabalhou esse espantalho até o limiar do século XX. Se o indecifrado existe, se incomoda e amedronta, é preciso buscar um motivo que justifique sua perseguição e até, se possível, sua neutralização – a mais perfeita que se puder. E no que se refere à mulher, a Europa da Baixa Idade Média viveu, com toda violência, uma clima favorável a essa cena. É Jeffrey Richards, na obra Sexo, desvio e danação, quem sintetiza:

As pessoas do período medieval viviam num mundo de medo: medo de impostos, doença, guerra, fome, da morte e do inferno. Era uma sociedade que acreditava no sobrenatural,no poder das forças das trevas em ação de Satã e de seus demônios no mundo.Acreditava também na bruxaria, que era uma explicação conveniente tanto para as catástrofes naturais súbitas (fome, epidemias,tempestades, enchentes, destruição de safras e animais) quanto para problemas familiares recorrentes, tais como impotência,infidelidade, mortalidade infantil. [….]

As acusações de bruxaria eram geralmente levantadas por vizinhos indispostos contra mulheres específicas: as velhas, as solitárias, as impopulares, as neuróticas, as insanas, as mal-humoradas,as promíscuas, as praticantes de medicina popular ou parteiras, mulheres que, por motivos variados, haviam se tornado alvo do ódio local. [….]

As bruxas satânicas do final da Idade Média eram, assim, os bodes expiatórios perfeitos, uma minoria inventada, uma imagem compósita do mal, pronta para ser usada e aplicada a qualquer pessoa que discordasse dos dogmas da Igreja e que, pelo uso da tortura e do terror, se tornava realidade. [13]

Autos de fé são comuns e a execução de bruxas na fogueira traz o aval das Escrituras: «Não deixarás viva uma feiticeira», diz o Êxodo, 22, v. 18. Infração cometida, castigo imposto. Castigo que se eterniza através dos séculos e que também se inscreve no universo dos contos de fada. É o que acontece, por exemplo, em Os dois irmãos, de Grimm, com a bruxa da floresta que encantava a todos que por lá passassem:

– Sua macaca velha! Devolve a vida imediatamente a meu irmão e a todas as criaturas que estão aí, ou então vai para o fogo! Ela pegou uma varinha e tocou
as pedras. O irmão e os animais voltaram à vida. E muitos outros homens também, mercadores, artesãos, pastores. Todos se levantaram,agradeceram ao caçador e foram para casa. Os gêmeos se abraçaram e se beijaram, contentíssimos por se encontrarem novamente. Agarraram e amarraram a bruxa e a jogaram na fogueira. [14]

E agora o nosso terceiro autor, o dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875). Imprimindo à sua obra marcas de sua hipersensibilidade, timidez, e de seu temperamento depressivo, Andersen publica seus Contos em 1835. Neles também desfilam personagens em busca de abundância, da justiça e do amor. É deste que trataremos agora.

Acossado pelo medo da diferença encarnada pelo outro, pelo medo, enfim de sua natureza seccionada, o homem (a humanidade) responde com a utopia da androginia. Através do sonho de amor, homem e mulher buscam a unidade perdida, isto é, procuram reviver o tempo em que, como recorda Aristófanes em sua fala em O Banquete, de Platão, [….] nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não como agora, o masculino e feminino, mas também havia a mais um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino… [15]

Tais seres possuíam muita força e, presunçosos, voltaram-se contra os deuses. Zeus, para punir tal ousadia, delibera cortá-los ao meio, para enfraquecê-los. E assim, seccionados, viviam à procura da outra metade. E continua Aristófanes:

O motivo disso é que nossa antiga natureza era assim e nós éramos um todo; e portanto ao desejo e procura do todo é que se dá o nome de amor. [16]

Será, então, na expressão literária que o amor se imortaliza: na paixão vivida por Tristão e Isolda, por Romeu e Julieta e por tantos outros casais. São também muitos os contos de fada onde se lê a busca do par: A Bela Adormecida e a Gata Borralheira, nas versões de Perrault e Grimm; A Bela e a Fera, na versão de Madame Leprince de Beaumont (meados do século XIX); Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, A Moça dos Gansos, na versão dos Grimm, dentre outros.

Já nos contos de Andersen essa busca não constitui tema recorrente; há narrativas em que o final é feliz – como em A Princesa e o Grão de Ervilha e Os Cisnes Selvagens –, mas certamente há outras em que se acentua o pessimismo em relação ao amor, como em Os Namorados. E em A Sereiazinha, que reedita, ainda que de maneira eufemizada, a eterna sedução das sereias, é trágico o final para a figura feminina: não conseguindo o amor do príncipe, e não desejando matá-lo, como recomendara a bruxa do mar, para reassumir sua antiga natureza de sereia, a Sereiazinha joga-se ao mar e transforma-se em espuma.

E em relação a esse final, vale ressaltar que é também trágico, em outras narrativas de Andersen, o destino das personagens femininas, como as dos contos Os Sapatinhos Vermelhos e A Menina dos Fósforos, por exemplo.

Encerrada a viagem através do universo literário dos três autores selecionados – Perrault, Grimm e Andersen – é importante lembrar, ainda, que o primeiro livro infantil publicado no Brasil data de 1894 e é de autoria de Figueiredo Pimentel (1869-1914): Contos da Carochinha. A ele somam-se Histórias da Avozinha e Histórias da Baratinha, do mesmo autor. Nessa trilogia são incluídos os contos clássicos, já presentes nas obras dos três autores mencionados, e muitos outros.

Por traduzirem as eternas paixões humanas, os contos de fada tornam-se atemporais, como salientamos ao início. Sendo assim, tendo já visitado a produção clássica, cabe agora dirigir nosso olhar para a produção destas últimas décadas do século XX e observar como tais contos são recontados.

Reaproveitando o já escrito, os autores vão recontando as histórias ouvidas (ou lidas) aqui e ali e, nesse processo, vão descobrindo novos sentidos, multiplicando, assim, o já contado. É como salienta Marina Colasanti no conto Com voz de mulher da obra Longe como o meu querer:

Foi quando uma mulher que havia estado no estábulo passou a repetir as histórias de deus para outros habitantes da cidade. Repetir exatamente, não. Aqui e ali, acrescentava coisas, tirava outras e cada história, sendo a mesma, era outra. Mais que contar, recontava. Depois houve um rapaz, que também. E, o tempo passando, ninguém mais podia dizer com certeza de onde tinha vindo esta ou aquela história, e quem a havia contado primeiro. [18]

Também nas narrativas agora produzidas vamos encontrar os mesmos medos de ontem: o medo da morte, da fome, da solidão, da doença, da injustiça. A forma de tratá-los é que é diferente. Em vez de narrativas que caminham para um final fechado (muitas vezes feliz), agora privilegia-se um final aberto, que conduz o leitor à reflexão. É o que acontece, por exemplo, em R, a Princesinha de Ziraldo, que retoma A Sereiazinha de Andersen. Em vez de transformar-se em espuma, como no conto clássico, a sereia transforma-se em reticências, que, sem dúvida, constituem o sinal de pontuação mais aberto que conhecemos… E é Nasuta, a bruxa, quem explica às irmãs da sereia:

Olha: no final de uma frase, as reticências significam que há ainda alguma coisa mais a dizer, certo? As letrinhas já tinham suas lágrimas quase secas.

Se colocarmos, porém, as reticências no princípio de uma frase, isto quer dizer que alguma coisa dita antes foi interrompida e vai começar, não é verdade, minhas…

Ééééé! … queridas? Logo, as reticências fazem exatamente essa ligação entre o que foi e o que virá a ser. As irmãs se olharam, tentando descobrir se todas haviam compreendido a explicação da bruxa. E ela continuou:

Como a espuma do mar, sua irmãzinha vai voltar … [19]

E se, ainda, nos contos tradicionais imperava o claro esquema antitético entre Bem (fada) e Mal (bruxa), já agora tais opostos se mesclam, sugerindo que de fada e de bruxa todos nós temos um pouco. E é o que lemos em Uxa, ora fada, ora bruxa, de Silva Orthof; Onde tem fada tem bruxa, de Bartolomeu Campos Queirós; e Bruxa e fada: menina encantada, de Ieda Oliveira.

Como paródias (para = ao lado de; ode = canto), isto é, uma narrativa ao lado da outra, as produções atuais exigem do leitor um conhecimento prévio do texto clássico para que o entendimento se estabeleça. É o que propõem os Contos de Fadas Politicamente Corretos, de James Finn Garner, onde encontramos deliciosas paródias de Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve, dentre outras.

Ainda na esteira da paródia, podemos citar Ervilina e o Princês, de Silvia Orthof, que parodia o conto de Andersen A Princesa e Grão de Ervilha, mostrando que o destino da mulher não é mais o de ser escolhida, mas o de fazer sua própria escolha. E nessa linha de inauguração de uma nova história da mulher podemos ler também História meio ao contrário, de Ana Maria Machado; Mulheres de coragem, de Ruth Rocha; Heróis e guerreiras, de Heloísa Prieto; Doze reis e a moça no labirinto do vento, Entre a espada e a rosa, O lobo e o carneiro no sonho da menina e Ofélia, a ovelha – todos de Marina Colasanti.

Produzida sob o signo de uma cultura de propaganda, do consumo, da velocidade, a própria arte insere-se nessa rede de exigências. Narrativas curtas, à moda dos clips da linguagem televisiva, constituem a literatura ideal para o leitor de hoje. Assim é construída, em seis volumes, a coleção «Assim é se lhe parece» de Angela Carneiro, Lia Neiva e Sylvia Orthof. Cada volume contém três sketches que viram pelo avesso elementos e situações dos contos clássicos. No volume intitulado Chamuscou, não queimou, encontramos um dragão doente, casado com uma princesa indomada. Ao neutralizar o dragão como encarnação do Mal, a narrativa anula também o poder que o criou e a tradição que o manteve como sustentáculo do forte maniqueísmo repressor. O episódio final, à moda de um besteirol, conduz à perplexidade, perplexidade que é, enfim, a do próprio leitor num mundo estilhaçado como o desse final de século, onde até o amor é descartável. Desfazendo o seu casamento com o dragão, a princesa Marinalva volta para o castelo real, apaixona-se pelo sapo e depois pelo bode, levando o seu pai ao desespero:

O rei estava enfezado,e disse, assim assado:Perdôo só desta vez,ó filha, desajuizada,ficaste toda ensapada,estou danado! Marinalva se cuidou,desensapou. Aí ela viu um bode… vê se pode! Marinalva virou cabra? Abracadabra! Esta história é inventada, sou muito inventadeira, a história verdadeira por outros será contada. Eu brinco, rebolo, bolo, canto mentiras na feira, sou Orthofia, a feiticeira… quanta besteira! [20]

A palavra irreverente que provoca o riso, como essa de Sylvia Orthof, é mais uma das características das narrativas da atualidade; e pode também funcionar como uma das mais eficazes estratégias para neutralizar os nossos medos…

E já que falamos de riso, vamos concluindo também de maneira irreverente o passeio através do mundo encantado dos contos de fada: «entrou por uma porta e saiu por outra, e quem quiser que conte outra».”

Bibliografia

I – Repertório crítico-teórico
1 – BAROJA, Julio Caro. As bruxas e seu mundo. Lisboa, Vega, s/d.
2 – CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual. São Paulo, Brasiliense, 1984.
3 – COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. São Paulo, Ática, 1987.
4 – DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro, Graal, 1986.
5 – DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
6 – FRANCO Jr., Hilário. As utopias medievais. São Paulo, Brasiliense, 1992.
7 – MABILLE, Pierre. Le miroir du merveilleux. Paris, Minuitt, 1976.
8 – MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 3. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
9 – PASTOUREAU, Michel. No tempo dos cavaleiros da Távola Redonda. São Paulo. Companhia das Letras, 1989.
10 – PAZ, Noemí. Mitos e ritos de iniciação nos contos de fadas. São Paulo, Cultrix, 1995.
11 – PLATÃO. O Banquete. 2. ed. São Paulo, Difel, 1970.
12 – PLACE, Robin. Os celtas. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1989.
13 – RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação. Rio de Janeiro, Zahar, 1993.
14 – SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia. São Paulo, Ática, 1985.
15 – SOUZA, Angela Leite de. Contos de fada: Grimm e a literatura oral no Brasil. Belo Horizonte, Lê, 1996.

II – Repertório ficcional
1 – ALLSBURG, Chris Van. A vassoura encantada. São Paulo, Ática, 1996.
2 – ALMEIDA, Fernanda Lopes de. A fada que tinha idéias. 10 ed. São Paulo, Ática, 1984.
3 – ANDERSEN, Hans Christian. Contos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
4 – BANDEIRA, Pedro. Chapeuzinho e o Lobo Mau. 5. ed. São Paulo, Moderna, 1990.
5 – –––––. O fantástico mistério de Feiurinha. São Paulo, FTD, 1986
6 – BERNADINHO, Adriana (adap. de). Tristão e Isolda. São Paulo, FTD, 1996.
7 – BIRD, Malcom. Manual prático da bruxaria em onze lições. Rio de Janeiro, Ática, 1996.
8 – BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. 5. ed. Rio de Janeiro, Barlendis & Vertecchia, 1983.
9 – COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. Rio de Janeiro, Nórdica, 1982.
10 – –––––. Entre a espada e a rosa. Rio de Janeiro, Salamandra, 1990.
11 – –––––. Longe como o meu querer. São Paulo, Ática, 1997.
12 – –––––. O lobo e o carneiro no sonho da menina. Rio de Janeiro, Ediouro, 1994.
13 – –––––. Ofélia, a ovelha. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1989.
14 – ESTERL, Arnica. As penas do dragão. Rio de Janeiro, Ediouro, 1996.
15 – FUNARI, Eva. A bruxa Zelda e os oitenta docinhos. São Paulo, Ática, 1994.
16 – –––––. O feitiço do sapo. São Paulo, Ática, 1995.
17 – GARNER, James Finn. Contos de fada politicamente corretos. Rio de Janeiro, Ediouro, 1995.
18 – GRIMM, Jacb & GRIMM, Wilhelm. Branca de Neve e outros contos de Grimm. Sel. e trad. de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
19 – –––––. Cinderela e outros contos de Grimm.Sel. e trad. de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996.
20 – –––––. Chapeuzinho Vermelho e outros contos de Grimm.Sel. e trad. de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
21 – –––––. Contos de fadas. Belo Horizonte, Villa Rica, 1994.
22 – LARRUELA, E. & CAPDEVILLA, R. As memórias da bruxa Onilda. São Paulo, Scipione, 1990.
23 – LUKESCH, Angelika. A Excalibur de Arthur. Rio de Janeiro, Ediouro, 1995.
24 – MACHADO, Ana Maria. História meio ao contrário. São Paulo, Ática, 1994.
25 – MASTROBERTI, Paula. Cinderela. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1997.
26 – –––––. Os sapatinhos vermelhos. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1995.
27 – NEIVA, Lia et alii. «Coleção assim é se lhe parece». Rio de Janeiro, Ediouro, 1994. 6v.
28 – –––––. O castelo da torre encantada. Rio de Janeiro, Ediouro, 1996.
29 – OLIVEIRA, Ieda. Bruxa e fada: menina encantada. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1994.
30 – OLIVEIRA, Rui de. A Bela e a Fera. São Paulo, FTD, 1994.
31 – ORTHOF, Sylvia. Ervilina e o Princês. Rio de Janeiro, Memórias Futuras, 1986.
32 – –––––. Uxa, ora fada, ora bruxa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.
33 – PERRAULT, Charles. Contos. Lisboa, Estampa, 1977.
34 – PIMENTEL, Figueiredo. Contos da Carochinha. Rio de Janeiro, Garnier, 1992.
35 – –––––. Histórias da Avozinha. Rio de Janeiro, Garnier, 1994.
36 – –––––. Histórias da Baratinha. Rio de Janeiro, Garnier, 1994.
37 – PREUSSLER, Otfried & SPÍRIN, G. A história do unicórnio. São Paulo, Ática, 1993.
38 – PRIETO, Heloísa. Heróis e guerreiras. São Paulo, Cia. das Letrinhas, 1995.
39 – QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Onde tem bruxa tem fada… 24. ed. São Paulo, Moderna, 1983.
40 – QUENTAL, Antero de. As fadas. Lisboa, Contexto, 1983.
41 – ROCHA, Ruth. Mulheres de coragem. São Paulo, FTD, 1991.
42 – –––––. Sapo-vira-rei-vira-sapo. 8. ed. Rio de Janeiro, Salamandra, 1983.
43 – RÓNAI, Cora. Sapomorfose. Rio de Janeiro, Salamandra, 1983.
44 – ROSA, João Guimarães. Fita verde no cabelo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992.

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Antonio Brás Constante (O Homem Atrás do Escritor, o Escritor Atrás do Homem)

O que são estas entrevistas?
Visando um meio de aproximar o público do escritor, de modo a que não enxerguem como tal , mas o homem que existe atrás dos livros, estou criando entrevistas selecionadas, enviadas a diversos escritores, que mostrará ao público leitor que atrás de seus livros, é um ser humano com sentimentos, opiniões, lutas, vitórias e derrotas.

São perguntas exclusivamente de cultura literária, não havendo envolvimento político, futebolistico, e qualquer outro ico. Caso tenha “bronca” de alguém em alguma pergunta, por favor, dê um nome geral, sem mencionar nomes. Por exemplo: O Lula está “ferrando” com a literatura. Então usemos, o Governo Federal não tem aplicado nenhum recurso a favor da literatura.

As perguntas procuram seguir uma ordem conforme os tópicos maiúsculos negritados. A intenção é que o colega escritor se sinta a vontade em responder aquelas que se sinta a vontade para falar. As de importância para nossa entrevista virtual estão negritadas, em itálico e sublinhadas.

Não há uma data para envio, deixando para que respondam dentro de seu tempo disponível.

NOTA DO AUTOR ENTREVISTADO: Antes de iniciar, gostaria de frisar aos que forem continuar lendo esta singela entrevista, que sou um escritor meio fora dos padrões convencionais ao termo (por isso mesmo definido como eterno aprendiz de escritor), por isso lhes peço, não me desejem mal…

INFANCIA E PRIMEIROS LIVROS

• Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

Parafraseando o Analista de Bagé, posso dizer que minha infância foi normal, o que não aprendi no galpão, aprendi atrás do galpão. Nasci em Porto Alegre e me perdi por Canoas, onde cresci. Me formei em Ciência da Computação, mas daí me apaixonei perdidamente pela escrita, e passei a ser seu escravo, transcrevendo os delirios que esta Diva sussura em minha mente.

Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

Não existiam computadores, algo que pode parecer meio pré-histórico para essa gurizada hi-tech, mas não vejo tanta diferença para os dias de hoje (também não sou tão velho assim), no fim tudo se resume a querer aprender, pois no nosso mundo ou você aprende enquanto é novo ou alguém te prende depois.

Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Sim, meu maior estímulo foi ser péssimo em futebol, algo que me deu bastante tempo livre para me dedicar aos livros.

Qual o seu primeiro livro e do que falava?

Meu primeiro e único livro chama-se: “Hoje é seu aniversário – PREPARE-SE” e trata-se de um livro de crônicas que considero genérico aos livros do L.F. Verissímo, pois dispõe do mesmo princípio ativo: O Humor.

P.S: se a pergunta foi qual o primeiro livro que eu li, sinceramente não lembro…

Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.

Foram muitos, mas a série “para gostar de ler” foi bem importante para mim nessa época.

O ESCRITOR

• Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?

Minha vida literária se dividiu em duas partes. Na primeira etapa (fase adolescente) escrevi alguns textos na época do segundo grau (era assim chamado naqueles tempos), buscando melhorar minhas notas nas aulas de português, acabei gostando muito de escrever, mas tão logo concluí os estudos parei, adormecendo o escritor que dentro de mim existia. Somente ao final da faculdade voltei a escrever (quase quinze anos depois), graças ao empurrão de um grande amigo chamado Zé Gadis, que era chargista. A coisa começou como uma brincadeira, ele desenhava caricaturas dos colegas de empresa e eu fazia as mensagens para os cartões de aniversário. Aos poucos fui me viciando no ato de escrever, e não parei mais.

• Como foi dar esse salto de leitor pra escritor?

Foi estranho, tanto que até hoje me defino como um eterno aprendiz de escritor. Não me intitulo como escritor profissional, porque acho que isso acarreta uma responsabilidade muito grande, e não gosto de sentir este tipo de obrigação nas costas, como um fardo. Por isso prefiro ser um aprendiz, poder ousar, errar, viajar, tratando a arte de escrever como uma deliciosa brincadeira.

• Teve a influência de alguém para começar a escrever?

Além do meu amigo Gadis, do qual já citei antes, também tive as influências literárias de escritores como: L. F. Verissímo, Barão de Itararé e Douglas Adams.

• Tem Home Page própria (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)?

Sim, todos os meus textos publicados estão disponíveis no site: recantodasletras.uol.com.br/autores/abrasc

• Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Viver de literatura?? Rsrsrs… isso existe?? Rsrss. Falando sério, na verdade eu tento dar vida a literatura, mas não sobrevivo dela. Algo que me chama a atenção neste País é que muitos leitores tem preconceito com a literatura nacional. São pessoas que consomem tudo que vem de fora, mas torcem o nariz para o que é produzido aqui.

Como foi que você chegou à poesia?

Para mim a poesia é como um arrepio de frio, um bocejo, um tropeção em uma pedra, chega sem aviso e se vai sem explicação. Para não perder a viagem acabo escrevendo o que senti naquele momento, mas não sou exatamente um poeta.

SEUS LIVROS E PREMIOS

• Como começou a tomar gosto pela escrita?

Quando comecei a rir do que escrevia, acho que o primeiro ponto para alguém se tornar escritor é gostar daquilo que escreve.

• Em que você se inspirou em seus livros?

No cotidiano, temperando situações do dia-a-dia com pitadas de humor.

Como definiria seu estilo literário?

Posso dizer que meu estilo literário ainda encontra-se em construção…

• Dentre os livros escritos por você, qual te chamou mais atenção? E por quê?

Foi o livro “Hoje é seu aniversário – PREPARE-SE” que por ter sido o único até o momento, me chamou a atenção por total falta de opções.

• Que acha de sua obra?

Fiz um livro que eu gostaria de ler se fosse outra pessoa, e olhando a obra desta forma posso dizer que considero este livro, como um filho textual. É um livro que apesar de não seguir o mesmo estilo literário dos livros da Bruna Surfistinha, também é cheio de gozação.

• Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Posso dizer sem sombra de dúvidas, que se não fosse a internet, meu trabalho como escritor praticamente não existiria.

• Tem prêmios literários?

Sim, fui vencedor do oitavo concurso de poesias, contos e crônicas, na categoria crônicas. Prêmio oferecido pela fundação cultural de Canoas. Também ganhei uma mochila cheia de chocolates BIS em uma promoção de frases da Nestlé.

CRIAÇÃO LITERÁRIA

• Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?

Na realidade, para me inspirar a situação ideal seria poder relaxar em uma sauna com aproximadamente umas cinco beldades seminuas ao meu redor, mas como minha esposa desencoraja este tipo de “ambiente” para mim, argumentando silenciosamente com seu rolo de macarrão em punho, venho me contentando com um tempinho livre em qualquer lugar mesmo, onde possa rabiscar ideias para depois colocá-las no micro.

• Você projeta os seus romances? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os romances?

Não escrevo romances, mas as ideias sobre novos textos vem em golfadas dentro da minha cabeça, depois coloco tudo no papel (entenda-se “papel” o editor de texto) e vou aprimorando o texto até ficar de um jeito que acho interessante.

• Você acredita que para ser escritor basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?

Acho que sem vocação, não haveria prazer em escrever e consequentemente a pessoa não seguiria por este caminho, ou se seguisse, não seria por muito tempo.

• Como surge o momento de escrever um livro?

O momento certo para se escrever um livro é quando uma editora cai do céu e se propõe a publica-lo. Se isto não acontecer, tente conseguir alguma verba para pagar a editora, e o resultado será o mesmo.

• Quanto tempo você leva escrevendo um livro?

Deixe-me ver… Escrevo um novo texto a cada semana, meus livros tem em média 28 textos, ou seja, levo em torno de sete meses para ter material suficiente para um novo livro.

• Como foi o processo de pesquisa para a escrita de seus livros?

Alguns textos realmente precisam de pesquisa, algo que poderia ser feito em várias bibliotecas ou utilizando o Google. Considero a pesquisa essencial para dar profundidade ao texto e para não escrever minhas “pérolas textuais” de forma equivocada.

• No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

Tudo depende do que a pessoa vai querer escrever. Eu, por exemplo, adoro ler gibis (considerados por muitos como porcarias), sou fã de tirinhas de jornal, e sempre que tenho tempo dou uma olhadinha no Big Brother Brasil.

O ESCRITOR E A LITERATURA

• Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

Sou um curioso nato, gosto de sempre que possível experimentar coisas novas, comidas diferentes, autores diferentes, lugares diferentes. Vou aproveitar este espaço para divulgar o trabalho de um mestre-poeta que conheci ao acaso no mundo virtual, o Dário Banas (http://estranhamobilia.blogspot.com). Suas poesias são fantásticas.

• Na sua opinião, que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

É dificil opinar sobre o que seriam livros “obrigatórios”, já que sou adepto da leitura espontanea. Acho que se um autor consegue cativar um leitor, sua leitura já deveria ser desejada e incentivada, pois teria o seu mérito.

• Qual o papel do escritor na sociedade?

Com certeza seria um papel escrito. Rsrsrs. O escritor é aquele sujeito que cutuca o outro, chamando sua atenção para uma outra realidade. É função do escritor abrir as janelas da imaginação para que as pessoas possam olhar o mundo e viajar por ele.

• Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Claro que há, sempre tem alguma gaveta vazia em algum lugar. Mas o melhor lugar para se guardar a boa poesia é dentro dos compartimentos de nossas mentes. A poesia não é um almoço que se come religiosamente todo santo dia, mas uma fruta suculenta que é sorvida, e escorre seu néctar pela boca, deliciosamente, saciando nossa fome poética.

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR

• O que o choca hoje em dia?

Quando percebo que a insensibilidade anda tomando conta do mundo, de tal forma que nada mais parece chocar, confesso que fico chocado.

• O que lê hoje?

Além das tradicionais bulas de remédio, cuja leitura é indispensável para uma vida saudável, leio o que me cai nas mãos, terminei há pouco de ler o livro “Ensaio sobre a cegueira” do Saramago. Por enquanto, estou apenas na companhia das revistas e suas reportagens criativas.

• Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Atualmente ando respondendo um questionário sobre literatura da melhor forma possível, e confesso que estou adorando. Fico na torcida para que meu amigo virtual, José Feldman, publique estas minhas respostas espontâneas em seu portal. Não possuo outros projetos.

• De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

Toda raiz cultural começou através de uma veia popular, a cultura nasce no seio da população, enriquece e muitas vezes acaba elitista. Acho que a globalização é um bom instrumento de fomentar e divulgar a cultura, de termos contato com outras culturas.

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

• Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?

Querer se consagrar como escritor é o mesmo que se lançar ao oceano buscando chegar a uma ilha repleta de tesouros, voce nada, nada e muitas vezes não acontece nada. Se desistir, ou se afoga, ou a maré te leva de volta para o anonimato de onde saiu. Por isso quero dizer para quem quiser começar a escrever, que escreva por prazer, sem querer visualizar um horizonte. Escreva pelo mesmo motivo que respira, para viver. A melhor recompensa para quem escreve é gravar para eternidade seus pensamentos, suas ideias, suas loucuras. O resto é pura consequencia.

• O que é preciso para ser um bom poeta?

Entendo que a poesia é uma forma de dança onde as frases ocupam o lugar dos movimentos. Não se escreve uma poesia para que ela seja “bonitinha”, a poesia é a essência dos sentimentos, derramados no papel de um jeito ritmado.

Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.

Estou distribuindo meu livro em PDF gratuitamente para quem quiser conhecer a obra, basta me enviar um e-mail para : abrasc@terra.com.br e pedir uma cópia.

E para encerrar a entrevista

Quero agradecer a iniciativa do Feldman em ceder este espaço para que os escritores possam falar um pouco sobre suas obras e divulgá-las. Deixo aqui registrado meu muito obrigado.

• Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

PRIMEIRO pediria que ele aumentasse a dose de humanidade nos seres que se definem como humanos.

SEGUNDO Pediria a ele que largasse este bico de gênio realizador de desejos e voltasse a trabalhar em prol do mundo, já que depois do sexto dia (ele parou para descansar no sétimo) as coisas andaram piorando bastante por aqui.

TERCEIRO pediria para ele sair um pouco para o lado (já que ele estaria parado na minha frente) para que eu pudesse terminar de ver na televisão a sua maior obra, o seriado de “Os Simpsons”.


Gostaria de agradecer este momento em que você divide o escritor e a pessoa atrás do escritor com os leitores do blog. Cada escritor segue um caminho diferente, tem pensamentos diferentes, mas uma coisa eles tem em comum, dividir seus textos com o público. Já são lguns anos que Constante é colaborador do blog, enviando mensalmente seus textos. Mas, paremos por aqui, afinal Hoje é seu aniversário? Prepare-se.

Fonte:
José Feldman por e-mail com Antonio Brás Constante

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Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque, Rio Grande do Sul

Clevane Pessoa em Xeque

Entrevista concedida à Vânia Moreira  para o Jornal/Ecos

Querida amiga Clevane, você nasceu no importante Estado do Rio Grande do Norte, em São José do Mipibu guarda alguma recordação da cidade em que nasceu e gostaria de falar um pouco do período em que viveu lá?

Na verdade, apenas nasci lá, porque meus avós ali estavam: mamãe, que se casara aos quinze anos, por ser a caçula e muito inexperiente, foi dar à luz perto dos pais. Ela e papai moravam em Natal. Mesmo depois de adulta, tendo morado em muitas cidades e Estados, nunca fui lá. Noutro dia, pela Internet, é que a “visitei”. Ainda bem pequena, além de Natal, morei em João Pessoa(PB), Japurá(fronteira com a Colômbia),Manaus(AM),Recife(PE) e por último, fomos para a Ilha de Fernando de Noronha, onde, aos cinco anos, fiz minha Primeira Comunhão, na Igrejinha dos Remédios. Da Ilha, lembro-me muito bem e foi dela que viemos para Minas gerais. Completei sete anos ao chegar em Juiz de Fora. Meus pais adoravam mudanças, escolhiam um lugar que os atraía e nos comunicavam. Nós, as crianças, aprendíamos geografia e, naturalmente, um pouco de História, Ciência e Astronomia, ao vivo…Era muito divertido viajar tanto…

Em Belo Horizonte a bela capital mineira, com foi sua chegada e os primeiros anos passados lá?

Vim morar em Belo Horizonte quando casei-me pela segunda vez, com o engenheiro Eduardo Lopes da Silva, em 1979.Aproveitava todo tempo livre para conhecer a cidade, mas estava no último ano de Psicologia, fazia estágios e trabalhava no INAMPS,era muito ocupada.Passei aqui três anos,e quando Gabriel, meu segundo filho completou três meses de vida, fomos para S.Luiz, a Ilha do Amor, terra de Gonçalves Dias,onde passamos seis anos.De lá para S.Paulo e depois para a capital do Pará, Belém.Somente retornei a Belo Horizonte em 1990,parando, por fim , com tantas andanças…Somente agora é que realmente estou conhecendo a cidade…Mas adoro viajar, o costume ficou enraizado em mim.

Gostaria muito que falasse um pouco de sua família e da influência dela em suas decisões futuras?

Minha família era maravilhosa, éramos alegres e talentosos para isto ou aquilo…Tive pais incríveis, avançados para a época, por exemplo, quando a inglesa Mary Quant lançou a minissaia minhas colegas eram recriminadas pela família se a usavam e meu pai mandava encurtar mais,” pois o que é bonito, deve-se mostrar”. Aprendemos, minha mana Cleone e eu, que a moral não está no modo de vestir apenas… Dançávamos muito-meu pai uma vez foi ao Rio de janeiro aprendeu Twist e fazíamos bailinhos no qual ele e mamãe ensinavam a nova moda às minhas colegas e rapazinhos… Ele comprava-me dezenas de livros, incentivava a leitura mesmo de revistas em quadrinhos, quando a maioria dos adultos decretava que “gibi” fazia mal… Também adoravam Cinema – e os filmes impróprios para menores tinham o enredo contado por mamãe que apenas atenuava as cenas mais fortes. Aos domingos, nos levavam às matinèe, no Cine central em Juiz de Fora… Ela era grande missivista e eu naturalmente, a imitava, correspondia-me com os parentes e amigos distantes, o que me tornou sem preguiça para escrever, desde pequena, longas redações. Papai ensinou-me ortografia .Creio que minha mãe preparou-me, oralmente, para ser escritora. Contava “histórias de Trancoso”, cantava todas as músicas que aprendia, sapateava, ensinou-me a declamar. Sou a mais velha de seis: Cleone, Luiz Máximo, Cleber Franck, Nildo Roberto e Lourival Jr. Eles gostavam de ter crianças pequenas em casa e quando um estava grandinho, papai convidava mamãe a arranjar outro nenê, o que ela aceitava alegremente.O filho caçula, Juninho, por ser especial (Síndrome de Down), precisou de mais atenção então as gravidezes acabaram. Também criaram filhas adotivas.

 Meu avô materno, paraibano, era jornalista e poeta. Ensinou-me a versificar. Eu sempre me senti a neta predileta… Mais tarde eu própria, nos Anos de Chumbo, trilhei o jornalismo. A primeira poesia brotou-me aos dez anos, em plena aula…O avô paterno era maestro e adoro música, embora nada toque. Qual a tia Terezinha, irmã de papai, pinto a óleo. Qual o tio Franck, irmão de mamãe, desenho, embora não tinha convivido tanto com eles, por causa das viagens. Somente voltei a natal, onde a minoria reside, já adulta.

Escolheu a psicologia para atuar por mero acaso, por algum fato determinante ou era algo que estava já dentro de você?

Sempre fui escolhida como confidente de pessoas mais velhas às de minha faixa etária.Mamãe tinha esse dom também. Ainda por cima, ela fez-me sua confidente, desde criança…Eu adorava exercer todas as modalidades de jornalismo, mas quando separei-me de meu primeiro marido, o jornalista Messias da Rocha, pai de Cleanton Alessandro, meu primogênito,fiz cursinho e fui da segunda turma de psicologia do CES (Centro de Ensino Superior, em Juiz de Fora),pois o nascimento de Juninho motivou-me mais a fazer Psicologia e ajudá-lo.Sempre fui fascinada pelo comportamento humano, meus personagens não são criações aleatórias e sim explicadas em vários ângulos.Sempre li muito essa matéria, muito antes de cursar a faculdade.O último ano, fiz em Belo Horizonte,na FUMEC, pois me uni ao Eduardo no último semestre do curso.

Quais foram os grandes mestres que lhe fascinaram ?

Jesus Cristo(eu achava que era a queridinha do filho de Deus), meu pai, Sidarta (“Buda”). Depois Ghandi, a garça, Golda Meir, Martin Luther King, Mandela, meus avós…

Tem orgulho consciente e justo da vida que está trilhando?

Fico bastante contente com minhas vitórias, respeito as minhas lutas como um desafio a crescer ainda mais. Não sou vaidosa, quanto a premiações, por exemplo. Acho um golpe de sorte que um determinado texto, preenchendo os requisitos básicos de originalidade, correção ortográfica, tenham um estilo que vá agradar justamente àquele tal corpo de jurados entre tantos outros concorrentes. O contrário pode ocorrer: um escrito perfeito, por ser diferente, desagradar…Quando ganhei o prêmio ex-aequo de Primeiro lugar de conto, nos XXIII Jogos Florais do Algarve, em Portugal, por exemplo, eu ficava sorrindo sozinha: “Primeiro Lugar”, repetia, contentíssima. Nem pude ir receber o prêmio, porque não consegui um patrocínio. Na premiação constava uma excursão à zona medieval de Portugal e três dias em Hotel. Para a viagem ficar menos cara, era preciso ficar pelo menos uma semana, então eu teria de arcar com os demais dias de hospedagem. Não houve ONG nem órgão governamental que quisesse ajudar. Disseram, de Brasília, que eu teria de ter entrado pelo menos com quarenta e cinco dias antes, com o pedido, da data da viagem. Mas tentei, até esgotar recursos. Recebi, do Governo do Faro, um prato de bronze lindíssimo, onde atrás agradeciam, à contista brasileira, “a presença entre nós”. Devem ter gravado julgando que iria .Com o prato, veio uma grande e pesada Medalha com o rosto de Samora Barros, o poeta homenageado e a coletânea. Todos os prêmios e troféus, valorizo, amo…

 Também tenho a maior alegria de ter trabalhado com população carente, em especial com adolescentes e idosos, famílias, mulheres. Quando fui homenageada na Assembléia Legislativa de Belo Horizonte, no Dia da Mulher, no ano de 2001, já aposentada ,recebi, emocionada, uma placa, mas o que fez-me chorar foi um adulto jovem, de cuja adolescência eu cuidara no Hospital Júlia Kubitscheck, onde criei e coordenei a casa da Criança e do Adolescente, dizer-me, após a cerimônia: “Clevane nenhum de nós que passou por você, deu prá coisa ruim”. Na realidade, são todos jovens de bem, líderes e empoderados, em franco progresso ou pobreza digna…

A Revolução de 64 marcou muito sua juventude? Pode relatar algum fato mais doloroso nessa época de incertezas?

Vivi muitas dolorosas experiências, por exemplo, com a prisão de colegas. Um deles, o astrônomo Roberto Guedes era noivo da atriz Marta Sirimarco, que escrevia a coluna de Teatro e foi um horror sabê-lo desaparecido, acompanhar a luta da jovem para conseguir-lhe uma fuga. Muitos anos depois, abri um grande Jornal e lá estava ele, falando de seus queridos astros e estrelas…Muitas pessoas vinham a mim contar torturas, porque papai era militar, tentando ajuda, no entanto ele não compactuou com o regime. Era sargento telegrafista, ficando no seu gabinete, mas quando foi promovido a tenente e teve de sair do casulo, pediu a reforma, mesmo tendo curso até major. Ele, que sempre foi muito bondoso com crianças e animais, adoeceu e teve de ser hospitalizado .Por questões de ética militar, jamais nos contou nada. Eu levava, sem problemas, para almoçar lá em casa, jovens que recolhia, às vezes sem lugar para ir. Um dos lugares onde se escondiam durante o dia, era a galeria de Arte Celina, mantida pela família Bracher, em homenagem à artista morta. Penso que os “milicos”, não se lembravam de procurar “subversivos” ali…Muitas vezes, como repórter, fui ameaçada, por exemplo, quando, num evento da Escola Federal de Engenharia, cheguei a um lançamento de livros do Carlos Heitor Cony e do Poerner, com meu amigo Cláudio Augusto de Miranda Sá, fomos recebidos por metralhadoras na mão de jovens PM’s. Eu sempre mantinha, nesses momentos críticos, um facies de alienada e nos deixaram ir. Fomos…diretamente para o hotel onde estavam. Fizemos uma entrevista e tanto. Eu sempre publicava tudo. A “Gazeta Comercial”, onde escrevia, era a linotipos, então eu ia à gráfica e entregava as matérias diretamente a um linotipista, o Zequinha, de quem era comadre. Quando Rubens Braga, Vinicius de Moraes e Fernando Sabino, bastante reprimidos no Rio, estiveram em Juiz de Fora, o diretor, temeroso das minhas clevanices, disse que não os entrevistasse. Eu queria, inclusive, fotos. Não iria perder a chance de estar com meus ídolos. Liguei então para a redação. Atendeu-me o “Seu” Théo Sobrinho, o dono do jornal. Eu falei: “Seu Theo, o Vinicius chegou”. Ele: “Quem o Ministro?” E eu”: Sim, o Ministro”. O fotógrafo chegou e eu conversei por muito tempo com o trio, ficando encantada porque o Vinicius me elogiou. galante, os longos cabelos, Braga a juventude e Sabino, a “inteligência”. O redator chefe, Sr. Paulo Lenz, irmão do diretor, vibrava com minha “coragem”, talvez a inconseqüência inocente da juventude…

 Uma vez um advogado pediu-me, cheio de mistérios, que fosse visitar o irmão machucado, fazer-lhe companhia. O rapaz estava engessado, muito ferido, cheio de alucinações. Haviam conseguido retirá-lo, após tortura. Passei uma tarde dando uma de psicóloga, muito antes de entrar nessa faculdade, horrorizada, penalizada…Jamais contei a meus pais essa visita, para não preocupá-los. O pai de uma amiga também desapareceu e quando a mãe dela soube das circunstâncias de sua tortura e morte, urrava, dizendo que o marido era um bom homem e que aquilo era “um insulto de Deus”, uma injustiça…Eu, pessoalmente, jamais fui perseguida abertamente, embora sempre tivesse alguém a vigiar-me, em várias circunstâncias.

Como surgiu a literatura de forma definitiva em sua vida?

Penso que já na escola, queria ser escritora, minhas redações iam “para livros de ouro”, eram afixadas no pátio, e, em Itajubá, sul de Minas, onde morei dos doze aos dezesseis anos, fui escolhida para redatora -chefe de um jornal da Escola Sagrado Coração de Jesus,( Irmãs da Congregação da Previdência) chamado Voz das Mil Também tive uma crítica literária publicada na revista da congregação. Como uma premonição, chamei-a…”Sapatilhas e Botinas”.
 Ao retornar a Juiz de Fora, enviei textos a um concurso de crônicas. Passei dias me torturando, achando que nem os leriam porque os temas eram Operária, Satélite e um outro. Para o primeiro, escrevi sobre o trabalho materno, a mãe, “uma operária completa”, em vez de falar das mulheres que trabalhavam nas muitas fábricas existentes na cidade. Sobre “satélite”, em vez de falar do espacial, falei de pessoas “puxaquistas militantes”, que gravitam na órbita de alguém para favorecer-se. E ganhei o primeiro lugar, troféu Domervilly Nóbrega, com Operária….O radialista, mais tarde professor de jornalismo, José Carlos de Lery Guimarães, clamava pelo programa:” senhor Clevane, por favor, apareça, comunique-se, o segundo e o terceiro lugar já apareceram Precisamos marcar a entrega de prêmios”. Cleonice Rainho, se não me engano e Marilda Ladeira, foram classificadas, eram mulheres feitas, escritoras já conhecidas, o que me constrangia. A partir daí, minha carreira de escritora ficou definida Mais tarde, estudei, no Vice- Consulado de Portugal, Literatura Portuguesa, com Cleonice Rainho e lhe contei isso. Ela achou muita graça…Um dia, reuni minhas crônicas e levei às redações dos jornais da cidade. Fui aprovada, escolhi a Gazeta Comercial,, onde ganharia menos, mas poderia fazer “de um tudo”. E adorei.

Seu momento de criação vem de algum acontecimento específico ou pode surgir repentinamente?

Às vezes, um personagem chega e se instala, pede-me que conte sua história, insistentemente, fico inquieta enquanto não sento e o imagino, para descrever. Noutras, uma história “lateja” até que a desenvolvo. Não raro, o protagonista muda tudo que eu tinha planejado. Muito observadora, costumo ver acontecências e depois as reconto, com fantasia e criatividade. Não há nenhum método, mas escrever é sempre um prazer, nenhum sofrimento. Se pudesse, escrevia sem parar. Poesias, é só apaixonar-me por uma palavra, que elas se desenrolam da meada poética. É só experenciar uma emoção ou a de outrem, idem…Trovas são mais elaborada, sextilhas e sonetos, idem. Mas transito livremente da poesia concreta ou processo, para os versos brancos, a prosa poética. Gosto tanto de haikais, minipoema e agora Poetrix, como dos longos e das crônicas Na Gazeta Comercial tinha, por exemplo, uma coluna diária, chamada Clevane Comenta e, aos domingos, uma página inteira, de Artes e Letras, onde fazia crítica literária, colocava entrevistas, etc. E era só sobrar espaço, que eu escrevia uma poesia…Só ia lê-la no outro dia, quando saia a tiragem…Quando estou triste, escrevo mais.

Pode citar algum fato curioso envolvendo seu primeiro nome?

Sim, muitos, mas quando eu estava na Gazeta, achavam que eu era homem, mesmo meu nome sendo feminino, a meu ver. À época da minissaia(nos Anos 60), escrevi um artigo na revista “O Lince”(hoje extinta), sobre a nova moda. O desembargador Vasques Filho, de Fortaleza, Ceará, mandou-me longa missiva, de” homem para homem”, comentando como se sentia vendo pernas de fora e desejava que “Oxalá as mulheres em breve, passassem a vestir-se como Evas, ou seja, com nada”, algo assim. Respondi num papel cor-de-rosa, dizendo-me uma senhorita. A partir daí, nos correspondemos, ele se lembrando da Juiz de Fora que conhecera e mandando-me lindos cartões, pois era aquarelista. Quando eu ia nascer, papai queria um Cleber. Não havia ultra-sonografia, então nasci e ele escreveu numa lista, nomes iniciados por “Cle”. mamãe e ele optaram por Clevane, por ser diferente. E tive de ser, à força dessa sinalização… Mamãe, que era parteira, muitas vezes dava seu nome, a pedido das parturientes, às meninas (Terezinha). Quando já havia uma, resolviam dar o meu ou o de minha irmã Cleone. Em sites de busca, já vi algumas “Clevane”, todas mais novas que eu. Jamais encontrei pessoalmente, alguma. Curiosamente, meu segundo marido, antes de mim, namorou uma Cleivan… Sou chamada de Cleovane, Cleivane, Clivane,etc. Na Internet há uma poeta Clivânia. Adoro meu nome, que me distingue e marca.

Você nasceu numa cidade pequena do Nordeste e foi criada na tradicionalista Minas Gerais , pelo menos há alguns atrás, contrastando com a atuação de uma escritora, poeta e mulher. Sofreu algum tipo de preconceito?

Nunca experenciei preconceitos, sempre coloquei-me lado a lado com o homem, lutei e luto pelos direitos da Mulher, e a educação que recebi deu-me sempre muita segurança. tanto o Nordeste quanto Minas são tradicionalistas, Meus pais eram rigorosos apenas em certas questões: caráter, honestidade e… virgindade. Acho que fui a” penúltima donzela” até casar-me… O papel da escritora é usar a palavra como sua arma, na defesa do belo, do amor, sim, mas principalmente, em prol das militâncias sociais, das denúncias, dos exemplos edificantes…

Sua vida de psicóloga ajuda na composição de seus “cantos”?

Muitíssimo, porque a pessoa ,com seus significantes e significados, bem como a palavra, instrumento deles, me fascinam e oferecem suas múltiplas faces para a descrição verbo-poética.
O que o desenho, o colorido significou para você e sei que seus leitores gostariam de saber desse seu lado de “artista plástica”, entre tantos talentos.

Sempre desenhei, mas foi aos doze anos que comecei a desenhar mulheres, porque uma prima o fazia e eu me encantei quase ludicamente, ao ver que podia representar a figura humana também além as coisas. Uma professora, no Ginásio Estadual de Juiz de fora, Nanci Ventura Campi, recomendou-me a Escola de Belas Artes Antonio Parreiras. Adorei e falei com papai , que imediatamente foi lá sondar o ambiente para sua princesinha, e colocou-me como aluna do presidente, Clério de Souza, que assinava como Pimpinela. Ele, rigoroso, ensinou-me a desenhar em perspectiva, sombra e luz, usando o fusain, o crayon, em papel cinza, que era usado nos açougues para embrulhar carne. Até hoje, o reflexo, a sombra e a luz me fascinam. Meu primeiro livro editado chama-se Sombras feitas de Luz(*).O segundo, Asas de Água, possui quatro ilustrações minhas a bico-de-pena e a capa é de meu filho, Allez Pessoa, que herdou meu dom…Fiz, aos quinze anos, uma tela a óleo com professora, mas saí logo da sua escola,, por não suportar cópia, sem poder criar. Autodidata, a partir daí, fiz muitos quadros, que andam pelos brasis, porque viajei muito. Fiz muitos posterpoemas, para exposições. Meu estilo literário é sempre cheio de nuances, como se eu desenhasse escrevendo.

 Tenho ilustrado livros, criei o Projeto Poesia no Pano, desenhando e escrevendo diretamente em páginas de tecido e montando os livros artesanalmente. Atualmente desenho uma capa e ilustro um livro de contos.
Quem é Clevane Pessoa, a psicóloga, a escritora, a poeta? Conseguiria em algumas frases defini-la?

*A psicóloga: uma pessoa que gosta de – e respeita – pessoas, sem preconceitos, atenta na relação de ajuda, para que cresçam, se modifiquem para ser mais felizes. Luto pela justiça social, pelo empoderamento da mulher, dos direitos humanos, das minorias necessitadas. Gosto de criar dinâmicas de grupo, técnicas para manejo, fazer oficinas, dar palestras. A relação de ajuda faz-me muito feliz.

 *A escritora: sempre a escrevinhar, com mais de dez livros para editar, sem nenhuma perspectiva de parar de criar, um dia…

 *A poeta: minha essência reside no castelo mágico da Poesia. Estou e sou perenemente em/cantada por essa feiticeira do Bem…

Jornal/Ecos- Agradecemos sua linda entrevista e a oportunidade de ouvi-la e de saber um pouco mais de você.

Vânia: a oportunidade que você me deu, aqui no Jornal Ecos, não tem preço: adorei rememorar-me (reenamorar-me de mim ?). Quantas vezes, preocupadas com os outros esquecemos um pouco de nós mesmas? Agora, acabo de reenrolar o fio multicolorido de minha vida, novelo com cinqüenta e sete anos, renovando-o… Agradeço eu, a você e ao Jornal Ecos.

Fonte:
Garganta da Serpente.

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José Feldman (Entrevista Comigo Mesmo)

Trajetória de vida, desde o nascimento, estudos, etc.

Nasci em São Paulo, capital, a 27 de setembro de 1954. Terceiro e último filho de meu pai, representante de móveis, que havia nascido em um cidade pequena da Romênia e veio ao Brasil, fugido da guerra mundial, por ser de origem judaica. A princípio ele morou em Belo Horizonte, onde casou com minha mãe, e lá tiveram um casal de filhos, meus dois irmãos mais velhos (um casal). Teve um jornal que provocou seu fechamento e a prisão dele devido a idéias de esquerda, mesma ocasião em que Monteiro Lobato havia sido preso pelo seu livro O Poço do Visconde, e se conheceram na prisão, ambos jogadores de xadrez, jogavam partidas entre si, com tabuleiro e peças montados com papel.

Eu estudei a princípio, o primário (na época era 5 anos) em uma escola judaica, próxima a casa onde morava. Depois havia o exame de admissão, era uma espécie de vestibular para ingressar no 1o. ano ginasial (atualmente o primário e o ginásio são um só), já tiveram vários nomes, 1o. grau, agora Ensino Fundamental. No meu tempo havia uma grande exigencia, e fazíamos um vestibular para mudar para o ginásio, que era 4 anos, ao final do que se passava automaticamente para o científico, como era denominado estes últimos 3 anos na época, pouco antes, quando minha irmã fez era chamado de clássico, depois os nomes mudaram para científico, 2o. grau e secundário, ou mais algum que não recordo.

Fiz o ginasial, repeti o último ano e ingressei num curso técnico em colégio particular equivalente ao 2o. grau, de Laboratórios Médicos, mais parte passou a se chamar Patologia Clínica, que era 3 anos com matérias do científico mais as matérias técnicas. Nesta época fiz estágio em um laboratório e ao formar-me ingressara no Hospital das Clínicas (época da meningite), a princípio como auxiliar de médico (o mesmo que um auxiliar de laboratório com algumas responsabilidades extras) e depois efetivado como técnico de laboratório. Trabalhei cerca de 14 anos lá. Ingressei na Fundação do Fígado, sob a responsabilidade do Prof. Dr. Silvano Raia, fazia transplantes de fígado, onde fiquei cerca de 4 anos.

Ah, esqueci de mencionar que com cerca de 10 anos de idade trabalhei com meu pai, ajudando–o em tarefas ao alcance de minha idade em escritório, ele estava já muito doente. No ginásio trabalhei como recepcionista em escritório de advocacia.

Trabalhei como digitador em Sistema Holístico de Saúde, em Laboratórios de Análises Clínicas, em São Paulo. Em Curitiba trabalhei como recenseador e carteiro. Em Ubiratã, em dois censos como supervisor do IBGE. Me virei como digitador de trabalhos escolares, orientador de elaboração de monografias e teses.

Tudo isto nos faz voltar algumas recordações. Lembro que quando me formei no ginasial, foram escolhidos alunos para cantarem na colação de grau, eram 4 vozes, e na quarta eram eu e um colega, o Noé . E, a nossa voz nunca chegava a vez, ficamos dias e dias no auditório, enquanto os outros cantavam, nós jogavamos batalha naval, aqueles em papel. Todos cantando e nós lá: “A4, M3, afundou couraçado, afundou submarino”. Foi muito divertida a situação, até que fomos convidados a se retirar.
Nas minhas tardes de criança,
brincadeiras de corrida.
Hoje danço em outra dança,
danço no circo da vida.

Desde 1977 a 1989 e depois de 1992 a 1994 fui diretor do Departamento de Xadrez do ICIB (Instituto Cultural Israelita Brasileiro), árbitro, professor e organizador além de relações públicas. Consegui de cerca de 12 sócios (flutuantes) elevar o numero para 130. Levei as equipes do clube da 3a. Categoria para a 1a. Categoria. Auxiliar de diretor do Xadrez Club Sorocaba, em Sorocaba por 2 anos, vice-diretor do Clube de Xadrez do Clube de Regatas Tietê. Sobre este tempo do Xadrez já pensei até escrever um livro, pois tem “causos e causos” aos montes., como uma vez que iamos jogar o torneio interclubes em Caiobá, mas um acidente parou a estrada por horas. Andando encontramos uma outra equipe e o que fazer para passar o tempo? No asfalto montamos os tabuleiros de xadrez e ficamos jogando partidas, no meio da estrada.

Tinha e tenho uma fome insaciável de conhecimento. Falar de mim é um longo caminho a ser percorrido.

Quando me formei em Laboratórios Médicos, fiz curso de pintura e de dramaturgia. Depois curso de italiano e inglês na Associação Casa de Cultura Afro-Brasileira (mais ou menos isto, não lembro o nome correto, nem existe mais). Depois continuei o inglês no Instituto Roosevelt e Instituto Cultural Norte Americano, e um outro instituto que o dono deu o golpe, fechou a escola e sumiu com nosso dinheiro.

Fiz espanhol livre no Instituto Ibero Americano, curso de Filosofia Oriental na Associação Palas Athena, Desinibição e Criatividade no Instituto Dynamics Cymel, que ficava no Conjunto Nacional. Ao final deste curso, saímos todos os alunos (desinibidos) a dançar e pular no meio da Avenida Paulista. Me lembro de uma aula que um se fazia de cego e outro conduzia ele, para mostrar a confiança, e a gente sacaneava um monte os que estavam se fazendo de cegos.

Fiz mais um pouco de teatro na Escola Macunaíma, inclusive ensaiei uma peça que nunca vingou. Daí comecei a me dedicar a literatura. Na Oficina da Palavra (Casa Mário de Andrade) fiz Curso de Haicai com Eunice Arruda, como montar um romance com Mario Amato, e de ficção científica na literatura e no cinema, com André Carneiro, fiz 3 vezes este curso. Na Oficina da Palavra participei de Saraus litero-musicais. Não recordo quem era (também já faz tempo!), era um escritor, acho. Sentava numa cadeira especial no canto, lembro que usava uma daquelas bengalas trabalhadas, eu acho que era uma águia, enfim, ele iniciava sempre contando histórias do Pedro Malasartes. Todos participavam, falavam poesias de si ou de poetas famosos, e encerravamos com um salgadinhos e refrescos.

Para você ver como o destino é curioso. Na terceira vez, eu nem ia fazer, o André me ligou e desesperado falou que só faltava um para completar a oficina, para poder iniciar. Ele disse para eu aparecer umas duas aulas só para ter quorum. Aceitei, o André sempre foi muito divertido. Lá fui eu, e no fim fiz o curso inteiro, por um detalhe, neste curso conheci uma garota que adorava literatura também e tinha os mesmos gostos musicais que eu (rock, blues), e namoramos (isto foi em 1994). Nos casamos e estamos juntos até hoje. Agradecimento eterno ao André por isto. Ele mora em Curitiba, já não está bem de saúde, mas nos falamos sempre. O André foi quem me animou a escrever contos, dizia que eu tinha um estilo muito próximo do Edgar Allan Poe.

Ah! A oficina era o seguinte: combinavamos escrever um conto qualquer, tirar várias cópias e depois levar em aula para se questionar sobre ele. Cada um dava sua opinião, e o André falava o que faltava ou que tinha demais. Um fato engraçado que ocorreu, é que o André leu um conto do Kurt Vonnegut Jr., que ele adorava um monte. Bem, descobrimos algumas falhas no conto, e o André ficou doido da vida, era um de seus escritores preferidos e no final ele disse mais ou menos isto: “Kurt Vonnegut Jr. é o máximo, menos neste conto aqui”. O jeito que falou na hora, caímos na gargalhada.

O conto que escrevi nesta oficina era Espelho da Alma. Se passava na Dinamarca, e um pintor que buscava a perfeição no quadro, aconteceu algo insólito e ele virou o próprio quadro.

Ao final do curso, nos juntamos em uma sexta-feira em um bar frente ao curso para tomar cerveja e bater papo. Muitas coisas ocorreram nele, e eu escrevi um conto sobre isto, chamado “Uma Sexta-Feira Além da Imaginação”, um conto de ficção fantástica muito doido, onde a Oficina da Palavra era a nave-mãe, o bar era um labirinto, os frequentadores do bar eram seres alienígenas, etc. Enfim, só lendo. Como é curto ao final da entrevista coloco-o.

Fiz a Oficina de Trovas com o Magnífico Trovador Izo Goldman, um grande amigo e incentivador até hoje. Pouco após fui Diretor Cultural de uma Instituição Filantrópica (ICIB), e o Izo deu uma oficina de trovas lá, embora como diretor cultural eu fazia outra paixão, trazia músicos não conhecidos para destaque em apresentações num salão meio que improvisado, o que lhes rendeu alguns contratos, e a mim o prazer de ve-los crescerem

Frequentei a Casa de Portugal onde se reuniam os trovadores de São Paulo sob a batuta de Izo Goldman. eram tardes agradáveis com Tudo em Trovas e Nada em Trovas. Recordo que numa destas reuniões o Izo no Nada em Trovas proferiu uma palestra sobre a origem dos perfumes. As reuniões sempre encerravam com um lanche, com salgadinhos, doces e sucos trazidos pelos trovadores. Eu era frequentador da casa do Izo a quem tinha e tenho profunda admiração, e ele me contava as histórias ocorridas em concursos, muitas engraçadas, e mostrava seus troféus (centenas), que eu até brincava se ele não queria me contratar só para limpar eles. Eram tantos que quando acabasse de limpar o último já teria que limpar o primeiro, e até lá já teria mais alguns.



Comecei a fazer em São Paulo Faculdade de Biologia, numa faculdade que já não existe mais no Ibirapuera (Princesa Isabel, que ficava atrás do Shopping Ibirapuera), e Psicologia, na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), na Alfonso Celso com Av. Santo Amaro, e eu demorava 2h10 para chegar na primeira, e nesta segunda eu pegava um ônibus até a Joaquim Floriano, e de lá andava a pé cerca de 2 kms, pois tinha tanto ônibus, que se fosse com um deles demoraria mais tempo que a pé. Ir de carro, nem pensar. Ao voltar da faculdade FMU, pegava carona com um colega, que morava no Itaim, e me deixava na São Gabriel, que sempre perguntava se ele já fez auto-escola alguma vez. Dirigia muito mal.

Eu me encontrava com o Antonio Fagundes no Restaurante Gigetto, no Bexiga. Na época que ele fez Cyrano de Bergerac, ele ia até o restaurante ainda trajado como tal, e a gente mexia com ele, por isto. Era muito divertido. Também tive amizade com alguns cineastas, que me levavam a freqüentar o bar que havia em frente ao Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), onde conheci muitos atores, entre eles a Françoise Fourton, que eu era apaixonado, e depois que a conheci a paixão virou fumaça. Como a televisão muda as pessoas.

Conheci um poeta francês que tinha parentesco com Paul Valery, e me deu um livro dele (em Frances claro), com dedicatória e tudo (na verdade este foi meu primeiro livro com dedicatória, e naõ do Izo). A gente ia comer num restaurante que havia numa Galeria na Avenida São Luis e ficávamos conversando de poesia e música erudita, que ele adorava e eu também.

Meus dois primeiros discos quando minha prima me deu uma vitrola Philips de presente, daquelas que parece um bauzinho, que você abre e a tampa vira duas caixinhas de som, meus pais me deram um LP, Jóias da Opereta Vienense, e um compacto do Jean Carlo, aquele cantor com deficiência visual, se eu falar que é cego estarei discriminando, cantando Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rollings Stones, do outro lado do compacto era Nunca meu amor. Os compactos só tinham duas músicas, exceto os compactos duplos que eram 4. Meu primeiro foi o Johnny Mathis, cantando Aquarius (aquela introdução do filme Hair, dos anos 60). Meu pai me ensinou a gostar de música erudita, e durante muitos anos só escutava isto, e comprava discos eruditos. Operetas até aguento, mas uma ópera inteira nunca tive muita paciência, até hoje. Tenho vários DVDs de óperas, mas nunca consegui assistir um inteiro.

Com o passar dos anos fui tomando gosto pelo MPB: Elis Regina, recordo dela, e do baque que senti quando da morte dela. Acompanhei o caminhão que carregava ela na av. Rubem Berta. Jair Rodrigues, Chico Buarque. O Ney Matogrosso era gente fina, e conversamos quando ele tinha o Secos & Molhados, ele ensaiava ao lado de onde eu fiz o curso de Laboratórios, na Rua Cincinato Braga junto com a Brigadeiro Luiz Antonio, aliás ele tinha feito também um curso de laboratórios. Taiguara passou em minha vida, e mesmo tantos anos após a sua morte, ainda recordo e escuto suas músicas ou vejo seus vídeos. O meu apelido era Taiguara, por acharem eu muito parecido com ele. Alberto Marsicano, é um tocador de cítara que aprendeu com o Ravi Shankar, era uma figura, mas muito divertido. Zen demais para o meu gosto.

O Sócrates, não o filósofo, o jogador. Quando ele estava começando no Corinthians, fazia residência no Hospital das Clínicas, e como tinha campeonatos de futebol entre os departamentos do hospital, nós éramos Laboratórios, tinha Enfermarias A, B e C, Neurologia, etc., conseguimos pegar ele para jogar pela gente por livre e espontânea pressão. Ele jogou um jogo, memorável… foi nossa única vitória. A gente só tomava goleada. O que importava é que tudo acabava em churrasco, e os mortos de fome do laboratório iam pelo churrasco, pois ninguém jogava nada. A gente se denominava Numerosas Bactérias Futebol Clube. Pois quando se fazia exame de urina ao microscópio, as vezes tinha diversas bactérias, e estas bactérias não tinham um rumo, corriam para todos os lados e se chocavam. Era assim que éramos no campo. Mas além da vitória acima, a outra grande vitória é que perdemos para a Ortopedia só por 8×0, geralmente era 13, 14. E quando acabava o jogo – Graças a Deus! – parecia que era a gente que havia ganho o jogo, de tanta alegria de ele ter terminado.

Detalhe: Não gosto de futebol. Na verdade, eu gostava, torcia para o Atlético Mineiro, e o meu amigo, atual padrinho, é São Paulino, eu não era chegado em jogo no estádio, mas ele era fanático, e sempre me levava ao Morumbi onde tinha cadeira cativa, e toda vez que o São Paulo jogava e eu ia junto, o time perdia, e ele ficava fulo dizendo que eu era pé frio. Copa do Mundo é outra história, é a camisa do Brasil, daí me penduro no jogo. Começo assistindo desde o primeiro tempo e acordo geralmente no meio do segundo tempo. A idade já não ajuda.


Alguns anos depois, ainda fiz cursos livres de Contabilidade para pequenas empresas, secretariado moderno, técnicas agropecuárias, administração de pequenas e médias empresas. Atualmente curso administração de pequenas empresas. Pretendo ainda, em 2013 ingressar na Universidade Estadual de Maringá e fazer Engenharia Ambiental.

Entidades a que pertence?

– Membro da Casa do Poeta Lampião de Gás (na época sob a presidência do sr. Rossi – não recordo o primeiro nome dele, no momento)
– Membro da Ordem Nacional dos Escritores.
– Vice-Presidente da Associação dos Literatos de Ubiratã (ALIUBI) 2001 a 2003 e Diretor Fiscal da mesma, em 2009.
– Membro da União Brasileira dos Trovadores (UBT) de São Paulo, até 2000.
– Delegado Municipal de Ubiratã da UBT/PR (2001 – 2010)
– Membro da União Hispanoamericana de Escritores (UHE)
– Escritor Imortal da Academia de Letras do Brasil (ALB), pelo Estado do Paraná, Cadeira n.1, Patrono: Paulo Leminski, desde 2009.
– Doutor Honoris Causa, a nível nacional e Internacional da ALB.
– Presidente Estadual do Paraná da ALB, 2009-2012.
– Vice-Presidente do Conselho de Ética da ALB, desde 2009.
– Antiga e Mística Ordem Rosa Cruz (AMORC)
– Ordem dos Cavaleiros Templários
– Ordem Sagrada do Templo e do Graal
– Pró Vida, Integração Cósmica.

Em 2007 criei o blog http://singrandohorizontes.blogspot.com divulgando os escritores brasileiros, principalmente desconhecidos, e a Revista Virtual Singrando Horizontes, o que me valeu uma distinção nos Anais da Academia de Letras Maçonicas, pelo escritor Valter M. De Toledo, de Curitiba.

Como é estar casado com alguém que também escreve? Existe competição?

Deixe eu aproveitar o espaço para fazer um pouco de propaganda de minha cara metade, antes de responder. A minha esposa, Alba Krishna, possui doutorado em letras, é poetisa e escritora de romances. Participou de Festivais de Teatro na terra dela com peças vencedoras, vencedora em Concurso de Poesia, uma das fundadoras da Associação dos Literatos de Ubiratã (ALIUBI), foi colunista de artigos de música no jornal de Londrina, tem romances de mistério (nenhuma publicação).

Agora vamos a pergunta. Viver com outro escritor é bom por um lado e ruim por outro. Conversamos sempre de livros, de autores, de poesias, de romances, mas existe um certo antagonismo entre nós. Talvez inconscientemente um quer ser melhor que o outro. É uma situação engraçada, pois enquanto um procura suplantar o outro, procura auxiliar em tudo. Tipo denorex, parece que é mas não é. A minha vantagem é que ela não escreve trovas, e a vantagem dela é que eu não escrevo romances (rsrsrs). Mas a bem da verdade, é que ambos aumentamos em muito nossa bagagem literária.

Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

Havia uma exigencia maior do aluno. Só passava realmente quem estudava, e o professor era a autoridade a ser respeitada. Infelizmente, com o passar das décadas o governo parou de valorizar a figura do professor, depreciando-o de tal modo que aos olhos da sociedade ele não é mais aquele herói que na época gostariamos de ser. O professor, pela sua bagagem e pelos seus ensinamentos deveria ser sempre a figura central, respeitada e valorizada. E se não existissem mais professores? Como seria o mundo?

Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever?

Meus primeiros livros, além daqueles clássicos infantis que toda criança lê, foi a coleção de Monteiro Lobato. Era e ainda é apaixonante suas histórias. Meu pai me levava na livraria e eu escolhia o que queria. Meu segundo livro, acredite se quiser, em papel couchê, capa dura, chamava-se o Romance da Terra, era de arqueologia e paleontologia, assuntos que sempre fui fascinado. Com meu irmão íamos nas grandes livrarias, mas não comprávamos nada, pegavamos um livro, liamos um capítulo, e voltavamos outro dia e liamos outro capítulo, ou o mesmo livro em outra livraria. Raiva havia quando não encontrávamos mais o livro e ficávamos sem saber o final da história. Machado de Assis era cativante: Quincas Borba e Ressurreição eram meus favoritos. Com o passar dos anos comecei a ler livros estrangeiros, e eu era um rato de biblioteca, lia desde manhã até a noite. Pegava onibus para o colégio ou para o trabalho, mas sempre com um livro, onde eu lia, seja sentado, ou mesmo em pé no ônibus. Cativaram-me Herman Hesse (Sidharta; Rosshalde), Ernest Hemingway (O Velho e o Mar), Dostoievsky (O Jogador; Noites Brancas), os Irmãos Karamazov deste último nunca consegui ler inteiro. Nos anos 60 Mikhail Sholokov escreveu o Don Silencioso, ganhador do prêmio Nobel, não recordo o ano, eram 4 volumes de cerca de 300 páginas cada um. Li em uma semana, eu não dormia à noite, não conseguia largar o livro. Daí foi uma sucessão de escritores entre brasileiros e estrangeiros. Nos anos 70 e 80, O Apanhador do Campo de Centeio, de J. D. Salinger; O Destino Viaja de Ônibus, de John Steinbeck; 1984, de George Orwell.

Como começou a vida de escritor?

Na cama (rsrsrsrs). Eu tive que fazer umas cirurgia, naquele quarto de hospital sozinho, aquelas paredes brancas, o silêncio, o dom poético surgiu e comecei a escrever poesias.

Você encontra muitas dificuldades em obter livros em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Encontro, assim como grande parcela da população. Os livros são muito caros. Não querendo desmerecer o escritor (afinal sou um), mas o livro deveria se não gratuito a um preço ao alcance de toda a população. Para mim literatura faz parte de nossa cultura, e a cultura pertence a todos. Conheço tantos escritores que possuem textos de qualidade invejável acima de muitos famosos, mas que distribuem seus livros gratuitamente. Viver do dinheiro suado da população, Paulo Coelho, Luis Fernando Veríssimo, e centenas ou milhares de outros me perdoem, não é cultura, é comércio.

Como começou a tomar gosto pela escrita?

Meu pai sempre me incentivou a isto. Ele foi meu maior mestre, meu pai-herói.

Possui livros escritos ?

Espero que antes de eu morrer, tenha condições de deixar ao menos um livro, nem que seja do agrado de um só leitor, já me sentirei realizado. Minha mãe não conta, ela aprecia tudo que faço.

Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Primordialmente, sim. Sem ela eu não seria ninguém atualmente. Foi graças a ela que comecei a ficar em evidência. Criei o Boletim Literário Cultural Singrando Horizontes e o blog Pavilhão Literário Singrando Horizontes (http://singrandohorizontes.blogspot.com), há uns 4 anos no ar, com mais de sete mil postagens.

Ah! Esqueci de dizer qual é o meu trabalho. Divulgação! Divulgação dos valores literários. Por que? Seria a sua pergunta. Eu gosto de escrever, mas achei que mais importante do que eu promover a si próprio, seria divulgar o nome de tantos outros escritores para que não se percam no anonimato, seja pela memória fraca do povo, seja pela falta de condições de divulgarem seus textos, etc. Em vez de deixar um livro meu criando teias de aranha em algum sebo, batalhar pela nossa literatura.

Enfim, a internet me possibilitou o blog que está a todo vapor, e a publicação de vários e-books (disponíveis no blog para download):
– Santuário de Trovas 1, 2 e 3 (são livretos com trovas do Brasil inteiro em imagens)
– Almanaque Literário “O Voo da Gralha Azul” números 1 a 8
– Paraná Trovadoresco vol. 1 e 2
– São Paulo Trovadoresco vol. 1

Anteriormente, distribuído por e-mail houve o Boletim Literário Cultural “Singrando Horizontes”, foram 13 números.
Feldman, sábio profeta,
entre os homens cria “pontes”.
Vem… disfarçado de poeta
e vai… “Singrando Horizontes”!
Vânia Ennes – Curitiba/ PR

Vai, Singrando Horizontes,
O infinito é a ambição
rumo aos mais distantes montes,
rumo à imaginação!
Sinclair Pozza Casemiro – Campo Mourão/PR

CRIAÇÃO LITERÁRIA

Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?

Vou responder em uma palavra: Clic.
Ambiente?: Lugar tranquilo, em ambientes barulhentos eu não consigo nem me ouvir.
Fiz de você minha musa,
minha vida e coração,
meu pijama, minha blusa,
Minha tábua de salvação.

Você acredita que para ser escritor basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?

É preciso ter vocação, mas é necessário ler muito de diversos escritores, sejam nacionais ou estrangeiros, perceber o modo como escrevem, como montam seus textos. Concordando com as palavras do escritor maringaense Alberto Paco “vocação sem conhecimento não leva a lugar nenhum”.

Como é que você concebe seus e-books? Quanto tempo você leva para escrever um e-book?

Varia, conforme o que me proponho a fazer. Geralmente a idéia já tenho formada, depois é só trabalhar em cima dela. Pelos que já fiz, podem ser de dois dias a 1 semana. O São Paulo Trovadoresco vol.1 fiz em 1 dia. Pintou a idéia, e fiquei em cima até finalizar. Mas, são trabalhosos em geral. A Revista O Voo da Gralha Azul a idéia do número vai amadurecendo nos lugares mais inusitados. Daí quando começo, demora cerca de 1 semana, pois faço várias revisões no layout e no texto.
Você é a Gralha Poeta
que leva nossa poesia
ao mundo, em que o grande esteta
criou com tanta harmonia!
Nei Garcez – Curitiba/PR

Como é o processo de pesquisa para a escrita de seus e-books?

Internet, livros, revistas, jornais, artigos textos enviados pelos escritores, enfim, todos os meios que pode-se obter de textos escritos

Traduzindo, o teu trabalho,
com guarida ao bom leitor,
tão completo, e nada falho,
só enaltece o escritor.
Nei Garcez – Curitiba/PR

No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

Porcaria é uma coisa relativa. O que para muitos é magnífico, para outros é porcaria. Tem alguns escritores que são o máximo em nossa literatura ou na estrangeira, que acho que não valem nada, apenas tem poder aquisitivo e/ou “pistolões”. Não vou dizer seus nomes, por uma questão de ética. Estou parecendo político, enrolei e não disse grande coisa. Porcaria é isto, um texto que não tem uma teia entre o começo, meio e fim.

A LITERATURA E O ESCRITOR

Existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

Importante é a descoberta. É buscarmos novos nomes que não estão em evidência na midia. Existem muitos bons escritores nos mais variados campos, da ficção ou não ficção. Quando me tornei Presidente Estadual pelo Paraná da Academia de Letras do Brasil, descobri muitos nomes de quilate, como Átila José Borges, de Curitiba, não só como cronista mas como contista também. Sinclair Pozza Casemiro, de Campo Mourão, que fora reitora da Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM), que possui uma enormidade de publicações entre estudos indígenas, trovas e outros. Nilto Maciel, do Ceará, um nome que deveria mais do que muitos estar em evidência em nossa literatura, contista, poeta, romancista e cronista da História da Literatura Cearense. O Nilto me permitiu entrar no mundo literário cearense, o que me deixou maravilhado, por não saber da gama de escritores de qualidade que se originam de lá. Atualmente, aqui em Maringá um que admiro muito, não é Machado, mas é Assis, o Antonio Augusto de Assis (ou A. A. de Assis, como é conhecido). Muitos são os nomes que acredito que todos devem conhecer. A emoção da descoberta é indescritível.

Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Sempre. Ontem, hoje e amanhã. O poeta é peça fundamental em todos os tempos, pois faz com que viajemos por mundos que nunca imaginamos, ou que imaginamos e nunca sentimos, ou mesmo mostra a realidade nua e crua. Não importa como escreva, o que vale é o final: que sintamos o que há em suas palavras, seja alegria, tristeza, revolta, amor, ódio, etc. A poesia é a vida, é o que nos rodeia. Quando Deus criou o mundo, nos deu a poesia. O que fazemos dela, é nossa responsabilidade. A Natureza é “divina”, e no entanto o ser humano resolve colocar as suas cores escuras, sombrias. Poesia é estar em contato com Deus.
Num imenso palco, o amor
destaca nos jardins meus
um carvalho, com fulgor,
que é ponte entre mim e Deus!…

PRÊMIOS

Tem prêmios literários?

Apenas uma trova premiada em Cruz Alta, no RS, já se fazem muitos anos, nem recordo quando, mas a trova era assim. O tema era Juventude
Foram felizes instantes,
juventude na querência.
Hoje em terras tão distantes,
pilcha… mate… sinto ausência.

Poesia tentei vários concursos sem sucesso. Cronica já pensei em tentar, mas tem tanta gente a divulgar, que não encontrei um tempo para eu montar. Já tenho a idéia formada, sei o que escrever… o tempo é que é curto. Lembra um poema que fiz sobre o tempo: A Locomotiva da Vida
A locomotiva corre
Corre que corre
Corre que corre.

Corre levando a gente
Corre trazendo a gente
E a gente corre e corre
Neste leva-e-traz.

A locomotiva corre e apita
Corre e apita
Corre e apita.

Apita o início do jogo,
Apita a voz de comando
Apita a batalha da vida
Apita a vida passando.

A locomotiva corre e pára
Corre e pára
Corre e pára.

Pára na estação
Pára na carga e descarga
De meus momentos de indecisão.

Vai que vai
Vou que vou
Fico que fico.

E a locomotiva apita
E ela corre que corre
E lá vai ela
E lá vou eu!

Corre que corre,
Corre que corre,
Corre que corre…

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR

O que te choca ?

A educação estar em total decadência devido a falta de respeito dos próprios governantes para com os seus mestres. O mestre deixou de ser herói para ser o vilão.
A violência escancarada que existe nas ruas. Vivemos em casas fechadas com chaves, alarmes, cadeados, grades nas janelas, etc. Será que nós não estamos sendo prisioneiros?
Uma chave carregamos
Porta de um mundo melhor.
Entretanto não largamos
A muleta de um bem pior.

O que lê hoje em dia?

Geralmente os escritores brasileiros costumam me enviar livros de sua autoria para minha apreciação, e eu os leio, além de outros que compro, geralmente em sebos, autores não tão conhecidos. São romances, poesias, trovas, contos, históricos, enfim, todos os gêneros. Mas os de cabeceira e sempre presentes, são Nilto Maciel, Átila José Borges, Carolina Ramos, Izo Goldman, Vânia M. S. Ennes, Alberto Paco, Machado de Assis, Luis Fernando Verissimo, Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Paulo Leminski, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.

A Vânia fez uma coletânea de trovas formidável, com destaque ao Paraná, mas não negligenciando os trovadores do Brasil e de fora, vivos e falecidos, um documento histórico. O Paco possui romances de qualidade que não ficam em nada a dever aos romancistas brasileiros, e que realmente nos cativam. Linguagem simples, direta e envolvente. O Nilto é obrigatório para quem quer conhecer a literatura nacional. Seus contos são fascinantes, e nos fazem se emocionar e nos revoltar em dados momentos. Carlim, que retrata a vida dos cães que vivem na rua, faz com que nos emocionemos e, nós amantes dos animais, querer ajuda-los. Carolina e Izo são os “bam-bam” das trovas, nem há o que comentar, exceto pelos contos de Carolina que tive o prazer de conhecer, e que são muito divertidos. O Assis, não o Machado, o A.A., daqui de Maringá, considero um dos literatos mais completos do Brasil, trovador, poeta, haicaista, contista, cronista, colunista, e mais algum “ista” que não recordo agora (rsrsrs). Ícone de nossa literatura. André Carneiro, escritor de ficção científica de renome internacional, companheiro de luta de Mario de Andrade, Sergio Millet, e outros, memória viva de nossa literatura, infelizmente não reconhecido como deveria pela mídia. Claro que leio os livros que considero passageiros, que não ocuparão lugar na estante, como os Harry Potter ou Senhores dos Anéis, e alguns brasileiros famosos que por ética não menciono aqui.

Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Meu projeto maior é produzir um livro sobre escritores brasileiros conhecidos e desconhecidos que seja distribuído nas escolas de todo o Brasil. Está na hora de o Brasil conhecer os seus valores, de norte a sul, de leste a oeste. A divulgação é muito bairrista, está na hora de globalizar, de ver o Brasil como um só e não “panelas” aqui e ali.

CONSELHOS A NOVOS ESCRITORES

Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?

Primeiro que tenha lido bastante, antes de escrever. Quando for escrever, definir que público pretende alcançar, para escrever a linguagem deles. Escreva sempre que puder, mas seja sempre seu próprio crítico, e leia seus textos como se fosse um leitor, várias vezes e em voz alta para escutar o que escreveu. Não deixe seus textos esquecidos na gaveta, trabalhe eles. Não queria ser Paulo Coelho, Machado de Assis, Moacir Sclyar, etc., seja você mesmo. Críticas aceitem como forma de repensar seus textos e melhorar, ou deixar como está. Existem as negativas e as positivas, deve-se saber separar o joio do trigo. Mas, antes de tudo: Acreditar. Se acreditar, já terá 50% do caminho percorrido.

O que é preciso para ser um bom poeta?

Saber o que é poesia, e as que são consideradas pobres, para que não caia no campo da poesia batida, que será descartada de imediato. Escrever com coerência. Eu participei como jurado de Concursos de Poesias, e boa parte delas não tinham pé, nem cabeça. Não havia liga. Parece que veio um monte de idéias e quis colocar tudo de uma vez. Poesia, como qualquer texto, tem que ter início, meio e fim. Como a minha poesia “Simplesmente Sentindo”. A idéia é sempre a saudade, mas é maneira como se monta ela que dá seu valor e a liga: A Saudade, O Sentimento, O Desejo.
Quando sentir o vento tocar seus ouvidos,
sou eu
sussurrando o meu amor por você.

Quando sentir as gotas da chuva sobre seu rosto,
são as minhas lágrimas
que te encharcam com meu amor.

Quando sentir o calor de um dia de verão,
é o meu corpo
te abraçando e
te dando o calor de meu coração.

Quando olhar pela janela de seu quarto
e vir as estrelas piscando,
são meus olhos
que piscam como as estrelas
as palavras
“Eu te amo!”

Quando passear pelo parque
e vir uma árvore,
abrace-a e feche os olhos,
estará abraçando a mim,
meu corpo, meu coração
junto a si.

E se olhar para o alto desta árvore
ouça o farfalhar das folhas
É minha voz dizendo:
Eu sou teu para todo o sempre,
Volta para mim!

Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

1 – Que as guerras terminassem, e os povos se unissem no combate a fome, a miséria e as doenças.
2 – Que a humanidade pudesse mostrar sua grandeza ao respeitar o seu meio ambiente e os animais que os rodeiam.
3 – E… deixe eu pensar em mim um pouco: ter a capacidade de ajudar a mim e aos que estiverem próximos de mim.

E para encerrar a entrevista, trovas, conto (que prometeu acima) e poesia, de sua autoria.


ANSEIO
O instante nos separa
Voa no infinito
O pensamento,
Envolto em delírio
de felicidade.

Quando teus olhos
pousam em mim,
é como a brisa
a me beijar.
Com teus lábios
de seda.
Quero dormir em teus olhos!

Tua voz
diz coisas,
emanando a magia
contida em ti.
Seduzindo o universo
de meus pensamentos.
Embriagando-me
até o limite
da insensatez.

Tornou-se o meu mundo
e a mais pura
e terna verdade.
Envolveu-me
em seus encantos!

Tenho tanto amor
guardado
no fundo do coração –
não posso conter-me –
vou entregar-me
em teus braços,
abrir o coração,
envolver,
sonhar,
rir,
chorar,
acolher-te em
meu aconchego
E dar-te
a eternidade
de meu ser.

Quero presentear-te
com cada gesto meu.
Com o ar
que respiro.
Com meus sonhos,
meus desejos,
meu existir.
Que penetre em
meu corpo
minh’alma,
e deixe a tua marca
que tempo algum
irá apagar.

Quero mergulhar
em suas ondas
Sentir o seu afago.
E, nos deixar
devanear,
na maré do anseio!

TEMPO DE MAGIA
(Dedicado a Luciano Pavarotti)

Não há ninguém na velha rua suja!

Havia magia no ar
Entre as árvores quentes e sussurantes
Em um rio de sons
Através do espelho

A magia da música
Ilumina o caminho
Projetando nossas imagens
No espaço e no tempo,
A música tocando nossa alma…
A música do espírito.

Beber sonhos
Nos córregos,
Andar sobre o arco-íris
Como os duendes!

Está na hora
De abrir asas e voar
Viajar para algum lugar
Distante, bem longe
Levado pelo vento
Numa estrela cadente
Como uma borboleta
Solta no alto –
Espírito errante!

–––––––––––––––-

TROVAS

Num imenso palco, o amor
destaca nos jardins meus
um carvalho, com fulgor,
que é ponte entre mim e Deus!…

Ontem plantaste uma flor,
na rocha da solidão.
Hoje, dou-te com amor
um rosal do coração!

Caminhei por esta rua
procurando o eu calor,
Ontem, eu quis dar-te a lua,
hoje, dou-te o meu Amor!

Tantos passo caminhei,
por labirintos incertos…
Hoje, nas trovas achei
como vencer os desertos.

Jardineira… a flor do amor
regaste nos meus canteiros.
Hoje, dou-te o meu calor
na alameda dos pinheiros!

Ontem… Florestas… Encanto…
Flores a desabrochar!
Hoje, pinheiros em pranto,
um grito parado no ar!

Vejo o mar beijando a areia
no raiar de um novo dia,
ouço o canto da sereia,
com promessas de alegria.

Meu coração, em pedaços,
tinha um céu todo estrelado,
a esperança , em teus braços
e brisa de apaixonado!

Quando entregues à tolice
de uma insensata paixão,
vivemos tanta meiguice,
mas, no fim…. só decepção!

Amor! És como uma rosa,
cuja corola ao se abrir,
exibe a mulher formosa
que é o meu mais doce elixir!

Hoje, a saudade me envolve
e me cobre com seu manto…
meu coração se dissolve,
implorando o teu encanto!


CONTO: Uma Sexta-Feira Além da Imaginação

Noite!

A lua impunha no céu toda sua alteza, brilhante, redonda, branquinha, envolvida por um manto de estrelas a fulgirem como milhares de vagalumes.

E nós!

Nós voltávamos de uma viagem pelo tempo, uma viagem por recônditos esconsos da imaginação humana, muito aquém do pensamento de um simples mortal.

Vagamos por portas atemporais entre a realidade a loucura, infiltrando-nos em um labirinto de brumosos ignotos, numa procela entre o coevo e o pretérito.

Após abluirmos, regressamos à partícula de areia denominada planeta Terra, abaldeira e de grandeza impar.

Nós!

Seres dotados de poderes infinitos, reduzidos a uma grandeza inferior, por nossa própria incapacidade de compreender os nossos limites ilimitados.

A noite era seca. Nenhuma umidade no ar para quebrar a poluição que destrói nossos organismos, já infestados de componentes nocivos à nossa existência.

Ao descermos o último degrau da nau de incertezas, sentimos a garganta se contrair num desejo mórbido: Sede!!

Diante de nossos olhos, vislumbramos o portal que nos levaria a uma outra dimensão.

Conscientes de que ingressaríamos em um universo abacinado de sofrimentos desconhecidos, o nosso grupo expedicionário optou por percorrer o desconhecido. A princípio, manifestei uma recusa, entretanto, devido a insistência de meus companheiros, que se encontravam dispostos a enfrentar tal empresa de peito aberto, deixei o abantesma do medo de lado, e acompanhei-os.

Num repente, mergulhamos neste mundo de perigos e contradições e, qual senhores de nossa vontade, instalamo-nos em suas dependências ábditas.

Nossos corpos adaptavam-se gradativamente a este ambiente caracterizado pela própria descaracterização.

Momentos de delírio, de descontração. quebrado, às vezes, pela passagem de um ser alienígena que levado pela embriaguez do ambiente manifestava-se em arroubos delirantes e degradantes, pela degradação de seu ser.

Contudo, nossa presença não passou desapercebida pelos habitantes e, numa tentativa desesperada de obter nossa adesão, as suas presenças se fizeram sentir mais e mais, e chicotes cerebrais começaram a fustigar as nossas mentes, numa refrega hedionda entre o ser e o não ser.

Inclemente, as cordas estalavam e sentíamos um langor manifestar-se em nosso corpos, lentamente. Ou deixávamo-nos ser conduzidos a este labirinto infernal, ou seríamos trucidados qual carne na boca de leões famintos.

Para reforçar esta tortura, um ser aberrante se manifestou a altos brados, envolvido por um traje carmesim e agitando seus membros em torvelinho.

Aproximou-se de nós e incentivando seus algozes com chicotes cerebrais, esmorecíamos alucinadamente, com um gosto acerbo em nossa garganta.

Quando já estávamos subjugados a estes seres, um de nossos companheiros, num momento de lucidez, num arroubo conseguiu nos arrastar para fora desta dimensão.

Penetramos em nosso louco, estranho, zoneado, mas seráfico mundo, e continuamos nossa jornada por caminhos tortuosos através dos tempos.

Soubemos, então, que nesta aberrante dimensão, uma peste terrível se abatera e dominara a todos: “Galopera”, ou vulgarmente chamada “Dor de Corno”.

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Ney Gastal entrevista Mário Quintana (“Incomoda quando ninguém se preocupa comigo”)


Entrevista realizada por Ney Gastal para o Caderno de Sábado, do Correio do Povo

Podem achar engraçado, mas não vale rir. Em minha coleção de recortes, esta entrevista com Mário Quintana ficou sem data. Talvez haja explicações: o poeta sentava de frente para mim, na antiga redação do Correio. Eu o via todo dia, aguentava suas caretas, ranzinice, mau humor. Aquela imagem de santo barroco que ele cultivava, com a ajuda de todo o pessoal da redação, não era assim, uma verdade. Mas, também, ele tinha lá seus motivos para ser ranzinza. Ninguém, em toda a redação, era tão atazanado por chatos quanto ele.

Certa manhã, jamais vou esquecer, entrou apressado na redação, veio até minha mesa, me empurrou pedindo licença e foi avisando: “Diz que não estou”. E enfiou-se debaixo da mesa de aço. Logo atrás, surgiu redação adentro um dos maiores poetas e chatos que este país já teve. Quintana até era seu amigo e admirador de sua poesia, mas, como a maioria, não aguentava sua chatice pessoal e sempre que podia dava um jeito de sumir. Nem que fosse escorregando para baixo da mesa. Era assim, uma figura tão próxima e íntima (quem já teve um grande poeta escondido debaixo da mesa?) que esqueci de datar sua entrevista. Mas prometo pesquisar, descobrir e – assim que puder – colar aqui o devido registro. Por enquanto, basta dizer que foi publicada no “Caderno de Sábado” do “Correio do Povo”, relativo ao 70º aniversário do poeta. (Ney Gastal)

Entrevistar o poeta é como um duelo daqueles de filme antigo, em branco e preto, onde o bandido acaba inapelavelmente encurralado. Entrevistar o poeta é como um duelo, onde ele é o mocinho e nós, sem chance, o bandido. Raros são seus momentos de calma. Na semana de seu aniversário sempre há alguém querendo arrancar dele uma ou outra palavra. Por vezes apenas recusa; outras, lança um olhar desolado em torno, dá de ombros e sujeita-se; outras, ainda, levanta-se e traz o potencial entrevistador até o armário atrás de minha mesa, onde está colocada uma cópia da “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, e aponta o Artigo XII. Apenas isto, e poucos são os que continuam a insistir. Diz o artigo: “Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência nem a ataques a sua honra ou reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”. Sinto, poeta, mas era preciso que o ‘Caderno de Sábado” tivesse uma entrevista. E, afinal, alguém que é nada mais, nada menos, que a identidade secreta do Anjo Malaquias, deve ter um pouco de paciência, não?

MQ: O Anjo Malaquias é uma figura mitológica que criei como símbolo da frustração. Portanto, não se trata do seu autor.

A esta altura da vida, continuas teimando que te deixem em paz, que deixem de lado tua pessoa em função de tua obra. Mas por de trás desta modéstia deve haver uma grande vaidade por tudo que já foi feito. Não é?

MQ: Não se trata de modéstia. É que eu sou muito orgulhoso para ter vaidades, tão próprias dos satisfeitos. Um poeta, mesmo, nunca é um auto-satisfeito.

– Dizem que “os verdadeiros poetas não lêem outros poetas; os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais”. Tu, além disto, vives muito tempo dentro da redação do jornal. Ajuda a poetar?

MQ: Tudo ajuda poetar, tudo atrapalha poetar. Mas, nos momentos de criação, onde quer que se esteja, as injunções de ambiente desaparecem na alegria da criação. Poesia é alegria, porque, por mais infeliz que esteja acaso o poeta, se ele consegue expressar isso com toda a felicidade – cadê tristeza?

– Escreveram que terias dito que “Porto Alegre era uma pequena cidade grande; hoje é uma grande cidade pequena”. Foi isso? Pelo que ela era é que nunca saíste daqui?

MQ: O que eu disse, ou pretendia dizer, era que Porto Alegre era uma grande cidade pequena e hoje é uma pequena cidade grande. Será que bolei as trocas sem querer? Ou.serão permutáveis os termos da proposição? Mas até as cidades do interior se estão padronizando: lanchonetes, etc. onde estão aqueles antigos cafés e bares espaçados como um salão de dança?

– Como vive o poeta dentro da estrutura desumanizada que é este nosso planeta?

MQ: Há uma infinidade de gente que julga desumanizado o meio em que vive. Mas convém não esquecer que todos os grandes movimentos começaram com pequenas minorias.

– E a Academia Brasileira de Letras, aceitarias participar dela?

MQ: A Academia não convida. A gente é que tem de candidatar-se, solicitar votos pessoalmente, arranjar pistolões. Há gente que não dá para isso. Eu também não.

– O poeta simples é assunto para críticas complexas. Como vês a crítica e como encaras os críticos?

MQ: Gosto da crítica interpretativa. Só não gosto da que condena um poeta pelo que ele não é.

– A tua poesia tem sido efetivamente compreendida pela crítica?

MQ: Augusto Meyer, Carlos Dante de Morais, Fausto Cunha, Guilhermino César e alguns outros não oficialmente críticos antes de tudo “sentiram” a minha poesia e por isso mesmo a compreenderam.

– Quais os poetas que influíram na tua formação? Há entre eles algum gaúcho?

MQ: Primeiro o “Tico-Tico”, depois Antônio Nobre, que foi meu companheiro de infância. Ah, e Camões, o velho bruxo!

– Tuas leituras de moço abrangeram a poesia inglesa ou toda tua formação foi através de francesa?

MQ: Apenas através da língua francesa: vim da “Belle Époque”…

– A pergunta clássica: como conceituas tu mesmo a tua poesia?

MQ: Uma poesia profundamente emotiva. Daí, a ter ela atravessado três gerações.

– Voltando um pouco atrás: conta um pouco de tua vivência aqui na redução do “Correio”.

MQ: A minha vivência no “Correio” é ótima para a minha saúde espiritual, devido ao bem com que me tratam..

– Pergunta sugerida por um diretor teatral: és um poeta solteiro ou um poeta sem mulher?

MQ: Agora, aos setenta, sou um solteiro viúvo.

– Do cinema de todas as semanas, o que mais te marcou? Há muito e há pouco tempo.

MQ: Há muito tempo “O Cidadão Kane”. Recentemente, “Um Estranho no Ninho” e “Cabaret”.

– Do cinema para a televisão. É que seguido estás olhando para o aparelho aqui da redação. Gostas ou é porque ele está tão perto de tua mesa?

MQ: Aquelas figuram que se movem na TV causam o efeito sedativo de quando a gente olha a dança das chamas na lareira. Sedativo, desde que não se preste atenção ao que dizem.

– Recebes melhor estudantes que vêm te entrevistar do que jornalistas. Por que a discriminação?

MQ: Os estudantes e as estudantes me fazem voltar à idade deles. Tenho o dom de sempre me achar com a mesma idade das criaturas com quem estou falando. Se há alguma discriminação, deve ser esse o inconsciente motivo.

– O “Caderno H” é composto de frases sobre vários assuntos. Que tal uma frase sobre o “Caderno H”?

MQ: Hummm… Uma coisa inominável?

– Falam de tua solidão, muita gente diz preocupar-se com ela. Mas não me parece que o poeta seja um ser só. Talvez os outros projetem nele suas próprias solidões. Não é?

MQ: O único problema da solidão é saber como preservá-la. Não poder estar só é o que acontece a um indivíduo (?) do rebanho. Tens razão ao dizer que um poeta não te parece um ser só. Tive amigos, sim. Morreram. É difícil estabelecer novas amizades porque uma amizade se baseia em velhas recordações comuns.

– No futuro os estudiosos da literatura brasileira vão esbarrar num muro de silêncio, ao estudarem Mário Quintana. Por que não falas sobre ti, sobre teu passado. Por que este recato tão grande com tuas recordações ?

MQ: A minha biografia está implícita nos meus poemas. Toda confissão não transfigurada pela arte é uma falta de linha, uma presunção. O que é que os outros tem a ver com isso?

– Três poetas da nova geração e do teu agrado?

MQ: Daqui dos pagos ? Ayala, Duclós, Nejar, Trevisan, em ordem alfabética.

– Pretendes repetir Goethe e ser um velho prolífero ou achas que há um momento para silenciar?

MQ: Às vezes tenho momentos de “Lama, lama, sabáctani” e penso que a lagoa secou e só ficou o jacaré. Mas de repente me dá uma coisa, um treco, e sai um poema, uma observação. Isto me alegra por causa de meus leitores, dos meus fregueses de Caderno.

– Projetos?

MQ: Viver.

– Ressentimentos?

MQ: São passageiros.

– Por que respostas tão curtas?

MQ: O laconismo é a essência do estilo.

– Além de dar e suportar entrevistas, o que mais te incomoda?

MQ: É quando ninguém se preocupa comigo.

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/

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Baú de Trovas (Esperança)

Na vida tudo se alcança,
quando a Esperança se tem!…
Porém se morre a Esperança,
a vida morre também.
A..B. LOPES RIBEIRO – MG

Esperança – voam aves…
Galhos, cascas flutuando…
Colombo comanda as naves
cheias de nautas cantando.
ADALBERTO DUTRA DE RESENDE – PR

Quanta vez em tristes rotas
tombei sem me ter queixado
porque nas minhas derrotas
tive a Esperança ao meu lado.
AGMAR MURGEL DUTRA – RJ

No verdor da mocidade,
 quanta esperança entretive!
 Agora tenho saudade
 das esperanças que tive!
 ALFREDO DE CASTRO –  MG

A esperança é voz do Além
  que nesta vida nos guia.
Sem este amparo ninguém
às mágoas sobrevivia.
ANA ROLÃO PRETO M. ABANO – ANGOLA

Mãe que traz uma criança
nas entranhas do seu ser,
carrega a própria esperança
no filho que vai nascer.
ANIS MURAD – RJ

Há muita gente na vida
que a felicidade alcança,
não por ter sorte florida,
mas por viver de Esperança!
ANTONIETA BORGES ALVES – SP

Pensando, na tarde calma,
 logo me ocorre à lembrança
 que a própria vida tem alma,
 e a alma da vida é a esperança!
 APARÍCIO FERNANDES – RJ

A Esperança se revela
 em cousa bem natural:
 um sapato na janela
 numa noite de Natal!
 ARCHIMINO LAPAGESSE – RJ

Desde o tempo de criança
– de ingênua colegial –
fiz de ti minha esperança
e só tenho esse fanal.
ARIETE REGINA DE PAULA FERNANDES – RJ

Por que é verdade a esperança?…   
Se todo o mundo soubesse…
– É que, por mais que se espere,
ela nunca amadurece…       
PE. BELCHIOR D’ATHAYDE – BA

Que não seja a tua esmola,
vazia de coração;
a esperança mais consola
do que um pedaço de pão.
CÉLIA CAVALCANTE – RJ

Há muito mais esperança,
 segundo o meu evangelho,
 numa lágrima de criança
 que num sorriso de velho.
 COLBERT RANGEL COELHO –  RJ

Entre o meu pai – já velhinho,
 e o meu filho – uma criança,
 vejo estender-se o caminho
 por onde passa a esperança.
 DENANCY MELLO ANOMAL – RJ

Esperança – chama acesa
no coração a brilhar.
quando ela morrer, a tristeza
vem tomar o seu lugar.
DINARTE BARBOSA ARMOND – MG

A esperança é como um sopro
 de vida, dado por Deus.
 É o dia, depois da noite,
 é a volta, depois do adeus.
 EDGAR BARCELOS CERQUEIRA – RJ

Todos nós temos na vida,
quer seja agitada ou mansa,
a doce, a terna guarida,
onde se abriga a esperança!
EDNA DE CASTRO – MG

A dor de tua partida,
que não sai da lembrança,
já me levou mais que a vida:
levou-me toda esperança!
FRAZÃO TEIXEIRA – RJ

Esperança – bem que enleva
nossa vida, no presente;
– um raio de luz na treva
  do incerto amanhã da gente.
GERALDO PIMENTA DE MORAES – MG

Ante a inclemência dos fados
da vida em cada revés…
Consolo dos desgraçados!
– Esperança é o que tu és!…
HONÓRIO SANTANA – BA

Com mágoa de toda a sorte,
se a velhice nos alcança,
crendo que há vida na morte,
temos na morte, Esperança.
JOÃO BATISTA DE AZEVEDO – MG

Esperança – céu nublado
 no Nordeste, os bois ao léu;
 o sertanejo ajoelhado,
 de mãos postas para o céu…
 JORGE MURAD  – RJ

Neste mundo que nos cansa
 tanta maldade se vê,
 que a gente tem esperança
 mas já nem sabe de quê…
 JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAÚJO – RJ

Esperança e, simplesmente
um sentimento perjuro:
são mentiras no presente…       
desenganos no futuro…
LECTÍCIA PIRES RANGEL COELHO – RJ

Quando a ventura está morta,
deixando a dor como herança,
nossa alma se reconforta,
buscando a luz da esperança!
LEONARDO HENKE – PR

Mesmo sendo uma quimera
 a Esperança anima e acalma,
 pois ela, enquanto se espera,
 enche de rosas nossa alma!…
 LINCOLN DE SOUZA – RJ

Esperança é aquela estrela
de verde luz envolvida,
a cintilar, pura e bela,
no céu escuro da vida.
LÚCIA LOBO FADIGAS – RJ

Numa era de baixeza,
num mundo de podridão,        
a esperança  é a tocha acesa
que trago no coração.
 LUIZ EVANDRO INOCÊNCIO – RJ

A Esperança corre, voa,
mas deixa por onde passa,
uma impressão suave e boa:
de paz, de amor e de graça.
MANOELITA AMORIM MEYER – MG

Quando um bem está perdido
outro nos vem consolar –
Esta esperança, querido,
Deus não me pode negar.
MARIA CARMEM SAUER BATISTA – RJ

Culpada de minha dor,
 foi a esperança, Maria.
 Leu nos teus olhos – amor
 em vez de ler simpatia.
 MARIA JOSÉ BARCELLOS CERQUEIRA – RJ

De flores tão enfeitada,
loiros cabelos em trança
Neste esquife azul , deitada,
vai toda a minha Esperança.
(MARIA JOSÉ FORTES BRAGA – MG

Esperança, isto se chama
e a todo instante acontece:
uma carta… um telegrama…
um meigo olhar… uma prece…
MAURO BARBOSA ARMOND – MG

Com o verde da natureza
e o sorriso da criança
Deus coloriu a tristeza
pondo no mundo a esperança.
NATAL MACHADO – DF

Podes perder mocidade,
amor, ventura, abastança,
nada perdes, em verdade,
se te ficar a esperança.
OCTACÍLIO AZEVEDO – CE

Esperança – nordestino                
numa cerca debruçado,
contemplando, sol a pino,
o verdejante roçado.
OLDEMAR ANDRADE – RJ

No porto dos meus anseios
 esperanças são navios,
 que de manhã partem cheios
 e à tarde voltam vazios…
 ORLANDO BRITO – SP

Quando minha alma sentida
nesta vida nada alcança,
inda me resta na vida
– graças a Deus ! – a esperança!
RODOLFO COELHO CAVALCANTI – BA

Quem quiser ver a Esperança
olha uma noiva no altar,
fite um rosto de criança,
repare uma mãe rezar!
SEVERINO UCHOA – SE

No tédio de minha vida
de emoções vazia e nua,
só me torna comovida
a Esperança de ser tua…
VERA MILWARD DE CARVALHO – SP

Ai, do pobre, sem carinhos,
cuja dor se vê na face,           
se no meio dos espinhos,    
a esperança não brilhasse…
VIRGILIO GUERREIRO – SP

N’alma, a esperança reflete
 uma risonha mentira,
 pois é o que a vida promete
 em troca do que nos tira…
 WALTER WAENY JUNIOR – SP

A fonte da minha vida
– o meu  sonhar de criança –
não ficou toda perdida…
– Vive um pouco na Esperança…
 ZALKIND PIATIGORSKY – RJ

Fonte:
Organização em ordem alfabética dos trovadores por José Feldman. Trovas selecionadas de 100 Trovas  sobre a  “Esperança”, dos I Jogos Florais de Pouso Alegre. Disponível no site de J. G. de Araújo Jorge. http://www.jgaraujo.com.br/trovadores/11_trovas_sobre_esperanca.htm

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Bruna Coletti (A Escritora em Xeque)


Bruna Luizi Coletti (1989) nasceu no interior do Paraná. Adepta à leitura desde muito cedo, começou a escrever poesia aos 10 anos de idade.
Na adolescência, passou a dedicar seus escritos a contos de ficção, terror e fantasia, fazendo muito sucesso no seu círculo de amigos e colegas da faculdade.
Autora de muitos contos, escritos, não tem, ainda, nenhum publicado. Atualmente vive no litoral catarinense, onde se dedica exclusivamente a escrever e melhorar suas histórias fantásticas.

===
Conte a sua relação com a escrita
Justificar
Bruna | Desde pequena meus pais sempre foram bons leitores e me incentivaram muito por esse caminho. Aos 10 anos comecei a escrever poesias no colégio, e percebi que gostava de escrever e ser apreciada por isso, porém deixei esse hobby de lado após alguns meses. Aos 17, impulsionada pelos livros que lia e pelas músicas de metal pesado, voltei ao papel e caneta com histórias fantásticas e sanguinárias que fluíam facilmente. Desde então, nunca mais consegui segurar essa torrente de palavras, apenas moldando e aperfeiçoando o estilo da escrita, mas não desviando do foco do terror e do fantástico.

A escrita tem relação com sua profissão?

Bruna | É o que eu espero! Passei alguns anos escuros tentando me adaptar aos números, quando cursei bacharel em química. Mas de nada adiantou eu tentar refrear meus impulsos, e agora em 2010 inicio o curso de letras-português, e espero passar o resto da minha vida entre letras e palavras.

Qual é a sua rotina para escrever: desde quando, em qual hora do dia, com que frequência, como, onde etc. escreve?

Bruna | Sou uma criatura de hábitos noturnos. Escrevo e penso melhor entre a hora que o sol de põe até alguns minutos antes do nascer do sol. A frequência e local são independentes, desde que os solos de guitarra e as passagens de bateria possam ser os únicos sons ao meu redor. A música é a minha melhor companheira de aventuras literárias.

Quais são seus escritores favoritos?

Bruna | Stephen King sempre será meu maior ídolo e fonte de inspiração. A versatilidade dele me impressiona, e as descrições de personagens e ambientes é fantástica. Cada passagem de suas histórias posso ver em minha mente com todas as cores.
Machado de Assis, na fase realista. É impressionante como alguém pode analisar e transpassar no papel tão bem o caráter (e a falta do mesmo).

Sobre esse seu conto: como foi o processo de escrita? (Como você escreve, se estrutura todo o conto antes de escrever, quanto tempo leva, se reescreve, se pede para amigos lerem etc.)

Bruna | Esse foi o primeiro conto que eu escrevi nessa linha de ficção/terror. Foi algo extremamente novo, e surgiu a partir da imagem da janela com a árvore seca. Essa tela se formou na minha mente, e aos poucos todo o quadro foi se pintando em torno disso, com o sangue, o canibalismo e a imagem translúcida e atormentada da órfã solitária. Só deu tempo de pensar “preciso escrever isso!”. Era no meio da tarde e eu trabalhava como operadora de caixa numa loja de confecção. Me apossei do Word 98 do computador do crediário e bati as duas folhas com uma fúria inimaginável. A história fluiu assim, do começo ao fim sem pausas. O título foi mudado inúmeras vezes, e até hoje não me contento com ele! Mas foi assim que ficou conhecida, e café da manhã no inferno foi o conto que abriu meus olhos pra esse novo hobby, que hoje é uma das minhas maiores fontes de prazer!

O que é mais importante: ter uma ideia inovadora ou um desenvolvimento bem trabalhado?

Bruna | É uma amálgama dessas duas coisas. Uma ideia ruim dificilmente pode valer a pena, mesmo muito bem trabalhada. E uma ideia boa perde o brilho quando não é bem elaborada.

Para você, o que é qualidade na obra literária? Como você avalia o que você escreve? Você relê e reescreve a primeira versão de seu texto?

Bruna | Antes de observar a estrutura da escrita, a primeira coisa que observo é o enredo. A história precisa prender, deixar aquele gostinho de “e agora?”. Os personagens devem ser marcantes, as frases precisam ter impacto. As ações devem correr naturalmente, e as coisas devem ser sentidas como uma bofetada na cara do leitor. Nada é mais pedante do que ler algumas linhas e já deduzir toda a história. A surpresa é o melhor tempero para um bom conto. Depois analiso a estrutura geral do texto.

De sua experiência com a escrita, qual foi a lição mais valiosa que aprendeu?

Bruna | Não existe nada melhor do que um leitor critico e anônimo. As maiores melhorias que eu tive na minha forma de escrever foi ouvindo atentamente as análises de pessoas desconhecidas que leram os meus contos na internet. Porque amigos e parentes sempre vão ver seus pequenos deslizes literários com olhos condescendente, mas o desconhecido não terá medo de te aplaudir com eloquência ou vaiar furiosamente. E é aí que você percebe vícios de escrita ou furos que, quando corrigidos, deixam a leitura muito mais agradável.

Acho que é isso pessoal! Muito obrigada pela oportunidade maravilhosa de poder divulgar um pouquinho o meu trabalho! Bons pesadelos a todos, e espero continuar fazendo meus leitores dormirem de luz acesa por muito tempo!
Bruna Coletti.

Fonte:
http://www.literal.com.br/artigos/entrevista-com-bruna-coletti

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Guido Wilmar Sassi (O Escritor em Xeque)


entrevista publicada no jornal da Fundação Catarinense de Cultura de setembro de 2002

Como apresentaria sociológica e culturalmente seu núcleo familiar de origem e seu meio ambiente? (Onde e quando nasceu, a família, os pais, a infância, as primeiras experiências, os brinquedos, etc.)

– Guido Wilmar Sassi – Nasci em 1922, em Lages, interior de Santa Catarina. Família pobre. Lages era, então, uma cidadezinha. Quando eu tinha sete anos, a família mudou-se para Campos Novos, muito mais cidadezinha do que Lages. Dos sete aos dezoito anos, morei em Campos Novos – lá passei a época mais feliz da minha vida.

O mar sempre foi uma das minhas maiores paixões. Então, como as cidades da minha infância e juventude situavam-se a uns novecentos e tantos metros de altitude, e muito longe do litoral, eu inventava setenta e sete vezes sete mares para meu uso próprio e prazer particular. Isso graças aos filmes e livros de aventuras marítimas e principalmente a minha imaginação e fantasia, que nunca respeitaram limites, fronteiras ou acidentes geográficos. As árvores eram os meus navios. Eu era tudo: grumete, marinheiro, pirata, imediato, capitão e armador – enfim, o criador, o dono absoluto, pois, não raro, em batalhas memoráveis, eu costumava pôr todos os meus navios a pique. Desses meus barcos, um eucalipto enorme eu transformei em pinheiro (araucária) e contei sua história (mais ou menos real) no conto “O naufrágio do Black Ship”, publicado em “Este Mar Catarina”, antologia de autores catarinenses.

Hoje eu moro literalmente a dois passos do mar, meus filhos são mergulhadores profissionais, escrevei contos e romances marinhistas, mas ainda sinto uma baita saudade do meu mar de outrora, o oceano de mentirinha da minha infância.

Meus avós paternos, os Sassi, eram italianos, agricultores e analfabetos. Foi pequena minha convivência com eles. Lembro que Nonno Velho fumava cachimbo enorme e fedorento, cujo sarro ele costumava receitar para dores de dente e de ouvido!!! Clemente Sassi ignorava o dia, o mês e até mesmo o ano do seu nascimento; sabia apenas que nascera na época do plantio de milho… na Itália. Ah! Ele também não sabia dizer o nome da aldeia onde se dera o nascimento.

Apesar da paralisia infantil (poliomielite) que me atacou aos dois anos de idade, e da pobreza relativa, minha infância foi muito feliz. Superei as restrições impostas pela doença e consegui dançar (danço até o rock e a lambada – é só haver ocasião, inspiração e provocação), praticar esportes e espantar os fantasmas do complexo de inferioridade.

Hoje, vistos à distância, e analisados friamente, chego à conclusão de que meu pai e minha mãe foram as pessoas mais maravilhosas do mundo. Minha mãe, principalmente, devia ter algum parentesco com as fadas: ela transformava tecidos feios e sem graça em roupas lindas; em suas mãos e com o seu tempero o alimento mais trivial logo virava comida saborosa ou delicioso doce.

Quase todas as consoantes da língua alemã foram usadas no sobrenome do meu avô materno: Clemente Hamitzsch. Náo o conheci. Ele sempre me pareceu uma pessoa misteriosa, figura de ficção de romance. Pelo que me contaram, dele herdei o gënio violento e o gosto de admirar as artes plásticas. Meu avô alemão era escultor, mais propriamente um imaginário. Tempos atrás, andei procurando em Lages as suas esculturas. Encontrei um São José feito por encomenda e alguns trabalhos de cantaria no cemitério da cidade. Clemente Hamitzsch morreu no início do século – dizem que se matou. Faço dele a imagem de um aventureiro, uma espécie de cavaleiro andante beberrão e fora do seu ambiente e do seu tempo.

-Lembra de algum episódio gostoso ou dramático do primeiro período de sua vida?

Guido Wilmar Sassi – Aconteceu na minha infância um fato muito importante que iria decidir minhas leituras futuras e influenciar minha vocação literária. Encontrei o objeto dessa influência na mesa de leitura de minha avó: um velho dicionário. O livro, de tão velho, já estava sem capas e sem as páginas iniciais e finais. Fui buscá-lo agora mesmo na minha estante para confirmar. Meu Deus, como ele é velho! – somente comigo já está há mais de setenta anos. Meu dicionário começa na página 17 e não tem as letras “w”, “x”, “y” e “z”, cabendo registrar, ainda, que a letra “v” está incompleta. Creio que esse dicionário foi minha primeira leitura. Nunca soube quem foi o seu autor, e agora não quero mais ficar sabendo: é um mistério gostoso ignorar quem elaborou um livro que me ensinou tanto.

Existem várias histórias envolvendo o meu velho dicionário. Vou contar uma. No curso primário, quando minhas aulas eram a tarde, emprestei o dicionário a um amigo que freqüentava o mesmo curso, porém na parte da manhã. Passaram-se alguns meses e eu cheguei a esquecer o amigo, o empréstimo e também o dicionário. Certa vez, quando coloquei meus pertences escolares na carteira, lá encontrei o meu querido livro – o amigo descuidado ali o esquecera. Não pensei duas vezes: levei o dicionário para casa e solicitei ao amigo a sua devolução. Que drama! Até Santo Antonio foi convocado para reencontrar o livro. A mãe do rapaz levou o caso ao conhecimento de uma velha que deitava as cartas, via a sorte das pessoas e descobria o paradeiro das coisas. Tudo inútil. Então, para saldar a dívida, meu amigo pagou-me o preço de um livro novo: cinco mil réis. Uma boa quantia, na moeda da época. Foi a primeira vez que ganhei alguma coisa com os livros. Se eu me envergonho da safadeza? Não, absolutamente não.

– Qual o tipo de educação recebida?

– Guido Wilmar Sassi – Cursei o primário e parte do ginásio, enquanto meu pai era vivo. Deixei os estudos, sem concluir a quarta série ginasial. Tornei-me autodidata.

-Qual a “biblioteca”, as leituras de seus verdes anos?

– Guido Wilmar Sassi – Minha primeira leitura foi, sem dúvida, o velho dicionário de minha avó. Ele despertou meu gosto pela literatura e mito contribuiu para o nascimento de minha vocação de escritor. Somente depois de muitas viagens através do maravilhoso léxico foid que descobri os livros infantis, os policiais, os romances de aventuras e de ficção científica.
Quando recordo minhas primeiras leituras, não posso deixar de mencionar a grande biblioteca oral que se chamava

Gertrudes Hamitzsch, minha avó. Eu era ainda bem criança quando ela me apresentou a um certo Shakespeare – isso muitos anos antes que eu aprendesse a ler. Naquele tempo havia umas litogravuras que reproduziam cenas das peças mais famosas do célebre dramaturgo inglês. Vó jamais entendeu direito o que o amalucado Hamlet fazia com uma caveira nas mãos. E, como nas litogravuras não havia nenhum texto, nunca nos importamos com o tão conhecido dilema “to be or not to be”. D. Gertrudes se emocionava sempre que se referia aos trágicos amores de Romeu e Julieta, mas eram as estampas de Otelo que a apaixonavam mais. No conceito de vovó o Doge de Veneza era apenas o “coitado do pai”; Desdêmona se transformava em “a pobre da moça”; e ao mouro Otelo minha avó reservava uma apreciação nada elogiosa: “não passa de um caco sujo”. Vovó er ameio racista. Com o tempo, descobri que o velho William Shakespeare dera apenas o chute inicial; a mais das histórias, na maioria das vezes, era tudo invenção de minha avó.

Quando eu tinha mais ou menos doze anos, mudamo-nos para uma casa na qual havia um sótão enorme. Ah, o sótão da minha infância! Era o país dos mistérios, dos milagres, das coisas fabulosas, dos segredos apaixonantes, da fantasia e do encantamento. No sótão o antigo dono da casa deixara um caixoto cheio de livros. Pirata algum jamais se apossara de butim maior – nem tão precioso. Um dos livros, sem as capas e sem as primeiras e derradeiras páginas, tratava das andanças de um povo errante e brigalhão, que morria e matava por causa de um Deus Único, e cujos herós estraçalhavam leões, dizimavam exércitos, decapitavam gigantes, faziam parar o sol, abriam caminho nas águas dos mares e atormentavam e venciam o poderoso Pharaó, rei de um país de nome Egypto. Esse livro fazia menção a um verbo de poderes mágicos: homens lutavam por causa desse verbo, crianças nasciam pelos seus efeitos. Na época eu descobri o significado do termo conhecer, mas somente alguns anos mais tarde fiquei sabendo que estivera lendo a Bíblia.

Mais tesouros havia no caixote: gramáticas de línguas estrangeiras (alemão, inglês e francês), compêndios de Física e Química, de História Natural e História Universal, manuais de Medicina. Tudo isso eu li, ao mesmo tempo em que fazia outras descobertas: Monteiro Lobato, nosso grande autor de livros para crianças, Robert Louis Stevenson (O Médico e o Monstro, A Ilha do Tesouro. Ah, maravilha! Eu fui Jim Hawkins uma centena de vezes), Sherlock Homes, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano, Cervantes, Emílio Salgari, Tarzan, Júlio Verne e o universo encantando da ficção científica.

Daí, quando o conteúdo do caixote acabou, eu passei a vender garrafas e vidros para comprar livros. Os vidros tinham que ser lavados primeiro; era ssim: a gente pegava os vidros, enchia-os com água, sabão e grãos de milho ou bolinhas de chumbo, e chacoalhava até cansar o braço. Então a farmácia de Campos Novos comprava os vidros para enchê-los com remédios.
Eu levava uma eternidade inteira lavando os vidros e farrafas para juntar o necessário a compra de dois ou três livros; de depois, eu tinha que esperar mais toda uma eternidade até que os volumes chegassem a cidadezinha. Mas era compensador – eu conquistava séculos, milênios de entretenimento e cultura.

– Repassando na memória esse período de formação, encontra a figura de um “mestre” de vida que o marcou?

– Guido Wilmar Sassi – Mamãe e vovó foram as minhas verdadeiras mestras, na vida e na literatura. Meu pai, o velho Chico, ensinou-me a ser homem, a ser gente.
Houve também um irmão franciscano, Frei Sebastião da Silva Neiva, cujas lições foram de grande proveito para a minha formação literária. O querido e saudoso Teacher (ele era professor de português e de inglês) dirigia em Lages um pequeno semanário; foi ele quem publicou meus primeiros escritos.

– Como, quando e por que começou a escrever? Como nasceu a vocação de escritor?

– Guido Wilmar Sassi – Minha vocação de escritor deve ter sido herança de minhas duas mestras: Mamãe e vovó. O ambiente em que passei a minha infância e a juventude, apesar de todos os percalços e limitações, era notadamente literário. Depois de algumas gerações de escritores frustrados, sem livros, a minha geração teria que, forçosamente, dar um escritor.
Não sei exatamente quando comecei a escrever. Deve ter sido quando comecei a ler pelo prazer da leitura e, assim, creio que as minhas primeiras experiências literárias se iniciaram aos doze anos de idade.

Eu sempre quis ser ficcionista: contos, novelas e romances. Outros gêneros não me tentaram. Queira ou não queira, tenho que voltar o meu velho dicionário, tenho que responsabilizá-lo, em grande parte, pelo nascimento da minha vocação. Toda a vida eu considerei o dicionário um livro de viagens, de aventuras, e o meu primeiro dicionário, sem capas, sem título e sem autor, foi o meu primeiro barco no mar das palavras. Hoje, quando sou verbete de dicionários e trechos dos meus livros são citados para abonar vocábulos (Aurélio – Novo Dicionário da Língua Portuguesa), ainda consulto o meu amado léxico. Abro suas páginas (são as velas de um navio amigo, seu porão está repleto de lembranças, de saudades) e viajo nele… e com ele.
É antiqüíssima a ortografia do meu dicionário. Não sei mais quantas reformas ortográficas o português do Brasil sofreu depois que me tornei seu dono. Farmácia, fósforo e tísica estão grafadas assim: pharmamcia, phosphoro e phtisica. Uma delícia.

Volto sempre ao dicionário e também volto à Bíblia despedaçada que encontrei no sótão, a velha Bíblia cuja ortografia é a mesma do dicionário; foi nela que pela primeira vez deparei com os vocábulos “amphora” e “drachma”. Ânfora e dracma, conforme se escreve atualmente, não possuem o mesmo encanto, a mesma dose de mistério.

Ah, o mistério e a beleza das palavras na sua forma física, visual. Sempre fui apaixonado pelos vocábulos em si, no seu aspecto gráfico. E depois, mais apaixonado e fascinado ainda, gosto de sair, feito um detetive, à cata de seu significado. Com o auxílio de um dicionário, é claro.
A matéria prima de qualquer gênero literário é a palavra. Grande descoberta! Dicionários são depósitos de palavras. E assim, apaixonado pelos dicionários como sempre fui, e amando tanto os dicionários, eu teria que – por bem e por mal – tornar-me um escritor, mais especialmene um ficcionista.

– Considera seu primeiro livro publicado um sucesso, um insucesso, um marco determinante em sua vida?

– Guido Wilmar Sassi – Estreei em 1953, com um livro intitulado PIÁ, coletânea de contos que têm a criança (em todas as camadas sociais) como figura principal.

Foi um grande sucesso, consideradas as circunstâncias. O livro, escrito nas então pacatas cidades de Lages e Rio do Sul, interior de Santa Catarina, foi publicado em Florianópolis, capital do Estado. Edição de quinhentos exemplares. Isso mesmo: quinhentos exemplares! Distribição não houve. Eu e alguns familiares nos encarregamos de vender ou dar alguns volumes. Regular número de exemplares foi vendido em Florianópolis na Livraria Anita Garibaldi, então de propriedade do meu amigo e editor Salim Miguel, que mais tarde, em 1964, foi criminosamente incendiada. A vendagem foi suficiente para custear as despesas da edição. Um verdadeiro sucesso.

Com a publicação do meu primeiro livro quase ganhei um prêmio, o Fábio Prado, naquele tempo um dos mais importantes certames literários do país.

Graças ao volumezinho fio, de capa modesta e folhas grampeadas, consegui intercâmbio cultural com muitos escritores e publicações nacionais e estrangeiros, e tornei-me conhecido em todo o Brasil e no exterior. A estréia me proporcionou uma visão nova das coisas editoriais, da literatura e da vida.

A estréia foi um marco determinante em minha vida, pois veio confirmar minha vocação de escritor.

Um detalhe: PIÁ jamais foi reeditado, e lá se vão quase quarenta anos. Meu livro de estréia continua desconhecido até mesmo (e principalmente!) em minha cidade natal.

– Acontecimentos que o marcaram determinantemente, a nível literário:

– Guido Wilmar Sassi – 1949 – Publico um conto na Revista do Globo, uma das mais importantes do país. Contato com o Grupo Sul, de Florianópolis – é o início de minha carreira literária.
1953 – Sucesso: publico meu primeiro livro, uma coletânea de contos – PIÁ.
1957 – Grande sucesso: publico meu segundo livro de contos, AMIGO VELHO, coletânea que tem como personagem principal o pinheiro (araucária). O livro é comentado, louvado, elogiado, criticado, atacado e ripado. Ganho um prêmio instituído pelo Instituto Nacional do Livro. A edição, porém, não se paga.
1960 – Termino de escrever meu primeiro romance, SÃO MIGUEL, destinado a concorrer a um concurso literário em São Paulo. Minha filhla de doze anos morre afogada no rio Uruguai – cenário do romance. Morre o amiguinho que tentou salvá-la. Quase morro também, na tentativa de socorrer as duas crianças. Um dos seus irmãos consegue salvar-me, praticamente por acaso. Tenho a impressão de que o mundo vai acabar de vez. Suicida-se o meu melhor amigo. É o fim: o mundo vai acabar mesmo.
1962 – Transfiro-me para São Paulo. SÃO MIGUEL é publicado, após vencer o concurso. Vida literária intensa. Mudamos para o Rio.
1964 – Publico novo romance – GERAÇÃO DO DESERTO e uma coletânea de contos de ficção científica: TESTEMUNHA DO TEMPO. Golpe militar: a ditadura está de volta. Muitos amigos meus, escsritores ou não, foram presos. Abandono a literatura. Não quero mais saber de livros nem de escritores. A crise iria durar dezesseis anos.
1979 – Proposta para a reedição de São Miguel. Recuso. Editores, autores e leitores que se pitem! Dois escritores amigos meus, Salim Miguel e Hélio Pólvora, deram-me dois homéricos porres para que eu concordasse na reedição. Assinei o contrato ainda meio bêbado.
1980 – Reconciliação com as letras. Escrevo um romance cuja ação de passa nas plataformas petrolíferas; os heróis são os mergulhadores profissionais. Fico entre os dez finalistas do Prêmio Cruz e Sousa, certame realizado em Florianópolis. Publico o romance O CALENDÁRIO DA ETERNIDADE.
1989 – Escrevo um romance em três meses e o publico: OS 7 MISTÉRIOS DA CASA QUEIMADA. Vencido o problema de ter perdido um olho – em desastre de automóvel, em 84 – tenho um namoro muito sério com a informática, com os microcomputadores.
2004 – Alguns dos acontecimentos marcantes da minha vida, pelo menos os ligados à literatura, são os que acabei de citar. Espero que nenhum evento de importância ocorra até o ano de 2004. O motivo? É o ano que escolhi para morrer. Vai ser de morte natural e na cama, durante o sono, depois que eu completar oitenta e dois anos de idade; será na segunda metade de setembro, em plena primavera.

Nota: Guido faleceu em 05 de maio de 2002.

– Hoje é um escritor. Pode viver só do trabalho da escrita? Precisa de outra profissão? Qual é? Como vive as duas carreiras?

– Guido Wilmar Sassi – São raros no Brasil os escritores que vivem exclusivamente da escrita. Na atualidade está surgindo uma categoria que vem conseguindo esse milagre: os autores de telenovelas. Ainda não tive nenhuma tentação de experimentar o gênero. Dizem que é um trabalho pesado, de estivador, de galé, de escravo.

Quando eu comecei a dedicar-me às letras, eu era funcionário do público e conseguia conciliar as duas carreiras. No Banco do Brasil tornou-se difícil a conciliação. Minha preocupação maior foi sempre evitar que o banco me chamasse para exercer cargos de grande responsabilidade, que me nomeasse gerente ou coisa parecida. Se isso acontecesse, adeus literatura. Hoje, aposentado, eu poderia dedicar-me inteiramente à literatura, pois disponho de todo o tempo do mundo, de todo o tempo da vida: faltam-me, porém, disposição e saúde.

– O processo criativo de seus livros passa por muitas fases de elaboração? Pode dizer como escreveu um de seus livros ou um de seus contos? Como surge, como se origina um livro ou um texto?

-Guido Wilmar Sassi – Não creio muito em inspiração. O processo criativo é uma tarefa árdua, penosa. E solitária, angustiosamente solitária. A inspiração vem num instante muito fugaz, feito um relâmpago, e imediatamente vai-se embora, some, porém mais rápida do que o próprio relâmpago. E em cima do pouco-nada que fica o escritor põe-se a escrever seu texto, a reescrever, a elaborar, elaborar e elaborar, a fazer cortes e acréscimos, emendas e podas, até que os personagens ganhem vida, até que o texto fique limpo, até que se ultime o trabalho de recriação.

Muitas vezes tenho tentado surpreender a criação em seu nascimento, em sua própria fecundação. É difícil, muito difícil. No meu caso, as idéias ou embriões chegam das maneiras mais inesperadas e das mais diversas formas. Por exemplo:

a) – um gesto, uma frase, uma observação dos amigos ou parentes, o jeito de alguém rir, os cacoetes, as manias, o modo de falar – a gente pega tudo isso e aproveita para compor os personagens;
b) – uma conversa entre desconhecidos, ouvida quase sem querer;
c) – um sonho;
d) – um desafio;
e) – uma preocupação, um trauma;
f) – a tentativa de exorcizar nossos fantasmas – obrigado, mestre Dostoievski;
g) – a visão fugidia de um seio (dois é melhor); nádegas, pernas coxas: os acessórios todos do sexo feminino;
h) – um trecho de filme, uma peça de teatro;
i) – um conto, um romance ou novela; (o escritor pensa: a idéia é boa, mas eu faria diferente e talvez melhor; e começa, pois, a inversão papéis – bandido vira herói, mocinho se torna bandido, criminoso e vítima permutam os lugares, mulher vira homem, etc, etc.);
j) – um quadro, um verso, uma flor, uma canção, um espetáculo de circo.

Reminiscências, lembranças, vultos que se foram, cenas de um passado próximo ou longínquo, arquivos da memória, poeira das alegrias e das dores… ah, tanta coisa! Sobras de sentimentos, de ações e reações; resquícios, lixo, sucata – tudo o ficcionista aproveita, fazendo misturas das mais heterogêneas com os cacos do cotidiano, as vivências atual e antiga, as antevisões nebulosas do futuro.

O escritor – eu acho – tem muito ou quase tudo em comum com Frankenstein. De pedaços, pedaços e pedaços construímos as nossas criaturas. Não é plágio, não. Também não é influência. É algo de muito mais sério. Costuramos retalhos, remendamos, reinventamos invenções. Mas ninguém cria nada, ninguém cria coisa alguma; recriamos, apenas.
Ás vezes a centelha da inspiração é uma paisagem, a saudade de um lugar onde eu nunca estive e que talvez nem sequer exista. Disseram-me que o espiritismo explica essa lembrança, esse tipo de saudade. Tudo bem, mas eu não acredito no espiritismo. Comentaram que a tal saudade vem de paisagens que eu criei no subconsciente, no inconsciente, sei lá onde. Produtos do id, essas coisas. E a gora… Freud! Freud talvez explique… ou complique. O fazer literário tem muito a ver com psicanálise, mas não vamos cair no exagero. A humanidade passou milênios e milênios sem Freud, e agora não pode ficar cinco minutos sem ele. Além do mais, o Professor Freud entrou no texto de gaiato e à minha revelia. Vamos expulsá-lo. Cai, fora! Xô, xô!

De posse dos elementos essenciais, chega a vez da imaginação e da fantasia, da linguagem e do estilo. E também a vez da estiva, do suor, do cansaço, do trabalho bruto, pois o amontoado de material amorfo de que disponho não cria vida assim de repente, graças ao efeito de uma fórmula cabalística ou de uma palavra magia. O maravilhoso e divino fiat!

Deu certo com o Criador, no Gênesis, mas somente Ele sabia a receita. Na literatura não tem abracadabra! que funcione.

Difícil dizer como escrevi um dos meus livros ou contos, difícil individualizar. Prefiro falar do método geral que uso, válido para os gêneros conto, novela e romance.

Uma vez surgida a idéia central e feitas as pesquisas indispensáveis, organizo um fichário, um arquivo o mais completo possível, para ser consultado a todo instante.

Os personagens são cadastrados como se fosse no Registro Civil (nome, prenome, sobrenome, filiação, idade, etc.), mas o meu cadastro é bem mais completo, pois inclui ainda: cor da pele, dos olhos e dos cabelos; peso e altura; profissão e alcunha; tiques e manias; doenças e defeitos físicos ou morais; virtudes e qualidades; vícios ou taras; modos de agir ou de pensar; preferências, ojerizas e idiossincrasias; gostos e desgostos; enfim, tudo quanto possa interessar à história que pretendo escrever.

Também constam do cadastro as mais variadas relações de dependência entre os personagens: pai, mãe, tio, avô, irmão, compadre, afilhada, marido ou amante, namorada ou noiva, amigo, patrão, assassino, etc, etc e etc.

Presentes essas anotações, evita-se que os personagens cometam incestos não programados e que, por uma simples troca de nomes, datas, hábitos ou aparência física, o amante seja passado para trás pelo próprio marido da heroína.

O fichário diminui muito o número de incoerências e improbidades. Devido a sua falta ou as suas falhas já me aconteceram alguns fatos desagradáveis na produção de um romance: havia três mulheres com nomes diferentes, quando se tratava de uma só; um maneta foi surpreendido batendo palmas; mudos se tornaram mais falantes do que oradores em comício.
Costumo organizar tábuas cronológicas, a fim de fiscalizar a idade dos personagens e a ordem de sua entrada em cena. Tal providência evita que um fulano qualquer, morto e sepultado logo nos primeiros capítulos, apareça vivinho da silva, forte e feliz na metade do livro; e também não permite que uma pessoa seja pai de alguém com o dobro da sua idade. A consulta ao fichário e à tabela do tempo torna mais fácil e seguro o uso da técnica do flashback.

Costumo, se necessário, elaborar mapas, quadros, croquis, tabelas, esquemas, resumos e plantas. Em meu romance mais recente, OS 7 MISTÉRIOS DA CASA QUEIMADA, as edificações eram tantas e de tamanho tal que até eu mesmo, quando nelas entrava, me sentia desorientado. Não sei o que seria dos homens e mulheres que figuram no livro, se não dispusessem dos mapas e plantas que lhes arranjei! Um detalhe: a capa do livro teve por base a planta do Reduto, o conjunto das sete construções em que acontecem os mistérios.
A memória é um instrumento nobre que deve ocupar-se apenas de assuntos importantes e não sobrecarregar-se com questiúnculas de pequeno porte – esta a função do fichário.
Nem eu mesmo consigo entender a primeira versão dos meus contos ou romances. Vou escrevendo a torto e a direito (mais a torto do que a direito), sem a menor preocupação com a gramática e a estética, sem ligar a mínima para a ortografia e a coerência.

Do início de um capítulo salto para o final, escrevo pedaços no meio, retorno ao início. Se as dificuldades surgem em algum trecho, pulo para os seguintes, apronto diálogos, volto às pesquisas, tomo novas anotações ou desfaço-me de outras, aponto lápis, espano a mesa e a máquina, tomo um cafezinho, profiro uns palavrões, xingo o povo do livro, releio as páginas já escritas. No regresso aos pontos difíceis, descubro que eles são mais fáceis de solucionar do que eu imaginava.

Sou um cineasta que não se realizou, um cineasta sem filme e sem câmera. Quando escrevo (principalmente no caso do romance), parece-me que estou fazendo cinema. Como se estivesse usando a claquete, numero e classifico as tomadas: folhas esparsas, capítulos ou porções de capítulos, anotações, resumos, lembretes e observações. E depois, com o auxílio do cadastro, dos mapas e tabelas, ponho-me a editar o que chamo de copião. Nesse momento, começo a preocupar-me com a limpeza do texto, a escoimar os senões, a trabalhar a linguagem. É o preparo inicial para o trabalho datilográfico da segunda versão.
A segunda versão já é legível, tem alguma semelhança com os originais de um livro. Não cessam, porém, as reformas, as emendas, os cortes, os acréscimos, as constantes e cansativas consultas ao dicionário.

Gosto de datilografar meus livros. Sou um ótimo datilógrafo. Tenho muita paciência e sou difícil de satisfazer. Exijo de mim mesmo um trabalho ordenado, metódico, limpo e de boa apresentação estética.

E agora, aqui estou eu datilografando a terceira versão do romance, e uma vez mais efetuando podas, modificações e correções, e de novo consultando mapas, arquivos e dicionários.
Geralmente a quarta versão é a definitiva, a que se destina a agradar (ou não) o meu primeiro leitor, o mais exigente de todos os meus leitores: eu mesmo.

– Qual é a sua relação com a escrita, com a palavra, com o estilo?

– Guido Wilmar Sassi – Não sei se entendi direito a pergunta. Em todo o caso, vamos às respostas. No que se refere à palavra, penso já ter esgotado o assunto nas respostas anteriores. Eu amo a palavra, mais especialmente a palavra escrita. Minha relação com a palavra é uma relação de amor, de entrega e posse, de sedução, de fascínio, de adoração. Foi por muito amor às palavras – e pesquisá-las muito – que me tornei escritor.
Quanto ao estilo, já abordei o assunto anteriormente: Foi por intermédio de muita leitura, mediante muitas viagens realizadas pelos estilos alheios que conquistei o meu próprio estilo. Todo o mundo faz assim, não é mesmo?

Alguém já disse que o estilo é o homem. Foi Buffon, se não me engano. Também disseram que todo escritor deve ter estilo e nariz próprios, e salientaram a semelhança entre ambos. Fui buscar um espelho e comparar esta página com o meu apêndice nasal. Pois não é que é verdade mesmo? Meu estilo é de fato igual ao meu nariz – escritinho.

– Por que escreve?

– Guido Wilmar Sassi – Por que escrevo?Sei lá! Por burrice e teimosia, talvez. Afinal, existem muitas outras coisas melhores e gratificantes para se fazer neste mundo. Por que escrevo? Já me fiz essa pergunta vezes sem conta, e jamais encontrei respostas satisfatória. O principal motivo, eu acho, foi o desejo muito humano de sair do anonimato, de projetar-me acima da média, de “ser alguém na vida” . E daí, ao descobrir que não sabia jogar futebol, nem cantar ou representar, nem compor música ou pintar quadros; e que tampouco possuía vocação para a indústria ou o comércio, e nem para assaltar banco: e que também não tinha a safadeza dos políticos, nem talento de inventor; e nem mesmo a coragem de traficante, bicheiro ou ladrão – resolvi dedicar-me à literatura. Para poder sobressair, aparecer, escolhi as letras; para ganhar a vida, porém, tive que ser balconista, padeiro, comerciante, funcionário público e bancário.
Consegui meu lugar ao sol? É… consegui. Mas esse lugar tem sombra pra caramba! Apesr de tudo, apesar da penumbra, mesmo apesar das trevas… acendo a luz e continuo escrevendo.
Amigos falaram-me do prazer da escrita, do prazer de escrever. Será que esse prazer existe mesmo? Muitos escritores consideram a literatura uma arte, um esporte. Não posso fazer o mesmo, pois se não tomar cuidado, se não tomar as minhas precauções, meu esporte se tornará deficitário.

Há escritores que pretendem ganhar dinheiro com a profissão de escritor. Bem poucos o conseguem. Affonso Romano de Sant´Anna, poeta e cronista, acaba de confessar: “se dependesse da renda dos meus livros (e já publiquei várias dezenas), não poderia pagar nem a empregada e a faxineira.” Romano transcreve um desalentador diálogo (- O que faz você na vida? / – Sou escritor. / – Ah, ótimo! Maravilha! Mas de que vive?) e, com uma pergunta melancólica, termina a crônica: “Afinal, de que vive e como vive o escritor brasileiro?”
Não fossem alguns prêmios em dinheiro, de concursos vencidos, eu poderia dizer que não ganhei praticamente nada com a literatura. O produto dos direitos autorais sai em conta-gotas do bolso do escritor. Quando sai. A culpa é do sistema, eu si. Mas os escritores, a maioria, são os maiores culpados, pois sentem-se pagos e satisfeitos apenas com a publicação do livro. Mas a publicação não é tudo. Há que se dignificar a profissão de escritor. Afinal de contas, a criação literária não cai do céu por descuido, o trabalho de escrever é tão digno quanto outro qualquer.

Por que escrevo? Não sei. Tempos atrás, em uma entrevista, um dos colegas escritores respondeu: Escrever é compulsão. Todos aplaudiram – resposta genial. Ao chegar a minha vez vaiaram-me, humilharam-me quando eu disse: Escrever é praga de mãe.

– Em seu específico trabalho criador prevalece a interrupção ou a continuidade? Há crises? Com que as identifica?

– Guido Wilmar Sassi – Em meu trabalho de escritor intercalam-se períodos de intensa continuidade e períodos de interrupção – também intensa. Em 1954 veio-me a idéia central de um romance. Um tema e tanto. Não o trabalhei, contudo. Doze anos depois, quando morava em São Paulo, iniciei a escrita, abandonada, porém, logo a seguir. Passaram-se o anos. Em 1988, retornei ao livro interrompido, disposto a terminá-lo. Mas adoeci de outro romance e de novo abandonei o projeto. Certamente irei retoma-lo algum dia, se outra crise não motivar nova interrupção.

Por sua vez, ocorrem períodos de vertiginosa continuidade. Escrevi o romance OS 7 MISTÉRIOS DA CASA QUEIMADA em três meses e SÃO MIGUEL , também romance, em cinqüenta e um dias.

O romance, pelas suas dimensões e características, exige que sejamos escritor vinte e quatro horas diárias, não raro quarenta e oito ou mais. Exigência enorme, pois sentimos necessidade também de sermos apenas gente, meros homens (com todo o bem o todo o mal), simples seres humanos e nada mais.

Com os meus contos o mesmo acontece: uns são escritos a jato; outros se arrastam, se arrastam e se arrastam, quase eternamente.

Lutei contra muitas crises, da mais variada importância, duração e ordem. As crises afetivas, quando agente se julga só no mundo, são difíceis de vencer. As piores de todas são as crises político-financeiras, pois elas concorrem para o agravamento de todas as outras. Em 1964, data do último golpe militar no país, quando o trabalho e a liberdade passaram a ser considerados mais insignificantes do que as latas de lixo, eu resolvi deixar de escrever e de fumar. Foi a maior crise que enfrentei: durou quase dezesseis anos. Enquanto ela durou eu não quis saber de escritores ou leitores, nem de livros, idéias ou personagens, nem de nada que se ligasse à arte e à literatura. Essa crise teve seu lado bom: abandonei por completo o cigarro e o meu sono era fácil, profundo e gostoso.

Costumamos justificar as crises atribuindo-as à falta de condições, de tempo, de tranqüilidade, de saúde, etc. Geralmente é apenas falta de coragem.

– Há momentos felizes ou ideais para escrever?

– Guido Wilmar Sassi – Há, sim. É nos momentos em que se consegue uma espécie de estado de graça, uma beatitude ativa e produtiva. Sou capaz de escrever de qualquer jeito (sentado, deitado, caminhando, ou a bordo de toda sorte de veículos), com e em qualquer objeto ou instrumento (lápis, esferográfica, papel, cartolina, papelão, taquigrafia, máquina de escrever, gravador, microcomputador, etc.), e a qualquer hora e em qualquer lugar. Sinto, no entanto, a necessidade de uma certa paz, de um pouco de tranqüilidade e conforto para obter o estado de espírito ideal para a criação.

Não gosto da solidão. Temo e detesto a solidão. E o trabalho do escritor é solitário, horrorosamente solitário. Quando escrevo, quando encontro o momento ideal, preciso de uma presença humana, de alguém que veinha interromper-me de quando em quando, a fim de provar que eu não estou só. Se não há ninguém de carne e osso por perto (pode ser um animal: peixes ornamentais, por exemplo, constituem presença alegre e fazem barulho silencioso), costumo cantarolar e ligo todos os aparelhos de som existentes em casa. Tudo para afugentar a solidão. Não sei se consigo explicar direito: gosto de um silêncio meio barulhento, de paz e ordem um tanto bagunçadas. O Bolero de Ravel costuma proporcionar-me momentos muito felizes e produtivos. Mas também sou capaz de escrever ao som de uma batucada ou de um rock-pauleira.

– Quando escreve é a vontade que puxa a escrita ou é a neurose, o prazer da inteligência e da fantasia?

– Guido Wilmar Sassi – Escrever é um trabalho como qualquer outro. Penoso e solitário. Mesmo assim, e mesmo dizendo que não acredito na inspiração, procuro conseguir que o prazer da inteligência e da fantasia puxem a escrita. Do contrário, se deixo que a vontade se sobreponha, parece-me que estou enfrentando uma espécie de violentação. E essa violentação costuma impor-se cada vez que escrevo.

– Onde encontra estímulo e pretextos para escrever? Poderia exemplificar concretamente com os seus escritos?

– Guido Wilmar Sassi – Já esgotei praticamente o assunto. Estímulo valioso tem partido dos meus parentes mais chegados: esposa, filhos, mãe, vó Gertrudes. Minha mulher foi colaboradora importante quando da escrita dos meus primeiros contos e romances. Meus filhos também têm sido colaboradores ativos, e muito vêm estimulando minha carreira de escritor. O estímulo maior, porém, bem assim os pretextos, vieram da parte de Vovó e Mamãe, pelo muito que me ensinaram e pelos causos inesquecíveis que me contaram.

– Escreve regularmente ou é possuído por raptus improviso?

– Guido Wilmar Sassi – Só escrevi regularmente quando morava em Lages SC, e mantive uma crônica diária na rádio local. Ah, e pagavam-me relativamente bem. Mas o que é bom dura pouco: minha temporada radiofônica foi bem rápida, quase meteórica.
Sempre detestei horários: bastaram-me os que fui obrigado a cumprir nos empregos por mim exercidos.

– Qual é o papel que o “imprevisto” desempenha em seu trabalho criador?

– Guido Wilmar Sassi – Muitas vezes o imprevisto domina por completo o trabalho de criação. Algumas espécies de imprevistos: personagem feminino vira homem, herói se transforma em vilão, nascimentos ocorrem em vez das mortes, a inocente vítima em potencial acaba se tornando um assassino desalmado.
Há personagens que fogem totalmente ao controle do autor e adquirem gostos, hábitos e manias que nos obrigam a trabalheiras danadas. Uma vez, estava eu escrevendo um conto policial para uma revista especializada, quando o imprevisto entrou em ação e não deu outra: a pessoa que estava para ser assassinada transformou-se no mais frio dos criminosos.

Em outra circunstância, eu estava trabalhando em um romance que se passava no rio Uruguai e que se intitularia Balsa ou talvez A Grande Viagem, pois descreveria uma jornada rio abaixo. O cenário de um dos capítulos era o cemitério do vilarejo de nome São Miguel, onde jaziam sepultados muitos personagens de Balsa. Foi daí, no dia 29 de setembro de 58, dia de São Miguel, padroeiro do vilarejo, minha esposa fez uma observação relativa à data. O estímulo para a criação literária funcionou e o imprevisto surgiu. Então, resolvi fazer um romance passado antes, no tempo em que o pessoal do cemitério ainda vivia. Eu já dispunha inclusive do título: SÃO MIGUEL. Escrevi o livro a jato e ganhei um prêmio com ele. Ignoro se Balsa virá a ser escrito algum dia.

Já me aconteceu de ter tudo planejado para um determinado livro: fichário, pesquisas, resumos, relação de personagens, etc. E daí, por causa de um imprevisto, eu deixo tudo de lado e escrevo outro livro.

– Existe, analogamente ao ‘ prazer do texto ‘ um prazer de escrever?

– Guido Wilmar Sassi – Existe, realmente, um certo prazer no exercício da literatura. Não sei descrevê-lo, não sei classificá-lo. Parece-me que o gozo do fazer literário tem muito de masoquismo, ou melhor, de sado-masoquismo. Um ato sexual em que a posse e a entrega se completassem intimamente, em que o criador se tornasse uma espécie de andrógino. No sentido figurado, é claro. Ora, ora..

No princípio, quando estamos em lua-de-mel com a literatura, escrever é simplesmente maravilhoso. Com o passar do tempo, o ato que deveria ser de amor se torna obrigação, e as coisas mudam muito e muito se transformam. E daí, a criação literária passa a exigir muito vigor físico e mental; passa-se a requisitar uma ereção enorme, e por vezes difícil, para um orgasmo fugaz e quase insignificante.

Costumo comparar o trabalho de escrever com trabalho da gestação, mormente quando se trata do romance. É que, tendo-se em vista as dimensões deste gênero (maior número de páginas, de personagens, de cenários, de ações, etc), os nove meses de escrita e criação se prolongam muito mais. Publicação e parto se assemelham – ambos possuem o seu lado feliz e gratificante, mas ambos também são dolorosos e trabalhosos.

Em suma, o prazer de fato existe, não importa a sua qualidade e intensidade. Se não me engano, já contei que, a medida em que um trabalho de criação progride, vou destruindo e jogando fora os papéis com a s anotações, os planos, projetos e rascunhos Atualmente, minha satisfação maior tem sido encher cestas e cestas de papéis rasgados ou amassados.

– Qual o livro de outro escritor que gostaria de ter escrito?

– Guido Wilmar Sassi – Eu gostaria de ter escrito O TEMPO E O VENTO. São perto de 2.250 páginas distribuídas entre as três partes do romance, e que se constituem, elas próprias, três romances praticamente estanques: O CONTINENTE, O RETRATO e O ARQUIPÉLAGO.
Romanção de fôlego, obra de mestre, lições da arte e da técnica de escreve ficção, de romancear. Reli O TEMPO E O VENTO algumas vezes, cinco ou seis, e todas com renovado prazer, fazendo novas descobertas e aprendendo coisas novas. Poucos repararam que o livro começa e termina pelo mesmo grupo de frases: ” Era uma noite fria de lua nova. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta parecia um cemitério abandonado.”

– Como se sente dentro da literatura brasileira hoje?

– Guido Wilmar Sassi – Sinto-me um tanto marginalizado dentro da atual literatura brasileira. Desde minha estréia em 53, passei a ocupar posição de relativo destaque nas letras nacionais. O termo relativo tem aí o sentido de médio, sem falsa modéstia e conforme os meus padrões de julgamento honesto. É preciso respeitar o julgamento do público e da crítica.

– O que pensa da literatura brasileira?

– Guido Wilmar Sassi – Nossa literatura é, sem favor algum, uma grande literatura. Sem xenofobia e mesmo considerando minha preferência pelo romance, gosto mais de reler um mau conto de Machado de Assis (e ele fazia maus contos, por acaso?), ou comprar a coletânea de estréia de um novato qualquer, do que aventurar-me pelos sedutores, primorosos e recentes best-sellers estrangeiros.

Conheço em primeira mão apenas a literatura brasileira; as demais, somente através de traduções. Claro que entre nós existem autores geniais, ótimos, bons, regulares, maus e péssimos.

É chegado o momento de falar um pouco das mulheres que fazem parte da nossa literatura.
Em outros tempos eu dizia: lugar de mulher é na cozinha. Pois elas provaram que sabiam também escrever. E muito bem, por sinal. Por causa das mulheres escritoras, vejo-me obrigado a mencionar a Academia Brasileira de Letras, antigamente limitada a quarenta ilustres desconhecidos do sexo macho. A Academia, um autêntico reduto do machismo, não permitia a entrada de mulheres. Isso mudou. Ainda existem desconhecidos (nem tão ilustres) na Academia, mas o seu número diminuiu sensivelmente. Na atualidade, entre os quarenta varões imortais figuram mulheres como Raquel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon.
Ao falar em autores, quase sempre me refiro aos ficcionistas, mas é claro que uma literatura compreende todos os gêneros.

A literatura dever ser compreendida uma vez que se complete o ciclo autor-editor-leitor. Inadmissível que o mundo das letras se componha apenas de autores, uns escrevendo para o exclusivo gáudio dos outros. Inadmissível a arte pela arte. Sem a parte comercial, tudo o mais não existiria. Igual a outros bens de consumo, o livro precisa de quem o consuma e de quem o venda. Por isso, o ciclo somente se completa com a presença do livreiro; assim: autor-editor-livreiro-leitor. Seria o ideal. E ideal seria se as próprias editoras se encarregassem da distribuição dos seus livros, o que, bem ou mal, era feito em outros tempos. Surgiu, porém, tal e qual um quisto, um câncer do ciclo, um novo personagem: o distribuidor. Inteiramente alheio às letras, encravado entre o editor e o livreiro, é o distribuidor quem leva a parte do leão.

Por sua vez, o editor quase nunca é santinho de auréola e camisolão. Alguns deles, em vez de vender os encalhes a preços baixos, ou distribuí-los entre escolas e bibliotecas, costumam transforma-los em material de embalagem ou papel higiênico.

E o leitor? Pobre leitor brasileiro. Ele se esforça e luta para não submergir no mar de analfabetismo que inunda o país.

Paralelamente a este ciclo havia, nos tempos de outrora, outro elemento ligado ao livro: o crítico literário. Ele desapareceu. Ainda não descobri se faz falta ou não.

– Qual o futuro dessa literatura?

– Guido Wilmar Sassi – O futuro da nossa literatura infelizmente não dos mais promissores. Falta-nos divulgação maior. Quem não anuncia se esconde, afirma com toda a competência o pessoal da mídia. A literatura brasileira vive escondida, desconhecida. Motivo? Falta de distribuição e divulgação maiores, falta de mais propaganda, falta de intercâmbio de mais eficiente circulação no estrangeiro. Provas? Eis uma: nenhum escritor brasileiro foi, até hoje, agraciado com o Prêmio Nobel. E países de literatura menor, no entanto…

Não sei o que ocorre nas outras partes do mundo com referência à ajuda oficial às letras. No Brasil esse auxílio sempre foi mesquinho. Além de ser um país de muitos escritores e poucos leitores, tem sido fraca, muito fraca, a contribuição governamental. E quando falo contribuição, quero dizer dinheiro, mesmo. Sempre tivemos presidentes-poetas ou poetas-presidentes, os quais se esmeram em perpetrar maus versos e realizar péssimos governos. Ah, sim – no governo passado surgiu a Lei Sarney, com o propósito de incentivar letras e artes. Era um quase nada, mas até esse pequeno estímulo foi cortado pelo atual governante, que, diga-se de passagem, parece odiar teatro e cinema, artistas, escritores, livros e povo.

Não sei, não. Do jeito que vamos, corremos o risco de voltar muito logo às cavernas.

– Entre as palavras seguintes, escolha três e diga alguma coisa sobre elas: amor, cidade, poder, povo, solidão, solidariedade, prazer, violência, amizade, noite e silêncio.

– Guido Wilmar Sassi – Solidão é uma das palavras mais horríveis do mundo. Detesto-ª Aliás, no decorrer deste questionário, deixei bem clara minha aversão por esse vocábulo e suas acepções – qualquer delas.

Em pequeno eu sentia muito medo da noite. Durante a noite as coisas ruins acontecem: assassinatos, desastres, incêndios, agravamento de doenças, velórios e mortes. Eu temia que o mundo se acabasse durante a noite.

Ah, os segredos, os mistérios, os temores e horrores da noite! É marcante a presença e a importância da noite em minha literatura. Em um dos meus contos, um casal de miseráveis aguarda que a noite venha. Os dois estão em um local deserto e sem recursos, um verdadeiro fim de mundo. A mulher, já no final da gravidez, teme dar à luz a qualquer momento. O homem, doente, aflito, meio enlouquecido, é prisioneiro de uma árvore na qual subiu e não pôde mais descer. Ambos estão em desespero. E cheios de frio, de fome, de sede e de medo. A palavra noite é citada apenas duas vezes em todo conto, que termina justamente quando ela chega. O título da história não poderia ser outro: Noite.

Com o tempo, eu deixei de temer a noite. Descobri os seus encantos. Hoje eu adoro a noite; ela é ideal para se fazer literatura e se fazer amor. A propósito da palavra amor, acho que nada se pode escrever a seu respeito… apesar de tudo quanto já foi escrito. Amor é para ser vivido e sentido. Em todos os seus aspectos e em todas as suas formas.

– Como conseguiu publicar seu primeiro livro?

– Guido Wilmar Sassi – Enviar originais às editoras e aguardar aprovação pode funcionar muito bem na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil não dá certo. O que pode acontecer (e aconteceu com um dos meus romances, SÃO MIGUEL) é uma editora promover concurso e publicar o livro vencedor. Isso quando publica… e quando paga o valor do prêmio.

No caso do meu primeiro livro, PIÁ, coletânea de contos tendo por figura central a criança ou o adolescente, eu era e ainda sou amigo do editor. Foi assim: no final dos anos 40, em Florianópolis, uma turma de jovem fundou o Grupo Sul, o qual teve, durante alguns anos, grande importância no panorama artístico e literário do país. Os mais diversos aspectos e ramos da arte e da cultura foram objetivo do grupo: ente eles, publicação de revistas, cinema, clube de cinema, encenação de peças teatrais, intercâmbio cultural com outros grupos e edição de livros. Passei a participar ativamente do grupo Sul e tornei-me amigo de Salim Miguel, um dos fundadores. Ele interessou-se pelos meus contos e foi pelas Edições Sul que saíram meus dois primeiros livros.

– Algum editor propôs-lhe alguma vez escrever exclusivamente e com salário fixo?

– Guido Wilmar Sassi – Uma editora propor a um escritor que escreva com exclusividade e com salário fixo – aqui no Brasil? Difícil, muito difícil, quase impossível. No meu caso, jamais me fizeram tal proposta. Não sei seu aceitaria.

– Quando escreve, pensa nos críticos, nos leitores, no editor?

– Guido Wilmar Sassi – Quando escrevo não penso em ninguém, seja editor, crítico ou leitor. Meu objetivo é transformar uma idéia em conto, crônica, novela ou romance. No entanto, costumo pensar em um determinado leitor: o primeiro leitor: eu mesmo. Também sou o primeiro crítico. Se eu ficar satisfeito é porque o livro é bom; se o contrário acontece é porque o livro não presta mesmo.

Somente depois de terminado o livro é que me lembro da existência do editor, e que esse editor precisa ser abordado, conquistado, convencido e, quem sabe, vencido.

– Discute com o editor, aceita conselho, cortes, etc?

– Guido Wilmar Sassi – O editor no Brasil, salvo as ditas raras exceções, parece odiar o escritor nacional. Claro, o escritor brasileiro não dá lucro. Não dá lucro porque não é editado e não é editado porque não dá lucro. Entenda! Em regra, o nosso editor costuma reservar ao autor patrício alguns epítetos nada elogiosos: chato de galochas, peso morto, edição de obrigação, etc. Às vezes, por julgar a atividade meio amadorística, o editor não conhece o métier, e às vezes, por falta de assessoria ou má assessoria, ele não conhece sequer o próprio livro, objeto do seu mercado.

Já aceitei conselhos e sugestões de cortes, assim como deixei de aceitá-los.

– Acredita que a publicidade seja importante para o lançamento e o sucesso de um livro ou pensa que um bom livro não precise?

– Guido Wilmar Sassi – Um bom livro nem sempre tem o lançamento e o sucesso comercial que merece. A publicidade é, indiscutivelmente, essencial. O diabo é que existem vários tipos de publicidade, sendo a escandalosa e/ou compulsória a mais comum.

Vendem bem os títulos chamativos: “Minha prima foi amante de Ramsés II” e ” Eu testemunhei meu avô estrangular o tataravô de Hitler”.

Os políticos (presidentes ou não, imortais ou mesmo sem participação em qualquer academia) e seus assemelhados e congêneres, quase sempre por conta do erário público, acham-se na obrigação de enriquecer a literatura com as suas esplêndidas obras em prosa e verso: “Lagartixas Ígneas”, “Banquetes e sonetos palustres”, “Por que fui eleito ditador vitalício da Pornolândia”.

Gente ligada ao governo, economistas, estrategistas, porta-vozes, líderes na Câmara, etc. também fazem suas incursões pelo País das Belas Letras. Assim, o datilógrafo do auxiliar do ajudante do subsecretário do terceiro assessor de um ministro qualquer também comparece com o seu best-seller: “Como acabar com a inflação em 10 lições – método seguro, eficaz e eficiente”.

– Participa do lançamento de seus livros?

– Guido Wilmar Sassi – Já participei do lançamento de alguns dos meus livros. Acho muito importante para o escritor autopromover-se, visando à divulgação de sua obra e ao sucesso de público e de crítica. Noite de autógrafos é uma boa pedida, mas eu jamais consigo atrair leitores badaladores ou compradores, pois ainda não assassinei ninguém, nem celebridade alguma, não tenho planos miraculosos para salvar a economia do país, não descobri a pólvora, etc.

– Quando escreve, percebe autocensuras, temores em se revelar, laços, impedimentos?

– Guido Wilmar Sassi – Quando escrevo, percebo autocensuras, laços, temores e impedimentos de toda ordem e tamanho. Não sei explicá-los.

Minha luta principal é contra a preguiça, e esta acaba vencendo a maioria das vezes. Sou muito preguiçoso, graças a Deus. Suspeito de que isso se deve a um esforço do subonsciente no sentido de preservar minha saúde.

Começo o dia com o firme propósito de escrever. E saio à cata de mil pretextos para não fazê-lo. Caminho para cá e para lá. Evito sentar-me à máquina. Não me aproximo do gravador nem do micro. Faço a ponta de todos os lápis que encontro, sabendo que jamais precisarei deles. Largo tudo de mão e leio um trecho de poema de poetas meus de cabeceira: Pablo Neruda, Fernando Pessoa, García Lorca, Vinícius, Drummond. Geralmente consigo dominar a imperativa e incoercível vontade de escrever.

Tudo é pretexto para não começar a escrever, pois sei muito bem que, se começar mesmo, nada nem ninguém me fará parar.

– O sucesso de uma obra depende de que? De quem?

– Guido Wilmar Sassi – Vou dar a resposta mais curta de todo este questionário: Francamente, eu não sei.

Faça de conta nada ter dito até agora. Poderia traçar o seu perfil humano e profissional (enquanto escritor) para os leitores?

– Guido Wilmar Sassi – É difícil esquecer tudo quanto já disse. Eu estou, de corpo e alma, nas respostas do questionário. O meu auto-retrato? No princípio, eu era um só, indivisível. Depois apareceu a dualidade, quando comecei a brincar com os espelhos. Daí, o UNO se bipartiu: o direito e o avesso. Dr. Jekil e Mr. Hyde surgiram de mãos dadas, xipófagos inseparáveis. Na tentativa de novamente fundir as duas imagens o espelho se quebrou: cacos e mais cacos. Os fragmentos se transformaram numa porção de espelhos. E eu, usando os versos de Cecília Meireles, fiz a pergunta crucial: – Em que espelho ficou perdida a minha face? Não encontrei resposta. Mas ainda resta uma esperança nos versos de outro poeta, Mário de Andrade: Eu sou trezentos, sou trezentos e cinqüenta. / Mas um dia afinal me encontrei comigo…

Fui lógico? Não, não fui! Nunca serei lógico. Não entendo coisa alguma de lucidez nem de lógica. Se entendesse, mesmo que fosse um pouquinho só, jamais me importaria com a literatura.

Fonte:
http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br/guidoautores.htm

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Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque

José Lemos Monteiro em Xeque


Entrevista realizada por Artaxerxes Modesto para o site http://www.letramagna.com

1 -Professor José Lemos Monteiro, conte um pouco de você, de sua vida, de sua trajetória acadêmica…

Sou paraense radicado em Fortaleza. Dedico minha vida à pesquisa e ensino da língua portuguesa, como Professor Titular da UNIFOR e Professor Adjunto (aposentado) da UFC e UECE. Já lecionei as mais diversas disciplinas, às vezes tendo mesmo que improvisar programas de assuntos totalmente desconhecidos para mim. No começo, isso acontecia porque eu não tinha realmente poder de escolha. Depois, porque percebi que era uma forma de tornar-me menos limitado e ser capaz de analisar um tema sob vários enfoques.
Aliás, essa tem sido uma de minhas características: nunca me conformei em ensinar durante anos seguidos o mesmo conteúdo. Quis sempre descobrir novas perspectivas e, talvez por isso, minha produção acadêmica se diversifica em três áreas: a literatura (a ficção e o ensaio crítico), os estudos educacionais e a pesquisa lingüística. Como ficcionista, sem contar com alguns contos esparsos em jornais e antologias, publiquei os romances A valsa de Hiroxima (1980), A serra do arco-íris (1982) e O silêncio dos sinos (1986). Como crítico, além de artigos publicados em revistas, escrevi O universo mí(s)tico de José Alcides Pinto (1979), O discurso literário de Moreira Campos (1980) e O compromisso literário de Eduardo Campos (1981). Quanto aos estudos educacionais, além de minha dissertação de Mestrado, uma série de reflexões sobre o ensino brasileiro e sobre as estratégias para o desenvolvimento da criatividade deu margem à publicação de vários pequenos ensaios, destacando-se “O ensino do português após a Lei 5.692”, pelo tom polêmico da análise crítica que apresenta.
Mas foi e continua sendo no estudo da língua o campo em que tenho desenvolvido o trabalho mais intenso e, de certa forma, mais compensador. Destaco os livros Morfologia portuguesa (Campinas: Pontes), A estilística (São Paulo: Ática) e Para compreender Labov (Petrópolis: Vozes).

2 – No momento o senhor está desenvolvendo alguma pesquisa, ou engajado em alguma obra?

Sempre estou trabalhando em alguma pesquisa. No momento, além de ocupar-me em dois projetos institucionalizados na Universidade de Fortaleza, estou reformulando inteiramente o meu livro A estilística, com vistas à publicação de uma futura nova edição, revista e ampliada.

3 – Qual o momento acadêmico mais marcante em sua vida?

O momento, se não o mais marcante, o mais dramático de minha vida acadêmica ocorreu na época do governo Geisel, face às constantes pressões contra os professores que, como eu, ainda não eram portadores do título de Mestre. De repente, o concurso que fiz para Auxiliar de Ensino e o tempo de serviço prestado já nada valiam e instaurou-se um clima de verdadeira perseguição: ou o Mestrado ou a rua. E o pior: questões de ordem familiar me impediam de viajar para alguma capital onde houvesse pós-graduação em Letras, de forma que eu aparentemente não tinha outra saída, a não ser resignar-me. E já estava realmente num beco sem saída, na iminência de ser demitido, quando em Fortaleza se criou o Mestrado em Educação.
Recordo, ainda ressentido, que solicitei aos colegas do Departamento a indicação de meu nome, para que eu pudesse concorrer a uma das vagas na seleção do referido curso. Foi uma reunião tensa, em que me senti réu e vítima. Afirmavam que, se eu me negava a viajar para o sul, quando outros já o haviam feito, era porque eu queria mesmo perder o emprego. Eu tentava explicar, meus olhos se enchiam de lágrimas, porém não abrandavam os olhos secos que me fitavam. Graças a Deus, ao fim da sessão, tudo isso teve uma recompensa: para surpresa geral, um dos professores tomou a minha defesa, lamentando a falta de solidariedade dos colegas e ressaltando que a demissão seria um absurdo, principalmente porque eu sempre havia sido responsável e eficiente. Não posso deixar de registrar esse fato aqui, menos pela lembrança dos instantes de angústia do que pelo gesto de amizade do Prof. Hamílton Andrade. Valeu a pena!

4 – Sobre sua tese de doutoramento na UERJ, sobre os pronomes: o senhor acha realmente que nosso quadro pronominal está diferente; podemos dizer que está mesmo alterado?

Disso não tenho a menor dúvida: o sistema dos pronomes pessoais no português do Brasil sofreu e ainda está sofrendo profundas mudanças, seguindo um longo processo que remonta aos primórdios de nossa língua.

5- E a forma “tu”? É mesmo um “dinossauro lingüístico” como o “vós”?

O pronome tu, embora tenha sido substituído por você em diversas regiões brasileiras, continua muito vivo em diversos estados (por exemplo: Pará, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Sul). O curioso é que, mesmo nas localidades em que a forma você conseguiu praticamente tirá-lo de circulação, persiste o clítico te nos tratamentos informais.

6 – Tenho percebido que sua produção é vasta, e vai desde os estudos sociolingüísticos até a literatura. Qual a área que mais lhe dá prazer?

É evidente que a Literatura, por suas funções catártica e lúdica, me envolve muito. Infelizmente, porém, sempre tenho que deixá-la em segundo plano, em razão de meu trabalho como professor na área de Lingüística. Eu seria falso se dissesse que os estudos nessa área só me dão prazer: com freqüência, quase que por obrigação intelectual, sou levado a ler textos extremamente áridos e alguns até mal redigidos.

7 -Hoje em dia vemos centenas de dezenas de cursos de Letras serem oferecidos pelo Brasil afora, muitos deles sem o mínimo necessário para que o aluno saia com uma boa formação. Quem perde com isso? Como o senhor vê essa questão? Há salvação?

Não gosto nem de pensar nesse absurdo que está ocorrendo no Brasil. Não se trata, porém, apenas da desmoralização dos cursos de Letras: a irresponsabilidade é tamanha que até cursos de Medicina estão sendo criados sem a mínima condição, o que põe em risco a própria saúde da população brasileira, já entregue a profissionais sem nenhum preparo. Quase todo mundo perde com isso. Mas os poucos que ganham, ganham muito: o ensino no Brasil é uma das indústrias mais rentáveis.

8- Como o senhor vê o ensino nas escolas públicas brasileiras?

Já ensinei em escolas públicas, numa época em que havia alguma preocupação com a aprendizagem. Em nome da democratização ou proletarização do ensino, aumentou-se significativamente o número de vagas sem que se levasse em conta a exigência de um mínimo de qualidade. O resultado é esta tragédia. Toda a propaganda governamental vai no sentido de divulgar números, mas, em muitos casos, é como se não se ensinasse absolutamente nada: uma quantidade expressiva de alunos conclui o curso fundamental sem saber ler nem escrever. Existe coisa pior?

9 -Qual o caminho para preparar o professor para os desafios da nova sociedade?

O caminho se inicia com um ato de vontade. Se, por exemplo, o governo quisesse levar a sério a educação brasileira, começaria por aparelhar bem suas instituições e a fazer que os professores, com um salário digno, voltassem a ter estímulo. Daí é só pôr em prática a criatividade que todo brasileiro tem.

10 -Qual a sua posição a respeito dos resultados de nossos alunos no PISA?

Pelo que já comentei nas respostas anteriores, no quadro em que se encontra o ensino brasileiro não se pode esperar por melhores resultados. Quem conhece a realidade de sala de aula tem percebido que, a cada ano que passa, o nível dos alunos é mais assustador. Hoje, por incrível que pareça, grande parte de nossos estudantes universitários não conseguem entender o que mal conseguem ler.

11- O que podemos falar da Lingüística – enquanto ciência – em seu estado atual? E no Brasil? Temos uma “Lingüística Brasileira”?

A Lingüística tem tido um desenvolvimento fantástico, com repercussões em outras áreas do conhecimento humano. Apesar do radicalismo de certas correntes, pode-se afirmar que, desde o seu surgimento, as questões levantadas e as soluções propostas evidenciam que a investigação sobre a linguagem humana já avançou muito. No Brasil, o campo tem sido extremamente fértil e, se já há algum tempo tivemos um lingüista do porte de Mattoso Câmara Jr., é porque não nos encontramos numa fase tão incipiente.

12 -Quais seus planos para o futuro?

Adoto uma filosofia de não planejar ou idealizar o futuro. Tento viver o presente, o aqui-e-agora, como ele se manifesta para mim, procurando aceitar tudo o que a vida me oferece. As práticas de meditação me levaram a adotar essa atitude existencial, embora o peso dos condicionamentos culturais de vez em quando me faça pensar no dia de amanhã.

13 – O que o senhor tem a dizer sobre a Revista Letra Magna?

Iniciativas como essa nos fazem manter viva a esperança no ensino e na divulgação do que se faz em termos de estudo da linguagem. Quando conhecemos um jovem que demonstra o maior interesse pela causa da ciência, passamos a ter a certeza de que nem tudo está perdido e o caminho para uma nova mudança de perspectivas já está sendo trilhado. É só uma questão de (pouco) tempo.

14 – A Revista Letra Magna e seus leitores agradecem sua entrevista e juntos desejamos a você sucesso e muitas felicidades.

Eu é que agradeço e retribuo em dobro os votos de sucesso e felicidades.

Fonte:
Letra Magna

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Carlos Nóbrega (Entrevistado pelo poeta Nilto Maciel)

Como a maioria dos escritores brasileiros, Carlos Nóbrega é um desconhecido. Mora em Fortaleza (como outras dezenas de bons poetas, contistas e romancistas), não aparece nos jornais (e quem aparece?), publicou cinco “livrinhos” (por pequenas editoras, é claro) e, vez por outra, sai de casa ou da empresa onde trabalha, para tomar um chope e conversar com os poucos amigos, também escritores. Um deles sou eu, que gosto de ser jornalista (do tipo antigo, sem formação em curso de jornalismo) e de ouvir quem tem muito a dizer. Conversei com ele (via correio eletrônico) durante alguns dias do final do ano passado. Só então fiquei sabendo de seu nome completo: Carlos Alberto Medeiros Nóbrega, descendente de paraibanos. “Nasci no Henrique Jorge (bairro popular da capital cearense), poucos anos depois da inauguração do Conjunto Residencial Casa Popular. Foi uma infância bárbara, selvagem, no mato. Tão maravilhosa que ainda hoje, 45 anos depois (tenho 55) me fornece alumbramento. Depois cresci, fiquei careca, fiz um curso de Gerência Financeira na UFC, casei, descasei, recasei, extraí cinco filhos daí, e escrevi uns versinhos bobos que ficaram enfeixados nos livrinhos A sono solto, Outros poemas, Breviário, Árvore de manivelas, O quanto sou e 8verbetes. Mais nada que mereça ser relatado, lembrado ou registrado, a biografia é magrela mesmo”.

ENTREVISTA
Nilto Maciel – Saiba que não quero história. Evito isto. Talvez para os pesquisadores do futuro, quando você for morto e famoso, para os biógrafos sua história vá interessar. Quero falar de hoje. Onde você se insere, em que nicho da poesia brasileira você se sente (ou se senta)? Você se sentaria ao lado de quem (sem constrangimento, para você)? Ou não há cadeiras vazias para você?

CN – No joguinho de palavras sente/senta, vou dizer primeiro o que sinto sobre o assunto poesia. Nós, os milhões de poetas soltos por aí como poeira no vento, compreendemos muito bem que fazemos uma arte menor, uma arte pobre, uma arte coitadinha… sempre achei que poetas como eu não passam de músicos que não deram certo, contistas preguiçosos, romancistas frustrados… ou poetas pela metade. Mas fazer o que, não é?, a não ser ficar se (me) repetindo em tudo quando é texto só por causa de um vício que eu peguei quando conheci Manoel Bandeira. Que me levou a João Cabral, que me levou a Lorca, e por aí vai. Depois disso curti cada cara em seu tempo: Francisco Alvim, outro tempo com Leminski, etc. Mas os três primeiros ainda me perseguem. E como eles já estão muito longe de mim no espaço, no tempo e na glória, eu me sentaria, sim, e ficaria muito à vontade e muito honrado, ao lado do nosso conterrâneo Horácio Dídimo. Gosto muito dele, me ensinou muita coisa. Quanto às cadeiras vazias, talvez eu responda melhor assim: leio e repercuto tudo, e aqui e ali até livro didático de matemática que não consigo entender. Hoje estou lendo o Corão. Sei que se eu não dormisse, nem comesse, nem trepasse, nem trabalhasse na Caixa Econômica há três décadas (e confesso, para estranheza de muita gente que eu adoro esse trabalho), se eu não fizesse outra coisa a não ser ler, não daria para conhecer um décimo por cento do que eu desejo, parece que a falta e a ânsia de ler o que não leu vão aumentando à medida que você vai lendo cada vez mais, isto é uma constatação, até Pascal já disse uma vez. Para a minha resposta ser mais clara sobre as cadeiras vazias: para mim não há cadeiras vazias, de todo livro e autor com quem me deparo eu aprendo um pouco ou muito, tenho medo até de um dia ser apanhado em flagrante delito, este pequeno texto, por exemplo, eu botei o nome dele de plágio por medo de ele ter existido realmente antes:
O PLÁGIO

teu braço me lembra
Vênus

Pelo muito que teu braço
me falta

Por que não és
pelo menos
apenas uma simples
estátua?

Pode perfeitamente ter sido roubado de Ferreira Gular, ou de Waly Salomão ou de Nilto Maciel ou sei lá mais de quem.

NM – Você prefere papas na língua ou línguas na papa?

CN – Dependendo da pressão sanguínea, do momento, eu uso três, quatro, sei lá mais quantas formas de papa. Agora, por exemplo, estou respondendo com as cujas na língua. Do contrário eu diria: ô perguntinha escrota! Mas é isso mesmo. Às vezes digo o que me vem na telha, às vezes me policio e refaço o pensamento nas palavras. Não se trata de ficar em cima do muro, é que, quando dá tempo, eu temo mesmo as consequências. Afinal, como dizem por aí, quem fala o que quer ouve o que não quer. Muitas vezes eu falei ou escrevi (e ainda falo ou escrevo) o que quis e depois quebrei a cara por calcular quanta energia gastei naquilo e que foi inútil, pois eu estava errado. Mas infelizmente ainda não consigo me controlar e lá vai prejuízo. Afinal, por falar em papas, eu não sou o papa nem o dalai lama, – então: ô perguntinha escrota!

NM – Foi uma brincadeira, mas consegui arrancar de você alguma preciosidade. Agora vai outra casca de banana. Poeta (escritor, de maneira geral) deve “falar” muito ou só precisa escrever? Entrevista, memória, depoimento e outros gêneros extraliterários têm alguma importância? Você se sente à vontade ao desnudar-se assim ou prefere se esconder ou se revelar no poema?
CN – Nilto, estou bêbado, e quero responder bêbado (corrigi a palavra bêbado três vezes). Se o cara estiver bêbado do que escreve, se fizer com gozo, então faça o que lhe der na telha. Eu não faço nada além do que uns versinhos bestas porque não tenho força pra fazer alguma coisa grande. Quem puder tentar isso de outro jeito que tente. Que jogue flechas do ar. Que arrisque. Alguns atingem o alvo na mosca. Pelo que me consta Baú de ossos é um livro de memórias, e é um monumento. O Diário de Anne Frank é um caderno de adolescente (abstraiamos a situação em que foi escrito), e é mais lido no mundo do que Machado de Assis e do que Ezra Pound juntos. E eu não me desnudo nas besteiras que escrevo: nunca o que escrevi tem a ver com o que vivo. A verdade está na cerveja, como não diziam os gregos. Não estou pensando em nada, não estou calculado nada, mas estou super inspirado. Escreverei alguma coisa. Se passar pelo controle de qualidade de quando eu sóbrio, eu te mostro. Ich! Tin-tin.

NM – Escrever é prazer, dor ou nada disso? Se for prazer, é muito natural, humano. Se for dor, é masoquismo (que também é um prazer). Pode ser também sadismo. Fazer o leitor sofrer. Sim, o leitor sofre quando lê, tanto quanto o escritor. Isso não o enche de culpa?

CN – Ao contrário da música, da dança, que muitas vezes expressam felicidade, o fato é que a literatura é o muro das lamentações da arte. Não foi à toa que Vinícius disse numa canção que o poeta só é grande se sofrer. Mesmo nos contos infantis, que têm final feliz, o assunto central é o sofrimento, a humilhação ou a impotência. Quando rimos dos devaneios de D. Quixote nem imaginamos que estamos rindo de nós mesmos, de quando temos esperança. Por isso não me coloco de uma forma pessoal no centro da pergunta. Todo autor explora o lado escuro das pessoas, isto é, o lado escondido (pode ver: rimos em público, mas choramos às escondidas). Não é, portanto, uma questão de se ser masoquista, é lidar com a matéria prima da literatura.

NM – Poesia e livro, poesia e internet. Você tem medo de se perder no universo virtual e prefere ser visto nos livros? De qualquer forma, você (e muitos outros) é apenas uma fagulha? Ou acredita ser uma galáxia, uma estrela, um brilho perpétuo no firmamento? Ter cinco leitores é o suficiente?

CN – 1) Não faço restrição nenhuma ao computador, a ter um blog, a ter um site com textos literários, é um meio de publicar barato e prático e que tende, inevitavelmente a ter prevalência sobre os meios tradicionais; mas o fato de passar 6, 8 horas no escritório onde trabalho lidando exclusivamente com a máquina, me daria a impressão de que meus poemas seriam mais uma de minhas atividades burocráticas, então por enquanto fujo disso, a poesia me é uma atividade lúdica, e eu não quero absolutamente confundi-la com o lado árduo de meu outro trabalho. Por isso ainda prefiro publicar em papel. Portanto, não é uma questão de temor, é uma opção justificável pelas circunstâncias da minha relação constante com a máquina. Um dia, quando eu me aposentar, certamente tratarei disso.
2) Responderei ao tamanho sideral desta pergunta com bem pouquinho. Nunca serei um ser espaçoso nem no tempo nem no ar (noir?), não sou porque primeiro não sou mesmo e depois não faço questão, ou seja, não sofro chiliques pelo fato de não ser, jamais irei ao Saara buscar a água rara da glória. Faço sincera autocrítica das coisinhas que eu escrevo: são umas tolices que a mim me divertem e a poucos interessam, nada mais do que isto. Então talvez eu chegue apenas a um pouco além da fagulha, para ficar na metáfora que você está usando, digamos que se trate de no máximo o tempo do palito de fósforo se queimar. E não ria o riso dos irônicos por achar que estou usando de falsa modéstia ou que seja o reconhecimento da minha santa mediocridade, esse é um sentimento sincero que possuo a respeito dos meus livros, e acrescento que não sou absolutamente infeliz ou incomodado ou injustiçado por causa de me sentir mero fogo fátuo, sou comum mesmo e trivial, gosto de futebol, de tomar umas, de ouvir piadas infames (só de ouvir, porque não sei contar)… – você acha que alguém assim poderia entrar no reino da imortalidade? Nunquinha. Quero a mortalidade e me belisco todo dia para saber se está tudo bem.
3) Ter somente cinco leitores realmente não é uma coisa boa, mas fazer o que? Há algo que dói mais do que isto quando a gente publica um livro: é a sobra. Minha primeira publicação foi de 1000 exemplares. Quanta inexperiência, quanta ilusão neste número! Consegui me desfazer (sic, sic – mas é este o termo) de uns duzentos e poucos, e aquela imagem, aquela coluna negra (a capa era preta) que, em vez de diminuir, cada vez mais crescia aos meus olhos, me aborrecia de verdade, me torturou durante uns quatro anos seguidos, quando finalmente resolvi juntar todinhos e fragmentá-los, queimá-los ou vender para o papel velho, nem sei mesmo o que foi que eu fiz, sei que tirei da minha frente aquele pesadelo, aquele abandono. Hoje publico 300, 500 exemplares no máximo, e ainda sobra… quem sabe não chegue o dia de eu publicar os tais cinco exemplares para sentir o prazer de lançar (que glória!) uma 2ª edição?

NM – Falamos de você e de quem é poeta (os outros), do poema, do prazer e da dor de escrever, do livro de poemas e dos poemas em computador, dos leitores (esses outros que somos também nós). Você pode falar do que é poema? O que você quer, quando escreve? Poema é para ser lido/ouvido/visto? Quem lê, ouve e vê, precisa ser bom leitor e bom ouvinte? Ler com (ou por) avidez/paixão.

CN – Poesia é uma manifestação dos espíritos (no plural), por isso se mostra de formas absolutamente diferentes. Alguns se confessam poetas cerebrais, outros intuitivos, há quem construa textos como se estivessem fazendo desenhos, outros compõem coisas herméticas, tudo igualmente bom ou igualmente ruim. Mas eu não acredito que exista a criação puramente cerebral nem puramente intuitiva, vejo nessas classificações apenas estágios do fazer. Quando esses impulsos (sentimentos, insights, ou seja, o que for) se materializam, aí os textos refletem um pouco (e às vezes apenas um mínimo) da idéia ou do sentimento original do criador; partindo de mim, portanto, não acredito em sinceridade absoluta, em fidelidade absoluta, entre o produto final e a embrião imaterial do poema. É algo totalmente transformado. Veja bem, quantas coisas foram iniciadas a partir de um impulso, e o cara ao tentar melhorá-las sob o aspecto estético, terminou dizendo o contrário ou algo muito distante de seu sentido original? Acho que esse “desvio-padrão” acontece com todo escritor e em qualquer gênero. O que eu acabei de dizer significa exatamente minha vivência com a poesia, ou seja, é uma coisa desmistificada, embora que eu jamais me definiria cerebral… Na verdade, nunca penso muito sobre o modo de fazer, eu a faço de maneira selvagem, primitiva, sem estilo. O que eu posso dizer com segurança é que:
1) algo sem nome acontece quando eu percebo que surgirá na minha frente uma fileira de palavras que me farão arrepiar, e aí se dá uma fuga da realidade que dura alguns segundos (chamam isto de inspiração, mas eu considero pejorativa essa denominação);
2) Repito quase sempre as mesmas temáticas; são recorrentes, por exemplo, o tempo e o destino; e sempre busco ser simples para ser compreendido (ainda assim, uma tia minha – e também muitas pessoas cultas falam que não compreendem bulhufas); e
3) finalizado o texto, o que eu sinto é: ora uma sensação de prazer parecido com o fato de ter comido uma coisa boa, ora a de alívio por me desfazer de um peso que estava carregando. Por fim, eu não chamaria de paixão o sentimento que tenho pela poesia, chamaria de alegria, pois paixão nos chega sem ser chamada e depois se acaba, e alegria a gente busca.

NM – Para finalizar, você está contente com o que escreveu? Pretende escrever mais? Ou escrever não é pretensão? É sina?

CN – Não estou contente de jeito nenhum. Noventa e tanto por cento é ruim. Um por cento talvez seja bom. Mas eu vou continuar tentando, um dia, quem sabe, eu termine alguma coisa que considere o resto excessivo. Por enquanto, não. Embora eu já me veja como um veterano das tentativas e perceba as possibilidades se escasseando, vou continuar caçando esmeraldas, (por si só isso me diverte pra caramba), e um dia, quem sabe, eu encontre uma pedrinha comum, mas bem bonita. Se isto acontecer, e quando acontecer, eu te digo, você vai ser o primeiro a saber. Combinado? Obrigado pelas oportunidades que você me deu aqui no seu blog.
Fortaleza, janeiro de 2011.

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/carlosnobrega.html

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Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas XIV)


1
A brisa sempre é bem-vinda
nestas tardes de calor,
quando apareces tão linda
para preencher meu amor !

2
A esperança, nesta vida,
é tudo que nos conduz,
pela estrada florescida
de sonhos de amor e luz !…

Menção Honrosa no concurso relâmpago da UBT – PORTO ALEGRE – RS – em reunião almoço no dia 19.07.2009, comemorando o Dia do Trovador (18 de julho), no galpão crioulo do Quartel da Polícia do Exército – PE3

3
A mocidade perdida
passou rápida… nem vi;
mas foi o melhor da vida
que passei junto de ti !

4
À tardinha, junto ao cais
no meu porto de Ilusão,
como dói amar demais
a quem não tem coração !

5
Caminhemos pela vida
qual se fôssemos criança,
e por mais ríspida a lida,
nunca nos falte a esperança !

6
Coração sentimental,
a bater desesperado,
ontem teve um ideal,
hoje é brinquedo quebrado !

7
Era menino… e bem cedo
vivia a brincar sozinho;
o meu primeiro brinquedo
foi só… um caminhãozinho…

8
Eu te amei intensamente,
mas foram momentos vãos,
pois vejo que fui somente
um brinquedo em tuas mãos…

9
Luiz Otávio e J. G.,
dois trovadores legais,
criaram para você
os nossos Jogos Florais !

Concurso Interno da UBT Porto Alegre 2009 – Tema: Florais – Vencedor

10
No aconchego dos teus braços
busco ternura e carinho,
quando esqueço meus fracassos
e não vivo mais sozinho…

11
No mundo não há ninguém
mais perfeito que a mulher,
se você souber de alguém,
me conteste, se puder!

Menção Especial

12
O tempo já nos consome
neste começo de inverno,
nada me lembra teu nome
que risquei do meu caderno…

13
Para matar o desejo
que sinto com tanto ardor,
quero a delícia de um beijo
dos lábios do meu amor.

14
Pelos trilhos da saudade
vai correndo o trem do amor;
e ao lembrar a mocidade,
inda sou um sonhador.

Trova em destaque nos II Jogos Florais De Caxias do Sul – 2010 – Tema: Trilhos

15
Roubei-lhe um beijo, ao passar
ao meu lado, sorridente;
e lembrando seu olhar,
de noite, dormi contente…

16
Sou um simples trovador
que vive cantando ao léu;
e faço apenas do amor
o meu precioso troféu !

17
Tenho amor e penso nela
toda noite, todo dia,
cada vez está mais bela
no meu céu de fantasia…

18
Tens a beleza estampada
nos olhos, lábios e faces;
a cada nova alvorada
em meu coração renasces.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

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Carol Carvalho (Entrevista: Por Que é tão Difícil Traduzir um Escritor Brasileiro)


Uma tradução falha custa ao autor 20 anos. Esse é o prazo para que outro profissional possa esboçar uma nova versão da obra e, assim, tentar um improvável retorno às prateleiras. Por isso, a tradução pode ser considerada uma arte, pelo cuidado, dedicação e habilidade que requer. E também pelas paixões e fúrias que desperta. Jorge Amado costumava dizer que uma boa tradução era aquela de que ele não entendesse uma palavra. Desta forma, não teria chance de ver o tempero de seus livros esvair-se a cada página.

Em tempos de crescimento e consolidação de escritores brasileiros no exterior, o americano Cliff Landers, com a propriedade que lhe é de direito, fala ao site de VEJA sobre os meandros da profissão. Um dos tradutores atuais mais requisitados – que já verteu para o inglês clássicos de Jorge Amado e José de Alencar, dos imortais João Ubaldo Ribeiro, Nélida Piñon e Moacyr Scliar, e do não menos importante Rubem Fonseca -, ele explica como funciona o seu ofício. E como se comporta o recluso mercado editorial americano, ideal tão distante dos escritores brasileiros.

Quais autores brasileiros e estilos literários se mostram mais difíceis para tradução?

Até hoje, tenho tido a sorte de trabalhar com autores brasileiros cujos estilos são transparentes e compreensíveis, embora naturalmente haja traços individuais que caracterizam suas obras. Apesar de ter enfrentado pequenos problemas léxicos – por exemplo, com gíria e com questões referentes a diferenças culturais e ortográficas -, até o momento nenhum dos desafios tradutórios mostrou-se insuperável. O mais difícil, já que o inglês é uma língua pragmática, é enxugar algumas frases do português.

Qual a relação entre os tradutores e escritores? Costumam trocar ideias?

Isso depende de vários fatores: da disponibilidade do autor, do prazo de entrega do manuscrito, da compatibilidade entre autor e tradutor e do número de dúvidas linguísticas encontradas no projeto. Alguns autores são totalmente inatingíveis, como um famoso escritor português cujo romance traduzi. Outros, como o célebre Rubem Fonseca, são cem por cento acessíveis ao tradutor e sumamente prestativos.

Que artifícios os tradutores usam para se manter fieis ao estilo do escritor?

Cada tradutor, forçosamente, tem de escolher um modo de transmitir ao leitor da língua-alvo informações já conhecidas pelo leitor da língua-fonte. No caso de uma obra de não ficção, uma nota de rodapé chega a ser praxe. Mas o que fazer em um romance? Eu, particularmente, procuro de evitar ao máximo o uso de notas no rodapé. Às vezes, interpolo ideias, como no exemplo: “Moram no Leblon, um dos bairros mais afluentes do Rio”, uma maneira de dar uma informação sem apelar para as notas no fim da página. Na tradução de Iracema (José de Alencar), tive a oportunidade de escrever uma “Introdução do Tradutor”, em que expliquei o vocabulário especial utilizado (oriundo do Tupi-Guarani) pelo autor. Outras vezes, busco uma ideia equivalente, e, em vez de “guaraná”, uma bebida que ninguém conhece nos Estados Unidos, escrevo “refrigerante” (soft drink, em inglês).

Na opinião do senhor, há grandes autores brasileiros que “se perderam” na tradução?

Eu diria que o exemplo clássico dessa perda é a tradução feita nos anos 1960 de Grande Sertão: Veredas (chamada em inglês The Devil to Pay in the Backlands). Ela é considerada uma tentativa fracassada tanto no Brasil como nos EUA. E, infelizmente, quando se dá uma tradução falha, se impede na prática que se esboce outra tradução por pelo menos vinte anos. No caso da obra-prima de Guimarães Rosa, infelizmente, até hoje não houve outra tentativa. A tradução de Macunaíma (Mário de Andrade), mesmo sendo o romance mais representativo do modernismo brasileiro, foi um desastre – ainda hoje não recuperado. Mas temos de perdoar os tradutores pelas dificuldades linguísticas oferecidas por dois clássicos do século passado.

O senhor acha que existem estilos literários mais atraentes para o mercado americano?

Como foi provado pelo estrondoso sucesso da trilogia Millenium, de Stieg Larsson, o policial é um gênero que, ao que parece, nunca deixa de atrair o grande público. No entanto, para o americano o “estilo” é menos importante do que a atração intrínseca do romance. O ideal são personagens bem delineados, um enredo que prenda o leitor e algo que faça com que ele continue virando a página. Suspense é uma outra opção.

As grandes editoras se mostram receptivas aos brasileiros ou a tradução se dá principalmente pelas universidades americanas?

De modo geral, as grandes editoras americanas só se interessam em publicar traduções de obras que possuam forte potencial comercial, a chamada mentalidade jackpot. Isto é, obras de autores já consagrados – um prêmio Nobel como José Saramago -ou obras do gênero policial e de suspense. Paulo Coelho teve sucesso sem igual nos EUA não por ser um autor brasileiro, mas pela grande receptividade ao gênero autoajuda. As imprensas acadêmicas, porém, recebem melhor as obras proeminentes da literatura, porque podem ser de interesse de estudiosos. É o caso de A Formação das Almas, de José Murilo de Carvalho. Naturalmente, em se tratando de editoras universitárias, a repercussão é limitada, ficando quase exclusivamente no âmbito acadêmico, distante do grande público.

Fonte:
Carol Carvalho (www.veja.com.br) para Poetas del Mundo

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Lilia Momplé (A Voz que Expande a Consciencia Literaria Moçambicana)

Eduardo Quive, do Movimento Literário Kuphaluxa entrevista Lilia Momplé.

Ida dos remotos tempos da dominação colonial portuguesa nas terras moçambicanas e voltada dos horizontes do mundo fora, a escritora moçambicana Lília Momplé, encontrou-se com amantes da literatura para falar de si, da sua obra e do protagonismo em que dedica a sua escrita nos leitores. Lília Momplé fora voz do nacionalismo, mas hoje, aos 76 anos de vida, é a palavra que se exalta na nova consciência e inspira as novas gerações. Mas não abandonou o seu nacionalismo literário. Na conversa promovida pelo Movimento Literário Kuphaluxa, em Maputo, a escritora brincou com as palavras e educou os literatos novatos, afinal de contas Lília, fora também professora.

De nome completo Lília Maria Clara Carriére Momplé, natural da Ilha de Moçambique, esta mulher que escreve o que lhe vai na alma, inspira os jovens e, nas suas obras, revela os mistérios da sua força nacionalista e pela justiça social. Há quem diga que cada escrito da Lília Momplé, é uma denúncia, mas a escritora prefere dizer que é um momento de desabafo, revelação, confidências e só o faz quando não aguenta mais se calar.

Há uma necessitada de se fazer valer a literatura oral. Esta forma literária é riquíssima e corre o risco de se esquecer. Com a literatura, há oportunidade de se criar riqueza. A literatura é a base para o conhecimento e criação, e num país onde há criação, já sabemos que se pode alcançar o desenvolvimento.

Em seguida o teor da sua conversa com jovens em um breve resumo:

Como é que surge a vontade de escrever?

Lília Momplé – Quanto ao ser escritora, sempre sobe que um dia ia escrever, só não sabia quando. O gosto pela literatura herdei da minha avó. Ela era Macua e habitualmente contava-nos estórias lindas da tradição em volta da fogueira. Nesse momento eu dia para mim, «um dia vou escrever estas estórias».

E houve um outro acontecimento que significou muito para mim: aos 13 anos, estudei no Liceu Luís Salazar, uma escola que era apenas para brancos e pessoas com as melhores condições. Eu era a única negra e minha mãe teve que fazer muito sacrifício para que eu estudasse lá. Ela passava noites a costurar para poder pagar a minha escola, foi uma fase muito difícil. Foi mesmo um acto heróico estudar lá.

Tive um professor de que o nome não posso me esquecer: o seu nome é Rodrigues Pinto, era professor de língua portuguesa. Mandou-nos fazer uma redacção sobre o último de dia de férias.

Feita a redação e chegada a hora de entrega dos trabalhos depois de avaliadas, ele foi chamando cada aluno para buscar o seu trabalho e o meu foi último. Confesso que fiquei com medo quando não chamaram-me. Quando terminou a entrega aos outros ele disse chamou-me e disse que o meu trabalho foi magnífico. E dali, ele passou a ler a redação em, toda escola. Fiquei muito orgulhosa. Toda escola apontava no pátio por ter feito o melhor trabalho. Isso marcou-me muito e cada vez mais acreditava que um dia ia escrever.

E porque escreve?

L. M. – Escrevo porque me sinto honrada! Escrevo pelo desejo de contar e de descarregar os meus segredos.

E o primeiro livro… “Ninguém Matou Suhura”, como é que surge?

L. M. – Escrevi o primeiro livro porque tinha uma carga muito grande sobre o colonialismo em Moçambique. Eu tinha raiva do colonialismo. Muita raiva. Tinha a raiva da injustiça. Eu nunca me conformava por tudo que via: massacres sofrimento, opressão isso incomodava-me.

Mesmo quando casei-me, embora com um branco, ele porque também não suportava ver a injustiça disse que tínhamos que sair do país. Foi assim que acabei vivendo no Brasil por muito tempo.

Escrevi o Ninguém Matou Suhura porque eu queria conversar com alguém sobre o que vi e vivi durante aquele tempo. Tinha que me revelar.

As outras obras «Os olhos da Cobra Verde» e um Romance, intitulado «Neighbours» não fogem muito do quem caracterizou a primeira…

L. M. – O segundo livro também se baseou em factos reais. Da morte de uma amiga que era muito boa gente. Ela tinha muita vida, se não mesmo ela era a própria vida. Isso foi muito doloroso e marcou-me. Eu tinha que escrever. O terceiro também foi mais uma revelação.

Vivemos uma sociedade de negócios o “Business Society”, onde o que vale é o medíocre e não desenvolvimento. Tem em vista mais uma obra?

L. M. – Estou a preparar mais um livro, talvez seja o último. Ele vai retratar o que chamo de “Business Society” (sociedade de negócios). O título poderá ser “Fantoches de Aços”.

Nesta obra vai sair muitas verdades. É mais uma revelação de algo que me vai na alma, sobre os dias que vivemos. Onde as pessoas são insensíveis pelos negócios. Tudo eles fazem pelo dinheiro. Pobres que sofrem e só discursos políticos vazios. Só para fazer negócios. É o Business Society a que me refiro. Essa sociedade não é a verdadeira moçambicanidade, isso nos tira a identidade e aconselho-vos a sair dela. São Fantoches porque são; e são de Aço porque não tem piedade. No Business Society o que vale é o medíocre e não o desenvolvimento.

Como é que se define Lília Momplé?

L. M. – Essa é uma pergunta muito difícil. Acho que não sei me definir, mas vou tentar. Penso que sou uma pessoa coerente, que, por exemplo, não se pode adaptar ao Business Society. Porque não suporto injustiça. Sou coerente.

A caminho dos 80 e com percursos brilhantes na sua vida literária, pensa ainda em fazer alguma coisa na literatura, para além do livro que vai lançar em breve?

L. M. – Essa também é muito difícil de responder. Engraçado que nunca pensei nisso. Sinceramente que não. Mas é assim… Não escrevo porque quer fazer alguma coisa na literatura, aliás eu nunca quis fazer nada na literatura. Quando não tenho nada para dizer não escrevo. Então não quero fazer nada na literatura, por isso não falta nada para fazer. Eu escrevo porque tenho que escrever.

Qual é o segredo que quer deixar para uma nova geração de escritores?

L. M. – Que amem a literatura antes de querer ser escritor, porque só assim poderão ser os verdadeiros escritores. Eu não acredito em quem quer ser escritor, pois escrever tem que ser por força de alguma coisa. Uma emoção forte. Você é um enviado especial de algum sentimento. Mas se os jovens amarem a literatura, farão algo por ela e nessa convivência, podem ser escritores e bons escritores. Que sinceramente o nosso Moçambique precisa.

Tem mais alguma coisa a dizer?

L. M. – Quero agradecer a oportunidade que o vosso movimento (Movimento Literário Kuphaluxa) me deu de estar aqui em conversa com os jovens e devo dizer que vos admiro. Realmente vocês são amantes da literatura e esta conversa que aqui tivemos é muito significativa para mim. Já passei por mais de 20 países para falar da literatura de mim e das minhas obras, mas a emoção que estar a falar com os verdadeiros mensageiros da literatura e que são jovens muito novos do meu país, que mostram o verdadeiro interesse pelas artes, isso me deixa muito feliz. Obrigado Kuphaluxa.

E mais… se querem realmente crescer nesta área, leiam. Leiam muito. Assim o podem ser de facto uma nova geração de escritores e eu tenho fé, que daqui a mais quatro anos ou menos. Um de vocês vai aparecer no sucesso e lembrar-se das minhas palavras.

Continuem assim. Convidem mais escritores para estes encontros, que não seja apenas a Lília Momplé, os jovens precisam destes momentos e eu sempre estarei ao vosso dispor, para qualquer momento destes e outros.
* * *

Breve biografia

Lília Maria Clara Carriére Momplé, nascida a 19 de Março de 1935 na Ilha de Moçambique, província de Nampula, a norte de Moçambique, é Assistente Social de profissão, com licenciatura em Serviços Sociais.

Lília Momplé, foi professora de Inglês e Língua Portuguesa na Escola Secundária de Ilha de Moçambique e diretora da mesma escola entre 1970 e 1981.

Trabalhou como assistente social em Lisboa, Lourenço Marques (actual cidade de Maputo) e em São Paulo, Brasil, em 1960 a 1970.

Em outras missões, Lília Momplé foi, de 1992 a 1998, diretora do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural de Moçambique (FUNDAC) e de 2001 a 2005, membro do Conselho Executivo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.

No seu percurso literário, dirigiu a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) de 1991 a 2001, como secretária geral, de seguida ficou presidente da Mesa da Assembleia-geral da mesma agremiação.

O seu primeiro livro veio ao público em 1988, editado pela AEMO, com o título «Ninguém Matou Suhura», uma coletânea de Contos; «Neighbours» romance publicado em 1995 e «Os Olhos da Cobra Verde» obra de contos publicada em 1997, também sob a chancela da AEMO.

Ainda na arte, a escritora publicou o «Muhipiti-Alima» um vídeo de drama, editado pela PROMARTE em 1997.

As obras da Lília Momplé, já foram editadas em Inglês, Italiano, Francês e Alemão.

Neste momento, a escritora faz parte do «Internacional Who´s Who of Authores and Writeres» e desde 1997 é membro de «Honorary Fellow in Literature» da universidade IOWA dos Estados Unidos da América (EUA).

Prêmios

Em termos de prêmios, Lília Momplé, conquistou o primeiro prêmio do concurso literário comemorativo da cidade Maputo, intitulado Prêmio 10 de Novembro com o conto «Caniço» em 1987.

Melhor vídeo-drama moçambicano em 1998, com o vídeo «Muhipiti-Alima».
Foi nomeada o Caine Prize for Africaan Writing, edição de 2001. fez parte dos cinco nomeados entre 120 escritores de 28 países.

NOTA: Este foi o resumo da conversa que jovens amantes da literatura tiveram com a escritora Lília Momplé, na galeria do Centro Cultural Brasil – Moçambique em Maputo e não se trata de uma entrevista conduzida por uma pessoa.

Fonte
Colaboração de Amosse Mucavele Movimento Literário Kuphaluxa

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Baú de Trovas III

Se a noite chega cansada
de caminhar sempre ao léu,
Deus dá vinhos de alvorada
na taça rubra do céu.
ADELIR MACHADO – Niterói/RJ

Quebro a taça do passado
e o vinho espalhado ao chão
é meu brinde apaixonado
aos cacos de uma ilusão.
ALBA CHRISTINA CAMPOS NETTO – São Paulo/SP

Quando o inverno, com seu manto,
cobre de frio os caminhos,
o vinho é o doce acalanto
do coração dos sozinhos…
ALBERTINA MOREIRA PEDRO – Rio de Janeiro

A saudade, sem carinho,
procura, nas noites frias,
por velhas taças de vinho
que a vida já pôs vazias!
AMÁLIA MAX – Ponta Grossa/PR

Neste meu verso amoroso
digo com certa emoção:
– a trova é vinho gostoso
que embriaga o coração.
ANITA THOMAS FOLMANN – Ponta Grossa/PR

Meigo menino sem nome
– alma e vida seminuas –
devora o vinho da fome
pelas adegas das ruas.
ANTONIO BISPO DOS SANTOS – Niterói/RJ

Goza o momento que passa.
Repara que, em nossas vidas,
nem sempre há vinho na taça,
mas, há, sempre, despedidas…
CARLOS GUIMARÃES – Rio de Janeiro

Não há vinho que me faça
esquecê-la um só segundo,
porque vejo em cada taça
a imagem dela, no fundo.
CLARINDO BATISTA DE ARAÚJO – Natal/RN

Eu, como quem desabafa
no vinho a dor que lhe esmaga,
vou pondo a dor na garrafa
do vinho que me embriaga.
DIVENEI BOSELI – São Paulo/SP

Brigamos… E o amor, injusto,
prendendo-me a um labirinto,
põe no vinho, que degusto,
todo o amargor que ainda sinto!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA – Rio de Janeiro/RJ

Querência… O encanto profundo
dos dias calmos, risonhos…
– Um pedacinho de mundo
no mundo azul dos meus sonhos.
ELISABETH N. PASCHOAL – Taubaté/SP

Quando a tristeza rescinde
contrato com o coração,
louve a Deus e faça um brinde
com o vinho dda gratidão.
FRANCISCO LUZIA NETTO – Amparo/SP

Quando a tristeza não passa,
forço um sorriso no rosto,
ponho vinho em minha taça
e ergo um brinde ao meu desgosto!…
IZO GOLDMAN – São Paulo/SP

Foram felizes instantes,
Juventude na querência
Hoje em terras tão distantes
Pilcha…mate…sinto ausência.
JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Se nunca me abate a lida,
é porque sempre reponho
minha energia perdida,
tomando o vinho do sonho.
JOSÉ NOGUEIRA DA COSTA – Pouso Alegre/MG

Cada vez mais terno e amigo,
na verdade o nosso amor
tem muito do vinho antigo
que o tempo apura o sabor!
JOSÉ TAVARES DE LIMA – Juiz de Fora/MG

Como atitudes presentes,
a envelhecer feito os vinhos,
bons exemplos são sementes
lançadas pelos caminhos.
LAVÍNIO GOMES DE ALMEIDA – Barra do Piraí/SP

O vinho dissipa o tédio
em que o fracasso nos joga.
Na dose certa é remédio,
em excesso, nos afoga!…
LOURDES REGINA F. GUTBROD – Rio de Janeiro/RJ

No abandono, em desalinho,
eu sonho me embriagar
na branca taça de vinho
que se derrama em luar!
MARINA BRUNA – São Paulo/SP

São gotas de poesia,
ou de algum raro licor,
que o orvalho, com alegria,
põe no cálice da flor.
MARLÊ B. J. DE ARAÚJO – Viamão/Portugal

O licor molha o carpete…
E o par de taças quebradas
brinda o silêncio… e reflete
nossas noites fracassadas.
MILTON SEBASTIÃO SOUZA – Porto Alegre/RS

A videira busca o sumo
em solo fértil, profundo,
e faz do vinho um resumo
das alquimias do mundo.
MOACYR SACRAMENTO – Niterói/RJ

O amor foi vinho excelente
que, embalando anseios vãos,
provei… E a vida inclemente
tirou-me a taça das mãos!
PEDRO ORNELLAS – São Paulo/SP

Sei que este mundo é mesquinho,
mas, Senhor Deus, não aceite
que alguns se fartem de vinho,
pois há crianças sem leite!
SÉRGIO MIRANDA FILHO – Rio de Janeiro/RJ

Que verdura, que beleza,
o vinhedo sobre o monte,
quando a mão da Natureza
borda a tela do horizonte!
SEBASTIÃO SOARES – Natal/RN

Eu tinha o corpo cansado…
Ao dela faltava amor…
– E foi um vinho encorpado
que deu corpo ao nosso amor!…
WALDIR NEVES – Rio de Janeiro/RJ

Na lareira um fogo brando
e, entre doses de licor,
nossos corpos desenhando
todas as formas de amor.
WILMA MELLO CAVALHEIRO – Porto Alegre/RS

Fonte:
Colaboração de Nuhtara Dahab

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Beatriz Bracher (em Xeque no Paiol Literário)

“Ler um livro é importante para você não estar aqui nem agora. Para você não ser você por um tempo. E, quando você voltar ao aqui e ao agora, a você mesmo, voltará com os olhos muito mais aguçados.”

Beatriz nasceu em São Paulo (SP), em 1961. Formada em Letras, foi uma das editoras da revista de literatura e filosofia 34 Letras e cofundadora da Editora 34, onde trabalhou por oito anos. Beatriz, que já esteve na Flip em 2005.
Publicou em 2002 seu primeiro romance, Azul e dura, seguido de Não falei (2004), Antonio (2007) e Meu amor, pelo qual recebeu, da Fundação Biblioteca Nacional, o Prêmio Clarice Lispector como melhor livro de contos de 2009.
Além de escritora, é roteirista de cinema. Em 1994, escreveu com Sérgio Bianchi o argumento do filme Cronicamente inviável e, com o mesmo diretor, o roteiro do longa-metragem Os inquilinos, com o qual conquistou o prêmio de melhor roteiro no Festival do Rio 2009.

No dia 19 de outubro, o Paiol Literário – projeto promovido pelo Rascunho em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba e o Sesi Paraná – recebeu a escritora BEATRIZ BRACHER.

Na conversa que teve com o escritor e jornalista Luís Henrique Pellanda no Teatro Paiol, em Curitiba, Beatriz Bracher falou sobre sua formação como leitora e a importância de haver trabalhado como editora durante quase uma década, explicou por que julga o conto um gênero “mais elevado” que o romance (embora não prefira um ao outro), analisou a violência contemporânea e a forma como (não) a absorvemos e previu uma longa vida ao livro de papel.

Leia abaixo os melhores momentos do bate-papo.

• Desordenar para reorganizar
A arte pode transformar o mundo ou não, como muitas outras coisas, como as idéias e a política. Mas não acho que ela tenha uma proeminência nesse aspecto. Ela pode transformar o mundo simplesmente por fazer parte dele. Ela está aí. Agora, essa crença de que a arte transformaria radicalmente o mundo, que criaria um novo homem, que nos traria uma espécie de iluminação – não acredito nisso. Por que é importante ler? Não sei. Acho que ler um livro é importante para você não estar aqui nem agora. Para você não ser você por um tempo. Para você ser os outros e habitar outros lugares durante o tempo em que estiver lendo. E, quando você voltar ao aqui e ao agora, a você mesmo, voltará com os olhos muito mais aguçados. Eu saio de um livro sempre muito comovida, ou tocada, ou agressiva. Sempre me transformo de alguma maneira. Fala-se muito que temos uma grande afeição ao caos, que o mundo é informe e que a arte daria forma às coisas. Na verdade, temos pânico do caos. Nós não conseguiríamos viver sem alguma ordem na nossa história. E o que a literatura faz é desordenar um pouco isso, mostrar outras maneiras de organizar nossa vida.

• Carga de honestidade
A literatura tem a ver com a solidão. É uma maneira que tenho de estar sozinha. Uma solidão que, de alguma maneira, compartilho com os personagens de um livro e o seu autor. Quer dizer, um livro sempre tem uma carga enorme de honestidade. Nele, você vê todos os personagens por dentro, tanto as suas coisas ruins como as boas. É um excesso de tudo. De amor, de ódio.

• Bicho arisco
Quando eu era pequena, naquela idade em que as crianças começam a ler Monteiro Lobato, com nove, dez anos, eu achava que ler livros era muito chato. Eu lia revistinhas, mas livros não. E teve uma época em que viajei para a Alemanha, numa espécie de intercâmbio. Morei lá uns dois meses, aos 11 anos, com uma família alemã amiga dos meus pais. Como senti muita falta deles, do Brasil e de tudo, me arrumaram um livro em português, O boi aruá, do Luís Jardim. E isso também teve a ver com a solidão. A primeira experiência forte de leitura, para muitas pessoas, teve a ver com algum momento difícil de suas vidas. Pois naquela hora, eu não só comecei a ler, como uma necessidade, mas comecei também a escrever. Eu escrevia cartas muito longas. Relatos, histórias, coisas assim.

• Histórias com matemática
Sempre gostei muito de contar histórias para os meus primos pequenos. E o gostar de contar histórias veio quase que antes do gostar de ler. Minha mãe sempre me contou muitas histórias, dela e da infância dela. Ela vem de uma família brasileira e libanesa de dez filhos, então sempre teve muitas histórias, e eu adorava ouvi-las. Já meu pai era de uma família suíço-alemã. Quanto às histórias que eu contava, acho que eu as inventava. Não me lembro bem. Quase sempre tinham a ver com algum menino que fugia de casa e levava na mochila três chocolates, não sei quantas balas. Sempre tinha alguma coisa de matemática, não sei por quê. Cinco camisas. Quatro cuecas. Eu gastava muito tempo nessa ordenação. E tudo sempre acabava bem.

• Adoração
Meus pais foram morar em Brasília quando eu tinha 14 anos. Lá, comecei a ler mais, comecei a ler Kafka e Borges, comecei a me interessar por literatura mesmo, e não só por histórias. E aí a literatura, para mim, passou a ser algo para se pensar o mundo. É engraçado: a partir de determinado ponto, passei a adorá-la. Ela me instigava. Abrir um livro novo era uma coisa muito boa. E comecei também a escrever, publiquei um conto na revista Escrita, aos 15 anos. O Luiz Ruffato, que estava fazendo um artigo grande sobre as revistas literárias da década de 70 (série publicada no Rascunho), até encontrou esse meu conto por lá (na época, Beatriz assinava como Bia Bracher). E também havia a revista José, o Suplemento do Estado de S. Paulo, que era ótimo, e depois o Folhetim, da Folha. Eu lia isso tudo, eram coisas que me atraíam. E comecei a escrever.

• A coisa mais importante do mundo
Fui mãe muito cedo. Com 18 anos. Acabei o ensino médio e fiquei oito anos só como mãe. Tive três filhos e só depois é que fui entrar na faculdade. Durante esse tempo todo fiquei escrevendo, mas eu tinha muito medo de mostrar minhas coisas. Talvez tivesse muito medo de querer ser escritora. Eu escrevia, mas admitir isso, para mim, era difícil. Fui fazer a faculdade de Letras porque achava que ser escritora era a coisa mais importante do mundo – e talvez por isso mesmo achasse que nunca seria uma escritora. Aí comecei a trabalhar na 34 Letras (revista de literatura da qual foi editora, de 1988 a 1991) e, mais tarde, na editora 34 (de 1992 a 2000). Depois, em 2000, com 39 anos, já tinha na cabeça a idéia de que, aos 40, eu estaria fazendo o melhor que podia dar de mim. Então me dei conta de que não era ser editora.

• Relato e criação
Quando saí da editora 34 e resolvi dar um tempo, também não sabia se era escrever o que eu queria. E propus, a mim mesma, tirar um ano fora e tentar escrever um livro. Evidentemente não consegui escrever um livro em um ano, mas consegui ver que era isso o que eu queria. Gostei muito de me dedicar a escrever. E vi que, quando escrevia para publicar, eu tinha um compromisso com a verdade muito maior do que quando escrevia para a gaveta. O que é curioso, porque, teoricamente, deveríamos ser mais espontâneos em trabalhos que os outros não vão ler. Mas espontaneidade, em relação à escrita, não tem nada a ver com verdade. Quando você é espontâneo – ou social, como aqui -, de alguma maneira você sempre vai falar o lugar-comum, até mesmo para conseguir se comunicar com os outros. Trata-se de um relato de suas experiências. E, quando você escreve para mostrar, trata-se da criação de uma experiência. Então, quando falo sobre a verdade, essa verdade não tem relação nenhuma com a realidade. Falo sobre a verdade que um texto será capaz de criar em quem o ler.

• Coragem para escrever
A experiência de ser editora me ajudou muito. Eu recebia muitos originais para ler. Tinha alguns bons. A maior parte era ruim. Algumas pessoas não eram escritoras, eram enroladoras; outras até eram escritoras, mas seus livros não eram bons. É engraçado, é diferente, você sente que ali tem algo forte, mas… Aí pensei: “Poxa, se eu fosse uma dessas pessoas já seria muito legal. Quem disse que serei uma boa escritora? Não sou eu quem vai decidir isso. Tenho que escrever. Tenho que tentar”. Então, aquilo me deu coragem, no sentido de que havia muita gente se arriscando, dando a cara a bater para ser escritor, e no sentido da modéstia também. Você não vai escrever o melhor livro do mundo, mas você pode escrever um livro bacana.

• 50 mil exemplares
Se o país está melhor ou pior, eu não sei. Tenho a impressão de que há mais gente lendo, e isso é muito bom. Sinto que ler já não é uma coisa tão pedante, como era antigamente. Sempre foi um problema muito grande, para quem gosta de ler, ser considerado meio chato. Era como se a gente lesse só para se mostrar, quando, na verdade, ler é um dos maiores divertimentos que existe, uma coisa muito viva, que não tem nada a ver com pedantismo. E na gestão do Fernando Henrique houve uma mudança no sistema de compra de livros pelo governo. Antigamente, o governo só comprava livros da Ática, da Moderna, dessas editoras que produziam para as escolas. Depois, passou a comprar livros de literatura para as bibliotecas das escolas, e se criaram sistemas em que muitas editoras pequenas puderam entrar. Essa política se manteve no governo atual, e ajudou muito as pequenas editoras. Porque, para o governo, você vende 5, 8, 12, 50 mil exemplares do mesmo livro. É claro que você o vende por um preço muito menor, mas é uma entrada de dinheiro muito importante para a sua editora.

• O bonito no romance
O romance é bacana exatamente porque é mais comezinho. Ele dura muito tempo, muitas páginas, e é aquela mesma história, com os mesmos personagens. Por mais burilado que seja, ele sempre tem uma largueza, é mais sujo, não tem muito jeito. Você demora alguns dias para lê-lo. Ou muitas horas. E ele vai te acompanhando. Você não tem como apreendê-lo de uma vez só, e nem o autor tem como escrevê-lo de uma só vez. Então, sempre que um autor está revisando um romance, ele lê 30 páginas e as revisa, e lê outras 30, e as revisa, mas nunca vai conseguir ler e revisar 200 páginas de uma vez. Isso é muito bonito no romance.

• O treino do conto
Às vezes, você lê, inteiro, um conto de 12, 20 ou 30 páginas. Quando o escreve, você começa e já tem a idéia de como será o seu final. Não é só questão de ser sintético. É que no conto acontecem menos coisas, mesmo. O tempo funciona de forma diferente para a ação. Por isso acho o conto mais elevado. É como se ele precisasse de uma eficácia maior. Ele tem que agir, ele tem que ser mais determinado, mais focado. Só me senti capaz de escrever contos quando senti que tinha um treino maior, quase muscular, de escrever ficção.

• Raquetada
Às vezes, você está há dias naquilo de escrever e apagar e, de repente, escreve algo bacana. Talvez um dia depois aquilo já não seja mais bacana, mas naquela hora pareceu ser. Quando isso acontece, me sinto como o Guga (Kuerten), quando ele faz aquele seu (Beatriz faz a mímica de uma raquetada e a acompanha com um grito) “aahnn!”. Porque é um esforço. Há muita coisa física quando estou lendo e escrevendo. É um prazer grande, físico mesmo.

• Bloco de pedra
Todo dia, escrevo das nove da manhã à uma da tarde. Fora de casa. Tenho um escritório. E, quando falo que escrevo, quero dizer que vou ao escritório; às vezes, não consigo escrever nada. Mas, fora as dispersões na internet, tento me policiar ao máximo. Não me permito fazer mais nada. Às vezes, vou ler outras coisas, relacionadas ao que estou escrevendo naquele momento. Leio e fico anotando. (…) Nunca sei onde um romance vai acabar, e mesmo o assunto de um romance: às vezes, começo com um e desenvolvo outro. Escrevo e limpo muito, gasto muito mais tempo limpando o texto do que com a sua primeira escrita. E sinto que sou mais artista quando limpo do que quando escrevo, porque a limpeza é uma reescrita, e aquele texto já está mais fora de mim, já é algo diferente. Escrever é separar um bloco de pedra. E revisar é limpar, é realmente começar a esculpir aquilo que já está determinado. Só vou poder esculpir aquele pedaço de pedra, não tenho mais muitas opções. É como se o trabalho intelectual, que é o forte para que uma história seja boa, só se iniciasse depois de eu haver escrito uma primeira mão. No conto, isso acontece mais rápido. Quando começo o trabalho de revisão de um conto, já tenho o conto inteiro. No romance, vou fazendo o trabalho de limpeza ao longo do livro. Então, ele vai mudando de caminho.

• Cruel
Não sou pessimista. Mas as pessoas acham que as coisas que escrevo são. Não acho. Meus contos e romances são muito cruéis, às vezes. Ou quase sempre. Mas não é uma coisa que eu sinta que sou. Percebo situações de opressão ou de dominação que outras pessoas não percebem. Sei lá. Eu me ofendo com facilidade. Não é que eu seja cruel. Eu sinto o mundo mais cruel do que as outras pessoas.

• O assassinato em si
Vi, na Bienal de São Paulo, um vídeo com a Clarice Lispector. Era a última entrevista que ela deu. E a Clarice, que escreveu um conto muito bonito sobre o Mineirinho, um assaltante que foi morto com 13 tiros, falava o seguinte: “Treze tiros, quando um bastava”. A revolta dela era com os 13 tiros. Na entrevista, ela contava mais ou menos como havia escrito aquele conto, quando o entrevistador perguntou: “Você acha que esse conto, da maneira como você o escreveu, pode alterar a realidade?“. E ela: “Não, não pode alterar nada“. Ela foi muito definitiva. E eu acho (Beatriz faz uma pausa muito longa)… que talvez possa. Do que é que estou falando naqueles contos (do livro Meu amor), sobre esses casos que envolvem principalmente crianças e velhos (Beatriz se refere a casos com os de Isabella Nardoni e o do menino João Hélio)? Você fica meio sem fôlego ao ver o que o ser humano é capaz de fazer. Como é que pode existir algo tão perverso dentro de você mesmo? E temos um certo prazer em comentar, em acompanhar casos assim. Quer dizer, os meus contos não são apenas uma crítica à mídia. Você também fica querendo ver o Jornal Nacional para saber o que vai sair sobre o caso Bruno, para saber se ele esquartejou a sua vítima ou não, se ele a deu para os cachorros ou não. Há pessoas como eu que ficam vendo televisão e lendo jornal para saber mais sobre essas coisas, e há também os comentários na padaria, e no táxi. E você vai ficando longe da tragédia que realmente aconteceu. Então, escrever esses contos foi quase como tentar recuperar o assassinato em si mesmo. Um pai que, parece, matou a filha. Os assaltantes que arrastaram o menino. Talvez seja uma coisa de reconstituir o crime no que ele tem de bárbaro.

• A ambição da crônica
Tem o caso daquela menina de 13 anos que ficou presa numa cadeia do Pará junto com vários homens (e que Beatriz aborda em Duas fotografias sobre o natural). Aí já não é ficção, é mais uma crônica mesmo. Os outros textos (do livro Meu amor) são de ficção porque mostram como os personagens vivem aqueles crimes. Não são sobre os crimes. E aí, na medida em que o texto é uma crônica, na medida em que ele tem a ver com jornalismo e tem um compromisso com a realidade, eu esperaria que ele pudesse mudar mais as coisas. Porque a arte muda a realidade de uma maneira diferente – se é que muda. E o jornalismo, a crônica, tem uma ambição mais imediata sobre o que está acontecendo. São duas expectativas diferentes.

• Bracher & Bueno
Nunca fui amiga do Wilson Bueno (1949-2010), nunca o conheci muito bem, mas, quando eu fazia a revista 34 Letras, ele, que editava o Nicolau, me ligou e pediu uma resenha sobre o Macunaíma. Daí, entre nós, houve uma troca de telefonemas e correspondências a respeito. Depois disso, às vezes, a gente ainda se falava, e um dia ele me contou uma história engraçada. Quando ele mandou para a editora 34 o seu romance Meu tio Roseno, a cavalo, eu li e amei aquele livro. Fizemos uma reunião entre os editores, todos decidimos publicá-lo e todo mundo ficou muito feliz. Teve só um negócio: a gente pediu uma orelha para o Benedito Nunes, que demorou muito para entregá-la – mas, pelo Benedito, valia a pena esperar o tempo que fosse, e o texto ficou incrível. Só que o Wilson dizia que a história não havia sido essa. Eu escrevera uma carta para ele falando que tinha adorado o seu livro, fazendo comentários bem minuciosos sobre todas as partes da obra, mas dizendo que, infelizmente, tínhamos muitos livros para aquele ano e para o outro, e que não poderíamos editá-lo. Enfim, eu dizia que não editaríamos o livro, mas que o tinha adorado e, na narração do Wilson, ele ainda estava com a carta na mão quando o telefone tocou, ele atendeu e era eu, eufórica, dizendo que tudo tinha mudado, e que a gente tinha dado um jeito, e que íamos publicar o livro, e logo! Acredito que deva ter acontecido isso mesmo. Se ele contou… (risos) Mas apaguei isso da minha cabeça.

• Editora culpada
Há um livro, não sei o nome do autor, que não me sai da cabeça, mais do que os livros que publicamos na 34. Era de um autor do Paraná, e se passava na cidade de Maringá, se não me engano. Não me lembro da história inteira, mas sei que havia muitas cenas ao longo de um rio, e que as pessoas estavam ocupando aquele território, começando a sua colonização. Tinha um episódio sobre um time de veteranos do qual o Garrincha fazia parte e que ia jogar com o time da cidade. Como o Garrincha já estava muito alquebrado, o beque do outro time, chocado com aquilo, começava a facilitar a vida para ele, mas o Garrincha ficava superbravo com o menino e dava um esculacho nele. É uma cena que me arrepia ainda agora. Era muito bem escrita, muito bacana. E, no final da história, lembro que ainda havia uns discos voadores. Era um livro que se passava em muitos lugares, e acho que devia ser muito bom para eu não me esquecer dele. Mas o fato é que achei que não era bom. Era um bom escritor, era uma boa história, mas era como se não estivesse pronta. E escrevi uma longa carta ao autor, dizendo o que eu achava que devia ser mudado. Alguns meses depois, recebi o livro de volta. O autor tinha realmente alterado algumas coisas, e não lembro, agora, se achei que ainda não estava bom, ou se os outros três editores é que não gostaram. Só sei que a gente não editou o livro, e senti muita culpa por causa disso. Aquele autor havia trabalhado em cima das minhas orientações. (…) Depois que aconteceu isso, eu respondia aos autores falando apenas “Nós não vamos editar o seu livro”. E só sugeria mudanças quando nós íamos editar o livro de qualquer maneira. Porque aquela foi uma experiência muito ruim para mim. E, para o autor, pior ainda. Provavelmente aquele livro, de primeira, já podia ter sido editado, porque era bom. Isto é o duro de ser editor: está na sua mão. Esse cara poderia ter uma carreira de escritor, poderia ter outros livros, e por causa do que aconteceu, pode ter se desviado, desistido, desanimado. Então, eu ouço muito os editores, é bom trabalhar com eles, mas quando você tem certeza de que a palavra final vai ser sua.

• Outra coisa
Tecnicamente, não sei muito bem como vai ser. Sempre haverá o livro de papel. Acontece que o livro de papel é muito mais caro que o eletrônico. E, se você tiver que diminuir a tiragem do livro de papel, pois muita gente passará a comprar o eletrônico, o de papel vai ficar cada vez mais caro. As tiragens serão menores e o preço unitário será maior. O livro de papel passará a ser um fetiche. Tenho a impressão de que não estarei mais aqui quando chegar essa hora, acho que o processo será realmente lento. Gosto muito de ter livros, é a coisa da posse, o meu livro. Não gosto de emprestar dos outros, e nem de emprestar os meus. No meu livro eu mexo, o meu livro eu quebro, escrevo em cima dele. Agora, não acho que o suporte altere o texto ou a leitura. Principalmente essa tela opaca, que alguns amigos meus (eu nunca li) dizem que é confortável. Dizem que é gostoso ler nela. Então, não acho que vá ser uma grande revolução – só quando tivermos livros interativos, livros que poderemos “prolongar” para outros lugares, por outros caminhos. Mas daí o livro será outra coisa, e não a literatura que a gente conhece hoje.

• Além do suporte
Um texto de Shakespeare em papel-jornal ou papel cuchê, numa edição tal ou qual, é um texto de Shakespeare. É aquilo. Está além do seu suporte.

• Um crime
Hoje em dia, o número de brasileiros que têm acesso ao computador é enorme. A internet aumentou o nível de leitura das pessoas porque, diferentemente da televisão, muito de seu conteúdo é feito de letras. Tem muita imagem, mas você lê muito. E também escreve. No Twitter, no seu blog, em seus e-mails. Dei aula numa escola de jovens e adultos na periferia e, quando queria que as pessoas lessem um conto da Clarice Lispector, era só entrar na internet e imprimi-lo. É pirataria. Você não está pagando direito autoral para ninguém, temos que achar uma solução para o problema, claro, mas é um crime não aproveitar isso. Você dá uma dica muito pequenininha para os adolescentes e, de repente, eles já estão lendo Goethe e Camões. E são pessoas que não têm um livro em casa. Isso é de uma beleza – o que a internet está possibilitando de difusão da literatura.

• A persona e a obra
Da primeira vez em que fui chamada para falar em público (na Flip de 2005), fiquei muito aflita. A persona do autor é difícil. Isso aqui não é algo que estou inventando. Apesar de eu saber que, se a gente for sair agora, tomar um café ou uma cerveja, serei diferente do que estou sendo aqui, e talvez eu vá ser menos honesta do que estou sendo aqui. Porque, de alguma maneira, este é um momento especial, no sentido de que estamos aqui especificamente para vocês me ouvirem, para eu falar sobre o meu trabalho. Não é uma conversa. É um momento que se criou para algo bastante específico. Estou falando aqui porque é essa a idéia deste momento e deste lugar. Só que não tenho a capacidade de rever o que estou falando. Não tem revisão, não posso limpar. Então dá bastante medo, ainda mais que o que digo sairá escrito depois. É pior ainda. E tem coisas que falei aqui e que já falei antes. É esquisito ouvir-se de novo falando essas coisas, parece que elas vão perdendo a sua verdade. Apesar de não perderem. São coisas que aconteceram. Mas eu gosto disso. Tem coisas que eu só penso porque me perguntam. Eu gosto de discutir literatura, e este é o momento bom de discutir. E, se tenho que discutir a minha, isso me obriga a pensar mais. Também descobri que gosto de ver autores falando. Na Flip, eu achava que isso era meio que um fetiche, mas descobri que, ao ver um autor falando, principalmente se você já o leu, você o entende melhor. Apesar de ser muito perigoso tentar ler um livro com a chave da vida do autor – e isso está ficando muito recorrente. Há artigos sobre um autor, entrevistas com um autor, mas cada vez menos resenhas ou discussões sobre seus livros. Milton Hatoum, por exemplo, um superescritor, dá muito poucas entrevistas. Então você vê poucos comentários sobre os livros dele, a não ser quando esses livros saem. Acho isso um perigo. A persona do autor será necessariamente menos interessante que a sua obra.

O texto abaixo foi enviado por Beatriz Bracher ao Rascunho via e-mail, um dia depois de nosso encontro no Paiol Literário.

• P. S.: Por que é importante ler?
No nono e último círculo do Inferno, da Divina Comédia, estão os traidores de seus hóspedes. Dante conta que eles estão perpetuamente imersos no gelo apenas com a cabeça de fora e os rostos voltados para cima,impedidos de continuarem a chorar, pois as lágrimas do “primeiro pranto, qual viseira de cristal”, congelam-se depois de inundar “do olho a cava inteira”. Fiquei pensando se a literatura também não é a possibilidade de abaixar o rosto e chorar de olhos fechados. Desprender-se de uma só dor e poder chorar, inclusive, a dor de muitos outros.

Fonte:
Edição: Luís Henrique Pellanda. In Rascunho.

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Lino Mendes (Conversas Curtas com Fernando Máximo)

Falar com FERNANDO MÁXIMO é, pelo menos na nossa região mas não só, falar com alguém que trata por tu a “poesia popular”, e esta pequena “conversa” é disso mesmo elucidativo. Mas entremos na “conversa”, não sem antes lembrar que “ a quadra é o vaso que o Povo põe à janela da sua alma” (Fernando Pessoa).

Amigo Fernando, hoje falemos apenas de Poesia – de Poesia Popular. E a começar, o que caracteriza para si um género poético como popular?

Eu, por mim, caracterizo um género poético como popular, todo aquele que sem se servir de palavras muito rebuscadas consegue transmitir de uma forma fácil, simples e perfeitamente perceptível uma mensagem.

Que géneros populares existem e como os caracteriza?

Para mim existem duas modalidades de poesia que são essencialmente populares: a quadra e as décimas. As quadras e as décimas eram feitas por gentes sem estudos, por gentes do campo que nas suas poucas horas de ócio as desenvolviam. As cantigas à desgarrada não eram mais que improvisação de quadras, feitas na altura sempre em resposta a uma provocação, a um desafio. As décimas, mais elaboradas, eram feitas pelos homens do campo quando sós, pelas planícies, atrás dos gados, iam matutando na vida e conseguiam de modo soberbo, traduzir em verso os seus anseios, os seus medos, a dura realidade da vida de então. Qualquer destes géneros, a quadra e a décima, são expoentes cimeiros da poesia popular.

Estará a poesia popular a ser devidamente divulgada junto dos jovens?

As ambições dos jovens actuais não passam pela aprendizagem da poesia e muito menos da poesia popular. Talvez que se devesse e pudesse ir junto da juventude ler-lhe poesias que os seus familiares mais chegados – tios, avôs – tenham feito e tentar incutir-lhe o espírito de que se eles, sem terem habilitações literárias conseguiam fazer trabalhos tão bem feitos, os jovens, letrados, melhor ainda poderiam dar seguimento à poesia. Mas, sinceramente, acho muito difícil…

Muitos consideram a quadra popular como um produto menor, de fácil elaboração. Em minha opinião porém, as “quadras ao gosto popular” de Fernando Pessoa, estão longe de ter a qualidade das quadras de Aleixo. O que pensa sobre o assunto?

As quadras jamais poderão ser consideradas um produto menor se elas forem feitas com cabeça, tronco e membros. Uma quadra tem que transmitir em quatro versos apenas, uma mensagem, uma crítica, seja ela positiva ou negativa. E tanto quanto mais simples for a sua elaboração quanto mais fácil se tornará a sua percepção.
As quadras do António Aleixo, pela sua profundidade, pela sua sábia elaboração, pelo facto de atingirem perfeitamente os seus objectivos, apesar de serem feitas por um simples cauteleiro, guardador de rebanhos, quase analfabeto, e talvez até mesmo por isso, têm para mim um valor muito maior do que as quadras de Fernando Pessoa, pese embora todo o respeito que tenho por este grande vulto da cultura Nacional.

Como define o actual momento quanto aos Jogos Florais?

Pessoalmente dou grande importância aos Jogos Florais pois eles demonstram uma enorme vontade de escrever por parte daqueles que respondem afirmativamente a esses desafios. A verdade é que são sempre muitos os poetas e prosadores que concorrem a estes eventos culturais.

No entanto preocupa-me uma situação que passo a partilhar: a organização de uns Jogos Florais requer muita dedicação, muita entrega, muitas horas de trabalho. O meu receio é que, quando os “carolas” que agora estão á frente da organização destes eventos não possam mais colaborar, não haja quem lhes dê continuidade e estes concursos literários acabem abruptamente. Sei bem do que estou a falar, pois tenho conhecimento de situações em que tal já se verificou.

Que projecto gostaria fosse elaborado para uma preservação da poesia popular portuguesa?

A poesia não é coisa que se possa ensinar. Menos ainda a poesia popular. Ela é genuína, nasce com a pessoa. No entanto penso que as Associações Culturais devem ter um papel determinante nesta matéria, promovendo encontros de poetas e poetisas, não só na área de acção onde estão inseridas, mas trazendo até si poetas e poetisas doutras regiões para troca de impressões e experiências. Em Avis, há cinco anos que, com assinalável êxito, a Amigos do Concelho de Aviz – Associação Cultural (ACA) – http://www.aca.com.sapo.pt promove encontros de poetas, percorrendo em cada ano uma freguesia e trazendo até ao concelho de Avis, de cada vez, cerca de 40 poetas que vêm de terras tão distantes como por exemplo Évora, Portalegre, Entroncamento, Alandroal, Vila Viçosa e Ervidel, no Baixo Alentejo, além, é claro, da prata da casa.
É este espírito que deve prevalecer para que a poesia popular não se acabe de todo.

Não será que a décima é uma modalidade em vias de extinção?

A experiência de pertencer á organização dos Jogos Florais de Avis, leva-me a concluir que quem faz poesia em décimas são as pessoas de mais idade. As décimas são de difícil execução, têm regras fixas para serem elaboradas e para serem umas décimas bem feitas, não chega colocar as palavras que rimam no sítio onde é preciso rimar. Além de rimar as palavras têm que fazer sentido, têm que ter uma certa consistência de raciocínio e por vezes isso é difícil de acontecer.

Partindo de uma quadra, o mote, este é depois desenvolvido por mais quarenta versos, o que leva a que as décimas também sejam conhecidas pelos mais idosos como “obras de quarenta pontos”. Como disse atrás, as décimas antigamente eram feitas por quem passava o dia no campo com o gado e sozinho ia pensando nas agruras da vida. A maior parte desses fazedores de décimas não sabiam ler nem escrever. Mas sabiam as regras das décimas. E faziam-nas. E decoravam-nas. Ainda hoje há por aí muito poeta, infelizmente analfabetos, que sabem muitas décimas de cor e que se encontram apenas registadas nas suas memórias.

Cabe-nos a nós, os amantes deste tipo de poesia, fazer uma recolha junto dessa gente para que, um dia, quando eles morrerem, não se perca essa preciosidade que é a sua poesia.

No sentido de preservar precisamente algumas destas situações, a ACA, está a elaborara um livro de recolha de poesia popular de 40 poetas nascidos ou residentes no concelho de Avis, que estima editar em Outubro aquando da 2ª Edição dos “Escritos e Escritores”.

Todos nós temos um papel importante na preservação deste modo de poesia e podemos, fazendo recolhas, evitar que as décimas sejam uma modalidade em extinção, e que se extingam mesmo mais depressa do que o expectável.

Eu por mim estou a fazer a minha parte: tenho recolhidas mais de uma centena de décimas de diversos poetas do meu concelho que contactei e que me deram os seus trabalhos, muitos deles apenas decorados pelos autores.
E você? Vai ficar indiferente?

Fonte:
Colaboração de Lino Mendes/Portugal

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André Carneiro em Xeque

entrevista realizada por Arthur Dantas

Quase todo mundo já ouviu falar do Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago ou pelo menos da adaptação light de Fernando Meirelles. Dá pra falar a mesma coisa do livro I Am a Legend, de Richard Matheson, adaptado em três ocasiões diferentes por Hollywood, sendo que a última, Eu Sou a Lenda, foi um desses blockbusters de verão estrelado por Will Smith e pela gostosa da Alice Braga. Agora, duvido que a maioria dessas pessoas conheça e/ou estabeleça a relação entre as obras acima e a do escritor André Carneiro, 87 anos, o maior escritor brasileiro de ficção científica e poeta renomado.

O pioneirismo e espírito curioso e vivaz de Carneiro se manifestaram publicamente na criação do jornal literário Tentativa — que ganhou recente edição fac-símile. Feito em sua cidade natal, Atibaia, no interior de São Paulo a partir de 1949, reuniu autores como José Lins do Rego, Murilo Mendes, Otto Maria Carpeaux, Vinícius de Moraes e Hilda Hilst (publicada lá pela primeira vez), para citarmos apenas alguns medalhões.

Apresentou ainda grandes artistas como Goeldi e Aldemir Martins. Seu amigo pessoal, o dândi libertário do modernismo Oswald de Andrade, assinou o editorial do primeiro número e ressaltou o espírito plural da empreitada. Em tudo, Tentativa era inovador e destoava do emaranhado de publicações literárias do período, que se agarravam a posições mais ou menos cristalizadas: luxo de jovens curiosos e empreendedores que podiam manter certa distância das estéreis pelejas intelectuais tão típicas dos meios ilustrados desde sempre.

Incentivado como poeta da terceira geração modernista por figuras notáveis como Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar, Carneiro também é ensaísta, fotógrafo, pintor, cineasta e escultor—tudo isso antes do termo multimídia virar muleta pra nego abastado e sem talento.

Ângulo e Face, sua estreia como poeta, foi editado por Cassiano Ricardo em 1949 e o colocou no rol dos grandes poetas do momento (o crítico francês Bertrand Lorraine afirmou que “Carneiro é um dos maiores poetas vivos do Brasil”).

Fez roteiros para filmes de Roberto Santos e Walter Hugo Cury. Seu conto O Mudo foi transformado no filme Alguém, de Júlio Xavier da Silveira. Sua fotografia Trilhos, de 1951, é considerada um dos marcos do modernismo fotográfico no Brasil e está presente no recém-lançado Fotografias Achadas, Perdidas e Construídas.

Suas obras de ficção científica foram publicadas nos Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Espanha, Argentina, Chile, Suécia, Bulgária, na antiga União Soviética e no Japão. Participou, ao lado de outro grande nome esquecido da sci-fi nacional, Jerônymo Monteiro, em histórico simpósio do gênero, organizado pelo tradutor José Sanz no Rio de Janeiro em 1969, com convidados como Robert Heinlein, J.G. Ballard, Arthur C. Clarke e Phillip José Farmer, entre outros. E, desse contato com mestres estrangeiros, passou a angariar elogios de Arthur C. Clark e do notável A. E. Van Vogt, que afirmou que Carneiro merecia a mesma audiência de um Franz Kafka ou Albert Camus. Apesar de todo peso de seu histórico literário e reconhecimento internacional.

Carneiro nunca pleiteou vaga na Academia Brasileira de Letras, como explicou em um site na net: “Tem-se de visitar todos os acadêmicos e pedir um voto a eles. Eu não seria capaz, acho provinciano.” Mais um motivo para quem não suporta o beija-mão usual para admirá-lo. É simples explicar seu ostracismo como ficcionista. Primeiro que sci-fi sofreu lapsos de continuidade no Brasil e acabou ficando restrita a círculos nerds conhecidos como fandom, e convenhamos, jogadores de RPGs, de jogos on-line e trekkies não despertam muito respeito por aí, e sua imaginação cheia de lirismo fértil e transgressora é muita treta pra Vinícius de Morais, por assim dizer.

Se é possível notar influências de Aldous Huxley e Ray Bradbury em sua obra, é em certo parentesco com Henry Miller, quando decide colocar as relações sociais mediadas sobretudo pelo sexo em evidência, que sua obra ganha vulto e complexidade. “Intimidade não se revela na pele, mora no labirinto”, verso de seu recém-lançado livro de poesia Quânticos da Incerteza, dá a medida exata de como encara o sexo—mantendo a chama de estudiosos pós-freudianos, como Erich Fromm e Willhelm Reich, acesa.

Sua obra Piscina Livre é seu primeiro experimento mais consistente nesse sentido, que ganhou ar de temática definitiva em seu maior romance, Amorquia, de 1991. Neste livro, em futuro distante, o amor exclusivo é visto como doença, a maternidade é um detalhe irrelevante, o sexo é ensinado e praticado nas escolas. Além disso, a noção de tempo foi abolida, já que a morte não existe mais. O molho da trama azeda quando começam a morrer pessoas repentinamente. Paradigmas são postos à prova, um novo sentido de comunidade é necessário e o medo reaparece no vocabulário corrente. Em certo sentido, o enredo complementa e arromba a já terrível visão de Lars Von Trier sobre a guerra de sexos exposta em O Anticristo.

Sua obra inspirada e furiosamente selvagem guarda para si a vanguarda e o verdadeiro sentido de uma literatura de ideias vigorosas e perigosas.

Acabei de ler o fac-símile do Tentativa, e fiquei muito curioso. Vocês estavam na “periferia dos acontecimentos da rota do mundo”, como diria Oswald de Andrade. O texto de abertura é do Oswald, e vocês conseguiram vários colaboradores conhecidos.

O meu jornal foi considerado o melhor do Brasil naquela época.

Sim. Eu sei que vocês movimentaram muito, fizeram a primeira exposição de arte moderna em Atibaia. O que vocês estavam acompa-nhando naquele momento que motivou o grupo que era você, sua irmã, o César…

Olha, na verdade era eu porque o outro rapaz e minha irmã tinham dez anos menos que eu—eu tinha 26. O mais velho, responsável lá, era eu mesmo.

Queria saber da sua história. Sua família é tradicional de Atibaia?

Ah, sim, claro! Meu pai tinha uma loja lá de material de construção que eu herdei e toquei pra frente durante algum tempo. Depois eu vendi e me mudei para São Paulo.

Você teve uma educação clássica, literata?

Eu não tive influência nenhuma. Me apaixonei pela literatura e pela cultura de modo geral sem influência de ninguém. Eu admirava as pessoas que saíam no jornal, as pessoas e artistas, tanto que eu fiz várias formas de artes. Fiz pintura, fotografia… É interessante que fiz fotografia durante 50 anos sem muita difusão. Agora me consideraram um pioneiro do modernismo brasileiro. Acabei de fazer uma exposição de pintura na Galeria Dan em São Paulo.

E qual era a sua relação com a primeira geração dos modernistas?

Eu frequentava mais o Sérgio Milliet, o Aurélio Buarque de Holanda—que vinha às vezes do Rio—e o Oswald de Andrade que era meu amigo. Ele me visitava em Atibaia. Era um grupo pequeno de intelectuais. Aliás, sempre foi pequeno. Mas eram pessoas de alto nível cultural. O Sérgio era um continuador do Mário de Andrade excelente, ele dirigiu a Biblioteca Municipal com grandes eventos culturais que nem existem mais. Eu fiz conferências na Biblioteca Municipal com 300 pessoas, hoje em dia não existe mais isso.

Você estava envolvido nesse caldeirão. O que te levou a escrever ficção científica?

Eu lia literatura contemporânea. Sei lá, Huxley. Talvez seja o próprio desenvolvimento da tecnologia que nos leve a esse ponto, porque, se a gente for pensar no que usamos de tecnologia hoje em dia, estamos mergulhados na ficção científica. Há poucos dias um amigo meu, que também é escritor e faz parte de uma oficina que eu tenho aqui em Curitiba, tira um telefone do bolso e faz uma entrevista comigo. E você vê, o telefone hoje em dia é uma câmera. Ele faz a entrevista com ele e depois transmite as imagens perfeitas e nítidas pro jornalista no Rio, que tinha pedido a entrevista. E olha, isso é uma coisa que até a ficção científica esqueceu de inventar.

Como foi a recepção dos seus contemporâneos como, por exemplo, o Oswald ou o próprio Otto Maria Carpeaux, quando você decidiu fazer ficção científica?

Quando comecei a fazer ficção científica, esse pessoal mais acadêmico nem percebeu. Não sabiam o que era aquilo. Depois, quando eles tomaram conhecimento do preconceito etc., me sabotaram. Isso eu não tenho a menor dúvida. Falavam que eu tinha me prostituído. Faziam isso de maneira muito sutil, porque, quando eu faço poesia, minha poesia não tem nada de ficção científica. Quer dizer, não é que não tem nada, mas tem pouca coisa. Então a minha poesia é absorvida por todos de maneira pacífica. Mas contos e etc., aqueles que são de ficção científica, não são nem lidos pelos acadêmicos.

Você acha que sua obra é melhor compreendida fora do que aqui?

Ah, disso eu não tenho a menor dúvida. Eu sou o escritor brasileiro de ficção científica mais conhecido no exterior. Mas, vamos falar a verdade, não chego aos pés do Paulo Coelho.

Isso te incomoda de alguma maneira?

Não, não me incomoda. Fico muito satisfeito. Não quero deixar de ser erudito, não. Quero ser mais erudito ainda. Não sou mais porque não consigo, mas quero ser cada vez mais profundo. Para mim, cada conto é um trabalho de tremenda paixão literária. Não faço concessão nenhuma. Essa é a grande vantagem. Como a gente não ganha dinheiro nenhum no Brasil com literatura, então pelo menos quero ganhar qualidade, pelo menos ficar marcado.

A que você acha que se deve essa dificuldade, tanto de público quanto dos intelectuais e dos formadores de opinião no Brasil em relação à ficção científica?

Acho que é um tipo de burrice brasileira, um tipo de recurso assim, barato e eficiente, de afastar concorrentes dentro da literatura. Porque se eles percebem que dentro da ficção científica estão aparecendo pessoas boas, dizem: “Não, ficção científica. Nem leia, nem leia”. E então só sobra o espaço pra eles. E como os editores brasileiros, de modo geral, são bastante atrasados, eles não percebem nada disso. Aceitam que não é pra publicar ficção científica, porque é uma coisa maldita.

Você acha que aquela ideia do Nelson Rodrigues de “complexo de vira-lata” do Brasil…

É uma das observações mais inteligentes que já se fez do Brasil.

Você acha que essa história de que o Brasil está se inserindo no mundo, virando uma grande potência, também reflete nessa abertura maior que está acontecendo, inclusive, para a ficção científica? Você acha que vamos abandonar o “complexo de vira-lata” e virar gente grande?

Eu considero um grande aperfeiçoamento. O fato de enxergarem o cachorro vira-lata já é uma grande coisa. Se vai funcionar ou não, eu não sei, mas antes ninguém enxergava nada. Agora estão até defendendo pontos de vista diferentes, de que tem gente fazendo uma literatura mais profunda, mais interessada numa evolução de temática e de qualidade na ficção científica do que no mainstream, do que na literatura geral.

Sim, eu acompanhava algumas listas de discussão de ficção científica no Brasil—que em geral são muito conservadoras, de um jeito muito, eu diria, antiquado e anglo-saxão de pensar a questão da ficção científica—e lembro que causou polêmica. Era meio que um assunto tabu, eu imagino. Mas o que eu acho importante é, seguindo esse raciocínio, que a ficção científica seria hoje o gênero por excelência de divulgação de ideias da literatura.

Eu acho que sim, porque é impossível a gente manobrar uma ideia hoje em dia sem que a gente não coloque um futuro explodindo aí na frente, porque o futuro antigamente era uma coisa bastante distante, mas hoje em dia a gente dança com o futuro todos os dias. A gente tá casado com o futuro.

Eu estava comentando com um amigo meu que o conto A Espingarda tem o mesmo enredo que um filme protagonizado recentemente pelo Will Smith. Tem passagens inteiras que são exatamente iguais. Só que no filme americano, o desfecho, ao contrário do seu que é niilista, tem um final feliz.

O Saramago fez a minha A Escuridão. Muita gente acredita que ele se inspirou no meu conto. Meu conto foi publicado em 12 línguas. Eu escrevi dez anos antes dele [na verdade o livro de Saramago é de 1995 e o conto de Carneiro, incluído no livro Diário da Nave Perdida, é de 1963]. O meu conto saiu na Espanha, saiu em inglês, em francês, saiu em todas as línguas. Ele deve ter lido.

E você teve a oportunidade de ler o livro do Saramago ou de ver o filme?

Eu não assisti, sabe? Pra não ficar com raiva. Parece que a interpretação que ele fez do comportamento dos cegos é negativa. Os cegos ficaram mal. No meu conto não. Os cegos é que salvam aqueles outros. É uma atitude muito mais humana, muito mais razoável.

Como foi sua experiência com cinema?

Eu fiz cinema com o Abílio Pereira de Almeida, que era importante na Vera Cruz, e depois se suicidou não se sabe bem por quê. Ele fez algumas peças de teatro muito boas. Os filmes que ele fez são mais ou menos ruins. Ele fez alguns filmes com o Mazzaropi. Na verdade não trabalhei com ninguém que valesse a pena, que me ajudasse a ir pra frente, sabe? O cinema brasileiro é muito duro, o sujeito primeiro tem que arrumar dinheiro e depois fazer o filme. Eu primeiro faço o filme. Primeiro imagino a história. Não penso em dinheiro, não tenho capacidade de arranjar dinheiro. Sou um pobre, assim, bem situado.

E como você entrou para a fotografia?

Ah, o cinema e a fotografia para mim estavam misturados. Eu fazia filme com aquelas maquininhas pequenas, com 8, 9.5, 16 mm. Era uma loucura.

Você se define como poeta, escritor, fotógrafo, artista plástico…

Olha, sempre me perguntam isso. Sou aquilo que faço no momento. Faço escultura e também faço pintura. E quando estou fazendo qualquer arte eu sou aquilo que estou fazendo no momento. Depois, quando estou fazendo a outra, eu mudo. É uma questão de paixão total, ampliada em todos os sentidos. Escrevo todo dia. É que eu estou com uma namorada nos EUA que me escreve todos os dias, então todo dia eu respondo pra ela.

Você disse numa entrevista que usa a internet desde sempre.

Ah, sim, uso a internet desde o [computador] 256.

E você faz pesquisa em internet para poder escrever?

Olha, muito pouca. Às vezes vou lá no Google pra esclarecer qualquer coisa, mas pesquisa assim de ficar dançando lá dentro não, porque o salão é muito grande e a gente perde muito tempo. Prefiro eu mesmo criar alguma coisa que os outros pesquisem.

Como você foi se interessar por hipnose?

Ah, isso é uma história muito comprida. Me interessei por hipnose e fiz experiências com duas ou três pessoas. Hipnotizei e aí virei até uma espécie de médico. Cheguei a ter consultório. Fiz psicologia e tratamento de neurose com hipnose. Até cheguei a inventar um método, mas não podia fazer tanta coisa ao mesmo tempo. Fiz uma experiência científica de hipnose junto com um grande médico brasileiro, porque precisava ter um médico no meio. Sou um grande entendido de hipnose, mas fica só nisso.

Mas ainda pratica hoje em dia?

De vez em quando sim, em casos excepcionais. Mas não estou mais atendendo clientes.

Você mora em Curitiba há quanto tempo?

Faz pouco. Tive um problema de visão, então enxergo pouco. Enxergo 10%. Vou lá no computador, aumento as letras etc. Moro aqui porque tenho dois filhos. Um deles é professor da USP e o outro é músico, toca clarineta e é professor também aqui da Orquestra Sinfônica. Então vim pra cá pela companhia agradável. E é uma cidade interessante, apesar de o povo não ser interessante; o povo é muito frio.

E quais são seus próximos projetos?

Olha, tenho dez contos inéditos que eu tenho vontade de publicar. São contos muito bons. À medida que vou escrevendo, escrevo cada vez melhor. É muita prática, e é uma prática de um sujeito que está interessado em qualidade. E a qualidade puxa todo o resto.

Fonte:
Excerto da entrevista de
http://www.viceland.com/br/v2n1/htdocs/andre-carneiro-257.php?page=2

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Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque

Carolina Ramos (A Escritora atrás da Mulher, a Mulher atrás da Escritora)

Iniciamos o ano de 2011 com mais uma entrevista virtual de “A escritora atrás da mulher, a mulher atrás da escritora.” Desta vez, tive o enorme privilégio de ter a entrevista com a Trovadora, contista e poeta Carolina Ramos. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (2001 a 2007) e atual Presidente da União Brasileria de Trovadores – Seção de Santos. Pertence a Academia Santista de Letras, Academia Feminina de Letras e Centro de Expansão Cultural.

Esta entrevista conforme as palavras da entrevistada está muito extenso, e pediu para eu efetuar uma enxugada. Mas, após a leitura, acredito que não há nada a retirar, pois ela responde de um modo muito gostoso de se ler, contando cenas de sua vida, fatos, de uma forma tão agradável que após finalizar fica a pergunta: “Já terminou?”.

Carolina nasceu e reside em Santos (SP), vez ou outra nos encontramos em reuniões de trovas em São Paulo há cerca de 20 anos. Varias vezes elogiou o meu trabalho pela literatura e pela trova brasileira, o que faz com que eu me seja envaidecido, pois um elogio dela é como um elogio de Drummond, pela importância que ela tem dentro do cenário cultural brasileiro.

José Feldman (03/01/2011)

1 – Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

CR – Nasci em Santos, SP Brasil, no dia 19 de março, dia de São José no ano… que importa o ano?! Importante mesmo é o dia que vivemos. Depois dos sessenta, cada um deles é um troféu. Nasci, cresci e vivo, até hoje, em Santos, onde espero morrer num dia escolhido por Deus. Fiz meus estudos no Colégio “São José”, do “Jardim da Infância”, ginásio de cinco anos, Secretariado, e Escola Normal.
Não podendo cursar Medicina, porque Santos ainda não possuía Faculdade, contentei-me em seguir o Magistério. Por sinal, o curso de normalista, embora hoje abolido, era da maior significado para a formação da mulher, abraçando, para tanto, matérias de essencial importância, como: Psicologia, Puericultura, Pedagogia, Fisiologia, Sociologia, Trabalhos manuais, Desenho pedagógico etc. Os conhecimentos adquiridos nesse curso, embora me dedicasse ao magistério por pouco tempo, muito me ajudaram na criação de meus filhos.
Fiz ainda o curso completo de Música, nove anos de piano e matérias concomitantes, Teoria Musical, Harmonia, Pedagogia, História da Música etc.
Vários cursos de Literatura, de Folclore, Linguas e um pequeno Curso de Enfermagem, para compensar a minha frustração de não ter podido seguir Medicina.

2 – Como era a formação de uma jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

CR – Bem poucas jovens, residentes em cidades não dotadas de Faculdades, conseguiam, chegar a elas, naquele tempo. A disciplina era muito mais rígida e os pais, com raríssimas exceções, não abriam mão da autoridade. Meu pai, não era uma dessas exceções. A Serra do Mar era gigantesco obstáculo, erguido entre Santos e São Paulo, que me impediu, definitivamente, de concretizar o sonho de ser médica.
Mesmo depois de Secretária bilíngue, boa datilógrafa e estenógrafa, portanto, com ótimas chances de conseguir um bom emprego, o pulso de meu pai, não me liberou: “Minha filha não vai ser Secretária de ninguém!” “Punto e basta!”, diria ele se fosse italiano. Mas, o seu NÃO, espanhol, não demonstrou menor força! Esquecia-me de dizer que sou filha única. Talvez isso explique os excessos de zelo. Nunca, entretanto, me prevaleci dessa situação. Nunca fui mimada! E, absurdamente, era incapaz de pedir algo a meus pais. Claro, que tinha tudo o que precisava, mas, mesmo assim, sempre havia algo a desejar e mesmo sabendo que me seria dado com gosto, eu não pedia! Detesto pedir algo até hoje! Falta de humildade? Claro que não, o oposto, talvez. Respeitava meus pais e não me insurgia contra a severidade que me reprimia – possível semente da timidez que dificultou muito meus passos, ao correr dos tempos. Timidez contra qual luto, quem sabe, até hoje. Só ao escrever, não sou tímida, porque escrevo para mim mesma.
Foram as circunstâncias, citadas, que fizeram com que me tornasse professora, dedicada, a ponto de, pós-aulas, levar para casa os alunos mais fracos, para ajudá-los na recuperação. Embora não fosse essa nobre profissão a minha eleita. Era querida por meus alunos e, de um deles, tive a surpresa de ouvir emocionada: “Quando eu crescer, vou me casar com a senhora!” Onde estará aquele pequenino José, que me fez a primeira declaração de amor?!

3 – Recebeu estímulo na casa da sua infância?

CR – Na casa onde nasci, na Vila dos Andradas, onde se ergue, hoje, a Rodoviária de Santos, morei apenas 5 anos. Na primeira casa dessa vila, morava dona Rosinha grande paixão de Martins Fontes. Assim, volta e meia, as crianças corriam, eu entre elas, para saudar a chegada daquele homem bom, que abria os braços para recebê-las. Lembro-me um a um, dos nomes dessas crianças, que perdi de vista. Muitas vezes, esse “Homem Bom” (tenho um soneto com esse título) pegava-me ao colo e beijava meu rosto. Soube, mais tarde, por minha mãe, que aquela pessoa que eu conhecia apenas como “o homem bom” era o queridíssimo vate santista, José Martins Fontes! O que muito me emocionou!
Numa dessas casas, morava uma garota de nome Odila, uns sete anos mais velha que eu. Odila era filha de um livreiro. E tinha em sua casa, um gavetão que, para mim, era uma rica e misteriosa arca de tesouro! O conteúdo… livros, só livros! Um tesouro de livros infantis! Lembro-me ainda do encantamento que eu sentia, sentada no chão, com o gavetão aberto, dadivosamente colocando à minha disposição, aqueles preciosos livros que eu folheava, ainda sem saber ler, maravilhada com as ilustrações! Mesmo quando minha amiga não estava em casa, sua mãe, dona Caridade, carinhosamente, me conduzia até o tal gavetão, e me esquecia por lá. (e era tudo o que eu queria!)
Foi essa “arca do tesouro” que, nos meus deslumbrados cinco anos, me apresentou Narizinho, Pedrinho, Anastácia, Emília, Visconde de Sabugosa ou seja, aquelas personagens que passei a amar, e que, mais tarde, me fizeram devorar toda a obra de Monteiro Lobato – hoje, lamentavelmente expulsa das escolas, sem que as alegações me convençam!

4 – Quais os livros foram marcantes antes de começar a escrever?

CR – Aprendi muito com os livros de Lobato. Desde respeitar a natureza, conversar com as bonecas, subir em árvores e amar a vida do campo, através do Sítio do Picapau Amarelo. Aprendi muito, ainda, de modo deliciosamente lúdico, sobre Gramática, Aritmética, Geografia, História, Astronomia, Folclore e tanta coisa mais que era absorvido pelos meus sentidos, com espontaneidade e verdadeiro interesse, sem agruras das imposições curriculares. E acho inconcebível que tudo isto seja negado agora, a troco de más interpretações e possíveis influências malignas, às nossas crianças! Lobato sofreu por ousar dizer que “O petróleo era nosso”! Deveria, hoje, ser louvado e, no entanto, sofre através de sua opulenta obra, mais uma nova injustiça! Não só defendo o escritor, mas parte da minha infância que ele tanto enriqueceu!
Depois de Lobato, e de toda a literatura clássica infantil universal, a partir dos Contos da Carochinha, de fadas, de príncipes e princesas etc, li, na minha adolescência, tudo o que me caiu nas mãos! Li quase toda a obra de Machado de Assis, José de Alencar, e outros escritores nacionais. Li muita poesia de Bilac, no mesmo livro que vi nas mãos de meu pai, algumas vezes, quando lia, à meia voz, poemas, passeando pela casa. Li, poetas clássicos e românticos e particularmente, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, para citar os mais próximos, e com os quais minha alma se identificava bem mais do que com os modernistas, embora, Guilherme, tivesse integrado a Semana de 22. Enfim, li de tudo, sem esquema, autores nacionais e estrangeiros. Cheguei a ler
“ Os Miseráveis, de Victor Hugo e começava a ler O Corcunda de Notre Dame, quando levei um “puxão de orelhas”, no confessionário. Outra obra importantíssima, que comecei a ler cedo demais, e talvez por isso não fui até o final, foi “Os Sertões” , de Euclides da Cunha. Mais madura, tentei novamente, e, envergonho-me de dizer, que também não cheguei até o fim. Talvez hoje, com outros valores, eu conseguisse ir adiante, mas, e o tempo?! E o fôlego?! Que Euclides me perdoe, perdi no tempo a chance de conhecê-lo melhor. “O Pequeno Príncipe” também li com muito gosto. De Cronin, praticamente li, a obra inteira, com raras exceções.
Agora, o livro que me influenciou, mais objetivamente a escrever poesia, foi sem dúvida, “Cartas a um jovem Poeta” de Rilke. Escrevi um artigo a respeito desse livro e nele afirmo o que digo acima. Li-o, como se Rilke o tivesse escrito especialmente para mim!

5 – Fale um pouco sobre a sua trajetória literária. Como começou a sua vida de escritora?

CR – Sempre me senti atraída pelas artes em geral. Desde pequenina, vivia desenhando tudo o que via, até retratos de artistas de cinema, famosos. Vivia moldando bichinhos de barro, e sempre cercada de música! O que, às vezes desgostava minha mãe, que me via estudar com o rádio ligado e não se conformava com isso! A poesia veio mais tarde. Ainda no ginásio, costumava fazer algumas quadrinhas de pé quebrado, sem saber que me iniciava na trova. Fiz meu primeiro poema quando minha filha, Márcia, nasceu. A menina tinha intolerância láctea e, nos cinco primeiros meses, não me deixava dormir direito, nem durante o dia e muito menos à noite.Tive medo de perde-la! Com vinte dias, eu era um perfeito zumbi! Numa das inúmeras idas e vindas, da minha cama ao berço e vice-versa, dormi andando e fui de encontro à parede. Conto isto, porque em virtude desta insônia forçada, é que o meu primeiro poema nasceu. Chamei-o, “Se eu soubesse esquecer”. Bem… o que eu queria esquecer, esqueci! Porque não sei do que se tratava! E perdi também o poema, que justificava o nome. Talvez intimamente o condenasse, julgando-o fruto de um resquício de saudade do primeiro namoradinho – só seis meses de namoro, num tempo em que nem de mãos dadas se andava! Mas… fora o primeiro! Com o segundo, casei-me (união desastrosa que durou 21 anos!)
Minha primeira aparição pública, que marcou o início de minha carreira poética, se é que assim posso dizer, aconteceu em 1961. A Comissão Municipal de Cultura lançara um Concurso de Poesias, tendo como tema, SANTOS. Como quem não quer nada, resolvi abraçar o tema, compondo um poema a que dei o nome de “Gosto de ti, minha terra”. Fechando os olhos e procurando vencer a timidez, mandei-o. Dias depois de expirado o prazo, recebi um telefonema de alguém que não se identificava. Queria falar com Carolina, dizendo que tomara conhecimento de que eu compusera uns versos muito bonitos para Santos. Insisti para que se identificasse. Dizia-se “um poeta do outro mundo”. Achando que tudo não passava de um trote, desculpando-me, desliguei o telefone. Dias depois, vim a saber pelos jornais que o meu poema conquistara o 3º lugar no referido Concurso, e que o grande poeta, Cesídio Ambrogi, de Taubaté, era o 2º colocado. O conhecido Poeta e Jornalista, Corrêa Junior, de São Paulo, conquistara o 1º lugar. Uma surpresa enorme! E uma emoção sem tamanho!Eu começava a sair da gaveta! Só vinte e tantos anos mais tarde, vim a saber, por ele mesmo, que o tal “poeta do outro mundo”, do telefonema anônimo, era, simplesmente, dr Archimedes Bava, um dos mestres do Direito, em Santos e Presidente do IHGS, instituição que eu, bem mais adiante, viria a presidir, por sete anos consecutivos, de 2000 a 2007. Aturdida, desculpei-me perante ele, já então velho amigo, censurando-o por não ter se identificado me forçando à indelicadeza, de desligar o telefone! Fora a surpresa, explicou-me ele, que o fizera ligar para mim, para sondar quem seria aquela Carolina, que ninguém conhecia, e que conseguira abocanhar um 3º lugar, situando-se ao lado de dois poetas consagrados vindos e fora!
Daí para frente, comecei a publicar versos num Suplemento de Arte, do Jornal local, A Tribuna, o que estimulou muito minha produção. Ainda em 61, concorri a um Concurso de Trovas do Centro Português de Santos. Tema: A Amizade entre Brasil e Portugal. Compus um pequeno poema com versos de sete sílabas e não cheguei a mandá-lo, porque alguém teve a caridade de me avisar que aquilo não era uma trova! Melhor informada, retirei do poema uma das estrofes com sentido completo e rima simples e encaminhei-a para o Concurso. Conquistei, mais um terceiro lugar. Na noite da premiação, conheci o caro e grande poeta Orlando Brito (recém falecido) também classificado, que me falou de Nova Friburgo e do Movimento Trovadoresco que alvorecia, induzindo-me a participar. Foi o gancho! Aos poucos, deixei-me levar por essa enxurrada maravilhosa de talentos, que me arrastou por este Brasil afora, mediante classificações em Concursos e Jogos Florais.
Em 1964, alcancei meu primeiro prêmio de relevância na Trova. Foi em Petrópolis. Na ocasião, tive a feliz oportunidade de conhecer a nata dos trovadores. Chefiados por Luiz Otávio, eles aguardavam, na Rodoviária do Rio de Janeiro, o ônibus que os levaria a Petrópolis. Sem conhecê-lo pessoalmente, dirigi-me a quem supunha ser Luiz Otávio. Quando me identifiquei, o Príncipe, dirigindo-se ao grupo, indagou: “Pessoal, qual foi a trova que eu disse, ainda há pouco, que era a melhor do Concurso?” A resposta veio em coro: “ A segunda colocada”. E Luiz Otávio, indicando-me, completou: -“Eis a autora!” Foi assim, que me integrei ao Movimento Trovadoresco e comecei a colecionar prêmios. O tema daquele Concurso era Vitória. E minhas vitórias, na área literária, começavam a intensificar-se.

6- Como foi dar esse salto de leitora para escritora?

CR – Aconteceu normalmente, sem um momento que eu possa determinar. Esta frase escrevi na noite de ontem. Um dia depois, reconsidero-a. Acho, sim, que sei exatamente o instante em que me senti “escritora”. E então terei de contar um caso. Eu tinha precisamente 11 anos e acabara de entrar no ginásio. Pré-adolescente, era aquela menina muito sensível e tímida ao extremo! A professora, única, que nos ensinava tudo nas aulas do ensino básico, fora substituída por vários professores que ministravam, cada um deles, uma única matéria.
A professora de português, das mais competentes de Santos, tinha fama de severa, de brava, mesmo! Uma das primeiras tarefas que nos passou como dever de casa, foi a narração “A morte do sabiá”, que ainda guardo com carinho, até hoje, porque me marcou muito e, pensando bem, foi minha primeira demonstração de que tinha alguma tendência para escrever. E foi com muito carinho que derramei toda a minha sensibilidade, sempre contida, na descrição da morte daquele sabiá! Entreguei a narração, confiante de que mereceria boa nota! Alguns dias depois, recebíamos de volta nossos trabalhos, com as correções necessárias e a nota. – A máxima era o ambicionado 100. Quando ouvi meu nome, fui até a mesa da mestra, acalentando a esperança de ter conseguido boa nota. Decepção absoluta!
A mestra entregou-me o trabalho. A nota 60, em vermelho, feriu-me os olhos e as palavras ríspidas da professora: “Isto foi feito com a mão do gato!” atingiram em cheio meu coração e acabaram com minhas primeiras e ainda inconscientes pretensões literárias.
Dali em diante, numa reação puramente infantil, ao escrever meus trabalhos, eu economizava palavras, na tentativa de que os textos não deixassem dúvidas de terem sido feitos por mim, uma criança ainda! Isto, de certa forma, prejudicou bastante essa minha fase estudantil. Nunca fui reprovada, mas não fui boa aluna, pois, a mesma coisa veio a acontecer com o Desenho, outra de minhas atividades preferidas. Descobri que não ganhava boa nota, porque meu professor pensava que eu “colava” meus desenhos. Esse dois casos me desestruturaram, bastante, embora, no segundo, a minha reação já se mostrasse mais madura. Eu teria então uns 14 anos. Quando notei a desconfiança do professor, passei a entregar meus desenhos no tamanho exigido, segundo o modelo (caderno Fachini) e, por minha conta, fazia outro, ampliado. Comprei outros cadernos Fachini com modelos de mãos e rosto, que não faziam parte do currículo, por serem mais difíceis. E, mostrando-os ao mestre, consegui que o meu querido professor, enfim, valorizasse a sua aluna! Esses dois episódios, entretanto, influenciaram negativamente na minha auto-estima. Fui uma aluna sem brilho no meu tempo de ginásio.
A professora brava, que não acreditara em mim, tornou-se, posteriormente, muito minha amiga e grande incentivadora de minha poesia. Devo a ela, indiscutivelmente, o que sei da língua portuguesa. E o fato de ter julgado que aquela narração não poderia ter sido feita por uma criança da minha idade, pensando bem, foi um elogio e tanto!
Hoje, considero esse incidente, como o primeiro prêmio literário que, nos meus tenros onze anos, conquistei, embora, na época, muito me fizesse sofrer! Já no Secretariado, sem censuras, passei a escrever com muito mais desenvoltura, conquistando sempre as melhores notas, o mesmo acontecendo na Escola Normal, o que desenvolveu em definitivo, meu gosto pela linguagem escrita.

7 – Teve a influência de alguém, para começar a escrever?

CR – Acredito que, na adolescência, meu primeiro e único namoradinho, que gostava muito de poesia e, de vez em quando, enquanto passeávamos pelos jardins da praia, declamava versos de Bilac, Menotti, e outros, com certeza, deve ter despertado meu interesse pelas rimas. Daí em diante, foi por minha conta.

8 – Tem Home Page própria? ( não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)

CR – Já tive Home Page, com foto, poesias, um conto premiado em Portugal, Trovas etc. Mas, como dependia de outros para alimentá-la, acabei por perdê-la.

9 – Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura , em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

CR – Bem, não encontro essa dificuldade, porque nunca pensei em “viver de literatura”.
Creio que a habilidade para escrever, prosa ou poesia, é quase um dom. Um dom que Deus oferece gratuitamente e que pode permanecer enrustido e morrer embrionário, ou sendo cultivado, vir a florescer em qualquer fase da vida. Poesia pode ser fuga, sublimação, passatempo, mas nunca profissão. Claro, que em tudo há exceções, neste caso, raríssimas! O poeta, simplesmente, nasce Poeta! O instante em que a Poesia passa a ser o seu meio de expressão, exigindo constante aprimoramento, pode acontecer em qualquer tempo. O mesmo se dá com o escritor e os artistas em geral. Entretanto, viver de literatura é muito difícil. Mas há uma “remuneração”, polpuda, que o artista aspira e, quando chega, o gratifica plenamente! È quando sente que a sua mensagem foi entendida e encontrou ressonância na sensibilidade de alguém. Uma glória!

SEUS TEXTOS E PRÊMIOS

10 – Como começou a tomar gosto pela escrita?

CR – Sempre lutando contra meu natural retraimento, que me levava mais a ouvir do que falar, fui me abrindo para a poesia e acumulando versos em cadernos, fechados em gavetas. O primeiro prêmio conquistado me obrigou a dar um passo a frente. Ao ver meu primeiro poema publicado na imprensa, enviado, sem que eu soubesse, por um amigo que me pedira um poema para suas filhas, quase morri de vergonha, pois me senti como que se minha alma fora desnudada em público! Mas essa primeira reação foi sendo substituída pela sensação gostosa de saber que meus versos eram bem acolhidos por gente que eu nem conhecia e ganhavam elogios que me surpreendiam! Em consequência, fui saindo aos poucos do casulo. Quando me voltei para os Concursos, foi como que um desafio à minha insegurança. Mais uma tentativa de auto-afirmação! As vitórias, de certa forma, provavam-me que eu realmente estava apta a fazer o que fazia! Então, promovi um encontro comigo mesma e decidi: Se este é o caminho que eu quero seguir, só há uma solução – ou me venço, ou serei vencida! E foi assim que, aos poucos, deixei de corar como uma adolescente, cada vez que via uma poesia minha publicada num jornal ou revista. E, o que era melhor, agora enviada por mim! Tomei gosto!

11 – Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros?

CR – Publiquei meus primeiros livros em 1969. “ Sempre”, chamou-se o primeiro e reunia as poesias feitas até ali. ( antes de vir a público, foi agraciado com o “Prêmio de Melhor Obra Inédita”, outorgado pela UBE.) “Espanha”, foi o segundo. Uma verdadeira ousadia, pois escrevi um poema épico em que viajei pela terra de meu pai, descrevendo muito de sua história e geografia, de ponta a ponta, sem ter saído de minha casa e sem conhecer o país de Cervantes. Fui convidada a ler meu Poema no Instituto de Estudos Hispânicos e, como de início eu me desculpara, pedindo que me perdoassem erros e omissões, já que eu não conhecia a Espanha, ao final da minha leitura, um senhor veio cumprimentar-me dizendo: “Não acredito que a senhora não tenha estado na Espanha! Eu cheguei de lá agora, e descreveu minha viagem inteirinha!”
Este livro, escrito apenas com estudo e coração, foi um presente a meu pai, que de lá veio com nove anos de idade e morreu sem lá voltar, apesar de minha insistência. Anos depois do falecimento dele, estive na Espanha, quase que com remorsos, por estar vendo o que ele nunca vira. O livro já está com a 2ª edição esgotada, se tiver tempo, tentarei uma 3ª.
O terceiro livro, foi de trovas, “Cantigas feitas de Sonho”.
Vieram a seguir, algumas Biografias. Falarei sobre elas quando der resposta à pergunta de nº 14. “Trovas que Cantam por Mim” foi lançado em 1968. Pretendo fazer um livro de trovas juntando este dois primeiros livros e anexando mais umas 300. Não é muito, devo ter em estoque pelo menos umas três mil trovas que poderiam ser aproveitáveis! É a minha contribuição ao Movimento.
Interlúdio”, meu primeiro livro de contos. Gosto de escrever contos. Dá asas à imaginação e não atrapalha minhas tarefas domésticas. Planejo-os, trabalhando. Depois é só correr para o computador deixar que fluam sem rascunhos. Tenho material para mais uns dois livros de contos. Assim aconteceu com “Feliz Natal”. Escrevi, por algum tempo um ou dois contos natalinos, a cada fim de ano. O livro está esgotado, como os demais, e, se partir para uma segunda edição, será ela acrescida de, pelo menos, oito contos inéditos.
Evocação”- livro escrito de parceria com Maria Edith Prata Real. É o levantamento histórico da “Associação das Ex-Alunas do Colégio “São José”. O meu querido Colégio São José!
Um Amigo Especial” é livro de ficção. Era para ser leitura para crianças, tanto que, nele, passo alguns conceitos de maneira bem accessível ao alcance da gente miúda. Mas, o livro evoluiu em conteúdo, na linguagem também, e os adultos é que mais o aplaudem. Assim, achei melhor endereça-lo com as palavras que deixei na primeira página: …” para jovens de qualquer idade.”
Neste findo 2010, veio à luz “Liberdade…Sonho de Todos!”, que nasceu da necessidade, urgente, de conquistar um pouco mais de tempo e liberdade para fazer, dentro da morosidade desejada, a revisão do meu próximo, e, quem sabe, derradeiro livro, “Destino”. Separei tudo o que tinha à mão e que falasse de liberdade, em prosa, verso ou trova e disse ao meu editor, (marido): – “ Pronto! Edita este. Mas, agora, quero liberdade para cuidar do meu “Destino”! (que até hoje, por conta da tal reforma ortográfica, ainda não saiu de minha mão!!)

12 – Como definiria seu estilo literário?

CR – Na poesia, meu estilo é, preferencialmente, acadêmico. Faço, com menos frequência, poesia sem métrica e rima. Evito dizer poesia livre, porque me sinto perfeitamente liberta, dentro dos cânones acadêmicos, tradicionais, ou clássicos. A rima e a métrica, longe de me prenderem, me ajudam a voar.
Na prosa, procuro escrever certo o que quero dizer. E ser clara. E ser simples. Será isto um estilo?

13 – Dentre os livros escritos por você, qual lhe chamou mais atenção? E por quê?

CR – Aquele que mais me preocupou, digamos assim, foi, sem dúvida, “Príncipe da Trova”. Levei quase vinte anos para terminá-lo! Comecei-o e parei por circunstâncias que explico nas primeiras páginas. Foi um livro difícil de ser escrito, em tudo e por tudo, mas era um livro que precisava ser escrito.

14 – Você publicou algumas biografias. Separadamente, como pessoa e como poeta, qual a importância para si de Ribeiro Couto? E Paulo Setúbal? E Luiz Otávio?

CR – Rui Ribeiro Couto, é nome internacional, consagrado, de poeta, escritor, embaixador etc e que, além de tudo, de um santista. Como se não bastasse, Ribeiro Couto é o Patrono da Cadeira nº 30, que tenho a honra de ocupar na Academia Santista de Letras. Logo, biografá-lo era para mim um dever, por sinal, agradabilíssimo!
“Paulo Setúbal – Uma Vida –Uma Obra” – co-autoria de Cláudio de Cápua e Carolina Ramos, aconteceu em virtude de um Concurso. O tempo era escasso. O livro ficou pronto em praticamente quinze dias. Faço questão de dizer que o mérito da pesquisa deve-se inteiramente a meu marido. Havia um prêmio polpudo em dinheiro, e também a promessa de publicação da obra vencedora. Conquistamos o 2º lugar e fomos cumprimentados pelo primeiro colocado. Editamos o livro por nossa conta.
Escrevi mais duas biografias.”Saga de uma Vida” – biografia de um médico amigo, Presidente de Honra do IHGS, dr. Raul Ribeiro Flórido, que, depois de lê-la, me disse: “Obrigado, Carolina, agora posso morrer tranquilo.”
Esta é a tal “remuneração” que tanto gratifica a quem escreve!
Dr. Florido faleceu um ano depois, aos 91 anos de idade. Foi ele que, quando presidente, cedeu uma sala no IHGS, para instalação da sede da UBT/Santos.
Quanto à pergunta sobre nosso saudoso Luiz Otávio, que mais poderei dizer? Não fujo à pergunta: Qual a importância de Luiz Otávio para mim? Mesmo porque, todos os interessados no assunto, conhecem a resposta. E ela está inteira e detalhada no meu livro “Príncipe da Trova”, que precisava ser escrito, porque a verdade estava sendo maldosamente explorada e deturpada.
Respondo à pergunta com outra, embora não seja isto elegante.
Quem poderá avaliar que importância poderá ter para alguém, um outro alguém que, na última década de sua vida, lhe ensinou o que é viver, o que é ternura e com quem descobriu o grande e verdadeiro Amor?! Ninguém! A menos que tenha vivido uma situação semelhante!
Digo isto, sem constrangimentos, porque, hoje, tenho ao meu lado, alguém, também muito amado e com compreensão suficiente para não coibir a minha sinceridade. Mesmo porque, foi ele, Cláudio, hoje meu marido, quem, com aquela magnanimidade que talvez eu não tivesse, me incentivou a levar a cabo a biografia de Luiz Otávio, que, após o nosso casamento, por respeito a ele, eu interrompera. E foi ele, também, quem me estimulou e não embargou minha decisão de só recomeçar a escrever, se pudesse ignorar a sua presença em minha vida, para poder escrever com transparência e absoluta sinceridade o que tinha a dizer. Não fosse assim, eu estaria completamente tolhida e não poderia ter escrito com a abertura de alma, com que escrevi aquela biografia do nosso Príncipe, da qual sempre me orgulharei de ter participado.

15 – Que acha dos seus textos: O que representam para si? E para os seus leitores?

CR – Pergunta difícil! Meus textos… são meus textos! Gosto deles, ou os rasgaria! Sou exigente. Leio, releio, corrijo e, não raro, volto atrás. Faço por eles, tudo o que se faz para tentar educar um filho. Toda mãe quer chegar à perfeição. Busca mas, nem sempre consegue. Afinal, perfeito, só Deus! O que posso dizer, é que as opiniões dos meus leitores e amigos têm sido sempre bastante magnânimas e estimulantes. Creio na sinceridade deles, tanto como gosto que creiam na minha. E entre essas avaliações tenho palavras preciosas e bastante alentadoras de vozes muito importantes para nossas letras,
Como: Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Câmara Cascudo, Fernando Jorge, Menotti Del Picchia, Moacyr Scliar, Salomão Jorge, Paulo Bomfim, e muitos outros. Palavras que me dão confiança e me incitam a continuar.

16 – Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

CR – A Internet é um meio fantástico de comunicação quase que instantânea! A troca de pps fascina! Mas, apesar do seu poder encantador de fazer novos amigos, ela também nos coloca frente a um sério problema!
Se não nos disciplinarmos (o que ainda não consegui), ela nos engole! Engole o nosso tempo, compete com os nossos horários, interfere nos compromissos, furta horas de sono e também os momentos reservados à leitura. E chega a perturbar nossas atividades literárias! Enfim, separa interesses e até casais! Estou chegando ao limite, preciso me reorganizar.
A Internet poderia me ajudar muito na divulgação de meus trabalhos, mas ainda sou bastante inábil e, às vezes, preguiçosa.

17 – Tem prêmios literários?

CR – Dessa pergunta me esquivo sempre. Mas, como esta entrevista já virou autobiografia não posso deixar de ser sincera, embora possa parecer vaidosa, o que realmente não sou. Tenho prêmios, vários prêmios, no Brasil e alguns no Exterior, de Contos, Poesias, Trovas e Crônicas. Não digo quantos, porque é mais fácil ver um prêmio valorizado do que um número maior deles. Não posso deixar de dizer que, neste ano, por meu poema, Paz, fui agraciada com Diploma e Medalha de Mérito Internacional, em Nocera – Salerno, Itália. E em dezembro, deveria estar em Mérida, já que estou entre os Vencedores dos Jogos Florais da Venezuela, mas, infelizmente, não pude ir.

18 – Participa de Concursos Literários? Qual sua visão sobre eles? Acha que eles têm “marmelada”?

CR – Concorrer é, para mim, um verdadeiro vício! Concorro como um desafio a mim mesma. Seria hipocrisia dizer que não gosto de ganhar, mas, ganho e perco, sem questionamentos. Festejo uma vitória como se fora a primeira e a última! E consigo alegrar-me com a vitória dos meus irmãos! Não gosto é de preparar tudo e, afinal, deixar passar o prazo, sem postar o envelope. E como isso acontece!
Quanto à pergunta se há “marmelada” em Concursos, digo, e espero estar certa, que não há! O que se ouve com relação a Concursos em que nomes dos Vencedores são repetidos, seria tão fácil de entender e aceitar quando não predominam despeitos nem vaidades feridas! Comparemos: Num campo de futebol, quem são os que marcam mais gols? O mesmo desempenho repete-se nos mais diferentes jogos. Logo, é de se esperar que os nomes de tais campeões estejam mais em evidência que os demais! Qual a solução para virar o jogo? Só há uma: – Jogar com mais eficiência para suplantar os demais concorrentes! Enquanto isto não for conseguido, o certo é aplaudir, fraternalmente, a vitória dos ganhadores, sem críticas mesquinhas! Aí está o verdadeiro prazer de concorrer! É preciso querer ganhar, quando se pode! Não apenas, quando se quer.

CRIAÇÃO LITERÁRIA

19 – Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa/ou muso pinta de lá de dentro?
Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial?

CR – É muito bom que haja uma situação psicologicamente definida quando alguém se decida a escrever. Então, é só derramar a alma sobre a folha de papel, ou tela de computador, sem comprometimento algum. É fazer um “clic” e deixar que os dedos captem o que o cérebro, a alma e o coração transmitem, numa espécie de coral afinado. Depois, é só burilar. Contudo, há os momentos de escrita, exigida, menos intimista sujeita a cargos ou Concursos, que pedem maior concentração.
Quando escrevo por diletantismo, não preciso, não, de um ambiente especial para escrever. Sempre desejei um cantinho todo meu, privativo, mas nunca consegui tê-lo! Habituei-me a “escrever” em ônibus, na direção de um carro, ou com crianças correndo em volta de mim, quando meus filhos eram ainda pequeninos. Escrevi sempre com a televisão ao meu lado, seguindo novela, e até só mentalmente, durante as tarefas domésticas. E, se não tenho papel para anotar, acabo perdendo muita coisa que poderia aproveitar. Esta é a sina da mulher! Mulher tem que criar tempo para tudo! Porque, antes de ser escritora, artista ou lá o que for, é apenas mulher e esse termo tem subdivisões prioritárias infinitas! Gosto de escrever com música! Ela nunca me perturba, até me ajuda! Não sei viver distante dela!

20 – Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os textos?

CR – O único livro que projetei foi o Príncipe da Trova. Fui coletando dados, agregando-os cronologicamente e desenvolvendo-os. Aliás, corrijo, as demais biografias também passaram por esse mesmo sistema. Quanto aos contos, poesias e trovas, obras de ficção, simplesmente acontecem. Já fiz um conto a partir de uma frase, a maioria dos sonetos, baseados num fecho, e a maioria das trovas, sob temas dados, ou seja, estipulados por Concursos.

21 – Você acredita que para ser poeta ou trovadora basta somente exercitar a escrita ou vocação? Isto é essencial?

CR – Tudo na vida precisa ser exercitado. Poesia é o que se pode chamar de dom, acho que já me referi a isto, mas a predisposição, para qualquer coisa, não é o bastante. Quem pretenda escrever e ser bem sucedido, precisa conhecer muito bem a língua que vai usar. E aprimora-la sempre! È o seu instrumento de trabalho. É preciso saber manipulá-la bem, estuda-la sempre, para que a inspiração possa ganhar asas e voar alto! Mas é preciso que se diga, que o poeta é poeta nato! Ao nascer, sua alma já vem carimbada! Se será bom ou mau poeta, é o que se saberá depois. Independe de cultura. Ser poeta é um estado de alma, é um dom! Vemos coisas lindas, cheias de conteúdo poético, expressas em linguagem precária, por artistas praticamente sem estudo, mas que têm a poesia dentro da alma e são poetas de fato! Como vemos, também, poesias elaboradas por gente que notoriamente esbanja cultura e que gostaria de ser poeta mas, infelizmente, não o é!

22 – No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

CR – Porcaria nunca fez bem a ninguém! Mas, eu, quando jovem, lia tudo o que me caia nas mãos, menos coisas pornográficas que, automaticamente meu íntimo repelia. Acho que é por isso que até hoje não gosto das trovas licenciosas, que andam por aí. E que sempre repudiei, em particular, as “escabrosas”, que nunca cheguei a ler e com as quais tentaram macular o Movimento Trovadoresco Brasileiro, canalizando um rio de águas turvas para que desaguasse no nosso meio. O bom, mesmo, é ler boa literatura, vinda de onde vier, o que sempre ajuda a evoluir.

O ESCRITOR E A LITERATURA

23 – Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

CR – Não gosto de citar nomes. Digo apenas que os autores que deveriam ser descobertos são aqueles que escrevem porque sentem prazer de escrever, sabendo dizer o que pretendem dizer. Esse ato de enxugar a alma numa folha de papel, realiza o anseio, incontido, de comunicação que nasceu com eles e que com eles morrerá, quer lhes dê, ou não, notoriedade ou sequer acolhimento público. Infelizmente, estes poetas ou escritores, são os que mais dificuldade têm de sair da gaveta, das rodinhas de amigos, das tertúlias íntimas e nem sempre chegam à mídia! O que lhes importa, mesmo, é exteriorizar as coisas que a alma dita e que morreriam sem vez, se a palavra escrita não lhes servisse de veículo para trazê-las à luz. Basta-lhes satisfazer a necessidade íntima de comunicação com seu próprio ego. E quanto talento se perde! E. em todas as áreas, quantos ensinamentos úteis vão morrendo embutidos, sem jamais chegar até aqueles a quem, talvez, pudessem ajudar ou tão-somente deleitar!

24 – Na sua opinião, que livro ou livros da literatura portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

CR – Ainda uma vez, evito citar nomes. Acho que, para quem quer ter uma visão o quanto possível ampla, da literatura luso-brasileira, deve começar lendo os clássicos da literatura tanto portuguesa como brasileira, tanto na prosa como na poesia Daí para a frente, o seu passeio pelas estantes vai se impondo de acordo com a evolução das fases que se sucedem, através de diferentes autores, até chegar aos ditos tempos modernos, com seus voos e quedas, com seu realismo, suas extravagâncias, hermetismos e crueza de linguagem que, não raro, nos impelem a procurar matar saudades das leituras mais amenas, que deleitaram nossa juventude, principalmente na área da poesia.

25 – Qual o papel do escritor na sociedade?

CR – A obra do escritor não tem fronteiras. Não há limites que cerceiem a sua criação, e, muito menos, cronológicos. Mas o escritor não é imune às influências do meio e da época em que vive. Seus escritos bebem a água da inspiração, na fonte que corre perto de seus pés. A voz do escritor incorpora a voz do seu tempo e, automaticamente, através do que escreve, passa a interagir, de acordo, ou não, com a vida que rola à sua volta, e até mesmo contra suas próprias convicções, segundo as exigências da personagem criada. Note-se, que há, sempre, escritores e poetas envolvidos nas grandes causas que o cercam e que acabam por marcar suas existências. É por isso, que podemos afirmar que poetas e escritores, em qualquer tempo ou lugar, são quase sempre ativistas sociais e arautos dos grandes acontecimentos que marcam o seu tempo.

26 – Há lugar para a poesia em nossos tempos?

CR – Logo que me iniciei na poesia, recebi um artigo de um poeta de São Paulo intitulado “A Poesia morreu!…” Arrepiei-me e dei-lhe resposta, escrevendo um outro artigo provando que a poesia ainda estava viva e que nunca morreria, porque o mundo precisava dela! Perdi esse artigo, que também foi para os jornais. Mas a minha opinião continua a mesma! Hoje, os tempos são outros, mais agressivos mais duros, mais frios…simplesmente mais, em tudo o que é mau! E, por isso mesmo, também mais do que nunca, o mundo precisa de ternura, de amor, de congraçamento, de fraternidade, de suavidade e de beleza – em suma, cada vez mais, o mundo precisa de Poesia! E há lugar para ela em nossos tempos?! Há sim… é empurrar o materialismo daqui, os excessos de vaidades dali, as prepotências, os ódios e outros tantos defeitos inerentes ao homem e então veremos que sempre há de sobrar um lugarzinho discreto para que a rosa da poesia se instale, desabroche e esparja seu inefável perfume. Perfume que atrai corações e une as almas! E estejamos certos, de que, quanto mais rudes e maus os tempos se tornarem, mais a poesia há de se manter indispensável!

UBT

27 – Pertencer à UBT muda o que em sua vida?

CR – Tudo! A UBT (União Brasileira de Trovadores) promoveu uma verdadeira revolução em minha vida! Filha única, eu tinha uma enorme carência de irmãos! Canalizei todo esse amor para meus filhos. Mas faltava ainda aquele afeto diferente, fraterno, da palavra amiga e dos sonhos divididos com igualdade. E, de uma hora para outra, ou seja, de 1960 em diante, quando entrei no turbilhão da Trova, através do GBT, (Grêmio Brasileiro de Trovadores) logo transformado em UBT, ganhei uma enxurrada de Irmãos e Irmãs, acolhidos por meu coração com um carinho deslumbrado, que talvez nenhum deles consiga jamais aquilatar! Foi uma glória para mim, encontrar gente amiga, que sonhava, pensava, sentia e se expressava poeticamente, da mesma forma que eu! E esse fascinante diletantismo de concorrer a concursos e conquistar prêmios,( ou não), passou a ser meu hobby predileto, porque me facultava a proximidade desses Irmãos e Irmãs que as artérias da Trova canalizaram para mim.

28 – O que é para a mulher atrás da trovadora pertencer à UBT?

CR – Quem indaga bem sabe que a pergunta é delicada. Não a contorno. A mulher atrás da trovadora, era a mulher sofrida que ninguém desconfiava que fosse. O casamento, à beira de um despenhadeiro! Incompatibilidade total! Dizer que a Poesia, em particular a Trova, foram uma fuga é quase ofendê-las, mas, ninguém pode fugir à verdade! Busco imagem melhor. Tanto a Poesia como a Trova foram aquela janela que consegui abrir para que o sol chegasse a mim e afastasse o inverno prematuro, que avançava e me envolvia cada vez mais! A UBT foi a mão amiga que destravou essa janela!

29 – Comente sobre algum fato curioso ou engraçado que tenha ocorrido em algum Concurso de Trovas.

CR – Há muitos fatos curiosos! Vejamos um, acontecido em Cambuquira, creio que em 1969. O tema do Concurso era Fonte. Eu tinha uma trova premiada, esta:

Sussurrando, com ternura,
prova a fonte, sem revolta,
como é possível ser pura,
mesmo tendo lama em volta!

Mas, ao ser-me entregue o livreto do Concurso, vi que meu nome não aparecia e minha trova fora publicada com o nome de outro autor. O promotor do Concurso desculpou-se muito, prometendo-me corrigir o erro em sua Coluna de Trovas, num jornal local. Tranquilizei-o, dizendo-lhe que não se preocupasse, essas coisas aconteciam com frequência. Uma semana depois, recebo, em minha casa, o referido jornal e o desconsolo do promotor que me dizia consternado: – “ Veja só, Carolina, o que fizeram com sua Trova!” E lá estava minha pobre trova, com o verbo sussurrando completamente deturpado, ou seja:
Surrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta… etc

“ – Mas, eu vou corrigir, Carolina, pode deixar”, completava o articulista.

Passa-se mais uma semana, e chega novo exemplar do jornal de Cambuquira, com esta calamidade:
Urrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta etc

Vinha junto, um recadinho desconsolado, escrito de próprio punho, que me fez rir um bocado:
“- Mil perdões, Carolina! Desisto!”
Daí em diante, prometi a mim mesma, que nunca mais usaria esse perigoso verbo, sussurrar, em trabalho algum!

30 – O que é a Trova para você como trovadora?

CR – Eu vinha dos sonetos e dos poemas de muitas estrofes.. Meu primeiro livro de poesias, de nome, “Sempre”, é uma prova disto. A Trova me disciplinou, impondo-me a síntese. Tenho um ou outro soneto cuja base é uma trova e tenho trovas que desenvolvi em sonetos.
E percebo que, tudo o que há de mais substancial, está nos quatro versos de sete sílabas da trova. O mais, que tece a trama ampla do soneto, mesmo sem ser supérfluo, é rendilhado decorativo.

A PESSOA POR TRÁS DA ESCRITORA

31 – O que a choca hoje em dia?

CR – Muita coisa me choca, hoje em dia! A insinceridade, as injustiças, os desmandos políticos, a corrupção, a falta de caráter; o poder dissociado da responsabilidade, os rumos da educação e da saúde, a paternidade irresponsável, a exploração das crianças, o descalabro e propagação do poder nocivo das drogas, a falta de respeito para com os idosos; a sexualidade exacerbada e precoce dos jovens e consequente banalização do amor; a ausência de uma religião, a falta de fé e do amor a Deus, o desamor à vida e a facilidade com que se trama uma guerra! Mas, é melhor parar por aqui, ou a lista ficará por demais extensa!

33 – O que mais lê hoje?

CR – Para ser bastante sincera, devo dizer que hoje mais escrevo do que leio. Mesmo assim, leio tudo o que me cai em mãos, ou dois ou três livros ao mesmo tempo, sem mais aquele estoicismo, inicial, de ir até a última página, mesmo não sendo a leitura do meu total agrado. Recebo muitos livros e não lhes dou resposta sem lê-los. Isto toma tempo! Assim, tenho que dividir minhas horas, inclusive de sono, entre encargos domésticos e sociais, o fascínio do computador e os momentos repousantes que um livro, de livre escolha, possa me oferecer.

34 – Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

CR – Nunca deixei de escrever, mesmo ocupada com outros afazeres, cargos etc, mas, dormi no tempo, trabalhando para entidades e acumulando trabalhos meus que poderiam estar publicados. Assim, minha meta atual é colocar em dia os livros que praticamente estão prontos, dependentes de seleção e revisão. Quanto a projetos, gostaria, se Deus me desse algum tempo mais, de terminar e levar a público meu livro, “Canta, sabiá!” de prosa e poesias baseadas em temas folclóricos. E gostaria também de voltar a pintar e frequentar algumas aulas de teclado, já que dei meu piano à minha neta e sinto falta dele, pois não sei viver sem música! Penso, também de voltar a dedicar-me a obras sociais. Mas, a saúde e a vontade de Deus decidirão. Tudo está no terreno das veleidades, que nem chegam a ser sonho!

35 – De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

CR – Precária! Só aquele que ainda é capaz de sonhar, se interessa pela cultura. Nosso povo é ingenuamente criativo, é sonhador por natureza, gosta de arte, mas a luta entre o “feijão e o sonho” continua cada vez mais árdua! E qualquer ajuda oficial, na hora do aperto, os primeiros cortes vão para a área da cultura. Isto poda as asas dos artistas e os seus voos só podem ser rasteiros. Mesmo assim, o brasileiro canta, toca, compõe, modela, cria e o quanto possível sonha, porque aquele que nasce artista sempre encontra um meio de dar vaza às suas tendências, buscando inspiração mesmo dentro da rústica precariedade que o cerca. E é assim que vão se multiplicando gerações de cantadores, cordelistas, violeiros, artesãos e pintores, que enfeitam, com a ingenuidade da sua arte, a cultura popular deste nosso Brasil.

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

36 – Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?

CR – Quem sou eu para dar conselhos?! Tentarei. Quando alguém pretenda começar a escrever, deve preocupar-se, a priori, com o manejo da língua pátria. Estudar, estudar muito! Estudar a vida inteira, para errar o quanto menos possível! Quem quer tocar um instrumento estuda o seu manejo. Pratica! E assim acontece em qualquer área.
O computador, a máquina de escrever, a caneta, o lápis, são meios utilizados na grafia das palavras, mas, o instrumento propriamente dito do escritor, é o seu idioma.
Antes de dedicar-se à escrita, portanto estude e leia. A leitura ajuda muito! Deve ser uma espécie de hábito compulsivo. A receita é ler, ler e ler sempre, autores nacionais e também, estrangeiros. Quando se sentir seguro, então escreva. A princípio, para si mesmo, com sinceridade, fluência como se só você fosse ler o que deixar no papel. Aceite, com humildade as ponderações dos que procurarem ajuda-lo e não se deixe abater por possíveis críticas acerbas e não construtivas, capazes de desestimula-lo.
E acredite que, se escrever lhe agrada de fato, o texto concebido há de ser sempre o seu maior prêmio! Isto é o que eu diria, com toda a sinceridade aos que se iniciam no caminho das Letras.

36 – O que é preciso para ser um bom poeta ou trovador?

CR – 1) – Ter alma e coração, ou seja sensibilidade. E também certa predisposição poética, que já nasce com ele e com ele deverá crescer.
2) – Amar a Trova, conhecer e estudar, a fundo, a sua técnica e requisitos principais.
3) – No que se refere a atitudes: – Quem pretenda tornar-se um “bom” trovador, deve entrar no Universo da Trova, para somar e não para dividir! Para respeitar, e ser respeitado! Enfim, para fazer amigos, evitando ferir e criar opositores. Indispensáveis, também, trazer consigo alguma humildade, espírito fraterno e isenção de vaidades excessivas. Ninguém poderá vencer sempre, mesmo sendo um bom trovador! E como é feliz quem, sem maledicências, consegue alegrar-se com a vitória dos demais! Aquele que é capaz de crescer e evoluir graças aos seus esforços e principalmente do seu talento inato, tarde ou cedo, há de ser um autêntico trovador, de valor reconhecido e querido por todos! Sua atuação só poderá engrandecer o tão bonito e atuante Movimento Trovadoresco, que avança a passos largos e tantos momentos felizes proporciona aos seus seguidores!

37 – Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, críticas etc…

CR – Já me alonguei demasiado. Abusaria um pouco mais, citando os meus livros publicados. São eles: Sempre (Poesia); Cantigas feitas de Sonho (trovas); Espanha (poema épico 2ª ed.); Rui Ribeiro Couto- Vida e Obra (biog); Trovas que Cantam por Mim; Interlúdio (Contos); Paulo Setúbal –Uma Vida/Uma Obra (biog. parceria com Cláudio de Cápua); Feliz Natal ( contos natalinos); Evocação (parc. c/ Edith Prata Real); Príncipe da Trova (biog); Saga de uma Vida (biog.); Um Amigo Especial (ficção para juventude) Liberdade – Sonho de todos (prosa e poesia).
No prelo: Destino (poesias)
Livros Inéditos: Contos ; Mosaicos (trovas); Canta , Sabiá! (folclore)

38 – Se Deus parasse na sua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

CR– Em termos globais: – PAZ, JUSTIÇA E AMOR. Urgentemente!!!

39 – Para finalizar, peço algumas trovas de sua autoria e pelas quais possui um carinho especial.

CR

Como é fútil e tamanha
a soberba dos ateus…
Seixos ao pé da montanha,
negando a montanha – Deus!

Guarda sempre esta mensagem
da própria vida que diz:
– è feliz, quem tem coragem
de acreditar que é feliz!

Sempre acolho de mãos postas
e, humilde, tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar!

Se amigo é o que escuta a queixa,
seca o pranto e ajuda a rir,
mais amigo é o que não deixa
sequer o pranto cair!

Nós somos duas tipóias,
somando forças escassas:
– quando eu fracasso, me apóias,
te apoio, quando fracassas!…

Na penumbra, o berço é um templo,
ajoelho e em ternura enorme,
entre rendas eu contemplo
meu pequeno deus que dorme!

Já velhinho, sonha ainda,
mantendo o brilho no olhar,
que a juventude só finda,
quando é impossível sonhar!

O mar da vida parece
que, às vezes, quer me afogar,
mas, Deus, que nunca me esquece,
atira a boia no mar!…

Ser mau é fácil…insiste
em ser bom, sempre a lembrar:
– bondade, às vezes, consiste
em ver, ouvir… e calar!…

Ouço teus passos serenos
e o meu abraço se expande,
mas sinto os braços pequenos,
para ternura tão grande!

Sofre e perdoa sem grito,
o mal que de alguém se emana,
que há outro Alguém no Infinito,
maior que a maldade humana!

Paz e Amor – eram Seus planos
e por eles deu a vida.
– Mensagem que há dois mil anos
não foi ainda entendida!

Não prolongues a partida…
Vai… não olhes para atrás,
dói bem mais a despedida,
quão mais longa ela se faz!

Adeus, filho, segue a vida…
Volta um dia, sem promessa…
que a primeira despedida
no ventre da mãe começa!

Se eu sinto fugir a calma
e até viver me angustia,
eu abro as janelas da alma
e deixo entrar a Poesia!

Santos, 02 de janeiro de 2011.

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Ademar Macedo (O Homem atrás do Escritor, o Escritor atrás do Homem)

Dando sequência as entrevistas virtuais realizadas com escritores do Brasil, revelando o homem que há por trás do escritor e o escritor que há por trás do homem, o convidado de hoje é um colaborador do blog e um grande divulgador da literatura brasileira, trovador, poeta, cordelista, o potiguar (pessoas nascidas no RN), Ademar Macedo.
José Feldman

INFANCIA E PRIMEIROS LIVROS

JF: Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.
AM: Nasci em Santana do Matos/RN, no dia 10 de setembro de 1951, aos oito anos fui morar em Zabelê, município de Touros também no Rio Grande do Norte, onde fiquei até 1963, quando mudamos para Natal, onde terminei o primário e através de uma seleção (concurso), em 1965 fui para o Ginásio Agrícola de Ceará-Mirim/RN; terminando o ginásio voltei para Natal onde fiz o Científico (naquela época) que era o 2º Grau. Em 1971 entrei Para o Corpo de Fuzileiros Navais, passei no 1º concurso para Cabo, fui cursar no Rio de Janeiro e nunca mais estudei. Voltei para Natal em 1980 e em 81 perdi uma perna num acidente.

JF: Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?
AM: No Ginásio agrícola (que era um Internato) Sob o duro comando de Paulo Mesquita, o Diretor, um Oficial Reformado da Aeronáutica, eu tive a melhor aprendizagem da minha vida, lá era um verdadeiro quartel, mas até hoje eu agradeço pelos seus ensinamentos, principalmente no que tange a moral, dignidade, honestidade que me acompanham até Hoje!

JF: Recebeu estímulo na casa da sua infância?
AM: Perdi meu Pai muito cedo, aos 7 anos, minha infância foi um tanto difícil, mas minha Mãe e meu irmão mais velho nunca deixaram faltar nada, Inclusive o estímulo.

JF: Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever?
AM: Confesso que nunca fui muito de ler…Lembro bem de “O Pequeno Príncipe” e alguns pouco mais.

JF: Como foi que você chegou à poesia e às trovas?
AM: Tudo começou após o meu acidente. Numa maneira de passar melhor o tempo, comecei a frequentar cantorias de viola, festivais de Violeiros, tudo o que dizia respeito a Poesia Popular, e por meu Pai ter sido Poeta, eu sentia correr nas minhas veias o sangue da Poesia e comecei a fazer algumas estrofes; e meus irmãos Francisco Macedo e Augusto Macedo (falecido) que já eram poetas, me disseram que eu levava jeito pra coisa! Eu, já poeta popular, conhecido em todo estado devido as minhas declamações nas rádios: (Rural de Natal, Rádio Poti e 98FM), fui convidado por José Lucas de Barros, que assistia as minhas declamações nas cantorias e nos festivais e por Joamir Medeiros, que me ouvia nas Rádios, para ingressar na ATRN (Academia de Trovas do R.G.do Norte), fui sabatinado e após uma comissão analisar as trovas feitas por mim, fui aprovado e lá estou desde 2004.

SEUS TEXTOS E PREMIOS:

JF: Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros?
AM: Lancei o meu primeiro Livro em 1993: “…E DA DOR SE FEZ POESIA.” E tenho ainda os seguintes Livros (Em Parceria): “POESIAS EM QUATRO VERSOS”, “DOIS POETAS EM SETILHAS”, “UM DEBATE EM SETILHA AGALOPADA”, “NOS ARPEJOS DAS SETILHAS” e “UM ROJÃO EM SEXTILHA AGALOPADA”. Já prontos tenho: “SEXTETO EM SEXTILHAS”, “SEXTETO POTIGUAR”, “SEXTILHAS A QUATRO VOZES”, “TRÊS À MESA DA POESIA”, E em andamento: “NO COMPASSO DAS SETILHAS”.

Editei um Cordel que intitulei: “DIVAGAÇÕES POÉTICAS”
E tenho dois CDs declamando Poesias: “NA CADÊNCIA DA POESIA” e “O POETA E A RAPOSA”(Com minhas declamações ao vivo, na 98 FM)
E tenho um Livro pronto esperando ajuda para publicação, que se chama: “…E DA POESIA SE FEZ O ABSURSO”, é um livro inspirado em ZÉ LIMEIRA, o Poeta do Absurdo.
A inspiração para tudo isso veio, com certeza, da Natureza e do Sertão!

JF: Como definiria seu estilo literário?
AM: Como escrevo poesia popular nordestina, o estilo predominante é o Cordel.

JF: Dentre os livros escritos por você, qual te chamou mais atenção? E por quê?
AM: É muito difícil um Pai amar os seus Filhos de maneira diferente, assim é com os Livros; no entanto, para mim, o Livro onde mais eu me inspirei, onde estão as melhores poesias É: “UM DEBATE EM SETILHA AGALOPADA”.

JF: Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?
AM: Basta dizer que os livros em parceria (DEZ) foram todos feitos pela Internet, Por exemplo: “TRÊS À MESA DA POESIA”, Zé Lucas me mandou a sua estrofe, eu respondi e enviei as duas para o Professor Garcia, que por sua vez, me respondeu e as enviou para Zé Lucas e assim sucessivamente até chegar 150 estrofes. VEJAM AS TRÊS PRIMEIRAS:
.

01 – Zé Lucas
Com Ademar e Garcia
vou pelejar desta vez,
enchendo a taça dos versos
com carinho e lucidez,
para que o vinho sagrado
das musas dê para os três.

02 – Ademar
Vou beber com honradez
uma taça todo dia,
e eu peço a Deus neste verso
talento e sabedoria,
e que este vinho sagrado
me embriague de poesia.

03 – Prof. Garcia
Eu vou beber todo dia
para afastar o meu pranto,
deste vinho que embriaga
e nunca me causa espanto,
porque o vinho do verso
tanto é puro quanto é santo.

JF: Tem prêmios literários?
AM: Eu já fui premiado em 21 Cidades de diferentes estados da nossa federação; mas estas premiações foram todas em Concursos Nacionais de Trovas. Tive também alguns Prêmios em “Poesia” apenas aqui no meu Estado.

CRIAÇÃO LITERÁRIA :

JF: Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?
AM: Esta eu vou responder com uma Trova e uma estrofe apenas:

Vi à luz de lamparina,
em inspirações imerso
que a musa se faz menina
para brincar no meu verso.”

“Na inspiração do poeta
sinto um pouco de magia,
porque toda estrofe minha
me fascina e me extasia;
e em cada verso que faço
vou mastigando um pedaço
do pão da minha poesia.”

JF: Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os textos?
AM: Não projeto nada, os versos nascem assim…de repente.

JF: Você acredita que para ser poeta ou trovador basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?
AM: A poesia é um dom divino, nenhuma escola ensina você se tornar Poeta…O Poeta já nasce feito!

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR :

JF: O que o choca hoje em dia?
AM: A violência. (que é a falta de Deus no coração das pessoa…)

JF: O que lê hoje?
AM: Livros de Poesias…

JF: Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?
AM: Divulgar a poesia nas escolas…

JF: De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?
AM: Com a mesma visão de sempre…Falta de apoio para a edição de Livros e Etc…

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES :

JF: Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?
AM: Que tenha muito amor pelo que faz e muita Fé. Quem sabe, um dia você encontre uma porta aberta!

JF: O que é preciso para ser um bom poeta ou/e trovador?
AM: …Apenas Inspiração.

JF: Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.
AM: Queria apenas agradecer esta oportunidade que me foi dada, para que eu pudesse aqui, da forma mais sincera, me desnudar poeticamente perante todos vocês…

JF: Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?
AM: Seriam apenas de agradecimentos por tudo o que Ele tem feito na minha vida… Resumindo:

Nunca quis ganhar fama nem cartaz,
sou feliz no papel que desempenho,
sou um homem de fé, temente a Deus,
não reclamo do peso do meu lenho
nem de tudo na vida que padeço…
Eu já tenho até mais do que mereço
e me sinto feliz com o que tenho!

JF: Para finalizar, um poema e trovas de sua autoria que possui um carinho especial.

POESIA

Há sorriso que fere e que magoa
e há pranto que comove e traz alento,
e os que trazem a dor e o sofrimento
deixam marcas no rosto da pessoa;
e por mais que este pranto não lhe doa
deixará para sempre uma seqüela,
que se faz cicatriz no rosto dela
maculando esta dor que não termina;
se tiver que chorar feche a cortina,
quando for pra sorrir, abra a janela.

TROVAS:
Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela.
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!…

Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca faz chover prantos
nos olhos dos nordestinos!

O grande desmatamento,
por ganância ou esperteza,
põe rugas de sofrimento
no rosto da natureza…

Quando a inspiração lhe acena,
o bom Trovador se expande.
Numa Trova tão pequena,
faz um poema tão grande!

Quem se entrega a solidão
e dela se faz refém,
anda em meio à multidão
mas não enxerga ninguém!

Numa combatividade,
cheia de brilho e de glória,
saber perder, na verdade,
é também uma Vitória!

Na Floresta, a “derrubada”
deixa em minha alma seqüela,
pois a dor da machadada
dói mais em mim do que nela.

Ademar Macedo ainda complementa mais sobre ele:

UM POUCO MAIS DE MIM:
Como eu relatei no início, Eu Sou um Fuzileiro Naval (Reformado) perdi uma perna num acidente no ano de 1981, desde então me entreguei de corpo e alma a Poesia. Em 2006 tive um câncer no intestino, me operei no dia 09/05/2006, no Rio de Janeiro; fiz 52 Quimioterapias e 25 Radioterapias, terminei o tratamento no dia 20 de Outubro do mesmo ano, e como DEUS é Maravilhoso acredito que eu já esteja Curado, pois eu Estou sendo acompanhado aqui em Natal pela Liga contra o Câncer através de exames feitos de 6 em 6 meses, e agora em Setembro último fiz uma Colonoscopia e havia um pólipo que foi retirado para fazer a biópsia e deu o seguinte resultado: “ausência de malignidade no material Examinado” E Deus, na sua misericórdia, além do dom da Poesia deu-me também a Cura. E hoje a minha vida é regida pelo AMOR, pela ALEGRIA e pela FÉ, e são baseados nesses temas que nascem a inspiração para as minhas poesias e Graças ao nosso bom DEUS e a minha FÉ, é que estou hoje aqui contando a minha história…

Em Versos:

Guardei todos momentos que passei
de ternura, de carinho e de amor,
momentos que na vida mais gozei
e os momentos que mais eu senti dor.
O momento feliz da minha vida,
quando Deus curou em mim uma ferida,
que os médicos diziam não ter jeito,
e apesar de hoje eu ser um mutilado,
guardo sempre as lembranças do passado
pra curar as feridas do meu peito!…

A minha poesia é Santa
porque é Deus quem a projeta,
pois ele mesmo é quem planta
no coração do poeta;
pois todos os versos meus
vêm lá da mansão de Deus
como se fosse uma luz;
são escritos com emoção
pela minha própria mão,
mas seu autor, é Jesus!…

Quero então quando eu morrer,
feito em letras garrafais,
aquela minha poesia
que me deu nome e cartaz;
e escrito, seja onde for:
– Eis aqui um trovador
que morreu feliz demais!

Abraços Fraternos:
Ademar Macedo.
(poetaademar@yahoo.com.br)

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Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque

Ialmar Pio Schneider (O Homem Atrás do Escritor, o Escritor Atrás do Homem)

Dando continuidade à série O Homem atrás do escritor, o escritor atrás do homem, o entrevistado é o poeta e trovador gaúcho, o Menestrel dos Pampas, Ialmar Pio Schneider, grande colaborador deste blog.

O HOMEM IALMAR PIO SCHNEIDER: AUTOBIOGRAFIA

JF: Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou, sua trajetória literária.
Nasci no município de Sertão/RS em 26-08-1942. Filho de Henrique Schneider Filho e dona Amábile Tressino Schneider, ambos falecidos.

Cursei o primário em minha terra natal na Escola Pio XII das Irmãs Franciscanas onde diplomei-me inclusive em datilografia com 13 anos de idade. Ingressei no Ginásio Cristo Rei dos Irmãos Maristas em Getúlio Vargas/RS que conclui após 4 anos, em 1959, período em que iniciei a compor poesias.
Daí transferi-me para Passo Fundo/RS onde ingressei no Colégio N. Sra. da Conceição dos Irmãos Maristas cursando então simultaneamente o Curso Científico e a Escola Técnica de Contabilidade por um ano e meio, continuando a escrever poesias inclusive gauchescas, algumas das quais foram publicadas no Jornal do Dia, de Porto Alegre, até que um concurso público para o Banco do Brasil S.A. me levou a Cruz Alta/RS, onde assumi em 1961, poucos dias antes de completar 19 anos de idade.
Posteriormente integrei o corpo de funcionários da agência de Soledade/RS, que estava em Instalação, o que ocorreu em 1962. Completei o curso em Técnico de Contabilidade em 1962, permanecendo por 5 anos na cidade, onde exerci o cargo de Fiscal da Carteira Agrícola do Banco até ser transferido para a Metr. Tiradentes do Rio onde não cheguei a tomar posse, tendo feito uma permuta tríplice com outros dois colegas, vindo a assumir em Canoas/RS, em 1967, para logo após um ano se transferir para São Leopoldo/RS em nova permuta com outro colega, onde tencionava tirar o Curso de Direito da Unissinos, o que não se concretizou.
Casei-me em 1968 com Helena Dias Hilário, de Soledade/RS e transferi-me para a Agência Centro do Banco do Brasil S.A de Porto Alegre, em 1969. Residindo em Canoas, nasceu minha filha Ana Cristina Hilário Schneider. Permaneceu por 3 ou 4 anos compondo poesias diversas inclusive a maior parte de seus poemas gauchescos ainda inéditos bem como muitos sonetos então com 30 anos de idade. Resolvi novamente transferir-me de cidade a fim de ficar mais próximo dos meus parentes e os de minha esposa e pleiteei uma permuta, que consegui para a cidade de Passo Fundo, tendo lá permanecido por cerca de 3 anos, ocasião na qual requeri e fui transferido para a agência do Banco em Palmas/ PR, onde residiam minha mãe e irmãos, de cuja remoção desisti pelo motivo de minha esposa ser professora estadual e não ter conseguido aproveitamento naquela cidade. Com dificuldade em adquirir casa de moradia retornei a Canoas voltando a residir e a trabalhar no Banco até que em uma concorrência nacional para fiscal da Carteira Agrícola do Banco fui nomeado para a cidade de Antônio Prado/RS, onde permaneci por 2 anos e meio aproximadamente.
Em 1980, regressei a Canoas onde adquiri um apartamento em que resido até hoje, na rua que leva o nome do grande pintor Pedro Weingartner tendo feito vestibular para a Faculdade de Direito do Instituto Ritter dos Reis, classificado em segundo lugar de que também participou o ilustre jogador de futebol do Internacional Paulo Roberto Falcão, que logo depois transferiu-se para a Itália.
Trabalhando no Banco do Brasil- agência de Canoas e estudando, só consegui formar-me em Direito nas Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis em 1990, após 10 anos de curso superior. Enfim, antes tarde do que nunca.
Transferi-me para o CESEC do Banco do Brasil Sete de Setembro em Porto Alegre, onde trabalhei até 1991, tendo completado 30 anos e alguns dias de serviço no Banco quando me aposentei por tempo de serviço.
Por enquanto, resido na cidade de Porto Alegre/RS, no Bairro Tristeza, com uma vista maravilhosa para o Rio Guaíba, em uma janela do qual até um joão-de-barro já fez um ninho há uns dois anos. Como diz o inigualável poeta gauchescoo saudoso Jayme Caetano Braun: “Eu até fiquei contente/ Dizem que dás muita sorte !”em seu poema “João Barreiro”.
Atualmente minha filha é casada, ambos advogados, com escritório.
Durante os meses de verão, dezembro até fevereiro, permaneço em Capão da Canoa/ RS, cidade praiana, onde produzo diversas poesias: poemas, sonetos e trovas. Nos últimos dois anos desloquei-me com a família por uns dez dias em final de temporada para a praia de Canasvieiras, precisamente Cachoeira do Bom Jesus, em Florianópolis/SC.
Eis em rápidas pinceladas a sucinta biografia rotineira de um poeta menor.

JF: Ialmar, se é poeta menor, então eu nem existo, precisaria um ultra microscópio para me encontrar (risos). Recebeu estímulo na casa da sua infância?
Total estímulo e incentivo inclusive éramos 6 filhos, 4 irmãos e 2 irmãs e nossos pais só tinham como meta o nosso estudo.

JF: Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.
Muitos livros de poesias: Fagundes Varela, Casemiro de Abreu, romances de Paulo Setúbal, os grandes romances do Cristianismo, trovas de Adelmar Tavares e diversos outros. Mas o romancista que mais me agradou foi Lima Barreto, antes Dostoiewski, Érico Veríssimo, Dyonélio Machado, Cronin, uma infinidade de autores, enfim. Desculpe se não cito todos, nem um por cento talvez.

JF: Teve a influência de alguém para começar a escrever?
Foi naturalmente através das leituras escolares.

JF: Tem Home Page própria (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)?
Tenho diversos blogs que podem ser encontrados procurando por IALMAR PIO SCHNEIDER no Google, como http://ialmar.pio.schneider.zip.net/ ; http://ialmarpioschneider.blogspot.com/ ; http://ial123.blog.terra.com.br/

JF: Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?
Nunca pensei nisto. No Brasil acho que só meia dúzia o consegue.

SEUS TEXTOS E PREMIOS

JF: Como começou a tomar gosto pela escrita?
Para conhecer e aprender, pois acho que todo o livro é de auto-ajuda.

JF: Você possui livros? Se sim em que você se inspirou em seus livros?
Fiz a estréia editorial na obra TROVADORES DO RIO GRANDE DO SUL, org. por Nelson Fachinelli, em 1982. Publiquei a obra poética SONETOS E CÂNTICOS DISPERSOS, em 1987. Figuro em outras coletâneas. A última obra, POESIAS ESPARSAS DIVERSAS, de 2000.

JF: Como definiria seu estilo literário?
Eclético para poesia e crônicas também.

JF: Que acha de seus textos: O que representam para si? E para os leitores?
Acho que são a expressão do meu pensamento. A maioria dos leitores dizem gostar.

JF: Qual a sua opinião a respeito da Internet? Tem contribuído para a difusão do seu trabalho?
Tem contribuído muito e eu considero o mais valioso meio de publicação atual, ainda mais para quem não tem a grande mídia ao seu dispor.

JF: Tem prêmios literários?
Alguns.

JF: Participa de Concursos Literários? Qual sua visão sobre eles? Acha que eles tem “marmelada”?
Participo às vezes. Tenho visto trovas sem nenhum fundamento serem premiadas.

CRIAÇÃO LITERÁRIA

JF: Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamenteprecisa de algum ambiente especial ?
Surge de repente, não sei de onde nem quando.

JF: Você acredita que para ser poeta ou trovador basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?
Tudo é essencial, principalmente muita leitura.

JF: No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?
É preciso distinguir.

O ESCRITOR E A LITERATURA

JF: Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós chega apenas o que a mídia divulga. Na sua opinião que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?
Os clássicos: Machado de Assis, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Rui Barbosa. Paulo Setúbal, Érico Veríssimo, Dyonélio Machado, Lya Luft e outros. Os bons escritores. A lista é infindável. Poesias de Vinicius de Moraes, Guilherme de Almeida e os clássicos também Castro Alves, Fagundes Varela, Alvares de Azevedo, Olavo Bilac, tantos e tantos.

JF: Qual o papel do escritor na sociedade?
Ensinar e divertir também.

JF: Há lugar para a poesia em nossos tempos?
Há sim. Aqui no sul principalmente a poesia gauchesca, os sonetos românticos. Basta declamar uma poesia atraente todos gostam.

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR
Um bancário aposentado, um advogado não militante e um diletante em literatura.

JF: O que o choca hoje em dia?
A violência e a falta de saúde pública.

JF: O que lê hoje?
Romances e poesias. Estou curtindo um ócio criativo. Nada de muito profundo.

JF: Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?
Continuar escrevendo nos blogs e talvez preparar um livro de poemas e poesias gauchescas.

JF: De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?
Vai andando aos trancos e barrancos, mas com o andar da carroça as abóboras se ajeitam na caixa.

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

JF: Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?
Ler bastante e escrever mesmo errando.

JF: O que é preciso para ser um bom poeta ou/e trovador?
Muita leitura e perspicácia.

JF: Finalmente, se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos quais seriam?
Boa saúde, meios para continuar vivendo e a felicidade da Humanidade inteira.

TROVAS DE IALMAR

Cada paixão que me invade
surge do amor que não tive;
e representa a saudade
de quem neste mundo vive.

Eu não sou navegador,
mas enfrento o mar da vida,
por causa do nosso amor
que não teve despedida.

Foste a morena brejeira
que surgiu em meu amor
como o botão da roseira
que agora não dá mais flor.

Não foram horas perdidas
as que passei junto a ti;
são lembranças bem vividas
que nunca mais esqueci…

Perambulando sozinho
pelas ruas da cidade,
procuro achar o caminho
que leva à felicidade.

Fonte:
Entrevista realizada virtualmente (por e-mail) por José Feldman (PR) com o poeta e trovador Ialmar Pio Schneider (RS).

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Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas XIII)

A noite chegou depressa,
no inverno trouxe o frio;
vem a tristeza e começa
a encher meu mundo vazio.

Assim como a vida é breve
e os meus sonhos passageiros,
hoje meu ser não se atreve
em lances aventureiros…

De ti não quero mais nada,
apenas lembrança triste,
pois minh´alma apaixonada
ao teu desdém não resiste !

Eras tu, mulher querida,
o meu precioso troféu,
quando encontrei-te na vida,
parece que entrei no céu !

Eu já fiz diversas trovas
e tantas quadras também,
sempre estou compondo novas
destinadas ao meu Bem !

Eu nunca fiquei sabendo,
se tinhas um outro alguém
e por isso não compreendo
o teu silêncio também !

Hoje levantei mais tarde,
tinha pouco o que fazer;
mas, amor, você me aguarde,
que nunca a pude esquecer !…

Já fiz trovas de improviso
na distante mocidade,
mas, menestrel sem juízo,
delas só tenho saudade…

Luas cheias e as estrelas
povoam o imaginário,
sonhadores, vinde vê-las,
da noite o lindo cenário !…

Mais um ano se passou
e continua a poesia,
que Quintana dos deixou
para nossa nostalgia…

Na breve, efêmera vida,
não saibam, talvez, mas quis,
com a poesia escolhida,
sempre alguém fazer feliz !

Não considero perdida,
aquela ingênua ilusão,
que invadiu a minha vida
num momento de paixão…

Não consigo mais te ver
e procuro te encontrar,
para sentir o prazer
de finalmente te amar.

Nos caminhos da existência,
foram tristes ou risonhos,
os dias de convivência
na imensidão dos meus sonhos…

O meu amor tem segredos
que nunca pude externar;
me invadem todos os medos
de a não poder conquistar !

O pôr-do-sol pede um verso
no fim da tarde que desce,
medito e com Deus converso
nesta trova feita prece.

O sol-nascente desperta,
na imensidão do Universo,
o viajor de vida incerta
e o poeta que faz verso.

Os poemas que ficaram,
quando ingênuo e sem memória,
na sala em que o assassinaram,
hoje contam sua história.

Para conversar com Deus,
olho os céus e me comovo,
mas lembrando os beijos teus,
retorno à terra de novo !

Procurei teu coração
com toda a sinceridade,
mas retorno à solidão
para viver de saudade…

Procuro encontrar-te ainda
para saber como vais
e a tarde que agora finda
me responde: “Nunca mais !”

Quando estas quadras componho,
pensando no meu amor,
a vida parece um sonho,
para eu ser um sonhador.

Quando te vejo e sorris,
não sei que faço, senhora,
para a gente ser feliz
não há dia, nem tem hora!

Quem fizer a gentileza
de não levar por ofensa,
que me ame até na pobreza
sem esperar recompensa.

Quem tiver devotamento
pra algum amor que vier,
vai viver um bom momento,
sejam homem ou mulher.

Quis escrever um soneto,
levando mensagem nova,
mas esbarrei no quarteto,
e então compus esta trova…

Recordo a tua beleza
e também o quanto és boa,
me apaixono, com certeza,
e faço versos à-toa !

Só não compreende a ventura
de um simples beijo roubado,
uma infeliz criatura
que não foi apaixonado.

Tinha um sonho benfazejo,
ao raiar da adolescência,
ser um cantor sertanejo
para as prendas da querência.

Vou reler Mário de Andrade,
os poemas são assim;
falam a realidade:
este, portanto, seu fim.

Fonte:
O Autor

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Apollo Taborda França em Xeque

Entrevista realizada pela Revista virtual “Falando de Trovas e de Trovadores” com o ilustre escritor Apollo Taborda França, que já conquistou lugar de destaque na galeria dos grandes poetas e trovadores do Brasil.

Apollo Taborda França, nasceu em Curitiba, capital do estado do Paraná, onde reside. Filho de Heitor Stockler de França e Brasília Taborda Ribas de França. Fez cursos primário e ginasial no Instituto Santa Maria, dos Irmãos Maristas. Posteriormente em Direito pela Universidade Federal do Paraná, em Jornalismo pela Universidade Católica (hoje PUCPR), ainda em Curso Técnico de Construção de Máquinas e Motores, pela Escola Técnica Federal do Paraná que agora está transformada em Universidade; e se formou em Ciências Econômicas.

Possui 17 livros publicados, em prosa e em verso. Inclusive cinco de Trovas. Passou a fazer versos naturalmente, talvez por influência sangüínea, uma vez que seu pai Heitor Stockler de França era escritor, poeta, jornalista e advogado e seus irmão também fazem poesias e trovas. Suas composições literárias foram publicadas em jornais, especialmente em livros e coletâneas impressas em São Paulo e Rio de Janeiro, etc.

– Cadeira n.36 da Academia Paranaense de Letras
– Cadeira n.38 da Academia de Letras José de Alencar
– Membro do Centro de Letras do Paraná
– Membro do Círculo de Estudos Bandeirantes
– Presidente da UBT/Curitiba 1984/86 e 1990/92.
– Membro do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense

Lairton: Dr. Apollo, queira nos dizer onde nasceu e reside.
Apollo: Nasci em Curitiba, capital do estado do Paraná, onde resido.

Lairton: Como foi a sua infância e adolescência?
Apollo: Tanto minha infância quanto adolescência foram excelentes, em companhia de meus pais, irmãos, parentes e amigos.

Lairton: Fale-nos sobre sua vida escolar.
Apollo: Fiz cursos primário e ginasial no Instituto Santa Maria, dos Irmãos Maristas. Posteriormente me formei em Direito pela Universidade Federal do Paraná, em Jornalismo pela Universidade Católica (hoje PUCPR), ainda em Curso Técnico de Construção de Máquinas e Motores, pela Escola Técnica Federal do Paraná que agora está transformada em Universidade; e mais ainda me formei em Ciências Econômicas.

Lairton: O Senhor é autor de importantes obras literárias. Quando começou e que razões o levaram a escrever? Quantos livros de trovas editou?
Apollo: Efetivamente tenho 17 livros publicados, em prosa e em verso. Inclusive cinco de Trovas. Passei a fazer versos naturalmente, talvez por influência sangüínea, uma vez que meu pai Heitor Stockler de França era escritor, poeta, jornalista e advogado e meus irmão também fazem poesias e trovas. Quanto aos títulos dos meus livros, vou enviar ao amigo o último que publiquei, Ano 2001 dC., “Vento Forte” que contam nas orelhas as devidas informações.

Lairton: De que maneira suas obras literárias foram divulgadas?
Apollo: Minhas composições literárias foram publicadas em jornais, especialmente em livros e coletâneas impressas em São Paulo e Rio de Janeiro, etc.

Lairton: Sabemos que o Senhor é renomado trovador e fez história nas páginas da Literatura Paranaense. Participou da criação da UBT-União Brasileira de Trovadores – no Estado do Paraná?
Apollo: Não participei da criação da UBT em Curitiba, que foi feita por outros trovadores sob a presidência do médico e trovador pernambucano Barreto Coutinho, ladeado por outros aqui da Capital. De todos um dos remanescentes vivos é o muito admirado: Prof. Orlando Woczikoski que está sempre junto às reuniões da UBT-Curitiba. Posteriormente tive o prazer de presidir a UBT/Curitiba 1984/86 e 1990/92.

Lairton: Em sua opinião, o que faz a trova ser tão apreciada entre os brasileiros?
Apollo: A TROVA é admirada por pessoas letradas ou não, face sua singela facilidade de compor especialmente com o conhecimento das leis do verso; o setissílabo é muito espontâneo no linguajar erudito e popular, é só conferir.

Lairton: Podemos afirmar que, no Brasil, o movimento trovadoresco constitui uma escola Literária? Explique-nos.
Apollo: Diz-se Escola Literária porque demanda o melhor conhecimento e prática permanente. Hoje há aulas de “trovas” em diversas escolas primárias no elevado sentido cultural e educativo e maneiras de as fazer e de expressar (recitar) em público. Então, trata-se de um movimento em ascensão, com muito brilho e persistência.

Lairton: O Senhor pertence à diversas entidades literárias do País. O que o levou à Cadeira nº 36 da Academia Paranaense de Letras?
Apollo: A minha já consolidada representatividade literária como escritor, poeta e jornalista, inclusive, com livros já editados e com a melhor aceitação pública.

Lairton: Qual a razão de existir das academias literárias, além de ser, por si só, merecido galardão de ilustres escritores?
Apollo: É o sentido de unir, congregar e incentivar todos os que usam a cultura como meio e fim, instrumento de comunicação entre os diversos setores das comunidades física e espiritualmente falando.

Lairton: O que é a MPPr, qual a sua função e que ligação tem o seu nome com este Movimento?
Apollo: Movimento Poético Paranaense-MPPr.; tem objetivos e finalidades de publicar e difundir a literatura, especialmente poética entre seus leitores, poetas e escritores, em seus diversos níveis observando e respeitando as individualidades e suas criações eruditas, clássicas, modernas e que, por si só, ajudam a estabelecer os parâmetros funcionais de nossa literatura, frente a do país.

Lairton: Valeu a pena ter sido poeta e trovador? Sente-se realizado como pessoa e como escritor?
Apollo: Valeu! Mas, continuo me realizando nos meus seguidos trabalhos em prosa e verso.

Lairton: O Senhor tem usufruído das vantagens da Internet? Possui algum site?
Apollo: Relativamente, conforme as necessidades imediatas e mediatas. Os “e-mail” que me estão ligados são: apolloversos@bol.com.br ; mp-pr@ig.com.br ; e também o ordemdosapo@yahoo.com.br

Lairton: Que opinião tem sobre as atividades literárias do Portal CEN?
Apollo: Portal CEN? Desejo que o mesmo alcance seus objetivos de difusão literária.

Lairton: Quem é Apollo para Apollo, como pessoa e como poeta?
Apollo: Apollo para Apollo: Somo um! Com os mesmo ideais, caráter e personalidade.

Lairton: O que diria aos principiantes da “arte de fazer trovas”?
Apollo: Aos principiantes insisto que aprendam as regras da versificação, especialmente sobre tônicas, ritmo, censura e aplicação das rimas.

Lairton: Agradecemos sua importante participação na Revista “Falando de Trovas e de Trovadores” e solicitamos seis trovas de sua autoria, para coroamento desta preciosa entrevista.

TROVAS DE APOLLO TABORDA FRANÇA

Com garra de trovador,
Vou seguindo meus caminhos…
Venturoso e com amor,
Num roseiral sem espinhos!

Cai a tarde, fico triste,
Pressuroso como o quê…
O coração não resiste
A saudade de você!

Poeta diz sempre o que quer,
Na verdade ou de impulsão…
Tenho certeza e assim penso,
Com você e sem vaidade!

Disse adeus à virgindade,
Optou, em seus dilemas…
Quis amar com pouca idade:
– Está cheia de problemas!

Pelas ruas da cidade,
Encontrei com Jesus Cristo…
– Faze e prega a caridade,
Para o Céu bem chega isto!

Fonte:
Falando de Trovas e de Trovadores. Nº 03 – Outubro de 2006. Editor: Lairton Trovão de Andrade. Portal CEN.

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Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas XII)

A brisa sempre é bem-vinda
nessas tardes de calor,
quando apareces tão linda
para preencher meu amor !

Aceita os versos que faço
com verdadeira emoção,
há de ter o seu espaço
dentro do teu coração !

A saudade que me assalta
E punge meu coração,
É da morena que falta
Nesta minha solidão !

Canta o poeta tristonho
seus versos desesperados,
pois que alimenta no sonho
sóbrios amores frustrados…

Contemplando a imensidão
do céu azul e do mar,
minh´alma sente a paixão
de viver para te amar !…

Coração sentimental,
a bater desesperado,
ontem teve um ideal,
hoje é brinquedo quebrado !

De novo o sol vai se pôr
na colina além do rio,
sinto saudades do amor
que me trouxe tanto brio…

Era jovem e vivia
desfrutando a mocidade…
Por que será que hoje em dia,
vivo agora de saudade?!

Era menino… e bem cedo
vivia a brincar sozinho;
o meu primeiro brinquedo
foi só… um caminhãozinho…

Estas trovas que hoje canto
com vontade de chorar,
vem do triste desencanto
de nunca mais te encontrar.

Já fui gato abandonado
e vivia ao Deus-dará…
hoje sou gato amarrado
por laços que a vida dá !

Meus cantares estão cheios
de paixão e fantasia,
meus queridos devaneios
no Universo da Poesia.

Na ascensão ou na descida,
tenham fé, queridos filhos;
não se percam pela vida
ao seguirem falsos trilhos !

Não esperes compreensão
para os poemas que escreves,
é tão longa a ingratidão,
como os momentos são breves.

No coração de quem ama
sempre haverá um lugar
para alimentar a chama
de uma paixão a queimar.

Nunca mais vou projetar
mensagens de amor ardente,
existe um outro lugar
pra quem não gosta da gente.

Onde habita a majestade
deusa do meu coração?
Ela vive na saudade
dos anos que lá se vão !

Passaram-se tantos dias
que formaram muitos anos,
se colhemos alegrias,
não faltaram desenganos.

Pelos trilhos da saudade
vai seguindo o trem do amor;
e lembrando a mocidade,
inda sou um sonhador…

Quando a saudade me aperta,
Faço uma trova, somente;
A vida fica deserta
E choro convulsamente…

Quando a saudade vier
me visitar, com certeza,
hei de lembrar a mulher
mais linda da natureza !

Quando cansado, à tardinha,
meu corpo exausto descansa,
vem a brisa e me acarinha
enchendo-me de esperança…

Quando lembro a mocidade
dos meus verdes madrigais,
sinto que a felicidade
já se foi, pra nunca mais !

Quem diz que a felicidade
Depende só do dinheiro,
Veja se compra a saudade
Com o ouro do mundo inteiro !

Quem for amigo de alguém,
precisa ter lealdade;
caso contrário, só tem
traição em vez de amizade…

Queria ter deste mundo
só flores e não espinhos;
mas um triste vagabundo
tem os dois pelos caminhos…

Sejam as trovas singelas
como as flores de um jardim,
e assim serão as mais belas
pérolas de um mar sem fim.

Tão rápida a vida passa,
nem se chega a perceber,
pois é como uma fumaça
pelo espaço a se perder…

Vivia fazendo versos,
crendo ser feliz, enfim,
vejo-os agora dispersos
e faço trovas pra mim…

Fonte:
O Autor

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Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas XI)

Alguém bate à minha porta,
vou ver quem é, num momento;
há muito tempo está morta
minh´alma gêmea… É o vento !

A manchete de jornal
sempre indica uma notícia,
que a imprensa tradicional,
é a melhor arma patrícia.

As plantinhas que cultivo
em meu jardim pequenino,
estão dizendo que vivo
pelo teu amor divino…

Cuidado com a ilusão,
romântico trovador,
pois pelo sim, pelo não,
não creias no falso amor !

Enquanto passam as horas,
fico pensando em você,
vencido pelas demoras,
qual alguém que não mais crê.

Eu serei sempre contente,
se algum dia me quiseres,
és a musa mais ardente,
entre todas as mulheres !

Eu te amei intensamente,
mas foram momentos vãos,
pois vejo que fui somente
um brinquedo em tuas mãos…

Foste a musa que escolhi,
desfolhando um bem-me-quer,
mas vejo que me iludi,
pois eras falsa, mulher !

Hoje faço quaisquer trovas
para cantar meu amor;
e por serem sempre novas,
eu lhes dou muito valor !

Imprensa livre, meu povo,
não deixe nunca acabar;
pois consegui-la de novo,
é difícil conquistar !

Já fiz trovas e fiz versos
para a linda namorada,
que depois andam dispersos
no vento da madrugada…

Labutei muito na imprensa,
fui cronista popular,
hoje sei o quanto é tensa,
a notícia divulgar…

Mergulhado no desejo
de te amar na juventude,
hoje penso de sobejo
que te amei mais do que pude.

Não há renúncia a quem quer
viver feliz nesta vida;
só o amor de uma mulher,
poderá me dar guarida.

Na vida dos sonhadores,
existe um sol que fulgura,
para aquecer os amores
que necessitam ternura…

No Dia do Trovador,
escrevo esta simples trova,
para o meu sincero amor
que a minha vida renova…

Olhavas triste, indecisa,
no meio da rua, quando
sentes o abraço da brisa
que vai assim te afagando…

O prazer de amar alguém,
é o mesmo de ser amado;
pois o amor que a gente tem,
deve ser compartilhado.

O respeito é necessário,
faz muito bem, sim senhor;
deve viver num sacrário,
vem a ser irmão do amor !

O vento leva o meu canto
pelos confins do universo;
em vez de chorar, eu canto
através deste meu verso !

Para escrever estes versos,
procuro ouvir minhas musas;
trazem-me assuntos diversos,
mas não ideias confusas.

Persegue o lobo que existe
dentro de ti, sonhador,
não sendo alegre nem triste,
fazes só versos de amor…

Por que será que na vida
nós temos contrariedades,
se depois da despedida
vamos lembrar com saudades?!

Quando te vejo passar
ao meu lado sorridente,
é difícil renunciar
ao sorriso que não mente…

Quero o amor que não ilude
e me faz amar alguém,
que tenha paz e virtude
e seja séria e do bem.

Se a chuva cai mansamente,
me fazendo meditar,
dá no coração da gente,
louca vontade de amar..

Se chorei, também choraste,
naquela tarde vazia,
hoje sou um velho traste,
já sem qualquer serventia.

Tinha tudo a meu favor
e não vivia ao relento,
se tu foste meu amor,
passaste assim como o vento…

Um casamento perdura
pela amizade e o respeito,
pois quem ama com ternura
só vê amor, não defeito !

Vou vivendo na incerteza
de assumir o nosso amor;
a renúncia tem tristeza,
da tristeza surge a dor…

Fonte:
O Autor

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Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas X)

A esperança, nesta vida,
é tudo que nos conduz,
pela estrada florescida
de sonhos de amor e luz !…

A felicidade é abstrata,
Não a podemos tocar,
É uma forte candidata
De quem vive para amar.

Alguma coisa me diz
Que um dia chegarás,
Só assim serei feliz
E quem sabe viva em paz !

Às vezes na solidão,
Eu sonho com teus carinhos,
Tento te esquecer em vão,
Pois vives em meus caminhos…

Caminhemos pela vida,
qual se fôssemos crianças,
e por mais ríspida a lida,
nunca nos falte esperanças !

Certo dia andava triste
Pelas ruas da cidade,
Foi então que tu surgiste
Pra minha felicidade.

Depois de tantos caminhos
percorridos nesta vida,
meu troféu são teus carinhos
que tenho em contrapartida.

Esquecer não é somente,
A força pra não lembrar,
É viver bem o presente
Pra não ter que retornar…

Esta chuva me visita,
vem despertando a saudade,
ao lembrar quanto és bonita,
pois és a felicidade !

Eu não sei porque sorris
Quando me vês sem ninguém,
Teus sorrisos são gentis –
Talvez precises de alguém.

Eu não te quero somente
Pela aparência exterior;
Meu querer é mais ardente,
Mais profundo meu amor.

Faça chuva, faça sol,
meu amor é permanente;
desde o surgir do arrebol,
até descer o poente.

Lá na praia se encontraram
e viveram na ilusão,
pois apenas se tornaram
namorados de verão…

Lobo da Estepe sozinho
ando à procura de alguém,
seguindo pelo caminho
que agora mais me convém.

Longe de ti me entristeço
pela falta de carinho
e pago o mais alto preço
nesta vida tão sozinho…

Meu destino é fazer versos
Pra compor as minhas trovas,
Quanto mais sejam diversos
Mais elas hão de ser novas…

Na trova tudo acontece,
que o diga meu coração,
pois amei quem não merece
possuir minha paixão.

Nesta vida surge o amor
Que vem abraçar nós dois;
E no fim do corredor
Vem a saudade depois…

O menestrel sem juízo
um dia nasceu em mim,
daquele instante, preciso
me comunicar assim…

Outrora fui solitário,
não tinha grande vaidade,
mas, hoje, sou perdulário
de tanto amor e saudade.

Quando fui apaixonado
por uma estranha mulher,
meu coração era amado
e eu não quis a quem me quer.

Quantas noites mal dormidas,
Já quase perdendo o juízo,
Ó meu bem, por que duvidas
Que é de ti que eu mais preciso ?

Quantas trovas, quantos versos,
me levaram de roldão,
a conhecer universos
existentes na ilusão…

Quem deseja ser feliz
Deve nutrir a ilusão;
Será sempre um aprendiz
Das coisas do coração.

Quem namorou algum dia,
sabe o quanto se requer,
para ter a simpatia
e o coração da mulher.

São duas jabuticabas,
Teus olhos mirando os meus,
Vou dizer-te, pra que saibas,
Meus tristes olhos são teus.

Ser feliz nesta existência
Talvez apenas consiste
Em demonstrar na aparência
Ser sempre alegre e não triste…

Ter-te comigo sozinha
Numa noite enluarada,
É toda a vontade minha
E nem desejo mais nada.

Toda noite durmo e sonho
com os teus olhos brilhantes,
porque teu rosto risonho
nem me deixa por instantes…

Tua pele morena clara
Tem um quê de sedutor,
Não sei com que se compara…
Deve ter muito calor.

Fonte:
O Autor

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Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas IX)

Anoitece lentamente
quando medito sozinho
e me quedo descontente
distante do teu carinho.

A noite desceu aos poucos
e no céu surgiu a lua
para os boêmios e loucos
que vagam a esmo na rua.

Às vezes me contradigo
sem querer, naturalmente,
pois corro sempre o perigo
de te amar inutilmente.

Como tarda anoitecer
nestes dias de verão,
quanto é difícil viver
mergulhado em solidão.

Eis que chega a primavera,
trazendo-me novo alento,
vivo o “suspense” da espera
de te encontrar num momento…

Escrevo trovas sentidas
num desabafo de dor:
são as ilusões perdidas
de certo frustrado amor.

Eu fui te ver certo dia
e apenas me confundiste;
ia cheio de alegria
e voltei magoado e triste.

Faço de conta que penso
e me concentro demais;
todavia me convenço
que não me encontro jamais…

Faço versos para alguém
que surgiu em minha vida
e agora com seu desdém
me deixou a alma ferida.

Fora bom que tu partisses
para nunca mais voltar;
assim talvez conseguisses
que eu pudesse te olvidar…

Iremos os dois sozinhos
em meio da multidão,
por diferentes caminhos
que jamais se encontrarão.

Já não canto por desgosto
e nem por felicidade,
mas, à tardinha, ao sol-posto,
eu me quedo na saudade…

Meu amor foi o mais louco,
pois nasceu de uma esperança,
que não vingou nem um pouco
e transformou-se em lembrança.

Meu coração se consterna
olhando a noite estrelada;
no mundo quem me governa
são as carícias da amada.

Minhas mágoas já são tantas
que não posso descrevê-las;
é como se pelas tantas
fosse contar as estrelas…

Nada te digo nem quero
que alguma coisa me digas;
se às vezes me desespero
eu me desfaço em cantigas…

Não estás junto comigo
nestes momentos adversos;
no entanto, pra meu castigo,
vives inteira em meus versos !

Não me iludem teus olhares
e nem tampouco teus risos:
são expansões singulares
ou desejos indecisos ?!

Não te desprezo, nem quero
o teu desprezo, igualmente;
se o amor não é sincero
procuro esquecer, somente…

Não vais chorar, certamente,
ao saberes que te quero
e creias, porém, somente
que tudo… tudo é sincero.

O calor convida ao mar
aonde o meu desejo vai,
preciso te procurar
quando a tarde aos poucos cai.

O que me causa tristeza
não é saber que não me amas,
é tão-somente a certeza
que sofres e não reclamas !

O tempo que tudo apaga
só deixa recordação,
que nem uma viva chaga
sangrando no coração.

Por mais que tente esquecê-la,
não consigo meu intento,
sempre será qual estrela,
brilhando no firmamento.

Proclamas que és minha amiga…
ou foges da realidade ?!
Não te importas que eu te diga
desejar mais que amizade ?!

Segue teu rumo que eu sigo
o meu destino também,
se não pude andar contigo
vou procurar outro alguém…

Sempre existe na existência
pra nos fazer infeliz,
um amor sem convivência
que a gente esperou e quis.

Se pudesses compreender
a paixão que me enlouquece,
nunca mais o teu viver
uma só mágoa tivesse…

Do Saber:

Sócrates assim dizia:
“Eu só sei que nada sei.”
E com tal filosofia
eu também responderei.

Tudo não passou de um sonho
tão rápido e fugidio;
um pensamento enfadonho
que de nada me serviu.

Fonte:
O Autor

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Igor Martins de Menezes em Xeque

Entrevista realizada por Graziely Neri

Nascido no Rio Grande do Sul. Ígor Martins de Menezes levou oito anos para escrever, e agora o livro está sendo publicado pela Editora Insular. Ainda na infância Igor Martins de Menezes, médico residente em São João Batista, colocou no papel suas primeiras idéias. Seu passatempo preferido era desenhar tirinhas expiradas nos personagens da Marvel. A junção de desenhos, texto e idéias se tornou pequena para um caderno e se projetou num livro de 400 páginas, publicado em dezembro de 2007 pela editora Insular.

Como surgiu a idéia do livro?

A idéia vem desde pequeno dos tempos de infância. Eu sempre fui muito aéreo mais gostava de desenhar. Cresci e quando entrei na faculdade não tinha muito tempo para isso, pois achava que devia estar estudando. É claro que também não estudava muito, pois no início da faculdade só queria festa, como todos. Resolvi pegar as idéias dos desenhos e escrever em uma agenda, onde anotava as provas e trabalhos também. Era uma forma de fugir da faculdade e aos poucos a agenda ficou pequena, passou para um caderno e depois para o segundo, quando me dei por conta que era mais fácil digitar.

Qual foi a trajetória do livro desde a criação até a publicação?

Comecei a digitar dois anos depois de começar, eu imprimi e ficou no formato de uma apostila, até então quase ninguém sabia o que eu escrevia. Ocorreu um episódio em que a família estava na casa da minha avó, na Cachoeira do Bom Jesus. A minha tia havia acabado de almoçar e iria dormir, mas queria algo pra ler entreguei o meu livro. Ela não conseguiu dormir e leu até o final, isso me inspirou a publicar.

Quanto tempo você dedicava ao livro?

Eu demorei muito para escrever por causa da faculdade tinha épocas em que eu ficava meses sem escrever, por causa dos semestres difíceis do curso. Foram uns quatro anos escrevendo. Depois de decidido que iria tentar publicar, entreguei o que já tinha feito ao meu pai, ele é professor de português.

Foi difícil fazer essa correção?

Levou mais de dois anos fazendo isso, essa foi a pior parte, pois ele tinha que corrigir uma frase, sem que ficasse de uma forma que ele escrevesse, ele tinha que manter a minha idéia. Essa parte foi estressante, mas muito boa, pois já estava formado e trabalhava o dia todo, e as noites eu ficava com ele. Tivemos um contato tão intenso que muitas noites eram eu e ele, umas cervejas, uns jogos do grêmio e churrasco. Conseguimos publicar em dezembro de 2007.

Porque a escolha de ser médico e não fazer línguas ou jornalismo algo ligado a literatura?

Eu sempre fui mais quieto, mais de observar. Fiz medicina pra fazer psiquiatria. Só comecei a escrever depois que passar na faculdade, talvez se eu tivesse feito jornalismo ou línguas, não teria escrito.

Quais os próximos projetos para o livro?

Primeiramente a divulgação das mais variadas formas. Esse ano, isso é extra-oficial, o colégio catarinense vai adotar o livro no currículo. Vou também fazer a Coperve adotar no currículo do vestibular. Isso é apenas um sonho.

O que você encontra no livro O Imortal Kalymor:

O livro conta a história de um homem (Hans Kalymor) que procura a Catedral Metropolitana de Florianópolis para realizar uma confissão sobre inúmeros crimes que ele cometeu por causa de seu amor perdido. Na busca por vingança, por um acaso do destino ele se tornou imortal e percorreu oito séculos de lutas, sofrimento e busca por um sentido em sua eternidade. Nessa caminhada, o personagem se deparou com diversos seres, místicos ou humanos, sempre na procura de conhecimento e sabedoria sobre diversos aspectos da vida, do amor, da honra, de guerras e evolução de si próprios, inclusive uma explicação plausível sobre o que seria Deus e as leis do universo.

Fonte:
http://meucursominhavida.wordpress.com/2009/05/29/o-imortal-kalymor/

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Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas VII)

Alta noite, escrevo versos,
sentindo a falta de alguém;
quem me dera que dispersos,
ela os ouvisse também…

A trova que canto agora
tem sabor de nostalgia,
por alguém que foi embora
quando mais bem a queria.

De manhã cedo levanto
e ao Senhor dos Céus imploro,
que me ajude quando canto
e me console se choro.

Desejo que o nosso amor
nunca seja de mentira;
por isto sou trovador
romântico, ao som da lira.

De tudo que amo e venero,
vem em primeiro lugar,
teu beijo doce e sincero
que me faz revigorar.

Dos versos soltos que faço,
um deles tem mais calor;
porque lembra teu abraço
e nossos beijos de amor..

Este amor que não resiste
às tentações deste mundo,
se não fosse assim tão triste,
pudera ser mais profundo.

Estivemos frente a frente,
mas nenhum de nós sorriu;
parecias diferente
que me deixaste arredio.

És uma estrela tão alta,
brilhando no firmamento,
que a minha canção exalta
no calor do sentimento.

Eu caminho lentamente
pelas areias do mar,
debaixo do sol ardente
que descamba devagar…

Eu levo a vida cantando
minhas trovas e canções;
só assim vou afastando
mágoas e desilusões.

Eu te esperei tantos anos,
até não conseguir mais
agüentar os desenganos
que o teu desprezo me traz.

Faze da trova teu lema
com grande satisfação
e terás em cada tema
um motivo de emoção.

Não façamos desta vida
um motivo de revolta;
nesta estrada sem saída
é tão difícil a volta.

Não há mentira mais louca
da que sai do coração,
pois a que nasce da boca
quase sempre é pretensão.

Nesta manhã radiante
de sol claro e resplendente,
por seres tão inconstante,
me deixas tão descontente…

Nosso amor já teve fim,
pois não esteve ao alcance
o que você quis de mim
pra ter sucesso o romance.

O amor de quem não desiste,
seja forte, seja brando,
há de permanecer triste
que nem flor que vai murchando.

O amor platônico vive
em minhas trovas também;
foi um que uma vez eu tive
e não me fez muito bem.

O amor tem prazer e pranto,
também mágoas e carinhos;
pois assim sendo, portanto,
não há rosas sem espinhos!

Para esquecer-te procuro
me envolver na multidão,
mas não me sinto seguro
e retorno à solidão.

Pelo amor sempre sonhado
e nunca correspondido,
vou cantar um verso alado
pra que chegue ao teu ouvido.

Penso em ti quando a saudade
me visita de surpresa
e na minha soledade
recordo a tua beleza.

Perdido em divagações
sento à beira do caminho,
como se as recordações
não me deixassem sozinho.

Quando te vejo sorrindo,
não consigo disfarçar,
este desespero infindo
de não poder te beijar.

Se amei e fui preterido,
pouco me importa até quando,
pois não me dou por vencido
e continuo te amando.

Se tens amor não o escondas,
proclame-o para quem é;
as paixões são como as ondas
que aproveitam a maré.

Trovas de amor e saudade
trazem mil temas diversos,
mas predomina a amizade
nascendo de tantos versos…

Tu me procuras sorrindo
e te recebo contente,
como se fosse surgindo
um novo amor de repente!

Vida de amor e saudade,
que junto com nossos sonhos,
também traz a realidade
e momentos enfadonhos.

—————–

Fonte:

O Autor

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Ialmar Pio Schneider ( Baú de Trovas VI)

A cigarra e a formiga,
pelo destino do amor:
uma executa a cantiga,
outra executa o labor.

A manhã surge radiante,
envolvendo de esplendor,
na alegria contagiante
toda a natureza em flor.

Consegues viver sozinha,
enfrentando a solidão?!
Recorda que “uma andorinha
sozinha não faz verão…”

Deixa-me ficar sonhando
em meu mundo de ilusão,
pra que vá me acostumando
a viver na solidão.

De tudo o que já perdi,
nada me causa mais dor,
do que estar longe de ti
e viver sem teu amor!

Enfrentar alegremente
as incertezas da vida,
é a maneira inteligente
de tardar a despedida.

Entre amar e ser amado,
eu não sei o que é melhor;
porém, viver desprezado,
é, sem dúvida, o pior!

Eras bonita… Eu tão feio…
mas nos queríamos tanto,
que num mesmo devaneio
nos amamos por encanto…

Mágoas de amor não tem preço:
tudo pode acontecer;
um final sem ter começo,
impossível entender…

Mas antes que a chuva caia,
prefiro sentir o vento
levantando a tua saia
para meu contentamento.

Mistura de mágoa e tédio,
esta carência de amor;
e se tomo algum remédio
mais aumenta minha dor.

Não sei se devo olvidar-te
ou ficar nesta ansiedade;
pois te encontro em toda parte,
vivendo em minha saudade…

Não sei se foi desagrado,
ou talvez ingratidão,
este punhal afiado
ferindo meu coração…

Neruda… Grande Neruda,
da “Canção Desesperada”,
careço de tua ajuda
pra cantar a minha amada!

O amor daquele que chora
por ter sido desprezado,
não tem jeito de ir embora,
fica no peito guardado.

O amor, sem paz nem sossego,
também merece louvor;
mas se não traz aconchego,
impossível ser amor.

Pelas trovas benfazejas
que solitário componho,
peço que ditosa sejas
e concretizes teu sonho.

Pelos momentos vividos
longe de ti que me encanta,
meus soluços reprimidos
vão morrendo na garganta.

Porque já chegou o outono
e foi embora o verão,
vou ficando no abandono
e minhas folhas cairão…

Por te querer me atormento
e de te amar não desisto;
para tanto sofrimento,
antes não te houvesse visto.

Por viver apaixonado
me chamam de sonhador;
porém, se amar é pecado,
sou o maior pecador.

Quando em pensamento a beijo
não sinto felicidade,
porque, afinal, meu desejo
é beijá-la de verdade.

Quantas noites mal dormidas,
pensando em que não me quer;
são as ilusões perdidas
por causa de uma mulher!…

Quem ama por conveniência
não conhece a sensação
que causa em nossa existência
o fogo de uma paixão.

Se não puderes me amar,
eu acato teu direito,
embora fique a chorar
o coração em meu peito.

Sócia de dor é paixão,
sem ter reciprocidade,
porque nos traz ilusão
e nos deixa na orfandade.

Teu encanto me seduz
nas horas que te contemplo,
toda cercada de luz
qual uma deusa num templo.

Vai romper a madrugada
neste começo do outono,
e sem pensar mais em nada
quero me entregar ao sono…

Vou caminhando sozinho
pela estrada sem ninguém,
sinto falta do carinho
que já me fez tanto bem.

Vou fazer-lhe uma proposta,
pense bem no que lhe digo:
se disser que não me gosta,
quero ser só seu amigo!

Fonte:
O Autor

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