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Aparecido Raimundo de Souza* (A Astúcia do Cachorro)

Fábula recontada e adaptada do Cancioneiro Popular.

No tempo em que os animais falavam

Conta uma lenda, um cachorro estava no meio da floresta, se banqueteando com restos de ossos, quando, atrás dele, uma onça faminta, de garfinho, faca e guardanapo no pescoço, se preparou para dar o bote. Pressentindo que iria virar almoço, o coitado, mais que depressa, pensou rapidamente numa saída. Assim, sem se virar gritou o mais alto que pode:

— HUMM!… QUE ONÇA DELICIOSA ACABEI DE DEVORAR…

Ouvindo essas palavras, a onça se assustou. Ato contínuo abortou o pulo pretendido, deu meia volta e saiu correndo, só parando alguns quilômetros depois, exausta, à beira de um riacho de águas cristalinas:

— Escapei por pouco, daquele cachorro!…

Entretanto, do alto de um abacateiro, um sem vergonha de um macaco assanhado assistiu a tudo. Dando uma de fofoqueiro, correu a contar sobre o golpe do cachorro:

— Então é isso?

— Sem tirar nem por…

— Pois ele me paga!… Venha atrás de mim e veja o que faço com quem tenta me passar a perna.

Fula da vida e babando de raiva, a onça mais que depressa empreendeu o regresso ao local levando o primata a tiracolo. Como se esperasse pelo retorno da inimiga, o cachorro, sem pensar duas vezes e, vendo a difícil situação em que se achava metido, não perdeu a esportiva e jogou a derradeira carta que lhe restava ao alcance das patas. Ou salvava a pele, ou virava, de uma vez, o prato principal da furiosa ferina, aliás, de presas afiadas, e com o sangue a aflorar a pele pintada. Sem se mexer, e ao menos se virar para o casal que estancou a poucos passos de seu rabo (podia até sentir o hálito quente dos dois), berrou com todas as forças que conseguiu reunir no fundo da garganta:

— CADÊ AQUELE MALDITO MACACO? JÁ FAZ MAIS DE MEIA HORA QUE MANDEI O SAFADO BUSCAR OUTRA ONÇA E ATÉ AGORA, NEM SINAL DO DESGRAÇADO. VOU SAIR À CATA DELE, AGORA!

Ouvindo essas palavras, o macaco que seguia a onça tratou de dar o fora trepando na primeira árvore que avistou pela frente. Na subida esqueceu algumas bananas que trazia para o almoço.

A onça, sem ação, fez o mesmo. Empreendeu meia volta, às carreiras e se embrenhou na mata virgem, deixando o cachorro às voltas com um largo sorriso de satisfação entre os dentes.

MORAL DA HISTÓRIA.
Às vezes vale mais um pensamento rápido que a fome de mil onças.

–––––––––––––––-
Aparecido nasceu no Paraná, mas se radicou em Vitória, no Espírito Santo. Jornalista de renome da Revista Isto É, a meu convite, esteve presente no dia de ontem na Semana Literária do SESC Maringá, ocasião em que autografou seu último livro (este que conta a fábula acima) e realizou uma palestra sobre o mesmo. (José Feldman)

Fonte:
SOUZA, Aparecido Raimundo de. Havia uma ponte lá na fronteira. São Paulo/SP : Ed. Sucesso, 2012.

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Wagner Marques Lopes/MG (Fábula o Lobo e o Cocheiro)

À margem de uma estrada rural, um lobo abordou um cocheiro:

– Vim caçar longe de meu covil e perdi meu caminho. Moro lá nos altos rochedos e se eu continuar fora da estrada poderei me extraviar de vez… Posso acompanhá-lo até as proximidades de minha furna?

O cocheiro refletiu:

– Um lobo, bicho que possui tanto faro, perdendo o caminho de casa?!… Isso é muito estranho!…Se eu deixar ele caminhar ao lado da carruagem, com muita agilidade, ele poderá atacar um de meus cavalos!…

       E veio a solução:

– Vou ajudá-lo… Você pode me acompanhar, mantendo uma distância de cinquenta metros da carruagem, pois o caminho está muito seco. Se você me seguir muito perto do coche, seus olhos poderão ficar prejudicados pela poeira!…

Sem saída, o lobo acatou a sugestão. E lá se foram. Em paz, o cocheiro e os cavalos… Menos o lobo.

Moral em trova

Cautela tem seu lugar –
o prudente é o mais feliz.
Há lobos que vão cear
distantes de seus covis!
1

1. Trova sobre o provérbio latino:
“QUANDO O LOBO VAI FURTAR,
LONGE VAI CEAR”.

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Wagner Marques Lopes (MG) (Fábula: As duas fofoqueiras)

Duas inveteradas fofoqueiras se espetavam:

– Eu sou a maior fofoqueira do mundo!…

 – Você se engana. Você é minha referência. Assim sendo, procuro estar sempre na sua frente. Na sua falta, o que será de mim?!… Imagino o dia que eu partir e o mundo acabar à sua volta!… Com quem você há de fofocar?!… Acredito que você irá chamar o Tédio, e depois de arengar com ele sobre a falta de graça da existência, entrará no mundo do Aborrecimento e ali, desastradamente, você irá fofocar, com seus próprios ouvidos, sobre a aridez, a obtusidade e a estupidez da própria vida!…

– Chega!… Terei que passar por tudo isso?!…

– Sim… E tem mais: finalmente você conhecerá o Desgosto… O vazio, um vale psíquico difícil de ser atravessado!…

– Seu discurso está me causando enfado… Deixe-me ir.

– Enfado maior é o provocado pela fofoca – pensou a outra.

         O Dicionário Houaiss, com três acepções, assim faz referência ao tédio:

1    sensação de enfado produzida por algo lento, prolixo ou temporalmente prolongado demais.
2    sensação de aborrecimento ou cansaço, causada por algo árido, obtuso ou estúpido.
3    sensação de desgosto, ou vazio, sem causas objetivas claras.

           Moral

No seu destino cruel
de remanso traiçoeiro,
a fofoca tem papel
de engolir o fofoqueiro…

Fonte:

O Autor

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Wagner Marques Lopes/MG (Fábula: A Águia Viajora e suas Companheiras)

Um bando de águias possuía seus ninhos nas altitudes médias de uma extensa cordilheira.

Certo dia, uma delas, causando estranhamento geral, resolveu voar em direção ao ponto culminante do maciço.

No momento de sua partida, ouviu este comentário:

– Quem já viu alguma caça lá no ponto mais alto?…

Nas grandes alturas, ela pôde apreciar todo o esplendor do sol e as brancas nuvens, que se tornavam diminutas quais farrapos de algodão… Abarcar numa visão abrangente toda a extensão do deserto, onde ela e as amigas diariamente caçavam. Assistir o panorama formado pelos rios e estradas que se perdiam à distância, com seus meandros sulcando a planície.    

Veio o entardecer e a Águia Viajora fez o seu retorno ao ninho.

    Voando com dificuldade, ela conduzia no bico uma enorme lasca    de gelo.

Tão logo ela chegou, suas companheiras passaram a alinhar palavras descaridosas, ante a inesperada novidade:

– Crás!… Demorou tanto, e ainda nos traz um pedaço de gelo!…

– Será que não são bastantes as muitas geleiras que nos cercam?!… 

– Além disso, eu acho que ela deveria ficar lá por cima em definitivo. Seria menos uma a respirar o nosso escasso ar…

As observações irônicas continuaram.

Ouviu-se um forte estrondo. O ocorrido foi numa montanha em frente. Uma grande geleira se partiu e desmoronou, anunciando, com bastante antecedência, a chegada de um rigoroso verão. As geleiras mais próximas estavam destinadas a derreter.

Todas as águias ficaram muito assustadas e foram dormir.  Com exceção da águia Viajora, que ficou ainda um bom tempo acordada; lembrando-se da explicação que ela não conseguiu transmitir às companheiras, antes do desabamento da geleira:

– Minhas amigas, o verão não tarda e as geleiras em torno irão desaparecer…  Esta lasca de gelo, dividida em muitos blocos, ao lado de outras que nós poderemos juntar, ajudarão a tornar mais amenas as temperaturas em nossos ninhos. Após as exaustivas caçadas lá no deserto, encontraremos por aqui um ambiente bem mais agradável…
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Moral em trova

Quando eu me apresso em julgar
sem ouvir o que é preciso,
a crise encontra lugar
e me apanha… Sem aviso!…

Fonte:
O Autor

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Cláudio Manuel da Costa (Fábula do Ribeirão do Carmo)

Cláudio Manuel da Costa
  SONETO

A vós, canoras ninfas, que no amado
Berço viveis do plácido Mondego,
Que sois da minha lira doce emprego,
Inda quando de vós mais apartado;

A vós do pátrio rio em vão cantado
O sucesso infeliz eu vos entrego;
E a vítima estrangeira, com que chego,
Em seus braços acolha o vosso agrado.

Vêde a história infeliz, que Amor ordena,
Jamais de fauno ou de pastor ouvida,
Jamais cantada na silvestre avena.

Se ela vos desagrada, por sentida,
Sabei, que outra mais feia em minha pena
Se vê entre estas serras escondida.
…………………………………………………..

Aonde levantado Gigante, a quem tocara,
Por decreto fatal de Jove irado,
A parte extrema, e rara
Desta inculta região, vive Itamonte,
Parto da terra, transformado em monte;
De uma penha, que esposa
Foi do invicto Gigante,
Apagando Lucina a luminosa,
A lâmpada brilhante,
Nasci; tendo em meu mal logo tão dura,
Como em meu nascimento, a desventura.
Fui da florente idade
Pela cândida estrada
Os pés movendo com gentil vaidade;
E a pompa imaginada
De toda a minha glória num só dia
Trocou de meu destino a aleivosia.
Pela floresta, e prado
Bem polido mancebo,
Girava em meu poder tão confiado,
Que até do mesmo Febo
Imaginava o trono peregrino
Ajoelhado aos pés do meu destino.
Não ficou tronco, ou penha,
Que não desse tributo
A meu braço feliz; que já desdenha,
Despótico, absoluto,
As tenras flores, as mimosas plantas,
Em rendimentos mil, em glórias tantas.
Mas ah! Que Amor tirano
No tempo, em que a alegria
Se aproveitava mais do meu engano;
Por aleivosa via Introduziu cruel a desventura,
Que houve de ser mortal, por não ter cura.
Vizinho ao berço caro,
Aonde a pátria tive,
Vivia Eulina, esse prodígio raro,
Que não sei, se ainda vive,
Para brasão eterno da beleza,
Para injúria fatal da natureza.
Era Eulina de Aucolo
A mais prezada filha;
Aucolo tão feliz, que o mesmo
Apolo Se lhe prostra, se humilha
Na cópia da riqueza florescente,
Destro na lira, no cantar ciente.
De seus primeiros anos
Na beleza nativa,
Humilde Aucolo, em ritos não profanos,
A bela ninfa esquiva
Em voto ao sacro Apolo consagrara;
E dele em prêmio tantos dons herdara.
Três lustros, todos d’ouro,
A gentil formosura,
Vinha tocando apenas, quando o louro,
Brilhante Deus procura
Acreditar do pai o culto atento,
Na grata aceitação do rendimento.
Mais formosa de Eulina
Respirava a beleza;
De ouro a madeixa rica, e peregrina
Dos corações faz presa;
A cândida porção da neve bela
Entre as rosadas faces se congela.
Mas inda, que a ventura
Lhe foi tão generosa,
Permite o meu destino, que uma dura,
Condição rigorosa
Ou mais aumente enfim, ou mais ateie
Tanto esplendor; para que mais me enleie.
Não sabe o culto ardente
De tantos sacrifícios
Abrandar o seu nume: a dor veemente,
Tecendo precipícios,
Já quase me chegava a extremo tanto,
Que o menor mal era o mortal quebranto.
Vendo inútil o empenho
De render-lhe a fereza,
Busquei na minha indústria o meu despenho:
Com ingrata destreza
Fiei de um roubo (oh mísero delito!)
A ventura de um bem, que era infinito.
Sabia eu, como tinha Eulina por costume,
(Quando o maior planeta quase vinha
Já desmaiando o lume,
Para dourar de luz outro horizonte)
Banhar-se nas correntes de uma fonte.
A fugir destinado
Com o furto precioso,
Desde a pátria, onde tive o berço amado;
Recolhi numeroso
Tesouro, que roubara diligente
A meu pai, que de nada era ciente.
Assim pois prevenido
De um bosque à fonte perto,
Esperava o portento apetecido
Da ninfa; e descoberto
Me foi apenas, quando (oh dura empresa!)
Chego; abraço a mais rara gentileza.
Quis gritar; oprimida
A voz entre a garganta
Apolo? diz, Apol… a voz partida
Lhe nega forca tanta:
Mas ah! Eu não sei como, de repente
Densa nuvem me põe do bem ausente.
Inutilmente ao vento
Vou estendendo os braços:
Buscar nas sombras o meu bem intento:
Onde a meus ternos laços. . . !
Onte te escondes, digo, amada Eulina?
Quem tanto estrago contra mim fulmina?
Mas ia por diante;
Quando entre a nuvem densa
Aparecendo o corpo mais brilhante,
Eu vejo (oh dor imensa!)
Passar a bela ninfa, já roubada
Do Númen, a quem fora consagrada.
Em seus braços a tinha
O louro Apolo presa;
E já ludíbrio da fadiga minha,
Por amorosa empresa,
Era despojo da deidade ingrata
O bem, que de meus olhos me arrebata.
Então já da paciência
As rédeas desatadas,
Toco de meus delírios a inclemência:
E de todo apagadas
Do acerto as luzes, busco a morte ímpia,
De um agudo punhal na ponta fria.
As entranhas rasgando,
E sobre mim caindo,
Na funesta lembrança soluçando,
De todo confundindo
Vou a verde campina; e quase exangue
Entro a banhar as flores de meu sangue.
Inda não satisfeito
O Númen soberano,
Quer vingar ultrajado o seu respeito;
Permitindo em meu dano.
Que em pequena corrente convertido
Corra por estes campos estendido.
E para que a lembrança
De minha desventura
Triunfe sabre a trágica mudança
Dos anos, sempre pura,
Do sangue, que exalei, ó bela Eulina,
A cor inda conservo peregrina.
Porém o ódio triste
De Apolo mais se acende;
E sobre o mesmo estrago, que me assiste,
Maior ruína empreende:
Que chegando a ser ímpia uma deidade,
Excede toda a humana crueldade.
Por mais desgraça minha,
Dos tesouros preciosos
Chegou notícia, que eu roubado tinha,
Aos homens ambiciosos;
E crendo em mim riquezas tão estranhas,
Me estão rasgando as míseras entranhas.
Polido o ferro duro
Na abrasadora chama
Sobre os meus ombros bate tão seguro,
Quem nem a dor, que clama,
Nem o estéril desvelo da porfia
Desengana a ambiciosa tirania.
Ah mortais! Até quando
Vos cega o pensamento!
Que máquinas estais edificando
Sobre tão louco intento?
Como nem inda no seu reino imundo
Vive seguro o Báratro profundo!
Idolatrando a ruína
Lá penetrais o centro,
Que Apolo não banhou, nem viu Lucina;
E das entranhas dentro
Da profanada terra,
Buscais o desconcerto, a fúria, a guerra.
Que exemplos vos não dita
Do ambicioso empenho
De Polidoro a mísera desdita!
Que perigo o lenho,
Que entregastes primeiro ao mar salgado,
Que desenganos vos não tem custado!
Enfim sem esperança,
Que alívio me permita,
Aqui chorando estou minha mudança;
E a enganadora dita,
Para que eu viva sempre descontente,
Na muda fantasia está presente.
Um murmurar sonoro
Apenas se me escuta;
Que até das mesmas lágrimas, que choro,
A Deidade Absoluta
Não consente ao clamor, se esforce tanto,
Que mova à compaixão meu terno pranto.
Daqui vou descobrindo
A fábrica eminente
De uma grande cidade; aqui polindo
A desgrenhada frente,
Maior espaço ocupo dilatado,
Por dar mais desafogo a meu cuidado.
Competir não pretendo
Contigo, ó cristalino
Tejo, que mansamente vais correndo:
Meu ingrato destino
Me nega a prateada majestade,
Que os muros banha da maior cidade.
As ninfas generosas,
Que em tuas praias giram,
Ó plácido Mondego, rigorosas
De ouvir-me se retiram;
Que de sangue a corrente turva, e feia
Teme Ericina, Aglaura, e Deiopéia.
Não se escuta a harmonia
Da temperada avena
Nas margens minhas; que a fatal porfia
Da humana sede ordena,
Se atenda apenas o ruído horrendo
Do tosco ferro, que me vai rompendo.
Porém se Apolo ingrato
Foi causa deste enleio,
Que muito, que da Musa o belo trato
Se ausente de meu seio,
Se o deus, que o temperado coro tece,
Me foge, me castiga, e me aborrece!
Enfim sou, qual te digo,
O Ribeirão prezado,
De meus engenhos a fortuna sigo;
Comigo sepultado
Eu choro o meu despenho; eles sem cura
Choram também a sua desventura.

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Esopo (A Raposa e o Bode)

Uma raposa caiu em um poço e foi obrigada a permanecer ali.

Um bode, levado pela sede, aproximou-se do mesmo poço e, vendo a raposa, perguntou-lhe se a água estava boa. E ela, regozijando-se pela circunstância, pôs-se  a elogiar a água, dizendo que estava excelente e o aconselhou a descer.

Depois que, sem pensar e levado pelo desejo, o bode desceu junto com a raposa e matou a sede, perguntou-lhe como sair.

A raposa tomou a palavra e disse:

– “Conheço um jeito, desde que nos salvemos juntos. Apóia, pois, teus pés da frente contra  a parede e deixa teus chifres retos. Eu subo por aí e te guindarei.”

Tendo o bode se prestado de boa vontade à proposta dela, a raposa, subindo pelas pernas dele, por seus ombros e seus chifres, encontrou-se na boca do poço, saltou e se afastou.

Como o bode a censurasse por não cumprir o combinado, a raposa voltou-se e disse ao bode:

– “Ó camarada, se tivesses tantas idéias como fios de barba no queixo, não terias descido sem antes verificar como sair.”

Assim também, é preciso que os homens sensatos primeiro verifiquem o resultado de uma ação antes de pô-la em prática.

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Millôr Fernandes (O Cavalo e o Cavaleiro)

Pois ainda que pareça incrível, quando o homem chegou às portas do céu, São Pedro disse:

– “Não pode entrar!”

– “Como não posso entrar? Tenho folha corrida de bons antecedentes e tenho bons antecedentes mesmo.” 

– “Sei” – respondeu  Saint Pierre – “mas no céu ninguém entra sem cavalo.”

      E o homem, não podendo argumentar com Saint Peter, voltou. No caminho encontrou um velho amigo e perguntou aonde ele ia. Disse o amigo que ao céu. Ele lhe explicou então que, sem cavalo, “neca”. O amigo então sugeriu:

– “Olha aqui, Saint Pietro já está velho. Você fica de quatro, eu monto em você. Ele não percebe nada porque já está velho e míope e nós entramos no céu.”

E assim fizeram.
Na porta, o Santo olhou o nosso herói:

“Opa, você de novo? Ah, conseguiu cavalo, heim? Muito bem, amarre aí fora e pode entrar.”

MORAL: BURRO NÃO ENTRA NO CÉU.

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Fábula (A Lebre e a Tartaruga)

A Lebre andava sempre ligeira, quase a correr como o vento, e fazia-lhe nervoso ver a pachorrenta da Tartaruga a caminhar vagarosamente para onde quer que fosse. Chovesse ou fizesse sol, houvesse perigo ou não, a Sra. Tartaruga não passava do seu passo habitual, pausado e sossegado.

Nos dias de festa, enquanto a bicharada combinava sair junta e todos se punham a andar, era certo e sabido que a velha Tartaruga ficava à cauda do rancho, a fechar a marcha, a andar compassada, tão mole, tão mole, que a Lebre tomava fôlego, andava pelas duas e punha-se à frente de todos, a correr, como lebre que era.

E um belo dia não se conteve e disse para a Tartaruga: — E se eu fosse como a senhora, já tinha morrido de aborrecimentos. Eu podia cá andar nesse passinho de enterro! Eu sempre queria vê-la a correr comigo, a ver se espertava.

Muito bem — respondeu a Tartaruga, pacatamente. — Vamos lá experimentar isso. Fazemos uma corrida de cinco quilómetros, e aposto quem vai ganhá-la sou eu.

Bonita aposta! — respondeu a Lebre — Vamos já sair de dúvidas.

Convidaram a Raposa para juiz e ambas partiram para a corrida. A Lebre, como sempre, largou veloz como um foguete e em pouco tempo se perdeu de vista. A Tartaruga, como era seu costume, deixou-se ficar a andar lentamente, a andar… a andar… pela estrada fora.

Depois de correr um bocado, a Lebre voltou-se para trás e, não avistando a Tartaruga, deu uma gargalhada.

— A esta hora ainda ela está dando as primeiras passadas. Nem me vale a pena andar mais por agora. Até tenho tempo de dormir uma soneca enquanto espero por essa papa-açorda.

E deitou-se na relva fresquinha e apetitosa que havia à beira do caminho, principiando logo a dormir. Dormiu, sonhou, ressonou… e entretanto a Tartaruga, que vinha a andar devagar, muito devagarinho, mas sem perder um momento, passou junto dela, viu como a sua contendora dormia descuidadamente, sorriu-se e continuou o seu caminho.

Quando a Lebre acordou voltou a olhar para trás.

«Ainda não há-de vir a meio caminho — pensou. — Agora em quatro pulos chego ao fim e ganhei a aposta.»

Mas quando olhou para diante viu a Tartaruga, que acabava de chegar naquele instante ao lugar combinado para o fim da corrida. Tinha ganho a aposta!

E a Lebre, abatida no seu orgulho de boa corredora, ficou a pensar:

«Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo».
Fonte:
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/historias/

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Fábula (A Gralha e a Ovelha)

Certo dia em que a Ovelha andava a pastar sossegadamente, pousou-lhe nas costas uma Gralha. Imediatamente a Gralha começou a pairar e a fazer barulho de tal maneira, que em pouco tempo a pobre Ovelha nem sabia onde tinha a cabeça.

 – Ó menina Gralha – pediu ela delicadamente – se pudesse calar-se ou fazer um bocadinho menos de barulho… Está a incomodar-me tanto…

 Em resposta, a Gralha pôs-se a tagarelar ainda mais alto e foi-se entretendo a debicar na lã da Ovelha, até lhe chegar à carne, que picou sem compaixão.

 – Menina Gralha – queixou-se a Ovelha – está a fazer-me doer!

 – Bem me rala isso…

 – Ah! se eu fosse um cão – lastimou-se a Ovelha – já não se atrevia a incomodar-me, porque eu podia tirar-lhe a vida.

 – Bem sei o que faço. Se fosses um cão não me divertia contigo. Mas és uma ovelha fraca e velha, que não faz mal a uma mosca…

 E continuou a gralhar às costas da Ovelha, e a brincar-lhe com a lã e com a carne, toda destemida, como certas pessoas, que são valentes com os fracos e humildes com os fortes.

Fonte:
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/historias/

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Fábula (O Leão e os 4 Touros)

Quatro Touros bons amigos tinham por hábito andar sempre juntos. Saíam juntos, pastavam juntos, divertiam-se juntos.

 O Leão, que morava nas proximidades, dava tratos à cabeça a ver se descobria a maneira de os fazer andar separados, cada um para seu lado, porque aquela união forte dos quatro impedia-o de atacar qualquer deles.

 – Se eu conseguisse apanhar um a jeito, de cada vez – dizia ele com os seus pêlos – tinha comida para uns poucos de dias sem me ralar nada. Mas assim… Com os quatro ao mesmo tempo é que eu não posso; davam conta de mim. Mas quem é que separa esses sócios, e de que maneira?!

 O Leão tanto pensou, tanto espremeu os miolos, até que um dia se lembrou de um meio que lhe pareceu ótimo para dividir os quatro amigos. Foi ter com a Raposa e disse-lhe:

 – Já sabe, comadre, que os nossos quatro vizinhos Touros se desentenderam?

 – Sim? —indagou a Raposa, toda interessada.

 – É verdade. Começaram ontem a discutir por causa do sítio onde iriam hoje almoçar e às duas por três puseram-se a questionar e acabaram por se insultar uns aos outros. O mais velho, então, diz tão mal dos companheiros!

 A Raposa correu a contar o sucedido ao Leopardo e ao Urso, estes passaram a outros e dentro de pouco tempo toda a floresta dizia de boca em boca o que o Leão e a Raposa iam contando acerca dos vizinhos Touros.

 Poucas horas depois isto chegava aos ouvidos dos Touros e os quatro amigos puseram-se a pedir satisfações uns aos outros. «Disseram-me que tu disseste… – Não disse nada… – Ah! isso é que disseste…»

 Então é que os quatro amigos se desarmonizaram. Ralharam, gritaram, ofenderam-se uns aos outros e acabaram por ir cada qual para seu sítio, separados pela primeira vez na vida.

 Ora isto e o que o Leão queria era precisamente o mesmo… Atacou o primeiro que encontrou só e papou-o, ao segundo fez o mesmo, ao terceiro outro tanto e o quarto foi pelo mesmo caminho.

 E os quatro amigos Touros, que tão felizes e tão fortes tinham sido enquanto viveram unidos, acabaram assim, miseravelmente, logo que acreditaram em intrigas e se isolaram uns dos outros.

 «A união faz a força».

 E aqui acaba a história.

Fonte:
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/historias/

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Fábulas (A Raposa sem Rabo)

 A prima Raposa andava à caça. Era noite fechada e nenhum de nós veria um palmo adiante do nariz. Mas a prima Raposa sabia ver de noite e, por isso aproveitava essa hora para fazer as suas caçadas; de dia cuidava dos arranjos caseiros, do asseio da sua linda pele e sobretudo do seu lindo rabo. Tinha o maior orgulho nele, e, na verdade, a prima Raposa passava por ter uma das caudas mais bonitas da família e da vizinhança.

 A caminho da capoeira próxima, a prima Raposa atravessou um quintal e outro e outro, e sem saber como, foi cair numa ratoeira de que ela nunca suspeitara e ficou presa pelo rabo.

 — Isto só a mim me aconteceria! — começou ela a lamentar-se —. Mais me valia não ter rabo! Se aqui me deixo ficar é morte certa…

 Mas, por mais que fizesse, nem o rabo se desprendia da ratoeira, nem esta vinha atrás do rabo. Porém, tanto puxou, na ânsia de se ver livre, que o ferro da ratoeira cortou-lhe o rabo e ela pôde fugir, sim, mas sem rabo: teve de lá deixá-lo.

 Chegou a casa tristíssima, por se ver privada da coisa mais bela que possuía no seu corpo e ao ver as primas e os primos todos com o seu formoso complemento, ficou ainda mais triste e começou a sentir inveja. Todos tinham cauda — uma cauda tão linda! — menos ela! E além disso passou a ser objecto de admiração: nunca tinham visto uma raposa sem rabo!

 Mas então que foi isso?! — perguntavam eles —. Como foi que ficou sem cauda, prima?

 Como foi que fiquei sem cauda, não! Porque é que a tirei! — emendou ela, resolvendo mentir, para não contar o que lhe acontecera.

 Tirou-a?! — perguntaram todos espantados.

 É a última moda — explicou ela —. É o que se usa agora entre as raposas distintas, da melhor sociedade. E vocês devem fazer o mesmo. Isso de rabo é uma moda antiga, que já só se vê entre os velhos…

 Os primos e as primas mais jovens, zelosos da sua elegância, começaram a mirar-se com desgosto, convencidos de que a prima Raposa tinha razão. Mas uma parenta velha, que sabia perfeitamente como as coisas se tinham passado, falou no meio de todos à raposa der-rabada:

 — Minha querida amiga, acredito na sua moda e nas conveniências dela, mas digo-lhe já que nós não cortaremos os nossos rabos. Se um dia nos encontrarmos na mesma situação em que a priminha se viu, então deitaremos fora o rabo, mas antes disso, não! Que os infelizes como você queiram que os outros os acompanhem, compreende-se, mas que os outros se disponham a seguir a mesma sorte de um infeliz, é que não! Quando o mal por cá tocar, veremos… Fique lá sem o seu rabo, que nós tomaremos conta dos nossos, de forma a que continuem bem inteirinhos…

 É claro que a prima Raposa teve de calar-se e nunca mais quis convencer a família e os amigos de que o ideal era as raposas não usarem rabo.

 E aqui termina a história da raposa que ficou sem rabo

Fonte:
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/historias/

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Fedro (O Cavalo e o Javali)

 Todos os dias o cavalo selvagem saciava sua sede num rio pouco profundo.

 Ali também acudia um javali que, ao remover o barro do fundo com o focinho e as patas, turvava a água.

 O cavalo lhe pediu que tivesse mais cuidado, mas o javali se ofendeu e o chamou de louco.

 Terminaram olhando-se com ódio, como os piores inimigos.

 Então o cavalo selvagem, cheio de ira, foi buscar o homem e lhe pediu ajuda.

 – Enfrentarei essa besta – disse o homem – mas deves me permitir montar em teu lombo.

 O cavalo concordou e lá foram, em busca do inimigo.

 Encontraram-no perto do bosque e, antes que pudesse se ocultar na parte mais densa, o homem lançou sua javalina e o matou.

 Já livre do javali, o cavalo foi até o rio para beber em suas águas claras, certo de que não voltaria a ser incomodado.

 Mas o homem não pensava em desmontar.

 – Alegro-me ter ajudado – disse – Não só matei essa besta mas também capturei um esplêndido cavalo.

 E, ainda que o animal tenha resistido, obrigou-o a fazer sua vontade, colocou-lhe sela e lhe fez de montaria.

 Ele, que sempre havia sido livre como o vento, pela primeira vez em sua vida teve que obedecer a um senhor.

 Estando selada sua sorte, desde então se lamenta noite e dia:

 – Tonto! Os incômodos que me causava o javali não eram nada comparados com isto. Por aumentar um assunto sem importância, terminei sendo escravo!

 Às vezes, no afã de castigar o dano que nos fazem, nos aliamos com quem só tem interesse em nos dominar.

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Almeida Garrett (Fábulas e Contos) Pelo Zurro o Burro

CONTO ACADÊMICO
Naturam expellas
Furca, tamen usque recurrat.
HORAT.
Era uma vez: diz mestre La Fontaine.
Que lho dissera Fedro seu amigo.
Que lho dissera um grego corcovado…
Pois tudo neste mundo vai por ditos,
Tudo se diz porque outros o disseram…
E talvez que não fosse La Fontaine,
Mas foi outro que tal, que vale o mesmo.
Um dia… mas o fio à minha história
Não o torno a quebrar por coisa alguma:
Poema que tem muitos episódios
Nunca pode ser bom, nem bons ser eles:
Diz padre Horácio ou outro tal como ele
Destes que intentam acanhar o génio
Com leis servis por eles arranjadas
Que, segundo a moderna guapa escota,
As não pode sofrer de tais birbantes.
Um dia pois o pai de homens e numes,
Como eu ia contando aos meus leitores…
– Se é que a sorte, que os nega a bons poetas
Mos deparar a mim, chulo trovista –
A rogos, mas de quem já me não lembra,
Asno felpudo de orelhões caídos
Quis transformar em férvido ginete;
E ao bom Mercúrio, seu fiel ministro,
Manda que o longo pêlo lhe tosquie
E um bom naco cerceie das orelhas.
Era grande o burrico, nédio e gordo.
E por milagre do supremo Jove,
Que sempre faz como este bons milagres,
Ei-lo desempenado e mui lampeiro,
Qual andaluz coroei ou égua arábia,
A par doutros corcéis se vai trotando.
O povo cavalar na forma nova
Não reconhece a burrical maranha.
Como eles folgazão retouça e pula,.11
Ladeia, faz coroavas, trava o passo,
Enfim parece – tanto podem numes
E tal é o poder de um bom milagre! –
Cavalo-mestre e feito em picaria.
– Qual rústico peão de bronca aldeia
De tamancos nos pés, no saco a broa,
Que vem para embarcar lá da província,
E para um tio, que é senhor de engenho,
Ricaço em pretos, em arroz, melaço,
Engoiado aprendiz vai ser caixeiro:
Morre-lhe o tio, eis o rapaz num sino,
Vende pretos e pretas e melaço,
E vem, Creso de cocos e patacas,
Meter toda Lisboa num chinelo:
Já por boas, luzentes amarelas
Serôdio compra fidalguesco foro…
Dantes – que hoje a visita da saúde,
Em cheirando a caturra, a bordo o prende,
E é já barão quando põe pé em terra.
Ei-lo que alteia os ombros encolhidos,
Entufa em vento as bochechudas belfas,
Empina a pança, engrossa a voz pausada.
E no tropel dos nobres envolvido,
Se o não conheces, crera-lo provindo
Dos que nos velhos pergaminhos vivem.
Tal já desorelhado e ufano o burro
Entre altivos ginetes campeava.
Mas, oh! fado infeliz, mesquinha sorte!
Quando entre os novos ledos companheiros
Se vai trotando com pimpão meneio,
Ei-lo depara com vilã jumenta
De hirsuta felpa e de costado esguio,
Que os fios corta d’alma a quem a via,
Como bem diz Latino-luso vate
De mui gaiata e festival memória,
Súbito esquece o recém-nobre estado,
Lembram-lhe antigos, burricais requebros
E o tom galanteador de asnal namoro:
Estira amante o beijador focinho,
E em notas de invejar por um Lablache,
Salmeia airoso, compassado orneio,
Deixa os amigos e a zurrar se fica?
Ora pois, como fez o senhor lave,
Fez certo grão senhor de letras gordas
E protector das magras. – Foi milagre
Que pela intercessão foi operado
De uma a que chamam deusa da Sandice,
De outra Impostura e de outra Pedantice…
Começa o caso co outro parecido.
Havia em certa terra muito longe,
Lá nas pontes dos pés deste hemisfério,
Que dizem fora outrora povoada
Por certo beberrão feitor de Saco,
Havia uma família de animálculos,
Zoófitos, e quase microscópicos,
Aos quais Lineu, que achou nomes a tudo,
Nunca deu nome, nem espécie ou género,
Nem eu lho sei também, só sei que arrotam
Textos, medalhas, químicas rançosas,
Que trazem na algibeira um compassinho,
Muito acanhado, curto e pequenino,
Talhado ao molde dos miolos deles,
Com que querem medir todo este mundo.
Destes pois – e aqui vai o grão milagre –
Burros na forma, na ciência burros,
Mas burros mais que tudo na cachola,
Quis o tal grão senhor citado acima
Fazer– ó musa o quê? – Dize, não temas,
Não fujas, diz e vai-te. – «Uma Academia»
Disse a musa e safou-se às gargalhadas.
Mas que Academia! – Oh! venham as brilhantes
De Londres, de Paris, de Petersburgo
Beber aqui ciência não sabida
De assopradas, pomposas ninharias.
Que produções, que produções! Oh quanto
Quanto seria mais se um deus maligno,
Inimigo dos guapos académicos,
Das três que Deus nos deu potências de alma
Lhes não sacasse duas à sorrelfa,
Deixando só memórias e memórias…
Quanto seria mais, quanto fulgira
Em gordos, grossos, grandes calhamaços
A portuguesa, majestosa língua,
Se os novos sábios, no começo à empresa,
A antigas manhas não perdendo o afinco,
Não encontrassem por desgraça nossa
Cum pérfido azurrar – zurrar maldito!…
Ficaram no Azurrar sempre zurrando.
Coimbra – 1818..13
Fonte:
Obra digitalizada e revista por Deolinda Rodrigues Cabrera. Projecto Vercial, 2000. http://www.ipn.pt/literatura

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Ana Maria Machado (Os Dois Ratinhos)

Era uma vez dois ratinhos. Bom, na verdade, eram dois camundongos, desses bem pequeninos que vivem nas casas velhas. E era mesmo onde eles moravam, numa casa de fazenda que já tinha sido de avós e bisavós de gente. Por isso, a madeira cedia num lugar, o reboco descascava em outro, um pedacinho de taipa caía mais adiante… Era uma maravilha de moradia para ratinhos e camundongos. Havia túneis pelas paredes, amplas avenidas no forro e vastos descampados no porão, além de ruas e vielas por todo o esqueleto da casa.

Pois uma dessas ruas é a que nos interessa — e era a que mais interessava a eles. A que desembocava na cozinha.

Uma noite, os dois camundongos saíram para um passeio na cozinha. Era sempre uma festa.

Tinha lingüiça no fumeiro por cima do fogão de lenha.

Tinha chouriço pendurado na despensa.

Tinha queijo na prateleira.

Tinha um saco de fubá num canto.

Tinha tanta coisa para comer que nem dá para lembrar tudo.

Os dois ratinhos se banquetearam, se empanturraram, até se fartarem. Depois, deu sede. Mas um deles ainda tinha lugar na barriga para comer mais um bocadinho. Enquanto discutiam se já deviam ir beber água ou não, viram uma tigela imensa, coberta por um pano de prato de beiradas bordadas em ponto de cruz.

Foram olhar de perto. Era leite que a cozinheira deixara para fazer coalhada. Uma tigela cheinha, quase transbordando.

Pronto! Era a solução! Assim, matavam a sede e o restinho de fome ou gulodice ao mesmo tempo.

Mas, quando se equilibraram na borda da tigela para beber, um deles perdeu o equilíbrio e plaft! Caiu lá dentro. Na queda, tentou se agarrar ao rabo do outro e plaft! O segundo ratinho também caiu.

Começaram a tentar sair. Mas era difícil, as bordas da tigela escorregavam. E eles estavam pesados, de barriga cheia. Nadaram e se debateram, mas não dava para se apoiarem e sair. Foram nadando, se debatendo e ficando cansados.

Um deles simplesmente desistiu. O outro resolveu que não ia entregar os pontos. Nadava, nadava, mesmo que fosse em círculos, só para não parar de lutar. Quando cansava muito, boiava ou se agarrava às bordas e depois voltava a nadar. Passou assim a noite toda.

De manhã, quando a cozinheira chegou à cozinha e levantou o pano de prato bordado que cobria a tigela de coalhada, teve duas surpresas. Lá dentro tinha um camundongo morto. Mas a surpresa maior não foi essa. Foi ver que a coalhada tinha virado manteiga, de tanto ser batida. E, por cima, havia muito nítido um caminho feito de rastros — as pegadas frescas de um ratinho que saíra caminhando sobre a manteiga e fora embora.

Moral: se é fábula, tem que ter moral, mas eu prefiro que você a descubra. 
Como utilizar o texto em sala de aula
Em Os Dois Ratinhos, Ana Maria Machado reconta uma fábula tradicional que, como toda fábula, possui uma moral. A escritora optou por não revelá-la, convidando cada leitor a descobrir por conta própria a lição embutida no texto. Você pode enriquecer essa proposta em classe, aprofundando a leitura com atividades interdisciplinares. É o que sugere Lúcia Pimentel Góes, coordenadora da área de Literatura Infantil e Juvenil na Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP). Depois de se empanturrarem com a história em aulas de Ciências, Português, Matemática e Educação Artística, os alunos devem chegar a morais diferentes. “E isso é ótimo”, afirma Lúcia. “Ler descobrindo, criando e recriando é sempre mais prazeroso.” 
UM PRATO CHEIO DE IDÉIAS
Em Português, amplie o vocabulário da turma. Proponha que escrevam receitas usando expressões como tigela, coalhada, chouriço, lingüiça. Ilustre a atividade com uma visita à cozinha da escola, onde as crianças irão preparar o que elaboraram. Pratos prontos, organize uma “feirinha” gastronômica e convide alunos, pais e outros professores para se deliciarem. A feira também é oportuna para explicar operações matemáticas. Com dinheirinho fictício, algumas crianças “pagam” pelas guloseimas, enquanto outras aprendem a calcular o troco.
LIÇÃO DE HIGIENE
Na aula de Ciências, aguce a curiosidade das crianças revelando que um rato é diferente de um camundongo. Mas em quê? Para responder à pergunta, a turma pode se dividir em grupos e estudar as características de cada animal: as espécies às quais pertencem, o espaço onde vivem, como fazem seus ninhos e do quê se alimentam. Aproveite e passe noções de higiene. No conto, os ratos aparecem como bichinhos simpáticos, que passeiam com tranqüilidade por um cozinha repleta de utensílios e alimentos. É importante explicar a seus alunos que, apesar da aparência inofensiva, a grande maioria desses roedores transmite doenças ao ser humano — entre elas, a leptospirose. Por esse motivo, são necessárias precauções para mantê-los longe de casa. 
NA COLA DOS RATINHOS
Juntamente com seus alunos, reproduza o passeio dos ratinhos pela casa de fazenda até chegar à cozinha. Repleto de objetos, dispostos cada um de uma maneira, o cômodo instiga à produção de um inventário. As crianças podem pesquisar as peculiaridades da arquitetura de uma casa de fazenda, do seu mobiliário, da vizinhança. Para tanto, devem recorrer a livros e a entrevistas com profissionais como pedreiros, arquitetos e engenheiros. Esse texto descritivo será o alicerce da construção de uma maquete durante a aula de Educação Artística.
Fonte:
Nova Escola. Contos, Fábulas e outros.

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Esopo (Fábula 21) O Cão e a Ovelha

Uma vez, um cão processou uma ovelha por dívida e acordaram que os juízes da questão seriam um falcão e um lobo. Os dois juízes não levaram muito tempo a resolver o caso, decidindo a favor do cão. Imediatamente, este atirou-se à ovelha, estraçalhando-a e dividindo os pedaços com os dois juízes.

Moral da história

 Não interessa se a acusação é justa ou injusta quando o juíz e os jurados conspiram contra o acusado.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 20: As Lebres e as Rãs)


Eram uma vez umas lebres que acharam que não estavam satisfeitas com as condições em que viviam e convocaram uma reunião para resolverem o problema. “Nós vivemos”, disse uma, “á mercê dos homens, dos cães, das águias e de toda a espécie de animais que nos dão caça. Estamos sempre com medo, constantemente em perigo, e acho que é melhor morrer, de uma vez para sempre, do que viver continuamente com medo, o qual é pior do que a própria morte.”

As outras lebres concordaram com a que falara, e decidiu-se que se afogariam todas. Correram ao rio mais próximo para realizarem o terrível acto. Quando alcançaram o rio, surpreenderam uma multidão de rãs, assustadas com a chegada das lebres, e que se tinham atirado à água por uma questão de segurança.

“Esperem!”, disse a mais esperta das lebres. “Temos de ser mais pacientes. A nossa vida não é tão má como nós imaginávamos; estas rãs têm tanto medo de nós como nós dos outros!”

Moral da história

 Dificilmente existe um estado de vida capaz de satisfazer a todos; de facto, poucas pessoas estão em tão más circunstâncias que não consigam encontrar ninguém ainda mais miserável do que elas.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 19: O Velho Cão e o Seu Dono)


Havia um homem que tinha um cão cheio de vida, que acompanhava o dono em muitas caçadas e nunca deixara de ser um bom e leal servidor. Por fim, quando o cão ficou velho e cansado, incapaz de correr depressa, a única recompensa que o dono lhe dava era bater-lhe duramente. “Dono”, disse o cão, “Tenho tão boa vontade como dantes, mas faltam-me as forças e os meus dentes estão a cair. Perdes o teu tempo a bater-me, porque eu não posso trabalhar melhor e tu não podes curar a minha velhice.”

Moral da história

Trabalhar muito e arduamente é um mérito por si só; um servo fiel e verdadeiro só pode esperar recompensa no outro mundo.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 18: A Porca e o Lobo)


Uma porca acabava de parir os seus porquinhos, quando um lobo veio visitá-la. No fundo, este só pensava em devorar um dos porquinhos, mas não sabia bem o que fazer. Então, perguntou à porca como estava de saúde, dizendo-lhe: “Se alguma vez te puder ser prestável, procura-me. Talvez necessites de fazer exercício e apanhar um pouco de ar puro. Se quiseres, tenho muito gosto em tomar conta da tua família.” Contudo, a porca tinha percebido o plano do lobo. “Muito obrigada, Sr. lobo”, disse ela, “percebo-te muito bem, e o maior favor que podes fazer aos meus porquinhos é ficares bem longe!”

Moral da história

Não há ardil tão perigoso como o que é tramado por uma pessoa que se faz passar por amiga.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 17: A Raposa e o Crocodilo)

Uma raposa e um crocodilo estavam a discutir a pureza das suas árvores genealógicas. O crocodilo falou demoradamente acerca da sua famosa família e da grandeza dos seus antepassados.

“Não precisas de dizer mais nada”, disse-lhe a raposa, sorrindo sarcasticamente, “porque não há melhor prova da tua origem que a tua pele. És tão feio, que não há dúvida de que descendes duma longa linhagem de aristocratas.”

Moral da história


Os grandes gabolas e mentirosos acabam quase sempre por se trair.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 16: As Rãs Que Queriam Ter Um Rei)


Em tempos que já lá vão, quando as rãs viviam à solta nos lagos, elas cansaram-se de não terem governo e pediram a Júpiter que lhes desse um rei que pudesse dizer-lhes o que estava certo e o que estava errado, fazer leis e decretar recompensas e castigos.

Desdenhando a loucura delas, Júpiter atirou-lhes um pau, dizendo com a voz trovejante:

“Eis o vosso rei!”

O pau causou um tal reboliço ao cair na água que as rãs entraram em pânico e dirigiram-se para o lodo, a fim de se esconderem. Passado um momento, uma rã, mais destemida do que as outras, levantou a cabeça, à procura do novo rei.

Até subiu para cima do pau… e as outras seguiram-na. Em breve tinham perdido o medo e isto levou-as a desprezar o seu novo “rei”.

“Este rei”, disseram elas a Júpiter, “é muito frouxo. Por favor, manda-nos um que tenha autoridade.”

Então, Júpiter mandou-lhe uma cegonha e, durante muito tempo, as rãs, vendo o seu longo pescoço, ficaram sem saber se seria uma serpente ou uma cegonha. Então, a cegonha começou a comer as rãs, que fugiram e foram queixar-se a Júpiter, pedindo-lhe que a levasse e lhes desse outro rei.

“Se não estão contentes quando as coisas correm bem”, disse Júpiter, “têm de ter paciência quando as coisas correm mal.”

Moral da história

Satisfaz-te com a tua situação atual, mesmo que seja má, porque uma mudança pode piorar as coisas ainda mais.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 15: A Andorinha e os Outros Pássaros)


Uma andorinha, tendo visto um lavrador semear visco no campo, mandou reunir todos os pássaros e disse-lhes que o visco servia para fazer redes de passarinhos e armadilhas. A andorinha pediu-lhes para que a ajudassem a apanhar as sementes e destruí-las. Embora ouvissem o que ela lhes disse, os outros pássaros não fizeram nada e, assim, com o tempo, o visco rebentou, ganhando raízes no solo. Mais uma vez, a andorinha avisou-os, dizendo-lhes que ainda não era tarde para evitarem as complicações se actuassem imediatamente. Mas os pássaros continuaram a ignorá-la e a andorinha deixou os bosques e foi viver na cidade.

O visco cresceu alto e forte e foi colhido. Mais tarde, a andorinha viu alguns dos pássaros que tinham sido apanhados recentemente nas redes feitas com o visco contra o qual ela os avisara. Agora, eles tinham aprendido a lição, mas era demasiado tarde.

Moral da história

Os homens sábios sabem prever os efeitos de certas causas, mas os loucos nunca acreditarão neles, até ser demasiado tarde para impedir o desastre. Demoram-se e arriscam-se.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 14: Os Galos Brigões e a Águia)


Uma vez, dois galos travaram um duelo para se decidir qual havia de ser o rei da capoeira. Por fim, um deles venceu o outro, que fugiu para um canto e se escondeu. O outro voou para cima do telhado da casa e fez um grande alarido, cantando e batendo as asas, a fim de celebrar a vitória.

O ruído atraiuuma águia, que desceu a pique e levou o galo. Como resultado, o outro galo tornou-se o rei da capoeira.

Moral da história

O vencedor duma disputa deveria ser sempre modesto na vitória, porque nunca se pode ter a certeza do que virá a seguir.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 13: O Leão e o Rato)

Sentindo-se ensonado, um leão deitou-se à sombra duma árvore a descansar, quando um rato lhe trepou para cima e o acordou. Soltando um rugido, o leão bateu com a pata no rato e estava quase a matá-lo, quando a pequena criatura lhe disse: “Por favor, não me mates! Não é digno de uma criatura tão nobre como tu destruir um rato pequeno e insignificante como eu.”

Apiedando-se, o leão deixou fugir o rato. Passado algum tempo, durante uma caçada, o leão caiu numa armadilha e soltou um grande rugido. O rato ouviu o leão e correu em seu auxílio, dizendo: “Não tenhas medo, eu sou teu amigo!” E, sem dizer mais nada, o rato roeu as malhas da rede e em breve o leão estava solto.

Moral da história

Não há no mundo nenhum ser tão grande e tão importante que nunca venha a precisar do auxílio dum pequeno e insignificante.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 12: Júpiter e o Camelo)

Uma vez, o camelo foi ter com o bondoso Júpiter e queixou-se dos seus grandes agravos. “Eu não sou como as outras criaturas”, disse ele, “porque não tenho cornos, nem dentes, garras ou outras armas para me defender dos ataques dos meus inimigos. Peço-te que me concedas uma coisa de jeito.”

Júpiter ficou irritado com um pedido tão impertinente e, em vez de satisfazer os desejos do camelo, ordenou que as orelhas do animal fossem cortadas cerces como castigo.

Moral da história

Os privilégios da natureza foram divididos por todas as criaturas de tal modo a que cada uma tenha a sua parte. Pedir que tais coisas sejam modificadas é desafiar a própria Mãe Natureza. Devemos contentar-nos com aquilo que ela nos concedeu.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 11: A Raposa e o Corvo)


Uma raposa viu um corvo empoleirado numa árvore, com um naco de carne no bico, e cresceu-lhe água na boca. A manhosa da raposa, que queria roubar a carne ao corvo, começou a lisonjear a ave. “Que lindo que tu és!”, disse a raposa. “Que penas delicadas!
Nunca vi outras mais belas do que as tuas! Que esbelto e gracioso que és e que voz deliciosa!”

O corvo ficou muito satisfeito ao ouvir estas belas palavras e começou a saltitar no ramo. Então, para provar a si mesmo que tinha uma voz maravilhosa, abriu a boca para cantar. Imediatamente, o naco de carne caiu-lhe da boca, mesmo na direção da raposa, que o engoliu, toda contente com a sua brilhante ideia.

Moral da história

Há no mundo pessoas que não se deixam vencer pela lisonja.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 10: O Corvo e o Mexilhão)


Um dia, o corvo encontrou um mexilhão á beira-mar e começou a bater com o bico na concha, mas, por mais que tentasse, não conseguia abrir o mexilhão.

Nessa altura, apareceu outro corvo. “Porque não segues o meu conselho?”, disse este. “Leva o mexilhão para o ar, o mais alto que puderes, e então deixa-o cair sobre aquela rocha. Verás que o mexilhão se há-de abrir com o seu próprio peso.”

O primeiro corvo seguiu o conselho do outro e, de facto, o mexilhão partiu-se ao bater na rocha.

Então, quando a ave voou em direção á sua presa, o segundo corvo precipitou-se sobre ela, agarrou no molusco e fugiu.

Moral da história

A caridade começa em casa, e muitas pessoas só são caridosas com o seu semelhante para servirem os seus próprios interesses.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 9: O Rato do Campo e o Rato da Cidade)

Uma vez, um rato do campo convidou um velho amigo, um rato da cidade, para o visitar e  resolveu dar ao seu amigo o melhor de tudo o que tinha: côdeas com bolor, aparas de queijo, farinha de aveia velha, toucinho rançoso e outras coisas mais. Por fim, o amigo da cidade disse:

“Meu velho amigo, deixa-me ser franco. Por que ficas aqui. a passar mal, a apanhar migalhas e a ser miserável, quando podias ir para a cidade comigo? Ali podias gozar o conforto e os prazeres da vida citadina.”

E lá foram os dois. Por volta da meia-noite chegaram ao seu destino. O rato da cidade mostrou ao amigo a despensa e, mais tarde, foram os dois para a sala de jantar, onde encontraram, ainda sobre a mesa, os sobejos duma magnífica refeição.

Mas, de repente, a porta abriu-se e entraram dois homens com os seus cães, fazendo uma tal barulheira que os dois ratos ficaram terrivelmente assustados. Quando tudo se acalmou, o rato do campo disse:

“Meu caro amigo da cidade, se é assim que se vive na cidade, prefiro voltar para a minha casa de campo com o meu queijo rançoso e as minhas côdeas duras.É melhor estar no meu próprio buraquinho, sem medo e sem correr perigo, do que ser dono do mundo inteiro com os seus sustos e os seus cuidados.”

Moral da história

 Uma vida modesta na pacatez do campo vale mais do que todas as riquezas do mundo, quando estas trazem preocupações e problemas.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 8: O Javali e o Burro)

Um dia, um burro encontrou um javali e, como estava alegre e bem disposto, zurrou e cabriolou em frente deste. “Como estás, meu amigo, como estás?”, zombou o burro.
O javali ficou aborrecido com estas familiaridades e eriçou o pêlo, arreganhando os dentes.
“Ora esta, amigo! Que impertinência!”.
Estava para se atirar ao burro quando, controlando-se, disse: “Vai-te embora, estúpida criatura! Não me custava nada vingar-me de ti, mas não vale a pena sujar as minhas presas com um burro tão tolo!”
Moral da história
É indigno dum espírito elevado argumentar com gente sem nível nem coragem.
Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 7) O Lobo e a Cegonha


Ao devorar a sua presa, o lobo ficou com um osso entalado nas goelas, o que lhe causou tamanha dor que o bicho desatou a correr e a uivar, pedindo a todos os que encontrava que o ajudassem. Por fim encontrou uma cegonha, à qual o lobo prometeu uma recompensa se ela conseguisse tirar-lhe o doloroso objeto. A cegonha fez o que lhe foi solicitado e, depois de tirar o osso, pediu ao lobo a sua recompensa.

“Que imprudência!”, disse o lobo. “Meteste a cabeça dentro da minha boca e eu facilmente a podia ter arrancado. Em vez disso, permiti-te que a retirasses com a maior segurança. Não te parece que é uma recompensa suficiente ?”

Moral da história

Diz-se que uma boa ação merece recompensa, mas quem lida com animais selvagens (e há muitos homens que não são melhores que estes) e escapa com vida não deve esperar outra recompensa.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 6: O Cão e a Sombra)


Um cão, que levava um naco de carne na boca, passava numa ponte sobre um rio, quando viu a sua sombra refletida na água lá em baixo. Pensando que era outro cão que levava um segundo naco de carne, o insaciável do cão não resistiu a atirar-se à água para lhe roubar a carne. É claro que, em vez de lhe roubar o segundo naco de carne, perdeu o que tinha, que caiu ao fundo do rio.

Moral da história

Quem tudo quer, tudo perde. A cobiça acaba por perder aquilo que deseja, e aquele que pretende mais do que lhe é devido merece perder o que tem.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 5: O Leão, o Urso e a Raposa)


Um leão e um urso tinham apanhado um veadinho que depressa mataram. Mal o fizeram, começaram os dois a brigar para ficarem com ele. Tão longa e dura foi a batalha que, por fim, ficaram cansados e deitaram-se para ganhar fôlego.

Nesse momento, uma raposa que por ali passara correu como uma seta, agarrou no veado e levou-o. Os dois rivais tinham visto o que se passara, mas estavam muito cansados para interferir.

“Que tolos nós fomos!”, disseram eles. “Em vez de nos contentarmos em dividir a nossa presa, lutámos um com o outro, e agora perdemos tudo por causa da esperta da raposa!”

Moral da história

Quando duas pessoas litigam pelos seus direitos, acontece muitas vezes que um terceiro, mais inteligente, se aproveita da presa.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 4: O Milhafre e os Pombos)


Uns pombos, que tinham sido atacados por um falcão, foram ter com um milhafre e pediram-lhe que os protegesse. O milhafre foi devidamente coroado como rei dos pombos e prometeu solenemente guardar os seus súditos.

Mas, passado pouco tempo, o milhafre disse-lhes que agora era o rei e que tinha o direito de levar e comer um pombo sempre que lhe apetecesse. O resto da família do milhafre fez o mesmo, e os pombos depressa compreenderam que o milhafre estava a causar maior perturbação em poucas semanas do que o falcão causara em muitos meses.

“Não merecemos outra coisa!”, lamentaram-se os pombos. “Não o devíamos ter deixado entrar!”

Moral da história

É perigoso pedir a proteção dum homem perigoso e cheio de ambições. Pode estar unicamente interessado a proteger-se a si próprio.
——

Nota:
Milhafre, também conhecido por milhano ou bilhano, é a designação comum dada às aves do género Milvus e Circus da família Accipitridae. Nos Açores a designação corresponde às aves da espécie Buteo buteo ssp. rothschildi, também chamadas queimado ou águia-de-asa-redonda.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 3: O Lobo e o Cordeiro)


Estava um lobo a beber água num rio, quando avistou um cordeiro que também bebia da mesma água, um pouco mais abaixo. Mal viu o cordeiro, o lobo foi ter com ele.

“Que vem a ser isto, seu malandro ?”, disse o lobo. “Que pretendes, turvando a água para que eu não possa bebê-la ?”

“Desculpa”, replicou o cordeiro, “mas, como eu estava a beber mais abaixo, não pensei sujar a água onde tu estavas.”

O lobo estava resolvido a brigar com o cordeiro.

“Pode ser”, disse ele “mas há uns meses disseste mal de mim nas minhas costas, seu malvado.”

“Não pode ser”, disse o cordeiro.”Há seis meses eu ainda nem sequer tinha nascido!”

“O quê?”, disse o lobo. “Não tens vergonha? Toda a tua família sempre odiou a minha. Se não foste tu que disseste mal de mim, foi o teu pai!”

E, dizendo isto, o lobo saltou para cima do pobre cordeiro, despedaçou-o e comeu-o.

Moral da história

Os que são desprovidos de sentimentos humanos raramente darão ouvidos à voz da razão.
Quando o poder é dado à crueldade e à injustiça, é inútil argumentar contra eles, porque o
opressor achará sempre maneira de culpar a sua confiada vítima.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 2: A Gralha e os Pavões)


Era uma gralha muito orgulhosa e vaidosa que, como estava descontente com a vida, apanhou umas penas de pavão que tinham caído no chão. Espetou-as no meio das suas próprias penas e foi ter com os pavões. Mas em breve as penas começaram a cair, e os pavões atacaram-na com os seus bicos aguçados.

Muito triste, a gralha procurou as suas antigas companheiras, desejosa de tornar a viver com elas. Mas as outras gralhas, lembrando-se do modo como ela se comportara, ignoraram-na.

“Amiga”, disseram-lhe, “podias ter ficado conosco e estar contente, mas preferiste trocar-nos por uma companhia mais brilhante. Nessa altura não precisaste de nós, agora somos nós que não precisamos de ti.”

Moral da história

Nós roubamo-nos uns aos outros de muitas formas e por muitas razões, mas o orgulho e a ignorância só tornam as pessoas ridículas.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Esopo (Fábula 1: O galo e a jóia)


Um galo novo, junto dumas galinhas, esgravetava o chão perto duma quinta, quando desenterrou um diamante. É claro que sabia o que aquilo era, porque brilhava á luz do sol. Olhou duvidoso para a bela pedra, pôs a cabeça á banda e disse:

“És mesmo bonita! Se aqui estivesse um joalheiro para te ver, ficaria muito feliz, mas para mim, não vales nada. Na verdade preferia um grão de cevada a todas as jóias deste mundo!”

Moral da história

Quem sabe o que realmente quer encontrará sempre satisfação. Sábio é aquele que prefere as coisas necessárias aos enfeites cintilantes, que só servem o orgulho e a vaidade.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

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Fábula (A Cobra e o Vagalume)


Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um vagalume. Ele fugia com medo da feroz predadora, mas a cobra não desistia. Um dia, já sem forças, o vagalume parou e disse à cobra:

– Posso te fazer 3 perguntas?

– Podes. Não costumo abrir esse precedente, mas já que vou te comer, podes perguntar.

– Pertenço à tua cadeia alimentar?

– Não

-Fiz-te alguma coisa?

– Não

-Então porque é que queres me comer?

– PORQUE NÃO SUPORTO VER-TE BRILHAR!!!”

Moral: Inveja

Fonte:
Fábula enviada por Raquel Santos. Autor anônimo.

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Jean de La Fontaine (Fábulas) A Raposa e a Cegonha

Ilustração de Gustave Doré
Quis a raposa matreira,

Que excede a todas na ronha,

Lá por piques de outro tempo,

Pregar um ópio à cegonha.

Topando-a, lhe diz: “comadre,

Tenho amanhã belas migas,

E eu nada como com gosto

Sem convidar as amigas.

De lá ir jantar comigo

Quero que tenha a bondade;

Vá em jejum porque pode

Tirar-lhe o almoço a vontade.”

Agradeceu-lhe a cegonha

Uma oferenda tão singela,

E contava que teria

Uma grande fartadela.

Ao sítio aprazado foi,

Era meio-dia em ponto,

E com efeito a raposa

Já tinha o banquete pronto.

Espalhadas num lajedo

Pôs as migas do jantar,

E à cegonha diz: “comadre,

Aqui as tenho a esfriar.

Creio que são muito boas –

Sans façon – vamos a elas.”

Eis logo chupa metade

Nas primeiras lambidelas.

No longo bico a cegonha

Nada podia apanhar;

E a raposa em ar de mofa,

Mamou inteiro o jantar.

Ficando morta de fome,

Não disse nada a cegonha;

Mas logo jurou vingar-se

Daquela pouca vergonha.

E afetando ser-lhe grata,

Disse: “comadre, eu a instigo

A dar-me o gosto amanhã

De ir também jantar comigo.”

A raposa labisqueira

Na cegonha se fiou,

E ao convite, às horas dadas,

No outro dia não faltou.

Uma botija com papas

Pronta a cegonha lhe tinha;

E diz-lhe: “sem cerimônia,

A elas, comadre minha.”

Já pelo estreito gargalo

Comendo, o bico metia;

E a esperta só lambiscava

O que à cegonha caía.

Ela, depois de estar farta,

Lhe disse: “prezada amiga,

Demos mil graças ao céu

Por nos encher a barriga.”

A raposa conhecendo

A vingança da cegonha,

Safou-se de orelha baixa,

Com mais fome que vergonha.

Enganadores nocivos,

Aprendei esta lição.

Tramas com tramas se pagam,

Que é pena de Talião.

Se quase sempre os que iludem

Sem que os iludam não passam,

Nunca ninguém faça aos outros

O que não quer que lhe façam.

Fonte:

La Fontaine. Fábulas. SP: Martin Claret, 2005.

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Jean de La Fontaine (Fábulas) Os Médicos

Desenho de Gustave Doré
Certo médico chamado,

De alcunha, o Tanto-melhor,

Foi visitar um doente,

Do qual o Tanto-pior

Era médico assistente.

O último, sempre funesto,

Que o doente morreria

Altamente sustentava,

E o Tanto-melhor dizia

Que o dobre enfermo escapava.

Houve sobre o curativo

Mui grande contestação;

Um aplicava calmantes,

O outro armava uma questão

Em favor dos irritantes.

No fim de tanto debate,

O enfermo a vida. perdeu,

E o Tanto-pior clamou:

– Vejam qual de nós venceu!

Se o meu cálculo falhou.

Tornou-lhe o Tanto-melhor,

Mostrando um vivo pesar:

– Pois eu sempre afirmarei

Que morreu por não tomar

Os remédios que indiquei.

Em quanto a mim, se os tomasse,

Morrer havia igualmente;

Mas é desgraça maior

Cair um pobre doente

Nas mãos de um Tanto-pior.

Fonte:

La Fontaine. Fábulas. SP: Martin Claret, 2005.

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Tatiane Leite da Silva (Fábula)

A Lebre e a Tartaruga (Ilustração de Emerson Fialho)
O leão e o camundongo, a lebre e a tartaruga, a raposa e a cegonha, a cigarra e a formiga são algumas das duplas que protagonizam fábulas muito conhecidas. Há também o homem que matou a galinha dos ovos de ouro, fábula de La Fontaine da qual se extrai a lição: “Quem tudo quer tudo perde.”

Fábula é uma narrativa alegórica em prosa ou verso, cujos personagens são geralmente animais, que conclui com uma lição moral. Sua peculiaridade reside fundamentalmente na apresentação direta das virtudes e defeitos do caráter humano, ilustrados pelo comportamento antropomórfico dos animais. O espírito é realista e irônico e a temática é variada: a vitória da bondade sobre a astúcia e da inteligência sobre a força, a derrota dos presunçosos, sabichões e orgulhosos etc. A fábula comporta duas partes: a narrativa e a moralidade. A primeira trabalha as imagens, que constituem a forma sensível, o corpo dinâmico e figurativo da ação. A outra opera com conceitos ou noções gerais, que pretendem ser a verdade “falando” aos homens.

Cabe salientar que o elemento dominante, para o gosto moderno, costuma ser a narrativa. A moralidade ou significação alegórica, ainda que anime o todo, jaz de preferência nas entrelinhas, de maneira velada. Os antigos tinham ponto de vista diferente. Para eles, a parte filosófica era essencial. Para atingirem de modo mais direto o alvo moral, sacrificavam a ação, a vivacidade das imagens e o drama. Assim, a evolução da fábula pode ser cifrada na inversão do papel desses dois elementos: quanto mais se avança na história, mais se vê decrescer o tom sentencioso, em proveito da ação. A presença da moral, no entanto, nunca desapareceu de todo da fábula. Explicitada no começo ou no fim, ou implícita no corpo da narrativa, é a moralidade que diferencia a fábula das formas narrativas próximas, como o mito, a lenda e o canto popular. Situada por alguns entre o poema e o provérbio, a fábula estaria a meio caminho na viagem do concreto para o abstrato.

A afinidade com o provérbio encontra-se no nível mediano – lugares-comuns proverbiais – a que geralmente se reduz a lição extraída da narrativa. Sob esse aspecto, a fábula também se distingue da parábola, que procura maior elevação no plano ético, além de lidar com situações humanas mais reais.

Fábula oriental e Esopo.

Na evolução do gênero, o primeiro dos três períodos da fábula, aquele em que a moralidade constitui a parte fundamental, é o das fábulas orientais, que passaram da Índia para a China, o Tibet, a Pérsia, e terminaram na Grécia com Esopo. No Oriente, a fábula foi usada desde cedo como veículo de doutrinação budista. O Pantchatantra, escrito em sânscrito, chegou ao Ocidente por meio de uma tradução árabe do século VIII, conhecida pelo título de Fábulas de Bidpay, depois retraduzida do árabe para várias línguas.

Esopo, fabulista grego de existência duvidosa a quem se atribuem as fábulas reunidas por Demétrio de Falero no século IV a.C., teria sido uma espécie de orador popular que conta histórias para convencer os ouvintes a agir de acordo com o bom-senso e na defesa de seus próprios interesses. De acordo com Aristóteles, a fábula esópica é uma das formas da arte de persuadir e não poesia.

Fedro e a fábula medieval.

O segundo período da fábula se inicia com as inovações formais de Fedro. Ao fabulista latino é atribuído o mérito de ter fixado a forma literária do gênero, o que garante para ele um lugar na poesia. Escritas em versos, as histórias de Fedro são sátiras amargas, bem ao sabor do gosto latino, contra costumes e pessoas de seu tempo. Mas tanto Fedro quanto Bábrio (século III da era cristã) partiram dos modelos de Esopo, que reinventaram poeticamente.

A Idade Média cultivou com insistência a tradição esópica. Entre as muitas versões da época, divulgadas sob o nome de Ysopets (Esopetes), a mais famosa ficou sendo a de Marie de France, do século XII. Os fabliaux (fabuletas) medievais, embora não sejam propriamente fábulas, guardam com elas algumas analogias. Por meio dos personagens animais, os poetas fazem críticas e pretendem instruir divertindo.

La Fontaine e seus seguidores.

O terceiro período inclui todos os fabulistas modernos, dos quais Jean de La Fontaine é considerado o mestre. Suas Fables choisies (Fábulas escolhidas), em 12 volumes, apareceram entre 1668 e 1694. A grande contribuição original do fabulista francês foi ter feito da fábula um pequeno teatro: “uma comédia em cem atos” e “uma pintura em que cada um de nós pode encontrar seu retrato”, segundo suas próprias palavras.

No século XVIII, La Fontaine encontrou muitos seguidores, como Jean Pierre de Florian, na França, e Tomás de Iriarte, na Espanha. Em Portugal, Bocage escreveu fábulas originais, além de traduzir La Fontaine em versos. Na Inglaterra, a fábula tomou fisionomia de sátira política. Nas Fables, de John Gay, a formiga representa o Lord do Tesouro. The Fable of the Bees (A fábula das abelhas), de Bernard Mandeville, é uma extensa alegoria política, enquanto as coleções Fables for the Female Sex (1744; Fábulas para o sexo feminino) e Fables for Youth (1777; Fábulas para os jovens) descem ao nível da sátira panfletária.

Na Alemanha, Gotthold Ephraim Lessing reagiu contra o que julgava ser uma excessiva literarização dos imitadores de La Fontaine. Em Fabeln (1759; Fábulas), apresenta importante monografia introdutória em que rejeita como perversões do gênero as elaborações literárias adotadas a partir de Fedro. No entanto, o fabulista mais popular na Alemanha foi seu contemporâneo Christian Gellert, que usou a fábula como veículo de motejo. A glória de melhor fabulista do século XIX pertence ao russo Ivan Krilov, que soube adaptar o gênero a seu gênio de poeta original. O homem rústico é seu herói favorito. Krilov usou da fábula como meio de protesto contra a rigidez das coerções do estado.

Em língua portuguesa, a prática do gênero foi esporádica e não há nomes de grandes fabulistas. Depois de Bocage, Garrett publicou um volume de Fábulas e contos (1853), e, no século XX, surgiram as Fábulas (1955) de Cabral do Nascimento. No Brasil, as melhores realizações inspiraram-se no folclore e na literatura oral. Como exemplos, há as Fábulas de Luís de Vasconcelos, as Fábulas e alegorias de Catulo da Paixão Cearense e as Fábulas brasileiras de Antônio Sales. Cabe mencionar também Monteiro Lobato, José Oiticica e o marquês de Maricá.

Fontes:
http://www.coladaweb.com
Ilustração = http://www.emersonfialho.wordpress.com

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Monteiro Lobato (Os dois Ladrões)

Dois ladrões de animais furtaram certa vez um burro, e como não pudessem reparti-lo em dois pedaços surgiu a briga.

– O burro é meu! – alegava um – o burro é meu porque eu o vi primeiro…

– Sim – argumentava o outro – você o viu primeiro; mas quem primeiro o segurou fui eu. Logo, é meu…

Não havendo acordo possível, engalfinharam-se, rolaram na poeira aos socos e dentadas.

Enquanto isso um terceiro ladrão surge, monta no burro e foge a galope.

Finda a luta, quando os ladrões se ergueram, moídos da sova, rasgados, esfolados…

– Que é do burro? Nem sombra! Riam-se – risadinha amarela – e um deles, que sabia latim, disse:

– Inter duos litigantes tertius gaudet.

Que quer dizer: quando dois brigam, lucra um terceiro mais esperto.

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Fábulas. SP: Brasiliense, 1994.

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Trilussa (Coisas da Alta Sociedade)

Uma das fábulas mais traduzidas, de Trilussa, é a que se refere ao porco desejoso de abandonar a vida do chiqueiro e que tentou adaptar-se ao luxo nos salões da alta sociedade. A melhor dessas traduções é a da lavra de Paulo Duarte:

O PORCO

Um velho porco disse, um dia, à vaca:
– À minha vida suja vou dar fim.
Para isso, é só meter-me na casaca,
E a cartola, a luneta e o borzeguim

farão o resto. Vou para a cidade,
onde me insinuarei no alto escol,
em meio à nata e a flor da sociedade,
que isto aqui não vale um caracol.

Com tal coisa metida na cabeça,
se bem disse, melhor o porco fez.
Ao chá dançante foi, de uma condessa,
onde bebeu, dançou, falou francês.

Metendo-se no meio da alta roda,
e com ela gozando o vinho e o amor,
vários dias o porco andou na moda,
parecendo um autêntico senhor.

Mas…não se sabe que reviravolta
Houve, que regressou dias depois.
– Como? – pergunta a vaca – já de volta?
Outra vez entre porcos e entre bois?

Não se deu bem com a aristocracia?
O que vi, ninguém pode calcular,
respondeu, – pois vi tanta porcaria
que não pude por lá me acostumar.

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Trilussa (pseudônimo do fabulista romano Carlos Alberto Salustri) (Roma, 26 de outubro de 1871 — 21 de dezembro de 1950) foi muito conhecido e aplaudido em todo o mundo, principalmente no Brasil, na década de 30 do século passado. Sua ironia mordaz não poupava as vaidades e as pretensões humanas do seu tempo, evidentes e reconhecíveis sob a máscara de bichos humanos e selváticos. Advogados, magistrados, diplomatas, religiosos, políticos, governantes e governados – eram o alvo certeiro de suas sátiras bem imaginosas, escritas em dialeto romanesco, uma espécie de gíria da capital italiana.
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Fonte:
SOUSA, Sávio Soares de. Novas fábulas de Trilussa. Seção Nozes & Vozes. in Revista Bali – ano XIX – nr 201 – novembro de 2007 – Itaocara, RJ – p.3 e 5

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