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Pedro Ornellas (O Rei dos Bolinhos) Parte 1


Durante as festividades dos Jogos Florais de Nova Friburgo, certa vez tive como parceiros de quarto, no hotel, a dupla lusitana José Maria Machado de Araújo e Santos Teodósio (o Brumadinho). Foi muito divertido! Brumadinho passava o tempo todo provocando o Zé Maria e criando situações engraçadas. Após a programação de sexta-feira, quase meia noite, saí com Brumadinho em busca de um café e nada de achar. Numa derradeira tentativa, por uma transversal da avenida, demos com um local que foi um verdadeiro achado para ele. A casa típica ostentava o letreiro “O Rei dos Bolinhos”.

A especialidade: bolinho de bacalhau.

Brumadinho logo entrou em conversa animada com o proprietário, Perez, também português, descobrindo afinidades e falando sobre a terrinha. Patrício pra lá, patrício pra cá… Amizade instantânea!

Falou sobre os Jogos Florais, que Perez já conhecia, e como era típico dele, arrumou pra minha cabeça, dizendo: “Este aqui é o Pedro Ornellas, um grande trovador, e pra te provar ele vai fazer na hora uma trova pra tua casa de bolinhos.”

Não tive outra alternativa, o jeito foi pensar rápido. Fiz a trova:

Se um bom bolinho tu queres
regado a excelente vinho,
procure em Friburgo, o Perez,
famoso Rei dos Bolinhos.

Perez gostou tanto que prometeu colocá-la num quadro, no estabelecimento.

Brumadinho dizia com muito entusiasmo:

“Eu não t’disse, rapaz! Trovador não nega fogo… Aqui tem café no bule!”, e pegando a “minha” programação dos Jogos Florais, deu-a ao Perez, convidando-o para estar presente.

Elogiou efusivamente o “patrício” pelo bom gosto, decoração e atendimento que observou ali. Mal sabia eu que toda aquela bajulação fazia parte de um plano astucioso do meu colega luso, uma figuraça!

O saudoso amigo, trovador Armindo Santos Teodósio, ou Brumadinho como era conhecido (por morar nessa cidade mineira) era mesmo uma figura!

Ao elogiar os bolinhos de bacalhau do patrício Perez, Nova Friburgo, sua intenção era saborear alguns na faixa. Os bolinhos eram preparados e fritos na hora pelo próprio Perez, em uma cabine transparente, para que os fregueses pudessem acompanhar o processo e constatar que tudo era feito com a maior higiene. Enquanto fornecia detalhes do negócio, incentivado pelo nosso personagem, Perez ia atendendo os pedidos dos fregueses.

Terreno preparado, Brumadinho atacou:

“Então, patrício, tu podias dar uns bolinhos pra gente provar se são bons mesmo…”

Prontamente o Perez colocou três bolinhos numa cestinha que nos estendeu e voltou à cabine para atender outro pedido. Brumadinho olhou para a cesta e o chamou de volta:

“Perez, venha cá!”, e dramatizando continuou: “Ô rapaz, isso é coisa q’se faça!? Queres apartar dois amigos? Como é que tu dás TRÊS bolinhos para DOIS gajos? Se eu como dois, o Ornellas não vai gostar… Se ele come dois, quem não vai gostar sou eu!”

Perez depressinha acrescentou um bolinho à cesta, e Brumadinho abriu um sorriso:

“Agora sim! Dois pra cada um e não vai ter briga!”

Depois de elogiar os bolinhos que de fato eram muito bons, falou sobre o colega ilustre, Zé Maria, que dividia conosco o quarto de hotel, prometendo voltar no dia seguinte, pois fazia questão de apresentá-lo e que o mesmo, autêntico português, conhecesse aquele lugar maravilhoso.

Ao chegar ao hotel, ele disse ao Zé Maria que já lá estava: “Ó homem, não quiseste nos acompanhar, pois não sabes o que perdeste!” Falou sobre o lugar que descobrimos e dos bolinhos que ganhamos, e prometeu:

“Amanhã, voltamos lá, e vais ver como vou conseguir bolinhos de graça pra nós três!”.

––––––-
continua

Fonte:
Pedro Ornellas in Trova Viva

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Sandoval Ferreira (O Matuto e o Fusca Véio)


Hoje recebi do correio o livro do pernambucano de Iati, Sandoval Ferreira, “Meu Sertão em 12 Versos”, composto de vários “causos” em cordel, além de um DVD com o próprio autor declamando suas poesias. Já conhecia o trabalho deste escritor desde 2009, quando postei “Poesia da Água” com uma breve biografia, em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/sandoval-ferreira-poesia-da-gua.html

Atualmente Sandoval (27/02/1983) mora em Guaranhuns, PE, é técnico agrícola e cursa a Faculdade de Marketing.

Transcrevo abaixo um “causo” que consta em seu livro, o primeiro que botei os olhos quando abri o seu livro.

Comprei um fusca fiado
Em catorze prestação
A primeira eu já paguei
O resto no pago não
É que o peste do fusca
Só na base do empurrão

Foi essa a reclamação
Do matuto que comprou
Um fusca véio usado
Que um malandro lhe passou
E ele voltou arretado
Pra matar o vendedor

Ele disse ao doutor
Dentro da delegacia
Nunca mais eu vou pagar
Por aquela porcaria
E Se eu não matá-lo hoje
Mato ele no outro dia

Grande foi a gritaria
E tamanha confusão
O matuto já nervoso
O vendedor com queixão
E o delegado no meio
Pra resolver a questão

O matuto disse então
O fusca não tem amortecedor
Arranhão na lateral
Falta um retrovisor
O banco já tá rasgado
E o pneu já estourou

O vendedor reclamou
Dessa vez bem irritado
Não vendi o fusca novo
Te vendi um fusca usado
Agora quer devolver ?
Tu não pegou emprestado

Pra o azar do delegado
O matuto retrucou
Só comprei aquela peste
Porque você me empurrou
Fui subir a ladeira
Ele bateu o motor

Ta vendo o senhor doutor
Ele quer subir ladeira
Comprou um fusca 69
Não uma égua andadeira
Mande esse cabra ir embora
Mode deixar de besteira

Acabou a brincadeira
Podem parar a zoada
Isso aqui não é um circo
Pra ficar com palhaçada
Ficam os dois no xadrez
E a coisa ta encerrada

Isso não meu camarada
Retrucou o vendedor
Devolvo o dinheiro dele
Dou um trocado ao senhor
Faço o que você quiser
Mas pra cadeia eu não vou

Ta muito bem seu doutor
Do jeitinho que eu queria
Eu sou um home direito
Não gosto de ingrizia
Ele pega o meu fusca
E se acaba a agonia

Livres da delegacia
Dessa vez mais conformado
O vendedor foi buscar
O fusca véio quebrado
E pra se livrar da bomba
Deu de graça ao delegado.

Fontes:
FERREIRA, Sandoval. Meu sertão em 12 versos: causos nordestinos.
Imagem = Megasena

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Gilmar Cardoso (A Verdadeira Origem do Carneiro no Buraco)

Esta história começou já se vai quase um século. Eu mesmo confesso que desconhecia a verdadeira origem do prato típico do Município de Campo Mourão-PR, até colidir meu carro em outro onde viajavam dois nobres anciãos: o Tenente Soares e seu fiel escudeiro Benevides, ambos na casa dos seus noventa anos, bem vividos, diga-se de passagem. Isto aconteceu no ano passado no litoral do Estado de Santa Catarina, durante as férias mais controvertidas que já tive.

Quebrei vários ossos, mas não corri risco de morte, ao contrário dos velhinhos. Ficamos os três em uma só enfermaria, e como não podia ser de outra forma, conversávamos, ou seja, entre os “ais” de dor, falávamos sobre os mais diversos assuntos, até mesmo sobre o Carneiro no Buraco e a história de que ambos presenciaram a primeira vez que essa iguaria foi consumida.

Abre aspas: Viajava nossa caravana em busca da Água da Fonte de São João Maria de Jesus, que segundo se sabia, ficava cerca de doze léguas a oeste do povoado de Campos do Mourão num lugarejo batizado por Pinhalão. – disse o oficial. Vínhamos da já frondosa Guarapuava, a qual era matrona de toda essa região, cujo percurso fazíamos em lombos de mulas. Se me lembro bem, o Zizinho e o Cacique vinham a pé. Um burro forte carregava a cozinha, que era composta dos víveres, uma chaleira de ferro para esquentar a água do chimarrão, talheres de pau, e um tacho de cobre com tampa. A água carregávamos nas cabaças.

Estávamos já há muitos dias andando por uma estrada conhecida como Caminho Pisado, uma antiga via que possuía cerca de oito palmos de largura, uma profundidade de 0,40cm e forrado por gramíneas que impediam o crescimento do mato. Esse histórico ramal era popularmente conhecido como caminho das tropas ou Peabiru; e naquele tempo ainda era bem delineado.

Nossas provisões estavam no fim, assim como a pólvora. Sem comida e sem jeito para caçar, a situação começou a ficar insustentável. Mas Deus nunca havia sido tão generoso para conosco como naquele dia.

Num final de tarde, Zizinho e o Cacique afastaram-se um pouco do acampamento para ver se encontravam alguns frutos que se pudesse amenizar a fome. Mas adivinha o que encontraram? Dois carneiros gordos!

Um deles eles conseguiram pegar. E como bons mateiros que eram, o trouxeram destripado ao acampamento. O animal pesou cerca de 30 quilos, depois de limpo e cortado em pedaços. — Não deixa o animal balir, meu pai dizia que dá azar e é sinal de que o próximo a morrer é você! — ouvia-se por ali como influência da cultura popular.

O japonês, nosso mestre-cuca, ativou o fogo, juntou tudo o que restava da dispensa: tomate, cebola, batata doce, batata salsa, chuchu, abobrinha, cenoura, vagem, pimentão, mandioca e maçã; e foi logo botando tudo para cozinhar no tacho de cobre com tampa.

Chegava o crepúsculo daquele dia distante. Estávamos todos ansiosos para saborear o cozido, que naquele instante começava a ferver. Mas a alegria do pobre dura pouco, e não demorou mais um minuto que ouvimos tiros, seguidos por berros: “ladrões de carneiro, vou cobri-los de chumbo!”

Mais do que depressa Zizinho, Cacique e o Japonês trataram de se livrar dos vestígios do animal roubado. A opção foi o buraco deixado pelo tronco de um pé de jaracatiá apodrecido. Nele colocaram o tacho, juntamente com o material incandescente: brasas vivas do nó de pinho; e depois o cobriram com a terra de um cupinzeiro abandonado que havia nas imediações. Além disso, cobriram também a terra removida com folhas para não gerar nenhuma suspeita de que ali havia um jantar sendo preparado.

De repente apareceu no acampamento um homem baixinho, tez clara e nariz afilado. Trazia às costas uma enorme espingarda, cuja boca do cano ainda saía um pouco de fumaça. Fedia mais que as mulas.

De véspera, olhou para uma botija que havia sobre os arreios, e foi logo perguntando se era vinho. Eu disse que era e ele poderia bebê-lo todo se pudesse.

Nem precisei insistir. Não demorou nem meia hora e o baixinho estava mais bêbado que gambá de alambique. Falando mole ele dizia que os carneiros não sobreviveriam mesmo naquelas condições. A bicharada iria comê-los mais dia, menos dia.

Não demos o braço a torcer nos entregando de que havíamos surrupiado o animal, talvez fosse uma estratégia do tal baixinho.

Escureceu profundamente. A fome aumentava e nosso convidado não ia embora.

Lá pela meia noite ele adormeceu. Podíamos até desenterrar o tacho se quiséssemos, pois naquelas condições o homem da espingarda não iria perceber, já que dormia sua total embriaguez.

Num verdadeiro ritual, aos poucos fomos retirando as folhas que estavam sobre o buraco em que havíamos colocado o tacho, até o descobrir totalmente. Enquanto isso os outros estavam a acender um novo fogo que de fato serviria para terminar de cozinhar o carneiro, nossa única opção do jantar daquele dia.

Mas tão grande fora a surpresa quando o japonês retirou a tampa do tacho, o carneiro estava totalmente cozido, tenro, macio e delicioso!

Não sabíamos, mas naquela noite nascia uma iguaria exótica. Nossa viagem terminou e por muitas outras vezes cozinhamos carneiros daquele modo, só que juntando a ele outros temperos, tais como: pimenta do reino, alho, ajinomoto, cebolinha, salsinha, vinagre de vinho, óleo e sal.

Certa ocasião, na década de 60, eu estava em São Paulo e como você já percebeu, gosto de contar histórias e contei essa passagem a um grupo de americanos. Alguns anos depois fiquei sabendo que eram eles cineastas e que até utilizaram minha receita num daqueles filmes de bangbang.

Naquele instante percebi que Benevides estava muito quieto e o chamei por várias vezes. Ele não respondeu. Havia morrido enquanto seu companheiro me contava a história.

No dia seguinte o Tenente já não tinha mais forças, falava entre longas pausas já com voz sumida. Mas antes que desse o último suspiro, chamou-me para perto de si e disse: “você pode ter duvidado da história que lhe contei, mas se quiser saber certeza, pergunte ao falecido Nereu e o finado Deodato, eles também estavam lá”. Fecha aspas.

Essa foi a história que o valente tropeiro militar Tenente Soares me contou, antes de ter o corpo encomendado por um padre coadjutor de Guarapuava, da Congregação do Verbo Divino, que lhe aspergiu água benta sob o “olhar” vigilante da imagem de São José, que adornava o oratório daquele hospital. Ao longe soou um berrante…

Fonte:
Conto de abertura do livro “Enquanto conto, encanto o conto” – contos, lendas e rumores, Organizado pela Fundaçao Cultural de Campo Mourao.1ª. ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2004. v. 5000. 100 p.
Imagem = montagem de José Feldman

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Fernando Campanella (Conversa de Compadres)

Conta-se que lá pelas bandas do Curralinho, a umas boas léguas de Santana de Caldas, vivia um homem, chamado por Bastião Medonho, sovina até os ossos, mestre no ofício de contar os grãos, para gerar maior lucro e evitar dissipação.

Seu sítio era o que mais prosperava nas redondezas. Possuía tal homem uma azenha, onde transformava o milho em fubá ou quirera. A ele recorriam os sitiantes do lugar, trazendo parte de sua safra de milho para a troca com a farinha ou o fubá. E o Sr. Bastião sempre lucrava, o que os vizinhos levavam era três vezes menos o que traziam.

Se era hora do café, às crianças, cujos pais até seu sítio chegavam para uma visita, de amizade ou a negócio, era dada apenas a metade de um bolinho de chuva que a esposa fazia; se hora do almoço, uma lasquinha cozida do imenso capado que abatera…Tudo calculado, medido, regulado.

Seus cavalos eram os mais belos e mais possantes, seu milharal o mais viçoso, seu gado o mais gordo da região.

Conta-se , também, que Bastião Medonho era um caloteiro de primeira, mau pagador, embora houvesse amealhado uma pequena fortuna, que esquentava o único banco da pequena Santana de Caldas. Acertava suas dívidas só quando não havia mais jeito e pesava contra ele a ameaça de um processo na comarca da região.

Ora, havia um compadre seu, o Sr. Maneco da Lua, um homem de caráter íntegro, pródigo, uma ‘candura de pessoa’ , como se dizia por lá. Conheciam-se os dois desde que nasceram. Brincaram juntos, as famílias tinham um laço de compadrio que remontava há várias gerações, embora morassem distantes.

Acontece que, certa vez, o Sr. Maneco vendera um belo cavalo para o compadre Bastião, sem documento assinado, na base da mais pura confiança, da amizade que os unia desde o berço. E nunca recebeu o dinheiro da transação. Também nunca cobrou: o Bastião era ‘cumpadi’, amigo dos ‘bão’ um ‘irmãu’. E se o companheiro não pagava era porque devia estar em situação ‘das pior’, como este sempre lhe dizia, chorando as mágoas, prometendo saldar a dívida logo que se recuperasse.

O tempo passou e Bastião nunca mais deus as caras no sítio do compadre, mais por safadeza que por vergonha de encarar o bobo do compadre.

O Sr. Maneco não era mesmo um homem deste mundo. Colocava os valores do sentimento acima de tudo, a fidelidade, a integridade eram seus bens maiores, embora fosse constantemente acusado de ingenuidade pela esposa e familiares.

E certa feita, em regresso de uma viagem de vários dias, Bastião passou em um armarinho de Santana para a compra de alguma peça de vestuário. E viu que lá estava o Maneco. Tentou disfarçar, evitar o encontro, um certo mal-estar lhe gelando as veias como se houvesse enxergado um fantasma. Mas o bom compadre dele se aproximou, em sua aura de cordialidade, sempre discreto em sua elegância, o chapéu bem limpo, os óculos, a calça mais curta, deixando ver as botas sem meia, o embornalzinho a tiracolo.

– Salvi, Cumpadi Bastião. Comu tem passado a famia? E ocê, irmãu, já ta melhozinho lá nu sítiu? Miorô as coisa por lá?

– Vigi, cumpadi, a situação ta ruim, mais ta ruim… to penano dimais, doença no gado, praga no milhu, perdi tudinhu, Deus tenha dó….

E continuou a ladainha, tentando despertar piedade no amigo, evitando tocar no assunto da dívida contraída.

Porém, o Maneco também nem referência a tal dívida fez. Só lembrou para o Bastião os bons tempos em que nadavam nas enchentes, lá no Lava-Cavalos, bons tempos da infância em comum dos dois. E despediu-se assim como viera, uma leveza de espírito, quase um sopro de candura. Uma luz calma que de repente alumia e esvaece.

Meio encolhido pela grandeza do amigo, disse então Bastião ao dono da loja -Bom sujeitinhu este Manequinhu – Pareci até um espíritu di tão levezinhu …. E riu, meio a contragosto.

– O senhor tá bem? – perguntou o proprietário do armarinho. – Tava falando sozinhu… Tá passandu bem?

– Tava proseanu aqui com meu Cumpadi, ora, o Maneco da Lua, irmão dos báum…..

– O Sô Maneco lá da Juruaia? – indagou o dono da loja, espantado?

– Sim, meu cumpadi….

– Ele faleceu esta manhãzinha … O corpo tá lá na igreja agora…

Diz a lenda que Bastião, após confirmar falecimento do compadre pelo anúncio da igreja, se arrepiou dos fios do cabelo às unhas do pé, e disparou da loja, como se o Maldito, o Coisa-ruim, a Besta-de-Barba-de-Bode, o tivesse atacado.

Seu sítio foi vendido, a família dali se foi. De Bastião Medonho não mais se ouviu falar.

Se honrou as dívidas, se continuou medonho, não se sabe…Se morreu ninguém sentiu.

Fontes:
Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni
Imagem = Jornal Portal do Maranhão

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Ocimar Barbosa (A Lenda dos Namorados do Bosque)

Pindamonhangaba tem uma lenda das mais românticas que conta sobre um amor impossível. Trata-se da “Lenda dos Namorados do Bosque”. O fato, segundo historiadores já falecidos, caso do antigo arquivista da prefeitura municipal, “seo” Lacerda, teria acontecido na década de 20 do século que passou.

A morte de dois jovens abalou a sociedade e a comunidade de forma geral, mas o que houve nos bastidores é o que acabou criando a lenda, como uma versão valeparaibana para “Romeu e Julieta”.

A alta sociedade de Pindamonhangaba, remanescente dos áureos tempos do café, ainda vivia das aparências e de uma falsa opulência financeira. Sarais e encontros festivos nas casas mais abastadas falavam da vinda do Príncipe Regente antes do episódio da Independência, dos soldados da Guarda de Honra, da presença de D. Pedro II e das tradições familiares.

Preconceito, o inimigo do amor
Nas igrejas e outros templos religiosos, falava mais alto o renome e a posição social. Um lado da igreja era destinado aos descendentes da nobiliarquia e outro lado para os cidadãos comuns. Famílias tradicionais que ostentavam a distinção de títulos não permitiam que seus membros mantivessem contatos com gente de “menor expressão”.

Assim, em meio a esse cenário pincelado pelo preconceito sobranceiro – entre a pessoa de descendência fidalga e outra do da “plebe”-, surgiria um grande amor .

A jovem era linda, de família de berço nobre do século XIX e cercada de cuidados. Representante ideal da sociedade pindense, havia estudado nos melhores colégios do Rio de Janeiro; ele, um moço da classe média, porém, altivo e inteligente, havia cursado os principais colégios de Pindamonhangaba. Quando se conheceram, ele estudava medicina em São Paulo.

O amor impossível
Conheceram-se durante uma noite de domingo, na Praça Monsenhor Marcondes, naquele período onde o romantismo ainda fervilhava nos corações (não como hoje, onde baladas, drogas, bebidas e palavrões fazem parte do cotidiano da maioria dos casais de namorados). Gestos cavalheirescos ainda provocavam suspiros nas jovens moçoilas.

Foi amor à primeira vista. Apresentados por amigos, brilhou nos olhos a chama do amor verdadeiro onde ambos se sentiram almas-gêmeas, um do outro.

Sentiam-se como se já houvessem se conhecido em outras eras. Tudo era mágico, a atração totalmente recíproca. Imediatamente, estavam loucamente apaixonados.

Logo que soube dos encontros românticos, a família da moça passou a pressioná-la: “Ele não é do nosso nível. Você precisa terminar esse romance!”, diziam os pais, sem demonstrar o mínimo de respeito pelos sentimentos da moça.

Como os jovens apaixonados continuavam a se encontrar, a família proibiu a jovem de vê-lo. Pior! O amor ganhou ainda mais força. Com a proteção das amigas de ambos, o casal de namorados continuava a viver aquele amor cada vez mais impossível.

Ameaças e perseguições
A situação começava a ganhar contornos perigosos com ameaças de todos os lados. O rapaz passou a ser perseguido pelos jovens da elite. Algo terrível estava pra acontecer.

O jovem estudante de medicina já estava em seu 2º ano de estudo e, depois de dois anos, passaram a se encontrar apenas no período de férias, quando ele retornava para sua terra natal, Pindamonhangaba. Nesse período, voltavam as pressões familiares, ameaças e perseguições.

Ficava mais difícil os encontros secretos, enquanto isso, a paixão aumentava, era cada vez mais ardente. Precisavam fazer alguma coisa, pois já não poderiam viver, um sem o outro.

Eternizando o amor
Os jovens temiam, um pela vida do outro. Isso era a prova maior de um sentimento verdadeiro. Depois de conversarem muito, apesar de constantemente vigiados, resolveram colocar um fim àquela situação insuportável.

Em uma certa noite que ficou na história, os jovens desceram a ladeira do Bosque da Princesa. O jovem estudante de medicina trazia um pequeno frasco contendo veneno.

Sob a luz da lua e embaixo de um ipê todo florido, amaram-se, sendo vigiados desta vez, apenas pelas águas cúmplices e silenciosas que deslizavam pela curva do Rio Paraíba.

Depois, brindaram àquele grande amor e beberam da taça que continham a substância venenosa trazida pelo rapaz. Foi um adeus melancólico a duas jovens vidas, mas um “sim” ao encontro de duas almas afins.

No dia seguinte, um grupo de pescadores que passava pelo local encontrou os dois corpos abraçadinhos, cobertos pelas pétalas do ipê amarelo. O velho ipê cobriu com seu manto dourado o jovem casal e serviu assim, de testemunha para um enlace doloroso, porém eterno.

Dizem que o ipê, a partir daquele dia, foi secando, ficando triste…até que morreu de vez e foi retirado. Durante muitas décadas, era visto um pedaço de terra sem vida e sem qualquer vegetação, do lado esquerdo de quem olha para o rio.

Nos anos, 90, com a reforma do gramado do Bosque da princesa, o local ficou sem a referência da velha história: A Lenda dos Namorados do Bosque.

Fonte:
http://www.pindavale.com.br/historiasecausos/textos.asp?artigo=52

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Deusdédti Ramos (Conta de Cabeça – O Sorteio)

CONTA DE CABEÇA
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Sujeito vaidoso sobrevoando a fazenda, em companhia de um amigo, se gabava mostrando a propriedade. Ora uma enorme plantação de café, ora de laranja, ora de outra cultura. Estava de peito estufado e o amigo simplesmente incabulado com as dimensões do patrimônio do amigo, não tecia o menor comentário.

Quando sobrevoaram uma enorme invernada onde uma quuantidade incalculável de gado pastava, o amigo pediu para o piloto fazer um vôo razante sobre os bichos. Ao terminar o vôo razante, que durou uns dez minutos,o amigo exclama exausto: – Puxa! Quinze mil, trezentas e quarenta e oito cabeças?

O outro intrigado, pergunta: – Como é que voce sabe que é este o numero de cabeças?

– Foi fácil. Foi só somar as patas e dividir por quatro.
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O SORTEIO

Durante uma assembléia onde participavam pessoas de ambos os sexos com idade de 10 a 95 anos.

Em um dado momento, para descontrair, um dos organizadores, tomando a palavra, propôs aos participantes um sorteio:
– Atenção, pessoal, quem quiser participar de um sorteio, por favor levante a mão.

No mesmo instante, praticamente 90% dos quase duzentos presentes levantou a mão, mesmo não sabendo o quê seria sorteado.

Uma explicação se seguiu:
– Nós vamos sortear uma barra de chocolate, permaneça com a mão levantada quem quiser ganhar uma barra de chocolate.

Os 90% foi reduzido a mais ou mais de 40%.

Então o interlocutor, para esclarecer disse:
– Pessoal, a barra de chocolate é esta aqui – aí mostrou uma barrinha de Bis.

Houve um breve silêncio e o número de mãos levantadas caiu para pouco mais de trinta.
– Muito bem! Vocês concordam que escolhamos dentre as pessoas de mãos levantadas, a pessoa mais jovem?

Todos concordaram e o prêmio foi entregue a uma garota aparentando ser a mais nova.
– Agora vamos sortear esta caixa com cocô de cavalo. Levante a mão quem deseja ganhar este prêmio.

Houve um tremendo zum-zum-zum e algumas gargalhadas. Quando tudo se acalmou, notou-se um garoto de uns doze anos com a mão levantada. O organizador chamou a atenção de todos para o fato e todos os olhares se convergiram para o ponto, no canto, onde estava o garoto, sério e decidido.

O silêncio foi quebrado com esta pergunta do organizador:
– Meu bom garoto, você entendeu bem o que contém esta caixa? Para que é que você quer este com cocô de cavalo?

A resposta foi breve e inteligente e direta.
– É que gosto de cultivar algumas plantinhas e com certeza isto servirá como esterco. Nada tenho a perder. É um prêmio, não é? Meu avô já dizia: “ Cavalo dado não se olha os dentes”

O organizador para não cometer injustiça, sentindo como se o garoto estivesse adivinhando, resolve perguntar mais uma vez:
– Ninguém mais quer concorrer a este prêmio?

Silêncio geral.

– Bom, meu garoto, então você acaba de ganhar: uma caixa com a bosta do cavalo e o próprio animal que a eliminou. Trata-se de um cavalo da raça Puro Sangue Inglês de dois anos e meio, inteiro, e que vale perto de R$280.000,00, doado por um proprietário de um Haras, aqui da redondeza. Meus parabéns! Aqui está a caixa com seu conteúdo e uma carta/autorização para retirada do magnífico animal, quando você achar melhor.

Fonte:
Sítio do Caipira. Causos. http://eptv.globo.com/

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Rocir Santiago (Causo: Num quero ser mentiroso)

Dois amigos, de São João, a 17 Km de Garanhuns, um caçador e pescador e o outro pessoa comum: Mário e Adolfo.
Certo dia Mário chamou Adolfo para uma caçada, no que ouviu:
-Tá doido, amigo! Num quero fama de mentiroso não!
Foram várias insistências e negativas como resposta até que um dia, Adolfo aceitou.
No mato, Mário perguntou:
– O amigo quer caçar, ou pescar?
– Prefiro pescar – respondeu Adolfo – não gosto de ofender à fauna, nem à flora!
Mário saiu para um volta pra ver se encontrava caça e deixou o amigo às margens de uma barragem pescando.
Passadas algumas horas, Mário voltou com um tatu que havia abatido, mas se deparou com o amigo cochilando às margens da barragem.
Aproveitou para fazer uma brincadeira: entrou lentamente na água, colocou o tatu no anzol, deu uns puxões e saiu.
Despertado, Adolfo arrastou o bicho da água e, vendo o amigo foi incisivo:
– Num conte isso pra ninguém não, senão vão me chamar de mentiroso! E olha que é o terceiro tatu que arrasto daí e devolvo pra água pra ninguém dizer que tô mentido!

Fonte:
Sítio do Caipira. Causos. Por Rocir Santiago (Guaranhuns/PE). Disponível em
http://eptv.globo.com/

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