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Poesia Africana (Poesia Sem Fronteiras I)


ANA DE SANTANA – Angola
Música Sanguínea

No cimo do tambor
continuar brincando, queria,
mas não,
Cantar o belo,
mas as mãos, os olhos, a carne?
(quanto sofre a carne inconfor-mada)
ter olhos passando tempo
pelo imediato,
eu passo
por aqui, sempre
(como não encontro o infinito)
a angústia no caso
que não há.
Como romper, rasgar
para essa lua entrar,
que luz?
Aonde o sol
e o tempo para soltar a voz,
a fórmula do amar
à força de estar, quem entende?
Oh, discreto riso,
suave tristeza,
olho molhado, olhando-se,
amor fardado (falhado?)
o que será dessa
música sanguínea?
AGNELO REGALLA – Guinéu-Bissau
O Eco do Pranto

Não me digas
Que essa é a voz de uma crian-ça
Não…
A voz da criança
É suave e mansa
É uma voz que dança…
Não me digas
Que essa é a voz de uma criança
Parece mais
Um grito sem esperança
Um eco
Partindo de fundo de um beco
Não me digas
Que essa é a voz de uma criança,
Essa é doce e mansa
É uma voz que dança…
Esta parece mais
Um grito sufocado sob um manto
– O Eco do Pranto.
MIA COUTO – Moçambique
Poeta

(ao José Craveirinha)

Escreveste
e toda a tua vida
se tornou um livro.
As páginas
das nossas mãos
são o rio de tuas palavras.
Choveu,
tu não pediste protecção.
A tua boca
encheu-se de raízes
e nós fomos camponeses
lavrando entre sonhos e parágrafos.
Sangraste
mas escondeste a ferida,
recolheste a dor e cantaste.
Agora
ninguém mais
encerra os poços onde bebeste.
Eterna e a água.
Breves são os lábios
que nela humedecem.
AMÉLIA MATAVELE- Moçambique
Insinuados Astros

Deixaram – me muito mais indecisa
Quando os três decididos me vieram disputar
Insinuados astros de mim querendo desfrutar

Cada vez mais decididos
Me deixam sem fôlego mas com vontade
Vontade de me deixar levar e não me conter de verdade

Comecei pelo mar
Sua robustez assustadora
Sua imensa grandeza sedutora, será ele?
Descartei o, de certo modo é tenebroso

Pensei no sol
Este que me aquece os cabelos
Me levanta e me acorda, pode até ser ele

E a lua?
Que exibe o seu bailado mensal
Ilumina e apaixona corações, será?

Como escolher?
Tenho que fazer justiça
Como?

Será o sol? Que vem quando quer e depois de doze
horas desaparece?

Ou se é a lua? Que depois de doze horas desaparece?
CELSO MUNGUAMBE – Moçambique
Solidão

Menino solitário
Seu único amigo é a solidao
Menino solitario
Seu tormento é tristeza
Menino solitario
Seu lar é a solidão

Sua vida sao lamurias
Seus amigos são a dor e a tristeza
Seus conselheiro é a vida

Olhos tristes, de quem
Clama por companhaia
De quem quer que seja
Menos da solidão

Um olhar solitario, sombrio
Uma vida insignificante
Onde a morte parece aproximar-se

E a solidao a estender- se.
NICO TEMBE- Moçambique
Quero Amar-te

Eu sinto-o profundo e forte,
Sinto-o muito real.

Eu sinto-o sem defunto na morte,
Pois é vivo e imortal.

Esta guardado em minha mente,
Neste presente futuro,
Nunca esteve ausente,
Pois a muito procuro-o.

Quero AMAR-TE loucamente,
Na poesia dessa musica,
AMAR-TE simplesmente,
Sem abrigar-me na duvida.

Tu és meu ancestral,
Meu presente e futuro,
Deste AMORimaturo.

Tu és fenomenal,
Minha luz no escuro,
AMO-TE, meu porto seguro!

Fontes:
Literatas. Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona.
Maputo, 17 de Fevereiro de 2012 – Ano II – N°18
Maputo, 20 de setembro de 2011 – Ano I – No. 10
Maputo, 06 de setembro de 2011 – Ano I – No. 9

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Poesia sem Fronteiras I

Humberto Rodrigues Neto
AMOR NA PAZ, FRATERNIDADE E NATUREZA.

Buscar a paz de modo pertinaz
é uma atitude de cristão louvor,
pra que possamos transformar a paz
no mais belo sinônimo do amor!

Pra que se usar o fogo da metralha,
se a guerra que assassina multidões
não se vence nos campos de batalha,
mas no acordo de mútuas concessões?

Mas paz não é somente a fatuidade
da calma de um planeta infenso à guerra;
faz-se preciso que a fraternidade
abranja todos os rincões da Terra!

Se o bloco de nações de mais pujança
reduzisse o armamento que consome,
não faltaria agasalho a uma criança,
nem um prato de sopa a quem tem fome!

Só o amor na paz e na fraternidade
não sana os nossos males totalmente;
faz-se mister que toda a Humanidade
preserve a qualquer custo o meio-ambiente!

Que cada rio, floresta ou oceano
não mais suporte as agressões de agora;
que o ar poluto não mais cause dano
à multiplicação da fauna e a flora.

Se os povos todos, num elã fraterno,
deixarem das paixões que inda os consomem,
é bem possível volte, o Pai Eterno,
a acreditar na sensatez do Homem!
==============

Marco Bastos
CAMINHOS QUE FLORI

Em um soneto inédito, como esse,
Que pensei agora, – tu vais ler um dia.
Deixarei pra ti e seja bela a messe
Sem ser pranto – só canto meu… pois_ia.

Poeta vive e sabe que fenece.
Seda no tempo, cedo se desfia.
Sua alma eterna, como não morresse,
Foi pôr-do-sol que em luz amanhecia.

E tu sedenta olhando pro horizonte
Te perguntarás, onde a minha oferenda.
– Pois mais que a água, queres tu, a fonte.

No poema, tecido como renda,
Findando a via, chegarás à ponte.
– Ao ir tão longe, eu quis florir a senda.
==============

Daniel Cristal
POETA É

Poeta é quem me lê, é quem me sente;
Poeta é quem se emociona e se extasia
Com a poesia mais pura, a Harmonia
Da existência da hora florescente.

Poeta é quem me sente, quem existe
Como eu a aprender, ou decifrar
Sinais no Holomundo, crendo amar
O que, em todos nós, com Amor persiste.

Poeta sou eu, és tu, quem me elogia,
Somos nós, todos, Poetas, bem unidos,
E esta união é ubíqua em qualquer dia;

Poetas somos, agora e ternamente,
És tu, sou eu e ele, bem ungidos
Por Deus para amar tudo o que sente.
==============

Lenya Terra
ADEUS

Levaste contigo o melhor de mim,
Rasgaste da minha alma as vestes
E na minha crença puseste fim.
A vida, para largar, já estou prestes

Meu peito sofre dor dilacerada,
Os meus olhos já nada querem ver.
Vazia, sigo nesta caminhada,
N’agonia deste amor jamais ter.

No jogo do desejo eu achava
que nossas vidas em elos se fechavam,
Que havia honestidade no teu ser.

No fundo era o amor que eu amava,
Ideal de sentimento que eu sonhava,
De um dia encontrar um bem-querer.
“In Memoriam
==============

Mercêdes Pordeus
EIS FLUÊNCIAS

Tudo flui…
Com o advento do sonhado
Pelo sentimento alimentado
Nascimento comemorado
O objetivo desejado… Almejado!

Tudo flui…
Corre o sangue na veia
Que o coração bombeia
O sentimento entremeia
O gosto de escrever saboreia.

Tudo flui…
A poesia, a arte, a escrita:
A arte de escrever a poesia
Por amor a poesia escrever
Desejo de no coração a acolher.

Eis Fluências…
São os sentimentos fluindo
Através de forças estranhas
Correndo nas entranhas…Assim
Tudo flui.
————-

Fonte:
Revista Bimestral Eisfluências. Ano 1. N.1. Outubro de 2009.

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Kathryn VanSpanckeren (Panorama da Literatura dos Estados Unidos – Parte final)

O Desabrochar do Indivíduo

A Grande Depressão dos anos 1930 tinha literalmente destruído a economia americana. A Segunda Guerra Mundial a recuperou. Os Estados Unidos tornaram-se a principal força no cenário mundial, e os americanos do pós-Segunda Guerra desfrutaram de prosperidade pessoal e liberdade individual sem precedentes.

A expansão do ensino superior e a disseminação da televisão nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial possibilitaram que pessoas comuns obtivessem informações por conta própria e se tornassem mais sofisticadas. Um excesso de comodidades aos consumidores e o acesso a casas grandes e atraentes em áreas residenciais de classe média deram maior autonomia às famílias. As difundidas teorias da psicologia freudiana enfatizaram as origens e a importância da mente individual. A “pílula” anticoncepcional liberou as mulheres da estrita obediência às normas biológicas. Pela primeira vez na história da humanidade, muitas pessoas comuns podiam levar a vida de forma altamente satisfatória e afirmar seu valor pessoal.

A ascensão do individualismo de massa — bem como os movimentos pelos direitos civis e contra a guerra dos anos 1960 — deu mais poder a vozes antes emudecidas. Os escritores revelaram a sua natureza mais íntima, bem como experiências pessoais, e a relevância da experiência individual indicava a importância do grupo ao qual estava ligada. Homossexuais, feministas e outras vozes marginalizadas exaltavam suas histórias. Escritores judeus americanos e negros americanos encontraram grande público por causa de suas variações do sonho ou do pesadelo americano. Escritores de origem protestante, tais como John Cheever e John Updike, discutiram o impacto da cultura do pós-guerra em uma vida como a deles. Alguns escritores modernos e contemporâneos ainda estão ligados a tradições mais antigas, como o realismo. Alguns podem ser descritos como classicistas, outros como experimentais, estilisticamente influenciados pela transitoriedade da cultura de massa ou por filosofias como o existencialismo ou o socialismo. Outros são mais facilmente agrupados por etnia ou região. No entanto, como um todo, os escritores modernos sempre afirmam o valor da identidade individual.

Sylvia Plath (1932-1963)

Sylvia Plath teve uma vida aparentemente exemplar. Freqüentou a Faculdade Smith com bolsa de estudos e se formou como primeira da sua turma. Também ganhou uma bolsa Fulbright para a Universidade de Cambridge na Inglaterra. Foi lá que encontrou seu carismático futuro marido, o poeta Ted Hughes, com quem teve dois filhos e foi morar em uma casa de campo na Inglaterra.

Por trás do sucesso de conto de fadas acumulavam-se os problemas mal resolvidos evocados em seu romance altamente merecedor de ser lido, A Redoma de Vidro (1963). Alguns desses problemas eram pessoais, ao passo que outros eram fruto da identificação de atitudes repressivas com relação à mulher nos anos 1950. Entre elas encontram-se crenças — compartilhadas inclusive por muitas mulheres — de que a mulher não deveria mostrar raiva nem ter ambição de carreira, mas alcançar a realização na tarefa de cuidar do marido e dos filhos. Mulheres profissionalmente bem-sucedidas como Sylvia Plath sentiam que viviam uma contradição.

A vida de Sylvia Plath, que mais parecia ficção, desmoronou quando ela se separou de Hughes e começou a cuidar dos filhos pequenos em um apartamento londrino durante um inverno extremamente frio. Doente, isolada e desesperada, Plath trabalhou contra o tempo para produzir uma série de estonteantes poemas, antes de se suicidar inalando gás de cozinha. Esses poemas foram reunidos na coletânea Ariel (1965), dois anos após sua morte. O poeta Robert Lowell, que escreveu a introdução, ressaltou a rápida evolução de sua arte desde a época em que freqüentava aulas de poesia em 1958.

Os primeiros poemas de Plath eram bem elaborados e tradicionais, mas os da fase final revelam uma bravura desesperada e um grito protofeminista de angústia. Em “O Candidato” (1966), Plath expõe o vazio do atual papel de esposa (que se vê reduzida a uma “coisa” inanimada):

Uma boneca de carne, onde quer que você olhe.
Sabe costurar, sabe cozinhar.
Sabe falar, falar, falar.
(Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo)

Allen Ginsberg (1926-1997)

Os “poetas beat” surgiram nos anos 1950. O termo “beat” sugere vários tempos fortes de uma música, como no jazz; beatitude angelical ou bem-aventurança; e “beat up”, cansado ou batido, surrado, machucado. Os beats (beatniks) tiveram como fonte de inspiração o jazz, a religião oriental e a vida errante. Tudo isso foi descrito no famoso romance de Jack Kerouac On the Road — Pé na Estrada, que foi uma sensação na época de sua publicação em 1957. Relato de uma viagem de carro pelo país em 1947, o romance foi escrito em um rolo de papel contínuo durante três semanas alucinantes, o que Kerouac chamou de “prosa bop espontânea”. O estilo selvagem e aberto a improvisações, personagens que eram ao mesmo tempo antenados e místicos e a rejeição às convenções inflamaram a imaginação dos jovens leitores e ajudaram a abrir a porta para a contracultura independente dos anos 1960.

Os beats mais importantes migraram da Costa Leste dos Estados Unidos para São Francisco, obtendo reconhecimento nacional pela primeira vez na Califórnia. O carismático Allen Ginsberg tornou-se o principal porta-voz do grupo. Filho de um pai poeta e de uma mãe que além de excêntrica era militante comunista, Ginsberg freqüentou a Universidade de Colúmbia, onde logo fez amizade com os colegas Kerouac (1922-1969) e William Burroughs (1914-1997), cujos romances violentos e apavorantes sobre o submundo da dependência química da heroína incluem O Almoço Nu (1959). O trio foi o núcleo do movimento beat.

A poesia beat é oral, repetitiva e produz grande efeito quando lida, principalmente porque surgiu das leituras de poesia em clubes “underground”.Algumas pessoas podem estar corretas ao vê-la como a bisavó do rap, que prevaleceu nos anos 1990. A poesia beat foi a forma literária mais antiestablishment dos Estados Unidos, mas por trás das palavras chocantes existe o amor pelo país. A poesia é um grito de dor e raiva contra o que os poetas vêem como a perda da inocência americana e o trágico desperdício de seus recursos materiais e humanos.

Poemas como Uivo (1956) de Allen Ginsberg revolucionaram a poesia tradicional.

Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
“hipsters” com cabeças de anjo ansiando pelo antigo contato celestial
com o dínamo estrelado na maquinaria da noite.
..
(Tradução de Claudio Willer)

Tennessee Williams (1911-1983)

Nascido no Mississippi, Tennessee Williams foi um dos indivíduos mais complexos da cena literária americana de meados do século 20. Sua obra enfocou os distúrbios emocionais no seio das famílias — a maioria delas sulistas. Ficou conhecido por suas repetições encantatórias, pela dicção poética peculiar do sul, pelos estranhos cenários góticos e pela exploração freudiana da emoção humana. Um dos primeiros autores americanos a assumir abertamente a sua homossexualidade, Williams explicou que os anseios dos seus atormentados personagens eram expressão da solidão em que viviam. Eles vivem e sofrem intensamente.

Williams escreveu mais de 20 peças de teatro, muitas delas autobiográficas. Atingiu o apogeu relativamente cedo na carreira — nos anos 1940 — com À Margem da Vida (1944) e Um Bonde Chamado Desejo (1949). Nenhuma de suas obras publicadas nas duas décadas seguintes alcançou o nível de sucesso e a riqueza dessas duas peças.

Eudora Welty (1909-2001)

Nascida no estado do Mississippi em uma família abastada, de pais que vieram do norte, Eudora Welty teve como guias os romancistas Robert Penn Warren e Katherine Anne Porter. Na verdade, foi Katherine Porter quem escreveu a introdução da primeira coletânea de contos de Welty, A Curtain of Green [Uma Cortina de Verde] (1941). Em sua obra matizada, Eudora Welty buscou seguir o exemplo de Porter, mas essa mulher mais jovem se sentia de fato mais atraída pelo cômico e grotesco.Como a colega escritora sulista Flannery O’Connor, Welty escolhia geralmente como tema personagens anormais, excêntricos ou excepcionais.

Apesar da presença da violência em sua obra, a engenhosidade de Welty era essencialmente humana e afirmativa. Suas coletâneas de contos incluem The Wide Net [A Grande Rede] (1943), The Golden Apples [As Maçãs Douradas] (1949), The Bride of the Innisfallen [A Noiva de Innisfallen] (1955) e Moon Lake [Lago da Lua] (1980). Welty também escreveu romances como, por exemplo, Casamento no Delta (1946), que tem como tema central uma família rural em tempos modernos e A Filha do Otimista (1972).

Ralph Ellison (1914-1994)

Ralph Ellison era do Centro-Oeste, nascido em Oklahoma. Estudou no Instituto Tuskegee no Sul dos Estados Unidos. Teve uma das carreiras mais estranhas das letras americanas — que consiste de um livro altamente aclamado e pouco mais do que isso.

Seu romance Homem Invisível (1952) é a história de um jovem negro que leva uma vida secreta em um porão profusamente iluminado por energia elétrica roubada de uma prestadora de serviços públicos. O livro narra suas experiências grotescas e frustrantes. Ao ganhar uma bolsa de estudos para uma faculdade exclusivamente para negros, ele é humilhado pelos brancos; ao chegar lá, vê o presidente da escola menosprezar os problemas dos negros americanos. A vida também está corrompida fora da faculdade. Por exemplo, mesmo a religião não serve de consolo: um pregador acaba por se revelar um criminoso. O romance acusa a sociedade de falhar em prover seus cidadãos — negros e brancos — com ideais e instituições capazes de realizá-los. O romance expressa um tema racial forte porque o “homem invisível” não é invisível por si mesmo, mas porque os outros, cegos pelo preconceito, não conseguem vê-lo pelo que é.

Saul Bellow (1915-2005)

Nascido no Canadá e educado em Chicago, Saul Bellow era de família de origem judaica russa. Na faculdade, estudou antropologia e sociologia, e isso teve grande influência em sua produção literária. Certa vez expressou sua profunda gratidão ao romancista realista americano Theodore Dreiser por sua abertura para um amplo leque de experiências e seu envolvimento emocional nisso. Altamente respeitado, Bellow recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1976.

Os primeiros romances existencialistas e algo sombrios de Bellow incluem Por Um Fio (1944), estudo kafkiano de um homem esperando o alistamento no exército, e A Vítima (1947), sobre as relações entre judeus e gentios. Nos anos 1950, sua visão ganhou uma conotação mais cômica: usou diversos narradores ativos e ousados em primeira pessoa em As Aventuras de Augie March (1953) — o estudo de um empresário urbano do tipo “Huck Finn” que se torna comerciante no mercado negro da Europa — e em Henderson, o Rei da Chuva (1959), romance sério-cômico brilhante e exuberante sobre um milionário de meia-idade cujas ambições irrealizadas o encaminham para a África.

As obras posteriores de Bellow incluem Herzog (1964), sobre a vida agitada de um professor de inglês neurótico que se especializa no ideal do eu romântico; O Planeta do Sr. Sammler (1970); O Legado de Humboldt (1975); e o autobiográfico Dezembro Fatal (1982). Agarre a Vida (1956) é uma novela centrada em um homem de negócios fracassado, Tommy Wilhelm, que é de tal forma consumido por sentimentos de insuficiência que acaba por se tornar totalmente inadequado — um fracasso com as mulheres, nas tarefas, com as máquinas e no mercado de commodities, onde perde todo o seu dinheiro. Wilhelm é um exemplo do schlemiel (indivíduo sem sorte, pessoa azarada) do folclore judaico — a quem sempre acontecem coisas infelizes.

John Cheever (1915-2005)

John Cheever tem sido chamado com freqüência de “romancista de costumes”. É também conhecido por seus contos elegantes e sugestivos, que examinam minuciosamente o mundo dos negócios de Nova York por meio de seus efeitos sobre os empresários, suas mulheres, seus filhos e amigos.

Uma melancolia mordaz e o desejo de paixão — ou certeza metafísica — nunca totalmente mitigado, mas aparentemente sem esperança, espreitam nas sombras dos contos de Cheever, delicadamente elaborados em um estilo tchekoviano e reunidos em The Way Some People Live [A Forma Como Algumas Pessoas Vivem] (1943), The Housebreaker of Shady Hill [O Arrombador de Shady Hill] (1958), Some People, Places, and Things That Will Not Appear in My Next Novel [Algumas Pessoas, Lugares e Coisas que Não Aparecerão no Meu Próximo Romance] (1961), The Brigadier and the Golf Widow [O Brigadeiro e a Viúva do Golfe] (1964) e O Mundo das Maçãs (1973). Seus títulos revelam sua característica indiferença, jocosidade e irreverência e fazem alusão ao assunto tratado.

Cheever também publicou vários romances — O Escândalo dos Wapshot (1964), Acerto de Contas (1969) e Sobrevivendo na Prisão (1977) — o último do qual é largamente autobiográfico.

John Updike (1932-2009)

John Updike, como Cheever, também é considerado escritor de costumes com suas narrativas ambientadas nos bairros de classe média, assuntos domésticos, reflexões sobre o tédio e a melancolia e, em especial, seus locais ficcionais no litoral leste dos Estados Unidos, em Massachusetts e na Pensilvânia.

É mais conhecido por seus cinco livros do Coelho, descrições da vida de um homem — Harry “Coelho” Angstrom — por meio dos altos e baixos de sua existência ao longo de quatro décadas de história social e política dos EUA. Coelho Corre (1960) é um reflexo dos anos 1950, apresentando Angstrom como um jovem marido descontente e sem rumo. Coelho em Crise (1971) — destacando a contracultura dos anos 1960 — encontra Angstrom ainda sem objetivos e propósitos definidos ou sem uma alternativa viável para escapar do banal. Em O Coelho Está Rico (1981), Harry torna-se um empresário próspero na década de 1970, enquanto a era do Vietnã começava a sair de cena. O romance final, Coelho Cai (1990), vislumbra a reconciliação de Angstrom com a vida antes de morrer vítima de um ataque cardíaco, tendo como pano de fundo os anos 1980.

Updike é atualmente o escritor de estilo mais brilhante entre todos os outros, e seus contos oferecem exemplos cintilantes de sua abrangência e inventividade.

Norman Mailer (1923-2007)

Norman Mailer se transformou no romancista de maior visibilidade dos anos 1960 e 1970. Co-fundador do The Village Voice, jornal semanal antiestablishment da cidade de Nova York, Mailer promoveu ao mesmo tempo a si mesmo e suas opiniões políticas. Em sua ânsia por experiência, estilo vigoroso e persona pública surpreendente, Mailer segue a tradição de Ernest Hemingway. Para conseguir uma posição estratégica na cobertura do assassinato do presidente John F. Kennedy, dos protestos contra a Guerra do Vietnã, da libertação negra e do movimento de mulheres, encarnou diferentes personas, apresentando-se como alguém por dentro da moda, existencialista e o macho por excelência (em seu livro Política Sexual, Kate Millett identificou Mailer como machista arquetípico). O irreprimível Mailer não só casou seis vezes como se candidatou a prefeito de Nova York.

A partir de exercícios ao estilo do Novo Jornalismo como Miami e o Cerco de Chicago (1968), análise das convenções presidenciais americanas de 1968, e o instigante estudo sobre a execução de um criminoso condenado, A Canção do Carrasco (1979), Mailer passou a escrever romances ambiciosos, embora cheios de falhas, como Noites Antigas (1983), ambientado no antigo Egito, e o Fantasma da Prostituta (1991), que gira em torno da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA).

Toni Morrison (1931- )

A romancista afro-americana Toni Morrison nasceu no estado de Ohio em uma família de formação espiritual. Estudou na Universidade de Howard em Washington, D.C., onde tem trabalhado como editora sênior de uma grande editora e professora ilustre em várias universidades.

A ficção altamente elaborada de Toni Morrison ganhou reconhecimento internacional. Em romances fascinantes e cheios de vigor, ela trata da complexidade da identidade negra de forma universal. Em sua obra inicial, O Olho Mais Azul (1970), uma jovem negra de personalidade forte conta a história de Pecola Breedlove, que é levada à loucura por um pai agressor. Pecola acredita que seus olhos escuros tornaram-se azuis por um passe de mágica e que eles a farão uma pessoa adorável. Morrison tem afirmado que criou seu próprio sentido de identidade como escritora por meio desse romance: “Eu era a Pecola, a Claudia, todo mundo.”

Sula (1973) descreve a forte amizade entre duas mulheres. Morrison pinta as mulheres afro-americanas como personagens únicos, totalmente individualizados, não estereotipados. Seu romance A Canção de Solomon (1977) ganhou vários prêmios. O livro segue a trajetória de um negro, Milkman Dead, e suas complexas relações com a família e a comunidade. Amada (1987) é a perturbadora história de uma mulher que prefere assassinar seus filhos a deixá-los viver como escravos. Nesse romance emprega técnicas oníricas do realismo mágico ao descrever a misteriosa figura de Amada, que volta a viver com a mãe que havia cortado sua garganta. Jazz (1992), ambientado no Harlem dos anos 1920, é uma história de amor e assassinato. Em 1993, Morrison ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

Literatura contemporânea

No final do século 20 e início do século 21, a mobilidade social e geográfica das massas, a internet, a imigração e a globalização apenas enfatizaram a voz subjetiva em um contexto de fragmentação cultural. Alguns escritores contemporâneos refletem uma inclinação em direção a vozes mais calmas e acessíveis. Para muitos autores de prosa, a região, em vez da nação, é a geografia que importa.

Louise Glück (1943- )

Uma das mais impressionantes poetas contemporâneas é Louise Glück. Nascida na cidade de Nova York, Glück, poeta americana premiada em 2003 e 2004, cresceu com permanente sentimento de culpa devido à morte de uma irmã nascida antes dela. Na Faculdade Sarah Lawrence e na Universidade de Colúmbia, estudou com os poetas Leonie Adams e Stanley Kunitz. Grande parte de sua poesia fala de perdas trágicas. Cada livro de Glück é um experimento de novas técnicas, tornando difícil uma síntese de sua obra.

Em seu memorável A Íris Selvagem (1992), diferentes tipos de flores pronunciam pequenos monólogos metafísicos. O poema que dá título ao livro, uma exploração da ressurreição, poderia ser uma epígrafe para o conjunto de sua obra. A íris selvagem, uma flor linda de cor azul profundo que ao brotar de um botão que ficou adormecido durante todo o inverno, diz: “É terrível sobreviver / como consciência / enterrada na terra escura.”

Do centro da minha vida brotou
uma grande fonte, sombras de cor
azul profundo sobre o azul-celeste da água do mar
.

Billy Collins (1941- )

A poesia de Billy Collins é original e estimulante. Collins usa a linguagem corrente para registrar milhares de detalhes da vida diária, combinando livremente os eventos do cotidiano (comer, realizar tarefas, escrever) com referências culturais. Seu humor e originalidade fizeram com que ele atraísse o grande público. Embora alguns tenham acusado Collins de ser acessível demais, seus imprevisíveis vôos de imaginação mergulham no mistério.

A obra de Collins é uma forma domesticada de surrealismo. Seus melhores poemas catapultam de imediato a imaginação para uma série de situações cada vez mais surrealistas, propiciando no final uma aterrissagem emocional, uma disposição de ânimo na qual podemos nos apoiar. O pequeno poema “The Dead” [O Morto], tirado de Sailing Alone Around the Room: New and Selected Poems [Velejando Sozinho em Volta do Quarto: Novos Poemas Selecionados] (2001), dá uma idéia do vôo imaginativo e do suave aterrizar de Collins, como o de uma ave em busca de repouso.

Os mortos estão sempre a nos desdenhar, segundo dizem,
enquanto calçamos nossos sapatos ou preparamos um sanduiche,
eles nos olham com desdém de seus barcos de fundo de vidro, lá no céu
em seu lento remar pela eternidade
.

Annie Proulx (1935- )

A surpreendente escritora Annie Proulx cria histórias sobre os batalhadores habitantes do norte da Nova Inglaterra em Canções do Coração (1988). Seu melhor romance, Chegadas e Partidas (1993), é ambientado mais para o norte, em Newfoundland, Canadá. Proulx também passou anos no Oeste, e um de seus contos originou o filme “O Segredo de Brokeback Mountain”, em 2006.

Richard Ford (1944- )

Oriundo do Mississippi, Richard Ford começou a escrever no estilo faulkneriano, porém, é mais conhecido por seu romance sutil ambientado em Nova Jersey, O Cronista Esportivo (1986), e sua continuação, Independência (1995). Esse romance é sobre Frank Bascombe, um vagabundo sonhador, ambíguo, que perde todas as coisas que dão sentido à sua vida — um filho, seu sonho de escrever ficção, seu casamento, amantes, amigos e emprego. Bascombe é sensível e inteligente — suas escolhas, diz ele, são feitas “para desviar a dor do arrependimento terrível” — e seu vazio, junto com os anônimos shopping centers e novos empreendimentos imobiliários áridos, os quais ele continuamente percorre em silêncio para comprovar a visão de Ford de uma doença nacional.

Amy Tan (1952- )

O norte da Califórnia abriga uma rica tradição literária ásio-americana, cujos temas característicos incluem família e papéis dos gêneros, conflito entre gerações e busca de identidade. Uma escritora ásio-americana da Califórnia é a romancista Amy Tan, cujo best-seller Clube da Felicidade e da Sorte tornou-se filme de sucesso em 1993. Seus capítulos interligados como contos delineiam os diferentes destinos de quatro pares de mãe e filha. Entre os romances de Amy Tan que abarcam a China histórica e os Estados Unidos da atualidade, encontram-se Os Cem Sentidos Secretos (1995), sobre meias-irmãs, e A Filha do Restaurador de Ossos (2001), sobre os cuidados de uma filha com sua mãe.

Sherman Alexie (1966- )

Sherman Alexie, índio criado na reserva de Spokane, da tribo Coeur d’Alene, é o mais jovem romancista indígena a alcançar fama nacional. Alexie faz relatos humorísticos e pouco românticos da vida dos índios abordando misturas incoerentes de tradição e cultura popular. Fazem parte de seus ciclos de contos Reservation Blues [O Blues da Reserva] (1995) e The Lone Ranger and Tonto Fistfight in Heaven [A Luta de Zorro e Tonto no Céu] (1993), que inspirou o ótimo filme sobre a vida nas reservas Sinais de Fumaça (1998), com roteiro do próprio Alexie. A coletânea recente de contos de Alexei é The Toughest Indian in the World [O Índio Mais Forte do Mundo] (2000).

Fonte:
http://embaixadaamericana.org.br/HTML/literatureinbrief/chapter03.htm

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Poetas da Holanda (Países Baixos)

O mais antigo poeta desse pais chamava-se Heinrich vau Veldeke, de origem alemã (cerca de 1170).

Seu papel foi importante, porque, não só contribuiu para popularizar, na Holanda e Alemanha, a literatura galante da França, como deu inicio ao classicismo alemão na Idade Média.

No fim do século XIII, Jacob van Maerlant (1225-1291) refletiu o espírito realista burguês e é considerado “pai da poesia holandesa”.

No século XV, Elckerlyc (cerca de 1485) cultivou uma poesia erudita, com obras também de fundo dramático; enquanto a poesia religiosa teve o seu representante em Thomas a Kempis (cerca de 1420).

No século XVII, “século de ouro”, aí, sim, o espírito renascentista, na Holanda, atingiu certa maturidade, ao se libertar do domínio espanhol.

A arte nacional se fez presente com o espírito cômico de Gerbrand A. Bredero (1585-1618); o lirismo de Constantin Huygens e H. Dullaert; atingindo o seu ápice com a poesia de Pieter Cornelisz Hooft (1581-1647), de Joost Van den Vondel (1587-1679), este último, poeta cristão, e de Jakob Cats (1577-1660), poeta burguês de relativo sucesso.

Depois do classicismo de Willem Bilderdijk (1756-1831), o maior poeta holandês de sua época,
apareceram escritores e poetas românticos, mas as suas vozes foram abafadas pela tradição realista de Nicolaas Beets (1814-1903), poeta e escritor, autor de um livro de contos, “Câmera obscura”, publicado em 1839.

O movimento de 1880 logrou renovar a literatura e, naturalmente, a poesia, na Holanda.

Consumou-se, então, a vitória do simbolismo e “o soneto foi o veículo daquela renovação”, através dos sonetistas Jacques Pert, Willem Kloos (1859-1938) e Albert Verwey (1865-1937).

No século XX, Herman Gorter (1864-1927) surgiu com uma poesia de caráter social. Entre as duas grandes guerras, ganhou nome o poeta Hendrik Marsman (1899-1940). Depois de 1945, Lucebert (Jacobus Swaanswijk), nascido em 1924, e Kourvenaar, surgiram como poetas experimentais da vanguarda holandesa.

Na Holanda, o soneto fez mais admiradores que na Inglaterra. A “introdução do soneto” nos Países Baixos ocorreu no século XVII, com o grande poeta Pieter Cornelisz Hooft (1581-1647). Aliás, todos os poetas, desse século foram sonetistas, podendo-se dizer que, entre aqueles que mais se sobressaíram, estava o poeta religioso Heiman Dullaert.

Fontes:
http://www.clubedapoesia.com.br/internacionais/internacional.htm
Foto =
http://www.gizzetdawson.com.br

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Literatura Maltesa

(tradução do espanhol: José Feldman)

(Fonte Triton e Karozzin)
A literatura maltesa autônoma de desenvolveu mais tarde do que no resto da Europa. Já quando esta havia florecido em toda a Europa, em Malta estava começando a surgir. Os autores malteses se somaram ao movimento romântico da Europa. O tema dos escritores foi sobre todo o orgullo nacional.

No final do século XIX se desenvolveram dois gêneros novelísticos: a novela histórica e a gótica. A novela histórica se classificava em história maltesa, história em geral e religião. No caso da literatura gótica a temática é o mal, obscuro e terrível, que irrompe no idílio do mundo.

A primeira novela política de um autor maltês apareceu em 1905. Na novela política maltesa se criticava a sociedade e a autoridade, e se situavam os sucessos em lugares fictícios. Em 1920 se fundou a Academia de Autores Malteses. O realismo começou a se desenvolver lentamente a partir de 1930. Criticava-se a sociedade em retratos da sociedade. Na década dos ´30 e ´40 este tipo de novela tinha muita popularidade.

Em 1967 se iniciou o Movimento pela Reativação da Literatura Maltesa. Até os anos 60 os escritores estavam empenhados em conseguir um estilo comum, que seria típico da ilha. Os autores de finais do século XX aceitaram que Malta não era um mundo a parte e se deixaram influenciar pela literatura de outros países.

Alguns dos escritores mais representativos da literatura maltesa são: Igino Lombardi, Immanuel Mifsud, Joseph Abela, Charles Casha, Trevor Zahra, Adrian Grima, Francis Ebejer, Emilio Lombardi, Dun Karm Psaila y Oliver Friggieri.

Fonte:
http://www.maltaenred.com/content/guia_paises/malta/cultura/36

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Literatura Chinesa

Conjunto de obras literárias escritas e publicadas ao longo da história da China.

Existem duas tradições na literatura da china: a literária e a popular ou coloquial. A última remonta a mais de mil anos antes da era cristã e permanece até nossos dias. No princípio consistia em poesia mais tarde em teatro e romance, e depois foi incorporando obras históricas, relatos populares e contos. Os intelectuais da classe oficial que ditavam os gostos literários, não a creditavam digna de estudos por a considerarem inferior, sendo que, até o século XX, este tipo de literatura não obteve o reconhecimento da classe intelectual. Seu estilo brilhante e refinado marca os princípios da tradição literária ortodoxa, que começou há 2.000 anos.

ÉPOCA CLÁSSICA
A época clássica é correspondente a da literatura grega e romana. As etapas de formação tiveram lugar do século VI ao IV a.C. nos períodos da dinastia Chou (c. 1027-256 a.C.). Desta época são as obras de Confúcio, Mencio, Laozi (Lao-tsé), Zhuangzi e outros grandes filósofos chineses. Culminou com a recopilação dos chamados cinco clássicos, ou clássicos confucianos, além de outros tratados filosóficos

A obra poética mais importante do período clássico foi o Shijing (Livro das odes ou Clássico da poesia), antologia de poemas compostos em sua maioria entre séculos X e VII a.C. A lenda diz que foi o próprio Confúcio quem seleccionou e editou os 305 poemas que formam a obra. Trata-se de poemas simples e realistas da vida camponesa e cortesã.

O estilo aristocrático ou cortesão alcança sua máxima expressão com os poemas de Chu, estado feudal ao sul da China central que foi a terra de Qu Yuan, primeiro grande poeta chinês.

Durante a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) as tendências realista e romântica: deram lugar à escolas poéticas. Os versos de Chu foram o começo de um novo gênero literário, o fu, o poema em prosa. Mais tarde, a poesia se enriqueceu com canções populares reunidas por Yüeh-fu, no século II a.C.

Os primeiros trabalhos em prosa formam, junto com o Shijing, os cinco clássicos. São o I Ching (Anais do Chin), livro de adivinhacões; o Shujing (Livro dos documentos), um conjunto de antigos documentos de Estado; o Liji (Memória sobre os ritos), coleção de códigos governamentais e rituais, e o Chunqiu (Anis da primavera), a história do estado de Lu desde 722 até 481 a.C. Do século VI até o III a.C. foram escritas as primeiras grandes obras da filosofia chinesa, como os Analectas de Confucio, aforismos recompilados por seus discípulos; os eloqüentes debates de Mencio, discípulo de Confúcio; o Doodejing (Clássico da forma e sua virtude), atribuído a Lao Tse, fundador do taoísmo, e os ensaios de Zhuangzi, o outro grande filósofo taoísta. Também são importantes os ensaios de Mozi, Xunzi e Han Fei Zi. Sima Qian escreveu o Shiji (Memórias históricas), história da China até a dinastia Han. Os discípulos de Confúcio criaram, as bases da tradição literária da prosa chinesa, adotando uma linguagem literária própria, diferente da linguagem falada.

ÉPOCA MEDIEVAL
Do século III ao século VII d.C., a China estava dividida em estados rivais, porém com a difusão do budismo vindo da Índia e a invenção de um tipo de imprensa viveu um dos períodos mais brilhantes da história de sua literatura.

Durante os períodos de agitação política, poetas encontraram refúgio e consolo no campo. Alguns eram ermitãos e criaram uma escola de poesia a que chamaram Campo e jardim. Outros escreveram os melhores poemas populares chineses, como os de amor atribuídos a poetisa Tzu-yeh. O melhor poeta destes séculos turbulentos foi Tao Qian, também conhecido por Tao Yuanming, que cantava as alegrias da natureza e da vida solitária.

A melhor poesia chinesa foi escrita durante a dinastia Tang (617-907), da qual se conservam mais de 49.000 poemas escritos por 2.200 poetas. Os três poetas mais famosos foram Wang Wei, filósofo e pintor; Li Po, líder taoísta da escola romântica, e seu amigo e rival Tu Fu, meticuloso em seus esforços para conseguir um realismo preciosista, cuja obra influenciou o poeta Po Chu-i, que utilizava a poesia como um meio para a crítica e a sátira.

Durante a dinastia Song (960-1279), Su Tung-po foi o melhor poeta chinês de tsu (estilo poético que fixa o número de versos e seu comprimento segundo o tom e o ritmo). A poetisa chinesa Li Qingzhao alcançou grande popularidade por seus versos tsu sobre sua viudedad. Han Yu, mestre da prosa Tang, exigia a volta da escrita direta e simples do estilo clássico.

A tradição literária prlongou-se na dinastia Song com Ouyang Xiu, mais conhecido por suas maravilhosas descrições de paisagem. Os engenhosos ensaios de Su Xun são os melhores do estilo clássico.

O teatro propriamente dito não se desenvolveu até o final do período medieval. Na época Tang, os atores já ocupavam um lugar importante entre os artistas populares e se agrupavam em companhias profissionais, que atuavam em teatros construídos para receber milhares de pessoas.

ÉPOCA MODERNA
A época moderna começa no século XIII e chega até nossos dias.

No século XIV, a narrativa popular chinesa foi cada vez mais importante. Dois dos primeiros romances desta época, Sanguozhi Yanyi (Histórias romanceadas dos reinos) e Shuihuzhuan (À beira d’água), podem ser considerados a épica em prosa do povo chinês. Cao Xueqin escreveu o romance realista Hongloumeng (Sonho do quarto vermelha).

No século XVII, apareceram numerosas coleções de breves histórias. A mais popular é Jinguqiguan (Contos maravilhosos do passado e do presente), composto de 40 histórias.

No século XX, influenciados pela literatura ocidental, os escritores chineses, guiados por Hu Shi, começaram uma revolução literária conhecida como o renascimento chinês. Intencionavam utilizar a linguagem coloquial com fins literários. Com ensaios e histórias mordazes atacavam a sociedade tradicional, e escritores como Lu Xun (pseudônimo de Zhou Shuren) ajudaram ao avanço da revolução socialista.

Durante os anos da Revolução Cultural (1966-1978) os artistas e escritores se adaptaram as necessidades do povo e a influência burguesa ocidental foi atacada duramente. Desde então tem se permitido uma maior liberdade de expressão, tolerando-se o renovado interesse pelas idéias e as formas ocidentais.

Fontes:
http://portalliterario.sites.uol.com.br/chinesa.htm
Desenho =
http://www.lendo.org

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Literatura Japonesa

A literatura japonesa desenvolveu-se nos períodos Yamato, Heian, Kamakura-Muromachi, Edo e moderno, denominados assim de acordo com a sede do principal centro administrativo japonês da época.

PERÍODO YAMATO (DE ÉPOCAS ARCAICAS ATÉ O FINAL DO SÉCULO VIII D.C)

Ainda que não existisse literatura escrita, foram compostas um número considerável de baladas, orações rituais, mitos e lendas que, posteriormente, foram reunidas por escrito e incluem-se na Kogiki (Relação de questões antigas, 712) e a Nippon ki (Livro de História do Japão antigo, 720), primeiras histórias do Japão que explicam a origem do povo, a formação do Estado e a essência da política nacional. A lírica surgida das primitivas baladas incluídas nestas obras estão compiladas na primeira grande antologia japonesa, a Maniosiu (Antología de inumeráveis folhas), realizada por Otomo no Yakamochi depois de 759 e cujo poeta mais importante é Kakimoto Hitomaro.

PERÍODO HEIAN (FINAL DO SÉCULO VIII ATÉ FINAL DO SÉCULO XII)

A Kokin-siu (Antologia de poesia antiga e moderna, 905) foi reunida pelo poeta Ki Tsurayuki que, no prefácio, proporcionou a base para a poética japonesa. Ki Tsurayuki é também conhecido como autor de um nikki, primeiro exemplo de um importante gênero literário japonês: o diário.
A literatura do começo do século X aparece em forma de contos de fadas, como O conto do cortador de bambú, ou de poemas-contos, entre eles, Ise monogatari (Contos de Ise, c. 980). As principais obras da literatura de Heian são Genji monogatari (Contos ou História de Genji, c. 1010) de Murasaki Shikibu, primeiro importante romance da literatura mundial, e Makura-no-soshi (O livro travesseiro) de Sei Shonagon.

PERÍODO KAMAKURA-MUROMACHI (FINAL DO SÉCULO XII ATÉ O SÉCULO XVI)

A primeira de várias antologias imperiais de poesia foi a Shin kokin-siu (Nova coleção de poemas antigos e modernos, 1205) resumida por Fujiwara Teika. A obra em prosa mais famosa do período, os Heike monogatari (Contos do clã Taira, c. 1220), foi escrita por um autor anônimo. Destacam-se A cabana de três metros quadrados (1212) do monge Abutsu, e Ensaio em ócio (1340) de Kenko Yoshida. O tipo de narrativa mais importante desta época foram os “otogizoshi”, coleção de relatos de autores desconhecidos.
O desenvolvimento poético fundamental do período posterior ao século XIV foi a criação do renga, versos unidos escritos em estrofes repetidos por três ou mais poetas. Os maiores mestres desta arte, Sogi, Shohaku e Socho, escreveram, juntos, o famoso Minase sangin (Três poetas em Minase) em 1488.

PERÍODO EDO (SÉCULO XVII-1868)

Neste período de paz e riqueza surgiu uma prosa obscena e mundana de um caráter radicalmente diferente ao da literatura do período precedente. A figura mais importante do período foi Ihara Saikaku, cuja prosa em O homem que passou a vida fazendo amor (1682) foi muito imitada. No século XIX foi famoso Jippensha Ikku (c. 1765-1831), autor da obra picaresca Hizakurige (1802-1822).

O haicai, um verso de 17 sílabas que reflete a influência do zen, foi aperfeiçoado neste período. Três poetas destacam-se por seus haikais: o monge mendicante zen Basho, considerado o maior dos poetas japoneses por sua sensibilidade e profundidade; Yosa Buson, cujos haikus expressão sua experiência como pintor, e Kobayashi Issa. A poesia cômica, numa diversidade de formas, influenciou também este período.

PERÍODO MODERNO (1868 ATÉ A ATUALIDADE)

Durante o período moderno os escritores japoneses foram influenciados por outras literaturas, principalmente as ocidentais.

No século XIX destacam-se os romances de Kanagaki Robunis, Tokai Sanshi, Tsubuochi Shoyo e Futabei Shimei. Ozaki Koyo, fundador da Kenyusha (Sociedade dos amigos do nanquim), incorporou técnicas ocidentais e influenciou-se em Higuchi Ichiyo.

No século XX surge o naturalismo, cuja figura principal é Shimazaki Toson. Mori Ogai e Natsume Soseki se mantiveram afastados da tradição francesa dominante. Destacam-se também o autor de relatos Akutagawa Ryunosuke, Yasunari Kawabata (Prêmio Nobel em 1968), Junichiro Tanizaki, Yukio Mishima, Abe Kobo e Kenzaburo Oé (Prêmio Nobel em 1994).

Do final do século XIX aos nossos dias existe um forte movimento a favor da poesia ao estilo ocidental. Dentro deste gênero, surgiram excelentes poetas. Entre eles, Masaoka Shiki.

Fonte:
http://br.geocities.com/culturauniversalonline/literaturauniversal.htm

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Literatura Iugoslava

Literatura escrita nas línguas da antiga Iugoslávia: sérvio, croata, esloveno e macedônio. As literaturas sérvia e croata compartilham basicamente a mesma língua, embora a primeira utilize o alfabeto cirílico e a segunda, o latino. A literatura eslovena utiliza uma língua própria cujos caracteres estão baseados no alfabeto latino e a Macedônia utiliza também sua própria língua em alfabeto cirílico.

Os textos mais antigos da literatura eslava meridional são documentos eclesiásticos que datam do século IX. Mais tarde, durante a Idade Média, os sérvios desenvolveram uma rica literatura que consiste em biografias, crônicas e traduções de textos literários gregos e bizantinos. A literatura medieval croata está composta de textos religiosos, historias, códigos legais e alguns poemas.

Sob a influência do renascimento italiano, a literatura croata viveu uma época de esplendor durante os séculos XVI e XVII. Entre os mais significativos escritores do período encontram-se o ensaísta e poeta Marko Maruliź, o dramaturgo Marin Dræiæ e Ivan Gunduliæ. Durante a reforma protestante do século XVI, os eslovenos retomaram sua atividade literária, tendo como líder Primož Trubar, criador da linguagem literária e da ortografia eslovenas. Ao mesmo tempo, os sérvios produziram poemas épicos e outras criações populares de grande beleza e elevado nível artístico.

O século XVIII foi um período de intensa atividade cultural em todas as regiões eslavas meridionais. Um antigo monge, Dositej Obradoviæ, determinou o despertar do espírito nacional e animou o panorama cultural de seu grupo étnico.

No século XIX, Vuk KaradžIæ, lingüista e folclorista, formulou a primeira gramática sérvia e publicou poemas e contos recolhidos entre os camponeses. Um dos mais destacados escritores deste momento foi o bispo e príncipe de Montenegro Petar Petroviæ Njegoś.
Na Croácia, o editor Ljudevit Gaj liderou o movimento Iliriano (1835-1848), empenhado na independência política e cultural croata, que recebeu o apoio de escritores como Ivan Mažuraniæ. Na Eslovenia, France Presšeren encabeçou o movimento romântico.
Durante a segunda metade do século, os escritores sérvios, croatas e eslovenos começaram a retratar a vida de suas respectivas regiões de um modo realista, combinando uma minuciosa observação naturalista com a crítica social.

No final do século, nas literaturas eslavas meridionais entraram correntes inovadoras procedentes da França. Este período, denominado moderno, foi muito rico em poesia lírica.
O período de entre-guerras caracterizou-se por sua produtividade e versatilidade por parte dos poucos escritores destacados do momento, entre eles, os sérvios Ivo Andric (Prêmio Nobel de Literatura de 1961), Milosš Crnjanski e Miroslav Krleža, o mais importante dos escritores croatas.

Após a II Guerra Mundial, se sobressaem os sérvios Mihailo Laliæ, Dobrica Æsiæ e Mescaron Selimoviæ. Após séculos de silêncio, a literatura macedônia, em especial a poesia, começou a vir à luz, enquanto que Milovan Djilas, um autor de Montenegro, escreveu um relato original sobre a situação política da Iugoslávia do pós-guerra.

Fonte:
http://br.geocities.com/culturauniversalonline/

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As mais bellas lendas do continente americano

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 25 de dezembro de 1938
Neste texto foi mantida a grafia original

Como surgiu a “Monja Blanca”, a flôr nacional da Guatemala

Realizou-se no anno passado, na Guatemala, um original concurso literario, promovido pelo governo dequella republica. O thema desse concurso era a “Monja Blanca”, a formosa orchidea dos Andes, que é a flor nacional da Guatemala. O trabalho que publicamos a seguir, “Avatar”, foi um dos premiados nesse concurso e é de autoria da poetiza guatemalense Angelina Acuna. Traduziu-o especialmente para o Supplemento da “Folha da Manhã” o sr. J. R. Marcondes Machado, detentor da Cadeira da Guatemala na Academia de Letras Americanas da Faculdade de Philosophia, Sciencias e Letras da Universidade de São Paulo.

Oh, Xmucané! Clamava a donzella – Oh, Xpiyacoe! Vós que fizestes homens de “tzité”, mulheres de “zibak”; vós que fizestes seres perfeitos com a polpa branca do milho moido…! Que farei eu, pobre de mim, para realizar este milagre?

E ao pé dos “galayos” erguidos em ameaça de precipicios, a terna princeza Ismaleg fazia rosarios de angustia, com as contas escorregadiças de suas lagrimas. Em vão percorrera as selvagens ribeiras do Chixoy, as intricadas ramargens de Havitz e de Joyabaj; os montes e os rios escondiam-lhe os thesouros com aggressivo egoismo.

Entretanto, na longinqua Zamaneb, a poderosa cidade, gemia prisioneiro, num dos nove castelos encantados, coroados de almeias de lendas fantasticas e macabras, o amado de sua alma!… Creou uma rede fatal sobre sua vida a ousadia de amal-a… A ella! A princeza mimada do Ahau do Rabinal!… quando só podia offerecer-lhe as gemmas preciosas dum amor incommensuravel, encastoadas no estojo delirante de seu coração! Ia consummar-se o sacrificio impio, que, ao castigar com a morte o atrevimento do jovem “quecchi”, abriria num transbordamento de cálidos rubis, a urna que encerra o seu milagroso thesouro, quando a princeza se abateu, qual avezinha de azas quebradas, aos pés do cacique, implorando, com grito de angustia, o perdão da victima.

O gemido lastimoso furou, como uma flecha diamantina, o coração granitico do Ahau, e fez de reconditos lugares a clara serpentina dum frio de ternura:

– Vaite de minhas vistas! Gritou á filha. Perdoarei a vida deste vassallo perfido, porém não voltarás a vel-o enquanto não me trouxeres seu resgate…

O olhar supplice de Izmaleg como uma interrogante imploração, descerrou o cenhudo perfil do indignado senhor:

– Antes que a lua redonda alumie a collina do Xucaneb – ordenou-lhe – has de trazer-me algo que possa substituir, ante os deuses, a offerenda do coração do teu amante… Ha de ter, como um coração, a belleza que agrada aos deuses: deve encerrar a essencia vital do grande amor que diz sentir por ti; deve ter vida e o merito que implica o sacrificio, emblema da redempção!…

Desde esse instante, Izmaleg se poz a vagar em busca do milagre;. entretanto, no mais fundo subterraneo do castello de Zamaneb, enlutavam-se de noites dolorosas, os dias de seu amante… e uma meia lua amarellada, como dourada foice, cegava molhos de estrellas nas fulgidas eras da noite!…

– Oh Xmucané! Oh, Xpiyacoc! Vós fizestes seres perfeitos com a polpa branca do milho moido” que farei eu, pobre de mim? – chamava Izmaleg. A lua levantar-se-á de prompto sobre a christa do Xucaneb, redonda… redonda…

Enquanto assim implorava, ao pé do abrupto penhasco, esgotadas as forças e as lagrimas na busca angustiosa, aconteceu que o Pastor luminoso que cuida das ovelhas-estrellas nos redis estellares, deixou cahir entre as mãos morenas de Izmaleg, a alvura explendorosa duns myrificos flocos. Sem lhe dar tempo de sahir de seu assombro, a voz da cascata que se despenha em franjas, falou em claro murmurio:

– Levanta-te donzella, aqui esta a minha espuma; é a neve fundida que venho arrastando de altissimos cumes, jámais tocada por planta alguma! Que mais queres?

O gozo ineffavel urdiu dextresas inauditas nas ageis mãos que se puzeram a modelar fantasiosamente flocos sidereos e espumas impeccaveis; e, num ensalmo de maravilha, feerico milagre, abriu-se em candida corolla de alvura prodigiosa, uma exotica flôr!… A que deuses não agradaria sua explendida belleza? Porém – ah! – era uma flor sem vida… de niveas pétalas mortas, que nenhum alento vital exhalavam!…

O coração de Izmaleg alçou de novo o queixumoso arrulo; e, pesando na fatidica sorte do amado, que talvez nunca mais visse, rodaram-lhe as lagrimas, em um debulho de chrystallinas ternuras, sobre o calice de neve, que tremia em suas mãos; as pétalas estremeceram-se, então, sob a chuva milagrosa., Oh!, poder do amor…

“Ha de ter vida… e o merito que cria o sacrificio emblema de redempção…!” A phrase implacavel volteava-se como fatal mariposa de impossiveis, sobre a flor que parecia desfazer-se em diaphanas deliquescencias de neve, apagar-se como reflexos de estrellas moribundas…

– A vida… a vida…! oh, Xpiyacoc! Onde acharei a vida? Oh Xmucané! Só falta à lua uma restea de luz, uma resteazinha que lhe ha de pregar em sua borda o Oleiro Celeste com greda de luzeiros, e assomará amanhã sobre o Xucaneb, redonda… redonda…

Como se o lamento de Izmaleg tivesse a magia de um sortilegio, a montanha abriu em seu flanco o portico de uma gruta fantastica e, numa labareda prateada, surgiu a barba luminosa do bruxo do monte.

– Que me pódes dar em troca do milagre? – perguntou a Izmaleg.

Com grandiosa renuncia, disse:

– Se te bastasse a vida… dar-te-ia!

A voz prophetica do feiticeiro fez tremer a montanha, quando clamou:

– Farei o milagre: tua flor terá a vida… e o merito que te exigem! Vae a Zamaneb, e amanhã, antes que a lua avive sua bandeja redonda, cheia de luz, sobre o Xucaneb, deixarás a flor nas mãos do Ahau…

Na noite de azues mysterios sonhavam os astros; e, como prenuncio da lua vinha um halo luminoso subindo a testada do Xucaneb, quando Izmaleg chegou, desfallecida, á cidade dos nove castellos encantados da lenda. Cheia de fé na magia do bruxo, á espera do milagre que já presentira, prostrou sua fadiga e suas roupagens aos pés do cacique inplacavel! Vestida sómente do manto negro de sua cabelleira, alçou no reconcavo de suas mãos o thesouro, e disse tremendo:

– Senhor… eis o resgate. Não ha outra igual sobre a terra! É tão bella e tão pura! Tem a essencia do amor atormentado que verteram minhas lagrimas em sua corola…

– Mas isto é uma flor artificial!… interrompeu zangado o cacique. Isto não tem vida!… Não viste ainda como palpita o coração das victimas nas mãos do sacrificador?… Fala! Que me respondes?…

Porém Izmaleg, prostrada para sempre sob o sudario negro de seus cabellos, não poderia mais responder com seus labios á cruel interrogação. A flor, com uma suave estremecimento, como ultimo alento de um coração, começou a palpitar entre as mãos tremulas do aterrado Ahau do Rabinal, enquanto um effluvio vital, saturando as petalas como doce selva, parecia exclamar:

– Assombra-te e treme, alma cruel, ante o mais prodigioso e tremendo dos milagres! Sou a vida de Izmaleg; sou o supremo sacrificio de sua alma pura, que clamava pela redempção do captivo!

Sobre Xucaneb, a lua tambem contemplava, pasmada, aquella scena.

Desde então vive na solidão dos cumes a mystica orchidea (“Lycaste Skineri Alba”) “Monja Blanca”. Nos altares tropicaes de Tezulutan é o calice sagrado em que se communga pela redempção dos captivos… Coração impolluto em que palpita um alento de abnegação e sacrificio, a alma da raça aborigene; flor sensivel, predestinada, como Izmaleg que lhe deu a alma branca e pura, como o Evangelho da Paz com que o doce frei Bartholomeu conquistou as agrestes serranias de Zamaneb; flor emblematica que ama os cumes dos Andes, aonde não chegam as exhalações do pantano, que talvez manchariam a sua immaculada nobreza…

Que eloquente symbolo sobre o pendão da minha Patria, sob o iris esplendido do Quetzal!

Fontes:
http://almanaque.folha.uol.com.br/
http://www.buriedmirror.com/ (imagem)

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Leny Magalhães Mrech (A Criança e o Computador : Novas Formas de Pensar)

1. INTRODUÇÃO

Em todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a Informática tem sido um dos campos que mais tem crescido atualmente. Este processo tem atingido sobretudo as áreas de Educação e Lazer. Em decorrência, constata-se que, no mundo todo, o computador tem entrado cada vez mais cedo na vida das crianças. Tornando-se, então, estratégico saber de que maneira ele pode determinar os novos rumos da construção do pensamento das crianças.

É interessante perceber que tem havido poucas pesquisas no estudo da interação entre as estruturas sócioeconômicas, as estruturas de pensamento da criança e o uso do computador. Na grande maioria das vezes elas se apresentam direcionadas apenas para um dos lados ou, no máximo, visando a interação entre dois aspectos. O que tem faltado é exatamente uma concepção dinâmica que estabeleça uma leitura múltipla direcionada para uma interação entre aqueles referenciais básicos. É o que este artigo se propõe a fazer identificando as relações dinâmicas entre as estruturas sociais, as estruturas do pensamento da criança e o uso dos computadores.

2. OS COMPUTADORES: UM NOVO PRODUTO E UMA NOVA FACE DA CULTURA

Tradicionalmente os computadores têm sido pensados apenas como meros instrumentos de transmissão rápida de informações. No entanto, sua capacidade efetiva ultrapassa bastante este plano redutor.

Os computadores são um novo tipo de produto social. Eles são chamados “produtos inteligentes” ; isto é, produtos com possibilidade de desencadear alterações nas relações entre as pessoas. Portanto, o que os caracteriza basicamente é que eles não são meros produtos para um consumo imediato, trazem acoplado novos rumos para aqueles que os utilizam.

Estas máquinas inteligentes já estão começando a ser usadas para tudo, desde calcular os impostos da família e monitorar o uso de energia em casa, jogando jogos, conservando um arquivo de petiscos, lembrando seus donos de próximos compromissos e servindo como “datilógrafas espertas”. Isto, entretanto, oferece apenas um minúsculo vislumbre de seu potencial completo. (…) Viver num ambiente assim levanta questões filosóficas de arrepiar. As máquinas assumirão o controle? Poderão máquinas inteligentes, especialmente se entrelaçadas em redes de intercomunicação, ultrapassar a nossa habilidade de compreendê-las e controlá-las? (…) Até que ponto nos tornaremos dependentes do computador e do cartão? Na medida em que bombearmos mais e mais inteligência no ambiente material, atrofiar-se-ão as nossas próprias mentes?”

Há, geralmente, uma postura inicial que acompanha a todos aqueles que se iniciam na utilização de computadores : uma maneira preconceituosa de concebê-los. Primeiramente, os usuários partem da crença de que eles são máquinas que não pensam. Na verdade, eles são produtos de ponta de uma tecnologia inteligente, isto é, uma tecnologia que se desenvolve e se estrutura a partir de componentes oriundos da decodificação de processos cerebrais. São máquinas semânticas, utilizando formas de linguagem bastante sofisticadas, tais como : imagens, códigos de linguagem, processadores de texto e cálculo, etc.

Em segundo lugar, os computadores costumam ser vistos como máquinas frias que não possibilitam o contato humano. Contudo, este processo tem mudado rapidamente através das redes de computação. O que possibilitou a emergência de novas maneiras de conceber as relações sociais. Surgiram as chamadas relações virtuais. Elas são estabelecidas através dos microcomputadores conectados em rede. Em decorrência, seja através dos grandes bancos de dados, das trocas de mensagens por correio eletrônico ou dos chats (conversas online em pares ou grupos); o que acaba por se estruturar são novas formas de interação, onde as distâncias e o tempo se encurtam nos processos de comunicação entre as pessoas.

(Invadir) o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação, lidamos mais com signos do que com coisas. Preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real. PORQUE DESDE A PERSPECTIVA RENASCENTISTA ATÉ A TELEVISÃO, QUE PEGA O FATO AO VIVO, A CULTURA OCIDENTAL FOI UMA CORRIDA EM BUSCA DO SIMULACRO. SIMULAR POR IMAGENS COMO NA TV, QUE DÁ O MUNDO ACONTECENDO, SIGNIFICA APAGAR A DIFERENÇA ENTRE REAL E IMAGINÁRIO, SER E APARÊNCIA. Mas o simulacro, tal qual a fotografia a cores, embeleza, intensifica o real. Ele fabrica um hiper-real, espetacular, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. O hiper-real simulado nos fascina porque é o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas propriedades. (…) ELES NÃO NOS INFORMAM SOBRE O MUNDO; ELES O REFAZEM À SUA MANEIRA, HIPER-REALIZAM O MUNDO , TRANSFORMANDO-O NUM ESPETÁCULO.” (GRIFO NOSSO)

Quando o aluno se volta para a sociedade atual, através da Informática, não está apenas frente a um novo instrumento de consumo ou brinquedo. O computador estrutura um novo recorte da realidade. Um recorte que possibilita ao usuário recriar uma parte da realidade. Este fato nunca antes tinha acontecido nas dimensõe atuais. O real ficava sempre como o último recurso da certeza do sujeito. Era no real que estava a concretude do pensamento. Era nele que o professor teria que se basear para estruturar o seu processo de ensino-aprendizagem. No momento atual, assinala Jair Ferreira dos Santos ” (que) os filósofos estão chamando de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito, ou seja, o referente (a realidade) se degrada em fantasmagoria e o sujeito (o indivíduo) perde a substância interior, sente-se vazio.”

Com o processo de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito como é que fica o processo de formação dos alunos? De que maneira o professor deverá agir para lidar com os alunos a partir desta nova realidade?

” Não é o saber ou o saber fazer o fulcro da ação educativa: é a criança, o adolescente, que devem ser preparados para viverem com os seus semelhantes, para dialogarem com eles, para participarem em sociedades gradualmente mais tirânicas, sem por isso deixarem de ser eles mesmos, sem serem dominados, avassalados por máquinas e burocracia de qualquer tipo”.

Pode-se dizer que os computadores não são apenas os produtos mais comuns da nossa época. Eles são a metáfora do nosso tempo. Eles trazem em seu bojo as possíveis transformações que a sociedade do futuro terá. Uma sociedade que exige que os sujeitos sejam preparados para viver em realidades cada vez mais redefinidas e recortadas, onde o conceito de real e de realidade antigos não dão conta das indicações dos caminhos por onde ir. Os alunos precisam ser preparados para uma sociedade pós-moderna onde os parâmetros cognitivos serão continuamente redefinidos.

A questão básica passa a ser, em decorrência, o que a Educação pode fazer para auxiliar os alunos e professores neste processo. No passado partia-se do privilegiamento do plano da razão ou consciência.

3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE NO EIXO DA RAZÃO

Durante muitos séculos o grande marco norteador da história do pensamento humano foi o chamado modelo consciencialista, baseado no modelo filosófico. Foi através dele que o ser humano se pensou e tem se pensado para encontrar o rumo da sua sociedade e de si próprio.

Neste nível, pode-se dizer que a história do pensamento filosófico durante muitos séculos foi também a história do processo educacional. Ou seja, os grandes filósofos foram, ao mesmo tempo, os grandes pensadores e educadores da humanidade. Foram eles que ajudaram a construir o conhecimento e a inteligência universais. Eles que determinaram o que deveria ser visto e pensado.

A partir daí, a consciência passou a ser vista como sinônimo do próprio processo de conhecimento e de desenvolvimento da inteligência. Uma pessoa inteligente era acima de tudo uma pessoa consciente, e uma pessoa consciente era uma pessoa sábia.

A razão tornou-se o instrumento indispensável de autodeterminação do ser humano. A crença era que, através da razão, o homem encontraria a medida e os elos de ligação entre o social e o individual, entre o estático e o dinâmico, entre o particular e o universal. Isto acabou por levar à uma concepção onde a consciência e a inteligência eram vistas como faces da mesma moeda.

Entretanto, com o desenvolvimento das sociedades e das transformações tecnológicas tudo isto se altera. As produções gradativamente se tornaram mais sofisticadas intelectualmente.

Atualmente é possível comprar produtos mais elaborados do ponto de vista cultural: um texto denso de um escritor de vanguarda, um computador de última geração, uma música inovadora, um livro que aborde a última teoria de ciências, etc. O capitalismo criou um novo modelo de saber, onde a tecnologia assume uma dinâmica cada vez maior. As Artes e a Literatura também se densificaram e se estruturaram de outra forma. Os produtos atuais não usam apenas uma mídia como no passado, mas várias. Por exemplo, o músico Jean-Michel Jarre em seus trabalhos usa dos recursos multi-midia que incluem dança, parte cênica ( iluminação e o cenário), cinema e tv ( exibição de vídeos e filmes), ao mesmo tempo em que ele e o seus músicos tocam a sua última produção artística ( a música contemporânea – o jazz- fusion).

Em suma, o modelo capitalista de produção, distribuição e consumo instituiu novas formas de se pensar a cultura, a própria sociedade e o indivíduo. Em síntese, do ponto de vista da história do conhecimento humano, a ciência contemporânea trouxe uma mudança bastante radical em relação aos paradigmas de saber anteriores. A própria concepção de pensamento e inteligência humana foi alterada.

” As grandes teorias sociais construíram o seu paradigma sob a influência da crença no triunfo inexorável da razão e do progresso, numa história civilizatória da humanidade. As Ciências Sociais (às quais à Filosofia e à Educação estão estreitamente ligadas) tiveram, até agora como premissa que a vida social está condicionada por uma lógica, que vai da tradição à modernidade, da fé à razão, da reprodução à produção, da comunidade à sociedade (SADER,1988). Forjou-se, assim, um modelo geral de análise de caráter macroscópico, que privilegia a apreensão das regularidades sociais, a partir dos movimentos que gravitam no plano institucional e nas estruturas sociais. Contudo, todas essas teorias e suas premissas, que orientavam a pesquisa social, foram-se mostrando progressivamente insuficientes e incapazes de explicar os fenômenos sociais nas sociedades contemporâneas. Emergiram, com força crescente, novas dimensões da realidade que, até então, eram insuficientes, surpreendendo os cientistas sociais.”

Quando se pensa nas estruturas de pensamento das crianças, as pesquisas se voltam para o desenvolvimento da inteligência. Isto quer dizer que aquilo que interessa aos psicólogos, professores, psicopedagogos e psicanalistas são as formas de pensar mais eficazes, aquelas que possibilitam o crescimento maior dos sujeitos. Porém, esta não é uma tarefa fácil de ser executada, porque a Psicologia e a Psicanálise constataram que os sujeitos não se direcionam apenas para o seu bem, mas também para a sua destruição. Isto quer dizer que, através da utilização da razão, os seres humanos ainda não conseguiram deter as fontes de sua própria destruição. Eles apenas conseguiram mapeá-las ligeiramente. É o que Freud designa como pulsão de morte, isto é, o que leva o sujeito a sempre escolher o pior, aquilo que leva à sua destruição.

Este aspecto torna-se um elemento fundamental nas discussões porque tem sido feita uma ligação muito grande entre as possilidades de mau uso dos computadores e a destruição dos sujeitos ou da humanidade.

Como se, através do mau uso dos computadores, emergisse uma dinâmica destrutiva não constatada anteriormente. No entanto, a questão não é bem esta. Na história da humanidade sempre houve guerras e os seres humanos continuamente se destruiram. Nos dois últimos séculos chegamos a duas guerras mundiais. Mas por que isto acontece? As razões para os processos destrutivos nos seres humanos não se encontram nos computadores, mas nos próprios sujeitos e nos seus processos culturais. Além disso, do ponto de vista dos computadores, acredito que haja aqui um enorme descompasso. Normalmente os sujeitos lidam com eles como se fossem objetos produzidos da mesma forma que os demais produtos da cultura. Mas será que isto é verdadeiro?

Em primeiro lugar, os computadores fazem parte de uma linhagem nova de produtos: aqueles que são a concretização de formas de pensamento concebidas através da linguagem. Este processo começou a ser identificado com mais clareza a partir do século passado com a emergência da Linguística e da Antropologia. A linguagem remete-nos à uma instância que é fundamentalmente de orientação social. Ela seria o elemento maior de ligação entre o social e o individual.

Um dos autores que mais estudou este processo foi Lev Vygotsky. Ele partia da perspectiva de que a linguagem é socialmente formada e que, aos poucos, a criança a incorpora atraves daquilo que vivencia na família.

Dessa forma, o processo de construção da realidade social é um dos principais fatores do processo de construção da inteligência humana. Há um vínculo estreito entre a estruturação das chamadas funções psíquicas superiores dos sujeitos e o processo de construção da linguagem e da fala.

” Essa nova abordagem para a psicologia fica explícita em três idéias centrais que podemos considerar como sendo os “pilares” básicos do pensamento de Vygotsky: *as funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral; *o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior,as quais desenvolvem-se num processo histórico; *a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos.”

Tradicionalmente a construção da inteligência humana tem sido pensada apenas como se fosse um mero produto biológico decorrente da combinação de gens humanos ou um produto social. O modelo de Vygotsky incorpora estes dois aspectos, privilegiando tanto um corpo genéticamente construído quanto à sua vinculação com o social no desenvolvimento das potencialidades do sujeito. Consequentemente, a concepção torna-se dialética, onde a interação entre as variáveis biológicas e sociais é constantemente referida a um processo contínuo de mudança.

Não há apenas o cérebro genéticamente dado, mas um cérebro que, após o nascimento, se estrutura e transforma a partir de conteúdos oriundos do ambiente social do sujeito.

4. AS ONDAS SOCIAIS E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: AS INTERAÇÕES ENTRE O SOCIAL E O INDIVIDUAL

Os historiadores contemporâneos estudando a sociedade atual delineam três períodos na história da humanidade. No campo da Informática e Educação, uma das leituras mais divulgadas, neste sentido, tem sido aquela proposta pelo futurólogo Alvin Tofler. Seus trabalhos se iniciaram na década de 60.
O seu livro de maior impacto foi A Terceira Onda, lançado em 1983, onde é feito um relato das três “ondas” sucessivas de civilização humana. A metáfora da onda é usada para designar um fluir da sociedade que não vai em uma direção só, mas que apresenta fluxos e refluxos contínuos, tal como a água do mar, em seus aspectos superficiais e profundos de dinamização.

A primeira onda surgiu no início dos tempos e vigorou até finais do século XVII. A sociedade neste período se caracterizava por ser essencialmente agrícola. As pessoas viviam em bandos isolados, produzindo alimentos para o seu próprio consumo. Os antropólogos nomearam este tipo de civilização de sociedade primitiva.

A segunda onda surgiu após o século XVII e se caracterizou por apresentar um enorme desenvolvimento industrial. Houve a própria transformação das relações agrárias, através da produção de quantidades cada vez maiores de alimentos. Com isso, tornou-se possível a saída das pessoas do campo na direção das cidades. O que acabou por levar as indústrias a incorporarem cada vez mais mão de obra.

A sociedade da segunda onda introduziu uma nova forma de pensar e se relacionar, distinta daquela apresentada pelo modelo da primeira onda. Enquanto na primeira onda as pessoas eram tanto produtores quanto consumidores, na segunda onda tornou-se patente a emergência de um novo modelo social onde a produção e o consumo foram drásticamente dissociados. Ou seja, na segunda onda, as pessoas não produziam mais os seus produtos. Elas consumiam os produtos previamente preparados pelos produtores.

Um outro aspecto a ser assinalado, ao longo da segunda onda, é que a própria civilização tornou-se um produto de consumo. A própria cultura passou a ser industrializada. Houve a produção, distribuição e massificação das informações. A estrutura de pensamento passou a se direcionar para o consumo de maiores quantidades de informações, produtos,etc.

Atualmente, nos países de primeiro mundo, nós já chegamos à chamada terceira onda de civilização, onde os produtos passam a ser personalizados e direcionados para um consumo interativo entre os sujeitos.

5. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: OS DIVERSOS EM CONFRONTO

Normalmente quando as pessoas analisam as sociedades, elas o fazem através de uma leitura redutora do social, como se este fosse apenas o delineamento de uma tendência. O modelo tradicionalmente predominante é aquele onde o social é apreendido como se fosse uma totalidade. Na realidade, o modelo de Toffler revela que a sociedade é uma realidade multifacetada, em constante processo de transformação, a partir de um entrejogo de várias tendências e perspectivas estruturantes.

Para começar, muitas das mudanças da atualidade não são independentes umas das outras. Nem são fortuitas. (…) Enquanto as considerarmos mudanças isoladas e nos escapar esta significação maior, não poderemos idear uma resposta coerente e eficaz para elas. Como indivíduos, nossas decisões pessoais ficam sem objetivo ou autoneutralizadas. Como governos, caminhamos aos trancos de crises para programas de emergência, entrando pelo futuro adentro sem plano, sem esperança e sem visão.”

Neste sentido, cumpre assinalar que, da mesma forma que o social é reduzido à uma única vertente, o processo educacional também. Com isso, a realidade educacional perde seu entrejogo do diverso, diluindo-se em captações imaginárias semelhantes. Ou seja, apreende-se as semelhanças entre as várias instituições escolares a partir de seus contextos sociais e exclui-se tudo aquilo que aparece de diferente nelas. A proposta de Alvin Toffler resgata este encaminhamento multifacetado e interativo entre o social e o educacional. Ela captura tanto o aspecto macrossocial quanto microssocial. O social e o sujeito. As instituições e o grupo. Em suma, ela incorpora tanto o processo social mais abrangente, o microssocial e a própria interação entre eles, em uma construção com múltiplas formas e vários caminhos possíveis. Como conseqüência imediata, o próprio processo de construção da inteligência da criança é apreendido de maneira mais complexa. Não sendo reduzido à uma vertente social e educacional única, mas capturado em um entrejogo de possibilidades, que fogem muitas vezes da própria percepção mais direta do aluno, do professor e de especialistas.

Um dos aspectos principais das colocações de Alvin Toffler diz respeito a convivência, ao mesmo tempo, dos determinantes das três ondas civilizatórias. Eles sobrevivem no mundo todo e em cada país. Quando os partidários de uma das tendências se encontra com os demais, há a emergência de situações de brigas e confronto de idéias.

” Personalizo às vezes a própria civilização, argumentando que a civilização da Primeira Onda ou da Segunda Onda “fez” isto ou aquilo. Naturalmente, eu sei, e os leitores sabem, que as civilizações não fazem nada; as pessoas é que o fazem. Mas, atribuindo isto ou aquilo, de vez em quando, a uma civilização , poupa-se tempo e fôlego. (…) A Terceira Onda descreve a civilização de uma “tecnosfera”, uma “sociosfera”, uma “infosfera” e “poderesfera”; depois dispõe-se a mostrar como cada uma destas está sofrendo mudança revolucionária no mundo atual; tenta mostrar as relações destas partes de uma com a outra, bem como com a “biosfera” e a “psicosfera” – esta estrutura de relações psicológicas e pessoais através da qual mudanças ocorridas no mundo exterior afetam as nossas vidas mais íntimas”.

Os sociólogos, antropólogos e psicólogos têm percebido gradativamente a importância de uma concepção que privilegia a chamada superestrutura. É através dela onde se jogam os rumos da construção do pensamento dos sujeitos. Toffler chama este processo, emergido a partir da segunda onda, de indust-realidade.

“ A Segunda Onda criou não só uma nova realidade para milhões, mas também um novo modo de pensar a realidade.

Chocando-se em mil pontos com os valores, os conceitos, os mitos e os costumes da sociedade agrícola, a Segunda Onda trouxe consigo uma redefinição de Deus … de justiça … de amor… de poder … de beleza. Despertou novas idéias, atitudes e analogias. Subverteu e suplantou pressuposições antigas a respeito do tempo, do espaço , da matéria e da causalidade. Emergiu uma visão de um mundo poderoso, coerente, que não só explicava, mas também justificava a realidade da Segunda Onda. Esta visão da sociedade industrial do mundo não tem um nome. Poderia ser designada “indust-realidade”.

Um dos aspectos da “indus-realidade” é que ela traz em seu bojo uma forma bastante abrangente de compreensão do mundo.

“Cada um de nós cria em seu cérebro um modelo mental da realidade – um armazém de imagens. Algumas destas são visuais, outras auditivas, mesmo palpáveis. Algumas são apenas “ perceptos” – vestígios de informaçõe sobre o nosso meio, como um vislumbre do céu azul visto pelo rabo de um olho. Outras são “ligações” que definem relações, como as duas palavras “mãe” e “filho”. Algumas são simples, outras complexas e conceptuais, como a idéias de que a “inflação é causada pelo aumento dos salários”. Juntas, tais imagens formam a nossa imagem de mundo, localizando-nos no tempo, no espaço e na rede de relações pessoais em volta de nós.”

Durante a primeira onda os “perceptos” foram estabelecidos basicamente através das relações pessoais familiares ou grupais. Eram os parentes próximos, os mais velhos, as autoridades políticas e religiosas, etc ; que propiciavam ao sujeito as informações básicas e necessárias. Grande parte da humanidade, nesta época, jamais saiu do seu local de nascimento. Vivia-se com as informações que eram transmitidas através das gerações passadas.

Com a segunda onda tudo isso começa a mudar. A ampliação do mercado, devido à quantidade enorme de produtos produzidos pelas indústrias e pelo campo, levou à exploração de novos mercados. Os limites das aldeias, cidades e países foram ultrapassados. Os contatos comerciais se tornaram determinantes na busca de novos locais onde achar um mercado comprador ainda virgem.

“A segunda Onda multiplicou o número de canais de que o indivíduo tirava a imagem da realidade. A criança não mais recebia apenas imagens da natureza ou das pessoas, mas também as recebia dos jornais, das revistas de massa, do rádio e, mais tarde, da televisão.

Pela maior parte, a igreja, o estado, o lar e a escola continuaram a falar em uníssono, reforçando-se uns aos outros. (…) Certas imagens visuais, por exemplo, foram tão amplamente distribuídas em massa e foram implantadas em tantos milhões de memórias particulares que, com efeito, se transformaram em ícones. A imagem de Lenin, o queixo projetado para a frente em triunfo sob uma esvoaçante bandeira vermelha, assim se tornou tão icônica para milhões de pessoas como a imagem de Jesus Cristo na cruz. A imagem de Charlie Chaplin, com chapéu- coco e bengala, ou Hitler esbravejando em Nuremberg, a imagem de corpos empilhados em Buchenwald, de Churchill fazendo o sinal do V ou Roosevelt usando uma capa preta, de Marilyn Monroe com a saia levantada pelo vento, de centenas de estrelas de propaganda e milhares de diferentes produtos comerciais universalmente reconhecíveis – a barra do sabão Ivory nos Estados Unidos, o chocolate Morinaga no Japão, a garrafa de Perrier na França – todas figuras se tornaram peças padronizadas de um arquivo universal de imagens.

Estas fantasias produzidas centralmente, injetadas na “mente da massa” pelos meios de comunicação de massa, ajudaram a produzir a padronização do comportamento exigida pelo sistema de produção industrial.”

Ao longo da segunda onda emergiu um novo modelo social onde a moral, os costumes, as idéias foram pré-fabricadas. Este processo instituiu uma padronização das formas de pensar, através da chamada indústria cultural. Cada produto era simplificado ao máximo para poder ser consumido por todos. Isto acabou por criar uma cultura de aparência, onde as informações eram minimamente capturadas.

Na terceira onda tudo isto mudou. Com a criação da rede de computadores, e principalmente da Internet, não basta apenas o sujeito aprender a lidar com as informações mais gerais. É preciso aprofundá-las, decodificando-as em toda a sua complexidade. Isto porque agora o sujeito está sozinho frente ao processo de transmissão e produção/reprodução das informações. Cada vez mais elas tendem a crescer e apresentar um fluxo contínuo avassalador. O sujeito precisa saber lidar com as informações, selecionando-as , agrupando-as , reordenando-as.

“ O que na superfície parece ser uma série de eventos desconexos resulta ser uma onda de mudanças intimamente correlatas, rodando através do horizonte dos meios comunicação, dos jornais e rádio num extremo, às revistas e televisão no outro. Os meios de comunicação de massas estão sob ataque. Novos veículos de comunicação desmassificados estão proliferando, desafiando – e algumas vezes mesmo substituindo – os meios de comunicação em massa que foram dominantes em todas as sociedades da Segunda Onda.

A Terceira Onda começa assim uma verdadeira nova era: a idade dos veículos de comunicação desmassificados. Uma nova infosfera está emergindo juntamente com a nova tecnosfera. E esta terá um impacto de longo alcance nessa esfera, a mais importante de todas , a que está dentro dos nosso cérebros. Pois, tomandas em conjunto, estas mudanças revolucionarão a nossa imagem do mundo e a nossa habilidade para lhe encontrar sentido.”

O sujeito na terceira onda adquiriu um novo status no campo do conhecimento. De um mero recebedor de informações como na segunda onda, ele precisa tornar-se um produconsumidor, isto é, o que Alvin Toffler designa como um produtor/consumidor de informações. Não basta apenas ele consumir as informações, ele tem de criá-las também. Sob este aspecto pode-se dizer que a cultura na Terceira Onda acabou por se personalizar. Ela não é mais um produto de massa.

“ A desmassificação dos meios de comunicação de massa desmassifica igualmente as nossas mentes. Durante a era da Segunda Onda o martelar contínuo das imagens padronizadas expelidas pela propaganda criou o que os críticos chamaram uma “mentalidade de massa”. Hoje, em vez de massas de pessoas recebendo todas as mesmas mensagens, grupos desmassificados menores recebem e enviam grandes quantidades de suas próprias imagens de uns para os outros. Enquanto a sociedade inteira se desloca para a diversidade da Terceira Onda, os novos meios de comunicação refletem e aceleram o processo. (…) O consenso de despedaça. Num nível pessoal, são todos cercados e assaltados por fragmentos de fantasia, contraditória e desconexa, que abala as nossas velhas idéias e chega até nós sob a forma de blips quebrados ou desencarnados. Nós vivemos, de fato, numa “ cultura do blip”.

Com isto, há uma diferença básica entre a vivência dos sujeitos da Segunda Onda e da Terceira Onda: a criação de uma autonomia maior. O que leva os indivíduos presos aos valores da Segunda Onda a se sentirem ameaçados pelos valores e propostas da Terceira Onda.

“ As pessoas da Segunda Onda, ansiosas pela moral pronta para uso e as certezas ideológicas do passado, estão incomodadas e desorientadas pela blitz de informação. Sentem nostalgia dos programas de rádio da década de 30 ou dos filmes da década de 40. Sentem-se excluídos do ambiente dos novos meios de comunicação, não apenas porque muito do que ouvem é ameaçador ou perturbador, mas porque as próprias embalagens em que chega a informação são estranhas.”

Face à um novo mundo que cobra posições pessoais, o sujeito se sente muitas vezes, a partir de suas vivências anteriores, incapaz de dar uma resposta. São principalmente aqueles que aprenderam a pensar através de processos simplificados préviamente estabelecidos. Ao fazê-lo no circuito atual sentem-se impotentes, sem os parâmetros necessários de avaliação. Por outro lado, frente à geração passada, a geração atual criada dentro do contexto da Terceira Onda se vê com grandes vantagens..

“Em vez de recebermos longas e relacionadas “enfiadas” de idéias, organizadas e sintetizadas para nós, estamos cada vez mais a breves e modelares blips de informação – anúncios, pedidos, teorias, fiapos de notícias, fragmentos truncados que se recusam a encaixar-se perfeitamente nos nossos arquivos mentais preexistentes. As novas fantasias resistem à classificação, em parte porque freqüentemente caem fora das velhas categorias conceituais, mas também porque vêm em embalagens demasiado estranhas de forma, transitórias e desconexas. Assaltadas pelo que elas percebem como o tumulto da cultura blip, as pessoas da Segunda Onda sentem uma raiva reprimida contra os meios de comunicação.

As pessoas da Terceira Onda, ao contrário, estão mais à vontade no meio deste bombardeio de blips – a intersecção de recortes de notícias (devido) a um comercial de 30 segundos, um fragmento de canção e letra, um cabeçalho, um cartoon, uma montagem, um item de panfleto, um print-out de computador. Leitores insaciáveis de livros de bolso de ler e jogar fora e de revistas de interesse especial engolem enormes quantidades de informação em pequenos bocados. Mas também estão de olho naqueles novos conceitos ou metáforas que reúnem ou organizam blips em totalidades maiores. Em vez de tentarem atulhar com os novos dados modulares as categorias ou estruturas padronizadas da Segunda Onda, aprendem a fazer as suas, a formar as suas próprias “enfiadas” do material “blipado” disparado sobre eles pelos novos meios de propaganda. “

Em decorrência, são introduzidas formas diferentes de pensar a partir dos dois tipos de civilização : a Segunda e a Terceira Onda. Na Segunda Onda o aluno vai estar pedindo modelos prontos, enquanto que aqueles que vivenciaram os valores da Terceira Onda estarão pedindo mais liberdade para pensar individualmente.

Em vez de apenas recebermos o nosso modelo mental de realidade, nós agora somos impelidos a inventá-lo e continuamente a reinventá-lo. Isto coloca um enorme fardo sobre nós. Mas também conduz à maior individualidade, à desmassificação da personalidade, assim como da cultura. Alguns de nós rebetam sob a nova pressão ou se recolhem à apatia ou à raiva. Outros emergem como indivíduos bem formados, crescendo continuamente, competentes, capazes de operar, por assim dizer, num nível mais alto. ( Num ou noutro caso, quer a tensão se revele grande demais ou não, o resultado está muito longe dos robôs uniformes, padronizados, facilmente arregimentados, previstos por tantos sociólogos e escritores da ficção científica da era da Segunda Onda).

Acima de tudo isto, a desmassificação da civilização, que reflete e intensifica os meios de comunicação, traz com ela um enorme salto na quantidade de informação que todos trocaremos uns com os outros. E é este aumento que explica por que estamos nos tornando uma “sociedade de informação”. “

6. CONCLUSÃO: O NOVO PAPEL DA EDUCAÇÃO

O que isso tem a ver com as necessidades básicas do professor em seu processo de formação e posterior prática pedagógica? Acreditamos que a Terceira Onda introduza uma posição inédita na cultura humana: por um lado, o professor é um elemento altamente estratégico e, por outro, pode ser facilmente dispensável. No primeiro caso, ele pode auxiliar os alunos a aprender a selecionar melhor as suas alternativas e recursos de acesso à informação. Em segundo lugar, o professor precisará estar constantemente atualizado para não se tornar um elemento descartável.

Uma outra variável que não pode ser esquecida : tal como o professor o aluno precisará de reciclagens constantes. A diferença é que ele necessitará de um professor com um alto nível técnico de formação e informação.

Isto introduz uma alteração significativa no quadro de professores. A atualização de conhecimentos torna-se um processo estratégico. Alguns serão facilmente dispensáveis; aqueles não se atualizam. Para os demais, haverá sempre um novo campo de trabalho a ser tecido e estruturado, a partir da própria demanda dos alunos.

Em decorrência, pode-se dizer que a própria escola muda. Enquanto na Segunda Onda as informações básicas vinham através dela, na Terceira Onda os computadores parecem deter este lugar estratégico. A base de informações maiores não virá dos professores, mas dos próprios computadores que poderão ser acionados nos lares, nas bibliotecas ou na própria escola. O professor se tornará então um orientador de formas de estudo mais adaptadas às necessidades dos alunos. Assim, por exemplo, em vez de uma aula de história tradicional, um cd-room elaborado com os mais recentes recursos de multimídia propiciará ao aluno um contato mais aprofundado com a matéria. Ele poderá receber, além de um relato sobre os fatos mais importantes do evento histórico, outras informações complementares. Saber como se constituia a terra naquela época, como era o clima, o céu, a saúde dos sujeitos, etc. Ou seja, estamos saindo de uma história monocromática para uma hipercromática e de recursos de multimídia.

Cabe aos professores, se quiserem participar deste processo de transformação social, uma constante reciclagem. Para que eles não se tornem – como já ouvimos de muitos professores – o “lixo” descartável desta nova era. Um professor atualizado é aquele que tem olhos no futuro e a ação no presente, para não perder as possibilidades que o momento atual continuamente lhe apresenta. Porém, isto não é alguma coisa que o sistema educacional possa obrigar os professores a fazerem. A Informática é ainda uma opção, uma decisão do professor frente aos seus novos rumos de trabalho.

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Fonte:
http://www.educacaoonline.pro.br/

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O folclore negro na literatura norte-americana

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 28 de setembro de 1947
Neste texto foi mantida a grafia original

A idéia do negro assustadiço, patologicamente supersticioso, já deu varias vezes a volta ao mundo, nas asas da literatura. O cinema, onde raramente aparece um afro-americano que não faça palhaçadas, acaricie a “patinha de coelho” ou se espante com fantasmas, encarregou-se de recolher essa patranha.

No entanto, a brilhante tradição revolucionaria dos filhos de Cam – afirma o sr. Nestor R. Ortiz Oderigo, no interessante artigo sobre o folclore negro na literatura americana, que publicou na revista argentina Nosostros – deram ao mundo figuras admiraveis como as de Toussaint Louverture e Falucho, Maceo e Denmark Vessey, Nat Turner e Barcala, Ansina e John Brown.

Muitos historiadores se empenharam em afirmar que, durante a guerra civil norte-americana, os negros não lutaram nos exercitos do norte, ficando, apenas, a cuidar das casas, enquanto os senhores iam à frente de batalha. Sobram, porem, documentos comprobatorios do contrario.

As danças, a musica, a poesia e as narrações que, por tradição, correm de boca em boca, exerceram poderosa atração sobre a critica e o publico do mundo inteiro, notando-se na densa trama da literatura norte-americana diversos traços do folclore afroamericano.

Na Cabana do Pai Tomás, no capítulo intitulado “Uma noite na cabana de Pai Tomás”, aparecem versos do cancioneiro de Alabama, do escritor Carl Cramer; os dramas de acerbo conteudo social, como Dont’t You Want to be Free?, de Langston Hughes, por exemplo, em cujas paginas deslizam melancolicos blues, estão todos saturados de criações de arte negras.

Referindo-se aos escritores jovens, principalmente os regionalistas e nativistas, diz Ortiz Oderigo que se nota neles a salutar tendencia de dar aos negros o lugar que merecem. A maioria dos que se dedicam a esses generos conhece perfeitamente o material de que se serve.

Entre os primeiros escritores que trataram do assunto, está Dorothy Scarborough, que publicou, há dois decenios, a novela In the Land of Cotton, que tem como cenario as plantações de algodão do Estado de Texas. A autora, que conhece a fundo as canções de trabalho dos negros humildes, pois as estudou com carinho em suas numerosas viagens, teceu com elas, em seu livro, uma trama vivida, que se entrelaça ao enredo, dando à sua obra um carater de indiscutivel conteudo humano.

Ao grupo de escritores provenientes da Carolina do Sul pertencia o novelista e dramaturgo DuBose Heyward, falecido em 1940, cujos livros refletem a vida dos negros “gullah””(termo derivado de Angola, segundo o etnologo A. E. González) em seu “ghetto” da cidade de Charleston, denominado “Catfish Row”. Porgy (1925) e Mamba’s Daughters (1927), que constituiram extraordinario exito nos palcos de Nova York, se desenvolvem dessa moldura.

Pertence, também, ao grupo da Carolina do Sul, a novelista Julia Peterkin, dona da plantação Lang Syne, nesse Estado norte-americano. Seus livros refletem os velhos conceitos que sobre a raça negra tinham os senhores do sul. Não obstante, revelam rica fonte de ensinamentos sobre os curiosos rituais e tradições praticados pelos escravos e seus descendentes. A autora desenvolve com notavel desembaraço o tema folclorico. Em Black April (1927) descreve, com riqueza de material, as superstições do homem do campo, suas interpretações dos fenomenos fisicos, seus pressentimentos, distanciando-se da tecnica novelistica para aproximar-se do denso estudo do folclore. A sua obra mais importante, Scarlet Sister Mary, apareceu em 1928, sendo-lhe outorgado, pela sua realização, o premio “Pulitzer” de literatura desse ano.

Roark Bradford tambem se dedicou profundamente ao folclore em seus contos, novelas e obras teatrais. Embora pertença às ultimas gerações de escritores, encontra em seu ponto de vista de lastro dos autores sulistas do seculo passado, para os quais o negro constituia objeto decorativo. Sem chegar ao plano reacionario de Octavius Roy Cohen, Bradford adultera o material folclorico, deturpa-o, como os menestréis desvirtuavam as canções afro-americanas. Em This Side of Jordan, Bradford narrar a vida dos negros nos campos que o imenso Mississippi banha e fertiliza, rio que é, ao mesmo tempo, o Nilo e o Jordão dos homens de côr. Há, nesse livro, grande abundancia de “folk songs”. Os “revival meetings” – os batismos nas calidas aguas do rio descoberto por De Soto – são descritos com grande riqueza de pormenores.

Em seu estudo, Ortiz Oderigo transcreve a seguinte canção, que aqui reproduzimos para os leitores brasileiros:
Não tenho dinheiro,
Não tenho blusa,
Não tenho “overalls”,
Mas agradeço a Deus,
Porque possuo uns empoeirados,
Empoeirados, empoeirados sapatos!

Quanto às tendências do autor de This Side of Jordan, podemos ter delas uma idéia através dos versos por ele escolhidos, pois o livro não inclui nenhum dos cantos de protesto ante o trato dos brancos e as injustiças sofridas pela gente de côr. Pertence ao mesmo autor a serie de narrações intitulada Ol’man Adam an’his Chillun, concebidas sobre cenas do Antigo Testamento nas quais a inclusão de “Spirituals” se justifica plenamente.

O dramaturgo Marc Connelly inspirou-se nesses contos de Bradfort para conceber a sua farsa Green Pastures, muito popular nos Estados Unidos, e da qual se fez uma versão cinematografica. Nesse trabalho, os argumentos se misturam, de maneira indissoluvel, com o material e os cantos folcloricos, constituindo um todo sobremaneira homogeneo.

Zora Neale Hurston é o nome de outra cultura do folclore. O notável etnologo Franz Boas, da Universidade de Columbia, considera-na como a melhor entre os escritores que reconheceram em seus livros as tradições, os cantos, as danças e as superstições do afroamericano do campo. Prenhe de conteudo folclorico é a sua novela intitulada Jonah’s Gourd Vine, em que narra a vida de um humilde negro de Alabama.

Embora em plano diferente do de Zora Neale Hurston, a escritora Edna Ferber tambem contribuiu para a divulgação do tema literario folclorico, utilizando em seu melodrama Show Boat, de maneira discreta, cantos dos remadores do Mississippi, derivados dos “cantos de remar” dos africanos.

Na parte final do seu artigo, Ortiz Oderigo refere-se ao interesse de Eugene O’Neill, o maior dramaturgo norte-americano, pelo tema negro folclorico, do qual se utilizou, pela primeira vez, em 1918, em sua peça The Moon of the aribees que trata dos afroantilhanos, iniciando com essa obra o seu “ciclo negro”. Lançou, em seguida, Emperor Jones (1920), conhecida no Brasil, tambem, através da versão cinematografica de Paul Robeson. Dreamy Kid (1921) e All God’s Chillun Got Wings encerram esse ciclo.

Dentre as figuras folcloricas da gente de côr dos Estados Unidos que entraram na novela, na narração, no palco, na poesia – diz Oderigo – a que despertou maior interesse entre os escritores foi John Henry, figura legendaria, recortada pela fantasia inesgotavel do povo, mas com inquestionavel fundo humano e real, personificada por um negro operario da construção do tunel Big Bend, em West Virginia. John Henry viveu há mais de meio seculo, sendo admirado pelos trabalhadores negros dos Estados Unidos pela sua capacidade de trabalho, pois “podia trabalhar por seis homens”, e pela sua tragica morte, lamentadissima, ocorrida na defesa dos seus afazeres. Seu perfil, refletiu-se na poesia, na musica, no teatro e na novela folcloricos norte-americanos.

Terminando o seu estudo sobre o tema folclorico afro-americano, Ortiz Oderigo menciona diversos poetas raciais, entre os quais Langston Hughes, Sterling Brown, Alexander e James Weldon Johnson, e, entre os brancos que se dedicam à poesia negra, Carl Sandburg, DuBose Heyward Clemente Wood e E. L. Adams.

Fonte:
http://almanaque.folha.uol.com.br

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