Arquivo da categoria: Literatura Árabe

Lelia Maria Romero (O Rei Poeta e O Poeta Rei)

Início do século XI. Antes das tropas berberes chegarem ao Alandaluz, “o rei poeta e o poeta rei”, fez dos seus domínios um dos mais prósperos reinos hispano-muçulmanos. Al Mu’tamid, rei da taifa de Sevilha, era um poeta inspirado. Protagonista de passagens que marcaram sua trajetória como líder, poeta e homem sensível, foi também um verdadeiro cavalheiro.

Corria a tarde. Contam que ele passeava à beira do Guadalquevir, com o vizir Ibn Ammar, também poeta, quando lhe propôs que continuasse o verso que recitava: “A brisa transforma o rio num rastro entrelaçado”. Porém, antes que Ibn Ammar respondesse, uma jovem que passava seguiu o verso na medida exata: “Em verdade, que belo tecido se o gelo o tornasse sólido!” Surpreso, o rei se virou para ver de onde vinha o que ouviu e avistou uma moça do povo, especialmente bonita, que lançara sua poesia sobre as águas correntes. Al Mu’tamid enviou um dos seus serviçais atrás dela. Seria um presente delicado do destino?

A jovem se apresentou com seu verdadeiro nome, I’timad. Contou que era mais conhecida como Rumaykiyya, por ser escrava e condutora de mulas de um senhor chamado Rumayk. À parte beleza e poesia, tinha talento e originalidade. Como não era casada, o rei procurou seu senhor, pagou por sua liberdade e a pediu em casamento. Leal e marido dedicado, ao longo da vida fez de tudo por ela, sendo o primeiro a satisfazer o que fosse de encontro ao um grande desejo seu. Contam que sempre foram parceiros, pois além da afinidade poética, a jovem trazia no nome o selo de um relacionamento sólido: I’timad quer dizer “confiança”.

Fonte:
http://www.icarab.org/

Deixe um comentário

Arquivado em Artigos - Estudos, Literatura Árabe

Os Livros Têm Asas (Lelia Maria Romero)

O Alandaluz foi referência de conhecimento na Idade Média e este saber ainda sopra. Embora os reinos europeus fossem desunidos e fechados em si mesmos, o pólen cultural correu ventos para além dos Pireneus, séculos adiante. Uma rede de saber pontuada por bibliotecas, escolas de tradução e pesquisa, hospitais, centros de estudos islâmicos e sufis, fomentaram um sistema educacional, uma tradição pensante e um olhar curioso sobre o mundo. A herança grega e abássida se tornou fonte de conhecimento singular, alimentou a Europa e serviu de base para mudanças radicais, no ocidente, no final do século XV. Entre tantas transformações, as Américas entraram na história oficial a partir das grandes navegações, que se tornaram viáveis devido aos investimentos da burguesia empreendedora. Árabes, judeus e ciganos foram expulsos da Espanha, mas a cultura alandaluza participou do processo, inerente à erudição que impulsionou a expansão artística, científica e mercantilista européia.

Para a sabedoria islâmica, o conhecimento da natureza é uma forma de elevação a Deus. No Alandaluz, um amplo espectro de interesses partiu da física rumo à harmonia musical. Contam que a música era reconhecida como parte da teoria matemática. Os árabes também desenvolveram a álgebra, a trigonometria, os logaritmos, seno, cosseno e tangente; e a botânica, zoologia, astronomia, geografia, história, e especialmente, medicina e filosofia. Esse culto ao conhecimento abriu caminho para a ciência moderna e ficou conhecido como a Idade de Ouro do Islã, se contrapondo ao atraso da Europa medieval.

Os filósofos e médicos gregos foram traduzidos para o árabe e mais tarde para o latim. Os árabes, antes do Alandaluz, já se interessavam pelas traduções. A expansão do islã aproximou caravanas e exércitos árabes da cultura mediterrânea, persa e indiana. Abássidas e omíadas cultivavam o apreço às traduções, e o único sobrevivente omíada levou da Síria para a península Ibérica, essa herança na bagagem: a relevância da tradução para se situar no mundo e fazer-se conhecido; ampliar o horizonte e se inteirar do que o outro tem a dizer. Aí se incluíam interesses do saber e da conquista. “Os livros têm asas”, disse Averróis, o pólen do conhecimento não tem fronteiras, é irreversível, fertiliza corações e mentes, alimenta um sonho, projetos de vida e de guerra, inclusive os do inimigo.

Fonte:
http://www.icarabe.org/

Deixe um comentário

Arquivado em Artigos - Estudos, Literatura Árabe