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Autran Dourado (O Risco do Bordado).

Obra-prima da carpintaria literária, O risco do bordado vem percorrendo desde seu lançamento, em 1970, o caminho típico de um clássico contemporâneo, alcançando um notável sucesso de público e crítica, suscitando inúmeras teses universitárias e sendo adotado como leitura curricular. O próprio Autran Dourado considera-o o eixo central de sua obra pela forma com que conjuga sua obsessiva construção de uma mítica mineira. “Escrevo para compreender Minas”, declarou ele.

Ambientado na mítica Duas Pontes, cidade a que retornaria em outros livros como uma síntese do universo interiorano de seus personagens, O risco do bordado é uma viagem ao passado do escritor João da Fonseca Ribeiro, que volta ao cenário de sua infância. Ao encontrar antigos moradores da cidade, parentes e companheiros de infância, ele vai montando uma espécie de quebra-cabeças entre o vivido e o imaginado, completando e expandindo fragmentos de memória que são a narrativa de sua infância e adolescência.

Como num típico romance de formação, em que o principal interesse está no crescimento e desenvolvimento do protagonista, o leitor vai sabendo, aos poucos, como João se tornou o que é, sua dura trajetória na descoberta da sexualidade, da amizade, da traição e, também, da literatura. Prostitutas, jagunços, antepassados mortos, parentes velhos, figuras características de Duas Pontes cruzam o caminho de João, que desta forma vai enxergando, retrospectivamente, o risco sob o bordado que, afinal, é a sua própria história de vida.

Autran Dourado dá à narrativa o ritmo descontínuo da memória. Ele trabalha idas e vindas e histórias fragmentadas que, num primeiro momento, podem se assemelhar a contos sutilmente interligados. Arquitetado paciente e minuciosamente a partir de gráficos e esquemas, O risco do bordado tem um similar na obra do autor: Uma poética do romance. Neste ensaio, também reeditado pela Rocco, ele explica cada detalhe da construção do romance, publica os desenhos e plantas-baixas que auxiliaram sua construção e reflete sobre seu processo de criação como um todo.

Artigo:

O Herói Trágico em O risco do bordado, de Autran Dourado.
Por: Lilian Manes de Oliveira – Revista Saberes – Letras/Universidade Estácio, RJ.

Numa sequência cronológica linear, constata-se que o crescimento de João, protagonista de O risco do bordado, corresponde a um sucesso de mistérios que o levam a questionar-se, em sua trajetória de menino a homem. Por vezes as diferentes formas de questionamento revestem um mesmo mistério. O encontro de João com o mistério leva-o a um sentimento trágico da vida. Ele é um pessimista sombrio. A busca de um sentido existencial o conduz a uma atitude de tragédia.

Seu primeiro encontro é com a “Casa da Ponte”, que dá título ao primeiro capítulo da obra. Esta tem seu ciclo trágico iniciado e concluído por tal casa.

Segundo Albert Camus, “a tragédia é um mundo fechado”. “Mundo fechado” era a Casa da Ponte, “reino proibido” de pequenas e grandes tragédias, que despertavam a curiosidade do menino. Dividido entre dois sentimentos, a vontade de ver Teresinha Virado (o despertar do sexo) e o medo de ser descoberto pela mãe, seu Bernardino ou outra pessoa, João é um personagem tenso: “nunca para ele uma espera durou tanto num átimo assim tão pequeno. O coração carregado, lampejos, vislumbres”. “Metade dele queria ir logo embora, a outra metade fincava pé”.

O problema ainda semiconsciente do garoto, diante do sexo, vai reaparecer num sentimento irrealizado de amor incestuoso, em “O salto do touro”.

Num outro momento, João se defronta com a morte. “… agora que o velho Maximino estava para morrer – aquela agonia lenta que chegava a dar nos nervos e que deixava os meninos, o colégio, a cidade, suspensos de angústia, de medo”.

“É limpa a tragédia, é repousante, é certa” (Jean Anouilh). Limpa? Como um terreno após a explosão de uma bomba atômica. Repousante e certa? Como a morte inelutável.

Os colegas de João, a empregada do tio-avô desempenham, cada um, seu papel. Dir-se-ia que correspondem ao coro da tragédia grega, que anuncia a morte do velho, que não deixa nenhuma margem à esperança. Não há surpresa nessa morte. Ela é esperada, longamente esperada. Não atinge João. O que o atinge é a agonia, a situação que se prolonga, a angústia resumindo todos os seus sentimentos: contar ou não à vovó Naninha? Ir ou não ao enterro? A morte já estava decidida. O desenlace, irremediável. Eis o verdadeiro efeito da tragédia. Ela é limpa; é pura, porque é fatal.

Outra vez ela aparece. A fatalidade previsível; a “ananké” dos gregos, o “fatum” latino vai-se repetir em “A volta do filho pródigo” e em “Assunto de família”.”Às vezes vovô Tomé achava que tio Zózimo tinha puxado ao pai dele, era muito parecido com o bisavô Mariano”. Eis a premonição trágica. O desempenho de Zózimo e Zé Mariano é descrito, como se João tivesse sempre presente no espírito o trágico futuro que os aguardava. Zé Mariano trancou-se num barraco e suicidou-se. Tio Zózimo também, enforcado. Em “As voltas do filho pródigo”, João ainda é personagem, o que serve de ligação deste grupo com os dos capítulos precedentes. Em “Assunto de família”, João é sujeito oculto, apenas ouvinte, pois o caso é narrado em falsa terceira pessoa, sendo o avô quem fala, o remorso e a culpa identificando os dois. A situação trágica se propõe pelo desdobramento do sujeito enunciante. João participa de ambas as tragédias, já que “presencia” a primeira como o “ouvido” do avô. O capítulo é escrito em terceira pessoa. A tragicidade do personagem se revela na busca da saída para uma angústia que o leitor apenas percebe, sem entender-lhe, a princípio, a razão. Vovô Tomé acha uma saída: comunica-se com o neto. Agora João carrega consigo a dúvida. Os tormentos do avô são seus. Todo esse capítulo poderia ser transposto para a primeira pessoa; mas, se tal ocorresse, não haveria mais o ouvinte: vovô Tomé continuaria incomunicável.

A busca se apodera de João. Incomunicável é ele. É trágico. O questionamento lhe pertence. Ele conscientiza o problema. As perguntas sobre o comportamento do tio nunca lhe são respondidas. Mas percebe a atmosfera trágica num crescendo quotidiano. As cartas que vovó Naninha oculta; o desespero de vovô Tomé; de novo, o coro trágico anunciando a João a volta do tio. Quando ele chega, a tragicidade aumenta; porém sofre uma interrupção. Como um parêntese entre a chegada e o fim de Zózimo, este volta à vida, a família se alegra, os habitantes da cidade o cumprimentam: é o trágico aberto. A um ciclo trágico que se fecha, segue outro ciclo trágico que se abre. Num de seus retornos ao lar, o filho pródigo se suicida. Sucessivamente, João se encontra com a loucura, com a morte. É o trágico cerrado.

Outra vez a figura da morte: a de Zé Mariano. O coro trágico – Teodomiro e Sá Vitoriana – pressentindo o desenlace trágico. A angústia de vovô Tomé: “não demorou três dias (três dias que foram a minha agonia, a minha morte temporã)”.

O que compõe a atmosférica trágica não é só a obra, é o leitor; o que conta são as relações dos personagens com o leitor. A atmosfera trágica implica adesão, engajamento, identificação. Daí chamar-se tensão dionisíaca ao estado no qual o leitor se sente ligado ao destino dos personagens, seja por identidade, seja por vontade de ruptura, tão intimamente que ele perde consciência de que este destino não é o seu. Assim a morte, destino comum a todos, pode constituir um tema de tragédia, quando o leitor se identifica com ela. A morte trágica é a minha morte, eu sou o sujeito da ação que se representa.

Entretanto, a morte não é somente o ponto extremo de um engajamento que pode encontrar sua força em outras circunstâncias. No trágico, pode representar um papel secundário. É uma das saídas. O homem é trágico, porque faz uma pergunta, respondida ou não. Só o homem é trágico, porque nunca encontrará uma resposta. As saídas não são A SAÍDA.

Vovô Tomé sofreu o tormento da incomunicabilidade. Não conseguiu penetrar no íntimo do pai, pois Zé Mariano lhe era de um mutismo monossilábico. O ciúme que sentia do meio-irmão foi provocado pelo distanciamento em que, embora filho legítimo, o pai o colocara. Em companhia de Teodomiro, parecia que o pai voltava à vida.

Um princípio de identidade estabelece o paralelismo. Também João não se comunica com o pai. Em seu mundo habitam mãe, avó, avô, tios, amigos. Referia-se ao pai de leve. O leitor sabe apenas que é mal sucedido nos negócios, não se dá bem com o sogro. João não deixa vir à tona os motivos. A incomunicabilidade está nas entrelinhas. Apenas, depois de morto ( “Sob a magia da dor”) , descobre-se o nome do pai: Tonico Nogueira. João ainda acrescenta: “remedando o tio que assim o apresentava às pessoas”. O silêncio sobre o pai é quase total.

O destino também é o inimigo de tia Margarida. O sobrinho não entende o porquê de uma existência estreita, daquele “mundo fechado”. “Querendo, ela podia ser bem bonita”. No entanto, um sentimento de culpa em relação a ela o acompanha desde menino. “Esse era o seu pecado mais fundo, a sua maior dor; embora ele nada tivesse feito, nenhuma culpa lhe coubesse. Porém, a culpa tudo tingia e envenenava”. “O salto do touro materializa essa culpa, dá-lhe razões de existir. O destino foi inimigo de João também. “Destino”, palavra criada por Hegel, para explicar a natureza profunda do tormento helênico, por ele próprio definida: “O destino é a consciência de si mesmo, mas como de um inimigo.”

Engloba, portanto, algo exterior e que se realiza no interior do ser humano. O mecanismo trágico existe desde o sempre. “Querendo” e “podia”: duas hipóteses. O risco do bordado impede de realizá-las. Prazer e dor, eis a tragédia pura; suas mil combinações refletirão as mil possibilidades de sofrer.
 

“Valente Valentina” retrata a magia e o deslumbramento, a necessidade apolínea do sonho que eleva o homem. Sonho que se esfuma na dualidade da tensão existencial. “Ah, meu Deus, como tudo se passou tão depressa! … Eu súbito descobri a verdade de que a gente só guarda para toda a vida aquilo que dói demais. Num instante chegou a hora do Circo Milano partir”. Valentina partira. “Eu nada podia fazer”. Não mais restava nenhuma esperança. O próprio princípio da tragédia se põe em causa. “O mundo é uma comédia para o homem que pensa e uma tragédia para o homem que sente” (Provérbio espanhol).

No capítulo final, “As roupas do homem”, o protagonista se liberta de suas dúvidas, recupera sua identidade. O simplesmente João a verbaliza: João da Fonseca Nogueira. Livra-se dos sentimentos de impotência diante do mistério existencial. O trágico o levou à descoberta de um universo misterioso e confusamente temido. Consegue a serenidade: os tormentos que o afligiam são apenas recordações.

O trágico termina num apaziguamento triste. João olha de frente seu destino. Liberta-se, pelo repouso que a tragédia da vida lhe trouxe.

Fonte:
Apostila 8 de Contemporânea da Lit. Brasileira. Disponível em http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Contemporanea/Autran_Dourado_O_Risco_do_Bordado_resumo.htm

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Ungulani Ba Ka Khosa (Ualalapi)

Ualalapi é o nome de um guerreiro nguni a quem é destinada a missão de matar Mafemane, irmão de Mudungazi (depois chamado Ngungunhane-Gungunhana). Este guerreiro dá o título ao relato, ficcionado por Ba Ka Khosa, da vida e da época do hosi (rei, imperador, em língua tsonga) Ngungunhane, famoso pela resistência que opôs aos portugueses nos finais do séc. XIX. Mas à medida que a narrativa progride, o quadro que se desenrola aos nossos olhos é bem outro. Numa escrita veloz, forte, densa, violenta, crua, chocante por vezes, recorrendo a metáforas quase brutais, perpassada de aforismos e de uma raiva não disfarçada que a poderosa imaginação visual do autor reforça, Ngungunhane é-nos revelado como um homem cruel, sanguinário, violento, um verdadeiro tirano para o seu povo – a sua designação como imperador ou rei é propositadamente anárquica -, na mesma medida em que os colonizadores portugueses o eram para com esse mesmo povo (vejam-se os testemunhos epocais transcritos, num paralelismo óbvio com o que se vai ler em seguida). Um e outros provocam a destruição do império de Gaza, deixando um rasto de miséria, fome, crueldade, sofrimento e humilhação. Uma «história»-ficção de sangue, de guerra, de arbitrariedades, de morte. Mas sem dúvida tão perturbadora quanto fascinante.

“Estes homens da cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas vossas aldeias com o barulho das suas armas e o chicote do comprimento da jibóia. Chamarão pessoa por pessoa, registando-vos em papéis que … vos aprisionarão. Os nomes que vêem dos vossos antepassados esquecidos morrerão por todo o sempre, porque dar-vos-ão os nomes que bem lhes aprouver, chamando-vos merda e vocês agradecendo. Exigir-vos-ão papéis até na retrete, como se não bastasse a palavra, a palavra que vem dos nossos antepassados, a palavra que impôs a ordem nestas terras sem ordem, a palavra que tirou crianças dos ventres das vossas mães e mulheres. O papel com rabiscos norteará a vossa vida e a vossa morte, filhos das trevas”.
[O último discurso de Ngungunhanhe, segundo Ungulani Ba Ka Khosa, Ualalapi, Associação dos Escritores Moçambicanos, 2ª edição, p. 118]
––––––––

O livro de estréia de Ungulani Ba Ka Khosa Ualalapi, publicado em 1987, é um romance histórico que foi distinguido em 1994 com o prémio Nacional de Ficção, e em 1990, junto com Vozes Anoitecidas de Mia Couto, com o Grande Prémio da Ficção Narrativa. Trata-se da primeira obra de ficção que, como sublinha Chabal (1996: 85), se dedica exclusivamente ao passado colonial de Moçambique e que conta a ascensão de Ngungunhane, o imperador de Gaza, famoso pela resistência que opôs aos portugueses nos finais do século XIX e a derrocada do seu império.

O livro constrói-se a partir de uma colagem de fragmentos históricos, comentários de oficiais portugueses envolvidos na campanha contra o império de Ngungunhane, e a imaginação de Khosa na reconstrução de episódios deste período na forma de seis contos que constituem o romance. Deste modo o livro aborda exactamente o momento inicial da ocupação efectiva pelos portugueses e a passagem do tempo pré-colonial ao período colonial. Ualalapi, no entanto, não é uma obra que apresenta os grandes feitos heróicos de um Grande Homem contra a violência do domínio colonial, como Ngungunhane vai ser retratado no Moçambique da pós-independência. Em vez disso dedica-se muito mais a uma representação de Ngungunhane que corresponde à realidade histórica, mostrando a imagem de um tirano cruel em relação aos outros povos africanos, mas também para com o seu próprio povo.

É por essa razão que o ‘Outro’, na forma dos ‘brancos, do outro lado do mar’[(citação de Akawitchi Akaporo – armas e escravos, p.31)], se limita na parte fictícia do romance a duas alusões inseridas nos episódios relatados. A primeira encontra-se logo no começo do romance, na referência à morte de Ngungunhane no exílio “em roupas que sempre rejeitara e no meio da gente da cor do cabrito esfolado que muito se espantara por ver um preto” (p.30). Apesar deste anúncio da consequência final da invasão dos portugueses para o rei, verifica-se a presença do invasor europeu na parte fictícia do romance primeiro incidentalmente, como quando os grandes do reino têm de decidir sobre o castigo do guerreiro Mputa, que é falsamente acusado de ter afrontado a primeira mulher do imperador:

(…) Este, com a argúcia que a vida ensinara, disse ao rei, em jeito de síntese, que a morte não seria digna para um homem que ousou cobiçar o corpo da rainha. Era necessário um castigo brutal e memorável na mente dos súbditos; por que não cegá-lo como faziam os tsongas em tempos que não importa recordar? Caso faças isso o teu poder imperial sairá fortificado nestes tempos tumultuosos em que os homens da cor de cabrito esfolado assediam o teu reino vasto (Khosa 1990: 47).

O romance dá-nos assim uma impressão da maneira como os portugueses surgiram lentamente nesta parte da África e como eram percepcionados enquanto seres diferentes. É, por outro lado, um ponto de vista que contrasta com os fragmentos históricos dos oficiais portugueses, intitulados “Fragmentos do fim”, que representam a história do ponto de vista do colonizador. Estes falam sobretudo sobre o andamento da campanha militar e revelam a relação de domínio subjacente.

O significado histórico da presença portuguesa relativamente ao futuro desenvolvimento do território mostra-se no fim do livro, no derradeiro capítulo “O último discurso de Ngungunhane”, que é um monólogo no qual Ngungunhane profetiza o período colonial, antes da sua partida para o desterro:

Estes homens da cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas vossas aldeias com o barulho das suas armas e o chicote do comprimento da jibóia. Chamarão pessoa por pessoa, registando-vos em papéis que enlouqueceram Manua e que vos aprisionarão (Khosa 1990: 118).

Segue-se uma séria de descrições pormenorizadas das conseqüências socio-culturais do tempo colonial referindo-se à alienação da sociedade moçambicana em relação às culturas africanas e à dinâmica e ao impacto social do período do domínio português. Manua, o filho de Ngungunhane a que se refere aqui o imperador, é relativamente às diferentes formas em que se manifesta o ‘Outro’ certamente uma das personagens mais interessantes do livro, por ser, como afirma, um “dos poucos na minha tribo, que teve acesso ao mundo dos brancos, à sua língua, aos seus costumes e à sua ciência (…)” (p.100). A alienação dele em relação à sua origem africana revela-se nitidamente, nesta passagem:

Quando eu for imperador eliminarei estas práticas adversas ao Senhor, pai dos céus e da Terra. Serei dos primeiros, nestas terras africanas a aceitar e assumir os costumes nobres dos brancos, homens que estimo desde o primeiro dia que tive acesso ao seu civismo são (p.100).

         Manua revela-se aqui um adepto fervoroso dos costumes do ‘Outro’, colonizador e da cultura europeia, um forte contraste com a profecia de Ngungunhane no fim do livro que mostra um ponto diferente de vista do imperador em relação à cultura europeia, indicando uma grande diferença entre as posições do pai e do filho:

(…); e haverá homens com vestes de mulher que percorrerão campos e aldeias, obrigando-vos a confessar males cometidos e não cometidos, convencendo-vos de que os espíritos nada fazem, pois tudo o que existe na terra e nos céus está sob o comando do ser que ninguém conhece mas que acompanha os vossos passos e as vossas palavras e os vossos actos. A noite terá caído definitivamente nestas terras que mudarão de face com o vosso suor (p.119).

         Trata-se aqui de uma alusão aos efeitos da “desvalorização das formas de culturas indígenas, que caracterizou a política colonial de assimilação” (Leite: 1998: 90), em que Manua representa um dos primeiros moçambicanos envolvidos neste processo, que “contribuiu para a descaracterização e rasura de valores ancestrais” (idem), o que se pode verificar também na descrição do moço pelos outros passageiros no navio a Lourenço Marques que afirmam que se veste “como um branco (…), (…) não tem cara de maltês, (…), (…) e estudou muito mais que o compadre” (p.104). O filho de Ngungunhane apresenta-se, portanto, como um dos primeiros africanos assimilados, o que nos indica a alienação de uma parte da sociedade moçambicana através da influência da cultura europeia.

Por outro lado, a violência excessiva no romance que caracteriza os métodos de Ngungunhane mostra um paralelo com a brutalidade deste ‘Outro’, colonizador e português nos “Fragmentos do fim”. Faz com que o imperador, a personagem central nesta época crucial na história de Moçambique, se revele um tirano que não se distingue dos portugueses na opressão e destruição das culturas africanas, que considera com uma inferioridade semelhante:

(…) Trouxemos a chuva para estas terras adustas e educamos gente brutalizada pelos costumes mais primários. E hoje essa gente está entre vocês. Nguni! (p.29).

A crueldade com que Ngungunhane governava exibe-se frequentemente no romance e pode ser lida nas entrelinhas das palavras do rei a respeito do castigo de Mputa que “puseram em delírio o povo tsonga que esquecera que estava perante o invasor que poisara naquelas terras com o sangue dos inocentes guerreiros nunca relembrados, (…)” (p.49), o que sublinha mais uma vez a semelhança entre a maneira de agir do imperador de Gaza e os métodos dos portugueses. É um facto que se pode verificar também no capítulo “O cerco ou fragmentos de um cerco” que comprova a ferocidade com que o imperador submeteu outros povos e onde se pode observar como os nguni correspondem ao ‘Outro’ do ponto de vista dos machopes:

– Vamos lutar e morrer se for necessário, mas o nosso desprezo pelos nguni manter-se-á por séculos, porque esta terra é e será nossa. (…) O nosso não é para que as nossas mulheres não sejam escravas e os nossos filhos não engrossem as fileiras desse exército bárbaro. (…).

– Iremos para a luta com a certeza da vitória, apesar deste cerco criminoso que moveram contra nós, um cerco que contraria os princípios mais elementares de uma guerra de homens, de uma guerra que os nossos antepassados mais remotos cultivaram com a certeza de que os homens olham-se de frente e as lanças chocam-se sob o olhar atento dos guerreiros (…) (p.86).

         O trecho sublinha obviamente a destruição de algumas partes da sociedade autóctone que se deu, portanto, já sob o domínio de Ngungunhane cujo regimento se caracterizava pela inobservância das regras da tradição. O fragmento comprova que o não respeito por uma cultura tradicional e a relação subjacente de domínio, que certamente entrou numa fase de aceleração sob domínio colonial português, já começou no período do império de Gaza no fim do século XIX, onde a opressão de povos e tradições já fazia parte da estratégia imperial de Ngungunhane.

O mesmo pode verificar-se no que diz respeito à própria tradição nguni, como consta do caso da doença misteriosa da sua mulher preferida, Damboia, caso que mostra como Ngungunhane se sobrepõe à tradição, proibindo a realização do nkuaia devido à convicção dele que “e se ela se vai, vai-se o império, homens!” (p.63), quebrando a regra de só não realizar a cerimónia no caso da morte do rei, visto que Damboia não era soberana nem estava morta:

E por isso e outras coisas mais que vos aprouver dizer, para o bem do reino, o nkuaia não se realiza. Na capital não ressoarão esses cânticos de louvor que nos rejuvenescem. Os guerreiros não baterão os escudos do bayete, levantando a poeira pré-histórica dos nossos antepassados esquecidos. (…) Por isso, as leis que vigoraram até aqui irão vigorar, e eu serei homem de mais leis emanar quando para isso for necessário, porque o império é meu, e o poder pertence-me; (…) (p.63).

         O absurdo da guerra e o carácter violento de Ngungunhane, descontrolado pela estranha e vergonhosa doença que atinge Damboia, mostra-se também na ordem dada ao comandante para que as suas tropas ataquem e massacrem um reino vizinho:

Ide, vassalos, e apagai as tochas que por este império estiveram acesas. E para que os machope não se riam da nossa dor, tu Maguiguane, vai por essas terras espalhar a morte e a dor. Eu quero que todos, mas todos, se compadeçam com a dor que nos atacou. Ide, guerreiros, que o império vos salvaguarda, agora e depois da morte (p.63).

     Em resumo, pode-se dizer que os métodos do império de Gaza mostram semelhanças com a táctica que os portugueses aplicarão contra os povos de Moçambique. Desta maneira pode-se verificar como Ngungunhane pretende construir um ‘Mesmo’ por exclusão do ‘Outro’, em processos idênticos à da colonização portuguesa, baseado numa relação de domínio. No último capítulo, no qual o imperador desenvolve um discurso profético acerca das consequências da presença portuguesa a respeito do desenvolvimento socio-cultural do território, mostra-se o significado histórico da chegada do português em toda a sua dimensão histórica, indicando as transformações da sociedade causadas por esta intervenção ao longo do tempo:

Os nomes que vêem dos vossos antepassados esquecidos morrerão por todo o sempre, porque dar-vos-ão os nomes que bem lhes aprouver, chamando-vos merda e vocês agradecendo. Exigir-vos-ão papéis até na retrete, como se não bastasse a palavra, a palavra que vem dos nossos antepassados, a palavra que impôs ordem nestas terras sem ordem, (…) (p.118).

     Esta passagem indica ao mesmo tempo que as palavras de Ngungunhane correspondem a um dos aspectos centrais na representação da identidade pós-colonial nos romances de Mia Couto. A alienação da sociedade moçambicana em relação à sua origem africana através da perda dos nomes africanos das pessoas é um assunto que já encontrámos na personagem Marta em A Varanda do Frangipani, afirmando que os membros da sua família “já há muito perderam seus nomes africanos” (VFA: 129). No que diz respeito às consequências socio-culturais da presença dos portugueses, nota-se como o monólogo do imperador refere explicitamente o período do colonialismo, descrevendo pormenorizado o sofrimento da população indígena:

(…) Começarão a abandonar as vossas aldeias ante a vergonha e a impotência de verem as vossas filhas violadas em plena rua, os vossos pais mortos como reses, os vossos irmãos chicoteados por peidarem de medo frente ao branco que vos aviltará por todo o sempre, queimando as vossas casas, usurpando a terra que vem dos vossos antepassados, cobrando as moedas pelas palhotas que erguestes com suor, obrigando-vos a trabalhar em machambas enormes, onde dia e noite andarão como sonâmbulos, comendo jibóias e macacos, escalavrando a terra com os dedos descarnados e tirando a merda da criança do vosso patrão (p.120).

     É interessante como Khosa conseguiu traçar um paralelo entre o império de Gaza e o tempo colonial através do fictício último discurso de Ngungunhane. Por um lado esclarece que a tradição da exploração já existiu antes da chegada dos portugueses. Por outro lado faz com que a profecia chegue pela boca de Ngungunhane, um tirano igual aos portugueses, o que faz com que a significação do tempo colonial ganhe ainda maiores dimensões. A ocupação efectiva pelos portugueses aparece assim como um ponto de não-retorno, significando o início de um processo que não só conduz à construção de uma nação moçambicana, mas também traduz uma transformação irrevogável, como resume Ngungunhane na previsão dos futuros acontecimentos:

E aí o mundo terá mudado para sempre (p.121).

Apesar disso apresenta exemplos concretos como esta transformação se manifestará na sociedade moçambicana, no surgimento de uma nova classe social:

E por todo o lado, como uma doença que a todos ataca, começarão a nascer crianças com a pele da cor do mijo que expelis com agrado nas manhãs. Serão crianças da infâmia (p.119).

Ngungunhane alude aqui à posição difícil dos mulatos em Moçambique, um assunto que aparece também na obra de Mia Couto. Além disso, pode-se verificar como o afastamento da sociedade da sua origem exprime-se de maneira semelhante como em A Varanda do Frangipani e Terra Sonâmbula, visando a tensão entre o passado e a modernidade em Moçambique, aqui anunciado por Ngungunhane:

Fora das grades os vossos netos esquecer-se-ão da língua dos seus antepassados, insultarão os pais e envergonhar-se-ão das mães descalças e ocultarão as casas aos amigos. A nossa história e os nossos hábitos serão vituperados nas escolas sob o olhar atento dos homens com vestes de mulher que obrigarão as crianças a falar da minha morte e a chamarem-me criminoso e canibal (p.121).

         O processo de alienação por causa da fusão da cultura europeia com as culturas africanas mostra-se evidentemente na religião:

         (…) Mas começarão a aprender novas doutrinas que rejeitarão os espíritos, os feiticeiros e curandeiros. Todos ou quase todos aceitarão o novo pastor, mas pela noite adentro muitos irão ao curandeiro e pedirão a raiz contra as balas do inimigo, (…). (p.122).

         A profecia de Ngungunhane alude assim à convivência do passado com a modernidade em Moçambique, neste lugar na forma da coexistência da religião cristã e das tradições africanas. Apesar disso, aponta o facto de que não só se trata de uma mera aquisição de elementos da cultura europeia, mas que a situação inicial do embate das culturas imediatamente dá lugar a um processo de deslocações nas quais os africanos se apropriarão das novas doutrinas que o europeu traz para encontrar um caminho para a liberdade. Mas processo também no qual os europeus se moçambicanizaram:

(…) Outros transformar-se-ão em serpentes, entrarão no campo inimigo, estudarão os seus passos e verão o quantitativo. E esta será a nossa guerra vitoriosa contra os homens que entraram nestas terras sem autorização de ninguém. Muitos dos filhos destes homens ficarão nestas terras e aprenderão as nossas línguas e dançarão as nossas danças e casarão com as nossas mulheres à vista de toda a gente e serão os nossos irmãos de verdade (…) (idem).

         Por outro lado, esta passagem mostra que a chegada do português provocará mudanças sociais de carácter definitivo. O presságio do futuro limita-se, porém, não só ao papel do intruso no período colonial, mas mostra que a miséria profetizada por Ngungunhane não terminará com o fim do domínio do português:

Chegada a vitória tereis um preto no trono destas terras. (…) Mas não tereis chegado ainda ao tempo da vossa felicidade, seus cães, porque a maldição que abraçou estas terras, perdurará por séculos e séculos. (…) A desordem será de tal ordem que as casas mudarão de cor, passando a ter a cor da morte que se instalará nas vossas terras que terão a extensão de meses e meses de percurso (p.122-123).

         No seu último discurso Ngungunhane exprime que a libertação e independência em 1975 ainda não significarão o fim da guerra, mas uma transformação da guerra de carácter colonial em guerra civil, guerra que se estendeu até 1992. O romance faz assim uma ligação entre o tempo do império Gaza e os acontecimentos históricos dos últimos trinta anos em Moçambique. É por essa razão que Ualalapi deve ser considerado como um romance em diálogo ou em confronto com a história e com as fabricações da história, assumindo como tema central a questão do ‘Outro’ no processo político e cultural de construção de uma identidade nacional.

Fonte:
Capítulo de tese de Christoph Oesters (Utrecht, 11/2005)
http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaAfricana/Ungulani_Ba_Ka_Khosa.htm

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Fernando Namora (O Homem Disfarçado)

O personagem principal é João Eduardo, médico de prestígio profissional. João Eduardo é casado com Luísa, tem dois filhos Carlitos e Teresinha em idade escolar.

A narrativa começa demonstrando uma das características da personalidade de João Eduardo, sua impassibilidade e seu receio diante das coisas. As primeiras palavras do livro são “Acudam! Acudam!”. O médico está esperando seu carro ser lavado, quando um rapaz lhe informa que uma mulher pede por socorro uma vez que seu filho ficou entalado no elevador. Indeciso entre prestar ajuda e esconder-se, opta pela segunda alternativa uma vez que acredita que pouco poderá fazer ou o que poderá fazer talvez não valha a pena. Logo chega uma ambulância e leva a mãe e o garoto ao hospital.

Em casa, sua relação com a mulher tem esfriado. Luísa vai se tornando mais distante e mais impessoal. Compara-a com Silvina, sua amante, uma dançarina de casas noturnas que está a caminho da prostituição. Com Silvina sente-se seguro para contar suas impaciências, dúvidas e frustrações, o que não ocorre com a companhia de Luísa.

Sua vida profissional, embora de sucesso, estava lhe causando enfado. D. Emília uma vizinha e uma das primeiras clientes que tivera na cidade, era uma velha que vivia a bisbilhotar a vida alheia. Ela era casada com um velho doente que João Eduardo tratava também. Durante a narrativa, por vezes, João Eduardo busca saber o destino do garoto que ficara ferido no elevador, pergunta no hospital se algum garoto naquelas condições dera entrada, chega a ir à porta do apartamento da mãe perguntar pela sua saúde, mas a mãe não responde por estranhar-lhe os modos tensos e fecha a porta.

Há um amigo de infância, doente, tuberculoso, chama-se Jaime. Atualmente João Eduardo não só acompanha o tratamento de Jaime como o ajuda emprestando dinheiro que sabe dificilmente será pago. Rita, a mulher de Jaime, compreende a gravidade da situação e vê em João o único apoio para suportar o fim trágico que se anuncia para seu marido.

Na sua vida profissional, embora seja admirado pelo seu sucesso, João relembra que começou como médico de vilarejo no interior de Portugal, que lá podia atender os pobres e ajudá-los, mas a necessidade progredir na profissão e de ter uma clientela mais apta a gastos maiores o fez seguir na direção de trabalhar na capital, Lisboa. Jaime, o amigo, por outro lado, sempre fora dado a aventuras, chegara a ser guia de viagens num barco apenas pelo prazer e se sentir livre, além do que adorava beberagens, daí contraíra a tuberculose. O casamento com Rita se dera quase na mesma época em que se diagnosticara sua doença.

Um outro amigo do interior de Portugal e do início dos estudos era o Magalhães. Este continuava um modesto médico do interior e ansiava trabalhar na capital para melhorar de vida. Por pressão de Luísa que tinha simpatia por Magalhães e por sua esposa, João Eduardo chega a pensar em tentar arrumar alguma colocação para o amigo, embora lá no fundo, não nutrisse muita admiração por Magalhães, ao contrário da admiração que tinha pela ousadia de Jaime.

Fica sabendo que um médico morrera no Banco das Índias e que um cargo se abria. Foi até diretor financeiro averiguar a possibilidade de se dar esse cargo ao amigo provinciano, mas para sua surpresa o cargo estava sendo oferecido a ele, João Eduardo. Logo quis recusar mas acabou sendo convencido, até com relativa facilidade a aceitar o cargo. Isso criaria uma animosidade com a mulher e com o amigo provinciano, mesmo porque ele, João Eduardo, não precisava de mais um cargo.

O diretor do hospital, professor Cunha Ferreira é uma pessoa importante de suas relações profissionais. No entanto, o professor Cunha Ferreira sustentara o seu poder numa série de negociatas e conchavos. Dava parte dos honorários recebidos nas operações para os médicos que lhes encaminhassem doentes, fazia coincidir o dia das operações com o dia em que estava no hospital, entre outras coisas, e por vezes, João Eduardo participara desses arranjos.

Por outro lado, existia a figura de Medeiros. Medeiros era um médico respeitado por sua carreira pautada a honestidade e nos valores éticos. João Eduardo oscilava entre esses dois modelos de comportamento, mas via de regra tendia a seguir o professor Cunha Ferreira.

No hospital, o professor Cunha Ferreira convida João Eduardo e sua esposa para um jantar em que estará presente também o Medeiros. João Eduardo começa a desconfiar das intenções do professor nesse jantar. Se ele pretendesse arregimentar o Medeiros para o seu lado dificilmente conseguiria. Soube João Eduardo que Medeiros já reprovara algumas chapas médicas que fundamentavam algumas das operações feitas por Cunha Ferreira.

No jantar que contou com a presença de um certo rico vinhateiro, senhor Trigueiros, João Eduardo teme por um conflito entre as duas personalidades médicas. Mas com o apoio da habilidade de Luísa, o Medeiros vai se esquivando das inferências do professor Cunha Ferreira e consegue terminar o jantar sem abrir diretamente uma discussão.

Já altas horas da noite, sob a desculpa de atender um paciente, João Eduardo vai visitar Silvina num teatro de cabaré de terceira categoria. Para sua surpresa, Silvina está tensa e confidencia-lhe que tem uma filha, coisa que sempre escondera de João Eduardo e de todos os seus amantes. João descobre que Silvina tentava dar à filha uma educação decente e que escondera da filha sua profissão. Porém a filha descobrira por meio de outras pessoas e agora recusava em vê-la. João e Silvina bebem até ficarem bêbados.

João Eduardo tivera outras amantes, uma de que se lembra o nome era Clara, saíra com ela uma única vez, mas sua personalidade lhe impressionara, nunca mais a vira. Tinha um apartamento em que marcava os seus encontros e Silvina tinha acesso irrestrito àquele lugar.

Depois da deixar Silvina, após beberem juntos chega em casa já quase amanhecendo e a mulher, Luísa ainda acordada lhe informa que o amigo Jaime morrera, essa, aliás, é a última frase do romance.

 Fonte:
http://literatura-edir.blogspot.com.br/

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Ariano Suassuna (Romance da Pedra do Reino)

A caminho da bela e lendária Pedra do Reino

Inspirada no Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, a tradicional cavalgada de São José do Belmonte chega à sexta edição prometendo atrair mais de 800 cavaleiros (sem falar nos turistas “preguiçosos” que fazem o percurso de carro). Este ano, o evento acontece entre os dias 29 e 31 deste mês, oferecendo aos participantes uma chance imperdível de conhecer um pouco mais sobre a “tragédia sebastianista” ocorrida em Pernambuco há 160 anos e conferir algumas das mais típicas manifestações da cultura popular.

Promovida pela Associação Cultural da Pedra do Reino, a Cavalgada relembra o movimento liderado por João Ferreira, em 1838, na chamada Pedra do Reino, na Serra do Catolé, em São José do Belmonte (na verdade composta por duas grandes formações rochosas, uma com 30 e outra com 33 metros de altura). No local, o auto proclamado Rei João Ferreira formou uma comunidade de fiéis prometendo um reino de justiça, liberdade e prosperidade, onde os pobres ficariam ricos e até os pretos renasceriam brancos.

Tudo isso aconteceria depois da ressurreição de Dom Sebastião, antigo Rei de Portugal, desaparecido na África durante a batalha do Alcácer-Quibir, no século 16. No começo, aos fiéis pedia-se apenas que acreditassem, aguardassem e vivessem segundo as leis do Rei João Ferreira (que incluíam o direito de passar a noite com cada noiva da comunidade, no dia do casamento delas!).

Chegou um ponto em que passaram a ser exigidos sacrifícios humanos. João Ferreira (chamado de Dom João II) pregava que Dom Sebastião só desencantaria se a Pedra do Reino fosse lavada com sangue. O resultado foi a morte de 11 mulheres, 12 homens e 30 crianças (sem falar em 14 cachorros). O próprio João Ferreira terminou sendo morto e outro rei assumiu o seu lugar, Pedro Antônio, que só passou um dia no poder.

A Guarda Nacional, integrada por fazendeiros da região, decidiu intervir e mais 22 pessoas morreram (entre sebastianistas e soldados). O então prefeito da comarca de Flores, Francisco Barbosa Paes, descreveu o episódio como “uma das maiores carnificinas acontecidas no Sertão Pernambucano. O caso mais extraordinário, mais terrível, nunca visto, quase incapaz de acreditar-se”.

O EVENTO

A história é contada no romance de Ariano Suassuna e revivida anualmente na Cavalgada da Pedra do Reino (que este ano acontece no domingo, 31, precedida de outras celebrações a partir da sexta, 29). Os participantes, com trajes, armas e bandeiras de inspiração medieval, partem da praça central de São José do Belmonte, por volta de 05h da manhã, depois que tiros de bacamarte ecoam pela cidade e o padre abençoa os cavaleiros. Cinco horas depois, chegam à Pedra do Reino, onde é celebrada uma Missa com a presença de cantadores e violeiros, seguida por uma grande festa. Este ano, uma das atrações é a banda Comadre Florzinha.

Convidado especialíssimo, o escritor e secretário de cultura do estado de Pernambuco, Ariano Suassuna, lidera a comitiva com o título de Imperador da Pedra do Reino, concedido pela Associação. Junto a ele segue seu filho, o artista plástico Dantas Suassuna, Rei da Cavalgada, acompanhado da Rainha, Elizandra Carvalho, escolhida por concurso entre as garotas do município. Também na comitiva de frente, os membros da Ordem dos Cavaleiros da Pedra do Reino, em seis pares de vermelho e azul.

Um ritual um tanto mágico parece estar acontecendo, à medida em que os cavaleiros seguem até a Pedra do Reino, entoando tradicionais aboios (cantigas de vaqueiros), com trajes elaborados especialmente para a ocasião. Mais envolvente só mesmo o romance de Ariano sobre o tema, indispensável para quem quiser captar toda a essência do evento.

Para quem não tiver chance de lê-lo, vale ir se familiarizando com a história a parte do Memorial da Pedra do Reino, que será inaugurado no próximo domingo, dia 24, em Belmonte. No local, funcionará um museu com objetos, fotos e documentos sobre as mortes nas pedras e sobre a criação da festa. Uma das salas terá o nome do Imperador Ariano Suassuna.

A obra de Ariano Suassuna

“O assunto da obra esteia-se no mistério da decifração da morte de Sebastião Garcia-Barretto; afinal, é, aparentemente, por estar ligado a ela que o narrador se encontra preso e depondo num processo que constitui(rá) a narrativa. Essa morte é atribuída, pelo narrador, a motivos políticos que se relacionariam à sucessão do trono do Imperador do Brasil, da dinastia de João Ferreira, fanático que se proclamou rei do Brasil, em 1836, na comarca de Vila Bela.

No plano histórico, a década de 30 é marcada por confrontos políticos. Fundem-se o real e o imaginário, para surgimento da ficção, o que corresponde à proposta quadernesca de ajeitar o real para que possa ‘caber nas métricas da Poesia’.

Na verdade, a morte instaura apenas um enigma, gerador de um discurso sobre fatos mais relevantes: a genealogia de Quaderna, que lhe impõe um Destino, as atividades dessa personagem, o desaparecimento, no dia do crime, de Sinésio, filho de Sebastião Garcia-Barretto, e o posterior aparecimento do rapaz do cavalo branco.

Esse assunto apresenta características de epopéia: está em jogo o destino da Vila e, pela megalomania do narrador, o do Brasil; há a volta de um herói, tido por morto, depois responsável por grandes façanhas que incluem a vingança do pai assassinado e o estabelecimento de uma nova ordem (‘um reino de glória, justiça e paz’), condizente com os mais elevados destinos da Raça e da Nação brasileira, se amolda ao projeto de Quaderna.

(…)

O rapaz do cavalo branco e o próprio Quaderna são ‘assinalados’, isto é, devem cumprir um Destino como os heróis Ulisses, Enéias, Gama.”

(MICHELETTI, Guaraciaba. Na Confluência das Formas, ed.Clíper, 1997, p. 75-76)

“Para atingir seus objetivos, Quaderna, respaldando-se na sua tradição familiar, funda a religião Católica-Sertaneja, que toma de outras princípios básicos, refundindo-os, de acordo com seus propósitos.

Desta religião, essencialmente pragmática, nasce outra demanda: a política. As duas confundem-se no ‘rapaz do cavalo branco’, que se revela herdeiro do mito de D.Sebastião e da tradição cavaleiresca do Santo Graal. D.Sebastião é o casto guerreiro que, em seu cavalo branco, em Alcácer-Qibir, luta contra os mouros, me defesa dos ideais cristãos. Roberto do Diabo, depois pai de Ricarte da Normandia, um dos Doze Pares de França, purgou suas culpas, redimiu-se, quando montado em seu cavalo branco, que ‘era encantado’, livrou o reino de sua amada de um grande traidor. Ambos, mito e romance, partilham da crença de que os novos tempos são anunciados pela chegada do predestinado.”

(MICHELETTI, p. Cit., p. 66)

A PEDRA DO REINO

Publicado em 1970, A pedra do reino continua sendo considerado um romance completo, pois até hoje as duas outras partes da trilogia não vieram a público, pelo menos em edições comerciais. Em vista disso, a possibilidade de análise é um tanto precária, apesar de a obra oferecer, em suas mais de 600 páginas, matéria suficiente não apenas para ensaios como para livros inteiros.

De leitura um pouco árida na primeira centena de páginas, A pedra do reino, mesmo isolada da trilogia de que faz parte, é um verdadeiro monumento literário que se liga à cultura caboclo-sertaneja nordestina, muito marcada pelas tradições do mundo ibérico (Portugal e Espanha), trazidas pelos primeiros colonizadores europeus e transformadas ao longo dos séculos.

Em linhas gerais, A pedra do reino é a apresentação do memorial – obviamente em primeira pessoa – de D. Dinis Ferreira – Quaderna, que, preso em Taperoá, faz sua própria defesa perante o corregedor e, para tanto, conta a história de sua família, das desavenças, das lutas e das controvérsias políticas, literárias e filosóficas em que se vira envolvido. Como diz um crítico, na obra de Suassuna podem ser percebidas “duas distintas tradições a informarem a concepção de mundo do herói: a tradição mítico-sertaneja e a tradição erudita” (J. H. Weber). O que faz, como no caso de todas as demais obras da nova narrativa, com que A pedra do reino se diferencie claramente do romance brasileiro tradicional.

O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta foi publicado no Rio de Janeiro em agosto de 1971. Seu sucesso foi imediato e as reedições traduzem o interesse dos leitores (janeiro de 1972, agosto de 1972).

Resumir A Pedra do Reino seria, sem dúvida, destruir uma obra composta de idas e vindas, de momentos líricos e cômicos, de debates políticos e filosóficos, de múltiplas citações, alusões e referências históricas e literárias. Basta esboçar o argumento narrativo para se convencer da dificuldade da empreitada : Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, poeta, humorista, memorialista e bibliotecário da Vila de Taperoá, no sertão da Paraíba, decide relatar os acontecimentos que o trouxeram onde se encontra no início do livro, ou seja na cadeia. Elabora assim um Memorial dirigido «aos magistrados e soldados, toda essa raça ilustre que tem o poder de julgar e prender os outros […] aos nobres Senhores e belas Damas de peitos brandos…» Após a evocação do fator determinante, isto é a chegada do Donzel Branco, seu primo, Sinesio o Alumioso, e o assassinado do tio de Quaderna, éste conta a história de sua família, ligada à proclamação de um reino, estabelecido sobre duas pedras «encantadas», situadas no Alto Sertão de Pernambuco. Descreve seu itinerário pessoal e até íntimo : sua infância, sua formação poética com um cantador, a descoberta do passado da família e do mundo da cavalaria, a tomada de consciência de herdeiro do reino, a longa viagem iniciática que lhe permite reencontrar este passado, seus mestres e os problemas filosóficos, literários e políticos que os ocupam, o espírito aventureiro que leva Quaderna a organizar a sua reconquista do Reino Perdido e lhe permitirá talvez, um dia, revelar a verdade sobre a morte rocambolesca do seu tio. A chegada do Rapaz do Cavalo Branco, misterioso e perigoso, será o início da grande aventura de Quaderna, sua “Demanda do Graal” : demanda da identidade do rapaz, busca da verdade, procura de um tesouro perdido mas, antes de mais nada, espera e procura da Revelação, do «Sacramento» que o tornará Imperador do Sertão e Gênio da Raça. A aventura de fato não começou : o romance inteiro não é senão preparação à aventura, relato mesclado de muitas histórias ou anedotas ligadas, direta ou indiretamente, à narrativa principal.

1. Uma Pedra movediça ou a constelação de variantes

Se o Auto da Compadecida foi imediatamente traduzido e representado em várias línguas no mundo inteiro, A Pedra do Reino, apesar do entusiasmo que desperta em críticos e leitores, assustou os editores estrangeiros pelas suas dimensões (625 páginas) tanto quanto pelo seu mundo denso de referências culturais brasileiras, eruditas e populares. As editoras alemãs tomaram a frente : a edição, em dois volumes reunidos numa caixinha, teve um formato semi-bolso, uma diagramação atraente e uma capa original.

Os editores franceses reagiram positivamente à leitura do romance mas pretenderam aplicar uma regra então quase generalizada para as obras volumosas de autores estrangeiros pouco conhecidos : a redução do volume por amputação de uma ou várias partes. Jorge Amado já tinha sido vítima deste procedimento e sua Tereza Batista só foi editada na sua integridade textual nos anos 90 : na primeira edição francesa, faltavam o primeiro e o último capítulos o que resultava num considerável empobrecimento do significado da obra.

1.1. Informado, Ariano Suassuna começou recusando mas reavaliou posteriormente a sua posição e entregou (à sua tradutora), em 1976, uma primeira tentativa de redução textual, uma variante do primeiro livro do Romance d’A Pedra do Reino, intitulada A Pedra do Reino, versão para Franceses e outros estrangeiros sensatos. Mas as negociações de edição foram suspensas e a reescritura parou neste ponto. Esta primeira versão reduzida foi vertida para o francês e figura, com autorização do autor, em anexo da minha tese de Doutoramento em Letras, na Universidade de Paris III , juntamente com poemas e textos de outros autores, membros do Movimento Armorial. Esta «Antologia Armorial» não saiu, até o presente momento, das páginas da tese.

Contudo, o trabalho de redução assim iniciado não restringiu somente o volume global de palavras por capítulo como atingiu aos poucos a própria estrutura do romance, obrigando o autor a uma re-visão de sua obra. Deste modo, Suassuna elabora uma variante que não se destina mais exclusivamente à tradução. A redução do texto implica corte de parte do volume inicial, as duas primeiras partes que relatam a infância e a formação literária do narrador-protagonista, Quaderna. Por outro lado, são suprimidas varias citações e alusões diretas ou indiretas a obras literárias, em particular a folhetos, cantigas ou quadras populares.

1.2. Quaderna, o Decifrador (tapuscrito com correções manuais, datado de 1978) reduziu-se de fato a um primeiro livro, A Pedra do Reino ou a Quarta-feira de Trevas. A matéria narrativa continua distribuída em partes, intituladas «Canto» e não «Livro» como na edição de 1971. Estas três partes são :

Canto I – Os Três Irmãos Sertanejos nas teias da sorte cega

Canto II – Os Gaviões Cegadores

Canto III – A Demanda do Sangral

Apesar da transformação do intitulado do segundo canto, podemos encontrar no conteúdo narrativo do livro bem como no intitulado dos «folhetos» ou capítulos, uma exata correspondência com o conteúdo dos Livros III, IV e V da versão editada em 1976.

Suassuna acaba por redistribuir os elementos de sua trilogia : este primeiro volume de Quaderna o Decifrador, A Pedra do Reino ou a Quarta-feira de Trevas, deveria ser seguido por um segundo volume, provavelmente intitulado As infâncias de Quaderna, que retomaria a matéria narrativa dos dois primeiros livros da edição de 1971, parte da História d’O Rei Degolado nas Catingas do Sertão, além dos folhetos publicados sob este título em forma de folhetins semanais no Diário de Pernambuco, de 2 de maio 1976 a 19 de junho de 1977.

Sem prazo para concluir estas transformações do segundo e do terceiro volume, Suassuna prefere manter inédita a nova versão para reeditar os três volumes de uma só vez ou com poucos mêses de distância. Contudo, em curto artigo, datado de 9 de agosto de 1981 e publicado no Diário de Pernambuco, Ariano Suassuna comunica a sua retirada da vida pública e da literatura. O aparente, e tão apressadamente comentado, fracasso do seu engajamento cultural [no Movimento Armorial] juntou-se às dúvidas e questionamentos de um escritor e de um homem que se declarou sempre «perturbado por sonhos, químeras e visões até utópicas da vida e do real».

1.3. Em 1994, antevendo a possibilidade concreta de traduzir A Pedra do Reino e tendo encontrado um editor francês decidido a publicá-la, submeti a proposta a Ariano. A aceitação foi seguida, dois mêses mais tarde, pela remessa de um tapuscrito intitulado A Pedra do Reino, versão para Europeus e Brasileiros sensatos. O título era evidentemente adaptado da primeira versão reduzida e destinada à tradução (a de 1976), contudo Ariano, ao incluir os «Brasileiros» entre os destinatários desta nova obra, manifestou claramente o caráter definitivo desta nova estrutura narrativa e que será algum dia publicada em português. Esta versão retoma o texto de Quaderna, o Decifrador, com muitas correções manuscritas, algumas supressões e alguns acréscimos4, e mantém a mesma estrutura em folhetos (capítulos) de mesmo título, suprimindo contudo a divisão em partes ou «cantos» da versão de 1978. Os folhetos apresentam-se portanto uns após os outros sem qualquer separação ou forma de estruturação.

Este livro, traduzido por mim, foi publicado pelas Editions Anne-Marie Métailié em fevereiro de 1998, poucos dias antes da realização do Salão do Livro de Paris, cujo convidado de honra era, naquele ano, o Brasil. A edição foi primorosa e reproduziu na capa uma xilogravura colorida de Gilvan Samico, intitulada «Alexandrino e o Pássaro de Fogo», escolhida pela editora entre as muitas sugestões apresentadas, sem saber que esta gravura tinha sido preferida por Ariano Suassuna para ilustrar a capa do primeiro disco LP do Quinteto Armorial (capa conservada na edição em CD).

Dispomos portanto de quatro textos distintos d’A Pedra do Reino :

A. O Romance d’A Pedra do Reino, de 1971, editado pela José Olympio, só se encontra hoje nos sebos e saiu há muito tempo do catálogo da editora. Desconfio que esta situação de «quase desaparecimento» seja aceita com certa satisfação pelo autor que deixa se criar um hiato antes da publicação da nova versão;

B. A Pedra do Reino, versão para Franceses e outros estrangeiros sensatos, de 1976, ensaio de redução do primeiro livro (ou parte) que foi interrompido. Foi traduzido para o francês e tornado público como anexo de uma tese (ou seja está inédito para o grande público!);

C. Quaderna, o Decifrador : Livro I – A Pedra do Reino ou a Quarta-feira de Trevas, de 1978, versão completa e inédita em português ;

D. A Pedra do Reino, versão para Europeus e Brasileiros sensatos, de 1994, versão corrigida do texto anterior, inédita em português e publicada em francês em tradução minha, com o título de La Pierre du Royaume, version pour Européens et Brésiliens de bon sens.

Eis o estado da questão em matéria textual : a Pedra do Reino continuará sem dúvida alguma a se mexer e esperamos que chegue a uma edição completa e satisfatória.

2. O processo de tradução de La Pierre du Royaume

Existem dois tipos de tradutores : os que traduzem por amor à língua e os que traduzem por amor a uma obra literária. Não considero evidentemente aqueles que traduzem por apego ao dinheiro porque geralmente desistem logo de ser tradutores! Na França, tradutor tem estatuto, tem tarifa sindical, tem associação representativa. Tradutor de português tem principalmente dificuldades para encontrar um editor que queira publicar obras da literatura portuguesa ou brasileira.

Eu me situo objetivamente entre os tradutores que traduzem por amor a uma obra literária : descobriram um autor ou um livro e querem fazer compartilhar aos seus compatriotas – que não têm a sorte de poder ler no original – o prazer desta leitura. A minha leitura d’A Pedra do Reino foi apaixonada e apaixonante. A tradução do livro tornou-se portanto um objetivo. Durante anos, andei nas editoras parisienses em cada viagem à França, deixava o livro, umas páginas traduzidas e esperava o diagnóstico. Ele sempre foi o mesmo : a obra era magnífica, a tradução de qualidade mas… e no «mas» entrava segundo os anos e as editoras : a crise da edição francesa, a falta de interesse para a literatura estrangeira, o tamanho do livro, o custo da tradução, a situação financeira da referida editora etc.

Em 1994, a França lia e a-do-ra-va um escritor brasileiro, que fazia um sucesso inacreditável e vendia até cinco edições paralelas de um mesmo livro. Precisa dizer o nome ? Pois era mesmo aquele que vocês imaginam : Paulo Coelho. Esta situação me deu força para ir à luta novamente. Resolvi procurar desta vez uma pequena casa editorial que tinha 15 anos de existência e um invejável catálogo de autores brasileiros : Machado de Assis, Euclydes da Cunha, Guimarães Rosa, Cornélio Penna e Raquel de Queiroz figuravam, entre outros, na sua «Biblioteca brasileira». Não precisei de nenhum esforço para convencer Anne-Marie Métailié da importância da Pedra do Reino : mencionei a Versão para Franceses e outros estrangeiros sensatos de 1976 e o Quaderna, o Decifrador, de 1978. Poucos mêses depois, o contrato estava assinado e Ariano me mandava a versão definitiva, corrigida e transformada em Versão para Europeus e Brasileiros sensatos.

O meu trabalho de tradução, correção, releitura e recorreção durou 3 anos, sem exclusiva, claro, porque tradutor, na França como em qualquer parte do mundo, dificilmente vive graças a suas traduções.

Eu pensava conhecer o livro : afinal tinha lido inúmeras vezes, consultado, anotado, fichado, tinha escrito uma dissertação de mestrado sobre A Pedra do Reino como novela de cavalaria e uma tese de doutorado sobre o Movimento Armorial em que a obra figurava e era analisada pormenorizadamente. Tinha feito comunicações, conferências, debates mas nunca havia experimentado esta relação íntima com o texto, este pisar no rasto do autor, este passar pelas próprias palavras as emoções, as dúvidas, as alegrias. A tradução me revelou dimensões da obra que a crítica e a análise não podiam alcançar mas, em compensação, sem este trabalho anterior de longos anos de pesquisa e aprofundamento não somente deste livro senão da obra completa de Suassuna e dos integrantes do Movimento Armorial, nunca teria ousado enfrentar tamanho desafio.

A Pedra do Reino é um livro oral, ele é dito, contado, por um narrador falante e mentiroso, que envolve o seu leitor em conversas, relatos e discursos brilhantes interrompidos por crises de sinceridade ou de medo. Eu traduzi este livro falando em voz alta, frente ao meu computador; revisava teatralizando e muitas vezes preferi tal palavra a tal outra simplesmente porque soava melhor. Esta busca do tom, do som, da justeza da conversa me levou freqüentemente a simplificar as formas verbais porque o subjuntivo, por exemplo, não tem o mesmo valor nem a mesma significação social em português e em francês.

Além da dimensão oral, A Pedra do Reino é um livro visual, com ilustrações reproduzidas na edição de 1971 em página inteira ou integrada no texto. Para a edição francesa, Ariano Suassuna retrabalhou seus desenhos a modo de vinhetas situadas na abertura de cada folheto, lembrando as iluminuras e iniciais ricamente ornamentadas dos manuscritos antigos. O efeito é surpreendente e belíssimo.

O léxico apresenta-se sempre como a dificuldade mais visível de uma tradução. A pesquisa lexicográfica representa sem dúvida uma parte importante do trabalho : alguns termos de geografia, culinária ou história foram mantidos no texto, sem nota quando se tratavam de termos já dicionarizados, como caatinga ou sertão, ou com nota de rodapé, retomados num glossário no final do livro, quando muito específicos como foi o caso de certas manifestações folclóricas ou plantas.

Por outro lado, o respeito do texto obriga a desconfiar do peso adquirido por certos termos na língua-meta : um dos meus leitores (foram vários) criticou minha tradução, aparentemente preguiçosa, de «um Negro meio sangue de Índio-Tapuia» (un Noir demi-sang d’Indien-Tapuia) e sugeriu «um Nègre métis d’Indien-Tapuia». Desprezando este «meio-sangue» que, em português como em francês, refere-se à mistura de sangue da raça eqüina, ignorou a paixão do narrador Quaderna pelos cavalos : as comparações entre homens e cavalos são freqüentes no romance e sempre positivas enquanto o termo «mestiço» conserva, em ambas as línguas, uma carga semântica negativa.

Outro objeto de debate, o nome do Estado, a Paraíba. A prática habitual dos geógrafos consistiria em traduzí-la por «la province du Paraïba», termo que me pareceu de imediato muito estreito para designar o que, para o narrador, representa um verdadeiro país e até o centro do Império do Sertão, seu território mítico. A estrutura federal do Brasil impõe, por outro lado, de não assimilar um Estado a uma simples província, que se define em relação a um centro, numa perspectiva centralizadora e jacobina inaceitável no Brasil. O Estado da Paraíba apresenta-se nesta obra como um país designado no feminino em razão do seu final em –a. Escrever-se-á portanto la Paraïba como se escreve la Louisiane ou la Californie. Le Paraïba, no entanto, continuou designando o rio Paraíba e Paraïba, «tout court», foi reservado à capital do Estado que mudou de nome em 1930 para escolher o nome do seu Presidente assassinado, João Pessoa.

La Pierre du Royaume, version pour Européens et Brésiliens de bon sens não obedece, portanto, a critérios acadêmicos : os famosos exercícios de aprendizagem de língua estrangeira, latim ou grego, version ou thème, que a universidade francesa continua valorizando ao extremo, para as línguas vivas tanto quanto para as mortas. Todos os anos, por ocasião da preparação dos concursos que dão acesso à carreira docente (Capes e Agrégation) as traduções das obras inscritas ao programa são analisadas, dissecadas e geralmente condenadas por professores universitários que perseguem o «faux-sens», o «contre-sens», o «solécisme» ou qualquer um destes graves pecados da vida docente. E propõem textos impecáveis, conservando todos os modos e pretéritos perfeitos e imperfeitos, mas geralmente textos mortos, destruídos pelas marteladas conjugadas da erudição e da gramática. Não estou defendendo o erro e muito menos a aproximação ou a falta de rigor mas, como no teatro, a tradução deve se tornar de algum modo interpretação para conseguir atingir a verossimilhança discursiva e a poética.

Assim, me atrevo a concluir esta reflexão com a ajuda de Samuel, personagem de A Pedra do Reino :

«[…] quando um Poeta brasileiro ou português traduz uma obra estrangeira, para mim, o original fica sendo o trabalho dele. Sou nacionalista, e, podendo, pilho os estrangeiros o mais que posso! Para mim, Manoel Odorico Mendes é o autor dos originais da Ilíada e da Eneida brasileira : Homero e Virgílio são, apenas, os tradutores gregos e latinos dessas obras dele! Castilho é o autor do Fausto e do Dom Quixote, assim como José Pedro Xavier Pinheiro é o verdadeiro autor da Divina Comédia que Dante traduziu para o italiano!»

Posso portanto com tranquilidade e orgulho assinar este texto :
Idelette Muzart Fonseca dos Santos
autora de La Pierre du Royaume,
Version pour Européens et Brésiliens de bon sens,
obra traduzida para o português por Ariano Suassuna.

Fontes:
http://educaterra.terra.com.br/literatura/litcont/litcont_6.htm)
http://www.geocities.com/ail_br/lapierreduroyaume.html)

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Padre Antonio Vieira (Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda)

O sermão do Padre Antônio Vieira, intitulado Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, trata-se de um texto religioso redigido pelo sacerdote, com vistas à pregação que realizou no Brasil, no ano de 1640, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, na Bahia.

Pela leitura do sermão, observa-se que seu tema se relaciona com a época da turbulência social vivida pelo país. Era em 1640; a Baía estava a ponto de cair sob o jugo holandês. Arrebatado por uma inspiração patriótica, Vieira quis reanimar os brios dos Brasileiros e fazer ao Céu uma santa violência. Num sublime transporte de génio compôs essa obraprima, verdadeiramente única no seu género, repleta das sublimes audácias de Moisés e dos Profetas. Seja qual for a idéia que façamos da pregação, é impossível não sentir a grandeza e a originalidade de tal eloquência.

Motivado pelo firme propósito de tentar impedir o jugo holandês, o Padre Antônio Vieira constrói seu sermão e dirige-o ao povo que fomentou o projeto expansionista, povo católico, impregnado de religiosidade, fiéis dominados pelas virtudes da fé, em nome da qual ampliavam suas conquistas e, conseqüentemente, suas riquezas.

Convém observar que a pretensão de dominar o desconhecido vigorou em sua plenitude por ocasião das grandes navegações. O temor de navegar por mares “virgens” foi superado pela audácia dos portugueses. Corajosos, ambiciosos, arrostaram perigos e não hesitaram em pôr em risco suas vidas, conforme as próprias palavras de Vieira:

Se esta havia de ser a paga e o fruto de nossos trabalhos, para que foi o trabalhar, para que foi o servir, para que foi o derramar tanto e tão ilustre sangue nestas conquistas? Para que abrimos os mares nunca dantes navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não conhecidos? Para que contrastámos os ventos e as tempestades com tanto arrojo (…).

Mas a primazia ora alcançada pelos desbravadores estava sob ameaça. À fartura suceder-se-ia, devido à falta da infra-estrutura necessária para a manutenção do império conquistado, uma perda inominável: o Brasil se vê na iminência de passar à propriedade dos holandeses. Eis o motivo que propicia a alegação de Vieira de estar o Brasil passando para as mãos dos “hereges”, ao redigir seu sermão.

Assim posicionado, o sacerdote prega o sermão argumentando com Deus e repreendendo-O, a fim de que Ele conceda aos portugueses a vitória que engrandecerá a glória divina:

(…) Pequei, que mais Vos posso fazer? E que fizestes vós, Job, a Deus em pecar? Não Lhe fiz pouco; porque Lhe dei ocasião a me perdoar, e perdoandome, ganhar muita glória. Eu dever-Lhe-ei a Ele, como a causa, a graça que me fizer; e Ele dever-me-á a mim, como a ocasião, a glória que alcançar. (…). Em castigar, vencei-nos a nós, que somos criaturas fracas; mas em perdoar, vencei-Vos a Vós mesmo, que sois todo-poderoso e infinito. Só esta vitória é digna de Vós, porque só vossa justiça pode pelejar com armas iguais contra vossa misericórdia; e sendo infinito o vencido, infinita fica a glória do vencedor. (…). (VIEIRA, 1959, p. 322-323).

Entretanto, não se pode perder de vista que esse sermão se destinava a “reanimar os brios dos brasileiros”, entendidos aqui como os brasileiros nascidos no Brasil, os colonos portugueses e o corpo de milícias que defendia a Bahia de todos os Santos.

Estes são, pois, o auditório universal de Vieira. Contudo, havia um auditório “intermediário” composto por um único ser e interlocutor virtual: Deus, pois Vieira não fala diretamente aos fiéis; ao contrário, dirige-se a Deus, que é seu “interlocutor”: “Não hei-de pregar hoje ao povo, não hei-de falar com os homens, mais alto hão-de sair as minhas palavras ou as minhas vozes: a vosso peito divino se há-de dirigir todo o sermão.” (VIEIRA, 1959, p. 301).

A cena se passa como se o pregador estivesse em um grande palco: ele dirige-se indiretamente à platéia – os brasileiros – e “contracena” com Deus – o “ator” imaterial. Após estruturar as bases da analogia entre o seu próprio discurso e o do Profeta Rei, o padre passa a apresentação dos argumentos propriamente ditos, construindo o sermão.

No Sermão da Sexagésima, Vieira pretendia ensinar aos colegas sacerdotes um meio eficaz de seduzir os fiéis e atraí-los para a seara do Cristo e no sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, Vieira pretende seduzir Deus e atraí-lo para a sua própria “seara”, a dos portugueses.

No sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, as Sagradas Escrituras são o meio de prova dos argumentos arrolados por Vieira
e também o veículo que aproxima o orador do seu auditório real para assegurar a fidelidade deste, pois a Bíblia, por representar a palavra de Deus, consubstancia
os anseios do orador e do seu auditório, naquele momento histórico.

Como pode-se observar, a tese a ser defendida por Vieira está explícita no próprio título do sermão; o sacerdote advoga que Deus retome a aliança com os portugueses para que estes possam derrotar os holandeses.

Notas importantes

1. A formação discursiva, por excelência persuasiva, se faz presente no referido texto, pois o contexto deixa claro que Portugal está perdendo o Brasil para os holandeses e Vieira pretende incitar os brasileiros à luta armada; para isto, prega o sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. Para persuadir os brasileiros, Vieira dirige-se diretamente a Deus e “repreende-O” pelo que Ele está “permitindo” que aconteça com os portugueses.

2. O sermão constitui o lugar onde se instalam todas as condições para o exercício de dominação pela palavra, pois, ao “argumentar” com um interlocutor do plano espiritual, Vieira está, na verdade, monologando, uma vez que Deus não vai “contra-argumentar” com o padre. Assim, em nenhum momento, Vieira terá um “opositor”.

3. O texto se caracteriza como um discurso exclusivista por não haver espaço para mediações ou ponderações. Assim, os signos são fechados e o discurso fixa-se em um jogo parafrásico. Repete-se uma fala já sacramentada pela instituição, neste caso a Igreja, e é à sua interpretação da Bíblia Sagrada que Vieira recorre para compor o seu discurso. Nele não há espaço para mediações ou ponderações porque a voz da Bíblia é universalmente aceita como o fundamento do pensamento cristão e o instrumento de acesso a Deus e a Seu Filho. Qualquer “ponderação” que se fizesse, conforme demonstramos no decorrer desta tese, seria
considerada herética, já que, por ser fruto do raciocínio, discordaria do discurso do sacerdote.

4. O texto se apresenta como o lugar do monólogo, em detrimento do diálogo, pelo fato de o padre argumentar com um ser do mundo espiritual. E ainda que assim não fosse, só por basear-se na Bíblia, o pregador eliminou qualquer possibilidade de diálogo, uma vez que a Bíblia Sagrada é a “palavra de Deus” e contra ela ninguém haverá de se levantar, sob pena de incorrer em pecado grave e correr o risco de “arder nas chamas do Inferno”, de acordo com a crença difundida entre os fiéis pela própria Igreja Católica.

5. O”tu” se transforma em mero receptor e, por conseguinte, não tem nenhuma possibilidade de interferir ou modificar o que está sendo dito. Essa característica pode ser comprovada pelo fato de ninguém poder se insurgir contra a “palavra de Deus”. Para os receptores reais do discurso de Vieira, isto é, os brasileiros, o padre intermedeia a mensagem divina e, portanto, é um representante de Deus, o que bloqueia as comunicações desses fiéis e cria uma “ilusão de reversibilidade”.

Fonte:
Cláudia Assad Álvares, Doutora em Filologia e Língua Portuguesa. Disponivel em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/s/sermao_pelo_bom_sucesso_das_armas

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2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 3


2º CIELLI – Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

Diariamente estão sendo postados 4 Resumos dos Simpósios que serão apresentados em 13 a 15 de junho, até totalizar os 25 a serem apresentados.

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

9
Wellington Ricardo Fioruci
Ana Maria Carlos
LITERATURA, CINEMA E TELEVISÃO: CONFLUÊNCIAS INTERSEMIÓTICAS

Este simpósio insere-se na vertente de estudos próprios da intersemiótica, já que busca estabelecer pontos de convergência entre as linguagens da literatura, do cinema e da televisão. Ao pensarmos no caráter literário, na inter-relação sígnica e nas possibilidades tradutórias do texto, notamos que, desde os primórdios, o texto literário mantém uma intensa relação com a imagem. Se nos reportamos às inscrições rupestres, encontradas nas cavernas, podemos verificar que os desenhos já se encontravam organizados numa estrutura narrativa linear, constituindo um sistema de linguagem, que objetivava contar uma história.

A imagem tem possibilidades de construção narrativa, de caráter sintético, enquanto a escrita, analítico. Neste sentido, serão aceitos trabalhos para este simpósio que promovam o diálogo comparativo entre obras destas diferentes formas de expressão artística, desde que fundamentados no princípio da adaptação ou tradução semiótica. Assim sendo, obras literárias de qualquer natureza no que tange ao gênero, incluindo-se nesta ampla categoria contos, romances, poemas, novelas, HQs, roteiros, adaptadas para o cinema ou televisão, em formas de filmes ou minisséries, ou vice-versa, isto é, obras de natureza sonoro-visual que foram transformadas em textos literários.

O presente simpósio parte dos estudos comparativos entre as diferentes modalidades de expressão artística, cujas raízes encontram-se nos princípios teóricos da Semiótica Moderna fundada por Pierce, compreendida como “a doutrina formal dos signos”, ou, na opinião de Nöth, vista como a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura. Assim sendo, com base na Semiótica e, mais precisamente, em sua variação, denominada Intersemiótica, a qual, segundo Julio Plaza, deve ser vista a partir de um “pensamento com signos, como trânsito dos sentidos, como transcriação de formas na historicidade”, abre-se caminho para uma diversidade de estudos que aproximam diferentes códigos estéticos, com vistas a compreender os processos de simbiose e dissidência entre eles, os quais tendem a redimensionar significativamente as diferentes áreas de estudo implicadas nestas abordagens interdisciplinares.

Colocar-se-á em debate temas pertinentes à Intersemiótica, tais como, os valores e a função social das obras artísticas, o conceito de fidelidade, a tradução de sistemas sígnicos e o processo de transcriação ou transculturação, a relação entre objeto artístico e mercado e a participação do leitor/espectador na construção dos sentidos.

Tendo em vista amplo arcabouço teórico inerente a esta linha de pesquisa, considera-se, com efeito, em consonância às observações de Lúcia Santaella, que todo fenômeno de cultura só funciona culturalmente porque é também um fenômeno de comunicação, e considerando-se que esses fenômenos só se comunicam porque se estruturam como linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e qualquer atividade ou prática social constitui-se como prática significante, isto é, como prática de produção de linguagem e sentido.

10
Edison Bariani Junior
Márcio Scheel
LITERATURA E CIÊNCIAS HUMANAS: LIMITES, APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS

As relações entre literatura e ciências humanas sempre foram mais estreitas, complexas e profícuas do que parte considerável dos cientistas e dos críticos literários gostaria de admitir. Platão, por exemplo, que por julgar os poetas imitadores afastados em três graus da verdade do mundo, dos seres e das coisas, acaba por lançar mão dos mitos, elemento essencial ao discurso poético, como forma alegórica de expressão do conhecimento filosófico. Aristóteles, por sua vez, defende, na Poética, a ideia de que a diferença fundamental entre o poeta e o historiador não está na forma de expressão de suas obras, mas naquilo que expressam: o historiador remete-se aos acontecimentos tais como foram, ao passo que o poeta concebe os fatos como poderiam ter sido. É possível perceber, nas afirmações de Aristóteles, uma certa supremacia do poeta diante do historiador, já que, para ele, a Poesia concentra em si mais filosofia e elevação ao enunciar verdades gerais, do que a História e seus fatos particulares.

Em fins do século XVIII, os românticos alemães, na esteira da influência que Kant e Fichte exerceram sobre suas reflexões, tornam-se representantes fundamentais do pensamento idealista da época, solicitando que poesia e filosofia se aproximassem novamente, exigindo uma criação literária cada vez mais aberta à reflexão crítica, ao exercício do pensamento. A literatura realista-naturalista da segunda metade do século XIX adere fortemente aos princípios cientificistas do período, dando origem, inclusive, à noção de romance experimental de tese, sendo que o conceito de experimental não está de nenhum modo associado aos ideais modernos de experimentalismo formal, mas sim aos princípios científicos estabelecidos pelo médico e fisiologista francês Claude Bernard. Experimental como parte de um processo empírico de recolher fatos, estabelecer uma hipótese, isolar um ambiente, experimentar, observar, analisar, verificar, explicar e descrever. Nesse sentido, o século XX viu desenvolver-se, no campo dos estudos literários, um amplo conjunto de métodos críticos que pressupunham, desde seus fundamentos teóricos, a utilização de um arsenal conceitual e metodológico estreitamente articulado com a ciência.

Também a literatura, a partir da modernidade, preocupa-se não somente em narrar, mas, sobretudo, em interpretar o mundo que narra, mormente as relações entre os homens, já tão distantes da natureza, e sua existência num mundo que já é eminentemente social, ‘puramente social’, segundo Ferenc Fehér. Também as ciências sociais, desde seu nascimento no séc. XIX, lançaram mão do texto e da visão literários para recolher informações e mesmo explicar a vida social; Marx, por exemplo, recorre a Balzac para entender e exercitar sua crítica à vida e atitudes burguesas, a Shakespeare para discutir aspectos humanos da transformação do capitalismo, etc. Mais ainda, as ciências sociais (e a sociologia em particular) – a despeito de posições naturalistas, positivistas e cientificistas – tomadas como formas de geração de conhecimento por meio da criação, da originalidade, da invenção, da renovação e da interpretação específica, também aproximam-se da forma estética, especificamente, literária, como já o afirmaram Robert Nisbet, ao asseverar a sociologia como uma forma de arte, e Richard Brown, ao mencionar uma “poética da sociologia”.

Assim, a criação estética e literária permeia o fazer científico seja como fato, elemento de informação/descrição, documento, interpretação, criação e mesmo estilo. Em obras como as de Marx, Weber, Mannheim, Wright Mills na sociologia já clássica; como as de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, no Brasil; e, atualmente, escritos de Mafesoli, Elias, Bauman, configuram a proximidade e distanciamento, o diálogo rico e crítico entre ciência (social) e estética (literária). Sendo assim, nosso interesse é pensar de que modo se dão essas aproximações entre literatura e ciências, bem como os limites que elas insistem em romper.

11
Emerson da Cruz Inacio
Jorge Vicente Valentim
LITERATURA E HOMOEROTISMO

Tentar definir as formas com que as manifestações de Eros se apresentam constitui tarefa ingrata e praticamente impossível, dada as múltiplas possibilidades de suas representações. A diversidade dos caminhos adotados para a constatação dos impulsos, dos desejos e das reações tem gerado uma gama significativa de veios metodológicos para a pesquisa e a leitura de tal temática.

Sem querer fechar num único caminho esquemático para a sua reflexão, a proposta do presente Grupo Temático é abrir um amplo espaço de discussão e debate sobre as múltiplas rotas eróticas, presentes nas literaturas de língua portuguesa, abrangendo a produção literária de Portugal, Brasil e África, assim como as perspectivas teóricas que atendam às especificidades destes povos. Se entendermos tais rotas eróticas como manifestações da ordem daquela “sexualidade plástica”, de que nos fala Anthony Guiddens, ou seja, de uma “sexualidade descentralizada, liberta das necessidades de reprodução”, então, poderemos caminhar tanto por uma via de liberdade entre os gêneros e as escolas literárias a que os textos propostos para leitura pertencem, quanto pelas vias de sua representação temática, entendendo-a nas linhas do hetero e/ou do homoerótico, da escrita de lésbicas, transexuais, queer ou das textualidades que tematizem aspectos das sexualidades não-normativas.

Nesse sentido, pretende-se ainda procurar estabelecer um balanço dos Estudos Homoeróticos e da Diversidade Sexual no Brasil, tomando como marco a realização dos três encontros \”Literatura e Homoerotismo\”, promovidos na Universidade Federal Fluminense entre os anos de 1999 e 2001, momento em que pesquisadores e pesquisadoras visaram a visibilidade crítica, estética e literária daqueles estudos. Nos anos que separam a última realização do evento e a atualidade, muitas perguntas se impuseram aos pesquisadores e interessados na área: pode-se pensar em uma estética homoerótica em Língua Portuguesa? Há um cânone paralelo, representativo da produção de temática e autoria homossexual em nossas literaturas? As premissas teóricas, muitas delas importadas da Europa e dos EUA atendem com destreza às especifidades dos discursos literários que tangenciam ou tematizam as experiências homoeróticas? Os avanços políticos têm contribuído para uma oxigenação dos cânones em Língua Portuguesa, no que se aplica à tematização dos (homo)erotismos?

Na relação entre sujeito e objeto, como fica a produção e autoria: gays e lésbicas são ainda apenas objetos ou já constituem uma subjetividade no campo literário? A partir de tal premissa, respeitando, porém, os pressupostos teóricos propostos pelos seus leitores, o Grupo Temático expande a possibilidade de um encontro também entre os pensamentos de Freud, Bataille, Guiddens, Alberoni e Foucault, a Teoria Queer, David Halperin, Eve Kosofsky Sedgwick, dentre outros, e suas possíveis aplicações nas literaturas de língua portuguesa, bem como de teóricos e estudiosos de tais questões nos territórios abrangidos por este GT.

12
Jaison Luís Crestani
Daniela Mantarro Callipo
LITERATURA E IMPRENSA

A implantação e o desenvolvimento da imprensa promoveram a comercialização da literatura e deram início ao processo de profissionalização do escritor, que passaria a alcançar, assim, uma relativa autonomia na sua produção, deixando de se submeter à tutela de um mecenas. Consequentemente, a instauração de um mercado livre e anônimo para as manifestações artísticas e culturais teria um efeito duplo sobre o trabalho do escritor, instituindo o que se poderia denominar como dialética da liberdade e da alienação.

Com a abertura de um mercado dos bens simbólicos, aciona-se todo um “sistema de condicionamentos” com os quais o escritor deverá defrontar-se obrigatoriamente no decurso de sua produção artística. A introdução de novos meios de produção e de transmissão da cultura não só estimulam formas de escrita igualmente renovadas, como também contribuem decisivamente para a formação de um novo modo de raciocínio e, por conseguinte, de maneiras inovadoras de se relacionar com os produtos artísticos a serem assimilados.

Desse modo, este simpósio propõe-se a fomentar a interação de estudos e pesquisas empenhados em promover a compreensão das confluências dinâmicas entre as operações criativas e os mecanismos de produção e difusão cultural. Dispensando dicotomias simplistas, esta proposta prioriza abordagens dialéticas das contradições inerentes à simbiose entre literatura e imprensa, fundamentadas na combinação da apreciação de soluções estético-literárias com a análise da materialidade das obras e com a historicidade das práticas de escrita e de leitura.

Assim, o exame crítico das produções culturais deve considerar a complexidade inerente à sua composição material que, embora usualmente negligenciada, também se constitui em formas de expressão. Os meios de divulgação não são simples instrumento de difusão da virtualidade do texto literário, mas participam determinantemente da construção da identidade e do universo de sentido das obras publicadas. Portanto, o conhecimento das condições de enunciação vinculadas a cada contexto de produção define consideravelmente o percurso da leitura, indicando as normas que presidem ao consumo da obra.

Da confluência entre a constituição material e a componente textual resultam maneiras particulares de fruição do objeto escrito, determinadas pelos protocolos de leitura, categorias de leitores e horizontes de expectativas próprios de cada contexto. Com base nesses pressupostos, este simpósio pretende promover a interlocução entre estudos críticos sobre as interações dinâmicas que se articulam entre a criação artística e os fatores de produção (instituições culturais, meios de comunicação, concepções ideológicas, práticas mercadológicas etc.).

Com o intuito de propiciar a reflexão teórica e metodológica sobre a pesquisa em periódicos, planeja-se ressaltar a importância de jornais e revistas como fontes primárias fundamentais para o estudo da história literária e como agentes da atividade intelectual e da renovação estética, política e cultural do país.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

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2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 1


2º CIELLI – Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

Diariamente serão postados 4 Resumos dos Simpósios que serão apresentados em 13 a 15 de junho, até totalizar os 25 a serem apresentados.

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

1
Mônica Luiza Socio Fernandes
Marly Gondim Cavalcanti Souza
(A LITERATURA EM DIÁLOGO COM OUTRAS ARTES)

Este simpósio é um espaço para reunir as pesquisas, as reflexões e as discussões centradas nas relações entre a Literatura e as outras artes (música, pintura, dança, cinema, teatro). Um tema cada vez mais discutido, especialmente, por trazer ampliação da perspectiva crítico-interpretativa e aprofundamento dos estudos da Literatura Comparada. O assunto tem assumido destaque no Brasil, terra mestiça por excelência, encontrando-se no cerne do tema da sexta edição da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty (RJ), acontecida no período de 2 a 6 de julho de 2008, colocando “a literatura em diálogo com diversas áreas do conhecimento” (UOL, on line). Porém, não somente no Brasil esse tema é atualidade: em 2001, o IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada (APLC), acontecido na cidade de Évora (Portugal), com o tema: “Estudos literários/estudos culturais”, produziu nada menos que um volume (o III) publicado com o título: “Literatura e Outras Artes”.

Várias são as publicações surgidas sobre o assunto, envolvendo pesquisadores amantes das artes e da literatura. Como exemplo, podem ser citados: Pierre Brunel & Yves Chevrel (Orgs.). Compêndio de Literatura Comparada (2004), cujo capítulo intitulado: Literaturas e Outras Artes expõe uma linha de evolução desses estudos, teóricos, escolas e publicações; o livro Angulos: literatura e outras artes, de autoria de Evandro Nascimento (UFJF, 2002), com textos sobre literatura e cultura brasileira, explorando não somente a teoria, mas a obra de Guimarães Rosa e Machado de Assis; os livros Diálogo entre literatura e outras artes (UFPB/Realize, 2009) e Diálogo entre a literatura e outras artes, Vol.2 (UFPB/Realize, 2011) , organizados por Marly Gondim Cavalcanti Souza, reunem textos de autores de várias partes do Brasil, focalizando estudos aplicados a obras literárias em interação com outras artes (cinema, música, dança, pintura); a revista JIOP, lançada no dia 7 de outubro de 2010, na Universidade Estadual de Maringá, mais uma empreitada na divulgação de trabalhos realizados na área.

Por tais razões, não se pode mais pensar em uma expressão artística sem que se considere a relação de complementaridade existente entre as mais diversas formas usadas pelo ser humano para comunicar suas ideias e sentimentos, chamadas de “arte”. As artes surgem como uma alternativa prática de estudo e de análise de obras literárias, fundada na relação interartística, tanto pela capacidade de envolver e seduzir o leitor, na sua dinamogenicidade, e de constituir o ponto inter-relacional para o diálogo entre obras literárias na perspectiva da intertextualidade, bem como entre a literatura e outro sistema semiótico artístico, considerando a presença de outros sistemas semióticos no texto literário e/ou a relação metafórica, de similaridade estrutural.

Este simpósio propõe-se a dar continuidade a um trabalho de pesquisa iniciado em 2007, cujos resultados podem ser observados em diversas publicações, troca de experiências e participação de pesquisadores em grupos de pesquisa em outros centros acadêmicos, enriquecendo o conhecimento mútuo da Literatura Comparada.

2
Alice Áurea Penteado Martha
Vera Teixeira de Aguiar
A LITERATURA JUVENIL: DO MERCADO ÀS INSTÂNCIAS DE LEGITIMAÇÃO

A literatura juvenil, fenômeno recente, cuja produção se fez maciça nas últimas décadas, com publicação de inúmeros títulos e circulação marcante no contexto escolar, em meio aos muitos produtos culturais que inundam o mercado e disputam avidamente a atenção dos jovens, destaca-se dentre os subsistemas que alimentam o sistema literário. Estudos acadêmicos mais recentes têm considerado a questão do “específico juvenil”, ainda que os trabalhos sistemáticos sobre a produção e a circulação dessas obras não se mostrem suficientemente significativos.

Embora a oposição “literatura”/“literatura infantil” se faça presente na absoluta maioria dos textos que compõem a bibliografia teórica sobre o assunto, as oposições “literatura”/“literatura juvenil” ou “literatura infantil”/“literatura juvenil” são quase que deixadas de lado pelos estudos que se dispõem a tratar desse polêmico subsistema literário. Sob a ambígua rubrica “literatura infantojuvenil”, utilizada, aliás, até este ponto sem maior questionamento, todos os problemas parecem estar resolvidos, ainda que depois se revelem contradições internas nas obras teóricas, que acabam – explícita ou implicitamente – trabalhando com a diferenciação de conceitos.

A complexidade do assunto amplia-se quando o foco é dirigido à significação do termo “juventude”, uma vez que o conceito é construído a partir de múltiplos olhares, notadamente das ciências médicas e humanas – história, sociologia, psicologia, educação, biologia. Apesar do peso significativo que possui atualmente a literatura juvenil no campo editorial, movimentando cifras consideráveis; da vasta produção de títulos em níveis de literariedade dos mais artísticos aos mais “comerciais”; do grande número de autores já consagrados ou novatos que produzem no gênero; da legitimação que a literatura juvenil acaba por receber de diferentes instituições (prêmios, diretrizes curriculares, disciplinas de graduação e pós-graduação, congressos), é possível constatar que a pesquisa sobre o assunto é ainda bastante precária, o que propicia uma reflexão sobre a noção de lugar de fronteira da literatura juvenil no sistema literário brasileiro.

O estabelecimento de um diálogo entre os elementos do campo literário mostra-se fundamental no reconhecimento da produção literária dirigida aos jovens como subsistema de obras, ligadas por certos fatores comuns que permitem reconhecer seus traços dominantes, como as características internas (língua, temas, imagens) e alguns elementos de natureza social e psíquica que, ao se organizarem literariamente, manifestam-se historicamente e transformam a literatura, concedendo-lhe aspecto orgânico. A discussão sobre as fronteiras da literatura juvenil, demarcadas por estudos de natureza diversa – historiografia, sociologia, psicologia e estética -, não tem a pretensão de esgotar as possibilidades para o estabelecimento de critérios para o reconhecimento da produção para jovens como subsistema de obras literárias.

Desse modo, e considerando a extensa e diversificada frente de trabalho que se abre com a discussão, tanto no que se refere a pesquisas teóricas e críticas quanto aquelas voltadas à questão da leitura e à superação gradativa dos problemas relativos à formação de leitores literários permanentes, a proposição deste simpósio justifica-se pelo empenho em compreender melhor as especificidades da produção para jovens nas suas múltiplas dimensões, bem como os modos de sua circulação e recepção. Assim, o simpósio deverá receber trabalhos que levantem obras que circulem, em diferentes suportes, sob a rubrica de literatura juvenil; debatam a produção em seus elementos estético/formais; realizem reflexão teórica sobre a existência de um específico juvenil no campo mais amplo da literatura; discutam e proponham questões relativas ao ensino da literatura juvenil; analisem o processo de mediação e recepção dos textos literários no contexto escolar, em suas múltiplas variáveis; discutam políticas públicas voltadas à leitura.

3
Marisa Corrêa Silva
Acir Dias da Silva
AS ARTES NARRATIVAS E O PANDEMÔNIO DA CONTEMPORANEIDADE

Este simpósio objetiva reunir e promover o debate entre estudiosos de teorias que vêm ganhando espaço nos círculos acadêmicos no início do século XXI. Embora a análise literária e/ou as reflexões sobre a narrativa sejam o ponto de convergência dessa proposta, as teorias não precisam ser, originalmente, criadas para se pensar especificamente o texto (entendido num sentido amplo) narrativo. Trata-se de abrir o leque acadêmico, expandindo-o, aceitando contribuições de diferentes campos – fenômeno tradicional no pensamento crítico.

Como é sabido, várias vertentes importantes da crítica literária, da comunicação e da estética beberam em fontes como Adorno e Benjamin, bem como outros filósofos da Escola de Frankfurt; o pós-colonialismo emana de autores como Hommi Bhabbha e Edward Said; a crítica feminista, de pensadoras como Hélène Cixous, cujo contributo é tão significativo quanto o de nomes como Virgínia Woolf e Simone de Beauvoir, que eram também romancistas. Portanto, serão bem-vindas contribuições que lidem com o pensamento de filósofos como Alain Badiou, francês de origem marroquina, cujo conceito de Evento (Évenement ou Acontecimento) reinstalam a discussão sobre metafísica num novo patamar, propondo, na contramão do mainstream do pensamento contemporâneo, que a Verdade, sob determinadas condições, é uma categoria prática; o italiano Giorgio Agamben, cujas leituras sobre a profanação provocaram polêmica, embora seu contributo para a crítica da biopolítica seja consagrado.

Slavoj Zizek, cujo materialismo lacaniano propõe uma nova leitura de Marx, voltando a Hegel e buscando soluções para a chamada “crise das esquerdas” do final do século XX, também é um dos nomes que buscamos.

Também serão bem-vindos trabalhos que retomem questões do feminismo, contemplando o contributo de pensadoras como, por exemplo, as anglófonas Kalenda C. Eaton, Laura Gillman, Judith Butler e outras que repensam o feminismo e articulam-no com questões raciais, trabalhando uma nova visão, o womanism, surgido da nomenclatura criada por Alice Walker.

O francês de origem tunisiana Pierre Lévy e suas contribuições mais recentes sobre a Internet também encontrarão espaço em nosso forum de discussões. Esses nomes e outros, que não mencionamos aqui, bem como teóricos que se propuseram a pensar especificamente a literatura, devem ser a base dos trabalhos recebidos. A condição de aceite das propostas é, portanto, que a(s) obra(s) teórica(s) principais que compõe(m) a metodologia do trabalho proposto tenha(m) sido produzida(s) originalmente (e não republicadas ou traduzidas) a partir de 1990, e que se encaixem em uma ou mais das seguintes modalidades: análises críticas de textos literários, reflexões sobre a aplicabilidade da(s) teoria(s) abordada(s) no campo literário, diálogo e contraponto com o estado anterior da questão (desde que devidamente ligado à questão literária).

A nossa preferência é por questões que:
a) enfoquem leituras e análises críticas de diferentes textos (literários, pictóricos, fílmicos etc)
b) proponham teorizações mais atuais, estrangeiras ou brasileiras.

4
Antonio Augusto Nery
Rosana Apolonia Harmuch
DIÁLOGOS COM A LITERATURA PORTUGUESA

Eduardo Lourenço em seu clássico artigo “Da Literatura como interpretação de Portugal”, presente no volume O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português (1978), realiza uma análise da produção literária portuguesa que vai de Almeida Garrett (1799-1854) a Fernando Pessoa (1888-1935), propondo que no espaço temporal que separa os dois autores, a literatura de ficção portuguesa “foi orientada e subdeterminada consciente ou inconsciente pela preocupação obsessiva de descobrir quem somos e o que somos como portugueses”.

Segundo o crítico, essa busca pela identidade caracterizou-se, nos séculos XIX e XX, pelo constante repensar do conceito de nacionalidade e pela constatação, por parte de diversos autores, de que “as contas a ajustar com as imagens que a nossa aventura colonizadora suscitou na consciência nacional são largas e de trama complexa demais”.

As proposições de Lourenço expõem a situação de alguns escritores, especialmente do contexto finissecular do Oitocentos e dos primeiros anos do século XX, que, ao refletirem sobre a questão da identidade nacional, deparavam-se com o impasse do passado glorioso que perseguia a realidade presente, não permitindo vislumbrar claramente o que estava porvir.

Mesmo dedicando especial atenção à literatura produzida entre Garrett e Pessoa, a análise de Eduardo Lourenço dialoga com toda a tradição literária de Portugal que vai das cantigas medievais até a contemporaneidade, deixando entrever que a busca pela identidade do ser português é, de fato, um anseio permanentemente perceptível na produção literária portuguesa. E tal anseio necessita ser (re) pensado na contemporaneidade, se considerarmos que a discussão sobre o conceito de identidade nacional, ao longo do século XX e agora no século XXI, é perpassada por conceitos/discursos que a problematizam a ponto de se poder entendê-la, à luz de Zygmund Bauman em Modernidade Líquida (2000) e Stuart Hall em A Identidade Cultural na Pós-modernidade (1992), como algo fluido, líquido, “sem fronteiras” – concepções que descontroem práticas discursivas, muitas vezes oficiais, interessadas em criar e alimentar uma hegemonia identitária e cultural que não existe.

Ainda no sentido de problematizar essa discussão, cabe mencionar o que Leyla Perrone-Moisés propõe em seu recente livro Vira e Mexe, Nacionalismo: Paradoxos do Nacionalismo Literário (2007): “aquilo que chamamos literatura é uma prática universalizante, que ensina a superar os escolhos dos nacionalismos”.

Levando em consideração as ponderações realizadas por esses e outros teóricos, propomos este simpósio com o intuito de abrigar trabalhos que tenham como foco a Literatura Portuguesa e temas relacionados aos questionamentos e a (re)interpretação da nação e do conceito de identidade nacional, bem como leituras críticas que problematizam tais temas como possibilidade para a interpretação do texto literário. Pressupõe-se, nos trabalhos apresentados, um esforço em revisar a crítica canônica/tradicional que se \”cristalizou\” em torno de várias obras e autores dessa literatura, interferindo/delimitando leituras e análises futuras desses textos.

Pretende-se também priorizar análises comparatistas que buscam novas perspectivas sobre a produção ficcional portuguesa, em suas relações com o cinema, a história, a filosofia, a pintura, a fotografia, entre outras interfaces, à luz de diversas linhas teóricas. Além do intuito de abrir espaço para revisões e releituras críticas, o simpósio também pretende dar visibilidade a pesquisas envolvendo obras de autores contemporâneos de países lusófonos.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

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Thrity Umrigar (A Distância entre Nós)


A distância entre nós, romance da jornalista indiana Thrity Umrigar, é apresentado ao leitor como uma complexa encruzilhada de semelhanças e diferenças entre Bhima, a empregada, e Sera, a patroa. Distantes pelas diferenças entre classes, elas se aproximam na condição de mulheres oprimidas, que dedicaram as vidas para cuidar dos outros. O leitor acompanha o cotidiano das duas como senhoras maduras e, na narrativa em flashback, percebe como estas existências vão se construindo juntas, sempre alimentadas por uma relação de atração e repulsa.

A idéia geral sobre seu conteúdo reside na ambigüidade. Ambientado em Bombaim, Índia, uma das civilizações mais antigas, populosas e miseráveis, ao mesmo tempo que é uma das promessas de grande potência. Este é o cenário conflituoso do drama de casais que se formam e que se desmancham, ou que se mantêm apesar de tudo reivindicar a dissolução. Tudo sempre sob a ameaça da insensibilidade, da traição, da erosão da família, com todas as traumáticas conseqüências econômicas e psicológicas sobre a vida de cada um.

Como o título sugere, é o espaço que reina nessa narrativa, o espaço que separa ricos e pobres, velhos e jovens na Índia de hoje. As biografias contidas nesse exemplar são expressões sublimes do amor e da dor além do limiar da sanidade.

A tradição milenar, a diversidade cultural e todas as peculiaridades desse povo propiciam uma incursão ao intrincado sistema de castas e um patriotismo velado por uma repulsa ao mundo estrangeiro colonizador. O drama que conta a história de três gerações de duas famílias interligadas por laços de fidelidade e por suas memórias de sofrimento é tão pungente que, em determinados momentos, é preciso manter uma distância, como sugere o título, para não se reproduzir as lágrimas que escorrem de suas páginas folheadas.

A distância aborda a proximidade de realidades paralelas e paradoxais, como uma mensagem para o mundo de que não importa nossas diferenças, de que somos unidos pelo fato de estarmos todos fadados a errar e aprender com isso e de que nada está tão ruim que não possa piorar.

Duas mulheres. Duas vidas. Dois destinos que poderiam ser um só. Sera e Bhima estão indiscutivelmente ligadas, seja pelo silêncio ou pela cumplicidade. Mas ao mesmo tempo estão distantes, separadas por uma fronteira intransponível. Como se o fio que as une não fosse forte o suficiente para agüentar uma descarga elétrica, força que parece definir a sorte e a tragédia da patroa e da empregada. Duas vidas marcadas pela decepção, enganadas pela traição, sujeitas a uma sociedade cruel cuja voz berra e marca a fogo a existência dessas mulheres.

Em Bombaim, a empregada doméstica Bhima deixa seu barraco na favela onde mora para cuidar da casa de Sera Dubash, onde trabalha há mais de vinte anos. No apartamento de classe média alta onde a patroa viúva vive com a filha, Dinah, que está grávida, e o genro, Viraf, Bhima lava a louça, esfrega o chão e corta as cebolas para a omelete matinal do clã, lutando contra a dor nas mãos causada pela artrite e também contra a preocupação que toma conta de seu pensamento: sua neta, Maya, também está grávida. Mas, diferentemente de Dinah, ela não é casada e se recusa a revelar a identidade do pai da criança.

Leia um trecho do livro

PRÓLOGO

A mulher magra de sári verde estava de pé nas pedras escorregadias e olhava as águas escuras em torno de si. O vento morno soltava do coque alguns fios do seu cabelo ralo. Atrás dela, os sons da cidade ficavam abafados, silenciados pelo contínuo bater da água em seus pés descalços. A não ser pelos siris que ela ouvia e sentia correrem pelas pedras, estava completamente sozinha ali — sozinha com os murmúrios do mar e a lua distante, fina como um sorriso no céu noturno. Até suas mãos estavam vazias, agora que as abriu e liberou os balões cheios de gás, observando até que o último deles tivesse sido engolido pela escuridão da noite de Bombaim. Suas mãos estavam vazias agora, vazias como seu coração, que era como um coco cuja polpa tivesse sido arrancada.

Equilibrando-se com dificuldade nas pedras, sentindo a água que subia lambendo seus pés, a mulher levantou o rosto para o céu negro retinto procurando uma resposta. Atrás dela, a cidade perdida e uma vida que naquele momento parecia fictícia e irreal. À sua frente, o limite quase imperceptível onde o mar se encontra com o céu. Poderia subir de novo pelas pedras e pelo muro de cimento e reingressar no mundo, participar de novo do ritmo louco, pulsante e imprevisível da cidade. Ou poderia entrar no mar à sua espera e deixar que ele a seduzisse e a envolvesse com seus sussurros íntimos.

Olhou de novo para o céu procurando uma resposta. Mas a única coisa que conseguia ouvir era as batidas habituais de seu coração submisso…

1

Embora Estivesse amanhecendo, dentro do coração de Bhima a escuridão permanecia.
Ela se vira para o lado esquerdo sobre seu fino colchonete de algodão estendido no chão e se senta rapidamente, como faz todos os dias de manhã. Levanta a mão ossuda por cima da cabeça num bocejo, estica o corpo, e um cheiro forte de mofo recende de suas axilas e invade suas narinas. Num instante de preguiça, senta-se na beira do colchão, apóia os pés cheios de calos no chão de barro, com os joelhos dobrados e a cabeça pousada nos braços cruzados. Naquele momento, está quase tranqüila, a cabeça agradavelmente limpa e vazia das dificuldades que a esperam no dia de hoje e de amanhã e de depois de amanhã… Para prolongar esse estado de graça sem ter que pensar em nada, estende a mão distraidamente para a lata de fumo de rolo que mantém à beira da cama. Enfia um pedaço na boca e em seu rosto descarnado surge uma protuberância que lembra uma bola de críquete.

O idílio de Bhima dura pouco. Na luz suave e delicada do novo dia, percebe a silhueta de Maya se mexendo no colchonete que fica no canto esquerdo do casebre. A moça está dormindo e resmungando em seu sono, emitindo sons suaves como que choramingando e, apesar de tudo, Bhima sente seu coração se derreter do mesmo modo que acontecia quando amamentava Pooja, a mãe de Maya, muito tempo atrás. Impulsionada por aqueles sons, que mais pareciam os de um cachorrinho, Bhima se levanta do colchão com um grunhido e vai até onde sua neta está dormindo. Mas, no segundo que leva para cruzar o casebre, alguma coisa muda no coração de Bhima, e o sentimento maternal e carinhoso de um momento atrás é substituído pela dureza e impiedade que já a acompanham há algumas semanas.

Ela permanece de pé, olhando do alto para a moça adormecida, que agora está roncando baixinho, inconsciente das fagulhas de raiva nos olhos da avó que examina o ligeiro crescimento de sua barriga.

“Um chute rápido”, Bhima diz a si mesma, “um chute rápido na barriga, seguido de outro, e mais outro, e estará tudo acabado. Olha só para ela dormindo ali como uma prostituta sem-vergonha, sem nenhuma preocupação no mundo. Como se não tivesse virado a minha vida de cabeça para baixo”. O pé direito de Bhima mexe-se enquanto ela pensa nessa idéia. Os músculos da panturrilha se tensionam enquanto ela levanta o pé do chão. “Seria tão fácil…” E, comparado com o que uma outra avó faria a Maya — um rápido empurrão num poço aberto, uma lata de querosene e um fósforo, a venda para um bordel —, isso seria até bastante humano. Desse modo, Maya sobreviveria, continuaria indo à universidade e poderia escolher uma vida diferente da que Bhima sempre viveu. Isso era como deveria ser, como tinha sido, até que essa vaca estúpida de coração mole, e agora com um barrigão, saísse por aí e acabasse grávida.

Maya deixa escapar um ronco alto, e Bhima volta a pôr o pé no chão. Agacha-se perto da garota para sacudi-la pelos ombros e acordá-la. Quando Maya ainda freqüentava a universidade, Bhima deixava-a dormir o mais que pudesse, fazia gaajar halwa para ela todos os domingos, o pudim de cenoura com amêndoas e passas de que tanto gostava, e separava para a neta as melhores porções do jantar todas as noites. Se ganhava alguma coisa de Serabai — um chocolate Cadbury ou aquele doce branco com pistache que vinha do Irã —, guardava para dá-lo a Maya, embora, verdade seja dita, Serabai em geral lhe desse também uma porção para a moça. Mas desde que Bhima soube da vergonha de sua neta tem feito a garota acordar cedo.

Nos últimos domingos, não teve gaajar halwa, e Maya não thrity umrigar pediu a sua sobremesa favorita. Durante a semana, Bhima até mesmo mandou que a garota ficasse na fila para encher os dois potes d’água na torneira comunitária. Maya protestou, alisando inconscientemente a barriga com a mão, mas Bhima desviou o olhar e disse que, de qualquer maneira, os vizinhos logo acabariam descobrindo a sua desonra. Então por que esconder?

Maya se vira no colchão, e seu rosto fica a alguns centímetros de distância de onde Bhima está acocorada. Sua mão jovem e rechonchuda encontra a mão magra e enrugada da avó, e a moça se aninha junto dela, segurando-a entre o queixo e o peito. Um fino fio de saliva escorre pela mão de Bhima. A velha sente o coração amolecer. Maya sempre foi assim, desde bebê — carente, carinhosa, confiante. Apesar de todo o sofrimento pelo qual passou ainda jovem em sua vida, Maya não perdeu a suavidade e a inocência. Com a mão livre, Bhima afaga o cabelo lustroso e sedoso da menina, tão diferente do seu cabelo ralo.

O som de um rádio tocando baixinho invade o quarto, e Bhima resmunga uns palavrões. Geralmente, na hora em que Jaiprakash liga o rádio, ela já está na fila da água. Isso quer dizer que está atrasada hoje. Serabai vai ficar zangada. Essa menina burra e preguiçosa fez com que ela se atrasasse. Bhima solta bruscamente sua mão das de Maya, sem se importar se o movimento vai acordá-la. Mas a garota continua dormindo.

Bhima fica de pé, e, ao levantar, seu quadril esquerdo dá um estalo forte. Ela fica parada por um momento, esperando pela onda de dor que se segue ao estalo, mas hoje é um dia bom. Nenhuma dor.

Fonte:
Passeiweb

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Aluísio de Azevedo (Filomena Borges)

É o quinto romance de Aluísio Azevedo, que escreveu também O Mulato, O Cortiço e Casa de Pensão considerados os romances mais importantes do autor. Por ser visto como o ‘pai’ do naturalismo no Brasil, influenciado pelos escritores Eça de Queirós e Émile Zola, fundadores do naturalismo na Europa, Aluísio Azevedo busca em seus romances uma representação mais ou menos fiel do observado, fugindo assim da tendência romântica de idealização da realidade. Em seus livros, o cotidiano da vida na cidade, com alguns de seus personagens mais típicos, é elemento constante.
Neste romance encontramos o casal Borges e Filomena: esta, ambiciosa, busca através do casamento uma forma de ascender socialmente. Borges, no entanto, embora possua bens, é pacato, dócil cidadão sem muitas ambições. Assim, não corresponde ao ideal de marido que Filomena tem em mente. Esta buscará, então, modificá-lo a todo custo. Um incidente na primeira noite mostra para Borges como será difícil seu casamento: Filomena o expulsa do leito nupcial, obrigando-o a dormir fora do quarto.

Durante muito tempo a situação permanece sem alteração, apesar dos agrados constantes de Borges à esposa do cumprimento de todas as exigências dela, as quais, finalmente, acabarão por modificar profundamente o pacato marido, além de levá-lo à ruína econômica. Borges faz tudo pelo sentimento que dedica à esposa, mas nunca chegará a desfrutar do que deseja acima de tudo: paz e tranqüilidade ao lado de sua Filomena. Segundo o crítico Antônio Cândido, deve-se ler Filomena Borges “pelo viés do divertimento”. De fato, o autor cria situações hilariantes com o casal Borges e Filomena. Ainda, diz Cândido, “este romance é importante para a compreensão da personalidade literária de Aluísio Azevedo, que se caracteriza por uma mistura de bom humor e melancolia”. O grande número de palavras francesas de que se utiliza o autor, decorre da tendência vigente na época, quando a nossa literatura não só fazia uso abundante de termos franceses como tinha nela seu principal modelo.

Fonte:
http://www.coladaweb.com/resumos/filomena-borges-aluisio-azevedo

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Antônio de Alcântara Machado (Brás, Bexiga e Barra Funda) Parte II

8 · NOTAS BIOGRÁFICAS DO NOVO DEPUTADO

O coronel J. Peixoto de Faria fica desnorteado quando recebe a carta do administrador da fazenda Santa Inácia dizendo, entre outras coisas, que o seu compadre, João Intaliano, morreu. O órfão e afilhado do coronel, Gennarinho, ficou na casa do administrador, que agora pede uma orientação. O coronel Juca e Dona Nequinha, sua esposa, deixam para responder a carta no dia seguinte.

Gennarinho, nove anos, é trazido pelo filho mais velho do administrador. Vem “com o nariz escorrendo. Todo chibante.”

Logo Gennarinho já é tratado com um filho pelo casal.

Um dia, o coronel decide traduzir o nome do menino. “Gennarinho não é nome de gente”.

E passou a chamá-lo de Januário.

Discutindo sobre o futuro do garoto, os pais adotivos resolvem colocá-lo num colégio de padres.

No primeiro dia de aula, o coronel, todo comovido, acompanha Januário e o apresenta ao reitor. D. Estanislau pergunta seu nome. O menino responde dizendo apenas o primeiro nome. O reitor insiste: Januário de quê? O menino responde, com os olhos fixos no coronel: Januário Peixoto de Faria.

Seguindo para São Paulo, o coronel já pensa em fazer testamento.

9 · O MONSTRO DE RODAS

As pessoas da sala discutiam as providências a serem tomadas para o enterro de uma criança. Dona Nunzia, a mãe, chorava desesperada até que foi levada para dentro pelo marido e pelo irmão. Uma negra rezava.

Na sala de jantar, alguns homens discutiam sobre qual seria a repercussão no Fanfulla, jornal da comunidade italiana. Pepino acha que a notícia irá atacar o “almofadinha”. Tibúrcio, porém, sabe que “filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo.”

Durante o cortejo, outros interesses aparecem: o bate-papo dos rapazes (“A gente vai contando os trouxas que tiram o chapéu até a gente chegar no Araçá. Mais de cinqüenta você ganha. Menos, eu.”), a vaidade das mulheres (“Deixa eu carregar agora, Josefina?” “Puxa, que fiteira! Só porque a gente está chegando na Avenida Angélica. Que mania de se mostrar que você tem!”), politicagens (“Tibúrcio já havia arranjado três votos para as próximas eleições municipais”)…

Na volta para casa, Aída encontra dona Nunzia olhando a foto da menina morta publicada na Gazeta. O pai tinha ido conversar com o advogado.

10 · ARMAZÉM PROGRESSO DE SÃO PAULO

O armazém do Natale era famoso por um anúncio em que dizia ter artigos de todas as qualidades. “Dá-se um conto de réis a quem provar o contrário”. Zezinho, o filho do doutor da esquina, sempre bulia com seu Natale, pedindo, por exemplo, “pneumáticos balão”. Quando o malandro cobrava seu um conto de réis, Natale respondia: “Você não vê, Zezinho, que isso é só para tapear trouxas?”. E anotava na conta do pai os cigarros que o rapaz pedia com nome de outros.

Em frente ao armazém, a confeitaria Paiva Couceiro não agüentaria por muito mais tempo. E seu Natale, que tinha prazer em observar aquele espetáculo de decadência dia após dia, já havia calculado quanto ofereceria ao português no leilão da falência. Por hora, ele fazia a sua parte: pressionava o homem com uma dívida com ele, uma letra que estava para vencer.

Dona Bianca o chama. Ouvira numa conversa do José Espiridão, o mulato da Comissão do Abastecimento, que a crise viria e os preços, inclusive o da cebola, produto encalhado na confeitaria, disparariam. Se não desse um jeito no português agora, nunca mais. Depois de confirmar o assunto com o mulato e pedir sua colaboração ficando quieto, seu Natale consegue “arranjar” o negócio. À noite, dona Bianca vai dormir se vendo no palacete mais caro da Avenida Paulista.

11 · NACIONALIDADE

O barbeiro Tranquillo Zampinetti lia entusiasmado as notícias de guerra no jornal italiano Fanfulla. Chegava até a brandir a navalha como uma espada assustando os fregueses. Mas tinha um desgosto “patriótico e doméstico”: os filhos Lorenzo e Bruno não queriam falar italiano.

Depois do jantar, Tranquillo colocava a cadeira na calçada e ficava com a mulher e alguns amigos como o quitandeiro Carlino Pantaleoni, que só falava da Itália. Tranquillo ficava quieto mais depois sonhava em voltar para a pátria.

Um dia, Ferrúcio, candidato do governo a terceiro juiz de paz, veio pedir votos. Tranquillo, que nem votava, acabou sendo convencido pelo compatriota e gostou tanto que com o tempo andava até pedindo votos.

A guerra européia encontrou Tranquillo bem estabelecido, influente e envolvido na política; Lorenzo, noivo e também participando da política da região; e Bruno estudando, além de ser vice-presidente da Associação Atlética Ping-Pong. Tranquillo ainda se agitou com a guerra. Mas, com o descaso da família, logo foi se desinteressando.

O progresso de Tranquillo continuava e agora ele comentava mais as questões políticas do Brasil que as da Itália.

Quando Bruno se forma advogado pela faculdade de Direito de São Paulo, o pai chora, a mãe é trazida pelo neto, filho de Lorenzo, para vê-lo e todos se abraçam emocionados. E o primeiro serviço de Bruno foi requerer a naturalização de Tranquillo Zampinetti.

FOCO NARRATIVO

Todos os contos são narrados em terceira pessoa. Aliás, o estilo narrativo está de acordo com a proposta feita pelo autor no prefácio da obra, “Artigo de Fundo”:

Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias.”

Com este ponto de vista, Alcântara Machado assume um estilo jornalístico de narração. A preocupação do narrador é observar o cotidiano desta comunidade que chama sua atenção. E para melhor retratá-la, o narrador ora assume uma postura meramente observadora, mostrando os fatos de uma certa distância, ora assume um caráter onisciente, aproximando-se mais dos personagens.

AMBIENTAÇÃO

A obra de Alcântara Machado é um verdadeiro retrato de uma época. O título já revela a importância do espaço. A região escolhida para ser retratada já é ela própria determinante de uma cultura. No início do século, Brás, Bexiga e Barra Funda foram os principais bairros de São Paulo onde os ítalo-brasileiros se concentraram. As referências exatas dos nomes de ruas, praças e avenidas, além de tornarem a identificação do ambiente muito fácil, garantem também certo ar de veracidade. É o que já foi falado antes sobre o caráter jornalístico da obra. As histórias não se passam em “algum lugar” imaginário, distante. Estão todas em espaços bem definidos. Mas outros lugares que não só os bairros industriais italianos são citados. A avenida Paulista, por exemplo, aparece como símbolo de fortuna e nobreza.

A preocupação com a exatidão espacial cai até a citação do endereço (por vezes contendo até o número da casa: “Era a rua da Liberdade. Pouco antes do número 259-c já sabe: uiiiiia-uiiiiia!”). Mas não há preocupação maior com a descrição de ambientes internos e externos. Poucas vezes podemos “ver” como é a casa das personagens como acontece, por exemplo, em “Carmela”, que lê seu livro de cabeceira antes de “se estender ao lado da irmãzinha na cama de ferro”; ou em “Lisetta”, em que vemos a mulher rica e má entrando em seu “palacete estilo empreiteiro português”. Ou então pinceladas nos sugerem a atmosfera: “Não adiantava nada que o céu estivesse azul porque a alma de Nicolino estava negra”. Toda essa concisão descritiva é própria das narrativas curtas. Nelas, o autor controla as informações passando ao leitor somente aquilo que é extremamente necessário para criar o “clima” do texto.

Quanto ao aspecto temporal, todos os contos retratam a mesma época histórica, isto é, o início do século XX, momento da aculturação italiana em São Paulo. Mesmo assim cada conto trabalha um espaço temporal próprio. Alguns retratam uma época da vida dos personagens, como é o caso de “Nacionalidade” e “Notas Biográficas do Novo Deputador”; outros retratam apenas alguns dias da vida dos ítalo-brasileiros, como em “Gaetaninho”, “Carmela”, “A Sociedade” e “Armazém Progresso de São Paulo”. Já “Amor e Sangue”, “Coríntians (2) vs Palestra (1)” e “O Monstro de Rodas” dão enfoque aos acontecimentos de um dia especial na vida dos personagens.

PERSONAGENS

Os personagens são “planos”, superficiais, não apresentam transformações surpreendentes durante a narrativa.

Na busca pela adaptação cultural e econômica, encontramos as costureirinhas curiosas pelo mundo do qual não fazem parte, mas conscientes de que devem continuar a fazer suas famílias na colônia, as crianças vítimas do preconceito, da pobreza e da injustiça que cerca o imigrante de classe mais baixa, os comerciantes gananciosos e suas famílias buscando uma posição social, os jovens trabalhadores e apaixonados, os quatrocentões paulistas, nobres e falidos, diante dos “carcamanos” endinheirados e “sem berço”.

Assim como acontecia em relação à ambientação, as descrições das personagens só aparecem para nos dar traços marcantes, que permitam entender uma característica a mais delas. Muitas vezes os traços principais ganham destaques refletindo até mesmo na aparência, e o personagem ganha ares de caricatura. Mas tudo mostrado de um modo muito rápido, muito controlado da parte do narrador. A sensualidade de Carmela é notada pelas suas roupas e seus gestos: “O vestido de Carmela coladinho no corpo é de organdi verde. Braços nus, colo nu, joelhos de fora. Sapatinhos verdes. Bago de uva Marenga maduro para os lábios dos amadores”. Bianca, por sua vez, parece ter como função apenas dar ainda mais destaque à beleza da amiga: Bianca por ser estrábica e feia é a sentinela da companheira”. Com isso, consegue nacos de emoção da vida da outra. O namorado, entregador da casa Clarck, com muito orgulho, exibe-se também com um esmero exagerado, revelando a vaidade excessiva, o furor juvenil e o ar apaixonado: “sapatos vermelhos de ponta afilada, meias brancas, gravatinha deste tamaninho, chapéu à Rodolfo Valentino, paletó de um botão só”. Em “Notas Biográficas do Novo Deputado”, vemos Gennarinho se comportando como um menino rude, que entraria em choque com os hábitos da família do coronel se não tivesse caído nas suas graças. E daí para a brasilidade marcada até mesmo no aportuguesamento do nome: Januário. Enfim, um quadro amplo do que foi a vida dos italianos e seus descendentes nas primeiras décadas do século.

TIPOS DE DISCURSO

Uma das marcas de Brás, Bexiga e Barra Funda é a leveza conseguida por meio do discurso direto, predominante na obra. As personagens têm a oportunidade de falar diretamente por meio dos diálogos, exprimindo suas emoções, tristezas e esperanças com toda a carga expressiva e a coloquialidade que lhes é característica. Os diálogos propiciam também maior sensação de realismo e de proximidade entre personagens e leitor. A história ganha em dinamismo e, graças à sutil ironia de Alcântara Machado, em humor:

– Boa tarde, belezinha…
– Quem? Eu?
– Por que não? Você mesma…

Bianca rói as unhas com apetite.
– Diga uma cousa. Onde mora a sua companheira?
– Ao lado de minha casa.
– Onde é sua casa?
– Não é de sua conta.

Em alguns momentos, o discurso direto é guardado para as situações de maior intensidade e a preparação da cena traz o discurso indireto:

No chá de noivado o cav. uff. Salvatore Melli na frente de toda a gente recordou à mãe de sua futura nora os bons tempinhos em que lhe vendia cebolas e batatas, Olio di Luca e bacalhau português quase sempre fiado e até sem caderneta.

O discurso indireto livre também aparece algumas vezes, permitindo que o leitor aproxime-se mais do personagem, conhecendo seu interior.

Este espetáculo diário era um gozo para o Natale. Cebola era artigo que estava por preço que as excelentíssimas mães de família achavam uma beleza de preço. E o mondrongo coitado tinha um colosso de cebolas galegas empatado na confeitaria.

Era mesmo. Gostava do Rocco, pronto. Deu o fora do Biagio (o jovem e esperançoso esportista Biagio Panaiocchi, diligente auxiliar da firma desta praça G. Gasparoni & Filhos e denodado meia-direita do S. C. Coríntians Paulista campeão do Centenário) só por casa dele.

Percorre logo as gravuras. Umas tetéias. A da capa então é linda mesmo.

RECURSOS DE LINGUAGEM

Antônio de Alcântara Machado traz na linguagem uma marca muito própria dos modernistas da primeira geração: a recusa à linguagem empolada, retórica, cheia de volteios. Ao contrário sua linguagem é marcada pelo estilo telegráfico, conciso. As frases são na sua maioria formadas por orações coordenadas e curtas, garantindo sempre um mesmo ritmo ao texto:

Foi-se chegando devagarinho, devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do Chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta e varou pela esquerda porta adentro.

Ia indo na manhã. A professora pública estranhou aquele ar tão triste. As bananas na porta da Quitanda Tripoli Italiana eram de ouro por causa do sol. O Ford derrapou, maxixou, bamboleando. E as chaminés das fábricas apitavam na Rua Brigadeiro Machado.

O tom é sempre coloquial, marcado pela oralidade, pela linguagem do cotidiano das personagens:

Logo na porta um safanão. Depois um tabefe. Outro no corredor. Intervalo de dois minutos. Foi então a vez das chineladas. Para remate. Que não acabava mais.

O resto da gurizada (narizes escorrendo, pernas arranhadas, suspensórios de barbante) reunidos na sala de jantar sapeava de longe.

No discurso direto dos ítalo-brasileiros, a língua mesclada:

– Parlo assim para facilitar. Non é para ofender. Primo o doutor pense bem. E poi me dê a sua resposta. Domani, dopo domani, na outra semana, quando quiser, lo resto à sua disposição. Ma pense bem!

Uma marca ainda muito freqüente em sua linguagem é o uso de onomatopéias. Elas reforçam a sensação de que as cenas estão vivas e se passam na frente do leitor:

E – ráatá! – um cusparada daquelas.

O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum!

O medo faz silêncio.
Prrrrii!
Pan!
– Go-o-o-o-ol! Coríntians!

Ambientação e construção de personagens também adquirem um estilo especial na escolha das imagens. Tudo parece ganhar vida por meio das prosopopéias.

A rua Barão de Itapetininga é um depósito sarapintado de automóveis gritadores. As casas de modas Ao Chic Parisienese, São Paulo – Paris, Paris Elegante despejam nas calçadas as costureirinhas que riem, falam alto, balançam os quadris como gangorras.

Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, serpejando na rua. Vestido do Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço.

Camisas verdes e calções negros corriam, pulavam, chocavam-se, esfalfavam-se, brigavam. Por causa da bola de couro amarelo que não parava, que não parava um minuto um segundo. Não parava.

O violão e a flauta recolhendo da farra emudeceram respeitosamente na calçada.

Outra figura de linguagem que aparece com constância é a metonímia:

A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino.

Depois que seus olhos cheios de estrabismo e despeito vêem a lanterninha traseira do Buick desaparecer Bianca resolve dar um giro pelo bairro.

Até mesmo o modo de ver as coisas parece, na maioria das vezes, ser feito de modo fragmentado, metonímico:

Abre a bolsa e espreita o espelhinho quebrado que reflete a boca reluzente de carmim primeiro, depois o nariz chumbeava, depois os fiapos de sobrancelha, por último as bolas de metal branco na ponta das orelhas descobertas.

Carmela olha primeiro a ponta do sapato esquerdo, depois a do direito, depois a do esquerdo de novo, depois a do direito outra vez, levantando e descendo a cinta.

A contemporaneidade se faz presente pelas referências a lojas, marcas, endereços, que ganham ainda mais reforço por meio da ênfase gráfica dada: a roupa de marinheiro branca de Gaetaninho traz: “Encouraçado São Paulo”; as lojas do centro são mencionadas com destaque: Ao Chic Parisiense, São Paulo – Paris, Paris Elegante; o canivete usado pelo professor de Aristodemo era brinde do Chalé da Boa Sorte e os cigarros do rapaz eram Bentevi. “A sociedade” e “Armazém Progresso de São Paulo” trazem, respectivamente, o convite de casamento de Adriano e Teresa e o anúncio pelo qual o armazém ficou conhecido.

O recurso gráfico também surge para auxiliar na questão temporal. A linguagem concisa, já discutida acima, provoca a sensação de simultaneidade de acontecimentos. As cenas aparecem justapostas de variadas formas. A mais comum em todos os contos é o espaçamento gráfico entre as partes da narrativa. Ele permite perceber a interrupção entre um momento da história e a mudança de enfoque para outro momento. Outra forma usada para trabalhar a idéia de simultaneidade é o uso de parênteses, que acrescentam um novo dado secundário à cena principal:

No Grupo Escolar da Barra Funda Aristodemo Guggiani aprendeu em três anos a roubar com perfeição no jogo de bolinhas (garantindo o tostão para o sorvete).

Na sala de jantar Pepino bebia cerveja em companhia do Américo Zamponi (Salão Palestra Itália – Engraxa-se na perfeição a 200 réis).

Em “A Sociedade”, a simultaneidade é tanta que várias cenas se interpenetram por meio do espaçamento gráfico, da fragmentação da letra da música, das orações justapostas.

… mas a história se enganou!

As meninas de ancas salientes riam porque os rapazes contavam episódios de farra muito engraçados. O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum!

– Meu pai quer fazer um negócio com o seu.
– Ah sim?
Cristo nasceu na Bahia, meu bem…

O sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bom mas a destra espalmada do catedrático o engasgou. Alegria de vozes e sons.
… e o baiano criou!

Fonte:
Estudo copiado do material do Curso Universitário, disponível em http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/barrafunda

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Antônio de Alcântara Machado (Brás, Bexiga e Barra Funda) Parte I

1. O CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL E A ESCOLA LITERÁRIA

O início do século XX ficou marcado, no Brasil e no mundo, por uma série de mudanças em todos os setores da sociedade. Para melhor entendermos o que se estuda sob a denominação de Modernismo, precisamos perceber a relação entre um movimento, uma estética e um período.

O MOVIMENTO

A semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São, em 1922, marca o surgimento do movimento.

Na Europa, movimentos vanguardistas buscam de maneiras variadas e inusitadas novas formas de expressão artística, recusando tudo que significasse tradição. Alguns escritores brasileiros tomavam contato com tais novidades estéticas: Oswald de Andrade conhece o Futurismo em Paris; Manuel Bandeira, o neo-simbolismo suíço; Ronald de Carvalho colabora na fundação de Orpheu, uma revista futurista em Portugal.

Em 1917, Anita Mafatti faz uma exposição de artes plásticas apresentando elementos cubistas e expressionistas assimilados em seus estudos feitos na Alemanha e nos Estados Unidos. A polêmica causada ganhou força na voz de Monteiro Lobato, que escreve um artigo intitulado “Paranóia ou Mistificação” atacando violentamente a artista e suas obras. A defesa foi feita por Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Mário de Andrade.

A partir de então, um grupo de jovens da burguesia culta passa a tomar cada vez mais contato com as novidades da estética européia e a se movimentar de forma cada vez mais atuante no meio literário paulista. Preparam assim a Semana da Arte Moderna, trazendo conferências sobre literatura, pintura, escultura e apresentações de poesia, prosa e música modernistas.. Alguns dos principais participantes da Semana foram Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e outros. Vejamos alguns de seus episódios centrais:

Finalmente, a 29 de janeiro de 1922, o Estado de São Paulo noticiava: “Por iniciativa do festejado escritor, sr. Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, haverá em S. Paulo uma ‘Semana de Arte Moderna’, em que tomarão parte os artistas que, em nosso meio, representam as mais modernas correntes artísticas”. (…)

Realizaram-se três espetáculos durante a Semana, nos dias 13, 15 e 17 (…).

A grande noite da Semana foi a Segunda. A conferência de Graça Aranha, que abriu os festivais, confusa e declamatória, foi ouvida respeitosamente pelo público, que provavelmente não entendeu, e o espetáculo de Vila-Lobos, no dia 17, foi perturbado, principalmente porque se supôs fosse “futurismo” o artista se apresentar de casaca e chinelo, quando o compositor assim se calçava por estar com um calo arruinado… Mas não era conta a música que os passadistas se revoltavam. A irritação dirigia-se especialmente à nova literatura e às novas manifestações da arte plástica.

(…) Mário de Andrade confessa que não sabe como teve coragem para dizer versos diante de uma vaia tão bulhenta que não escutava, no palco e que Paulo Prado lhe gritava da primeira fila das poltronas. (…)

Mas, de qualquer forma, havia sido realizada a Semana de Arte Moderna, que renovava a mentalidade nacional, pugnava pela autonomia artística e literária brasileira e descortinava para nós o século XX, punha o Brasil na atualidade do mundo que já havia produzido T. S. Eliot, Proust, Pound, Freud, Planck, Einstein, a física atômica.

Em meio a muita polêmica a arte modernista conquistava seu espaço.

A ESTÉTICA

A primeira fase modernista foi chama de “fase heróica” ou “fase da revolução estética”. Na realidade, nunca conseguiram delinear claramente sua teoria estética. O que os unificara era uma intensa vontade de expressão livre e a tendência para transmitir a emoção pessoal e a realidade do país de modo não convencional. Quanto ao estilo, os modernistas rejeitaram os padrões portugueses, e deram espaço a uma expressão mais coloquial, próxima do falar brasileiro. Os assuntos também foram renovados, por meio do desejo de serem atuais, de exprimir a vida diária, o cotidiano. Enfim sua maior arma foi a valorização do prosaico e do bom humor.

O PERÍODO

O ano de 1922, marco na busca de liberdade literária, coincide com o Centenário da Independência. O mundo ainda faz descobertas das influências deixadas pela Primeira Guerra Mundial (1914/1918). No Brasil, há um crescimento da indústria. Começa-se a questionar a legitimidade do sistema político, dominado pelas oligarquias rurais. Desde 1890, a chegada de imigrantes como mão-de-obra traz também novos elementos culturais que passam a ter cada vez maior influência, como se vê na cidade de São Paulo.

2. O AUTOR: VIDA E OBRA

Antônio Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira nasceu em São Paulo, em 1901, e faleceu no Rio de Janeiro em 1935. Filho de uma família tradicional na qual havia dois professores da faculdade de Direito onde se formou. Ainda estudante, fez jornalismo literário e crônicas teatrais. Sua segunda viagem para a Europa serviu de fonte para seu livro de estréia, Pathé Baby (1926). Em São Paulo esteve sempre vinculado aos responsáveis pela semana de Arte Moderna. Foi redator e colaborador das revistas modernistas Terra Roxa e outras Terras, Revista de Antropofagia e Revista Nova. Destacou-se como cronista e contista, mas também dedicou à pesquisa histórica, da qual resultaram trabalhos sobre Anchieta. Depois de 1932, entregou-se à atividade política, motivo da transferência de sua residência para o Rio de Janeiro.

Segundo a crítica, Alcântara de Machado foi o primeiro escritor do modernismo a se mostrar sensível às mudanças na prosa ficcional, dedicando-se à história curta. Sua atenção voltava-se basicamente para as curiosidade que o encontro entre italianos e paulistas provocava. Seu estilo, perfeitamente de acordo com os ideais modernistas, marca-se pela leveza, bom humor, fundido o registro de ítalos-brasileiras com imagens urbanas e a emoção do cotidiano. É nesse instante que sugere o retrato de uma São Paulo nova, em plena mudança na estrutura social e na economia.

OBRAS DO AUTOR

Pathé Baby, 1926; Brás Bexiga e Barra Funda, 1927; Laranja da China, 1928; Anchieta na Capitania de São Vicente, 1928; Comemoração de Brasílio Machado, 1929; Mana Maria, ed. Póstuma, 1926; Cavaquinho e Saxofone, ed. Póstuma, 1940.

3. ANÁLISE DA OBRA

Brás, Bexiga e Barra Funda é composto por um prefácio e onze histórias curtas, todas focalizando o ítalo-brasileiro nos bairros operários no início do século.

RESUMO DOS ENREDOS

1 · ARTIGO DE FUNDO

Na verdade, é o prefácio do livro. Porém, como, de m modo irreverente, o autor nega que a obra seja livro, o texto deixa de ser prefácio. O livro nasceu jornal, os contos nasceram notícias e o prefácio, portanto, nasceu artigo de fundo.. E como jornal, Brás, Bexiga e Barra Funda é o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo.

Durante muito tempo, o Brasil teria vivido da mistura de três raças tristes: a primeira, os índios que aqui estavam quando chegou a segunda raça, os portugueses. Da mistura destas duas, nasceram os primeiros mamelucos.

A terceira raça, os negros, veio trazendo “outras moças gentis, mucamas, mucambas, mumbandas, macumbas” e nasceram os segundos mamelucos. Com os dois grupos de mamelucos o Brasil começou a funcionar.

Até que outras raças vieram a Europa, entre elas os alegres italianos. E da mistura da gente imigrante com o ambiente e com a gente indígena nasceram novos mamelucos, os “intalianinhos”.

Houve implicância e preconceito no começo:

Carcamano pé de chumbo
Calcanhar de frigideira
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?

Mas o italiano soube com seu jeito fazer-se respeitas e poderia responder: “A brasileira, per Bacco!”

Assim, o italiano conseguiu seu espaço.

Brás, Bexiga e Barra Funda, como jornal que é, não toma partido. Procura apenas noticiar os fatos do cotidiano.

Muitos ítalos-brasileiros serão homenageados neste jornal por terem impulsionado a vida espiritual e material de São Paulo.

2 · GAETANINHO

Gaetaninho quase foi atropelado por um Ford quando banzava no meio da rua. A mãe o manda entrar. Ele vem chegando e dribla a mãe com o chinelo da mão.

O sonho de Gaetaninho é andar de carro. Mas, ali, na rua do oriente, isso só acontece em dia de enterro. Um amigo de Gaetaninho, o Beppino, já atravessara a cidade de carro mas só porque sua tia Peronetta ia ser enterrada no Cemitério do Araçá.

Gaetaninho sonha que sua tia Filomena morre e vai ser levada para o cemitério. Ele vai na boléia do carro, ao lado do cocheiro, com roupa marinheira, palhetinha – chapeuzinho de palha – e ligas pretas segurando as meias. Muita gente na rua, vendo o enterro, admirava o Gaetaninho. Ele só não estava satisfeito porque o cocheiro não queria deixá-lo carregar o chicote.

Gaetaninho acorda com a tia Filomena cantando o Ahi, Mari! Primeiro fica desapontado. Depois quase chora de ódio.

Quando tia Filomena soube do sonho teve um ataque de nervos. E Gaetaninho tratou de substituí-la pelo seu Rubino, o acendedor da Companhia de Gás, que uma vez lhe deu em cocre danado de doído.

Durante um jogo de bola na calçada Gaetaninho pergunta para Beppino se ele irá ao enterro do pai do Afonso. Outro amigo, o Vicente, reclama da desatenção no jogo.

Gaetaninho volta para seu posto de defesa. Beppino chuta a bola de meia que vai parar no meio da rua. Gaetaninho vai buscar mas é atingido pelo bonde que trazia seu pai.

No dia seguinte, sai um enterro da rua do Oriente levando Gaetaninho no carro da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres em cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a palhetinha. Num dos carros do cortejo via-se Beppino vestido num soberbo terno vermelho.

3 · CARMELA

Carmela e Bianca saem da oficina de costura onde trabalham na rua Barão de Itapetininga. Carmela, bonita, sensual é paquerada na rua. Bianca, feia e estrábica, é a sentinela da companheira. Um rapaz – o caixa d’óculos – num automóvel Buick que já a paquerara em outro dia, reaparece. Carmela encontra o namorado Ângelo Cuoco, entregador da casa Clarck e pede para Bianca dar o fora. Na rua do Arouche o Buick passa várias vezes. Ângelo fica enciumado. Bianca, que segue um pouco atrás, é interpelada pelo caixa d’óculos. Com sua lábia consegue o endereço de Carmela e lhe manda um recado marcando um encontro atrás da Igreja da Santa Cecília. Bianca dá o recado para Carmela, incentivando-a.

Da noite Carmela, antes de deitar-se na cama de ferro ao lado da irmãzinha, lê Joana a desgraçada ou Odisséia de uma virgem, fascículo 2º. Olhando a gravura da capa, começa a confundir a imagem da princesa raptada com a sua própria imagem e a do castelo com a Igreja Santa Cecília. Mas logo o trispeiro Giuseppe Santini manda apagar a luz.

Carmela decide aceitar o convite mas apenas até a Alameda Glette. Bianca continua incentivando.

Na hora do encontro, Carmela exige que Bianca entre junto no Buick.

No encontro do domingo seguinte, Carmela avisa que Bianca não irá mais no carro. Bianca, cheia de despeito, começa a recriminar as atitudes da amiga.

Depois de ver o Buick afastar-se, Bianca vai dar um giro no bairro. Encontra a Ernestinha e lhe conta tudo. Quando Ernestinha pergunta sobre o Ângelo, Bianca responde:

– O Ângelo? O Ângelo é outra cousa. É pra casar.

· Tiro de Guerra nº 35

No Grupo Escolar da Barra Funda Aristodemo Guggiani aprendeu malandragens e ideais nacionalistas. Aristodemo era a melhor voz da classe, puxando o coro para cantar o hino nacional e o da bandeira.

Saiu do Grupo e foi trabalhar para o cunhado. Cresceu brincando, jogando bola, amando, brigando…

Quando brigou com o cunhado foi ser cobrador da linha Praça do Patriarca – Lapa na Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio. Na rua das Palmeiras arrumou uma “pequena”.

Logo sumiu a “pequena”, sob o pseudônimo de Mlle. Miosotis, publica uma notinha n’A Cigarra indagando do seu paradeiro.

Aristodemo agora era soldado do Tiro de Guerra nº 35. Influenciado pelo sargento Aristótoles Camarão de Medeiros, Aristodemo ficou extremamente patriótico. Tornou-se ajudante de ordens do sargento e recebeu ordem de levar cópias do hino nacional para o ensaio de sete de setembro.

Durante o ensaio, Aristodemo acaba perdendo a paciência e dá um tabefe num soldado “alemãozinho” que estava “escachando” o hino nacional.

Após ouvir as testemunhas, o sargento Aristóteles escreve a “ordem do dia” expulsando o alemãozinho e citando Aristodemo como exemplo de patriotismo.

Ainda sob a influência do patriótico sargento, Aristodemo pede sua demissão da Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio e vai trabalhar na Sociedade de Transportes Rui Barbosa Ltda., na mesma linha.

4 · AMOR E SANGUE

Nicolino Fior d’Amore estava triste, com a alma negra. Brigou com o verdureiro, não conseguiu encontrar a Grazia, não deu atenção ao amigo, não cumprimentou seu Salvador, dono da barbearia onde trabalhava. Também fingiu não ouvir quando o Temístocles da Prefeitura comentou um crime passional.

Ao encontrar Grazia na saída da fábrica, ameaçou se matar caso ela não falasse com ele. A única resposta que ela lhe dá é: “Pensa que eu sou aquela fedida da Rua Cruz Branca?” E vai embora.

Quando Grazia saía da fábrica conversando e rindo com Rosa, Nicolino aparece e lhe dá uma punhalada.

Na delegacia, ele se defende dizendo que estava louco e todos os jornais registram que essa frase foi dita chorando. E dela surge o estribilho de Assassino por Amor (Canção da atualidade para ser cantada com a música do “fubá”, letra de Spartaco Novais Panini)” que causou furor na zona:

Eu estava louco, Seu delegado! Matei por isso, Sou um desgraçado!

5 · A SOCIEDADE

A esposa do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda não tolera sequer imaginar que a filha Teresa Rita venha a se casar com um “filho carcamano”

Mesmo assim, o rapaz, Adriano Melli, ronda a sua janela, passa buzinando no seu Lancia e cumprimentando com seu chapéu Borsalino. A mãe, atenta, manda-a entrar.

Os pais não puderam ir ao baile graças a um furúnculo no pescoço do conselheiro e com isso Teresa e Adriano conseguem se ver. Neste encontro, o jovem anuncia seu pai quer fazer negócio com o pai da moça.

A mãe, precavida, já deixa avisado: “Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão de Teresa para o filho você aponde o olho da rua para ele, compreendeu?”

Mas o negócio era outro. O senhor Salvatore Melli vinha propor sociedade em um negócio no qual o conselheiro entrava com uns terrenos e ele com o capital. No meio da conversa, Salvatore avisa que seu filho será o gerente da sociedade.

Consultando a mulher, o conselheiro obteve a seguinte resposta: “Faça como quiser, Bonifácio…”. E ele resolveu aceitar.

Seis meses depois vem a outra proposta: o casamento dos filhos.

No chá de noivado, o senhor Melli recordou na frente de todos o tempo que vendia cebolas, batatas, Olio di Lucca e bacalhau para a mãe de Teresa quase sempre fiado e até sem caderneta.

6 · LISETTA

Assim que entrou no bonde com sua mãe, Lisetta viu logo o urso de pelúcia no colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda. Quando a menina rica percebeu o encanto de Lisetta passou a exibir-se com o urso, deixando Lisetta ainda mais deslumbrada. Dora Mariana, a mãe, pedia à menina que ficasse quieta, mas Lisetta agora queria pegar o urso um pouquinho. A mãe da menina rica olhou, com ar de superioridade, fez um carinho no bichinho e se olhou no espelho. E o escândalo continuava.

Quando a família rica desceu, a mãe, já em frente ao seu palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou o bichinho no ar, provocando a menina.

Já em casa, Lisetta levou uma surra histórica. A mãe só parou quando Hugo, irmão da menina, chegou da oficina e a defendeu.

Mais tarde, Hugo deu à Lisetta um urso “pequerruncho e de lata”. Pasqualino, outro irmão, logo quis pegá-lo. Mas Lisetta correu para o quarto e “fechou-se por dentro”.

7 · CORÍNTIANS (2) VS. PALESTRA (1)

A partida estava vibrante no estádio do Parque Antártica. Miquelina, ao lado de sua amiga Iolanda não consegue se conformar quando o Coríntians faz o gol.

Sua esperança para garantir o Palestra agora era o Rocco. Gostava dele. Antes namorava o Biagio, jogador do Coríntians. Quando terminou o namoro, ela parou de freqüentar os bailes dominicais da Sociedade Beneficiente e Recreativa do Bexiga, onde todo mundo sabia da história deles. “E passou a torcer para o Palestra. E começou a namorar o Rocco.”

Matias, jogado do Palestra, empata o jogo. Miquelina delira.

No intervalo, Miquelina manda pelo irmão um recado ao Rocco, dizendo para que ele “quebrasse” o Biagio.

Quando Biagio estava parar marcar um gol, Rocco o derruba dentro da área: o juiz marca pênalti.

O próprio Biagio bate e faz mais um gol para o Coríntians. O jogo acaba.

Na saída, Miquelina “murchou dentro de sua tristeza”, “nem sentia os empurrões”, “não sentia nada”, “não vivia”.

No bonde, de volta para casa, corintianos faziam a festa. Um torcedor do Palestra reclama que a culpa foi “daquela besta do Rocco”.

Mais tarde Iolanda se surpreende quando Miquelina resolve acompanhá-la ao baile da Sociedade.
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continua…
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Fonte:
Estudo copiado do material do Curso Universitário, disponível em http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/barrafunda

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Marques Rebelo (A Estrela Sobe)

texto de Márcio Renato dos Santos, extrato de dissertação apresentada ao curso de pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná

Publicado em 1939, A Estrela Sobe se passa em grande parte “no pequeno mundo das estações de rádio”, contando as peripécias e sofrimentos de Leniza Maier, moça suburbana que, no Rio de Janeiro da década de 1930, sonha com o sucesso como cantora. Sua jornada rumo ao estrelato é marcada por percalços e dilemas morais: quer cortar os laços com todos os que possam atrapalhar sua ascensão, mas a nostalgia pela vida pregressa a domina. No fim, engravida e aborta, chegando à beira do delírio e da morte. Salva-se, mas sua crise está longe de terminar. Antes de dar um fecho convencional à história, porém, o autor prefere deixá-la em aberto. Diz o narrador: “… aqui termino a história de Leniza. Não a abandonei, mas, como romancista perdi-a”.

Como já citado, a personagem central se chama Leniza. De origem humilde, fica órfã de pai ainda pequena. A mãe passa a trabalhar fora. Leniza trabalha para ajudar nas despesas. Moça atraente, namora muito, e variadamente, e é muito assediada pelas ruas do Rio de Janeiro. Muda de emprego. Trabalhava em um laboratório quando conheceu e se apaixonou por um médico, o Oliveira. Leniza fica ora com Oliveira, ora com Mário Alves — este, dono de um estabelecimento que comercializa aparelhos eletrônicos, entre os quais, rádios. Ela sonha se tornar uma cantora do rádio. Abandona o emprego no laboratório. O patrão adverte que vida de artista não é fácil. A mãe fica com medo. Mário Alves a leva para fazer o teste em uma emissora. Leniza não conta para Oliveira que está cantando no rádio: alega estar em férias. Ela passa a se chamar Leniza Máier. Suas fotos são publicadas em revistas. Oliveira reprova a opção de Leniza. Ela se relaciona com Mário Alves mas pensa em Oliveira.

O mês passa e ela não recebe nenhum centavo na emissora de rádio. Entra em pânico: está difícil sobreviver, mas crê estar em ascensão:

Sentia-se miserável, imunda, escória humana, campo de todos os pecados, lama, pura lama. Mas subira. Dois ou três degraus na escada do mundo. Via que já estava num plano bem acima, algumas figuras já ficavam menores, a miséria escondia-se já numa bruma longínqua. Mas precisava subir mais, sempre mais, custasse o que custasse.

Leniza consegue algum dinheiro. Muda-se da casa do subúrbio para um apartamento na zona sul carioca. A mãe vai junto. Leniza rompe com Mário Alves. Oliveira não a quer mais. Ela, então, passa a namorar Dulce, uma colega da rádio. Dulce ensina: as cantoras não ganham dinheiro na rádio, é preciso ter um amante. Leniza abandona Dulce e se oferece para ser amante de Porto, homem forte na rádio. A mãe de Leniza fica doente. Leniza dá um fora em Porto e passa a ser amante de Amaro, um homem rico. Ela vai cantar em outra emissora de rádio. Sente-se infeliz. E toda vez que encontra com Oliveira, casualmente, na rua, imagina que ele, e somente ele, poderia tirá-la do mundo infeliz em que ela se encontra.

A personagem fica grávida. Amaro, o “pai da criança”, se afasta. Ela quer fazer aborto. Procura Oliveira. Ele se nega a participar da operação. Leniza aborta. Fica vários dias entre a vida e a morte, agonizando em seu quarto. A mãe, que recebeu cartas anônimas, se afasta da filha. A protagonista do romance A estrela sobe tem uma idéia: ela precisa ir até uma igreja, onde acredita que irá encontrar a solução para seus problemas. No desfecho da obra, uma sexta-feira 13, Leniza acorda decidida. E sai do apartamento:

Andava, andava, esbarrando nos homens, nas mulheres, como se estivesse embriagada. Andava, andava. Veio-lhe claro como um clarim o desejo de humilhação. Queria se arrastar, pedir perdão, implorar. Lembrou-se da mãe, que fora buscar no recolhimento o consolo para a sua miséria humana. Lembrou-se da igreja do Rosário onde fora batizada, tão redonda, tão pequena, tão linda e dourada. Tinha ido qual fumaça o delírio místico da primeira comunhão aos doze anos… Caiu na realidade — estava perto da igreja. Caminhou contente, depressa, ansiosa por chegar. Sentia já nas narinas o ar confinado da igreja, morno e azedo, nos ouvidos o eco côncavo das naves desertas, nos olhos a obscuridade em que as almas se ajoelham ansiosas de luz. Não, não saberia rezar! Um vento ímpio, que soprou por anos, levara-lhe da memória as confortadoras, mecânicas orações. Mas comporia, inventaria, deixaria sair sem freio do coração as palavras mais espontâneas e humildes, os cantos mais sinceros de fé e de contrição. Deixar-se-ia arrastar pelo… Ah!, e estacou — a igreja estava fechada. […] O céu não me quer! — e novamente mergulhou na onda humana, caudal de sofrimentos, inquietudes, aflições, incertezas, pecados.

Ela pensou encontrar na igreja uma solução para seus problemas, mas a porta da igreja estava fechada. A simbologia é clara: a igreja não daria o que ela buscava.

Leniza Máier é uma jovem pobre em busca de sucesso na grande fábrica de sonhos da época: o rádio. E, como visto, para conseguir seus objetivos utiliza de todos os meios – a ponto de recusar o amor verdadeiro e aceitar outros, menos sinceros. A personagem é uma alegoria da cidade do Rio de Janeiro. Os conflitos, as perplexidades, as angústias, as alegrias da personagem, na verdade, são os conflitos, as perplexidades, as angústias e as alegrias da cidade. Sua voz se confunde com a voz do rádio; sua ascensão como cantora representa a modernização da sociedade. Embora protagonista da estória, Leniza não é a sua personagem principal. A fama, antiga deusa grega que significa voz pública, essa sim, é a voz principal do romance. Leniza, mais do que uma voz, é porta-voz, sua voz é uma metáfora da vox populi.

A prosa urbana moderna. Esse é o lugar literário da obra do escritor Marques Rebelo, que, deste modo, se insere na linha de Manuel Antônio de Almeida, de Machado de Assis e de Lima Barreto. Como seus predecessores, Rebelo aprendeu as armas do distanciamento e da ironia, que usa nos melhores momentos de sua ficção. O crítico Alfredo Bosi o classifica como um neo-realista que, contudo, não perde sua veia lírica, empregada comedidamente. Seu mundo é o de gente simples, mocinhas aventureiras, pequenos funcionários, caixeiros-viajantes, donas-de-casa, estudantes, malandros, marinheiros, boêmios, sambistas, cujos pequenos dramas são focados numa prosa “tensa e lírica”, cuja naturalidade resulta de sutil estilização dos valores da linguagem coloquial, sobretudo nos diálogos.

Para o escritor Mário de Andrade, o final inacabado confirma a modernidade do romance, pois privilegia mais o fluir da vida do que a elaboração de um entrecho bem-acabado, atrevendo-se até a apor um final arbitrário. O fator decisivo para a vitalidade da obra é a capacidade de representar as tensões do quadro social, sem que o romancista ceda a dogmatismos ideológicos. Leniza não se arrepende ou se converte, salvando o romance de um possível esquematismo tardiamente romântico.

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José Lins do Rego (Eurídice)

Eurídice (1947) – Romance em que o autor deixa de lado as intenções regionalistas.

O romance é dividido em 2 partes. A primeira descreve a infância dramática da personagem principal. A segunda a sua adolescência afetada pelo drama da infância.

Este romance deveria ser lido inteiramente. A leitura é muito agradável e facilitada pelos capítulos curtos. Parece ter havido a intenção de permitir que o livro fosse lido num transporte coletivo ou em viagens curtas.

Primeira parte.

O cenário é a cela de um presídio no Rio de Janeiro.A personagem principal é o prisioneiro Julio, 20 anos de idade, estudante de direito. Na falta do que fazer resolve escrever sobre sua vida e dizer só a verdade.

O companheiro de cela, um homem taciturno a quem ele falou uma única vez sobre seus escritos e teve resposta enigmática sobre as boas intenções de um tio de Júlio que esconderiam algo e isso será uma preocupação constante. Não mais se falaram. Este companheiro irá se suicidar quando estiver próximo do término da pena, para fugir de responsabilidades.

Júlio, filho temporão, tem duas irmãs e a mãe D.Leocádia uma mulher amarga que demonstra desamor doentio pelo filho temporão. O filho temporão causava a ela um constrangimento. Talvez a coincidência do nascimento com a falência dos negócios do pai tenham agravado o problema afetivo. Desejava que ele não houvesse vingado. O pai morre pouco depois.

Isidora, a irmã mais moça, dá a ele todo o amor que a mãe nega. Ela fica noiva de um médico, Dr. Luiz, com total apoio da mãe, ganha posição privilegiada e provoca a inveja da irmã mais velha, casada contra a vontade da mãe. Muitas brigas ligadas a herança ocorrerão, inclusive na justiça.

Júlio direciona para a irmã o amor que seria para a mãe, com muito mais intensidade do que seria o normal. Ama Isidora de forma doentia. Na mesma medida que ama a irmã ele odeia o noivo que considera estar roubando o amor que é dele.

O repúdio e a aspereza da mãe deformará a personalidade de Júlio de forma terrível. O amor que a irmã lhe dedica não atenuará essas deformações e o amor que Júlio lhe tem também é doentio.

Metade dos escritos na cela é para descrever o drama do menino de dez anos implorando, sem sucesso, uma demonstração de carinho. É inimaginável o que se passa na mente dessa criança.

A mãe de Júlio não aplica a ele um único castigo físico e, no entanto a distancia que obriga o filho a manter dela, com a sua frieza, é talvez infinitamente mais dolorosa.

É impossível reproduzir. Uma criança de dez anos com um enorme sentimento de culpa. Tenta resolver seus problemas fugindo de casa, mas é logo levado de volta. Depois, com dez anos, descobre que a morte pode ser solução para os problemas. Isto parece lhe dar certa paz, funcionando como uma espécie de recurso disponível. Esta descoberta lhe permite cogitar seriamente de soluções radicais. Tendo a morte como um refugio pode se permitir qualquer coisa.

O amor por Isidora também é um sentimento bem complicado envolvendo um ciúme doentio da irmã e o ódio pelo noivo, o Dr. Luiz.

O relacionamento da irmã com o noivo, durante o período de noivado até o casamento desencadeia uma confusão na cabeça do menino e o amor pela irmã parece ter algo de incestuoso, transformando-se algumas vezes em ódio e, após o casamento, quando a irmã morre de parto, ele demonstra uma estranha indiferença, talvez por se sentir traído, enganado.

Laura, a outra irmã de Júlio, casada, é mulher invejosa e rancorosa, inconformada com o que considerava perseguições contra ela e contra o marido Jorge.

Julio tem, ainda, a tia Catarina, irmã de Leocádia, casada com um juiz, Dr. Fontes. É totalmente diferente da irmã. Mora em Alfenas, está bem financeiramente e veio para ajudar nos preparativos do casamento. Pessoa muito boa e habilidosa no trato com as pessoas resolve todos os desentendimentos que surgem na família e ainda cuida do dia a dia.

Dr. Fontes, juiz, é pessoa muito considerada na família. Nas questões sérias depende da opinião mulher, tia Catarina.

Acabam levando Júlio para alfenas, e no tempo certo mandam-no para o Rio de Janeiro fazer a faculdade de Direito e irá morar numa pensão do Catete.

Segunda parte.

A segunda parte dos escritos falam de sua vida de jovem universitário com os problemas normais de todo rapaz. A dona da pensão é D. Glória que tem três filhos, Jaime, Noêmia e Eurídice, moça sem juízo e que mantém um caso com Faria, companheiro de quarto de Júlio.

Jaime, muito trabalhador, pouco fica em casa, apaixonado por futebol, zela pelo comportamento das imãs. Inspira respeito e certo temor.

Os pensionistas de D. Glória são:

1) D. Olegária, meia idade, gosta de poesia, sonha com casamento, conhece um um vigarista que lhe propõe casamento e leva todas as suas economias. As censuras ao seu comportamento e o constrangimento leva a muitas brigas na pensão. Ela acaba se mudando e pouco depois se tem notícia do seu suicídio.

2) O Sr. Campos, conhecido como Campos das Águas, funcionário do Dept de Águas.

Meia idade, mora lá há dez anos, quando chegou fez proposta de casamento para D. Glória que recusou. Considera as moças como filhas. Vangloria-se do seu sucesso com as mulheres e, ainda hoje, namora uma ou outra jovem. Gosta dos poetas clássicos e se considera um poeta inspirado. Já teve coluna em jornais importantes dirigidos por um Sr. Brício. É conhecido e considerado na Cidade e popular na zona boêmia.

O senhor Campos irá ser um conselheiro de Julio. Carregou-o algumas vezes para a zona boêmia. Estas primeiras experiências que são normalmente complicadas, para Júlio foram terríveis por haver alguma estranha associação com a figura da irmã Isidora que não o deixa. Esses fracassos lhe causavam algum constrangimento.

3) Faria, último ano de direito, escolhido pelo tio Fontes para cuidar de Júlio, seria seu colega de quarto. Veste-se com apuro, preocupa-se somente com os estudos, orienta e aconselha Júlio que o tem como modelo. É admirado e respeitado na pensão e na faculdade pelo seu comportamento irrepreensível.

Júlio observa um relacionamento do companheiro com Eurídice e finge dormir. No início, fingia dormir para não perturbar. Depois passa a sentir uma forte excitação que irá dominá-lo completamente. Passa a odiar o companheiro hipócrita e a desejar Eurídice de forma incontrolável. Eurídice gostava de Faria e para tê-la cogita seriamente da morte do rival. Nessa ocasião Faria começa a participar de um movimento político, o integralismo, que visava combater o comunismo e tomar o poder pela força. Morre numa dessas tentativas.

Eurídice mostra-se indiferente e ela que, já antes da morte de Faria, dera esperanças a Júlio, vai ao seu quarto algumas vezes apenas para conversar e depois recua definitivamente deixando-o transtornado.

Eurídice torna-se uma obsessão e Júlio não consegue pensar em mais nada. Marcam um encontro num bosque. Júlio tenta beijá-la e ela se afasta.

Júlio é possuído por um ódio intenso que domina todo o seu ser. Vem-lhe à mente todo o drama familiar. Ele a agarra e termina por esganá-la.

Quando vemos na televisão a brutalidade de um crime passional, ficamos desejando saber o que passa pela cabeça dum assassino naquele momento. O último capítulo é esclarecedor.

Texto extraído do último capítulo

A ÚLTIMA FUGA DE EURÍDICE

Fiquei em desespero. Uma ânsia irresistível de sair, de andar, me arrastou da cama ainda com a madrugada.

A cidade dormia, e quando cheguei ao Largo do Machado, os pássaros tiravam as suas alvoradas. Quis absorver-me ao olhar as coisas quietas, mas era impossível. Eurídice, sempre Eurídice a cercar-me, a atormentar-me. Ficara-me o cheiro do seu corpo, como uma nódoa no meu olfato. E este cheiro persistia, avançava sobre mim em ondas que me envolviam.

Andei muito, cansei-me de atravessar a praça. Agora muita gente aparecia de todos os cantos. Os bondes passavam cheios. Detive-me a olhar as criaturas que transitavam, com o intuito de comparações.

Estava todos pacificados. Nenhum carregaria aquela obsessão que me escravizava. Voltei para casa, e encontrei os hóspedes ao café. O velho Campos se espantara de minha saída tão cedo.

Expliquei-me com a necessidade que tivera de levar um conhecido de Minas ao trem. Mas Eurídice me olhava com tal malícia que me arrasou a serenidade com que procurava fingir. Tremia nas minhas mãos a xícara . E não ouvia nada da conversa da mesa. Sei que D. Glória falava de D. Olegária, e que Noêmia sorria. Eurídice me olhava.

E quando a casa ficou silenciosa e vazia, veio ela ao meu quarto. E tranqüilamente falou-me de fatos corriqueiros. Alheia inteiramente àquela outra Eurídice que escapara de minhas mãos na noite anterior.

Esforcei-me para fingir a maior indiferença um domínio absoluto de nervos. Um cheiro infernal me cobria o raciocínio. Quase nada lhe disse, mas marcamos um passeio para a tarde.

D. Glória chamou-a em tom de advertência. E como não podia permanecer no quarto, saí. Não encontrei ninguém para conversar. O mal que andava dentro de mim crescia, a cada instante. Lembro-me de que Faria ficou comigo, a censurar-me.

Lembro-me de que Isidora, triste e abandonada, me apareceu, e de minha mãe furiosa, de todas as mágoas que se avivaram naquelas horas de ansiedade.

E o estranho é que aquele cheiro de Eurídice, que não se consumia, em vez de exaltar-me para o amor, conduzia-me para um ódio cruento. Acredito que foram estas horas de espera, para o encontro marcado pela mulher que amava, os mais terríveis instantes de minha vida.

Curioso em tudo isto é que, ao passo que se aproximava a hora, se apoderava de mim uma calma esquisita. E assim, ao ver Eurídice, no ponto dos bondes de Santa Teresa, aproximei-me, sem espécie alguma de medo.

Estava senhor de mim, ao atravessar o viaduto, mas quando o seu corpo quente chegou-se ao meu, no aperto do bonde, foi como se uma faísca elétrica se despencasse sobre a minha cabeça. Um fogo misterioso ferveu o meu sangue nas veias. Não sei se ouvia a fala de Eurídice. Tinha como que perdido toda a consciência.

Senti que andávamos no meio de árvores e vi o sol por cima de nossas cabeças. Voltara a mim para ver Eurídice ao meu lado. E recordo-me de seus olhos verdes, e mais do que nunca o cheiro de seu corpo se expandia, sufocava-me.

Andamos um pedaço pela mata sombria. Havia cigarras cantando, ouvia bem o trinado de pássaros e o rumor de nossos pés pelas folhas secas. Agora o que existia em mim era uma mistura de ira e amor, de asco e de desejo indomável.

Eurídice falava, falava manso, e a sua voz foi me arrastando para uma espécie de precipício. Queria fugir e não podia. E nos sentamos num recanto escondido. Ouvi bem o que ela falava de Faria, e o seus olhos estavam molhados. Procurei beijá-los, e ela fugiu de minha boca. Então, em mim se desencadeou uma fúria que não era uma vontade minha.

A fala de Eurídice mais ainda me exasperava. Ouvi-a como se fosse a voz áspera de minha mãe. Ao mesmo tempo as palavras pareciam sair da boca de Isidora. Por fim calou-se, e o calor da tarde de março se diluía no correr manso do riacho aos nossos pés. Uma força estranha se apoderou de mim.

O cheiro do corpo de Eurídice subia, me afogava. Ela estava ali, quieta, mole, vencida. E senhor de mim, capaz de vencer todos os obstáculos, debrucei-me sobre ela para esmagá-la.

Eurídice resistiu, quis erguer-se do chão úmido, mas a minha força era de uma energia descomunal. Sabia que a tinha em minhas mãos e que as minhas mãos eram de ferro.

E procurei a boca que fugia, que gritava, e aos poucos tudo foi ficando em silêncio pesado. As minhas mãos largaram o pescoço quente de Eurídice. E ela estava estendida, como na minha cama. O corpo quase nu na terra fria.

E não senti mais nenhum cheiro de seu corpo.

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br

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Cecília Meireles (Escolha o Seu Sonho)

Cecília Meireles é notória por sua poesia de caráter neo-simbolista, pois tematiza, numa linguagem levemente musical, a efemeridade dos bens da vida. Diante disso, o que é terreno perderá valor em frente a uma realidade mais eterna e misteriosa e, portanto, transcendente, metafísica.

al tempero estará também presente nas 46 crônicas de Escolha o Seu Sonho. Esse gênero transformou-se no século XX, do relato histórico dos tempos do humanista Fernão Lopes, na busca de um olhar inusitado, lírico e literário sobre as coisas de nosso cotidiano.

E com a poetisa, agora prosadora, assumirá uma identidade única em nossa literatura.

Cecília Meireles enfocará em seus pequenos textos, de no máximo três páginas cada, sempre aspectos fora do terreno, decolados a partir do nosso chão comum, rotineiro.

Em “Programa de Circo” verá que os artistas, em pequenas proezas, conseguem ser transcendentes, principalmente o trapezista, longe do solo. Eis aqui o símbolo do que a cronista realiza na obra.

É um elemento que estará presente em outros pontos, como na homenagem que faz em “O ‘Divino Bachô’”, poeta japonês que tirava, em seus pequenos poemas, imagens profundas e ousadas baseado apenas em simples elementos que via em sua realidade. Enxergamos e admiramos nos outros o que queremos para nós – eis uma pista para a compreensão de Cecília Meireles.

A autora de fato tem esse dom de ir além do cotidiano banal, muitas vezes por meio da proeza de usar essa rotina como sua base. Ou então, no que ela se mostra surpreendente, não precisa viajar para longe da realidade terrena: consegue enxergar nesse plano pobre uma riqueza surpreendente.

É o que ocorre em vários instantes do livro, como em “Arte de Ser Feliz”. Nele, a cronista consegue ver, num chalé em frente à sua janela, beleza e fonte de felicidade num humilde pássaro de porcelana pousado sobre um ovo azul. Quando o céu ficava dessa mesma cor, parecia que a ave flutuava no nada.

Cecília Meireles nos parece provar que somos cegos, insensíveis à riqueza de elementos ao nosso redor. Cobra-nos uma reeducação dos sentidos e do intelecto para captar o que sempre esteve grudado à gente.

É a tese encampada implicitamente em vários momentos, mas escancaradamente em “Da Solidão”, em que prega que não devemos ter medo de ficar sós, pois de fato nunca o estamos: tudo lembra tudo, tudo tem sentido, tudo ao nosso redor carrega significados e existências que nos impedem de nos sentirmos solitários.

Uma observação que poderia ser levantada é a de que essas crônicas poderiam sofrer de um complexo de Polyanna, na medida em que demonstram uma visão saltitante, encantada e, portanto, alienada da realidade. Tudo é sonho, fantasia, alegria. No entanto, não é verdade.

Em vários momentos (“Casas Amáveis”, “Tempo Incerto”, ”História de Bem-Te-Vi”, “Vovô Hugo”, “Chuva com Lembranças”, “O Fim do Mundo”, “Semana Santa em Ouro Preto”, “Ovos de Páscoa”, “Saudades dos Trovões”, “Aberrações do Número”, “Que é do Sorriso?”) há uma crítica aos novos tempos, de industrialização, urbanização, em que, na correria, não se consegue fôlego ou disposição para realizar o olhar atento sobre os pequenos e belos aspectos de nossa existência. Sua crítica, nesses momentos, parece algo de retrógrado, ingênuo ou saudosista.

Há momentos, entretanto, em que sua visão crítica não se derrama apenas para o presente. Em “Do Diário do Imperador”, ao falar sobre os relatos de D. Pedro II, entristece-se e até derrama um certo fel ao notar que os problemas relatados no século XIX ainda se mostram atuais, principalmente no que se refere à falta de zelo em relação à pátria e à coletividade.

Consegue, pois, vislumbrar um elemento eterno em meio à efemeridade, exercício que já havia feito em “Visita a Carlos Drummond”, em que, em homenagem ao aniversário do poeta mineiro, constrói uma fantasia em que a sua família e a dele sempre se encontraram em 500 anos de História Ibero-Americana, as encarnações podendo até serem vistas como atualizações.

Todos esses elementos, como já se disse, Cecília vaza em pequenos textos em que se notam leve musicalidade e a preferência pelo vago e misterioso, como em “O Estranho Encontro”.

Lida com aspectos sofisticados em um veículo tão simples, o que se mostra mais surpreendente quando se tem em mente que essas crônicas foram primeiramente lidas no rádio, nos programas “Quadrante”, da Rádio Ministério da Educação e Cultura, e “Vozes da Cidade”, da Rádio Roquette Pinto.

Trata-se de uma proeza que faz lembrar “O Grupo Fernando Pessoa”, em que Cecília Meireles tece comentários sobre as limitações da literatura quando se utiliza do meio oral, como foi no Trovadorismo.

Não possibilitando tempo para a reflexão silenciosa, comum na leitura, o texto oral acaba-se tornando diluído, avesso a questões mais profundas. Prende-se ao momento, ao passageiro.

Porém, quando vê como os jovens lidam com a poesia de Fernando Pessoa, tão rica, entende que muitas vezes o mistério literário rompe essa barreira. É o que se aplica, sem hesitação, a Escolha o Seu Sonho.

Fonte:
Vestibular

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Júlio Dinis (As Pupilas do Senhor Reitor)

Análise da obra

As Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Dinis, primeiro romance português do século, publicado inicialmente em 1866 em forma de folhetim, e só no ano seguinte apareceria em livro. Seu caráter moralizador e a religiosidade que perpassa por todo o romance, a bondade capaz de chegar a extremos quase incríveis de sacrifício pessoal, são alguns dos ingredientes que transformaram em muito pouco tempo o autor desconhecido em sucesso nacional.

A calma da cidade do interior (Ovar – Portugal) e a observação da vida simples das pessoas da aldeia propiciaram o aparecimento desse romance que, algum tempo depois, se tornaria um dos mais famosos em Portugal.

Os capítulos são tipicamente folhetinescos: unidades narrativas com peripécias e final em suspensão. É um romance está cheio de ironias bem humoradas, tornando-o, apesar do moralismo intencional, de leitura mais agradável.

Como costuma acontecer com escritores românticos, Júlio Dinis também vê o mundo com as lentes do maniqueísmo. Assim, assenta sua obra em um jogo contínuo de oposições. Entre as principais, destacam-se: A cidade – O campo / A modernidade – A tradição / O desejo – O amor.

Temática

O romance gira em torno da tese segundo a qual a vida simples e natural torna as pessoas alegres e felizes. Júlio Diniz descreve o campo, os tipos humanos, os hábitos e as idéias, desenvolvendo toda uma problemática pequeno-burguesa, com o “propósito de pregar uma moralização de costumes pela vida rural e pela influência de um clero convertido ao liberalismo”.

Foco narrativo

O foco narrativo organiza-se através de um narrador que conta a história em terceira pessoa, sem se confundir com nenhum dos personagens, a respeito dos quais tem uma visão onisciente. Assim, conhece-os de forma absoluta, em seu mundo interior e exterior, em suas ações e motivações íntimas.

A forma didática como o narrador conduz a leitura da obra, ora descrevendo a interioridade de um personagem, ora se colocando como mero cronista que registra os acontecimentos, caracteriza-o como alguém que narra para um tipo específico de leitor: o leitor de jornal, que lê o romance de maneira descontínua e cuja atenção deve ser constantemente alimentada.

Tempo / Espaço

O tempo histórico é o presente, como convinha a um autor pré-Realista que preconizava a substituição do maravilhoso psicológico pelo romance de costumes. E presente, neste caso, é o início da segunda metade do século XIX.

Quanto ao tempo narrativo, não se pode precisar a extensão, mas trata-se de alguns anos, que vão da infância de Daniel, passam pelo tempo em que faz Medicina no Porto, seu regresso e a introdução, em um tempo narrativo mais acelerado, das principais ações da trama, isto é, o período dos escândalos na aldeia até a descoberta do amor.

Toda a ação transcorre em uma aldeia típica de Portugal. Seus costumes, suas festas, seus valores e personagens. Da estada para tratamento de saúde em Ovar, interior de Portugal, são as memórias que o autor utiliza na composição de seu romance. Os costumes rurais portugueses, incluindo aí as maledicências, as beatas de verniz, mas também os valores positivos do agricultor próspero, cuja moral do trabalho Júlio Dinis dá como modelo social.

A obra se caracteriza por reforçar o velho motivo literário “fugere urbem” (fugir da cidade). Assim, a natureza é o grande cenário, repleto de abundância, de belezas nostalgicamente evocadas, e daquele caráter de mãe que provê e beneficia o cultivo das tradições.

Personagens

As personagens são autênticas, são cópias do natural, das pessoas que vivem no campo: o João Semana é o retrato fiel do cirurgião João José da Silveira, que no tempo da estada de Júlio Diniz em Ovar, exercitou a profissão médica com grande sucesso, naquela região.

Daniel – O segundo filho de José das Dornas. Franzino, volúvel e irresponsável, principalmente em relação à mulheres. Em tudo diferente do irmão. Detesta o trabalho no campo, começa estudando latim e finalmente vai para a cidade do Porto, de onde volta muitos anos depois, já médico formado. É um estróina que inquieta o sossego da aldeia, fazendo vibrarem os corações femininos e provocando a antipatia de quase toda a aldeia com sua mania de conquistador. Representa, no romance, o tema romântico do resgate através do amor. Tocado pelo amor, muda de vida, torna-se um homem sério.

Guida – A irmã mais velha de Clara. Filha de um primeiro casamento, seu pai, viúvo, casa em segundas núpcias, mas não sobrevive muito tempo à primeira esposa. Ao perder o pai, Margarida recebe tratamento cruel da madrasta, a quem serve de empregada. Vive uma infância solitária de trabalhos duros, como o de pastora. Passa os dias isolada nos campos e montes, onde seu único consolo e o menino Daniel, a quem ama apaixonadamente. Neste romance, é Margarida que representa o papel da bondade a qualquer preço.

Autodidata, torna-se a mestra dos meninos da aldeia. Ela é fada, que só pensa na felicidade alheia, que se anula para que a irmã seja feliz, mas que, no fundo, escondidamente, sofre terrivelmente por frustração amorosa. Esta personagem representa a dimensão realista do romance, porque, embora seja uma típica heroína romântica, capaz da bondade e do perdão, a amargura que sente em decorrência de uma infância solitária e infeliz, repleta de maus tratos e de pobreza, alia-se à instrução que a diferencia dos outros personagens e faz com que veja as contradições, as injustiças sociais, revitalizando o idealismo romântico da obra.

Clara – Das duas pupilas, ela é a mais nova. Única herdeira dos pais mortos, filha de um segundo casamento (sua mãe era proprietária rural), era moça alegre, dada também a cantorias. Um pouco leviana, mas regenerada por algumas das vicissitudes por que passa, como castigo por sua leviandade. Torna-se noiva de Pedro, com quem deverá casar brevemente, mas impressiona-se com Daniel, quando este regressa do Porto. Cede aos galanteios do moço sem perceber as conseqüências de sua atitude, a qual nada possui de maliciosa, sua leviandade não chega a comprometer-lhe o caráter, cuja nobreza percebe-se pela amizade que dedica a Guida, pela preocupação em reparar os males da infância.

Pedro – Filho mais velho de José das Dornas. Em tudo semelhante ao pai: robustez, disposição. Ingênuo, mas alegre, dado a cantorias, muito ligado à vida do campo. Apaixona-se por Clara, de quem fica noivo. Jovem aldeão cuja pureza, simplicidade e alegria pela vida exemplificam a visão romântica pela existência rural predominante na obra e reforçada pelo desfecho: a união entre os dois pares amorosos, Pedro e Clara, Daniel e Guida.

José das Dornas – Lavrador abastado, mas humilde e humano, por volta de 60 anos, homem alegre, encarnação do pensamento positivo do autor. Um viúvo forte e rijo, de formação moral tradicional. Mandar o filho para a cidade, para estudar, não é propriamente pensamento seu, mas ao fazê-lo torna-se o arquétipo dos agricultores de sua situação no país.

Padre Antônio – É o senhor Reitor, o pároco local, uma espécie de anjo benfazejo, onipresente, incansável, providencial. Destaca-se entre os personagens por sua função de porta-voz do narrador, o que percebe-se por sua presença estratégica e definidora dos rumos seguidos ao longo do romance, nos quais interfere diretamente como um arquiteto da história. Com o “evangelho no coração” ela não apenas representa a imagem do religioso autêntico, militante, cuja vida é dedicada aos outros, especialmente às pupilas, mas configura um personagem nuclear do romance, sendo porta-voz dos valores que Júlio Dinis quer transmitir às massas, utilizando um velho pároco de aldeia como exemplo vivo da força e da austeridade desses valores.

João da Esquina – Merceeiro que, com sua família, centraliza as fofocas locais. O plano de casar Francisca, sua desmiolada filha, com Daniel, rico herdeiro, ao falhar, torna-o um inimigo irreconciliável dos “das Dornas”.

D. Tereza e Francisca – Respectivamente, esposa e filha de João da Esquina.

João Semana – O único médico da aldeia, até que Daniel regresse do Porto. Conservador, nacionalista fervoroso, contador de anedotas picantes sobre frades. Encarna a solidariedade comunitária, com sua medicina-apostolado, a vida sem outro sentido que não seja a prática do bem e a preocupação com os problemas alheios. Personagem secundário no romance.

Joana – Criada de João Semana, fiel e maternal. Forte, persuasiva, de coração grande, sempre à disposição do médico, seu amo.

Notas

1. O reitor, o lavrador José das Dornas e o médico João Semana representam o caráter de livro-instrumento do romance para transmitir ao leitor, com seu comportamento exemplar, de sua autoridade moral, de sua interferência benéfica na vida da comunidade, uma visão educativa da tradição como um valor que deve ser preservado e respeitado.

2. O reitor, sua “pupilas” Guida e Clara, os rapazes a quem amam, Pedro e Daniel e José das Dornas, pai de ambos, constituem os personagens principais do romance.

3. Cada par de irmãos se caracteriza por apresentar personalidades antagônicas – antítese fundamentada na posição entre razão e emoção:

Pedro, jovem de robustez adquirida pelo trabalho no campo, constitui uma pessoa decidida, orienta seu comportamento, ou tenta fazê-lo, pela racionalidade: seu destino de herdeiro do latifúndio, já traçado, não os desestabiliza. O irmão Daniel, por sua vez, constitui o avesso de Pedro: desajeitado, passional e frágil de corpo, conduz-se pela impetuosidade das emoções. Por isso, sua vida é tortuosa e ele freqüentemente se encontra em situações delicadas.

Da mesma forma, isto é, o mesmo tipo de oposição de caráter pode ser notado em relação à Clara e à Guida, que são irmãs por parte de pai. Margarida, jovem sensata, arquiteta sua existência a partir de pilares sólidos, tias como a racionalidade e a virtude; introspectiva, calada, sofre suas decepções sentimentais sem testemunhas. Já Clara é o contrário: alegre, extrovertida, boa e meiga, ela no entanto não possui a maturidade de Margarida. Sendo assim, freqüentemente tem problemas, decorrentes de suas reações emocionais.

Enredo

Uma aldeia portuguesa do século XIX é o cenário ideal para o desenrolar de uma delicada trama: o amor e os desencontros entre as órfãs Clara e Guida. Cenário este, povoado de tipos humanos cuja bondade só é maculada pelo moralismo quase ingênuo de comadres fofoqueiras, desenrola-se o drama amoroso.

Daniel, ainda menino, prepara-se para ingressar no seminário, mas o reitor descobre seu inocente namoro com a pastorinha Margarida (Guida). O pai, José das Dornas, decide, então, enviá-lo ao Porto para estudar medicina. Dez anos depois Daniel volta para a aldeia, como médico homeopata. Margarida, agora professora de crianças, conserva ainda seu amor pelo rapaz. Ele, no entanto, contaminado pelos costumes da cidade, torna-se um namorador impulsivo e inconstante, e já nem se lembra da pequena pastora.

A esse tempo, Pedro, irmão de Daniel, está noivo de Clara, irmã de Margarida. O jovem médico encanta-se da futura cunhada, iniciando uma tentativa de conquista que poria em risco a harmonia familiar. Clara, inicialmente, incentiva os arroubos do rapaz, mas recua ao perceber a gravidade das conseqüências. Ansiosa por acabar com impertinente assédio, concede-lhe uma entrevista no jardim de sua casa.

Esse encontro é o ponto culminante da narrativa: surpreendidos por Pedro, são salvos por Margarida, que toma o lugar da irmã. Rapidamente esses acontecimentos tornam-se um grande escândalo que compromete a reputação de Margarida. Daniel, impressionado com a abnegação da moça, recorda-se, finalmente, do amor da infância. Apaixonado agora por Guida, procura conquistá-la. No último capítulo, depois de muita resistência e de muito sofrimento, Margarida aceita o amor de Daniel.

Fonte:
Passeiweb.

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Moacyr Scliar (A Mulher que Escreveu a Bíblia)

Último romance escrito por Moacyr Scliar e lançado no final de 1999, A mulher que escreveu a Bíblia reúne o que há de melhor no trabalho desse escritor cujo texto é marcado pela leveza, fluência e imaginação. Em sua trama bem urdida, misturam-se sem cerimônia erudição e escracho, sagrado e profano, História e ficção, sublime e ridículo, religião e sexo. Para escrevê-lo, Scliar baseou-se na hipótese do crítico norte-americano Harold Bloom de que uma mulher teria sido a autora da primeira versão da Bíblia, escrita no século X a.C.

Sem nome próprio, a protagonista deste romance tem como principal característica sua enorme feiúra facial, embora fosse “boa de corpo”. Descobre, por meio de terapia de vidas passadas, ter sido uma antiga cidadã dos tempos bíblicos na então Canaã e filha de um pastor de cabras. A mulher que escreveu a Bíblia é o relato em primeira pessoa da trajetória fabulosa dessa personagem anônima.

Tornou-se, por meio das relações comerciais do pai, uma das mulheres do rei Salomão, coincidentemente depois de ter sido alfabetizada às escondidas pelo escriba da tribo, que via na possibilidade de escrever um consolo para a vida celibatária que se apresentava para sua protegida.

Após sofrer uma decepção amorosa, opta por consultar-se com um terapeuta de vidas passadas na tentativa de reencontrar-se, propiciando um autoconhecimento. Contudo, tal busca também está presente no próprio terapeuta que, frustrado na antiga profissão (professor de história), passa a atuar no ramo esotérico. No entanto, mesmo que a prática do consultor seja autodeclarada charlatã, a mulher acaba por atingir seus objetivos, após longas sessões, e entrega ao guia sobrenatural (agora apaixonado por ela) o resultado de sua procura sob a forma de um texto escrito, relatando suas aventuras em uma vida anterior, como esposa do rei Salomão e primeira autora de um grande empreendimento para a humanidade, a Bíblia.

A protagonista não só se apaixona pelo rei Salomão, como consegue, depois de algumas tentativas frustradas, consumar o casamento e, mais que tudo, escrever, sob encomenda, sua versão da Bíblia que, infelizmente, acaba se perdendo num incêndio de origem duvidosa em seus aposentos.

O segundo capítulo, ponto alto da obra, é, portanto, essa narrativa, a da vida regressa desta mulher que mesmo feia fez-se reconhecer pelo mérito de ser letrada em uma sociedade que não admitia tal prática a alguém do sexo feminino.

Ao final do romance, o leitor fica sabendo que a protagonista consegue superar suas dificuldades amorosas no tempo atual, abandonando seu apartamento e psicanalista, que começava a se apaixonar por ela.

O que vemos é o relato de uma experiência histórica, narrado a partir de um ponto de vista declaradamente assumido pela narração, que impõe sua voz, ou seja, seu modo de contar os fatos segundo sua perspectiva. Ainda assim, é possível aprender e rever neste romance certas passagens do Velho Testamento, como a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, o julgamento do rei Salomão sobre as mães que disputavam o mesmo filho, o interesse do rei Salomão pela rainha de Sabá, a disputa entre Caim e Abel etc.

No entanto, o fator predominante do texto em análise novamente é o humor, uma vez que é bastante inesperada a versão que a protagonista dá aos episódios bíblicos, como a libidinagem que corria entre Adão e Eva, para ficar num único exemplo.

Mas, ao mesmo tempo, encontramos, dentro da mesma ficção bem-humorada de Scliar, trechos que podem ser interpretados como sua profissão de fé na arte de escrever. Em certo momento da história, o rei Salomão dirige as seguintes palavras à protagonista:

[…] Não quero ser lembrado por ruínas. Quero ser lembrado por algo que dure para sempre. Sabes o quê?
Fez uma pausa, olhou-me, e anunciou, solene:
— Um livro. Um livro que conte a história da humanidade, de nosso povo. Um livro que seja a base da civilização.
Claro, o livro, como objeto, também é perecível. Mas o conteúdo do livro, não. É uma mensagem que passa de geração em geração, que fica na cabeça das pessoas. E que se espalha pelo mundo. O livro é dinâmico. O livro se dissemina como as sementes que o vento leva.

O texto desfruta explicitamente de uma convergência de tempos, isto é, da recorrência do passado no texto presente, declarada sob a forma de memória de uma vida anterior. O que temos, portanto, é uma narrativa encontrada no presente que sofre interferência de um passado, ao passo que projeta o futuro, fato que possibilita aparições de anacronismos (recuos e avanços no tempo). A protagonista vê com os olhos da modernidade (ou pós-modernidade) suas experiências vividas em uma época longínqua. É o rever a tradição, recontá-la sob outros olhares não restritos a uma elite letrada, sendo, neste caso, a postura feminina frente ao discurso (religioso-eurocêntrico, ou seja, a partir homem branco, cristão e ocidental) que sempre a marginalizou.

Um outro ponto também trabalhado no romance é a duplicidade, o jogo corrente entre sagrado e profano, perceptível pela linguagem ora formal, ora escrachada da narração, um procedimento visível no diálogo da protagonista com a ordem dos anciãos, representantes oficiais da intelectualidade da época e do tom de censura amplamente criticado pela narradora.

Moacyr Scliar recria o cotidiano da corte de Salomão e oferece novas versões de célebres episódios bíblicos. Em sua narrativa, repleta de malícia e irreverência, a sátira e a aventura são matizadas pela profunda simpatia do autor pelos excluídos de todas as épocas e lugares.

O bem humorado enredo, porém, supera a mera aventura, com curiosos lances de reflexão sobre o ato de escrever, seu sentido, razão de ser e conflitante relação com a vida, onde se destaca toda uma perspectiva humanista radical do autor.

Como costuma acontecer nos livros do autor, o humor irreverente anda de braços com um profundo humanismo, cujo traço mais evidente é a simpatia pelos deserdados e excluídos. Aqui, Scliar, além de sua fabulosa imaginação, demonstra todo o seu virtuosismo literário ao misturar o registro elevado da linguagem bíblica com a fala desabusada da narradora/escriba, criando anacronismos deliberados e impagáveis.

Fonte:
Passeiweb.

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Natércia Campos (A Casa)

A Casa, de Natércia Campos, romance pós-moderno, numa linguagem lírica, é uma rica fantasia sobre as memórias de uma casa transformada em personagem e narradora da história das gerações que nela moraram.

Na condição de uma personagem humanizada, a Casa, erguida no fundo do passado, narra a sua história, da fundação à residência acolhedora; sua vida secular permeada de alegrias e tristezas, nascimentos e perdas; sua degradação e silêncio final mergulhada nas águas profundas de um lago.

A Casa é ao mesmo tempo foco, espaço e personagem. Há predomínio do foco narrativo de primeira pessoa relacionado à personagem principal. Não podemos esquecer também que o tempo é múltiplo e tudo é lembrança.

Nesta obra a morte é uma presença constante.

O livro configura-se como um misto de romance, folclore e história regional. Contudo, a grande faceta da escritora é eivá-lo de poesia. A Casa é uma prosa-poética de fortes conotações telúricas.

Na obra, cada página, cada frase, está impregnada da força imponderável da terra, com seus costumes, suas crenças; os postais da sua beleza natural, com seus montes, sua vegetação, suas pedras, e especialmente, seus viventes e seus segredos.

Há, em sua estrutura, pequenas histórias inseridas, como “O encoletado em couro” e “O menino do rasto de plumas”. Sua memória não obedece a uma cronologia, sendo, portanto, fragmentada. É sinestésica, pois são os sentidos que a recuperam, sem que a narradora se programe para tal. Desse modo, também involuntária.

A escritora, natural de Fortaleza, consegue contar, com extrema maestria e poder de invenção, a história da colonização do Ceará, dando voz e sentimento a uma morada sertaneja, que guarda em sua memória de pedra, madeira e cal, lembranças de fidalgos de Entre Douro e Minho, que singraram o mar oceano em frágeis caravelas, e aqui aportaram no verde mar da Bahia. A partir da casa-forte erguida por Garcia d´Ávila, partiram rijos cavaleiros com suas cartas de sesmaria, sementes de gado, e beirando os rios vieram dar nas lonjuras ásperas da caatinga, povoando todo o sertão.

Esta sua obra é toda ela edificada com a palavra exata e a frase mais correta. Humanizando-a, isto é, fazendo com que a própria Casa evoque suas lembranças, a narrativa convida à visitação de suas dependências, onde repousam memórias que nascem desde a sua construção. E tudo isso vem repassado por uma aragem poética que perfuma como flores do campo. O impulso poético está sempre presente, tornando suas expressões verdadeiros poemas em prosa.

A Casa, fica sempre distante do que realmente ela é, em conhecimento de tudo o que lhe é pertinente. Faz lembrar a erudição e o conhecimento de Guimarães Rosa no seu conto Burrinho Pedrês. Narrando-se lógico que a casa sabe tudo que lhe diz respeito, no detalhe como na descrição mais larga. Dentro dela caminham sombras e vivem-se histórias que são contadas como quem desfia as contas de um rosário. E assim o romance vai se desdobrando.

Em cada página de A Casa descobre-se alguma coisa nova, ou na seleção vocabular ou na limpidez da frase, no juízo, na reflexão ou nos conceitos. Num só trecho, a autora dá uma excelente demonstração do que sabe dos usos e costumes, da palavra popular, dos ditos de pessoas cultas ou não: Meus filhos machos, só um não vingou… Há numa ninhada sempre um ovo goro. Um rebanho tem sempre uma ovelha perdida. O que é de raça caminhando passa.

A leitura de A Casa constitui, antes de tudo, uma entrega ao encantatório. Deformada, a realidade aqui veste outros tecidos, desconhece barreiras e transcende o ilusório mundo das representações espaciais. A princípio, a simples idéia de “casa”, por exemplo, imprime o domínio de uma espacialidade geograficamente determinada; mas, para a ficcionista, isso não passa de um dentre seus inúmeros disfarces: a casa, mais que materialidade espacial, é, em verdade, a legião de apelos, vícios, desejos, concupiscência, medos, remorsos, dúvidas, ódio, paixões etc que, em procissão, percorrem, com os olhos, as vigas e as telhas; e, com passos, ora lentos, ora dissimulados, os quartos e os corredores.

A narrativa é, em primeiro lugar, um exercício de beleza. O texto constrói-se, em forma progressiva, segundo um amontoado de vozes, pois, nele, misturam-se as mais diversas visões, a partir das quais se originará um universo ordenado pelo maravilhoso. Em nenhum momento, o leitor questionará o fato de que a “casa” assume o ponto de vista da narrativa, seduzido, assim, pelo lirismo de sua linguagem. Tudo, aqui, é extremamente natural: o sol em brasa, a chuva remissão das chuvas, o Trasgo, o mago dos espelhos, o verão e seus mosquitos, a fruta inconha a gerar gêmeos, o velho passador de gado, as posses e tiranias do Capitão Longuinho, os desejos de Custódio, a beleza simétrica das flores de Maria… E, aqui, tudo é natural porque natural é a voz da casa. Ela, que recolhe o pó das ruínas das coisas e dos homens. Ela, sobrevivente das águas. Ela, e os guizos de sua linhagem.

A narrativa da obra percorre os corredores que se estendem entre temporalidade e atemporalidade: “Fui feita com esmero, contaram os ventos, antes que eu mesma dessa verdade tomasse tento”. O fato de a casa ser, ao mesmo tempo, foco, espaço e personagem, ocupando, desse modo, vários papéis nesse universo ficcional, reforça, ainda mais, a permuta entre o passado e o presente. Somente rompendo os limites temporais, essa “casa” pode recuperar os pés dos colonizadores, o choro das crianças, os suspiros das fêmeas, os incestos e as culpas, os gestos libidinosos, além de atos e palavras que configuraram muitas gerações, bem como, naufragada no fundo de uma represa, reconhecer, em Eugênia, um de seus “umbigos”. A alternância entre o temporal e o atemporal, o palpável e o incorpóreo, além de muitos outros recursos, abre caminho para o mítico; e, através dele, a escritora amealha as contradições e os devaneios que se instalam em nossa alma.

Fonte:
Passeiweb.

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J D Salinger (O Apanhador no Campo de Centeio)

“The Catcher in The Rye”

Introdução

O objetivo deste trabalho é mostrar de forma concisa a análise efetuada do livro “The Catcher in The Rye” e tentar mostrar o que pode se passar na cabeça de um adolescente.
Apontaremos os fenômenos que provocam a degradação individual, psicológica e social de um adolescente, fazendo um breve enfoque no contexto histórico, biografia e crítica literária feita por alguns autores. O trabalho conta também com uma síntese da obra e sua análise.

Procuraremos mostrar um pouco da obra de J.D. Salinger, entretanto a leitura da obra é essencial, não é aconselhável ficar apenas neste trabalho, o livro é ótimo e faz com que pensemos sobre nossos adolescentes e até que ponto eles podem ser influenciados.

I. Contexto Histórico

Quando a Segunda Guerra Mundial começou na Europa em 1939, a maioria dos Americanos queriam ficar fora disso. “Primeiro a América” era frase popular do tempo.

As pessoas sentiam que América deveria se preocupar com seus próprios problemas e esquecer o resto do mundo.

Até 1945, a América era um mundo poderoso com enorme responsabilidade internacional. Isto fazia todos os americanos orgulhosos e extremamente inconformados.

A Segunda Guerra Mundial inspirou um grande número de romances de guerra. Muitos, no entanto, pertenceram a tradição naturalista.

Eles eram naturalistas porque estudavam o efeito da guerra nos soldados e nas outras pessoas. Embora os romancistas odiassem a guerra, eles raramente mostravam algum tipo particular da consciência política.

A maioria dos escritores dos anos 40 e 50 estavam interessados na ideologia dos esquerdistas dos anos 30.

Os autores americanos dos anos 50 mostravam que estavam inconformados com a pós-guerra mundial. A nova política temia o comunismo e a bomba atômica, que para eles era menos importante do que os problemas psicológicos da nova sociedade americana.

Não é um período de importantes experimentações no estilo. Muitos, dos maiores autores estavam interessados em desenvolver novos e importantes temas. Eles, neste período, tentaram encontrar respostas para a velha questão: “QUEM EU SOU?” Os escritores negros e judeus americanos encontraram a resposta em sua própria cultura e no seu meio racial, outros exploraram as idéias da filosofia e psicologia moderna.

Os jovens escritores usaram a religião oriental para o mesmo propósito. Os novos escritores do Sul, entretanto, eram um pouco mais modernos. Em seus trabalhos, eles sentiam a tristeza e o peso do passado.

Nesta época, a sociedade passava por várias transformações bruscas determinadas, em geral, por fenômenos exteriores.

A revolta modernista na arte buscava uma nova maneira de olhar o mundo, surgindo também uma mentalidade renovadora na educação e nas artes.

O modernismo foi um movimento, o qual rompeu com todas as estruturas do passado. Os modernistas nunca se consideraram componentes de uma escola. O que unificava era um grande desejo de expressão livre. Eles afirmaram a sua libertação em vários rumos e setores: vocabulário, sintaxe e escolha dos temas. Os escritores desse período passaram a questionar com mais vigor a realidade do século XX.

II. Síntese da Obra

O livro traz o relato de um adolescente de 17 anos – Holden Caulfield – sobre um período conturbado de sua vida.

A histórias inicia-se próximo ao Natal do ano anterior, quando ele ainda tinha 16 anos e estava saindo da terceira escola (colégio) que já havia estudado, o Pencey. Ele fora expulso por ter sido reprovado em quase todas as matérias (exceto Inglês).

Era um sábado e estava ocorrendo um jogo de futebol que envolvia o time do colégio. Sendo assim, todos estavam assistindo a partida, menos ele que estava voltando de Nova Iorque, onde deveria ter disputado um campeonato de esgrima, se não tivesse esquecido os floretes no metrô.

Ele aproveitou o momento, fez uma visita ao seu velho professor de História para se despedir e voltou para o seu quarto no colégio. Ele estava praticamente sozinho no alojamento; praticamente porque Ackley, um rapaz que não tinha amigos também estava lá.

Ackley ficou conversando com Holden até a chegada de Stradlater (companheiro de quarto de Holden). Stradlater ia sair com uma garota e queria o casaco de Holden emprestado. A garota chamava-se Jane e Holden a conhecia, pois ela fora sua vizinha e os dois jogavam damas juntos. Holden acreditava muito na pureza de sua amiga, por isso, ficou furioso quando percebeu que seu amigo, que tinha fama de conquistador, poderia ter feito alguma coisa com Jane. Os dois brigaram e Holden, por ser o mais fraco, levou a pior, após ter levado um soco de Stradlater ele ficou com o rosto todo ensangüentado e foi para o quarto ao lado que era de Ackley. Ele pediu para dormir na cama de seu amigo que só voltaria no final do dia seguinte. O rapaz não gostou muito, mas também não lhe deu muita atenção. Holden começou a sentir-se deprimido e resolveu ir embora do Pencey naquele mesmo dia. Era tarde da noite de sábado e eles só poderiam sair para as férias de Natal na quarta-feira. A família de Holden ainda não sabia da expulsão. Então, ele decidiu hospedar em um hotelzinho em Nova Iorque até o dia em que ele pudesse chegar em casa com seus pais já sabendo da notícia. Ele arrumou suas malas, contou seu dinheiro e foi embora.

Chegando em Nova Iorque, ele hospedou-se num hotel chamado Edmont. Ainda era início da madrugada de domingo, ele não estava cansado e não queria dormir. Pensou em ligar para muitas pessoas, até mesmo para sua irmã Phoebe de 10 anos, a qual ele adorava. Porém, não ligou para ninguém, resolveu sair na noite de Nova Iorque.

Foi a vários lugares, mas nada o agradava. Voltou então para o hotel e, ainda no elevador o ascensorista lhe fez uma proposta e ele aceitou. Em pouco tempo a prostituta estava em seu quarto pronta para fazer o que ele quisesse; o fato é que ele só queria conversar, pois estava um pouco deprimido. A garota achou estranho. Ele disse que pagaria o combinado e que ela poderia ira embora. Ele deu à ela 5 dólares e ela disse que o combinado era 10 dólares. Ele insistiu que não e ela foi embora. Dentro de poucos minutos bateram na porta dele novamente: eram Maurice, o ascensorista e a garota de programa. Maurice cobrou-lhe os outros 5 dólares e ele recusou-se a pagar. O cafetão, perdendo a paciência, pegou o seu dinheiro e deu um soco no estômago de Holden, deixando-o em seu quarto em meio a delírios, acreditando até mesmo que ia morrer.

Na manhã seguinte, ele ligou para Sally, uma garota com a qual ele costumava sair e eles combinaram de ir ao teatro. Holden arrumou suas malas, pagou o hotel e foi embora sem nem ao menos ver o ascensorista novamente.

As malas foram deixadas em um armário da estação e ele foi tomar seu café antes do encontro. À tarde, ele encontrou-se com Sally, os dois foram ao teatro e depois à uma pista de patinação. Lá, ele propôs à Sally que os dois fugissem juntos apenas com o dinheiro que ele tinha ( o que nesse momento já era praticamente nada). Sally considerou-o um louco e recusou a proposta. Após ter ofendido a garota, Holden vai embora e deixa-a sozinha. De noite, vai à um bar e fica embriagado. Quando melhora do porre, ele decide ir até sua casa conversar com sua irmã Phoebe, mesmo correndo o risco de ser apanhado por seus pais. Ele adorava sua irmã mais nova.

Chegando lá, ele sobe até o apartamento, abre a porta e vai até o quarto de seu irmão D.B. que era escritor em Hollywood e que, portanto, não estava em casa. Ele sabia que sua irmã gostava de dormir lá quando D.B. não estava em casa. Ele acendeu a luz da escrivaninha, sentou na cama e ela acordou, dando-lhe um forte abraço de alegria. Como ela era muito esperta, após alguns minutos de conversa percebeu que ele só estava ali naquele momento porque havia sido expulso do colégio. Ela desespera-se falando que o pai deles iria matá-lo quando soubesse. Como seus pais haviam saído, Holden aproveitou para dar um telefonema para seu ex-professor e pedir-lhe “hospedagem” em sua casa até poder votar para casa de seus pais.

Quando ele voltou a conversar com Phoebe, ela começou a questioná-lo em relação as coisas que ele gostava na vida, já que ele criticava tanto o colégio e as pessoas que lá estudavam. Holden disse à ela que gostava do irmão dele, o Allie, menino que havia morrido aos dez anos de leucemia e a quem Holden realmente admirava. Logo depois, ela começou a questioná-lo sobre o que ele queria ser, se era um advogado ou coisa parecida. Ele então respondeu que queria ser um “Apanhador no campo de centeio” e explicou que seria o único adulto em meio a muitas crianças que brincavam no campo de centeio e que, caso alguma delas se distraísse e fosse cair no precipício, ele apareceria de algum lugar e não deixaria a criança cair.

Depois de muito conversarem e, até mesmo dançarem, os pais de Holden chegaram. Ele correu para se esconder no armário. A mãe dele entrou no quarto, conversou com Phoebe e foi embora. Ele saiu do armário e, antes de ir embora, pediu emprestado o dinheiro que sua irmã havia guardado para o Natal. De lá, ele seguiu para a casa de seu ex-professor. Chegando lá, o professor lhe deu conselhos, conversou muito com ele e depois arrumou sua “cama” no sofá. Holden já estava quase desmaiando de tanto sono que sentia. Sendo assim, ele dormiu rapidamente, acordando apenas no momento em que sentiu algumas carícias em sua cabeça. Quando abriu os olhos e percebeu que era seu professor que fazia as carícias, ele ficou extremamente nervoso, vestiu-se rapidamente e saiu da casa dizendo que tinha que pegar sua mala na estação. O professor, não entendendo o que estava ocorrendo, considerou Holden um garoto “muito esquisito”.

Holden foi para a estação, pegou sua mala e adormeceu num banco até o momento em que a estação começou a ficar movimentada. Pela manhã, ele parou para refletir sobre o ocorrido e pensar se não fora precipitado em achar que seu professor era um homossexual, mas já era tarde. Ele então teve a idéia de ir embora, de ir para o oeste do país pegando caronas.

Após essa fabulosa idéia, ele decidiu que deveria despedir-se apenas de sua irmã Phoebe. Mandou então um bilhete para ela na escola, dizendo que fosse encontrá-lo em frente ao museu na hora do almoço. Ela foi, mas não foi sozinha, levou sua mala consigo. Holden não aceitou de forma alguma que ela fugisse com ele e ficou extremamente irritado. Ela, por sua vez, ficou magoada com o irmão e não quis voltar para a escola a tarde. Ele, tencionando agradá-la, propôs que os dois fossem ao Jardim Zoológico. Ela aceitou. Eles foram ver os animais e, durante o passeio, eles avistaram um carrossel. Holden sabia que sua irmã adorava andar no carrossel e comprou um bilhete para ela brincar com os cavalinhos. Quando ela subiu no brinquedo, começou um dilúvio. Todos correram para debaixo da proteção do carrossel, menos ele que ficou apreciando sua irmã rodar e rodar no carrossel, quase chorando por estar diante de tamanha beleza.

…e a história termina do ponto onde ele começou a contar: hoje ele está em um sanatório fazendo tratamento psicanalítico.

III. Crítica da Obra

Nesta parte do trabalho nosso intuito é mostrar a opinião dos críticos literários sobre a obra e o autor.

Harold Roth declara “Este livro poderá ser um choque para muitos pais que se indagam sobre os pensamentos e ações dos jovens, num efeito salutar. Uma obra adulta (muito franca) e altamente recomendada”.

Para Arthur Mizener “J. D. Salinger é provavelmente o mais avidamente lido autor com legítimas pretensões da sua geração”.

James Yaffe diz “ Salinger escreveu um livro com vida, sentimento e sinceridade – raras qualidades nos nossos dias. Torna-se capaz de compreender a mente dos adolescentes”. Outro comentário importante que ele faz é que “livro de culto, proibido ou recomendado, à prova de tempo, avant-letrista da época das flores nos cabelos, The Catcher in the Rye foi-se tornando mais imprescindível que obrigatório. Um hino-reduto à inocência perdida”.

Para finalizar separamos o comentário de Charlotte Alexander sobre a obra “Perante o corrosivo materialismo, Holden purga-se pela queda, sem se esquecer de denunciar as incompatibilidades do sistema escolar, as linhas demasiadas cruzadas do diálogos pais – filhos e de defender a infância, (…) na personagem o desejo de pré-adolescência é transmutação do saudosismo por uma América tão pura quanto selvagem: o continente mítico dos puritanos, o farol do mundo, o neo-éden, a última grande oportunidade de, na terra nova, refazer sem vícios nem pecado, a história Humana”.

IV. Análise da Obra

Os tradutores de “The Catcher in the Rye “ fizeram três traduções para o título da obra, são elas: O Apanhador no campo de centeio, Agulha em palheiro e Apanhador na seara.

Clássico da moderna literatura americana desde o momento em que chegou as livrarias, em 1951, The Catcher in the Rye levaria mais dois anos para ser traduzido no Brasil, por um trio de aficionados (os diplomatas Alvaro Alencar, Antônio Rocha e Jório Dauster) e com o título de O Apanhador no Campo de Centeio. É essa a tradução que acaba de ser reeditada entre nós, com capa nova (de Liberati) e um trabalho de marketing dirigido especialmente ao público juvenil.

O livro prevê uma realidade avançada para sua época, ou seja, Salinger consegue em seu livro demonstrar atitudes que só após trinta anos foram comprovadas realmente.
Uma boa fatia do sucesso deste romance deve-se precisamente à verossimilhança da personagem principal. Clinton Fadiman explica: “O Apanhador no Campo de Centeio é um raro milagre da ficção. Holden é real, não obstante ter sido feito apenas de tinta, papel e imaginação.”

O apanhador no campo de centeio, numa narrativa em primeira pessoa, relata alguns dias na vida do adolescente Holden Caulfield, que acaba de ser expulso da sua terceira escola bem às vésperas do natal, nos EUA do pós-guerra. Numa linguagem simultaneamente criativa e coloquial (o que dificulta a vida dos tradutores), Holden vai revelando, aos poucos, algo sobre o seu passado, sua família e seus conhecidos, ao mesmo tempo em que vagueia por New York pulando de uma encrenca para outra. E, para alguém entediado e deprimido como ele, nada melhor que uma encrenca para manter o interesse.

Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga…” (p.07)

“…ia acampar num hotel por uns dias e só voltaria para casa depois do começo das férias.” (p.55)

“- Você é um idiota – falei.-“

“Aí ele me acertou. Nem tentei sair do caminho, ou me esquivar, nem nada. Só senti aquele murro tremendo no estômago.” (p.91)

O fluxo de consciência funciona particularmente bem, pois permite expressar a instabilidade emocional do protagonista.

“De vez em quando eu banco o maluco uma porção de tempo, só para não ficar chateado.” (p.23)

“Se a gente ficasse um pouco por lá e ouvisse todos os cretinos aplaudindo e tudo, tinha que acabar odiando todo mundo que existe na terra, juro que tinha.” (p.122)

“As pessoas estão sempre pensando que alguma coisa é totalmente verdadeira”. (p.13)

Holden – Menino Prodígio

No universo dos seus escritos, Salinger apresenta-nos um menino prodígio, de sensibilidade e inteligência à flor da pele, que em dado momento faz um ajuste de contas com a sociedade materialista e o mundo adulto. Holden recusa-se a crescer e a desertar a infância;

“…estou com dezessete agora – mas de vez em quando me comporto como se tivesse uns treze. E a coisa é ainda mais ridícula porque tenho um metro e oitenta e cinco e já estou cheio de cabelos brancos (…) Apesar disso, às vezes me comporto como se tivesse doze anos.”(p.13)

Holden viaja até o final da inocência, grotescamente revoltado contra a desumanidade, a desvantagem do amor, a ausência de comunicação.

Bem, eu odeio a escola. Pôxa, como detesto o troço – falei. E não é só isso. É tudo. Detesto viver em N.Y. e tudo. Táxis, ônibus da Avenida Madison, com os motoristas gritando sempre…”(p.113)

De fato, a indisciplinada hipersensibilidade de Holden leva-o a não conseguir diferenciar entre bom e mau – tudo se lhe afigura negativo, dada a sua impotência em se purgar. Como um balão, retém a globalidade do fôlego e experiência, adivinhando-se, no final o esgotamento nervoso do anti-herói. Este culminar é pressagiado logo no início da obra, pois Holden anuncia estar num sanatório recuperando-se da queda psicológica.

“…pouco antes de sofrer um esgotamento e de mandarem parar aqui, onde estou me recuperando.” (p.07)

No entanto, o clímax só ocorre no penúltimo capítulo, quando, sob um dilúvio, vê a pequena irmã Phoebe a girar no carrossel e se apercebe da impossibilidade do seu sonho.

“Puxa, aí começou a chover pra burro. Um dilúvio, juro por Deus. (…) Mas nem liguei. Me senti feliz de repente, vendo a Phoebe passar e passar. Pra dizer a verdade, eu estava a ponto de chorar de tão feliz que me sentia. Sei lá por quê. É que ela estava tão bonita, do jeito que passava rodando e rodando, de casaco azul e tudo. Puxa, só a gente estando lá para ver.” (p.179)

Ao longo do livro, o leitor vai apreendendo a sucessão dos falhanços de Holden, na tentativa patética de preservar a inocência pueril, face a um mundo adulto corrupto e desumano. Luta, por exemplo, para apagar os palavrões escritos nas paredes da escola freqüentada pela irmã. E bate-se com o playboy da escola, afim de proteger a pureza platônica da namorada, Jane Gallagher. Pequenas utopias de bolso, próprias de quem acredita poder salvar o mundo.

“Aí ele mandou um murro tremendo e eu capotei. Não me lembro se cheguei a perder os sentidos, mas acho que não.” (p.42)

Holden Caulfield é ao mesmo tempo o herói e o vilão da história. Vítima de si próprio e de sua sensibilidade ao que o cerca, divertidamente mentiroso, assumidamente covarde, parece buscar uma espécie de redenção ajudando desconhecidos e cultuando sua irmãzinha de dez anos.

“Sou o maior mentiroso do mundo.” (p.19)

“Eu só tinha uns treze anos, e meus pais resolveram que eu precisava ser psicanalisado e tudo, porque quebrei todas as janelas da garagem.” (p.37)

Mas o que realmente o incomoda é o vazio e a falsidade das pessoas, que por mais promissoras que pareçam sempre acabarão por se revelar como mais uma decepção. Isto não faz de The Catcher in the Rye exatamente uma leitura animadora, mas ainda assim existe alguns resquício de inocência e ingenuidade infantil em Holden Caulfield, e também um humor (Negro, é claro!) e exagerado, que não deixam o livro afundar num poço de pessimismo e depressão.

“…mas uma velhinha de uns cem anos de idade, estava sentada, batendo a máquina.” (p.170)

“Fui pela escada dos fundos. Por pouco não quebrei o pescoço nuns dez milhões de latas de lixo, mas saí direitinho.”(p.153)

Com efeito, numa passagem sublinhada e simbólica da obra, Holden desabafa à Phoebe.

“…fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto – quer dizer – ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.” (p.147)

Tida por alguns como chave do livro, esta passagem, adverte-se, não roda mais do que algumas vezes na fechadura complexa do texto. Mas elucida. Poderemos aqui entrançar alguns símbolos com os seus significados. O precipício é o pecado. Os garotinhos, a inocência, jogando junto ao perigo. O apanhador, Holden é quem as protege, interpondo-se, e assim evitando a queda – ou seja, o crescimento, a entrada no hostil mundo dos adultos.

Curioso é constatar a justaposição entre esta discreta alegoria e a explicação bíblica (e puritana) dos demônios, como sendo anjos inocentes que caíram, dissolvidos nas profundezas gigantescas.

E a este propósito, o autor brinca com o aspecto fônico dos nomes próprios. Holden Caulfield evoca-nos hold (agarrar) e field (campo) – a sua função é ser o apanhador no campo, título da obra, numa tradução literal.

Phoebe, a irmã de 10 anos de Holden, é sinônimo de pré-adolescência e candura. Protótipo da menina-gênio. É em si que a obsessiva ternura do protagonista vai recair ao querer ver nela a próxima vítima da sociedade adulta. Atente-se no fato de o nome Phoebe remeter para fobia. Porém, o valor da menina não se esgota em ser destinatária da proteção do irmão. Atua como confidente do seu sonho.

“Valia a pena conhecê-la. Juro que ninguém nunca viu uma criança mais bonitinha e esperta do que ela. É esperta mesmo. Por exemplo, na escola ela tira cem em tudo. (…) É impossível não gostar dela. Por exemplo, quando a gente conta alguma coisa, ela sabe direitinho de que diabo é que a gente está falando.” (p.62)

“…Para uma criança ela é muito emotiva. É mesmo. E tem outra coisa, ela escreve livros o tempo todo…” (p.62)

V. Discussão: Colapso Urbano

Nos anos 90, dois americanos cometeram suicídio e deixaram uma nota citando a letra da música “Suicide Solution” do Ozzy. Ao investigar a vida dos suicidas, a polícia descobriu todo tipo de problema, de distúrbios familiares até envolvimento com drogas. É bem discutível dizer até que ponto uma letra pode ser a mola propulsora de um crime. Se assim fosse, todo mundo que lê Edgar Alan Poe ou Byron, seria um criminoso em potencial. Culpar a música e se esquivar das verdadeiras causas do problema.

Ozzy foi absolvido depois de muita dor de cabeça e declarou ironicamente que se for processado mais uma vez por esta razão, quem se mata é ele. Não sei se isto aplica-se ao cinema, onde um aluno de medicina matou vários em São Paulo (durante o filme Clube da Luta), é claro que ele faria alguma coisa destas mais cedo ou mais tarde. Os filmes e a mídia banalizaram a violência de tal maneira que a gente acaba se acostumando com massacres e chacinas.

Um dos sinais do colapso urbano é considerar toda essa brutalidade como parte integrante do nosso cotidiano. Os atores brutamontes como Chuck Norris ou Steven Seagal matam em média 300 pessoas por filme sem mostrar o menor sinal de misericórdia. Isso quando não emendam uma piada de mau gosto logo após ter dado 70 tiros na vítima.

Isto pode confundir a cabeça de um garoto com 15 anos. Até os videogames enveredaram para jogos movidos por uma violência gratuita. Games em que você corta virtualmente a cabeça do adversário não tem nenhum caráter educativo. No meu tempo os jogos eram mais divertidos e menos sádicos.

A violência se espalhou rápido como uma célula cancerígena e atingiu índices alarmantes em vários setores da sociedade, seja no trânsito, no futebol ou nas escolas. É preciso acabar com esse fascínio mórbido que a mídia e a sociedade depositam nas tragédias. Violência como sinônimo de diversão é um péssimo sinal.

Palavras como cordialidade, piedade e altruísmo perderam sentido. Acho que uma das últimas atitudes cordiais que nos separam da barbárie total e dar passagem para ambulâncias nos congestionamentos/ Quando nem isso ocorrer, o mundo vai definitivamente para o caos.

Um louco chamado Mark Chapman inventou de matar John Lennon em 1980 para exterminar com os últimos resquícios dos anos 60. Chapman se declarou influenciado pelo livro Apanhador no Campo de Centeio, clássico de J. D. Salinger que conta um período na vida do caustico personagem Holden Caulfield.

Com justiça ou não, a verdade é que Mark Chapman, ao assassinar John Lennon se dizia inspirado por essa obra. E também que o livro, após ter sido estudado durante vários anos em Portugal, desaparece dos currículos do 12º ano sem deixar rastro.

Mark Chapman pediu a John Lennon que autografasse uma cópia de The Catcher in the Rye, e no mesmo dia assassinou o ex-Beatle.

Conclusão

Concluímos que a obra de J.D. Salinger descreve uma realidade atual e faz um retrato fiel da adolescência, a ficção imita perfeitamente a realidade. O autor não têm limitações para descrever sobre medos e dúvidas que cercam a vida de um jovem de 16 anos, ele dá importância para esta fase.

A personagem principal vive um dilema infernal entre o bem e o mal, em toda narrativa ele vive de desavenças. O objetivo do autor é fazer-nos pensar sobre o comportamento humano, o aspecto moral das personagens envolvidas na trama e a hipocrisia que se instaura na vida de uma pessoa adulta.

Ao lermos a obra nós viajamos com Holden à vários lugares, entretanto, temos um único objetivo: a volta para casa, ou seja, a defrontação com a realidade dura e crua e o final dos sonhos infantis.
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Nota: Os ítens foram renumerados, pois foi extraido o ítem III onde constava a biografia do autor, que está em postagem mais abaixo.
Também, algumas citações com palavras de “baixo calão” foram retiradas para manter o nível do blog. Contudo, isto é apenas um resumo e, não substitui o livro.

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br/

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Clarice Lispector (A Hora da Estrela)

O romance A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, foi publicado pela Francisco Alves Editora,, da qual foram extraídas as citações utilizadas na análise. Rodrigo S.M., narrador onisciente, conta a história de Macabéa, personagem protagonista, vinda de Alagoas para o Rio de Janeiro, onde vivia com mais quatro colegas de quarto, além de trabalhar como datilógrafa (péssima, por sinal). Macabéa é uma mulher comum, para quem ninguém olharia, ou melhor, a quem qualquer um desprezaria: corpo franzino, doente, feia, maus hábitos de higiene. Além disso, era alvo fácil da propaganda e da indústria cultural (para exemplificar, seu desejo maior era ser igual a Marilyn Monroe, símbolo sexual da época).

Nossa personagem não sabe quem é, o que a torna incapaz de impor-se frente a qualquer um. Começa a namorar Olímpico de Jesus, nordestino ambicioso, que não vê nela chances de ascensão social de qualquer tipo. Assim sendo, abandona-a para ficar com Glória, colega de trabalho de Macabéa; afinal, o pai dela era açougueiro, o que lhe sugeria a possibilidade de melhora financeira. Triste, nossa personagem busca consolo na cartomante, que prevê que ela seria, finalmente, feliz… a felicidade viria do “estrangeiro”. De certa forma, é o que acontece: ao sair da casa da cartomante, Macabéa é atropelada por Hans, que dirigia um luxuoso Mercedes-Benz. Esta é a sua “hora da estrela”, momento de libertação para alguém que, afinal, “vivia numa cidade toda feita contra ela“.

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta, continuarei a escrever. (…) Pensar é um ato. Sentir é um fato.”

Existe a necessidade constante de descobrir-se o princípio, mas o homem, limitado que é, não conhece a resposta a todas as perguntas. A personagem narradora não é diferente dos outros homens, porém, mesmo sem saber tais respostas, de uma coisa ela tem certeza e, por isso, ela afirma: “Tudo no mundo começou com um sim.” É preciso dizer sim para que algo comece, por isso, ela diz “sim” a Macabéa. Alguém que forçou seud nascimento, sua saída de dentro do narrador, tornando-se a nordestina, personagem protagonista de seu romance.

É o grito do narrador que aparece no corpo de Macabéa:

Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás – descubro eu agora – também não faço a menor falta, e até o que eu escrevo um outro escreveria. Um outro escritor sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.”

Assim, ela é uma entre tantas, pois quem olharia para alguém com “corpo cariado”, franzino, trajes sujos, ovários incapazes de reproduzir? Com ela o narrador identifica-se, pois ele também nada fez de especial (qualquer um escreveria o que ele escreve); teria de ser escritor, mas nunca escritora; por outro lado, não se pode esquecer de que quem escreve é Clarice Lispector, conforme se afirma na dedicatória. Dessa forma, desencadeia-se, na primeira parte do livro, todo um processo de metalinguagem, que entrecortará a narrativa até o seu desfecho. O narrador homem – Rodrigo S. M. – tecerá reflexões sobre a posição que o escritor ocupa na sociedade, seu papel diante dela e, principalmente, sobre o processo de elaboração da escritura de sua obra:

Escrevo neste instante com prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e coagular em cubos de geléia trêmula.

Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – que cada um reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espíirito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa do que ouro – existe a quem falte o delicado essencial. Proponho-me a que não seja complexo o que escreverei, embora seja obrigado a usar as palavras que vos sustentam. A história – determino com falso livre arbítrio – vai ter uns sete personagens e eu sou um dos mais importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S. M. Relato antigo, este, pois não quero ser modernoso e inventar modismos à guisa de originalidade. Assim é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e chuva caindo.”

Ironizando, repetidas vezes, o desejo que os leitores têm da narrativa tradicional, Clarice Lispector (aqui transfigurada no narrador Rodrigo S. M.), em contrapartida, não abre mão de suas características mais marcantes, ou seja, a reflexão, o elemento acima do enredo, o “silêncio e a chuva caindo“, que marcarão a personagem protagonista.

Como contar a vida sem menti-la? Para isso, pondera o narrador, a narrativa há de ser simples, sem arte. O narrador está enjoado de literatura. Não usará “termos suculentos”, “adjetivos esplendorosos”, “carnudos substantivos“, verbos “esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação”. A linguagem deve ser despojada para ser precisa e para poder alcançar o corpo inteiro e vivo da realidade. Como escreve o narrador?

“Verifico que escrevo de ouvido assim como aprendi inglês e francês de ouvido. Antecedentes meus do escrever? Sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim de algum modo um desonesto. (…) Que mais? Sim, não tenho classe social, marginalizado que sou. A classe alta me tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca vem a mim.”

Chegamos, aqui, ao ponto mais importante desse trabalho de metalinguagem: a consciência do escritor como um marginalizado.

É aqui que o narrador se funde com sua personagem: ambos são marginalizados, num espaço que não os aceita. Tal fusão se dá em todos os níveis – não apenas no desejo de simplicidade da linguagem despojada; para poder falar de Macabéa, o escritor torna-se um trabalhador braçal, faz-se pobre, dorme pouco, adquire olheiras fundas e escuras, deixa a barba por fazer, lidando com uma personagem que insiste, com seus dezenove anos, mesmo tendo “corpo cariado“, comparada a uma “cadela vadia”, “numa cidade toda feita contra ela“, em viver. Assim, personagem e narrador dão seu grito de resistência em busca da vida. A resistência de Macabéa pode ser representada, por exemplo, nos momentos em que sorri na rua para pessoas que sequer a vêem; a resistência do narrador, na busca da palavra, cheia de sentidos secretos… a “coisa”, que, quando não existe, deve ser inventada (o narrador escritor como senhor da criação). Tanto Macabéa como a palavra são pedras brutas a serem trabalhadas. A palavra será a mediadora entre o narrador e o leitor, e entre o leitor e Macabéa, pois é por meio dela que conheceremos a história da personagem, os fatos e, principalmente, o nascimento deles.

O narrador, ao contar Macabéa, conta a si mesmo, não só pelas sucessivas identificações com a personagem, mas porque ela sai de dentro de si, imanente que é a ele (“pois a datilógrafa não quer sair de meus ombros.”) . Dessa união, nasce uma nordestina vinda de Alagoas para o Rio de Janeiro. Datilógrafa, “o que lhe dava alguma dignidade“, fazendo-a acreditar que tal profissão indicava que “era alguém na vida” (aqui, não lhe passa pela cabeça que é uma péssima profissional, semi-analfabeta… ela não tem consciência de nada disso). Alguém com aparência bruta, capaz de enojar suas quatro companheiras de quarto (na pensão onde morava), trabalhadoras das Lojas Americanas:

“… dormia de combinação de brim, com manchas bastante suspeitas de sangue pálido (…) Dormia de boca aberta por causa do nariz entupido. Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho distraidamente examinou as manchas do rosto. Em Alagoas chamavam-se ‘panos’, diziam que vinham do fígado.

Disfarçava os panos com grossa camada de pó branco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento. Ela toda era um pouco encardida pois raramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio. Assoava o nariz na barra da combinação. Não tinha aquela coisa delicada que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela.”

Sua falta de percepção física acompanha a psicológica. Começa com o fato de ela ser alvo fácil da sociedade consumista e da indústria cultural: gosta de colecionar anúncios; seus parcos conhecimentos são extraídos da Rádio Relógio (informações ouvidas, mas nunca entendidas); gosta de cachorro-quente e coca-cola. Aceita tudo isso sem questionar, pois teme as conclusões a que pode chegar (arrepende-se em Cristo por tudo, mesmo não entendendo o que isso significa; não se vingava porque lhe disseram que isso é “coisa infernal“; apaixona-se pelo desconhecido, como no caso da palavra “efemérides”, mas nunca procurava, efetivamente, conhecer o incognoscível, pois era mais fácil aceitar aceitar-lhe a existência e admirá-lo a distância).

Conseqüentemente, torna-se personagem “torta”, de tanto encaixar-se num meio que tanto a repele. O próprio emprego de datilógrafa é revelador: ela o era por acreditar que este lhe dava alguma dignidade. Buscava a dignidade, como se não tivesse direito a ela. Outro dado revelador é seu relacionamento com Olímpico, desculpando-se com ele todo o tempo, chegando a dizer-lhe que não é muito gente, que só sabe ser impossível. Ela não se defende por seus próprios valores, mas tenta adaptar-se aos valores do namorado, nunca discutindo a validade deles. Olímpico representa o contraponto em relação a Macabéa. Seus valores em nada se relacionam aos dela: metalúrgico, quer ser deputado, afastar-se de Macabéa e ficar com Glória, a loira oxigenada, colega de trabalho de Macabéa; afinal, o pai dela era açougueiro, o que lhe dava maiores perspectivas de vida. E tudo isso é, literalmente, engolido, tão deglutido, que ela não admite a idéia de vomitar; afinal, isso seria um desperdício.

Ao mesmo tempo, é sensual em seus pensamentos, ou nos momentos de solidão, como quando viu o homem bonito no botequim, ou ainda quando ficou em casa – ao invés de ir trabalhar – vivendo a sensação de liberdade. O prazer em Macabéa é algo que sempre se alia à dor. Ao ver o homem, por exemplo, apesar do prazer que tal visão lhe dá, há o sofrimento por não o possuir e por ter a certeza de que alguém assim é mesmo só para ser visto. Macabéa já havia experimentado essas sensações contraditórias com outra pessoa, a tia, que, ao bater na menina, sentia prazer ao vê-la sofrer: “… e ela era só ela”, imune à vida, vida que era morte, por tanta aceitação. O instinto de vida, que está ligado ao prazer, vem sustenta-la. Diz o narrador: “Penso no sexo de Macabéa (…) seu sexo era a única marca veemente de sua existência.” E ainda, mais adiante, ligando o prazer à morte: “Ela nada podia mas seu sexo exigia, como um nascido girassol num túmulo.” De que “relação sexual” se pode falar no caso de Macabéa? Da relação com a própria vida, que ela insiste em manter, no seu conceito tão particular de beleza: usava batom vermelho, queria ser atriz de cinema com Marylin Monroe, apreciava os ruídos, pois eram vida.

Essas sensações se intensificam quando vai à cartomante Carlota (por recomendação de Glória), no momento em que esta lhe revela: a felicidade viria de fora, do estrangeiro. A cartomante mostra-lhe a tragédia que é sua vida (coisa de que, até o momento, não havia tomado consciência), mas, ao mesmo tempo, dá-lhe a esperança de acreditar que as coisas poderiam ser diferentes… a possível felicidade. Quando sai da casa da cartomante, é atropelada por Hans, que dirigia um automóvel Mercedes-Benz, momento em que a vida se torna “um soco no estômago”:

Por enquanto Macabéa não passava de um vago sentimento nos paralelepípedos sujos. (…) Tanto estava viva que se mexeu devagar e acomodou o corpo em posição fetal. Grotesca como sempre fora. Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada.

Era uma maldita e não sabia. (…)”

A morte dela é o momento em que Eros (Amor) se une a Tanatos (Morte), vida e morte, num momento doce, e sensual:

Então – ali deitada – teve uma úmida felicidade suprema, pois ela nascera para o abraço da morte. (…) E havia certa sensualidade no modo como se encolhera. Ou é como a pré-morte se parece com a intensa ânsia sensual? É que o rosto dela lembrava um esgar de desejo. (…) Se iria morrer, na morte passava de virgem a mulher. Não, não era morte pois não a quero para a moça: só um atropelamento que não significava sequer um desastre. Seu esforço de viver parecia uma coisa que se nunca experimentara, virgem que era , ao menos intuíra, pois só agora entendia que mulher nasce mulher desde o primeiro vagido. O destino de uma mulher é ser mulher. Intuíra o instante quase dolorido e esfuziante do desmaio do amor. Sim, doloroso reflorescimento tão difícil que ela empregava nele o corpo e a outra coisa que vós chamais de alma. (…) Nesta hora exata, Macabéa sente um fundo enjôo de estômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas.

O que é que eu estou vendo agora é e que me assusta? Vejo que ela vomitou um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o âmago tocando no âmago: vitória!” Sua boca, agora, vermelha como a de Marylin Monroe, no apogeu orgásmico da morte, grita, pela primeira vez, depois de vomitar, à vida:

“E então – então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra, o macio gato estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida.”

Chegamos, afinal, ao momento da epifania do narrador fundido à Macabéa: é a vida que grita por si mesma, independente da opressão e da marginalização social.

O momento, entremeado com silêncio, da consciência a que se chega pelo ato de escrever:

“(…) O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc. , etc., etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada. Eu vos pergunto: – Qual é o peso da luz? E agora – agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim.”

Enfim, descobrimos, agora, que tudo começa e acaba com um sim. Também é preciso coragem para morrer, silêncio para ouvir o grito da vida.

Fonte:
Resumos de Livros

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Ivan Jaf (O Vampiro que Descobriu o Brasil)

O enredo vai do Descobrimento do Brasil aos dias atuais, passando por fatos e personagens mais conhecidos – como Tiradentes, Dom Pedro I e Getúlio Vargas. O autor usa uma linguagem simples e concisa, que leva o leitor diretamente para o centro dos acontecimentos, com muito humor. O taberneiro Antônio Brás é mordido por um vampiro na Lisboa de 1500. Desesperado, descobre que para desfazer a maldição precisa encontrar seu agressor. Enraivecido por não poder mais ser um mortal como seus pares, busca a solução para o seu terrível problema. Descobre que seu agressor está entre a tripulação de Pedro Álvares Cabral, a caminho das Índias. Antônio consegue se infiltrar no navio, levando uma informação que poderá ajudá-lo na caçada: o vampiro que o mordeu tem tanta sede de sangue quanto de poder (perceba nisso uma crítica a certos políticos).

Antônio descobre que o Velho, como é conhecido esse vampiro, sempre utiliza personagens famosos para incorporar sua alma. Do desembarque inicial nas terras descobertas, passando pela invasão dos holandeses, pela Inconfidência Mineira, pela Independência, o Estado Novo e o período da Ditadura Militar, chegando ao período do Plano Real, uma trama bem armada que utiliza a figura de um vampiro desajeitado para criticar os momentos mais dramáticos da não menos atrapalhada história brasileira, povoada de “chupadores de sangue”.

Segundo o próprio autor em entrevista, concedida ao professor Wagner Lemos, sobre como surgiu a história desse romance:
O Vampiro surgiu da necessidade de contar os 500 anos do Brasil visto por um único personagem. Ele precisava ser imortal. Acho que me inspirei em tudo que já li e assisti sobre os
Vampiros
. “

Sobre as suas intenções ao escrever a obra:
Eu quis passar em revista a história do Brasil nesses últimos 500 anos, de uma maneira crítica e, espero, divertida, como um incentivo a que os leitores se aprofundem mais no assunto. Eu acredito que saber sobre a História do homem branco nestas terras faz a pessoa querer mudar as coisas, tentar impedir que elas não se repitam. “

O objetivo central dessa narrativa em terceira pessoa é, através de uma história bem humorada, estabelecer uma visão crítica de fatos marcantes da História do Brasil. Assim, com fins didáticos, vamos dividir a narrativa por fases da História brasileira.

Síntese:
Antonio que trabalha em uma taberna em Portugal pensa na vida, quando um homem que ficara por muito tempo no estabelecimento e que não parecia querer ir embora, ao ser informado de que a taberna iria fechar se transtorna, seus olhos se tornam bolas vermelhas brilhantes e surgem em sua boca caninos grandes e ataca Antonio. A partir de então Antonio se torna um vampiro e só tem certeza disso ataca uma ratazana para beber-lhe o sangue num ato impetuoso. Depois foi informado de sua nova condição por um outro vampiro chamado Domingos, que se dizia ser amigo de Antonio e não concordar com que o Velho fizera ao taberneiro dizendo-lhe que para solucionar sua vida retornando à condição humana teria que enfiar uma estaca de carvalho no coração do vampiro que o mordera. Domingos também informou que o Velho gostava de estar em lugares importantes junto a pessoas e eventos de mesmo modo importantes. Assim começa uma série de perseguições e escapadas fantásticas
do Velho.

Durante a invasão holandesa, Antonio teve seu segundo encontro com o Velho. O vampiro estava usando o corpo de Calabar, personagem histórico, que traiu o Brasil para ficar ao lado dos holandeses.

Reeleição de Fernando Henrique Cardoso, cujo nome não é citado, mas apenas indicado cronologicamente em: “Antônio chegou a Brasília num final de tarde seco, em janeiro de 1999. O Presidente reeleito tomara posse há poucas semanas”.

Desfecho com a morte do vampiro que havia mordido o protagonista. Antonio marca um encontro com o vice-presidente, o qual se dirige ao escritório de Antonio e lá eles conversam sobre o que acontecera ao antigo taberneiro. Numa astuciosa armadilha preparada na poltrona em quer estava o vice-presidente o vampiro malfeitor é morto.

Dicas:
A lenda da mula-sem-cabeça é justificada de maneira criativa no romance. Uma mula teria se tornado vampira após servir de fonte de alimento para Antonio, uma vez que ele não queria se alimentar de sangue humano. O animal começou a atacar cavalos e foi surpreendido por soldados que, aprisionando-o, cortaram sua cabeça. Surgindo assim a famosa mula-sem-cabeça.

Outra dica:
Antonio vai se cansar de ser pobre e viver vagando por aí e vai começar a ganhar dinheiro usando o seu sentido sobrenatural de vampiro (a princípio jogos e depois investimentos financeiros). Enriquecendo, ele acredita que será mais fácil de encontrar com o Velho, haja vista que, este gosta de andar junto ao poder.

FASES HISTÓRICAS
Inicio da colonização

Invasão Holandesa:
Exploração de Minérios e Inconfidência Mineira (9-11):
Chegada da família real portuguesa ao Brasil e o inicio do Primeiro Reinado (12-15):
Segundo Reinado, abolição da escravatura e Proclamação da República, crise do café (16-18)
Era Vargas: (19)
Década de 60 – século XX (20) –
Eleição de Jânio Quadros e golpe militar de 64.
Progresso e decadência da ditadura militar com a abertura política, incluído nisso o movimento “Diretas Já” (21)
Eleição e morte de Tancredo Neves e conseqüente ascensão de José Sarney ao poder (22)
Inicio da século 21 com a reeleição de FHC.
Binômio mudança/permanência como fio condutor da leitura bem humorada, mas crítica, do Brasil numa perspectiva histórica.
– Leitura do “Brasil/Atualidades” através dos fatos históricos.

Segundo o setor educacional da editora Ática existem essas possíveis abordagens interdisciplinares:

Língua Portuguesa
– Foco narrativo em terceira pessoa com narrador onisciente, onipresente e intruso com inserções provocativas à criticidade do leitor-cidadão (ver trechos em itálico nas páginas do livro).
– A língua portuguesa de Portugal e do Brasil: semelhanças e diferenças. Os regionalismos.

História
– A realidade socioeconômica do Brasil atual como conseqüência dos diferentes fatos históricos que permearam nossas relações de política interna e externa.
– O poder político e o poder econômico.
– Os ciclos econômicos mundiais e as diferentes etapas da história do Brasil.

Ciências (Biologia)
– A lenda do vampiro (século XV ao XIX) na Europa oriental, as epidemias de raiva e sua relação com o morcego.

Geografia
– Os acontecimentos econômicos que marcaram a história do mundo e em particular a do Brasil numa perspectiva geopolítica (o espaço e o poder, o Estado e o território).

Ainda segundo a mesma editora, são temas transversais:

Ética
– As atitudes e os valores que organizaram as relações humanas ao longo da nossa história. As mudanças e as permanências desses valores no momento atual da história do Brasil.

Pluralidade Cultural
– O povo brasileiro como produto do entrelaçamento de várias culturas.

Meio Ambiente
– A soberania das questões econômicas na relação homem e meio ambiente ao longo do processo histórico.

Trabalho e Consumo
– As relações entre poder econômico, trabalho e consumo ao longo da história do Brasil.

Fonte:
http://www.wagnerlemos.com.br/

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Aluísio de Azevedo (A Mortalha de Alzira)

A mortalha de Alzira é o oitavo romance de Aluísio Azevedo, já conhecido do público leitor por obras como O mulato, de 1881. Publica A mortalha de Alzira sob o pseudônimo de Vítor Leal, em forma de folhetim, no jornal Gazeta de Notícias, de 13 de fevereiro a 23 de março de 1891. Em 1892 A mortalha de Alzira publicado em volume, alcançando muito sucesso: foram vendidos 10.000 exemplares em três anos, o que, na época, foi considerado um recorde. A mortalha de Alzira é o único livro do autor que se passa na sua íntegra fora do país, na França, no período do reino de Luís XV, século XVIII, nos arredores de Paris.

Sua história é a eterna luta entre a fé e o erótico: o padre Angelo busca desesperadamente reprimir sua paixão pela cortesã Alzira. Mostra também Aluísio Azevedo a corrupção da Igreja, sua ligação com a aristocracia em processo de decadência. Aluísio Azevedo viveu num período em que a luta da fé contra o livre pensamento estava na ordem do dia: no Brasil, o comportamento do clero, devasso e corrupto, levava os escritores a uma posição anticlerical, e A mortalha de Alzira pode ser considerado um documento nesse sentido. Os romances-folhetins eram em geral romances românticos, mas, quando do início da escola naturalista, faziam muito sucesso os elementos naturalistas que, convivendo com a intriga romântica, passaram a aparecer nos folhetins. Neste momento, na França, havia uma forte onda anticlerical, com a campanha pela criação das escolas leigas.

Da França (Zola) e Portugal (Eça de Queirós) vieram as principais influências da escola naturalista, inaugurada por Aluísio Azevedo com O mulato. Em A mortalha de Alzira encontramos elementos românticos (sonhos, devaneios) e naturalistas. A corrente naturalista no Brasil seguiu o período de mudanças profundas por que passava a sociedade brasileira: decadência da estrutura agrária; fim da guerra do Paraguai; movimentos abolicionistas; luta da Igreja Católica contra a Maçonaria; a vida urbana e seus trabalhadores livres; revolução nas ciências. Em todo o mundo, houve avanços nas pesquisas científicas e na avaliação da importância do conhecimento científico. Falava-se do mundo racional, em oposição ao mundo fantasioso e cristão, de verdades absolutas, do período medieval. A literatura da era “materialista” no Brasil desdenhará o sentimento, e com ele o sentimentalismo romântico, indo buscar a “verdade” dos fatos precisamente observados e recolhidos documentalmente.

É neste contexto que as questões individuais de anomalias de comportamento (como o sacerdote, de A mortalha de Alzira) tiveram um preponderante papel: ao investigar através da ciência que se desenvolvia à época o comportamento humano, os autores naturalistas queriam afirmar os condicionamentos do meio sobre o indivíduo; com isso, denunciavam a injustiça de certas instituições e mostravam alguns comportamentos perturbados ou doentios daí decorrentes. Em A mortalha de Alzira o crítico Moisés Massaud considera inovador o fato que o histérico seja um homem, no caso um padre; pois, até então, eram as mulheres as histéricas, e vários romances à época trataram do tema da histeria feminina. Também considera importante o fato de que Aluísio Azevedo denuncia a educação recebida pelo sacerdote como a razão de seu infortúnio, por não lhe ter permitido escolher um outro destino. A figura do médico, muito comum nos romances naturalistas, também está presente em A mortalha de Alzira (o dr. Cobalt), confundindo-se com o próprio romancista, pois é quem investiga o comportamento da personagem/paciente.

Fonte:
http://www.resumosdelivros.com.br/

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João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina)

Retirantes (Cândido Portinari)
Morte e Vida Severina, o texto mais popular de João Cabral de Melo Neto, é um auto de natal do folclore pernambucano e, também, da tradição ibérica. Foi escrito entre 1954-55.

Naquela ocasião, Maria Clara Machado, que dirigia o teatro Tablado, no Rio, pedira que João Cabral escrevesse algo sobre retirantes. O poeta escreveu, então, um grupo de poemas dramáticos, para “serem lidos em voz alta” e os dedicou a Rubem Braga e Fernando Sabino, “que tiveram a idéia deste repertório”.

Morte Vida Severina tem como subtítulo Auto de Natal pernambucano e tem inspiração nos autos pastoris medievais ibéricos, além de espelhar-se na cultura popular nordestina.

É por esse motivo que, no poema, João Cabral usa preferencialmente o verso heptassilábico, a chamada “medida velha”, ou redondilha maior, verso sonoroso e facilmente obtido.

Morte e Vida Severina estruturalmente está dividida em 18 partes; no entanto, outra divisão muito nítida pode ser feita quanto à temática: da parte 1 a 9, compreende-se o périplo de Severino até o Recife, seguindo sempre o rio Capibaribe, ou o “fio da vida” que ele se dispõe a seguir, mesmo quando o rio lhe falta e dele só encontra a leve marca no chão crestado pelo sol. Da parte 10 a 18, o retirante está no Recife ou em seus arredores e sofridamente sabe que para ele não há nenhuma saída, a não ser aquela que presenciou no percurso: a morte.

Sua linha narrativa segue dois movimentos que aparecem no título: “morte” e “vida”. No primeiro, temos o trajeto de Severino, personagem-protagonista, para Recife, em face da opressão econômico-social, Severino tem a força coletiva de uma personagem típica: representa o retirante nordestino. No segundo movimento, o da “vida”, o autor não coloca a euforia da ressurreição da vida dos autos tradicionais, ao contrário, o otimismo que aí ocorre é de confiança no homem, em sua capacidade de resolver os problemas sociais.

O auto de natal Morte e Vida Severina possui estrutura dramática: é uma peça de teatro. Severino, personagem, se transforma em adjetivo, referindo-se à vida severina, à condição severina, à miséria.

O retirante vem do sertão para o litoral, seguindo a trilha do rio Capibaribe. Quando atinge o Recife, depois de encontrar muitas mortes pelo caminho, desengana-se com o sonho da cidade grande e do mar.

Resolve então “saltar fora da ponte e da vida”, atirando-se no Capibaribe. Enquanto se prepara para morrer e conversa com seu José, uma mulher anuncia que o filho deste “saltou para dentro da vida” (nasceu).

Severino assiste ao auto de natal (encenação comemorativa do nascimento). Seu José, mestre carpina, tenta demover Severino da resolução de “saltar fora da ponte e da vida”.

Em forma de poema a peça apresenta a história de um dos tantos Severinos de Maria, filhos de Zacarias que saíam da Paraíba pra fugir da velhice que mata os jovens aos trinta anos, da seca e da fome.

Este Severino parte das terras à beira da serra e segue o caminho para o Recife, no caminho encontra-se com dois homens que levam um defunto. Esse havia morrido de “morte matada” em uma emboscada por uma bala que estava perdida no vento. Tinha uma pequena terra onde plantava. Severino então ajuda a levar o defunto ao cemitério que cruzava seu caminho e assim seguiu ele com um dos homens e o falecido.

Quem guiava o caminho de Severino era o Rio Capibaribe, mas ele havia sido cortado pelo verão. Ele encontra em uma cidade um homem sendo velado. Mais tarde resolve parar no local onde está e interromper sua jornada e tenta ali encontrar um trabalho, mas na cidade o que ele sabe fazer, plantar e pastorear, não tem serventia, pois o único negócio da cidade é a morte.

Severino segue na sua emigração e chega à Zona da Mata, uma terra macia diferente da que ele conhecia. Ali ele acredita que a vida não é vivida junto com a morte e que nessa terra o cemitério praticamente não funciona. Ele acaba por ouvir a conversa de amigos de um morto recém enterrado e resolve seguir mais rápido para chegar logo ao Recife.

Ele não esperava muita coisa do destino, apenas seguia para escapar da velhice que chegava mais cedo na sua terra. Não tinha grandes ambições. Finalmente Severino chega ao Recife, quando pára pra descansar ao lado de um muro ouve a conversa de dois coveiros. Cada um fala sobre a área do cemitério em que trabalha e como ali há muitos mortos e assim, muito serviço, e como nas outras áreas há menos enterros e ainda se ganha gorjeta.

Os dois ainda falam sobre as pessoas que migram do sertão e que só tendo o mar pela frente se instalam, vivem na lama e comem siri; e depois que morrem são enterrados no seco. Antes fossem jogados nos rios, seria mais barato e acabaria no mar sem mais problemas.

Severino se surpreende, vê que migrara seguindo o seu enterro, mas já que não viajou esperando grandes coisas segue o rio que, segundo os coveiros, faria um enterro melhor. Anda e se encontra com um morador da beira do rio. Ficam ali falando sobre o rio, sobre a fome e sobre a vida. Até que José, o morador, é chamado, seu filho nascera.

Severino fica de fora sem tomar parte em nada, os vizinhos chegam, cumprimentam os pais, dão presentes que sua pobreza permite, falam sobre o menino e ainda duas ciganas falam sobre o futuro dele.

Por fim, o recém pai fala a Severino que a pergunta dele sobre a vida ele não sabe responder mais que apenas deve-se viver a vida.
––––––––––––

Trecho Inicial de Morte e Vida Severina

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
–––––––––––––––

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Machado de Assis (A Mão e a Luva)

ENREDO

O romance começa com um diálogo entre Estevão e Luis Alves, no qual Estevão fala a Luis Alves que deseja morrer devido a um relacionamento fracassado, Luis diz a Estevão que se deves morrer, pois bem, mas antes deve passar uma noite com o amigo, na casa de Luis, este, na sala de visita beija a mão de sua mãe, e a pede que leve em seu quarto um chá e a diz que Estevão irá dormir em seu quarto. Estes dois amigos que se conheceram na Academia de São Paulo e se tornaram amigos íntimos, mesmo sendo eles tão diferentes.

O namoro do qual falara Estevão, onde havia visto a sua namorada apenas seis meses antes e desde então se sentia preso a ela, até que certo dia após esses seis meses Estevão lhe disse que voltaria a São Paulo e gostaria de levar um câmbio este como pedindo que se comunicasse com cartas, porém Guiomar, refutou, “- Esqueça isso”, e Luis ouvindo a terceira vez a mesma história. Então, Estevão vai para São Paulo, chegando a São Paulo viu sua paixão morta e enterrada, passando o tempo Estevão volta novamente, porém agora graduado em Ciências Jurídicas e Sociais e Guiomar havia deixado o colégio e ido morar com uma madrinha.

Luis Alves havia se mudado para Botafogo depois de perder a mãe, Estevão ao visitar se depara com uma vizinha moça, muito bonita e não desgruda os olhos dessa moça criando visões com esta, e incrivelmente esta era Guiomar, num entre choque Estevão falou seu nome e está atendeu então se depuseram a conversar e Estevão lhe pediu perdão dois fatos ocorridos há dois anos atrás, e está o perdoou, então esses entraram em um diálogo mesmo que no começo um tanto tacanho, aos poucos foi se tornando mais intenso, porém chega o momento da despedida após um bom tempo de conversa Guiomar o diz que deves ir, pois a baronesa a espera e Estevão a cumprimenta com um ar de graça para com a moça, e a dirige até a casa de sua madrinha a baronesa, que fazia as suas caminhadas pela chácara sempre junto de sua sobrinha Guiomar, havia também na chácara a presença de uma mulher a Mrs. Oswald que era a dama de companhia da baronesa, Guiomar havia falado a sua madrinha que encontrara um homem que era sobrinho da professora, e a baronesa dali em diante ficou preocupada, e chegando a casa falou a Mrs.

Oswald soube o ocorrido e aproveitou para perguntar-lhe sua opinião, a Mrs. Oswald disse que não havia o que se preocupar, pois sua sobrinha jamais se apaixonaria por alguém, mas ressaltou que houve sim algo no passado desses dois, e que pode ser possível que algo aconteça então à baronesa desabafou dizendo que sentia muito amor por Guiomar mesmo não sendo sua filha das entranhas, pois perdera uma que o era e mesmo que fosse esta paixão de um passado ela já havia esquecido o que a baronesa tinha medo era que a sobrinha a deixasse por alguma paixão por interesse de outrem, pois já havia perdido ela uma filha de nome Henriqueta, esta que até o momento em que Guiomar ficaria órfã sem o pai aos sete anos a mãe aos treze, e que, nesse momento a baronesa resolve por esta na escola Henriqueta ainda estava vivia, aos dezesseis anos quando passou para o colégio da tia de Estevão, Guiomar manifestara o desejo de ser professora, pouco tempo depois ocorre algo desastroso Henriqueta vem a falecer, então Guiomar vem a se estabelecer na casa de sua madrinha e busca fazer com que esta esqueça Henriqueta, com hábitos, costumes entre outras coisas corriqueiras entre as duas.

Estevão ao sair do jardim de Luis Alves saia novamente a sentir o que um dia já sentira Estevão não falara nada a Luis Alves, porém sem saber que este havia visto pela fresta da janela, Estevão como não possuía capacidade própria de chegar até Guiomar novamente procura Luis Alves para ajudá-lo, e descobriu que Luis Alves já procurou ter alguma chance com Guiomar, porém esta não aceitou, não disse que a amava, mas que a achava bonita, então Luis ofertou ao amigo uma proposta que a baronesa havia lhe enviado um processo e esse ele passaria para Estevão e este aceitou. Então foi Luis Alves apresentar Estevão a baronesa, na casa Guiomar não pareceu gostar muito da surpresa, mas Estevão gostou e sentia-se feliz, passando isto a Mrs. Oswald pegou tudo no ar, sentindo que havia ali algo de estranho entre esses dois, principalmente ao que se refere aos olhares, e passando o tempo Mrs. Oswald começa a buscar pescar algo de concreto de Guiomar fazendo diversas vezes suposições de tal romance, até que certa vez Guiomar retrucou Mrs. Oswald afirmando que talvez ela tivesse razão, e que os sonhos são tão bons, de que será estava falando de Estevão? Receio que não e sim de um rapaz de vinte e cinco a vinte e seis anos, de nome Jorge que era sobrinho da baronesa, por sinal muito enaltecido pela baronesa.

Estevão depois de sentir que havia de fazer algo a mais que simplesmente estar na sala de conversa com Guiomar, passasse a ter alguma forma de manifestação que a fizesse saber o que ainda este a sentira, certa vez Estevão estava de forma a que Guiomar entendera que estava ao encontro de algo, e esta refutou perguntando o que este havia encontrado, e Estevão sem aprisionar sentimento adjacente, e este se expusera o que sentira de forma precipitada, ao qual acabou não recebendo o que havia esperado, e chegou a admitir seu devaneio por parte do que pensara ser entre ambos, e sua surpresa maior foi que Guiomar admite o seu estulto. Passando isto, permanecera Guiomar a sua vida normal, com o seu passeio matinal com a baronesa, porém sente a baronesa algo de diferente em Guiomar, está que sacrificava todos os seus esforços para contentar a sua madrinha, quando ao meio-dia Guiomar sai com Mrs. Oswald e Jorge aparecem logo depois na casa da baronesa, a qual estava sozinha no momento, e não demorou muito para que esteja, questionasse o seu sobrinho com a questão, de que, Mrs. Oswald lhe havia falado, de que, Jorge gostará de Guiomar, Jorge em um primeiro momento não quis prosseguir com o diálogo e disse que este assunto não cabia a ele conversar com a baronesa, mas a baronesa insatisfeita insistiu que não devia se constranger ao tratar de um assunto de tal significação, então disse Jorge que sim sentira algo de inoperante pensará ele entre ambos, porém a baronesa torna saliente qual seria a sua vontade em torno dessas duas almas de extrema consideração para está, e que seria de muito grado que Guiomar se casasse com Jorge, mas Jorge traz a baronesa diversos momentos que entram em constante detrimento de sua vontade com a de Guiomar, que está não lhe dá nenhuma chance, a baronesa avalia o que este havia dito, e expõe sua opinião dizendo que se ela não o ama ela poderia vir-lhe a amá-lo ou até talvez está finge não amá-lo, isto fez com que desse vida ao que desejava Jorge.

Jorge então, para que não se mingua as suas expectativas, coloca no livro que Guiomar estava a ler uma carta, e esta, contendo o que sentira por Guiomar, ao ir se deitar Guiomar novamente ao ir se deitar, resolve continuar sua leitura e ao abrir o livro encontra um papelzinho, e ao abrir este, vê que, não é um papel comum por possuir ao iniciar o seu nome e ao acabar o de Jorge, começando a ler nota que era algo referente ao sentimento de Jorge com relação a ela, a primeira leitura é feita apenas com curiosidade, fazendo assim, a segundo com analise e reflexão, pondo então a pessoa a que estava ali inserido, porém, decide continuar com a sua leitura usual de seu livro, porém, começará a pensar, se não profundamente a respeito do caso e também da sutileza que este tinha com sua madrinha, que de tal modo não podia enfim, de certa forma, recusar, pois era de extrema importância que agradasse sua madrinha, mas também pensará Guiomar a respeito de Estevão no qual reconhecia partindo dele uma extrema paixão, que não conhecerá em Jorge, fazendo assim, comparações entre os dois pretendentes.

No momento em que Guiomar pensará em rasgar a carta, alguém bate na porta de seu quarto era a Mrs. Oswald, e está disse que havia ouvido passos e algum barulho então resolveu bater no quarto de Guiomar, Mrs. Oswald como percebeu que Guiomar estava ainda a ler seu romance tendo que o livro estava na cabeceira da cama, porém Guiomar respondeu que não havia lido uma linha sequer do romance, pois estava a ler outra coisa, Mrs. Oswald pergunta o que seria, e Guiomar a mostra, mostrando de que é, e exclamando a Mrs. Oswald que era uma brincadeira de muito mau gosto que, está a fizera, Mrs. Oswald por um longo tempo negou estar envolvida nesta história, porém ao final concordou dizendo que este seria de ínfima vontade da baronesa, e que sabia que Jorge sentira algo de intimo por ela e ao falar para a baronesa está, disse que é a coisa que mais deseja e que se tornaria ai sim, completamente feliz, Guiomar então fora levada à reflexão.

Estevão ficou em média seis dias sem aparecer ao trabalho com Luis Alves e em Botafogo, pois Guiomar o perseguira em pensamento, acaba sendo levado a pensar três vezes em suicídio, Estevão vendo um cortejo de funeral, pensara que seria melhor se estivesse ali naquele lugar, tal era sua depressão, até que no sexto dia recebe uma carta de Botafogo, pensara já ser de Guiomar, mas, logo viu que não, que era da baronesa perguntando se havia morrido, e disse que possuía alguma demanda, chegado na casa da baronesa Estevão conversa com está sobre o que era devido e necessário, e por sua vez, não aguentando a pressão de não encontrar Guiomar, pergunta onde está estaria, a baronesa responde que estava dando uma volta, antes que Estevão saísse chegou um carro, Estevão fitou os olhos desesperadamente esperando ver Guiomar, abrindo a porta do carro sai, antes que Estevão oferecesse a sua mão para a saída, foi Mrs. Oswald, Guiomar desceu logo depois onde a mão apertada em sua luva cor de pérola pousou levemente na mão de Estevão, esta agradeceu de uma forma que Estevão estremecesse, e entrando para casa junto com Mrs. Oswald, saindo dali fora Estevão em direção ao escritório.

Estevão chegando ao escritório de deparou a Luis Alves, este com ar de admiração pelo amigo que houvera chegado depois de um longo tempo, em meio a conversa Estevão falou que a baronesa estaria indo para a roça Luis Alves exclamou admirado, e Estevão com sua humanidade comum para com Guiomar ressaltou que não era a favor de que esta fosse com sua madrinha e se caso esta fosse, de fato, este ia também, Luis Alves falou então a Estevão que este, devia esquecer Guiomar, este, não concordou e disse que não estava certo de que Guiomar falava de coração naquela tarde, saindo Estevão do escritório ficou Luis Alves sozinho e pensante quando na porta do gabinete exclama uma voz a perguntar estou atrapalhando, Luis Alves vendo quem era, de forma alguma Jorge, era o sobrinho da baronesa, que vinha pedir algo para Luis Alves, que este consentisse em favor de não deixar que a baronesa viajasse, chegaram então os dois a um consenso, Luis Alves então, vai na casa da baronesa e em meio a uma conversa tendo diversas pessoas presentes na casa da baronesa, espera surgir o assunto da viagem ao surgimento deste, ressalta que não é de sua vontade que isto ocorra, que na sua opinião a baronesa devia esquecer disso, a baronesa ai se defendia de qualquer jeito, mas todos ali estavam descordando dela, até que Guiomar se pronuncia a favor da madrinha dizendo que ela não está velha nem invalida e se está fez de fato a promessa, esta promessa devia ser comprida.

Como para a baronesa a vontade de maior impacto para sua velhice ser de tranqüila felicidade, era que conseguisse casar os dois sobrinhos, porém não sabia a resposta de Guiomar, certa vez, não agüentando mais esperar, Jorge pergunta de forma ainda superficial se haveria algum tipo de relacionamento entre ambos, Guiomar não disse nem que sim e nem que não, e a viagem da sua madrinha faria com que ela se distanciasse um pouco dessas “vontades alheias”. Mrs. Oswald conseguira entender os interesses de Jorge que não era apenas o de casar-se com uma moça bonita, mas, também, o de ficar com a herança da baronesa depois de sua morte, certa vez surge o comentário de que havia aparecido um inimigo no Cantagalo o que animou os que não queriam que a baronesa viajasse, pois foi isso que aconteceu, Luis Alves ficou muito contente.

Após três dias sem ir à casa da baronesa, no quarto recebe um bilhete, que era deste mesmo cumprimentando-o pelo resultado da eleição este, fora eleito deputado, Estevão foi o primeiro a cumprimentá-lo, Luís Alves apressou-se em agradecer a baronesa, Guiomar o recebeu tranqüila, aos passos dados por ambos ele exclamou se ela já o havia perdoado esta não respondeu e saiu, depois de dias volta Luís Alves a casa da baronesa e encontra Guiomar sozinha, esta diz a ele que sua madrinha não tardará a chegar, um tanto nervosa, e Luis Alves pergunta novamente se já havia perdoado, Guiomar parada e num gesto responde a Luis Alves dando sua mão e dizendo que agora o seu destino pertence a ele olhando em cheio para Luís Alves, e este a diz que ainda não, mas se for assim os seus destinos que ele a fará feliz, continuaram dizendo que seu destino está em suas mãos, Guiomar apertou suas mãos e desejou beber da mesma fonte que a dele, mas a baronesa acaba com a contemplação.

A inglesa que já havia despertado para a existência de algo entre Guiomar e Luís Alves criou um plano no qual o sobrinho da baronesa ia pedir a mão de Guiomar a frente da baronesa, ao qual sue voto daria imensa influencia na decisão de Guiomar, então na noite Jorge fez o que era devido combinado entre ele e Mrs. Oswald, a baronesa sorriu contente, acreditando estar tudo certo entre os dois, dizendo que seria de extremo grado desta que isso ocorresse, e que se sua sobrinha fosse feliz ela seria duas vezes mais, então Guiomar sem ação para negar a vontade da madrinha, prometeu pensar desejando boa noite e saindo.

Luís Alves estava em casa quando um toque em sua porta, ao abrir era Estevão dizendo que gostaria de passar algumas horas com o amigo, pois estava em sua casa a pensar nela, Luís Alves disse a Estevão que não teria de ter nenhuma esperança em Guiomar Estevão pergunta como sabes disso Luís Alves diz, eu não posso falar mais que isto, Estevão se frustrou enquanto Luís Alves fumava um cigarro tranqüilamente, então Estevão com voz tremula perguntou ama outro ela então, Luis só confirmou, e disse que devia esquecê-la, após o adormecimento Luís vê cair da janela da casa da baronesa um papel, ao qual Estevão se acordará e havia visto que Luís Alves tinha pegado um papel e lido, então este pediu uma explicação para o fato, Luís Alves disse que sim que merece uma resposta clara para o ocorrido, mas que estima a sua amizade que infelizmente não será mais a mesma, disse que Estevão e Guiomar não dariam certo um para com o outro e que ele também é homem de coração então que Estevão entendesse que ele é atraído por Guiomar e Guiomar da mesma forma é atraída por ele, após ouvir estas palavras Estevão virou as costas e saiu, então Luis voltará a ler a carta, que havia em seu centro escrito peça-me, Luís Alves não esquentará com o bilhete, porém, decidiu que faria o que ali estava descrito.

Na manhã seguinte a baronesa acordará mais feliz do que nunca, pois esperava a resposta da sobrinha, já Guiomar levantara-se tarde, assim como a noite estava chuvosa não foi possível render o passeio. Por volta do maio-dia recebeu a baronesa uma carta que dizia que o advogado pedira a mão de Guiomar em casamento, então a baronesa dá para a Mrs. Oswald ler, e este dizem que é apenas um pretendente a mais, e, não se deve prestar muita atenção, então novamente a baronesa ressalta dizendo que este homem possui autorização, mas como diz a inglesa, assim a inglesa foi depressa chamar a moça, então Guiomar e a baronesa ficaram sozinhas, então a baronesa pergunta a Guiomar se já pensou sobre pedido de Jorge, e esta disse que uma noite era muito pouco para pensar sobre todo o seu futuro, então a madrinha lhe mostrou a carta de Luís Alves, e depois disse que ela poderia escolher entre os dois, porém, o primeiro lhe faria mais feliz, mas vejo diz a madrinha que preferes o Dr. Luís Alves, diga, e Guiomar diz que quer se casar com Jorge, então a baronesa vendo que está estava apenas fazendo uma de suas vontades, disse não você deve casar com o outro que você realmente ama, e assim será feito Jorge ao conversar com a baronesa disse que na noite em que a baronesa recebera a carta recebeu também a visita de Luís Alves.

Com o casamento marcado para dois meses depois, este caíra no inverno, enquanto Estevão olhará do outro lado triste e com alguns objetos de sua amada, um tanto triste, porém, feliz por ter feito a felicidade da filha, mesmo que com um resultado que não lhe era esperado, enfim, o casamento se efetiva, de longe olhava Estevão triste a contemplar o seu próprio sentimento, era hora de efetivar o plano do suicídio, porém, deste de cara novamente com seu devaneio, então passando os anos foi sumindo até que ninguém sabe onde este pairou já Guiomar logo depois do casamento, disse a Luís Alves que era este, de verdade como ela pensará ambicioso e a ambição não é defeito, mas virtude, então Guiomar pede a Luis que de a ela um lugar na câmara, ou mesmo uma pasta de ministro, então disse ele, o brilho do meu nome, assim “ajustavam-se ambos, como se aquela luva tivesse sido feita para aquela mão”.

Estevão: ele era sentimental, leviano, ingênuo, superficial, inseguro porém sincero. Amaria qualquer mulher que despertasse algum interesse nele. Não dava nenhum valor a si mesmo e por isso mereceu a preferência de Guiomar.

Jorge: ele era fraco de caráter,egoísta e orgulhoso de si mesmo. Era sobrinho da madrinha de Guiomar. As vantagens econômicas lhe atraiam a ela.

Luís Alves: era frio e fechado não contado seus sentimentos e vontades a ninguém, era calculista esperava o momento certo para dar uma cartada. Era amigo de Estevão e vizinho de Guiomar.

OUTROS PERSONAGENS

Mrs. Oswald é uma espécie de governanta da casa da velha baronesa. Intrometida, ambiciona eternizar-se como “agregada” na família. Subserviente e ardilosa, faz tudo para estar bem com todos, particularmente com a baronesa. Move-a unicamente a preocupação com sua segurança no esquema familiar e na ocupação de uma posição importante e influente. Suprime facilmente suas vontades e projetos, para se ajustar às novas situações. É aliada de Jorge na empresa de conquistar o amor de Guiomar, mas quando esta dá sua preferência a Luís Alves, acomoda-se rapidamente a esta realidade.
A madrinha baronesa é uma velhota bondosa que tudo faz pela felicidade da afilhada, que considera filha adotiva. Personalidade idealizada, reunindo em si a pureza de intenções, o instinto maternal, a ingenuidade e a renúncia; representa o mais forte toque genuinamente “romântico” de toda a narrativa.
Análise
Incrível a diferença no ritmo e narrativa entre este que é o segundo livro de Machado e “Memórias póstumas…”. A Mão e a Luva é perfeitamente sintonizado com o Romantismo entretanto é possível perceber entre a estrutura clássica do romance, as características que farão de Machado nosso verdadeiro bruxo do Cosme Velho! A conversa com o leitor e o sarcasmo mostram-se, ainda que timidamente, como em:

Estevão, vendo-se abandonado e rejeitado começa a se iludir pensando que tudo não passa de um teste do ser amado: “A imaginação de Estêvão desceu por este declívio de floridas conjecturas, e Luís Alves entendeu que era de bom aviso não espantar-lhe os cavalos. Ela foi, foi, foi por ali abaixo, rédea frouxa e riso nos lábios. Boa viagem!” “A careta que fez ao sair ninguém lha pôde ver, e não se perdeu nada.” “as aparências de um sacrifício valem mais, muita vez, do que o próprio sacrifício”

A obra tem também um quê de pessimismo, ou ao menos, uma desilusão com o caráter humano. O enredo trata de uma garota determinada e segura de si, de origem humilde e simples que se vê a “fortuna” dar-lhe oportunidade de ascender socialmente e busca manter-se assim após (ou através de) o casamento. É pretendida por três: o sincero e romântico Estevão, que carrega em si todos os estereótipos dos heróis românticos, sendo tratado pelo narrador como apaixonado e sincero, porém patético. O previsível, vazio e medíocre Jorge, muito próximo à menina porém sem brilhantismo. E o astuto e ambicioso Luís Alves (único com nome e sobrenome!), homem sóbrio determinado, com aspirações políticas e sociais fortíssimas. Frente a isso, a união entre a menina Guiomar e Luís Alves, é tão certeira como o ajuste entre a Mão e a Luva!!

Embora nitidamente romântico, A Mão e a Luva é um romance sóbrio. Seu ponto alto são as personagens femininas: Guiomar pela complexidade de seu caráter, Mrs. Oswald pela astúcia e verossimilhança.

O romance gira em torno de um caso complicado – mas de solução simples e previsível – de namoro dentro dos mais rigorosos esquemas burgueses.

O nome do livro se dá devido ao casamento de Guiomar e Luís Alves que se encaixam como uma mão dentro de uma luva, sendo um feito especialmente para o outro.

DA OBRA

Fazendo parte da obra dita “romântica” de Machado de Assis, A Mão e a Luva inova o romance romântico tradicional, no sentido de criar situações e personagens em que o móvel das ações humanas não mais se restringe ao amor puro e simples, mas volta-se para o aspecto social em que o desejo é o de ascender socialmente, mesmo à custa do sacrifício afetivo, ético e moral. Basta essa visão para perceber-se a mudança radical: Guiomar, a heroína, em que pesem os dotes físicos de extrema feminilidade e beleza — o que é típico do romance romântico —, revela um comportamento em que a determinação, a frieza, a hipocrisia governam as atitudes que têm sempre o fito de atingir o objetivo delineado e perseguido implacavelmente.

A linguagem, o vocabulário, a tessitura e algumas atitudes são, claramente, românticos. Entretanto os protagonistas — Guiomar e Luís Alves — seriam facilmente, se isso fosse possível, transplantados para um “romance realista” sem que houvesse necessidade da qualquer mudança em sua caracterização psicológica e comportamento social. Percebe-se, por conseguinte, que os romances dessa fase são como o “treinamento” para o grande ficcionista que viria a seguir.

DO TÍTULO

Escolhido a rigor, o título é como um resumo bastante sintético da obra. Guiomar e Luís Alves são tão semelhantes em suas reações, atitudes e ambições que sua perfeita união lembra o casamento de uma luva feita sob medida para uma determinada mão.

TEMPO NARRATIVO

Predomina o tempo cronológico, determinando uma narrativa lenta, compassada, arrastando-se por detalhes muitas vezes dispensáveis, como se pode observar nos fragmentos a seguir.

ESPAÇO

O espaço é físico com declarações explícitas sobre alguns logradouros que identificam o Rio de Janeiro.

Estêvão meteu a mão nos cabelos com um gesto de angústia; Luís Alves sacudiu a cabeça e sorriu. Achavam-se os dous no corredor da casa de Luís Alves, à Rua da Constituição, — que então se chamava dos Ciganos; — então, isto é, em 1853, uma bagatela de vinte anos que lá vão, levando talvez consigo as ilusões do leitor, e deixando-lhe em troca (usurários!) uma triste, crua e desconsolada experiência.

CONCLUSÃO

Mesmo tendo sido repudiado pelo autor que, taxativamente, afirmou “melhor seria não tê-lo publicado”, o livro tem a marca inconfundível do mestre. Situações ambíguas, ironia, hipocrisia, falsidades, interesses escusos, todos os ingredientes usados sobejamente para realizar um estudo da alma humana com a “pena da galhofa e a tinta da melancolia” num meio riso que mais parece um ríctus de amargura a revelar o desencanto e o desalento ante a miséria física e moral do ser humano irremediavelmente condenado à pequenez.

Fontes:
http://br.geocities.com/olhaai/resumos/amaoealuvares.doc
http://pt.wikipedia.org
http://www.algosobre.com.br/
http://www.webartigos.com/

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Euclides da Cunha (Os Sertões)

Mas, afinal, de que assunto trata o livro Os Sertões?

Pergunta simples, resposta complexa. Podemos encaminhá-la lembrando que, em 1897, ocorreu no sertão da Bahia episódio que ficou conhecido como a Guerra de Canudos. Chefiados por Antônio Conselheiro, sertanejos reuniram-se numa cidadela – chamada Canudos – situada nas margens do rio Vaza-Barris. O crescimento da nova comunidade e as características de seu líder e adeptos incomodou fazendeiros da região pela redução da mão-de-obra disponível nas fazendas; acrescendo-se a isso o não pagamento de impostos e práticas consideradas incompatíveis com a religião, gerou-se situação considerada de exceção pelo governo estadual e, logo depois, pelo governo federal.

A tentativa de dissuadir os conselheiristas a abandonarem o local através de intervenção da Igreja – dois capuchinos visitaram Canudos para este fim – resultou inútil. A partir daí, pequenos incidentes precipitaram ações progressivamente maiores dos governos estadual e federal. Foram realizadas quatro expedições militares contra Canudos. O fracasso da terceira expedição, formada por 1300 homens, transformou Canudos num problema nacional: atribuiu-se à cidadela a condição de foco monarquista, isso numa época em que o regime republicano estava por se firmar e temia-se o retorno da monarquia.

A quarta expedição, comandada pelo general Artur Oscar, enfrentou grande resistência dos canudenses e prolongou-se por tempo além do previsto. Ante o iminente fracasso de mais uma expedição o Ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, foi enviado ao palco das operações. É nesse momento que se inicia a participação de Euclides da Cunha no conflito. Em março de 1897 Euclides havia escrito dois artigos sobre Canudos no jornal O Estado de São Paulo sob o título de A Nossa Vendéia. No primeiro desses artigos traduzia a impressão de que o movimento de Canudos visava a restauração da monarquia. Entretanto, para o articulista, o simples desejo de restauração seria insuficiente para explicar tão grande sublevação. Havia, portanto, em Canudos um mistério a se desvendar. Além disso, adiantava-se Euclides ao tom dos artigos escritos na época, alertando para as condições geográficas do sertão, estas talvez o maior inimigo das forças republicanas.

Convidado por O Estado, Euclides da Cunha licenciou-se de suas atividades e tornou-se repórter daquele jornal. Tempos depois, embarcou em direção a Salvador viajando no mesmo navio que levava Machado Bittencourt. O desembarque na cidade aconteceu em 7 de agosto sendo que ali ficaram até 30 de agosto, data do início da viagem ao sertão. Dos dias em que Euclides esteve em Salvador e de todo o período de viagem a Canudos resultaram vários artigos enviados por ele e publicados pelo jornal. Toda essa correspondência de guerra foi mais tarde reunida num livro de reportagens intitulado Diário de uma Expedição.

Chama atenção nessas reportagens a progressiva mudança das opiniões de Euclides: o contato com a realidade do sertão e a extraordinária capacidade do escritor para observar e analisar detalhes ignorados por outros rapidamente o convenceram de que a guerra que supunha-se rápida não estava por terminar; que Canudos de modo algum seria foco de resistência monarquista com intenções restauradoras. Canudos era, sim, uma sociedade velha gerida pela autoridade do Conselheiro e ininteligível aos brasileiros do litoral.

Canudos finalmente caiu nos primeiros dias de outubro de 1897. População dizimada e arraial destruído, a vitória foi comemorada com grandes manifestações na capital federal. A espantosa resistência dos jagunços resultou em mais de cinco mil mortes nas tropas do Exército – considerando-se as quatro expedições.

Terminada a Guerra Euclides da Cunha retornou às suas atividades de engenheiro junto à Superintendência de Obras do Estado de São Paulo. Entretanto, já trabalhava em seu livro que só viria a ser publicado em 1902.

Em Os Sertões Euclides da Cunha não se limita a narrar os episódios da sangrenta Guerra de Canudos a qual denunciou como crime. Para explicar os fatos ocorridos no sertão da Bahia o escritor serve-se de todos os meios que, na época, estão ao seu alcance. Exaltando a influência do meio e da raça no comportamento coletivo, Euclides recorre à geografia, à sociologia, às características climáticas, raciais e biológicas, às biografias, ao linguajar dos caboclos, aos depoimentos que ouviu e todo o conteúdo do que pode observar no sertão. Só munido de tais ferramentas pode estabelecer as diferenças entre o brasileiros das regiões litorâneas e as incultas gentes dos sertões, submetidas às mais precárias condições de vida, ao ambiente geográfico e climático completamente desfavorável. Foi desse modo, analisando profundamente os móveis que permitiram o surgimento da coletividade canudense que Euclides, aos poucos deixando de lado suas convicções científicas moldadas segundo o determinismo vigente na época, pode ver no jagunço outra sorte de brasileiros cuja defesa procedeu através das páginas de seu livro vingador. Sobre isso nos diz Silvio Rabelo, um dos biógrafos de Euclides: ” Ele viu na resistência heróica dos jagunços do Conselheiro mais que uma possível ameaça às instituições e à ordem estabelecida. Ele viu o direito de sobrevivência de uma população que estacionara por não ter tido condições favoráveis à assimilação dos valores culturais do litoral, em bases econômicas mais sólidas e sob influência de idéias mais avançadas. Os Sertões são, deste modo, um brado e brado quase inútil, contra o crime de um governo que abandonara a sua gente a uma natureza nem sempre propícia à vida e a uma organização social nem sempre compatível com a dignidade humana; e, mais do que isto, exterminara-a sem nenhuma condescendência.”

É a variedade de recursos utilizados por Euclides na confecção de seu livro – história, geografia, etnologia, sociologia, etc – que torna inúteis as tentativas de classificar Os Sertões dentro de gêneros literários estanques. Livro de história, sociologia, literatura ou simples ficção? Impossível responder a não ser para dizer que Os Sertões são a um só tempo um pouco disso tudo e, mais que isso, obra genial de um genial escritor.

Há na prosa de Euclides muito de poesia conforme atestaram alguns estudiosos. A linguagem é rica e profunda sugerindo estar o escritor a esculpir suas palavras, metodicamente. É muito dele o uso de palavras incomuns e mesmo a busca de termos arcaicos quando não encontra no vocabulário de sua época algo que sirva para traduzir com fidelidade a imagem que empresta ao leitor. Precisão de relojoeiro, de alguém atento ao ritmo e às sonoridades, alguém que tem o gosto por paradoxos e que abusa de contrastes para deles extrair a força máxima de palavras e imagens. Assim, a riqueza verbal de Os Sertões é estonteante, obra de quem força a língua aos seus limites para dela extrair o máximo.

O grande livro que é Os Sertões paga tributos aos conhecimentos científicos vigentes á época em que foi escrito. Entretanto, Euclides da Cunha rompe com a camisa-de-força dos princípios então disponíveis para descobrir nos sertanejos a grande força que os conduz ao extermínio, embora sem jamais render-se. “O sertanejo é, antes de tudo, um forte” e “Canudos não se rendeu” estão entre as máximas imorredouras da obra de Euclides da Cunha e traduzem com fidelidade a natureza do trabalho a que ele se dedicou.

Fonte:
http://www.tarrafaliteraria.com.br/homenagem.aspx

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Joanne Kathleen Rowling (Harry Potter)

Os livros de Harry Potter são uma série de romances fantásticos criados pela escritora britânica J. K. Rowling. Desde o lançamento do primeiro volume, Harry Potter e a Pedra Filosofal, em 1997, os livros ganharam grande popularidade e sucesso comercial no mundo todo, e deram origem a filmes, videojogos e muitos outros itens.

Os sete livros publicados até agora venderam aproximadamente 400 milhões de exemplares em todo o mundo e foram traduzidos em mais de 63 idiomas. Graças ao grande sucesso dos livros, Rowling tornou-se a mulher mais rica na história da literatura.

Grande parte da narrativa se passa na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, e foca os conflitos entre Harry Potter e o bruxo maligno das trevas Lord Voldemort. Ao mesmo tempo, os livros exploram temas como amizade, ambição, escolha, preconceito, coragem, crescimento, responsabilidade moral e as complexidades da vida e da morte, e acontecem num mundo mágico com suas próprias histórias, habitantes, cultura e sociedades.

História

A história começa com o mundo dos bruxos, que tenta manter-se secreto dos Muggles – termo traduzido para o Brasil como “Trouxas” (aqueles que não são bruxos). Por muitos anos este mundo foi aterrorizado por Lord Voldemort. Na noite anterior a sua queda, Voldemort encontrou o esconderijo da família Potter, e matou Líly e James Potter (Lílian e Tiago Potter, no Brasil). Entretanto, quando voltou sua varinha contra o bebê dos Potter, Harry (Harry James/Tiago Potter), o seu feitiço voltou-se contra ele. Com o corpo destruído, Voldemort tornou-se um espírito sem poder, procurando refúgio em lugares escondidos do mundo; Harry, enquanto isso, foi deixado com uma cicatriz em forma de raio em sua testa, o único sinal físico da maldição de Voldemort. Harry tornou-se conhecido como “O Menino que Sobreviveu” no mundo dos feiticeiros, por ter sobrevivido a maldição da morte e por ter derrotado Lord Voldemort.

Em seguida, o órfão Harry Potter é criado pelos seus tios cruéis e insensíveis, os Trouxas Dursley, sem saber de seu poder mágico. Porém, quando o seu aniversário de onze anos se aproxima, Harry tem seu primeiro contato com o mundo mágico quando recebe cartas da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, que são roubadas pelos tios antes que ele possa lê-las. No seu décimo primeiro aniversário, Harry é informado por Hagrid, o guarda-caças de Hogwarts, que ele é um bruxo e por isso tem uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

Cada livro registra uma ano da vida de Harry em Hogwarts, onde ele aprende a usar magia e a fazer poções. Harry também aprende a ultrapassar muitos obstáculos mágicos, sociais e emocionais que enfrenta em sua adolescência e na segunda tentativa de ascensão de Voldemort ao poder.

Temática e conteúdo

Por ser uma série na qual cada livro equivale a cerca de um ano de vida do protagonista, seu conteúdo amadurece conforme Harry cresce. Os leitores que começaram a ler a saga ainda muito jovens também vão amadurecendo enquanto lêem. A estrutura da história, inclusive, torna-se mais complexa e sofisticada a cada volume.

Os livros de Rowling se passam nos anos 1990, na Inglaterra “trouxa” moderna, com carros, telefones e PlayStations. Os problemas no mundo mágico são sólidos e reais como os do nosso mundo – preconceito, depressão, ódio, sacrifício, pobreza, morte. “Harry vai para seu mundo mágico, e este é melhor que o mundo que ele deixou? Só porque ele encontra pessoas melhores“, explica Rowling.

Um dos temas mais recorrentes ao longo da série é o amor, retratado como uma poderosa forma de magia. Dumbledore acredita que a capacidade de amar permitiu que Harry resistisse às tentações de poder de Voldemort em seu segundo encontro, não permitiu que o vilão se apossasse do corpo de Harry em seu quinto ano, e será responsável pela derrota final de Voldemort.

Em contraste, outro tema importante é a morte. “Os meus livros abordam bastante a morte. Começam com a morte dos pais de Harry. Há a obsessão de Voldemort em derrotar a morte e conquistar a imortalidade a qualquer preço […]. Eu percebo porque é que Voldemort quer conquistar a morte. Todos nós temos medo dela“, disse Rowling. De fato, o nome de Voldemort significa “vôo da morte” em Latim e Francês, e “roubar a morte” em Francês e Catalão. Os livros colocam o bem contra o mal e o amor contra a morte. A perseguição de Voldemort para evitar a morte, que inclui episódios como beber sangue de unicórnio e separar a sua alma através do uso de horcruxes, contrasta com o sacrifício de Lilian Potter, o amor por Harry e a magia extraordinária que o seu gesto deixou nele, um sacrifício que Voldemort nunca poderá entender ou apreciar.

O preconceito e a discriminação são também amplamente abordados ao longo dos livros. Harry aprende que existem feiticeiros Sangue-Puro (oriundos de famílias onde só há bruxos) que abominam os sangue-ruim (bruxos de ascendência bruxa e trouxa ou ainda bruxos que vieram de uma família só de muggles) e os consideram inferiores. O meio termo são os bruxos Mestiços, ou seja, que tem um dos pais muggle (ou de família muggle), e o outro pertencente a comunidade bruxa. Os mais preconceituosos dentro da comunidade mágica levam estas designações mais longe, utilizando-as como um sistema de graduação para ilustrar o valor de um feiticeiro, considerando os de Sangue-Puro como sendo superiores e os sangue-ruim como desprezáveis. Fora os preconceitos em relação aos humanos, existe um afastamento dos não-humanos e até parcialmente-humanos.

Outro importante tema decorre sobre as escolhas. Em Harry Potter e a Câmara dos Segredos, Dumbledore faz, talvez, sua mais importante declaração sobre o assunto: “São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades“.

Dumbledore aborda esse tema novamente em Harry Potter e o Cálice de Fogo, quando diz a Cornelius Fudge que mais importante do que como se nasce, é o que a pessoa se torna ao crescer.

Assim como para muitas personagens ao longo dos livros, o que Dumbledore considera “uma escolha entre o que está certo e o que é fácil”, tem sido um marco na carreira de Harry Potter em Hogwarts e as suas escolhas estão entre as características que melhor o diferenciam de Voldemort. Tanto Harry como Voldemort foram órfãos criados em ambientes difíceis, fora o fato de partilharem características que incluem, como Dumbledore afirmou, “um raríssimo dom ofidioglota — sabedoria, determinação” e “um certo desapreço por regras“. Contudo, Harry, ao contrário de Voldemort, decidiu conscientemente adotar a amizade, a bondade e o amor, enquanto que Voldemort escolheu propositalmente rejeitá-los.

Enquanto que tais idéias sobre amor, preconceito e escolha estão, como afirma J.K. Rowling, “profundamente cravadas em todo o enredo“, a autora prefere deixar que os temas “cresçam organicamente”, em vez de conscientemente tentar transmitir essas idéias ao leitor. A amizade e a lealdade são talvez os temas mais “orgânicos” de todos, aparecendo principalmente na relação entre Harry, Ron e Hermione, relação essa que permite que estes assuntos se desenvolvam naturalmente à medida que os três personagens crescem, que a sua relação amadurece e que as suas experiências acumuladas em Hogwarts testem a fidelidade dos três amigos. Essas provas tornam-se progressivamente mais difíceis, acompanhando o tom cada vez mais escuro e misterioso dos livros e a natureza geral da adolescência.

Estrutura

A série Harry Potter é traçada sob uma longa tradição na literatura infantil inglesa – o ambiente dos internatos, um gênero da era Victoriana, no qual se destaca Tom Brown’s Schooldays, de Thomas Hughes. Mais adiante, trabalhos similarmente influentes da era Victoriana incluem os livros de Edith Nesbit, da qual Rowling tem frequentemente dito ser fã, glorificando Nesbit pelos seus personagens muito realistas e inovadores.

Há uma clara influência de elementos menos específicos a um autor, como a mitologia e as lendas. Muitas dessas influências são mais notadas nas criaturas que habitam o universo de Rowling, como por exemplo, os dragões, fênix e hipogrifos. Além disso também nota-se a influência da astronomia, história, geografia, e idiomas (principalmente Latim), freqüentemente vistos nos cuidadosos nomes de personagens, lugares e feitiços no mundo bruxo. Do complexo ‘”Voldemort” ao onomatopéico “Grawp” (ou “Grope”, o meio irmão gigante de Hagrid), Rowling cria nomes que geralmente contém muitos significados.

Os livros também são, nas palavras de Stephen King, uma “perspicaz história de mistério”. Cada livro é construído num estilo de aventura misteriosa como as de Sherlock Holmes; os livros deixam um número de pistas escondidas na narrativa, enquanto os personagens perseguem suspeitos por locais exóticos, conduzindo a uma mudança repentina que muitas vezes reverte o que os personagens acreditavam. As histórias são contadas por um narrador em terceira pessoa com consciência limitada, com pouquíssimas exceções (o capítulo inicial de Harry Potter e a Pedra Filosofal e Harry Potter e o Cálice de Fogo, os dois primeiros de Harry Potter e o Enigma do Príncipe e o primeiro de Harry Potter e as Relíquias da Morte); o leitor descobre os segredos da história quando Harry o faz. Os pensamentos e planos de outros personagens, mesmo os centrais como Ron e Hermione, são mantidos escondidos até serem revelados à Harry.

Os livros tendem a seguir uma fórmula bastante estrita. A ação que decorre durante uma série de anos pode ser claramente dividida em 6 seções gerais:
• Verão na casa dos Dursley: Harry passa a maior parte das férias de Verão da escola com os Dursley, no mundo dos Trouxas, suportando o mau tratamento que aí recebe. Esta parte termina com Harry indo a um local diferente.
• Fim do Verão: pouco antes do começo das aulas no Outono: Harry vai ao Beco Diagonal, à A Toca ou ao Largo Grimmauld, Número Doze,. Termina com a entrada no comboio de Hogwarts na plataforma 9¾.
• Novo ano letivo na escola: personagens novas ou redefinidas tomam vida, e Harry ultrapassa novos desafios diários, tais como testes difíceis, amores estranhos e professores mal-humorados; tudo isto termina normalmente perto do Halloween, que coincidentemente é o dia que Voldemort matou Lílian e Tiago Potter.
• Conflitos surgem: Harry, seus amigos e colegas de escola começam a perceber que algo se passa e começam a reagir.
• Clímax: Harry e os seus amigos fazem uma descoberta importante, e Harry corre desesperadamente para um determinado local para um conflito maior, normalmente envolvendo uma batalha contra os vilões. Isto normalmente acontece perto ou logo após os exames finais.
• Conclusão: Harry começa a recuperar da batalha e aprende lições importantes através de relatos e discussões com Alvo Dumbledore. Termina com o Harry apanhando o Expresso de Hogwarts e regressando à casa com os Dursley.

Universo

A série Harry Potter, passa-se no mundo em que vivemos, habitados por Muggles (Trouxas), pessoas sem poderes mágicos. Mas num local reservado apenas aos feiticeiros, protegido da curiosidade Muggle, protegido por poderosos encantamentos e feitiços. A série conta a história de Harry Potter, um rapaz que teve os pais mortos por um bruxo das trevas, conhecido como Lord Voldemort, e passa a viver com os Dursley, seus tios Muggles. Aos 11 anos recebe uma carta a falar que tinha sido aceite na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, a escola que é o principal cenário da série, onde Harry faz amizades verdadeiras, como Ronald Weasley, Hermione Granger, Neville Longbottom, Simas Finnigan, Dino Thomas, entre outros. Ainda passa por perigos, que visam restaurar a paz no colégio depois de eventos vertiginosos, como no livro “Harry Potter e a Câmara Secreta”. Enfim, o principal cenário, tirando Gringotes, o banco dos feiticeiros, o Beco Diagonal, o beco destinado á venda de livros, caldeirões, animais e produtos mágicos. Hogsmeade, uma vila apenas de feiticeiros próximo a Hogwarts, em que os estudantes geralmente vão nos feriados. É em Hogwarts que acontece a guerra final entre Comensais da Morte e Voldemort contra os estudantes e professores de Hogwarts, sem falar em Harry Potter é claro.

Origem e histórico de publicação

Em 1990, J.K. Rowling estava num trem indo de Manchester para Londres quando a idéia para Harry simplesmente “apareceu” em sua cabeça. Rowling conta sobre a experiência em seu website: “Tenho escrito continuamente desde os seis anos de idade mas nunca estive tão excitada com uma idéia antes. […] Eu simplesmente sentei e pensei, por quatro horas (trem atrasado), e todos os detalhes borbulharam em meu cérebro, e este garoto de óculos e cabelos pretos que não sabia que era um bruxo tornou-se mais e mais real para mim.” Naquela noite, a autora começou a escrever seu primeiro romance, Harry Potter e a Pedra Filosofal, e um plano que incluía os enredos de cada uma dos sete livros, além de muita informação biográfica e histórica sobre seus personagens e universo.

Nos seis anos seguintes, que incluíram o nascimento de sua primeira filha, o divórcio de seu primeiro marido e uma mudança para Portugal, Rowling continuou a escrever Pedra Filosofal.

Quando finalmente terminou o volume, em 1996, ela enviou-o a um agente literário e, depois oito editoras terem rejeitado o manuscrito, a Bloomsbury ofereceu a Rowling £ 3.000 adiantadas, e Pedra Filosofal foi publicado no ano seguinte.

Apesar de Rowling declarar que não tinha nenhuma faixa etária em particular quando começou a escrever os livros de Harry Potter, suas editoras inicialmente direcionaram-nos a crianças com idade entre nove e onze anos. Às vésperas da publicação, as editoras pediram a Joanne Rowling que adotasse uma pseudônimo mais neutro em relação ao gênero, temendo que os meninos não se interessassem por um livro escrito por uma mulher. Ela escolheu usar J. K. Rowling (Joanne Kathleen Rowling), omitindo seu primeiro nome e usando o de sua avó com segundo nome.

Após quase uma década da publicação do primeiro livro, Harry Potter alcançou muito sucesso em parte por causa de críticas positivas, estratégias de marketing de suas editoras, mas também pela propaganda boca-a-boca entre muitos leitores. As editoras de Rowling estiveram aptas a aumentar este fervor pelo lançamento rápido e sucessivo dos três primeiros livros, o que fez com que nem a excitação nem o interesse da audiência de Rowling caíssem. A série também conquistou fãs adultos, fazendo com que, em muitos países, cada livro tivesse duas edições, com texto idêntico mas com capas diferentes, uma delas direcionada a crianças e a outra, a adultos. Começou então o sucesso.

Desde a publicação de Harry Potter e a Pedra Filosofal, um número de tendências sociais vem sendo atribuídas à série. Em 2005, médicos do Hospital John Radcliffe, em Oxford, relataram que uma pesquisa realizada nos finais de semana de 21 de Junho de 2003 e de 16 de Julho de 2005, as datas de lançamento dos dois livros mais recentes, descobriu que apenas 36 crianças necessitaram de assistência médica por acidentes, ao contrário de outros finais de semana pesquisados.

Evidências anedóticas como essa sugerem um aumento do hábito de ler entre crianças por causa de Harry Potter, que foram confirmadas em 2006 quando uma pesquisa do Kids and Family Reading Report (Relatório da leitura infantil e familiar) e da editora americana da série, Scholastic, revelou que 51% dos leitores de Harry Potter com idade entre 5 e 17 anos disseram que não liam livros por diversão antes de começarem a ler Harry Potter, e que agora o fazem. O estudo relatou ainda que de acordo com 65% dos filhos e 76% dos pais, o desempenho escolar das as crianças melhorou desde que começaram a ler a série.

Harry Potter também acarretou mudanças no mundo editorial; uma das mais notadas foi a reforma da lista dos livros mais vendidos do jornal americano The New York Times. A mudança veio logo antes do lançamento de Harry Potter e o Cálice de Fogo, em 2000, quando editores reclamaram do número de posições ocupadas pelos livros de Harry Potter, obrigando o jornal a criar uma lista separada para os livros da série e outras obras infantis, para liberar as primeiras posições da lista.

Também notável é o desenvolvimento de uma grande massa de seguidores. A ansiedade desse fãs pelo último lançamento da série fez com que livrarias em todo o mundo fizessem festas para coincidir com o lançamento à meia-noite dos livros, começando em 2000 com a publicação de Harry Potter e o Cálice de Fogo. Esses eventos, geralmente incluindo jogos, pintura facial, concurso de fantasias, etc., alcaçaram grande popularidade entre os fãs de Potter e foram muito bem sucedidos ao atrair fãs e vender quase 9 milhões das 10,8 milhões de livros da tiragem inicial de Harry Potter e o Enigma do Príncipe nas primeiras 24 horas após o lançamento.

Outro impacto mais penetrante é a introdução da palavra “muggle” (trouxa) na língua inglesa. A palavra expandiu seu significado fora do contexto original, e foi aceita no Dicionário de Inglês Oxford como “uma pessoa que carece de um conhecimento ou conhecimentos em particular, ou que é considerada inferior de alguma forma”.

Críticas literárias

Cedo em sua história, Harry Potter recebeu muitas críticas positivas, que ajudaram a aumentar rapidamente o número de leitores da série. Seguindo o lançamento de Ordem da Fênix em 2003, entretanto, os livros receberam fortes críticas de autores e acadêmicos reconhecidos. A crítica A. S. Byatt escreveu um editorial no jornal The New York Times onde dizia que a série era “Uma colcha de retalhos inteligente de idéias recolhidas de todo o tipos de literatura infantil […], escrita para pessoas cuja imaginação está confinada aos desenhos animados da TV, e aos exagerados […] mundos-espelho das novelas, reality shows e fofoca de celebridades“. Byatt afirma que a aceitação pelos leitores desta “manipulação derivativa de ideias anteriores” nos adultos provem do desejo de regressar aos seus “próprios desejos e esperanças infantis” e nos jovens, “o poderoso apelo da fantasia de escape e engrandecimento, combinados com o fato das histórias serem agradáveis, engraçadas, e assustadoras o bastante“. O resultado final seriam “estudos culturais, que se interessam tanto com o exito e popularidade como com o mérito literário.

O crítico literário Harold Bloom também atacou o valor literário de Potter, dizendo que a “Mente de Rowling é tão governada por clichês e metáforas mortas que ela não tem estilo de escrita” Além disso, Bloom discorda com a noção comum de que Harry Potter foi algo bom para a literatura por encorajar as crianças a ler.

Charles Taylor, da revista eletrônica Salon.com, rebate críticas como a de Byatt. Mesmo admitindo que Byatt pode ter “Uma opinião cultural válida — uma pequena opinião — sobre os impulsos que nos levam a reafirmar o lixo pop e nos afastam das incômodas complexidades da arte“, ele rejeita sua afirmação que a série não apresenta méritos literários sérios, alcançando seu sucesso devido somente ao retorno à segurança da infância que ela oferece. Taylor enfatizou o progressivo tom negro dos livros, mostrado pelo assassinato de um colega e amigo próximo e resultando em feridas psicológicas e isolação social. Taylor também apontou que Harry Potter e a Pedra Filosofal, que muitos dizem ser o livro mais leve dos seis publicados, perturba a segurança da infância que, segundo Byatt, impulsiona o sucesso da série: o livro começa com um duplo assassinato, por exemplo. Taylor cita a “Cena devastadora na qual Harry encontra um espelho que revela o mais verdadeiro desejo do coração e, olhando para ele, vê a si próprio feliz e sorrindo com os pais que ele nunca conheceu, uma visão que dura somente enquanto ele olha para o espelho, e uma metáfora de o quão passageiros são os nossos momentos de verdadeira felicidade“, então pergunta se “essa é a ideia de segurança de Byatt?”. Taylor conclui que o sucesso de Rowling entre crianças e adultos é “porque J.K. Rowling é uma mestra da narrativa.”

Stephen King concordou com Taylor chamando a série de “Um feito do qual somente uma imaginação superior é capaz“, e declarando que o humor de Rowling é “memorável”. Porém, ele escreveu que, apesar de a história ser boa, ele está “Um pouco cansado em descobrir que Harry vive na casa com seus horríveis tios“, o formulaico início de cada um dos seis livros publicados até agora. Ele prediz, ainda, que Harry Potter “Passará pelo teste de tempo e irá para uma prateleira onde somente os melhores são mantidos […]. Essa é uma série não só para uma década, mas para eras“.

Prêmios e honras

J.K. Rowling e a série de livros Harry Potter têm recebido inúmeros prêmios desde a publicação de Pedra Filosofal, incluindo quatro prêmios Whitaker Platinum Book Awards (todos em 2001), três prêmios Nestlé Smarties Book Prize (1997-1999), dois Scottish Arts Council Book Awards (1999 e 2001) e o WHSmith book of the year (2006), dentre outros. Em 2000, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban foi indicado como Melhor Romance no Hugo Awards enquanto Cálice de Fogo ganhou esse prêmio no ano seguinte. As honras recebidas incluem uma indicação ao prêmio Carnegie Medal (1997), uma pré-indicação no Guardian Children’s Award (1998) e inclusão em numerosas listagens de livros notáveis, Escolha dos editores, e listas de melhores livros, da American Library Association, The New York Times, Chicago Public Library e Publishers Weekly. Recebeu três indicações ao Oscar, mas não ganhou nenhuma.

Fonte:
wikipedia

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Vitor Ramil (Lançamento do livro Satolep)

Cantor e compositor com vários sucessos na música popular brasileira, Vitor Ramil chega a seu segundo romance, repetindo o mesmo sucesso alcançando como compositor ao lado da dupla de irmãos Kleiton & Kledir. Gaúcho de Pelotas, Vitor Ramil começou sua carreira artística ainda adolescente, no começo dos anos 80. Aos 18 anos de idade gravou seu primeiro disco: “Estrela, Estrela”, com a presença de músicos e arranjadores que voltaria a encontrar em trabalhos futuros, como Egberto Gismonti, Wagner Tiso e Luis Avellar, além de participações das cantoras Zizi Possi e Tetê Espíndola. Neste período, Zizi gravou algumas canções de Vitor e Gal Costa deu sua versão para “Estrela, Estrela” no disco Fantasia.

O livro

Satolep é um livro ao qual Vitor dedicou oito anos de laboriosa manufatura para contar a história onírica de um fotógrafo que, em um tempo indefinido nas primeiras décadas do século 20, volta a Satolep, essa cidade recorrente nas ficções e nas canções do autor, seu terreno particular de invenção e memória. Sua Pelotas (ao avesso)inventada.

Ramil faz uso de uma prosa vagarosa, que infiltra o que está narrando em seu leitor aos poucos, quase como a névoa úmida que ele descreve como símbolo dessa identidade difusa de Satolep, a cidade.

São duas instâncias narrativas que convivem na prosa do romance: uma série de curtos textos poéticos (quase contos, inspirados nas imagens de um álbum de fotos da Pelotas de 1922, um livro real, da Pelotas real, organizado por Clodomiro Carriconde) e a história propriamente dita, um homem em princípio desconhecido e sem nome que decide, de inopino, ao se ver sozinho e inadaptado às vésperas de completar 30 anos no desconfortável sol do Norte do país, voltar para o frio de sua Satolep natal.

No caminho para o Sul, a paisagem ganha o peso dos sonhos. A cerração, a planície, o vento frio. Tudo isso se intensifica quando nos aproximamos de Satolep, cidade que o gaúcho Vitor Ramil construiu a partir de sua Pelotas natal. A história do romance Satolep, de Ramil, começa com um retorno. No dia do seu aniversário de trinta anos, o fotógrafo Selbor volta à cidade onde nasceu, a úmida e fantasmática Satolep.

No início da década de 90, depois de cinco anos morando no Rio de Janeiro, Ramil fez movimento similar e voltou a viver no Sul. Foi o momento em que começou a refletir de maneira mais vigorosa sobre sua identidade gaúcha, e lançou as bases do que viria a chamar de “estética do frio”. As palavras de Selbor (“voltar… Saiba que, seja o que for, significa muito“) encontram eco no famoso conto de Borges, “O sul”, em que o personagem retorna à estância de seus avós maternos e, durante a jornada austral, suspeita que viajava também ao passado.

É este encontro, do narrador e seu passado, que está em jogo em Satolep; uma espécie de encruzilhada onde a herança dos tempos idos e as tensões do presente convergem sem encontrar um equilíbrio (“às vezes, o lugar onde queremos chegar fica exatamente onde estamos“, reflete Selbor). Além de uma paisagem de vento, noites brancas e telhas enegrecidas, uma cidade “amiga dos silêncios e dos vazios”, o protagonista do romance se depara com personagens reais da história pelotense, caso do escritor João Simões Lopes Neto, autor dos livros Contos gauchescos e Lendas do sul; do poeta, jornalista e boêmio Lobo da Costa; e do cineasta Francisco Santos, autor de um dos primeiros filmes de ficção realizados no Brasil.

O próprio narrador, Selbor, tem uma origem real. Foi inspirado em um fotógrafo que documentou amplamente a cidade de Pelotas no início do século XX. Essas fotografias, publicadas originalmente em um livro chamado Álbum de Pelotas, organizado por Clodomiro Carriconde, em 1922, foram recolhidas por Ramil e serviram como ponto de partida para o romance. Em Satolep, elas ocupam um lugar central. Selbor é o autor das fotos, “uma espécie de diário de viagem, um relato indireto dessa minha volta a Satolep“. Essas imagens surgem intercaladas à narrativa, sempre acompanhadas de textos breves, instantâneos de neblina, lirismo e alucinação. Estes excertos são encontrados por Selbor dentro de uma pasta, esquecida por um rapaz na estação de trens. De maneira fantástica e misteriosa, eles parecem complementar os cliques de Selbor. “Os textos da pasta haviam sido tirados pelo rapaz a partir de imagens futuras de minha autoria”, espanta-se o personagem. Esses curtos relatos seguem os passos do narrador-fotógrafo pela cidade, reservando a ele uma espécie de narrativa poética de sua trajetória.

Explorar esses escritos, sua relação com as fotos, revela-se para Selbor como uma espiral vertiginosa de busca por si mesmo. “Nascer leva tempo“, sentencia Ramil. Entender o passado faz parte deste processo. A identificação entre o narrador e a cidade, que é transferida da “fotografia”, do espaço, para a memória, é o motor do romance (“o homem faz a cidade, a cidade faz o homem“, diz o escritor João Simões). Satolep se interpõe no caminho do narrador; está enraizada, é irremovível e condiciona os atos e sentimentos deste protagonista. O narrador e a cidade parecem feitos da mesma substância, uma certa neblina e vento frio, a “umidade que sai de noite e dorme de dia”.

Além de livro, Satolep é também nome de uma música, de um disco (“Satolep Sambatown”, de 2007) e de um personagem de Ramil, o Barão de Satolep, um nobre pelotense pálido e corcunda, alter-ego do músico e escritor. Pedaço de um Brasil muito particular, Satolep é presença fixa na obra de Vitor Ramil, um lugar a qual ele recorre, percorre e busca recriar para constituir a si próprio e “tornar nítido até o que não existe“.

Na Flip de 2008, a influência dos cenários do cone sul em diferentes abordagens literárias foi o tema que reuniu os escritores Vitor Ramil, o argentino Martín Kohan (Ciências morais, Cia das Letras) e o norte-americano Nathan Englander (O ministério de casos especiais, Rocco) ao redor da mesa “A estética do frio” (com mediação de Samuel Titan Jr.), na programação da 6a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP 2008).

O título da seção é referência direta ao ensaio escrito por Ramil em 2004 sobre as especificidades do povo gaúcho, “os mais diferentes em um país feito de diferenças“. Kohan e Englander ambientaram seus romances no período ditatorial argentino e este detalhe os aproxima também de Ramil, uma vez que Argentina e Uruguai guardam enorme semelhança em seus modos de vida com o sul do Brasil.

A relação que Vitor Ramil faz entre a escrita e fotografia – para criar Satolep, ele baseou-se em fotos antigas de Pelotas. O gaúcho fala de sua “imaginação visual” e da influência do repertório de imagens em seu projeto literário.

Fonte:
Academia de Letras do Brasil

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Nestor Vitor (Paris)

Paris é um livro singular, em que Nestor Vítor trabalha o ensaio em tensão com outro gênero que é a narrativa de viagens. Foi de seus trabalhos o que mais repercutiu. De 1901 a 1905 morou em Paris como correspondente dos jornais O Paiz e Correio Paulistano. Mas o livro é escrito em 1911, depois da viagem, e tem o subtítulo de “impressões de um brasileiro”. Nestor Vítor começa dizendo que Paris é um grande livro. E como num jogo de espelhos mostra aqui e lá, configurando um pensamento que se constrói neste espaço. O livro é um vaivém .Vê Paris, a França e vê o Rio, o Brasil. Leitor de Novalis, é autor de um ensaio sobre Os discípulos em Saïs, romance que também começa com a imagem do mundo como um livro: ” Os homens percorrem caminhos diferentes, quem se der a segui-los e compará-los verá surgir estranhas figuras, figuras dir-se-á que fazem parte daquela escrita difícil e caprichosa que em todo lado se encontra“.

Nestor Vítor utiliza essa sedução nossa pelo que é europeu para nos mostrar a nós mesmos. É minucioso Não tem um método, ou utiliza um método sem método. Diz que escolhe o gênero, livro de viagem, porque obra espontânea. Utiliza aqueles resumos dos capítulos próprios da narrativa de viagens, cita Xavier de Maistre da Viagem à volta de meu quarto, mostrando como o gênero se aproximou da autobiografia. No prefácio explica a gênese do trabalho:

Veio-me este livro quando eu menos o esperava. Nem ao partir para a Europa nem durante a permanência de três anos que tive principalmente em Paris, nem bons dias após a minha volta trabalhou-me a idéia de organizar sob a forma por que afinal as vejo agora minhas impressões de viagem.

Fala da diferença de luz: nossos horizontes luminosos contra a sombra européia. A Av. Central aparece como uma enorme caixa de brinquedos em que há de tudo. Diz que somos de uma ensandecida imaginação, sem medida e sem freio. E também que só o novo admiramos, e afirma:

Lá o arquiteto teve de aceitar o que já havia, sabendo tirar disso o melhor partido possível Aqui nessas outras terras, com exceção desta ou daquela rua, fez-se tábua rasa, como se tivesse passado um terremoto na edificação e construiu-se tudo de novo.

Nesse primeiro capítulo, “A rua” , como um viajante moderno vai lendo os nomes dos boulevards, squares e carrefours, tabuletas e anúncios

Escreve a partir da memória e de uma experiência pessoal. Seu pensamento se apóia sobre o percurso de um olhar que passeia pelo espaço da cidade, pensamento da visão, tentativa de transpor em paisagem o que era emoção, mostrar ao lado do que se diz, o que não se pode dizer.

Seu percurso é marcado pela sedução, pelo fascínio que exerce essa cidade, Cidade Única, Urbs Única, como chama Paris, que vai se identificando à mulher. Em todos os capítulos há sempre uma reflexão sobre a mulher com que ele vai estabelecendo as diferenças. A mulher francesa é um modelo; mesmo que vá mostrando diferenças entre francesas e brasileiras, diz que a França é mulher, mas não existem as francesas.

Aqui, no que ele chama de nossas vastas aldeias, “as mulheres são prisioneiras em gaiolas de ouro, dão-lhes todas as comodidades menos a liberdade de locomoção“.

Uma européia se distingue pelo seu andar decidido e firme . Aqui entre nós não é de bom tom que a mulher caminhe com igual desembaraço e firmeza. A mulher francesa pára para ver o que acontece na rua enquanto as damas daqui fugiriam espavoridas porque entre nós “mulher não se mete em questão“.

Fala de uma cordialidade na nossa expressão:

“Nós somos mais simples nas nossas cerimônias mas damos ao nosso trato expressão mais cordial. Nós falamos sorrindo e temos mel nas palavras, meiguice nos olhos quando queremos ser amáveis. Eles acreditam que nos conquistam dando exemplo de respeito humano“.

Com isso o quarto capitulo tem o título de “A repulsa inicial”. Diz ele que o brasileiro quando chega a Paris sente de imediato a repulsa por uma vida que parece despoetizada. Afirma: “Os modos bruscos são sinal de força e o que ambiciona cada indivíduo que se cruza conosco é inculcar-se-nos a representação de uma potência“.

O que completa com um olhar crítico à cultura moderna:

Depois que essa vertigem material que a máquina veio produzir na vida moderna acelerando o ritmo de nossa vida cerebral, apaixonamo-nos pelo turbilhão, de cujo sentimento certas danças modernas são o símbolo coreográfico perfeito.O transeunte moderno é um autômato ou um homem guardado num estojo que anda, em todo caso, por isso mesmo, geralmente inócuo. Ou uma tarântula moderna para quem a vida é um jogo de bolsa.

Noutro capítulo, “O conforto em Paris”, fala dos restaurantes, dos cafés:

Os cafés, que aqui vão sendo substituídos por casas à feição americana, vertiginosa e prática, antes tinham jornais. Nos cafés fez-se a Abolição, neles fez-se a República, tramou-se contra Floriano e contra Prudente, por fim . Data de Campos Sales, i.e. do arrocho financeiro, a modificação desses nossos hábitos. Nos cafés da Europa o que mais se bebe é álcool. Bebem e lêem jornais e jogam. Escrevem-se cartas com papel, envelope, pena e tinta que a casa fornece.

No capítulo, “Liberdade igualdade e fraternidade”, ironiza:

A sociedade divide-se ali entre condecorados e não condecorados: uma fita na lapela em França produz à rua os efeitos práticos que se conseguem com um anel de doutor entre nós; toda a gente já nos trata de outro modo.

Em outro capítulo, que tem como título “A questão social”, aponta o trágico dessa civilização. Diz que o suicídio na França cresce e traz dados comprovadores. Assim, não deixa de ver os abismos e diz ainda:

Reunam-se todos esses males, não só aqueles que já tivemos ocasião de apontar como ainda outros sobre que silenciamos por serem eles comuns a toda Europa mais ou menos no mesmo grau (entre os quais avulta principalmente o militarismo que arruina essas nações, absorvendo grande parte de suas melhores energias) e tornar-se–á ainda mais evidente que sobram em França os elementos da dissolução , ao passo que, por enquanto, os esforços produzidos em neutralizá-los e vencê-los ainda não são de caráter a inspirar sequer uma relativa confiança. E se a França inteira oferece o inquietador espetáculo que em poucos traços esboçamos, tivemos de ver que Paris infelizmente não representa nela uma confortativa exceção. Diante da crise, Paris oferece ao mundo um interesse dramático.

Quando fala da atmosfera intelectual, que também é título de um capítulo, compara França e Alemanha e diz que os grandes arrojos puramente pessoais, representados por modos de ver singularmente novos produzem-se muito pouco ali. E revela suas escolhas: “foi na solidão que os Nietzsche, os Schopenhauers puderam formar-se“. Como exceção no panorama intelectual francês elege Bergson. E uma razão do coração contra a razão técnico-científica:

A ciência, criação da inteligência e da razão serve apenas para garantir nosso poder eficaz sobre a natureza. Ela nos ensina a utilizar as coisas, nada nos ensina sobre a essência das mesmas. É no fundo irracional do nosso ser, muitas vezes até no inconsciente que devemos procurar o que somos e o que é a natureza inteira, de onde vimos e para onde vamos, para o que tendemos. As aspirações no nosso coração, nossos instintos os mais obscuros sabem mais em relação a isso do que os ditames esclarecidos de nossa razão.

Afirma ainda:

A França é sedutora porque dispõe de forma imaginosa seus relatos de viagem.” Cita várias vezes Maxime du Camps, no seu livro Paris, seus órgãos suas funções, sua vida, de 1869/1875. Autor de romances e poemas, amigo íntimo de Flaubert, com quem escreve um álbum de viagens, esse livro seu é conhecido como literatura de vulgarização: “um discurso intermediário que alia o rigor do método com o charme do exposto“. Ao livro, Maxime du Camps incorporou fotos e ilustrações. Algum diálogo se estabelece entre os dois livros.

Nestor Vítor diz ainda que:

Olhos por demais realistas, gente a quem só as coisas de incontrastável solidez se imponham, para admirar aquele grande e brilhante espetáculo, devem-se colocar a uma distância correspondente à que existe de uma platéia para o palco.

Assim, Paris deve ser vista como cena teatral. No capítulo Teatro e salões, fala dos espectadores francês e brasileiro. E volta à mulher, dizendo que em Paris é rainha soberana nos teatros. Ela é que lhes dá alma, não se sabe qual é o espetáculo. Fala de mulheres que pisam os preconceitos aos pés. Nos salões também a mulher é rainha, promove a educação dos instintos no lugar que para ele representa “um centro de resistência à barbárie de nossa época.” Para o espanhol, a mulher é para a posse, para o francês, companheira com quem falar. Para ele os franceses são um povo, cuja felicidade em boa parte depende da imaginação.

De Paris, desse livro de quase quinhentas páginas poderia mostrar e dizer bem mais. Por exemplo, no capítulo Liberdade igualdade, fraternidade, traça um quadro também dramático da sociedade francesa, mas resume assim –” para uma coisa há em Paris, liberdade: para o amor“.

Nesse livro, que, ao se apresentar como narrativa de viagem, desenvolve uma reflexão ensaística, constrói-se a tradução do Rio e de Paris por uma idéia de polis, a cidade ideal ou, mais, um ideal de cidade. A Cidade Única existe apenas como idéia, princípio regulador, que possibilita uma visão crítica das duas cidades, configurando uma utopia apenas entrevista por um pensamento que inclui o desejo, que imagina. A Cidade Única não está aqui nem lá, mas talvez nesse movimento mesmo do olhar. Com isso se esboça também um ideal de pensamento, que produza uma civilização outra. Não é à toa que Nestor Vítor termine, citando um livro de Pierre de Coulevain, uma mulher que escreve sob pseudônimo masculino. O livro se chama A ilha desconhecida (L’île inconnue) uma referência a um paraíso desconhecido, ainda não conhecido ou talvez já irremediavelmente perdido.

Fonte:
http://www.geocities.com/ail_br/ossentidosdaviagem.htm

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Mario Quintana (80 anos de poesia)

A coletânea 80 anos de poesia, é uma antologia publicada pela Editora Globo para homenagear os 80 anos de vida de Mário Quintana. Com organização de Tânia Franco Carvalhal, a obra contém poemas que mostram as várias facetas do poeta.

Apresentados em ordem cronológica, eles atestam a procura de diferentes maneiras de dizer e indicam como o poeta vai optando por uma expressão próxima do coloquialismo, vizinha da prosa. Isto permite ao leitor uma visão geral do percurso poético de Quintana, mestre em estabelecer uma comunicação imediata e efetiva com quem o lê: ao dizer o humano em suas múltiplas facetas, ele fala a todos nós.

São poesias pertencentes ao Segundo Tempo Modernista (1930-1945), onde aparecem temas constantes de suas obras como a infância (que é tratada com certo lirismo), os meninos, as ruas de Porto Alegre e a velhice.

Suas poesias, aparentemente simples, trazem a complexidade de quem viveu intensamente o sentimento de mundo. A vasta percepção possibilita uma engenharia sólida no que toca à compreensão da natureza humana. Convicto com relação à sua capacidade criadora, manteve-se distante dos modismos literários, cultuando forte independência com relação a qualquer tipo de classificação que viesse a rotulá-lo, ou à sua obra. Esse individualismo creditou-lhe um orgulho persistente, haja visto a sua autenticidade, instigando-lhe a dividir grandes lições de vida com o leitor que vier a prestigiá-lo.

Fere de leve a frase… E esquece… Nada
Convém que se repita…
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.

O interessante com relação à obra de Quintana é a sua natureza múltipla. Apesar da postura crítica e da ironia refinada, há uma ternura explícita coexistindo, assim como uma envolvente honestidade conceitual.

Ainda que Mário Quintana inicie muitos de seus versos com uma fina ironia, a densidade de suas questões não permite ocultar que fazer poesia é refugiar-se do incômodo existencial e filosófico que sua extrema sensibilidade insiste em sacudir.

Da primeira vez em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha…
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha…

A postura encontrada diante da compreensão da morte, da religião ou da existência divina não deixa dúvidas quanto ao recurso da poesia como uma tentativa de apaziguamento com a ausência de respostas de um ser humano intenso,comprometido e intrigado com a grandeza da vida. Apesar disso, ele luta bravamente para não se considerar diminuído por ela.

Quintanares

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares…
Insólitos, singulares…
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares…
Perdão! digo quintanares

(BANDEIRA, Manuel)

Das utopias

Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!

Canção da janela aberta

Passa nuvem, passa estrela,
Passa a lua na janela…

Sem mais cuidados na terra,
Preguei meus olhos no Céu.

E o meu quarto, pela noite
Imensa e triste, navega…

Deito-me ao fundo do barco,
Sob os silêncios do Céu.

Adeus, Cidade Maldita,
Que lá se vai o teu Poeta.

Adeus para sempre, Amigos…
Vou sepultar-me no Céu!

Fonte:

Todas as poesias selecionadas de Mário Quintana e Manuel Bandeira – In: Coletânea 80 anos de Poesia. Organizada por Tânia Carvalhal. Editora Globo, 1986
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Guimarães Rosa (3 contos do Livro Primeiras Histórias)

Sorôco, sua mãe, sua filha

Conto narrado em terceira pessoa, mas com a participação ambígua do narrador como personagem. Isto se dá pelo fato do narrador ser um observador dos fatos, mas também fazer parte do povo: “A gente se esfriou (…)” “A gente estava levando agora o Sorôco (…)” Ou seja, “a gente “, no conto, pode ser a gente, o povo da estação, como também o marcador oral “a gente” enquanto nós.

O conto tem uma temática triste, trabalha com o sentido circular de passar a angústia do personagem Sorôco com sua solidão e desespero ao ter que deixar ir para longe as únicas pessoas que tem no mundo, ficando mais solitário ainda. Tudo gira em torno da separação, da perda, da ausência e da distância.

A grande temática do conto é a solidariedade. Há a compaixão do povo para com Sorôco e sua dor. O povo se solidariza com Sorôco. A irracionalidade entoada na cantiga da mãe e da filha loucas realiza o elo de ligação entre as dores de todos os homens. É uma cantiga compreendida só por aqueles que possuem sentimento, a razão de ser do humano. Esta cantiga metaforiza a união entre os homens por meio da solidariedade.

É possível imaginar o sofrimento de Soroco, o vazio dolorido sentido e a profunda solidão na alma. A solidão só não é absoluta, porque existe a solidariedade do povo acalentando seu coração.

Pode-se observar também as sugestões sonoras oferecidas pelo nome do personagem: Sorôco – só louco; Sorôco – socorro, como compreensão do forte sentido do contexto do texto. Por outro lado, é interessante perceber a gradação do título, sugerindo a união da família como vagões que se engatam no trem da existência e se desengatam no destino. Cada vagão carrega sua própria solidão e dor, mas forma o trem da solidão e da dor coletivas, na metáfora de uma cantiga.

Sorôco é comparado a Jó, personagem da Bíblia, por causa de seu sofrimento. Passado e futuro, ele, no meio. Ele, a terceira margem. A eternidade. E as proporções gigantescas dele lembram as personagens grotescas que são castigadas, eliminadas em outros contos. O padecimento a que foi submetido ao cuidar das duas, no entanto, redimiu-o.

Enredo

O conto inicia com a descrição de um vagão diferente, gradeado, que seria levado pelo “trem do sertão”. A população sabia que ele levaria “duas mulheres, para longe, para sempre”: a mãe e a filha de Sorôco. “A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo.” Homem simples e rude, vivia com sua mãe e sua filha:

A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo. Afora essas, não se conhecia dele o parente nenhum.

Mãe e filha eram loucas. Sorôco tentou ficar com as duas ao seu lado, mas não foi possível. Tomou a decisão mais difícil de sua existência: interná-las. O governo mandaria o trem para levá-las para Barbacena, longe. “Para o pobre, os lugares são mais longe.” Sorôco deveria encaminhá-las à estação, pois “o trem do sertão passava às 12h45m.”

Sorôco seguiu para a estação acompanhando as duas, uma de cada lado, “parecia entrada em igreja, num casório.” O povo esperava, protegendo-se do sol. “As pessoas não queriam poder ficar se entristecendo, conversavam (…) Sempre chegava mais povo – o movimento.” Alguém avisa que Sorôco aponta da Rua de Baixo, onde mora. Ele vestia a sua melhor roupa para a despedida, que a população acompanhava com pesar – “Todos diziam a ele seus respeitos, de dó.” Diziam palavras que tentavam consolá-lo e ele muito humilde respondia: – “Deus vos pague essa despesa...” Todos compreendiam a atitude de Sorôco, pois não havia outro jeito.Porém todos pensavam que a partida delas seria bom para ele, visto não haver cura para a doença e também pelo fato de elas terem piorado nos últimos 2 anos, a ponto de Sorôco pedir ajuda médica para elas.

Em frente ao trem, a filha de Sorôco começa a cantar uma cantiga que ninguém entende. A mãe de Sorôco começa a cantar também a cantiga entoada pela moça, antes de serem alojadas dentro do trem. Principia o embarque das duas. E o canto ecoa longe. Sorôco não espera o trem desaparecer de vez, nem olha, fica de chapéu na mão calado. “De repente, todos gostavam demais de Sorôco.”

O trem partiu e “Sorôco não esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na mão, mais de barba quadrada, surdo – o que nele mais espantava.” Todos os presentes ficaram condoídos com o sofrimento do homem. Entretanto, Sorôco pára e “num rompido – ele começou a cantar. Alteado, forte, mas sozinho para si – e era a cantiga, mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando.” E eis que “todos, de uma vez, de dó de Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com vozes tão altas! (…) A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela cantiga.
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A menina de lá

A menina de lá , conto de Guimarães Rosa, da obra Primeiras estórias, é narrado em terceira pessoa.

Em um momento do texto, o narrador também passa a ser personagem (“Conversávamos, agora”), em outros, funciona como um narrador testemunha dos fatos, ora mais próximo, ora distanciado. Sabe de todos os acontecimentos por presenciá-los e por ouvir falar deles, porém, não diz a revelação que Nininha fez para Tiantônia, quando apareceu o arco-íris. Isso só acontecerá depois da morte da menina.

Semanticamente é possível perceber que a menina não pertence ao cá (terra), mas sim ao lá (céu), pela presença de palavras ligadas ao universo do mundo do lá: lua, estrelinhas, céu, alturas, aves, mortos, saudade, milagre, a mãe não tirava o terço da mão, e a menina mora no “Temor-de-Deus” e principalmente a palavra arco-íris, dentre outras. Arco-íris é a palavra-chave, pois remete ao imaginário coletivo de fazer um pedido ao arco-íris quando este aparece no céu. Pela metonímia “caixão colorido”, Nininha pede a morte e metaforicamente, o que ela deseja, acontece. Há, nesse momento, o clímax do conto, pois é o confronto entre os dois mundos: o cá (mundo terreno), de Tiantônia, em que a morte é vista como ruim, repreendendo a menina versus o lá, que para Ninhinha é a alegria , a libertação de um mundo que não é o seu, esperando cumprir o seu destino e realizar o seu desejo de ser “a menina de lá”. Desta forma, fecha-se o círculo do universo premonitório traçado pelo conto, calcado no destino fatídico de uma menina que não pertence ao mundo de cá, entretanto possui a magia de um outro mundo encantado: o mundo da criação artística.

É uma menina “com seus nem quatro anos”, franzina, filha de um pai sitiante e de uma mulher que não tirava o terço das mãos para nada, mesmo quando dava bronca nos empregados.. Vivia em Temor-de-Deus, por trás da Serra do Mim. Seu nome era Maria, ou apenas Nininha.

Era muito quieta, ficava sempre sentada em um canto (e ninguém entendia muito bem o que ela dizia).

Nininha (seu nome, o sufixo diminutivo triplicado, reforça sua fragilidade), louca (provavelmente tem hidrocefalia), é sensitiva, dotada de contatos místicos, poderes paranormais: seus desejos, por mais estranhos que fossem sempre se realizavam.

A menina começa a falar mais, e coisas estranhas começam a acontecer. Um dia, em meio à seca, ela diz que gostaria de ver um sapo em sua casa – momentos depois um sapo entra pulando pela porta; outro dia ela comenta que gostaria de comer “pamonhinha de goiaba” – nem meia hora depois chega uma senhora trazendo o doce. Quando sua mãe fica doente, pedem que a faça melhorar, mas a menina simplesmente diz que não pode. No entanto, abraça-a e, coincidência ou não, a cura chega.“O que ela queria, que falava, súbito acontecia.”

A menina era marcada por inventar histórias absurdas e por se calar subitamente em diversos momentos: “Não se importava com os acontecimentos. Tranqüila, mas viçosa em saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E, bater-lhe, não ousassem; nem havia motivo. (…) E Nininha gostava de mim.”

Seus poderes começam a dar uma mostra de maior intensidade quando a menina cura a doença de sua mãe e também quando ela atende o pedido de seu pai e faz chover. “Pai e Mãe cochichavam, contentes: que, quando ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar muito a eles, conforme à Providência decerto prazia que fosse.”

Pouco tempo depois deseja ver o arco-íris. A chuva chega e, junto, o arco. A visão dele no céu proporciona uma alegria que ela nunca tinha expressado em sua vida. Mas, fica quieta quando recebe uma bronca de Tiantônia, que xinga e repreende a menina, que, a partir daí, volta a ficar quieta. Nininha adoece e morre pouco tempo depois. Tiântonia explica, então, a razão para ter xingado a menina naquele dia em que ela fizera chover: “Nininha tinha falado despropositado desatino, por isso ela ralhara. O que fora: que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites verdes brilhantes.” Os pais discutem se deveriam ou não encomendar o caixão como a filha havia solicitado.

Como explicar para o pessoal do arraial que quem tinha pedido o caixão assim tinha sido Nininha? No meio de uma discussão sobre isso, seus pais percebem que não seria preciso explicar nada para ninguém, pois Nininha queria daquele jeito (e daquele jeito seria). Mas a mãe percebe que “não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nininha.”

Nota: O que de fato aconteceu: o arco-íris era o aviso de Deus de que Nininha voltaria ao seio d’Ele. E isso já vinha sendo anunciado nas entrelinhas desde o início do conto: o dedinho dela quase alcançava o céu, quando se falava de parentes mortos, ela dizia que ia visitá-los, sem mencionar o próprio título do texto, entre outros elementos. Esses aspectos místicos acabam transforma-a em mais uma milagreira, como tantas crianças que povoam o imaginário popular.
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Os irmãos Dagobé

Análise da obra

Os irmãos Dagobé, conto de Primeiras estórias, obra de Guimarães Rosa, tem narração em primeira pessoa (alguém do arraial, presente no velório e no enterro, que registra suas impressões sobre os irmãos Dagobé e possíveis acontecimentos futuros).

Não há marcação de tempo e espaço (velório e o enterro) e traz a violência como tema.

Seus personagens são: Damastor (morto), Derval (caçula), Dismundo, Doricão e Liojorge.

Em sua linguagem o autor usa aliterações (repetição da letra D nos nomes dos irmãos Dagobé); frases incompletas: “Aquilo era quando as onças.” e aglutinação de palavras: “perguntidade”.

Este conto confirma a idéia popular de que Deus escreve certo por linhas tortas. Damastor Dagobé, bandido extremamente feroz, foi surpreendentemente assassinado por um sujeito aparentemente fraco, Liojorge, pressionado por legítima defesa. É em meio ao velório que o narrador se coloca, para captar mais vivamente a reação das pessoas presentes, todos com inúmeras conjecturas sobre como será a vingança dos irmãos Dagobé.

O mais surpreendente é que chega o recado de Liojorge, querendo deixar claro que havia matado com respeito e que queria estar na presença dos irmãos, para mostrar sua boa vontade. Se isso já deixou todos sobressaltados, muito mais quando se fica sabendo que o bom moço queria ajudar a carregar o caixão de Damastor. Parecia que o medo havia feito do rapaz um maluco.

Surpreendentemente os irmãos Dagobé concordam, mas impõem uma condição: só depois do caixão ser fechado. Os presentes imaginam algum plano malévolo e traiçoeiro dos bandidos. No entanto, a narrativa apresenta frustração após frustração. Liojorge chega e não é assassinado. Conduz o caixão. No caminho, tropeça e quase derruba o féretro. Para os espectadores é um prenúncio de desgraça. E comentam que os irmãos Dagobé estão na realidade realizando o pior dos planos: usar o homem como carregador e no cemitério dar cabo dele.

No entanto, este é outro conto a lidar com anticlímax. Enterrado Damastor, seus irmãos agradecem a atenção dos acompanhantes, mostram compreensão em relação a Liojorge e reconhecem que o falecido, em vida, era mesmo muito ruim. Comunicam que estão de mudança para a cidade, o que indica evolução.

O conto é uma alusão irônica: “Viviam em estreita desunião…” É a imaginação popular versus o real: Liojorge vai sofrer a vingança dos três irmãos mais novos. Todos acreditam nisso. Vitória da justiça: matara em legítima defesa. Damastor que era mau e perverso. Merecia morrer. “Damastor, o grande pior.” Alegria dos três irmãos remanescentes, einfim livres do grande pior.

Enredo

O conto inicia com durante o velório de “Damastor Dagobé, o mais velho dos quatro irmãos, absolutamente facínoras. (…) Todos preferiam ficar perto do defunto, todos temiam mais ou menos os três vivos. Demos, os Dagobés, gente que não prestava.” Damastor era tido como o “grande pior, o cabeça, ferrabrás e mestre, que botara na obrigação da ruim fama os mais moços – ‘os meninos’, segundo seu rude dizer.” Os outros irmãos eram Derval, Doricão e Dismundo.

Damastor fora morto em legítima defesa por Liojorge, homem pacato e honesto, que fora ameaçado pelo Dagobé. Após o fato, tudo indicava, e todos acreditavam, que os irmãos vivos buscariam imediatamente a vingança. Entretanto, eles iniciam os preparativos para o enterro do irmão. O narrador acentua este sentimento: “Sangue por sangue; mas, por uma noite, umas horas, enquanto honravam o falecido, podiam suspender as armas, no falso fiar. Depois do cemitério, sim, pegavam o Liojorge, com ele terminavam.”

Durante o velório, os irmãos confabulavam em voz baixa. Neste momento chega a informação de que Liojorge gostaria de ir até o velório para provar que seu ato não fora desleal. O narrador expõe a surpresa da notícia: “Viesse: pular da frigideira para as brasas. E em fato até de arrepios – o quanto se sabia – que, presente o matador, torna a botar sangue o matado.” Os irmãos não se opõem a esta idéia.

Após o velório, Liojorge chega e se propõe a carregar o caixão. O narrador nos estimula a idéia de que os irmãos acabariam por se vingar: “E, agora, já se sabia: baixado o caixão na cova, à queima-bucha o matavam.” Damastor é enterrado. Entretanto, Doricão fala a Liojorge: “Moço, o senhor vá, se recolha. Sucede que o meu saudoso irmão é que era um diabo de danado...” Ele ainda agradece a presença de todos antes de dizer o que a família faria: “A gente, vamos’embora, morar em cidade grande...”

Fonte:
Portal de Estudos Passeiweb

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Guimarães Rosa (O espelho)

Pintura de Leonora Weissmann
O espelho é o centro da obra Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, onde o narrador, em primeira pessoa, conta de sua luta para provar a falta de lógica e de sentido do mundo. Diante de um espelho, foi descobrindo com o passar dos dias a mentira que é a aparência humana. Num processo de “desimaginar-se”, vai verificando que o homem, como todas as coisas, não passa de uma metáfora. No limite do absurdo, ele chega a ver sua “forma” invisível.

O tema da identidade é tratado através da metáfora do ato de se ver e se reconhecer no reflexo dos espelhos.

No conto reaparece a estrutura narrativa inovadora, trata-se da relação diálogica de um narrador que não se identifica nominalmente e que interpela o leitor por “senhor”. O narrador relata uma experiência insólita: Se quer seguir narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. /…/ O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade – um espelho?. Assim, o leitor é chamado a trilhar as veredas de uma devassa da alma humana.

De tema metafísico, transcendente, o conto não é uma narrativa com história, intriga, no sentido tradicional. É uma experiência, como o próprio narrador personagem declara.

Seguindo um método próprio, o narrador desenvolve a sua busca durante anos, experimentando as diferentes formas que podem brotar de sua própria imagem no espelho e eliminando todas, na tentativa de encontrar a sua verdadeira essência, livre de qualquer ilusão que os seus olhos pudessem criar.

Após anos dessa experiência, o personagem chega ao ponto de não conseguir ver nenhuma imagem, quando está diante de um espelho. Então, resolve parar por um bom tempo com as experiências e não dirige mais o olhar a nenhum espelho. Porém, num dia, ele retoma essa experiência e consegue ver apenas um esboço muito mal feito do seu rosto, um quase rosto. Nesse instante, o narrador se sente contente e tranqüilo e convida o leitor a refletir sobre o que é de fato a vida.

O elemento anedótico consiste na situação absurda, relatada pelo narrador, de que é possível ver outras pessoas, objetos e até animais no lugar da própria imagem no espelho. O narrador passou a acreditar nessa louca idéia, quando ainda era jovem e estava num lavatório, onde de súbito, se deparou com um perfil humano feio, desagradável que lhe gerou nojo e repulsa. Porém, essa figura era ele mesmo dentro de um jogo de ângulos produzido por dois espelhos: um fixo na parede e outro numa porta lateral. A partir desse acontecimento, o narrador inicia uma busca pelo seu eu através dos espelhos: comecei a procurar-me – ao eu por detrás de mim – à tona dos espelhos.

O conto é como um jogo da verdade. O espelho é o instrumento da análise. O narrador vai descendo em suas experiências até não encontrar mais sua imagem: as máscaras (aparência) vão sendo destruídas. Por fim, começa a emergir no espelho uma outra imagem …um rostinho de menino, de menos-que-menino.

Este conto apresenta um aspecto que o destaca em relação aos demais de Primeiras Estórias: sua linguagem é erudita, carregada de termos científicos e filosóficos, numa formalidade que se afasta do caráter oral dos outros 20 textos, significando o fascínio exercido pelo espelho sobre cientistas e filósofos de todos os tempos.

Seu narrador, que parece conversar com o leitor diz que realizou um enorme esforço, por meio de seu reflexo num espelho, de busca do seu verdadeiro eu, o “eu por trás de mim”.

Esse verdadeiro eu precisa ser encontrado por meio de seu reflexo. Estuda-se, pois, sua imagem e semelhança. Assim, a busca do verdadeiro eu está na busca de Deus. Para tanto, o narrador vê-se na necessidade de realizar exercícios que têm a proposta de eliminar as superfícies enganadoras de sua imagem. Com esforço, elimina sucessivamente a imagem do seu sósia animal, dos seus pais, de suas paixões, das idéias que os outros lhe atribuem, dos interesses efêmeros. O resultado de todos esses esforços causa-lhe muito sofrimento, principalmente uma terrível dor de cabeça. Resolve, pois, abandonar a tarefa.

Tempos depois, voltou a se olhar no espelho e não viu nada. Aos poucos, uma imagem vai-se formando, de forma luminosa. No final, surge a imagem de algo que é menos que um menino. Eis a idéia de que a criança enxerga melhor a verdade (eis um dos motivos para a predileção para esse tipo de personagem na obra). Tornando-se adulto, a visão é embaçada. No entanto, existe a promessa de que se voltará ao estágio da perfeição. Vai-se estar face a face com Deus, como se diante de um espelho.

No conto O Espelho, predominou o aspecto esotérico, quando a obra Primeiras estórias nos apresenta vivamente retratos de pobreza, exclusão e abandono a que são entregues os habitantes do sertão.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/o/o_espelho_conto

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Richard Wagner (O Anel do Nibelungo: Parte 2: A Valquíria)

A Valquíria é uma ópera de Richard Wagner, a segunda parte de quatro que compõem a tetralogia O Anel do Nibelungo. Sua estréia ocorreu no Teatro Nacional em Munique em 26 de junho de 1870, antes mesmo do término da ciclo do Anel. Para esta obra, Wagner inspirou-se na lenda nórdica da Saga de Volsunga. A parte mais popularizada é a passagem musical da Cavalgada das Valquírias, que abre a primeira cena do terceiro ato.

(Primeira parte postada em 24 de fevereiro)

Sinopse

Ato I – Cena I

A obra é iniciada com personagens cujas identidades são desconhecidas (uma técnica já usada pelo autor em outras óperas fora da tetralogia do Anel, como Lohengrin). Durante uma grande tempestade, Siegmund procura abrigo na residência do guerreiro Hunding. O local é uma habitação rude, e há uma grande árvore no centro da sala. O dono da casa não se encontra no local, mas, exaurido e caindo próximo a uma lareira, Siegmund é recepcionado por Sieglinde, esposa infeliz de Hunding. Ele a conta que estava escapando de seus inimigos e que agora está ferido. Após beber um pouco de hidromel oferecido pela mulher, já se direciona para a saída alegando estar amaldiçoado pelo infortúnio. Ele acrescenta que sempre leva a desgraça onde quer que vá. Entretanto, ela o convida a permanecer, justificando que ele não pode trazer infortúnio em um lar onde a má sorte já reside, em referência a sua infelicidade.

Ato I – Cena II

Ao retornar, Hunding relutantemente oferece hospitalidade ao visitante. Marcando a transição para a segunda cena, a entrada desse novo personagem é caracterizada por compassos curtos que demonstram seu caráter sombrio. Hunding surpreende-se com tamanha semelhança ente sua esposa e o forasteiro. Ele começa a conversar com o hóspede, perguntando seu nome, até então desconhecido. Siegmund responde que não pode chamar-se Pacífico nem Jubiloso, mas sim Doloroso.

Sieglinde, cada vez mais fascinada pelo sujeito desconhecido, pede para que ele conte sua história enquanto os homens comem. Siegmund então descreve um dia estar voltando para casa com seu pai após caçarem juntos, encontrando sua casa incendiada, sua mãe morta e sua irmã gêmea desaparecida, raptada pelo povo Neindinge (invejoso). Ambos passam a viver na floresta, lutando contra inimigos que por vezes apareciam. Hunding então o interrompe por um momento, dizendo que já havia ouvido falar sobre rumores dessa corajosa dupla que vivia na floresta. Siegmund continua sua história, e como o povo Neindinge os perseguiu de forma que ele perdesse contato com seu pai. Nessa hora a orquestra executa o tema da Valhala, uma referência a origem do pai de Siegmund, ainda desconhecida. Agora sozinho, ele deixa a floresta e torna-se um desafortunado.

Após comentário seco de Hunding, Sieglinde pergunta ao hóspede como perdeu suas armas. Ele explica que certo dia encontra uma garota sendo forçada a se casar e discute com os parentes da moça, matando seus irmãos. Entretanto, por vingança suas armas foram quebradas e a moça morta pelo restante dos familiares. Desarmado e ferido, ele então escapou do local, chegando eventualmente à residência de Hunding. Quando Siegmund termina, Hunding revela que é um de seus capturadores (assume-se que é um dos membros da família que quer vingança). Ele garante uma noite de hospedagem ao estranho, mas o desafia para um duelo na manhã seguinte. Hunding então deixa a sala com Sieglinde, ignorando o desconforto de sua esposa. Antes de deixar o recinto, ela indica um ponto específico da árvore em sua sala ao visitante, que não entende o significado.

Ato I – Cena III

Iniciando outra cena, anoitece. Sozinho, Siegmund lamenta sua desgraça, citando a promessa de seu pai de que ele encontraria uma espada quando precisasse (lembrar que suas armas estavam quebradas pela batalha anterior, ele não tinha no momento outras disponíveis para duelar). Ele se sente desprotegido no local, apesar da presença da mulher adorável que acabara de conhecer. Começa então a invocar Volsa pela espada diversas vezes, um nome cujo significado é entendido posteriormente. Com o apagamento da lareira, ele percebe um clarão na árvore antes indicada por Sieglinde, e questiona o que seria aquilo.

Sieglinde retorna, explicando ter drogado a bebida de seu marido com uma erva narcótica para que repousasse profundamente. Ela diz querer lhe mostrar uma arma, e começa revelando que havia sido forçada a casar-se com Hunding após ter sido raptada. Durante a festa de casamento, um velho homem com um dos olhos cobertos apareceu e encravou uma espada no tronco de uma árvore localizada no centro da sala de sua casa, que nem Hunding nem seus comparsas conseguiam retiram. (Posteriormente descobre-se que o velho homem era Wotan, seu pai.) Ela toma conhecimento sobre o tal velho e a que a espada se destina, e expressa seu anseio pelo herói que poderia obter a espada para si e salvá-la de sua condição atual. Após ouvir a história, Siegmund expressa seu amor pela mulher, sendo correspondido por ela, que por sua vez tenta entender de onde já o reconhece. Deduzindo que o forasteiro era seu herói, quando ele cita o nome de seu pai, Volsa, ela declara que ele é Siegmund, e que a espada era destinada especialmente para ele. A porta se abre sozinha, assustando os dois.

Siegmund então facilmente obtém a espada para si, e ela declara que é Sieglinde, sua irmã gêmea. Ele então nomeia a espada Nothung. O ato encerra-se com Siegmund chamado Sieglinde por noiva e irmã, acariciando-a, e os dois partem do local.

Ato II – Cena I

Wotan está nas rochas de uma montanha com Brünnhild, uma de suas filhas valquírias. Ambos animados, ele a instrui a proteger Siegmund de um eminente ataque de Hunding (que após acordar do longo repouso proporcionado pelas drogas, estaria furioso pela ausência de sua esposa). Ela acata o pedido exclamando o brado típico das valquírias, e então percebe que Fricka está chegando rapidamente em um carro movido a carneiros. Fricka é esposa de Wotan e guardiã dos casamentos. A valquíria deixa o local. Ao chegar, claramente transtornada, Fricka exige a punição de Siegmund e Sieglinde por adultério e incesto. Ela sabe que Wotan era pai do casal; apesar de deus, ele também é conhecido como o homem mortal Volsa. Em seu contrato de casamento, Wotan prometeu ajudá-la em todos os momentos, ele deveria cumprir mais esse tratado. Ele protesta, alegando que precisava de um herói livre (não governado por ele, o governante dos deuses) para executar seus planos [Em relação ao problema do anel forjado por Alberich após o roubo do “Ouro do Reno” das ninfas, e que agora estava sob poder do gigante Fafner, como apresentado na primeira parte da tetralogia. Para mais informações, ler a sinopse da Parte 1: O Ouro do Reno, postado em 24 de fevereiro]. Também alega que não vê problema na união dos dois, que foi motivada por amor. Mas Fricka replica, alegando que Siegmund não passa de um fantoche dele e não um herói livre, e censura a relação incestuosa do casal, inaceitável segunda ela, e a desonra da quebra do casamento entre Hunding e Sieglinde. Sem saída, tendo que cumprir seu contrato com a esposa, Wotan promete a ela cumprir sua última exigência: retirar a magia da espada de Siegmund de forma que ele perca o duelo, e que a valquíria não o ajude nessa batalha. Brünnhild chega e Fricka parte, não antes de dizer à moça que seu pai tem algo a dizer.

Ato II – Cena II

Fricka se retira, deixando Brünnhild com um Wotan desamparado, bem diferente de quando haviam se encontrado pela última vez. Após pedido, Wotan a explica seus problemas, primeiramente hesitante ao abrir-se com a filha, o que poderia fazer com que perdesse sua figura autoritária. Ele começa desde seus impulsos que o fizeram mal uso dos tratados que legisla e a participação de Loge, o “O Ouro do Reno” e o anão Alberich, a mensagem transmitida por Erda já prevendo desastre eminente; Brünnhild inclusive é sua filha com Erda. Ela e suas oito irmãs cresceram como as valquírias, damas da guerra que levam as almas dos heróis mortos para formar na Valhala um exército contra Alberich. Era uma tentativa de Wotan de reverter os fatos que estavam se sucedendo desde que ele havia sido amaldiçoado pelo anel. Neste momento, ela o interrompe momentaneamente para dizer-lhe que o exército está em boas condições, mas é avisada por Wotan que o problema ainda não era esse, havia mais a ser explicado. Ele continua, dizendo que o exército seria derrotado se Alberich tivesse posse do Anel, que no momento estava sob posse do gigante Fafner. Usando o elmo mágico Tarnhelm, o gigante havia se transformado em um dragão, circulando pela floresta com o tesouro de Nibelungo. Wotan não poderia obter o Anel de Fafner através da força, pois era governante e a posse do anel estava com o gigante sob contrato, não havia nada a fazer por conta própria. Ele precisava de um herói livre para derrotar Fafner em seu lugar, uma pessoas isenta de sua influência. A valquíria chega a citar Siegmund. Entretanto, como apontado por Fricka, Wotan só consegue criar servos para si, meros fantoches como Siegmund não eram pessoas livres de fato.

Severamente, Wotan ordena Brünnhild a obedecer Fricka e assegurar a morte de Siegmund, filho de Wotan e meio-irmão da valquíria. Ela hesita, questionando as ordens contraditórias de seu pai, mas por fim acata o pedido. Ele sai, deixando-a sozinha para preparar-se para o duelo que viria a seguir.

Ato II – Cena III

Após fugir da residência de Hunding, o casal Siegmund e Sieglinde chega à passagem da montanha, onde Sieglinde desaba exausta e sentindo-se culpada, indigna do amor de Siegmund. Ele a conforta, dizendo que se vingará de Hunding. Ela alega começar a ouvir a perseguição de seu marido, e delira, já antevendo o duelo.

Ato II – Cena IV

Brünnhild chega de uma gruta e se aproxima de Siegmund, contando-o sobre sua morte eminente. Ela diz que sua função é se apresentar àqueles prestes a morrer, levando-os à Valhala. Os dois conversam sobre a vida que Siegmund teria nesse novo lugar, e por fim ele recusa segui-la quando descobre que Sieglinde não poderia o acompanhar. Ela lhe diz que não resta outra alternativa, mas ele replica que não haveria como morrer tendo a espada mágica de seu pai em punho. A valquíria o esclarece que a mesma pessoa que o havia concedido a espada retirara seu poder. Siegmund revolta-se com a traição que ocorrera, clamando preferir ir ao inferno que acompanhar Brünnhild à Valhala.

Transtornado, o guerreiro já ameaça matar sua esposa sendo impedido pela valquíria. Impressionada por sua coragem e comovida pela situação, Brünnhild reconsidera e concorda em proteger Siegmund, desrespeitando as ordens de seu pai. Com seus votos de bênção, ela deixa o local.

Ato II – Cena V

Enquanto Siegmund contempla sua noiva repousando, Hunding chega anunciado por sua trompa, os dois discutem e Hunding ataca seu oponente. Abençoado pela imortal Brünnhild, Siegmund reage e toma vantagem no duelo, mas Wotan aparece e estilhaça Nothung (a espada de Siegmund) com sua lança. Desarmado, Siegmund é morto por Hunding. Brünnhild reune Sieglinde e os pedaços da espada, e foge em seu cavalo. Wotan observa muito triste seu filho morto. Em sua fúria, mata Hunding com somente um gesto, e parte em perseguição a sua filha, que havia desrespeitado sua ordem, deixando a cena ao som de um trovão.

Ato III – Cena I

Em uma passagem musical conhecida como a Cavalgada das Valquírias (conhecida amplamente por sua utilização em outros meios), as valquírias Gerhilde, Ortlinde, Helmwige, Schwertleite, Waltraute, Siegrune, Grimgerde e Rossweisse se reúnem em uma montanha, cada uma com seu cavalo e levando um herói morto. Elas se espantam quando Brünnhild chega trazendo consigo uma mulher viva. Ela pede ajuda a suas irmãs, explicando a perseguição de Wotan, mas elas não ousam desafiar seu pai. Insiste, pedindo um cavalo, mas elas estão irredutíveis. Brünnhild então decide esperar Wotan enquanto Sieglinde foge. Antes de se retirar, Brünnhild revela que Sieglinde está grávida de Siegmund, e chamada o garoto ainda não nascido Siegfried. Sieglinde agradece e parte para a floresta. Ouve-se a voz enfurecida de Wotan, e as valquírias rodeiam Brünnhild a fim de protegê-la de seu pai.

Ato III – Cena II

Wotan chega enfurecido, exigindo que as outras valquírias entreguem Brünnhild. Apesar delas tentarem acalmá-lo, ele se enfurece ainda mais com a atitude fraternal “mortal” das moças, indignas de sua condição de valquírias. Por fim, Brünnhild se apresenta, e Wotan a julga: ela tem seu status de valquíria retirado, tornando-se uma mortal (um grande castigo a uma valquíria), e entrará em sono mágico na montanha até que um homem a salve, tornando-se seu esposo. As outras valquírias rogam piedade, mas após Wotan exigir que elas se retirem ameaçando estender a punição às outras elas fogem do local.

Ato III – Cena III

Brünnhild suplica piedade a Wotan, ela que era sua filha favorita. Ela explica a coragem de Siegmund e sua decisão de protegê-lo, conhecendo os reais desejos de Wotan e não os impostos por Fricka. Entretanto, Wotan mantém a decisão. Já conformada com o fato de tornar-se uma mortal, ela ainda não aceita estar a mercê de um homem qualquer, sem valor. Chega a citar Siegfried. Wotan reafirma a decisão, enfatizando que qualquer um que a acordar do sono profundo a terá como esposa. Ela insiste, pedindo que somente um bravo herói digno consiga acordá-la do sono. Apesar de resistência inicial, seu pai acaba acatando o pedido emocionado com a situação, definindo que o perímetro da montanha esteja coberto por fogo mágico, de forma que somente os bravos heróis dignos do amor da ex-valquíria a consigam encontrar. Através do leitmotiv, ambos percebem que esta pessoa será o ainda não nascido Siegfried. Para realizar o pedido, Wotan deita Brünnhild em uma rocha e a beija, iniciando o sono mágico. Ele invoca Loge para iniciar o círculo de fogo que a protegerá, sendo prontamente atendido. Ele então parte, citando “(…) quem teme a ponta de minha lança não passará pelo fogo”; isto é, somente pessoas livres poderão passar pelo fogo, quem não for regido pelo governante dos deuses [A lança de Wotan é o símbolo do seu poder como legislador dos deuses.].

Papéis

Entre os personagens mortais, o papel de Siegmund é interpretado por um tenor, o de Sieglinde por uma soprano e o de Hunding por um baixo. Entre os deuses, Wotan é baixo-barítono e sua esposa Fricka mezzo-soprano. Entre as valquírias, filhas de Wotan, Brünnhild, Gerhilde, Ortlinde e Helmwige são sopranos, Schwertleite é contralto, Waltraute, Siegrune, Grimgerde e Rossweisse são mezzo-sopranos.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://seraqueosanjostemsexo.blogspot.com/ (imagem)

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Moacir Scliar (A Majestade do Xingú)

O romance inicia com o narrador, que está na UTI, contando ao doutor a vida de Noel Nutels, que conhecera quando criança em um navio que os trouxe ao Brasil no ano de 1921.

A narrativa transcorre em tom humorístico, apesar do sofrimento do paciente. Protagonista inominado, cultivou uma profunda admiração por Noel, o defensor dos índios, durante toda a sua vida. Começa relembrando o episódio em que Noel, internado num hospital no Rio de Janeiro, no ano de 1973, vítima de câncer na bexiga, pouco antes de sua morte, recebe a visita de quatro generais. …era a época da ditadura, visitar o Noel, que era uma figura tão respeitada, principalmente na esquerda, poderia repercutir bem na opinião pública, e ao abrir os olhos e ver aqueles quatro generais à sua volta (…) olhou todos, um por um, com aquele olhar debochado dele. Um dos generais perguntou como ele estava. E o Noel que, mesmo morrendo, continuava o gozador de sempre, respondeu: estou como o Brasil, na merda e cercado de generais.

O médico vai fazendo anotações enquanto o narrador pergunta-lhe se ele próprio também encontra-se na merda. Estou na merda, doutor? Não? Não estou na merda? O senhor tem certeza? Na merda, não? Não estou? Que bom, doutor. Não estou na merda, que bom. Prossegue contando-lhe que a vida de Noel Nutels, ele, o narrador, tem toda guardada numa pasta através de reportagens em jornais, fotografias, artigos, publicações. Pede ao doutor para escutá-lo. …não é por mim, não. É pelo Noel. Não: é pelo senhor. O senhor deve ourvir a história do Noel, doutor. Acho que alguma coisa mudará no senhor depois que ouvir esta história. O navio que os trouxera ao Brasil chamava-se Madeira. Era um cargueiro adaptado para o transporte de imigrantes. Estavam fugindo da Rússia. Vinham do sul da Rússia, da Bessarábia, na fronteira com a Romênia. A região pertencia ao Império Tzarista. Os judeus não podiam sair dali a não ser que fossem ricos. Mas eles não eram ricos. Moravam numa pequena aldeia, num shtetl, de gente pobre: agricultores, artesãos, pequenos comerciantes. Seu pai, sapateiro, mal ganhava para sustentar a família, embora pequena, pois só tinha uma irmã. Seu pai consertava os finos sapatos do conde Alexei. Venerava-lhes os sapatos e as botas, confeccionados em couros macios e raros.

O protagonista lembra-se de que começou a ter pesadelos em que, à noite, um cossaco debochado surgia e calçava de uma bota as botinhas minúsculas que o pai havia feito com as sobras da reforma do conde Alexei. Calçava-as e galopava numa ratazana, rindo deles. O primogênito morrera um mês antes do seu nascimento. O irmão morto tornara-se-lhe um fantasma que vivia por todos os lados. O pogrom, massacre organizado no Império Tzarista, estava por toda parte. Os cossacos surgiam à noite, matando homens, violentando mulheres, queimando casas. Os judeus eram perseguidos. Um dia apareceu na aldeia um homem de Kiev. Trabalhava para uma companhia de colonização agrícola, a Jewish Colonization Association, JCA ou ICA, fundada por filântropos judeus da outra metade da Europa. Poderiam levá-los para a América do Sul, onde as terras eram promissoras. Poderiam ir para o Brasil trabalhar como agricultores. Receberiam todo o apoio. Por essa época o pai de Nutels decidira ir para a Argentina. Buenos Aires prosperava. Mas Salomão Nutels resolveu voltar para a Rússia. Pegou o navio que fazia escala no Recife, acabou vendedor de sapatos.

Em 1917, ele, justo no dia em que o Brasil declarou guerra à Alemanha do kaiser, tomou uma surra, depois de ter sido perseguido ao desembarcar, e perdeu o navio. Fixou-se no Brasil, em Laje do Canhoto, pequena vila de Alagoas, e lá abriu uma loja que vendia de tudo, desde alpiste até penicos de ágata. Em pouco tempo tinha conseguido economizar o suficiente para trazer a mulher e o filho de Ananiev.

Durante a guerra civil, após a Revolução de 1917, a Rússia ficou isolada do resto do mundo. Berta, mulher de Salomão, e o filho ficaram sem ter notícias suas até 1920, quando Salomão Nutels comunicou-lhes que partissem imediatamente para o Brasil. Por essa época, sair da Rússia era muito arriscado, mas mesmo assim partiram. As ameaças do pogrom continuavam. Porém, num certo momento, apareceu um homem na aldeia, chamado Semyon Budyonny, comandante de um esquadrão da cavalaria bolchevique. Imponente, usava um vasto bigode e tinha um olhar feroz. Budyonny apareceu com seus homens e anunciou que a aldeia havia sido libertada pela Revolução. Era o início do socialismo. Um dos homens de Budyonny, Isaac Babel, que ficara hospedado na casa do narrador, indagado sobre o que pensara a respeito de partirem para a América, revelou-se indignado com tal idéia e fez um discurso arrebatado em que defendia o governo bolchevista, pois finalmente todos os oprimidos teriam uma vida decente, enquanto que na América só existiam exploradores.

Anos depois Babel foi preso e veio a morrer num campo de concentração stalinista. A partida da família do narrador para o Brasil foi tranqüila. Em Hamburgo pegaram o navio Madeira rumo ao Brasil. No navio o narrador tornou-se amigo de Noel e assim que o conheceu teve a certeza de que seria seu amigo para o resto da vida. Noel era expansivo, seguro de si. Fazia amizade com todos. Logo tornou-se amigo de um marinheiro russo, homem de esquerda que vivera no Brasil e anos mais tarde continuava defendendo suas idéias com o mesmo fervor. A viagem fora longa e insalubre. O cheiro de urina e vômito no porão, onde passavam as noites, era insuportável. Todos no navio sentiam-se inseguros quanto à nova vida no Brasil. Porém, ao chegarem em Recife, a diversidade de cores, a vegetação tropical e a população alegre deslumbrou-os.

Salomão Nutels apareceu e Berta, ao vê-lo, abraçou-o e chorou, assim como Noel. Todos os demais emigrantes também choraram. Ao perceber o entusiamo de Noel pelos pretinhos brasileiros, de súbito nosso pobre protagonista percebeu que já não o encantara mais. Agora o encantava o Brasil. Salomão convidou a família do narrador para morar em sua casa. Seu pai poderia ajudar-lhe na loja. Seguiram para Laje do Canhoto. Ao conhecer a loja de Salomão, o pai do protagonista recusou-se a trabalhar lá. Não venderia penicos. Decidiu que iriam para São Paulo.

Em São Paulo, fixaram-se em Bom Retiro, bairro de judeus. Seu pai sofreu um acidente e teve de amputar o braço direito. Impossibilitado de continuar no ofício de sapateiro, passou a vender gravatas. Seu pai queria que ele tivesse se formado em Medicina como Noel Nutels. Freqüentou o colégio José de Anchieta. Em três anos sabia tudo sobre o padre José de Anchieta, sobretudo que amava muito os índios, diferentemente da maioria dos colonizadores que os menosprezavam, considerando-os inferiores, especialmente por serem canibais.

O narrador possuía uma imaginação muito fértil e suja. Numa das histórias que imaginava, o braço de seu pai era jantado por antropófagos devido ao ancestral parentesco destes com índios canibais. Imaginava também o padre Anchieta sendo seduzido por uma indiazinha moribunda. Sua mente era povoada por seres descomunais que devoravam profetas e sacerdotes. Sua mente sórdida elocubrava fabulações doentias. Sentia saudade de Noel. Podia escrever-lhe, mas não tinha coragem, então escrevia-lhe só na imaginação.

Seu pai veio a falecer de infarto do miocárdio, sendo-lhe imposto o sustento da família. Precisou largar os estudos e trabalhar o dia inteiro. Trabalhava na pequena loja do seu Isaac. Chamava-se A Majestade, conhecida por loja Não Tem. Vendia miudezas em geral: carretéis de linha, agulhas de crochê, etc. Não soube mais nada de Noel a não ser bem mais tarde quando tornou-se famoso e escreviam sobre ele. Noel foi estudar Medicina em Recife. Os pais também mudaram para lá. A casa onde moravam, dona Berta transformou em pensão. Lá moravam também amigos, como Ariano Suassuna, Capiba e Rubem Braga. Houve um momento em que o narrador tomou consciência da sua ignorância e envergou-se. Começou então a ler.

Lia muito e de tudo, inclusive dicionários. Levava uma vida pacata, não se metia em política. Quanto às mulheres, freqüentava um bordel barato e só. Era muito tímido. Sua vida tornou-se uma rotina. Ia para a loja, que aliás havia comprado do seu Isaac por uma bagatela, espanava o pó, sentava-se atrás do balcão e lia. Vez por outra aparecia um freguês. Em 1937 Noel foi para O Rio com a mãe, já formado em Medicina. Salomão havia falecido. O Brasil vivia a ditadura de Vargas. Noel participou na produção da revista Diretrizes, da qual faziam parte José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado. Por aquela época, em 1938, os intelectuais eram todos comunistas. Os comunistas manifestavam-se com cartazes de protesto. Sarita, uma fervorosa comunista do Bom Retiro, atirou-se cegamente na causa do Comintern, órgão central dos partidos comunistas na Rússia, que apresentou um documento a ser divulgado na sociedade brasileira que dizia que o conflito final seria a oposição entre índios e brancos. O movimento não vingou por falta de adeptos.

Em 1940 Noel casou com uma prima, Elisa. Um ano depois o narrador casou também, com Paulina, filha do vizinho. Através de Sarita, que ia periodicamente ao Rio, ele tinha notícias de Noel. Noel estava trabalhando com saúde pública; queria combater a malária e se envolver em campanhas. A guerra tinha começado. Hitler invadia a União Soviética. Noel e Sarita ouviam a Pirineus, rádio clandestina que os mantinha informados sobre os campos de concentração e outros acontecimentos. O narrador nunca ouviu a Pirineus. Preferia se manter alheio, mergulhado nos livros. Noel ia para as ruas, carregava cartazes de protesto. Em 1935 foi preso como comunista na ditadura Vargas. Nosso narrador não ia para as ruas fazer protesto, porque não tinha coragem.

Por volta de 1944, Noel e a mulher estavam trabalhando na Fundação Brasil Central, fundada pelo ministro João Alberto. Tinham sido contratados para trabalhar com os índios em regiões como o Alto Xingu e o Alto Araguaia, que seriam desbravadas e colonizadas. Noel fora contratado como especialista em malária. O narrador tornou-se pai de um menino: Ezequiel. No Xingu, Noel trabalha como especialista em malária e cuida dos índios. É aceito pela tribo dos Kalapalo após salvar a vida de uma indiazinha que estava quase à morte. Os índios lhe tem afeto e respeito.

Em 1951 Noel ingressa num curso para a campanha nacional contra A Tuberculose. Resolve trabalhar na região dos grandes rios: Tocantins, Xingu e Tapajós. Consegue transporte aéreo e em pouco tempo está dirigindo o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas, para os problemas dos índios. Dedica-se inteiramente a esta missão. João Mortalha, um tipo mau-caráter com passado de assassino, vai para o Xingu disposto a tornar-se proprietário das terras dos índios. Noel, descobrindo-lhe as intenções, expulsa-o da região. Eu podia entender o padre Anchieta cuidando dos índios; o Noel Nutels não. Pela simples razão de que não podia imaginar a mim próprio cuidando dos índios. (…) Eu, o covarde, imóvel; Noel, o corajoso, em movimento. Em constante e dinâmico movimento. O Noel estava virando índio. Índio inquieto a percorrer sem cessar as trilhas do Brasil central. Trilhas que poderiam levar a qualquer lugar, mas nunca passariam por uma loja chamada A Majestade. Nossos caminhos se haviam afastado para sempre.

Nosso protagonista começou a ter problemas em casa: desentendimentos com a mulher, além do Zequi, que se mostrava rebelde. Sarita mudara-se para O Rio e às vezes vinha visitá-los. Percebeu que Ezequiel estava apaixonado por ela. Zequi lia Marx, Lenin e Stalin. Entrou para a célula da Juventude Comunista no Bom Retiro, a célula Zumbi dos Palmares. Os jovens membros da célula, sabendo da amizade do protagonista com Noel, o doutor dos índios, pediram-lhe para que conseguisse um encontro entre eles. O narrador, depois de entrar em pânico, teve uma brilhante idéia: sugeriu-lhes que se correspondessem com Noel. Na loja, deu início à correspondência que Noel supostamente estaria lhes enviando.

Escreveu cartas e mais cartas para a célula Zumbi. Os rapazes extasiavam-se. Aconteceu, porém, que Sarita descobriu a farsa e ameaçou contar tudo a não ser que dali em diante ela mesma passasse a assumir a correspondência. Entraram em acordo. As cartas de Sarita eram chatíssimas, doutrinárias, o que fez com que os rapazes logo se entendiassem. Em pouco tempo, a correspondência encerrou-se. Em 1961 Zequi entrou para a faculdade de Ciências Sociais. Envolvendo-se completamente com política estudantil, tornou-se membro da UNE. Logo passou a fazer parte de um grupo de radicais. Os folhetos clandestinos falavam de guerrilha e luta armada.

E então veio o golpe de 64. Com o golpe militar, mandaram Ezequiel esconder-se no sítio de uma amiga de Paulina. Quanto a Noel, naquele Período dirigia o Serviço de Proteção ao Índio; fora indicado por Darcy Ribeiro. Os militares não acharam nada contra ele. Havia um major anticomunista, major Azevedo, que por motivos particulares estava atrás de Noel. O narrador teve um caso com Iracema, um tipo vulgar, apesar de bonita, que apareceu na loja como representante de tecidos. Foi sua primeira e única paixão. Um dia o narrador sentiu falta da última carta de Noel, que escrevera e não enviara. Iracema confidenciou-lhe, arrependida, ter sido ela a pegar A Carta a pedido do irmão Mortalha, o mesmo Sujeito que Noel havia expulsado do Xingu.

Mortalha queria incriminá-lo e, de posse da carta entregou-a ao major Azevedo que, estranhamente, rasgou-a e jogou fora. Ezequiel foi para a França. Fez mestrado, depois doutorado, e tornou-se professor em Limoges. Não voltou mais. Casou-se com uma francesa e teve dois filhos. A mãe foi para um asilo, completamente esclerosada, e lá faleceu. A irmã Ana tornou-se uma competente psicóloga e enriqueceu. Paulina quis ir embora para Israel. Não voltaria mais.

O narrador levou-a ao aeroporto não sem antes tentar persuadi-la a ficar. Despediram-se e nunca mais a viu. O narrador passou a viver sozinho. Ezequiel quase não escrevia, ao contrário de Paulina que escrevia longas cartas deixando-o a par de suas experiências no Kibutz. Vendeu a loja, que não ia nada bem, além do que, ele imaginava espectros de bugres sob o solo. Vendida a loja, mudou-se para um pequeno apartamento e seus problemas financeiros terminaram.

Certa ocasião escutou no noticiário que Noel estava internado num hospital em estado grave. A notícia deixou-o de tal forma abalado que imediatamente resolveu ir até O Rio visitá-lo. Chegando lá debruçou-se sobre Noel e implorou-lhe que não o abandonasse. Noel estava morrendo. O narrador retirou-se e cinco generais teceram comentários sobre o doente. De volta à casa, imaginou-se abrindo uma loja no Xingu. Iria se chamar A Majestade do Xingu.

Na Majestade do Xingu haveria lugar para o real e para o imaginário. A conjugação perfeira do prático e do mítico. Cansado da viagem, o narrador adormeceu e sonhou que um cossaco, um pogrom, enterrou o salto de sua bota em seu peito. Josiléia, sua empregada, socorreu-o quando acordou sentindo a horrível dor, levando-o para o hospital. Finaliza dizendo que esta é a sua história e que só tem importância porque é um pouquinho a história de Noel Nutels.

Fonte:
http://www.trabalhonota10.com/resumo-de-livros

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Guimarães Rosa (Campo Geral)

A narrativa de Campo geral começa quando Miguilim é levado por Tio Terez para ser crismado. O menino tem 8 anos e nunca saiu do Mutum, afora pequenas mudanças que fez quando ainda muito pequeno. Desta viagem, a lembrança mais nítida será de um comentário ouvido sobre a beleza de Mutum. Profundamente impressionado com esta referência, Miguilim não vê a hora de contá-la à mãe, Nhanina, sempre triste de ali viver.

Ao chegar em casa, vai tão aflito procurar a mãe, que acaba desgostando a seu pai e recebe castigo: não o acompanha juntamente com os irmãos na pescaria de domingo. Em contrapartida, aprende a fazer arapuca para pegar passarinho com o Tio Terez.

A rotina da casa inclui os brinquedos de Miguilim com seus irmãos por ordem de idade, Drelina, Dito, Chica, Tomezinho. Há também outro irmão, Liovaldo, mais velho que Miguilim, o único que não mora com a família. Na cozinha, a mãe e as empregadas, Rosa, Maria Pretinha e Mãitina, preparam as comidas. Nas cercanias, vivem os diversos cachorros da família. Havia uma cadela, a Pingo-de-Ouro, a que Miguilim era especialmente apegado, mas que foi dada pelo pai a tropeiros de pernoite no Mutum.

A descoberta de que Nhanina e Tio Terez tinham um caso causa grande confusão. O pai bate na mãe, Miguilim tenta interrompê-lo e termina sendo castigado _ . Vovó Izidra, sua tia-avó, é quem toma a iniciativa de expulsar Tio Terez de casa, xingando-o de Caim. Nesta noite, uma grande tempestade faz Dito e Miguilim conversarem sobre o medo da morte. Para acalmar a todos, Vovó Izidra puxa uma reza.

No dia seguinte, Seo Deográcias, entendido de remédios, foi com o filho, Patori, visitá-los. Queria, na verdade, pegar emprestado alguns mantimentos e cobrar um dinheiro, mas aproveita para aconselhar sobre a saúde de Miguilim, que a todos parecia frágil.

Aos poucos, Miguilim começa a cismar que vai morrer. Faz uma promessa a Deus: se ele não morresse nos próximos dias, não morreria mais. Enquanto isso, se compromete a rezar uma novena. Contudo, os dias passam, ele não principia a novena e vai ficando cada vez mais ansioso. Começa então a rever vários momentos e se recorda da habilidade de Dito em se comportar de modo que não desagrade o Pai, da curiosidade que Patori lhe despertou sobre sexo, do aconchego que sentia em criança de ficar nos braços de Mãitina. No derradeiro dia, nem da cama ele quer sair. E até Seo Aristeu, outro curandeiro da região, vir vê-lo, Miguilim não pode acreditar em outra coisa que não fosse a morte chegando. Temia estar tísico, mas Seo Aristeu logo foi explicando no seu jeito alegre de falar que essa doença não dava por aquela parte dos Gerais.

O pai então toma uma decisão: a partir do próximo dia, Miguilim irá levar-lhe comida na roça onde trabalhava. O menino fica muito feliz de se sentir útil. Quando foi cumprir a tarefa pela primeira vez, Tio Terez aparece no caminho e pede ao sobrinho um favor: entregar um bilhete a Nhanina. O pedaço de papel no bolso põe Miguilim num grande embate interior: o que seria mais certo fazer? Sem contar o motivo, consulta todos sobre o que é certo ou errado. Como sempre, é com Dito que Miguilim vai se orientar, tentando pedir explicações que o irmão, apesar de menor, parece sempre conhecer.

Depois de uma tarde e de uma noite de dúvidas, Miguilim só resolve em frente ao Tio Terez o que fazer: diz a verdade e devolve o bilhete. O Tio então se dá conta em que horrível posição colocara o sobrinho e se desculpa. Ainda atordoado, Miguilim deixa que os macacos roubem a comida do tabuleiro. O pai se diverte com a história, dando a sensação em Miguilim de ser amado.

Com a chegada de Luisaltino, novo parceiro de trabalho de Nhô Bero, vem a notícia de que Patori assassinou um rapaz e está foragido. Patori acaba morrendo de fome, e Nhô Bero larga tudo para prestar solidariedade a Seo Deográcias, que se desesperava com a perda do filho. Mas o que mais agradou a Miguilim foi que Luisaltino traz consigo um papagaio, o Papaco-o-Paco.

Uma manhã, depois de ter ido espiar uma coruja, Dito pisa num caco de pote e corta o pé. O tétano toma conta do menino e, em poucos dias, ele morre. Miguilim se desespera e esse intenso sofrimento parece não passar nunca. Mãitina tem uma idéia que o ajuda a enfrentar a dor: juntou roupas e brinquedos de Dito e alguns guardados seus e enterrou tudo no quintal, marcando depois o lugar com pedrinhas lavadas do rio.

Para tirá-lo dessa tristeza, Nhô Bero resolve pô-lo para trabalhar: começa a debulhar milho, capinar a horta, buscar cavalo no pasto. Miguilim não acha ruim trabalhar, mas não vê alegria em nada. Para complicar, dias depois chegam Tio Osmundo e o irmão Liovaldo.

O Tio não simpatiza com Miguilim e Liovaldo começa a provocá-lo. Até que Liovaldo faz pequenas maldades com o menino Grivo e Miguilim, indignado, acaba partindo para a briga. Nhô Bero fica tão furioso que dá uma sova de correia no menino. Miguilim sente tanto ódio do pai que nem chora: só pensa em crescer e matá-lo. Nhanina, para abrandar a situação, manda Miguilim se hospedar na casa do vaqueiro Saluz por três dias. Na volta, Miguilim não pede a bênção ao pai, que então se vinga, soltando os passarinhos de Miguilim e despedaçando as gaiolas. Miguilim por sua vez extravasa sua raiva, quebrando os próprios brinquedos.

Quando o Tio e o irmão vão embora, Miguilim pela primeira vez se alegra com a possibilidade de um dia ser ele a partir. Com esta idéia na cabeça começa a se reanimar, a repassar tudo que aprendera com Dito, mas termina por adoecer, o que desespera Nhô Bero. Durante a sua convalescença, uma tragédia se precipita: Nhô Bero descobre que Luisaltino o traía com sua mulher; mata o ajudante e, em seguida, se suicida.

Seo Aristeu tenta animar Miguilim. Nhanina conta sua intenção de casar com Tio Terez, que a esta altura já está de volta. Miguilim, ainda abatido com a doença e com todos os acontecimentos, vê chegar dois homens a cavalo. Um deles logo repara no jeito de Miguilim olhar, com os olhos apertados. O grupo vai para a casa e Miguilim é examinado até que o homem, doutor José Lourenço, do Curvelo, chega a um diagnóstico: vista curta. Tira os próprios óculos e empresta ao menino, que nem pode acreditar em tudo que se revelou a sua frente.

O doutor se oferece para levar Miguilim para a cidade: providenciaria os óculos e poria Miguilim para estudar. Miguilim aceita o convite e se prepara para ir embora na manhã seguinte. Mas, antes de partir, pede de novo os óculos. Quer levar consigo uma imagem nítida da família e do Mutum, que, agora ele via, era realmente bonito.

Fontes:
www.trabalhonota10.com/resumo-de-livros/campo-geral.html

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Osman Lins (Lisbela e o Prisioneiro)

Osman Lins participou da vida literária e cultural do Brasil entre 1955, quando publicou seu primeiro romance, O visitante, até sua morte, a 08 de julho de 1978. Autor de uma obra vasta e variada (contos, romances, novelas, peças de teatro, livros de viagem, poesias, casos especiais para televisão, ensaios e artigos), este pernambucano de Vitória de Santo Antão sempre deixou claro que a menina de seus olhos era a ficção narrativa.

De fato, contos e romances foram objeto de extrema dedicação, imune a concessões que garantiriam a Osman Lins sucesso de público, mas que o desviariam de seu projeto literário, direcionado pela idéia de encontrar uma forma específica para dar conta da visão de mundo a que chegara em sua maturidade. Visão expressa literariamente a partir de Nove, novena (1966).

Além do romance inaugural já mencionado, antecederam este livro composto por nove narrativas, Os gestos (contos1957) e O fiel e a pedra (romance, 1961). Todos gravitam em torno da narrativa tradicional e demonstram um feliz domínio de fusão de técnica e estilo, regado por frases com ritmos adequados, por palavras exatas, por acertadas e belas imagens.

Os mesmos tipos de personagens de seus primeiros livros (velhos, doentes, crianças, adolescentes, mulheres em situações prosaicas da vida, em geral, em solo nordestino) se mantêm ao longo de sua obra, num registro lírico de literatura introspectiva, marcada pela solidão, mas também impregnada de problemática de ordem social, às vezes com sutileza, outras, com tintas mais fortes. Nove, novena e os romances Avalovara (1973) e Rainha dos Cárceres da Grécia (1976) diferenciam-se, no entanto, de seus primeiros livros pela quebra da ilusão da realidade com a rarefação e a dispersão do enredo, por novos processos de composição da personagem e por alta dose de reflexão sobre o romance, o que lhes permite representarem um “momento de decisiva modernidade”, na Literatura Brasileira dos anos de 1970. A fidelidade de Osman Lins à busca de uma expressão própria na ficção, decorrente de uma recusa à cômoda retomada do já conquistado e de uma fé inabalável no poder criador da palavra, foi reconhecida e admirada pela crítica brasileira e estrangeira, com raras exceções. No entanto, ele é um autor ainda pouco difundido. Por isso é oportuna esta publicação de Lisbela e o prisioneiro.

O reaparecimento desta obra é especial porque permite ao público entrar em contato com o texto, no registro dramático, de um autor meticuloso no uso da palavra e na arquitetura da peça. Além disso, revela um aspecto decisivo de sua personalidade literária e cultural no sentido de procurar dar o melhor de si, mesmo na esfera que, a rigor, não é a de sua preferência. Consciente e cioso de seu ofício com a palavra, tudo o que dispõe para seus leitores é fruto de um período de preparação.

Para escrever Lisbela e o prisioneiro, Osman Lins não demorou dez anos de exercício constante até atingir a configuração harmoniosa como ocorrera com seu livro de contos Os gestos. Ao contrário, iniciou-a em 25 de julho e a concluiu a 9 de setembro de 1960, tendo se dedicado às modificações que lhe pareceram necessárias nos dias restantes do referido mês, conforme seu depoimento, publicado no programa distribuído por ocasião da primeira temporada de encenação da peça pela Companhia Tonia, Celi, Autran (CTCA) no Teatro Mesbla, no Rio de Janeiro, em 1961.

No entanto, Lisbela e o prisioneiro é fruto de um meticuloso trabalho preparatório, pois Osman Lins já tinha obtido menção honrosa no I Concurso Nacional da Cia. Toni-Celi-Autran, com a peça, O vale sem sol, em 1958. Insatisfeito com sua incursão como dramaturgo, considerando-a deficiente, matricula-se, nesse mesmo ano, no Curso de Dramaturgia da Escola de Belas Artes de Recife, onde vem a ser aluno de Joel Pontes, de Hermilo Borba Filho e de Ariano Suassuna. Numa entrevista, Osman Lins mencionará este último como professor da disciplina de play-writer, que teria exercido uma possível influência sobre ele, no que diz respeito às normas de composição de Lisbela e o prisioneiro.

Ao concluir o curso, em 1959, escreve um drama em três atos, Os animais enjaulados. No ano anterior, solicitado por uma de suas filhas, compusera num só dia um auto de Natal, O cão do segundo livro, em dois atos. Depois deste paciente exercício, assumido com humildade (Osman Lins já tinha publicado dois livros de ficção, reconhecidos e premiados, quando se tornou aluno no Curso de Dramaturgia), o obstinado escritor pernambucano obteve o primeiro lugar de comédia no 2 Concurso Nacional da Cia. Tônia , Celi , Autran.

Outras peças serão ainda escritas por Osman Lins: Guerra do cansa-cavalo (prêmio Anchieta, 1965; encenada em 1971, na inauguração do Teatro Municipal de Santo André); peça infantil, Capa Verde e o Natal (prêmio Narizinho, da Comissão Estadual de Teatro, 1965); Mistério das figuras de barro (dirigida pelo autor e encenada pelos alunos da Faculdade de Marília, em 1974); Santa, automóvel e soldado (coleção de três peças, publicadas em 1975); Romance dos soldados de Herodes (encenada no Rio Grande do Sul e em São Paulo, em 1977).

Lisbela e o prisioneiro foi sua primeira peça a ser encenada, com retumbante sucesso. E com certeza é a que até hoje teve mais alcance de público. Se muito da fama de uma peça deve ser creditado ao trabalho de direção, ao desempenho dos atores, à cenografia, ao figurino, à iluminação, ao som; outro tanto pelo menos também deve ser atribuído ao texto do dramaturgo.

No caso específico desta peça, adensa-se a função do texto porque se inscreve no ideário do teatro tradicional, sob a pena de um autor obsessivo com a arquitetura da estória e com a atenção à palavra. Desse modo, trata-se de uma peça que também pode ser lida com prazer tanto pelo leitor que se contenta apenas com o divertimento como por aquele mais exigente, que busca, além da fruição, incursões em diferentes níveis de significação que a obra lhe oferece.

Lisbela e o prisioneiro é uma comédia de caracteres, embora as ações desenvolvidas na cadeia de Vitória de Santo Antão desempenhem uma função considerável na sua estrutura tradicional, com exposição, desenvolvimento, falso clímax, clímax, desfecho de situações, vivenciadas por personagens nordestinas e muito bem amarradas.

Lisbela, filha do Tenente Guedes, delegado da Cadeia de Santo Antão, forma par amoroso com o funâmbulo Leléu, um Don Juan nordestino. Esse casal anticonvencional assume riscos em nome de sentimentos intensos. Lisbela foge com Leléu, no dia de seu casamento com Dr. Noêmio, advogado vegetariano, por isso mesmo personagem destoante do meio em que se encontra, prestando-se a alvo de muitas tiradas cômicas. Ao marido, doutor, representante do estabelecido e da segurança, a jovem prefere Leléu, o artista de circo preso, com tudo o que este significa de risco e subversão dos valores vigentes em seu meio.

A peça é dominada pela presença de personagens masculinas. Além das já referidas, atuam na cadeia de Vitória de Santo Antão, Jaborandi, soldado e corneteiro, afeiçoado a fitas em série; Testa-Seca e Paraíba, outros presos; Juvenal, outro soldado; Heliodoro, cabo de destacamento, casado, já com uma certa idade, apaixonado por uma jovem, o qual chega a forjar um falso casamento para possui-la; Tãozinho, vendedor ambulante de pássaros, que rouba a mulher de Raimundinho; Frederico, assassino profissional, à procura de Leléu, que deflorou sua irmã Inaura,e que por ele é salvo, sem saber, de um ataque de boi; Lapiau, artista de circo, amigo de Leléu, que participa da farsa de casamento de Heliodoro com a jovem; Citonho, o velho carcereiro, esperto e dinâmico, cúmplice, no final, de Lisbela e de Leléu e mais dois soldados, personagens mudas.

Lisbela, a única filha do tenente Guedes, é também a única mulher que atua em cena; as outras são apenas mencionadas nos diálogos. E atua com força, porque enfrenta a autoridade patriarcal, representada pelo pai e pelo noivo, ao tomar iniciativa para colaborar com a fuga de Leléu da prisão e a se dispor a abandonar o marido no dia de seu casamento para aventurar-se na vida com o equilibrista. Como se não bastasse isso, é ela quem livra Leléu da morte, ao atirar, aparentemente, em Frederico, o assassino profissional, quando este lhe apontava a arma, pouco antes do desfecho da peça. Parece e julga-se tornar-se uma criminosa, colocando o pai numa situação incômoda. Para livrar a própria filha da cadeia, este usará expedientes comprometedores para a lisura de uma autoridade, com o fito de embaralhar ou ocultar a autoria do suposto crime, pois no desfecho da peça revela-se que Frederico morreu de morte natural. Por suas ações, Lisbela não apenas renega os mesquinhos valores, mas também expõe as fraturas da sociedade patriarcal.

O gênero comédia aliado ao perfil anticonvencional da dupla protagonista foi muito bem escolhido por Osman Lins para pôr em cena, no contexto de uma região de valentias, de sentimentos exaltados, de honra e vinganças, um crime inesperado, porque aparentemente cometido pela jovem Lisbela. Inesperado, mas plenamente justificado, se tivesse ocorrido.

Atitudes que causam surpresa também compõem Leléu, que nada tem de prisioneiro em termos dos valores estabelecidos, garantidores de acomodada segurança, mas negadores da “flama da vida”. Volúvel nos amores, experimentador de várias profissões, portador de diferentes identidades, afeiçoado a riscos e deslocamentos, o circence Leléu, que tanto quer e tanto faz para sair das grades da cadeia de Vitória de Santo Antão, não hesita a ela retornar, só para ficar próximo de Lisbela, quando fracassa o plano de fuga dos dois. O paradoxal retorno à prisão é mais um movimento desta personagem para a libertação das amarras de valores que lhe são menores do que os impulsos da vida. Ele vive sempre com fervor seu minuto de aflição ou de alegria, como bem acentuou o próprio Osman Lins, ao apontar para o efeito contaminador de sua ”flama”, no programa da primeira temporada desta comédia: Leléu acende, mesmo na cadeia, as apagadas chamas de Lisbela e desperta em Citonho, o velho carcereiro, o herói escondido.

Aliás, essa personagem é uma daquelas que mais se destacam na peça e atraem a atenção e a conivência do leitor, porque de velho caduco e fraco, propício a gozações dos mais jovens e fortes, ele não tem nada. Com maestria, Osman Lins desvela na personagem octogenária, enfraquecida, em tese, pela faixa etária e pela categoria da função exercida, a mais desqualificada do contexto da peça, sua perspicácia, lucidez, força e coragem. O velho solitário considerado caduco pelo tenente Guedes é o que, de todos os seus submissos, mais o enfrenta: toma partido de Lisbela e de Leléu, em prol do amor libertário, com todos os seus riscos, e age com esperteza para proteger a jovem da suposta autoria de seu crime. Enfim, do velho também emanam vida e movimento.

Essa poética do avesso contribui ainda para relativizar o lado antipático do tenente Guedes, representante da polícia. Apesar de suas atitudes condenáveis, como os desmandos, a prepotência, a conivência com o crime, o delegado mostra-se humano quase todo o tempo. Por causa de sua função, não consegue se desvencilhar do “encarceramento profissional” e se vê obrigado a tomar atitudes contrárias a seu temperamento. Eis um dos motivos pelos quais está sempre a afirmar que “a autoridade é um fardo”. Bordão com efeitos cômicos, de acordo com as situações nas quais é proferida. No fundo, o tenente Guedes é mais prisioneiro de sua profissão que todos seus subalternos.

Dentre estes, merece menção especial o soldado e corneteiro, Jaborandi, que vive fugindo do local de trabalho, para assistir fitas em série no cinematógrafo, interrompendo seus momentos de fantasia, na hora que tem de tocar a corneta. Em meio a idas e vindas, ele vive entre o sonho e a realidade, mas uma realidade na qual sua função, tocar corneta, é desprovida de sentido conseqüente, a não ser o de acentuar a sua falta de sentido naquele contexto: para quê tocar corneta numa prisão? No mínimo, tais cenas provocam o riso, cumprindo sua função na comédia, e abrem brechas para o próprio Jaborandi e outras personagens estabelecerem ligação entre as estruturas das fitas em série (filmes de bandido e mocinho) e os episódios da comédia, além de interiorizarem na própria peça alusões às relações entre a vida e a fantasia.

Por mais despretensioso que tenha sido Osman Lins na composição simples e direta desta comédia, quando se encontrava ainda na fase da busca de caminhos próprios para sua ficção e para seu teatro, como ele próprio afirmou em entrevista concedida em 1961, o fato é que Lisbela e o prisioneiro é uma peça de um autor seguro, engenhoso e talentoso, que tem muito ainda a dizer em nossos dias, desde o que se refere aos desmandos e à conivência da polícia com o crime até questões de ordem existencial.

O regionalismo de Lisbela e o prisioneiro, fundado no aproveitamento de incidentes testemunhados por amigos, por familiares e por Osman Lins bem como apoiado na transposição de ditados, expressões populares e dísticos encontrados em pára-choques de caminhões, é transfigurado sob a pena de seu autor. Matéria e linguagem re-elaboradas tecem esta peça, regada por uma equilibrada dosagem de leveza, comicidade e ternura, e assentada em valores libertários em prol da vida, o que lhe abre as portas para outros tempos e outros espaços.

O Filme
Lançado no Brasil em 2003, por Natasha Filmes / Fox Film do Brasil / Globo Filmes / Estúdios Mega. Direção: Guel Arraes. Elenco: Selton Mello (Leléu); Débora Falabella (Lisbela); Virginia Cavendish (Inaura); Bruno Garcia (Douglas); Tadeu Mello (Cabo Citonho); André Mattos (Tenente Guedes); Lívia Falcão (Francisquinha); Marco Nanini (Frederico Evandro)

Premiações
Ganhou 2 prêmios no Grande Prêmio Cinema Brasil, nas seguintes categorias: Melhor Ator (Selton Mello) e Melhor Trilha Sonora. Recebeu ainda outras 10 indicações, nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Bruno Garcia e Tadeu Mello), Melhor Atriz Coadjuvante (Virginia Cavendish), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Montagem e Melhor Som.

Curiosidades
– Lisbela e o Prisioneiro é o primeiro longa-metragem do diretor Guel Arraes feito especificamente para o cinema. Seus filmes anteriores, O Auto da Compadecida e Caramuru – A Invenção do Brasil, eram adaptações de miniséries exibidas pela Rede Globo.

– Antes de levar Lisbela e o Prisioneiro aos cinemas, Guel Arraes adaptou o texto de Osman Lins para um especial de 50 minutos exibido pela Rede Globo e ainda uma peça teatral.

– Foi o 7º filme mais visto em 2003 no Brasil, tendo levado 3.146.461 pessoas aos cinemas.

Fontes:
Sandra Nitrini. Planeta, junho de 2003
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/lisbela

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Érico Veríssimo (Um Lugar ao Sol)

Vasco caminha pela vida numa incansável e persistente busca: de emprego, de amor, de dias melhores… Mas não importa. Já se habituou a viver em constante contradição. Busca as aventuras da boemia e descobre os prazeres de um viver regrado. Como será o amanhã? Não se sabe… Há dificuldades imensas, mas é certo que também existe Clarissa, sua paixão, o elo que o prende à realidade. A vida ainda vale a pena! Permanecer e lutar ou ganhar mundo com seu pai, num percurso solitário? Erico Verissimo consegue, neste livro contundente e atual, mostrar que, apesar dos pesares que marcam o destino inexorável do homem, todos nós temos direito a Um Lugar ao Sol. Neste livro, o escritor consegue elaborar de modo impecável um retrato vivo da complexidade do ser humano e das questões que o inquietam. Reunindo personagens já conhecidas de suas obras anteriores, coloca-as a nu, com uma linguagem sincera e comovente, criando situações em que o cotidiano se impõe sempre, implacável. Assim, à miséria e à violência que marcam o destino do homem, somam-se aspectos do mais profundo humanismo: a solidariedade irrestrita, a esperança de uma vida melhor, a amizade, a paixão.

Sempre crítico, o autor analisa a sociedade procurando compreendê-la de forma realista, isenta. E as personagens, vivendo o presente intensamente, ao sabor dos acontecimentos, não se preocupam com o amanhã. É melhor “seguir ao acaso, como os barcos antigos, sem bússula nem porto certo, guiados apenas pelas estrelas”. Com uma temática atual e forte, o enredo envolve o leitor e leva-o a refletir sobre o próprio destino, seus encantos e desencantos, sua impotência e pequenez frente à vida.

Fontes:
http://www.coladaweb.com/resumos/lugarsol.htm
http://www.traca.com.br/ (figura)

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Edmond Rostand (Cyrano de Bergerac)

O Valente espadachim e romântico poeta Cyrano de Bergerac não é fruto da imaginação criativa de Edmond Rostand : Saviniano Hércules Cyrano de Bergerac nasceu em Paris em 1619. Aos 19 anos abraça a carreira militar, tornando-se cadete da Guarda de Paris. Participa de várias batalhas, inclusive do cerco de Arras , onde recebe forte golpe na garganta, o que encerra sua vida militar. Em 1653, passa a trabalhar na casa do duque de Arpajon, instalando-se no palácio de Marais, onde é ferido na cabeça devido à queda de um pedaço de madeira do teto. Em 1655, pressentindo a morte, vai para a casa de uma prima- a baronesa de Neuvillette-, vindo a falecer cinco dias depois. Cyrano talvez não tenha tido a coragem, o heroísmo e a nobreza do personagem de Rostand. Mas era um homem polêmico e dedicado à cultura. Foi escritor, teatrólogo, filósofo, ensaísta, comediante e boêmio. E parece que tinha realmente um enorme nariz, motivo de zombarias que o levavam a bater-se em duelo com muita freqüência. Sua obra é pouco expressiva, mas curiosa. Escreveu um volume de Cartas, muitas contendo ataques vigorosos a personalidades da época; uma comédia, Le pédant joué, onde critica seus antigos chefes militares; uma tragédia. A morte de Agripina, citada na peça de Rostand; e uma obra audaciosa, chamada O outro mundo. Muitos dos fatos e personagens incluídos em Cyrano de Bergerac são verídicos, como a batalha de Arras e o inimigo Montfleury.

O famoso escritor Moliér foi realmente contemporâneo de Cyrano, e parece Ter sofrido alguma influência dele ( na peça , é acusado de plagiá-lo). Rostand cita também personagens de outros autores do século XVII, como por exemplo D’Artagnan, o conhecido herói da obra Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas. Quanto a Roxana, teria sido a prima que acolheu Curano pouco antes de sua morte. Não se sabe , porém, se a devotada paixão do célebre narigudo era real, nem tão intensa. Na peça , a jovem aparece como uma “preciosa”, uma típica mulher da sociedade parisiense de meados do século XVII, que frequentava salões mundanos, usando linguagem rebuscada e artificial. Embora Molière as tenha satirizado em sua peça As Preciosas ridículas, Rostand não apresenta uma Roxana caricatural, apesar de ela se mostrar um tanto frívola e fascinada pela literatura empolada de Cyrano. Cyrano de Bergerac foi representada em inúmeros paises. No Brasil foi traduzida em 1907 por Carlos Porto Carreiro, cujo trabalho admirável é uma verdadeira proeza de habilidade lingüística.

Fonte:
http://www.coladaweb.com/resumos/cyrano.htm
www.soundtrackcollector.com (figura)

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Henry Rider Haggard (As Minas do Rei Salomão)

As minas do Rei Salomão, publicado originalmente em 1885, é um best-seller escrito por Henry Rider Haggard, escritor vitoriano de aventuras e fabulista. O livro narra uma jornada ao coração da África feita por um grupo de aventureiros liderados por Allan Quatermain em busca de lendária riqueza que diz-se estar oculta nas minas que dão nome ao romance. É considerado o primeiro romance de aventura a se passar na África e é considerado o precursor do gênero literário “mundo perdido”, em que se descobre um novo mundo, daí sua importância.

Tornou-se um imediato best-seller. No final do século XIX, exploradores estavam descobrindo civilizações perdidas em volta do mundo, como o Vale dos Reis no Egipto, a cidade de Tróia, o Império Assírio. A África ainda era largamente inexplorada e “As minas de Salomão” foi o segundo romance de aventura africana publicado em inglês, capturando a imaginação do público. O primeiro foi Cinco Semanas em Um Balão, publicado em 1863 pelo escritor francês Júlio Verne.
O “Salomão” do título do livro é, claro, o rei bíblico renomado tanto por sua sabedoria quanto por sua riqueza. Um número de locais foi identificado como sendo o lugar onde estariam localizadas as minas de Salomão, incluindo Timna (pequena cidade no Iêmen) perto de Éilat, e muitos lugares “fictícios”.

Haggard conhecia bem a África, pois havia penetrado no continente como um jovem de dezenove anos envolvido com a guerra Anglo-Zulu e a Primeira Guerra Bôer, as quais forneceram sua base e inspiração para esta e muitas outras histórias.

Análise

Conta-se que o livro surgiu como resultado de uma aposta de Haggard com seu irmão, a saber, que ele não conseguiria escrever um romance com a metade da qualidade da “A Ilha do Tesouro” (1883) de Robert Louis Stevenson.

Como “A Ilha do Tesouro”, a maior parte do livro foi escrita com a perspectiva em primeira pessoa como em um diário de viagens, relatando a aventura, em contraste com a maioria das ficções vitorianas que tinha adotado a perspectiva em terceira pessoa, onisciente, favorecida por escritores influentes como Charles Dickens, Wilkie Collins e Anthony Trollope.

“As Minas do Rei Salomão” foi bastante influente, originando o gênero “mundo perdido”, seguido depois por Edgar Rice Burroughs em “A terra que o tempo esqueceu”, “O mundo perdido” de Arthur Conan Doyle, “King Kong” de Edgar Wallace e “O homem que queria ser rei” de Rudyard Kipling.

O livro ganhou pelo menos quatro adaptações para o cinema. A obra homónima do escritor português Eça de Queirós, mais que uma mera tradução, constitui uma obra com valor próprio.

Resumo do enredo

Allan Quatermain, um caçador e aventureiro inglês, morando em Durban, África do Sul, é abordado por um aristocrata inglês, Sir Henry, e seu amigo, Capitão Jhon, buscando a ajuda de Quatermain para encontrar o irmão perdido de Sir Henry, visto pela última vez viajando pelo interior em direção ao norte, em uma busca pelas lendárias minas do rei Salomão. Quatermain havia obtido, anos antes, um mapa que levava às minas, sem nunca tomá-lo a sério, mas concorda em liderar uma expedição em troca de parte do tesouro, ou uma pensão para seu filho, se ele for morto no caminho. Ele tem poucas esperanças de retornar vivo. Eles também levam um misterioso nativo, Umbopa, que parece ter uma maneira de falar mais educada e ser mais majestoso e bonito que a maioria dos carregadores, mas que está muito ansioso para juntar-se ao grupo.

Viajando em bois e em carruagens, eles chegam aos limites de um deserto. O mapa de Quatermain mostra um oásis a aproximadamente 96 quilômetros de distância, ou a metade do caminho, e eles continuam a pé, quase morrendo de sede, antes de chegar até ele. Eles completam a segunda metade do deserto sem incidentes e chegam ao sopé de uma cordilheira. Eles sobem até o topo e entram em uma caverna aonde encontram o corpo seco e congelado de José Silvestre, o explorador português do século XVI que havia desenhado o mapa de Quatermain. Eles cruzam as montanhas em direção a um vale cultivado e exuberante, habitado por uma tribo de nativos conhecida como Kukuanas, que são militarmente bem organizados e falam um antigo dialeto Zulu.

Eles são levados para ver o rei Twala, que comanda seu povo com implacável violência. Ele assumiu o poder anos antes quando assassinou seu irmão, que seria rei, e exilou a esposa e o filho de seu irmão, supostamente mortos no deserto. O rei Twala é apenas um rei de fachada, pois o verdadeiro cérebro por trás dele é uma velha embusteira chamada Gagool.

Secretamente é revelado que o majestoso servente que veio com os ingleses é, na verdade, o filho exilado do rei assassinado. Uma rebelião tem início e em maior número, os rebeldes obtêm sucesso em derrubar Twala e, de acordo com a tradição Kukana, Sir Henry mata Twala em um duelo. Os ingleses capturam a malvada Gagool e ela promete guiá-los para a montanha onde estão localizadas as minas de Salomão. Ao achar o tesouro, Gagool engana os ingleses e uma pedra gigante os prende dentro da montanha. Sem luz e com pouca água, eles preparam-se para morrer. Com sorte, encontram uma rota de fuga, trazendo consigo, do enorme tesouro, apenas uns poucos bolsos cheios de diamantes, mas ainda o suficiente para fazê-los ricos.

O grupo deixa o vale e retorna ao deserto, tomando uma rota diferente, na qual acham o irmão de Sir Henry “encalhado” em um oásis com uma perna quebrada, incapaz de ir em frente ou de voltar. Todos voltam para Durban e, por fim, para a Inglaterra, ricos o suficiente para viver confortavelmente.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

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Arthur C. Clarke (Resumo de Alguns Livros)

Expedição para a Terra

Durante a Segunda Guerra Mundial, Arthur C. Clarke trabalhou na operação dos primeiros radares desenvolvidos pelos Aliados e pouco mais tarde escreveu o artigo “Extraterrestrial relays”, que lançaria a idéia por detrás do satélite de comunicações geosincrônico – uma das bases da moderna rede de telecomunicações. Ao mesmo tempo que ajudava ao Aliados a detectar a chegada dos foguetes V-2 do Eixo, ele sonhava com o desenvolvimento da viagem espacial. A mistura de conhecimento tecnológico prático, o sonho de explorar as Estrelas e a percepção aguda da época em que vivia daria origem na década de 50 aos contos que fazem parte de “Expedição para a Terra”. Contos em que o pesadelo da guerra nuclear divide espaço com a esperança e os perigos da exploração espacial.

No primeiro conto, “Second Dawn (Segunda Aurora)”, nós visitamos um mundo alienígena, onde a guerra entre duas raças inteligentes dotadas de grande inteligência e poderes mentais, os Atheleni e os Mithraneans, chegou ao fim com a vitória dos Atheleni… ao custo do desenvolvimento de uma técnica de destruição da mente tão poderosa e ao mesmo tempo tão simples que mais cedo ou mais tarde os antigos inimigos a descobririam e uma guerra definitiva ocorreria… a não ser que algo mudasse suas civilizações tão radicalmente que tornaria a própria guerra absurda. A resposta vêm de uma raça atrasada, os Pheleni, mas dotados de algo que as poderosas mentes dos dois povos não podem ter devido as limitações de seu próprio corpo: habilidade manual e a capacidade de moldar o mundo ao seu redor. Guiados pelos Atheleni, os Pheleni começam a desenvolver uma tecnologia surpreendente… mas será que a mesma capacidade de mudar o mundo para melhor não descobriria algo tão terrível quando a técnica da Loucura: o Poder Atômico?

Um garoto acompanha seu pai em uma peregrinação pela Lua no lírico “If I Forget Thee, Oh Earth …” (Se eu esquece-la, Oh Terra…), quando a lembrança do antigo planeta, agora destruído por uma guerra nuclear, e o desejo de retornar para casa, se tornam a razão da humanidade continuar em frente.

Com uma temática parecida com o futuro “Maelstrom II”, porém com desenvolvimento completamente diferente, “Breaking Strain” (filmado com o titulo de “Acidente Espacial” (Trapped in Space)) narra o duelo psicológico e emocional entre os dois tripulantes da nave Star Queen, o capitão Grant e o engenheiro de bordo McNeil, quando um meteoro atinge os reservatórios de oxigênio da nave, deixando com apenas 20 dias de ar, quando ainda faltam trinta dias para chegar em Vênus. As leis da mecânica celeste não permitem quaisquer mudanças no ritmo da viagem… ambos estarão mortos em vinte dias. Mas espere um pouco, o ar durará vinte dias para *dois* homens, mas se houve apenas *um*… A realização desse fato levará tanto o rigido Grant quanto o hedonistico McNeil a pensarem o impensável… e talvez tentarem o inconcebível.

Em “History Lesson” (Lição de História), Clarke narra o desaparecimento de nossa civilização devido a uma futura Era Glacial e as descobertas feitas por arqueólogos venusianos ao examinar talvez o único registro que eles poderiam entender: um rolo de filme… mas qual filme? Nós descobrimos isso ao final, numa tremenda brincadeira com as nossas tentativas de entender nosso próprio passado.

Um conto de space-opera que critica a lógica da Guerra Fria e a tendência humana de não questionar as conseqüências de suas tecnologias, “Superiority” (Superioridade) é o relato do comandante das forças armadas de um império estelar derrotado, explicando que sua derrota não ocorreu devido as virtudes de seu adversário, mas devido a própria superioridade militar de seu império. Como tal paradoxo é possível? O comandante explica muito bem, terminando com um pedido para Corte, que devido ao relato se torna hilário.

Em “Exile of the Eons”, um ditador tenta fugir de seus inimigos usando a técnica da animação suspensa para restabelecer seu império cem anos no futuro. Porém com uma ajudinha da Lei de Murphy e de um filosofo com poderes telepáticos exilados nos últimos dias do Sistema Solar, a justiça tarda… mas não falha, ironizando a ambição e a sede de poder.

Após uma caçada, um homem começa a contar, em “Hide and Seek” (esconde-esconde) um caso que é rir para não chorar: quando o misterioso agente K.15, em uma roupa espacial, escapa da mais poderosa nave do inimigo, ao brincar uma versão planetária de esconde-esconde…

Cientistas de um império estelar que se destruindo encontram um planeta com seres idênticos a eles mesmos, se bem que em um estado extremamente primitivo. As questões que o contato traz, assim como se esses seres que só agora começam a erguer uma civilização, seram capazes de evitar os erros cometidos por seus visitantes dá a “Expedição para a Terra” um toque lírico e melancólico ao conto.

A civilização marciana percebe que os terráqueos começam a desenvolver a tecnologia espacial e o poder atômico. Preocupados que aqueles seres atrasados poderiam ser uma ameaça para sua civilização, os marcianos lançam um ultimato para que a humanidade abandone a pesquisa espacial… só que eles não contavam com uma brecha legal nas Leis da Fisica em “Loophole” (Fenda).

Em “Inheritance” (Herança), descobre-se a razão da confiança de um piloto de teste num fenômeno que lembra muito uma das peças do enredo de “O Fim da Infância”… só que talvez o piloto não tenha entendido muito bem o que sua visão queria dizer…

Durante as primeiras explorações lunares, um geólogo – ou melhor, um selenogista – encontra algo incrível, um artefato claramente artificial, uma pirâmide protegida por um campo de força. Obra de uma antiga civilização selenita ou de alienígenas bem mais antigos e avançados que nós? O descobridor da pirâmide nos conta as suas próprias idéias sobre a função da pirâmide… parece familiar?

Os contos do livro são claramente inspirados na space-opera que dominava o gênero da Ficção Científica na época, só que ao mesmo tempo, mostram um humor e uma critica sutil à sociedade e as tendências da humanidade, raramente vistas na space-opera de então. São contos escritos em uma época que um homem podia temer o amanhã e ao mesmo sonhar com as Estrelas…

A ESTRELA

A Estrela é um conto de ficção científica de Arthur Charles Clarke datado de 1956, que se desenrola depois de uma expedição em visita de uma estrela transformada em supernova milhares de anos antes.

Após observarem o astro percebem um planeta girando a sua volta numa órbita muito distante o que o teria preservado do pior da explosão, e notam os restos de algumas construções artificiais em sua superfície. Ao analisarem de perto estes restos, os pesquisadores concluem que são os últimos vestígios de uma antiga civilização que existia antes da estrela explodir e que, incapazes de escapar do destino fatal, deixaram no último planeta o máximo de informações possíveis a respeito de sua cultura.

Um padre que vai na expedição, se impressiona com a humanidade dos indivíduos daquela civilização e presume que estes seriam seres pacíficos que tiveram um cruel destino, sua compaixão porém se transforma em desespero quando, após vários cálculos, descobre que a estrela em questão era a estrela de Belém, fazendo com que o anunciamento do messias no qual ele acreditava e devotou a vida fosse um ato de genocídio de toda uma espécie inteligente. O conto foi considerado o melhor de 1956.

O SENTINELA
Publicada em 1951 que inspirou 2001 – Uma odisséia no Espaço.

O livro conta a história de uma estrutura piramidal descoberta na Lua que se revela ser uma espécie de radiotransmissor deixado por uma raça alienígena em tempos remotos, a qual havia percebido a possibilidade de se desenvolver na Terra vida inteligente e civilização. Devido à resistência de seus materiais, os terráqueos são obrigados a destruí-la para poderem analisá-la, o que faz com que ela pare de enviar sinais para seus construtores, revelando para estes a presença de mais uma espécie inteligente no universo: os seres humanos (VEJA O CONTO COMPLETO NA POSTAGEM ABAIXO)

A Muralha das Trevas
Escrito em 1949, que narra uma história passada num estranho universo composto de apenas um sol e um planeta.

Este planeta possui uma face tórrida eternamente voltada para o sol e outra, gelada, eternamente na escuridão, na fronteira entre os dois lados, numa estreita faixa de terra circundando o planeta, o clima possibilita a vida de uma civilização onde habita um homem intrigado desde a juventude com o maior mistério de seu mundo: uma imensa muralha negra que circunda todo o planeta impedindo sequer a visão do seu lado escuro, quanto mais o acesso a ele.

Durante toda sua juventude coletou histórias sobre o que existiria além da mesma e porque foi construída, mas encontrava apenas relatos míticos e lendários, como por exemplo, que lá era onde todos iriam após a morte ou onde ficavam antes de nascer, e ainda que fora feito para encerrar algum horror terrível. Já na idade adulta decide por fim junto com um amigo seu arquiteto, construir uma escadaria que levaria até o topo da muralha permitindo ver o que havia atrás dela. Após o término da construção ele chega ao alto da mesma e controlando o medo começa a caminhar em direção a outra borda, no caminho existe uma névoa que impede de ver além e faz com que com o seu avanço o sol atrás dele vá sumindo também até desaparecer de todo, mas quando isso acontece um outro sol idêntico ao que havia sido deixado para trás aparece na sua frente em meio a neblina e conforme vai andando, este novo astro fica mais nítido até aparecer por completo junto com o outro lado, e o protagonista para sua enorme surpresa descobre que é o mesmo lado de onde havia partido, o seu mundo na verdade é uma superfície de um lado só, mesmo sendo de três dimensões, não havendo portanto um outro lado da muralha, que foi construída para proteger da loucura todos os que fossem até aquele ponto, impedindo de verem diretamente um paradoxo espacial.

As Canções da Terra Distante
Conto onde narra o encontro entre os habitantes de uma isolada colônia terrestre no planeta Thalassa e os passageiros de uma imensa nave espacial que aporta no planeta devido a um defeito técnico.

Na história uma jovem de Thalassa apaixona-se de um dos ocupantes da nave, que promovem um choque cultural, porém seu amor é sem esperança por causa do comprometimento do rapaz com uma mulher que jaz congelada dentro da nave a espera do destino final da viagem, 200 anos-luz de distância.

2001: A Space Odyssey, ou 2001: Uma odisséia no espaço
É para muitos críticos, um dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos. Foi realizado em 1968 pelo cineasta Stanley Kubrick, natural dos Estados Unidos da América.
Este filme, com uma duração total de 139 minutos e apenas 40 de diálogo, analisa a evolução do Homem, desde os primeiros hominídeos capazes de usar instrumentos, até à era espacial e para além disso. Foi baseado nas obras de Arthur C. Clarke The Sentinel e 2001: A Space Odyssey, esta última escrita simultaneamente com as filmagens.

Uma das personagens principais do filme é o computador inteligente HAL 9000, uma das máquinas mais famosas da História do Cinema. A crítica viu no nome do computador uma referência velada à IBM, pois as letras da sigla precedem em uma casa a denominação da conhecida empresa estado-unidense do sector informático. Kubrick, no entanto, desmentiu essa tese, dizendo que isso não passou de uma coincidência.

Outros destaques do filme são os seus efeitos especiais pioneiros, e a sua trilha sonora, composta entre outras por obras de Richard Strauss (Assim Falou Zaratustra), e Gyorgy Ligeti (Lux Aeterna), sendo este último repetente nos filmes de Kubrick. Uma curiosidade sobre a trilha sonora do filme: Kubrick solicitou ao seu colaborador em Spartacus, Alex North, que compusesse a trilha sonora para a película. Depois de escutar o resultado, o diretor de “2001…” não ficou satisfeito e optou pela música clássica para dar vida às famosas cenas no espaço. North só soube que sua trilha tinha sido jogada no lixo no dia da estréia do filme, e ficou furioso.

Posteriormente foi lançado o livro “Mundos Perdidos de 2001” (The Lost Worlds of 2001), no qual Clarke conta a história do filme, a do livro e outras inéditas. No Brasil foi lançado pela editora Expressão e Cultura em 1972. Em 1984 foi lançada a sequência 2010: O ano que faremos contato, baseado na obra homônima de Arthur C. Clarke, lançada em 1982.

2010 – Uma Odisséia no Espaço II (2010: Odyssey Two)
Também levado às telas. Com o título de 2010 – O Ano em que faremos contato, Na verdade uma continuação do filme e não do livro. O ambiente para a narração é uma missão binacional (soviéticos e americanos) a bordo da nave espacial Cosmonauta Alexei Leonov que parte em direção a Júpiter, a bordo encontra-se o cientista Heywood Floyd. Propõe-e a responder algumas das questões deixadas em aberto em 2001. Tais como: Quais são os objetivo ocultos por trás do monolito? O que aconteceu com a Discovery e sua tripulação? O que aconteceu em especial a David Bowman? Quem, ou o que, era a criança-estrela do final do filme? O climáx ocorre com a tranformação de Júpiter em um mini-sol e o início de um novo tempo para a Humanidade num mundo sem noite.

2061 – Uma Odisséia no Espaço III (2061: Odyssey Three)
Heywood Floyd, agora com 103 anos, volta a cena. Ele parte numa nave em missão turística ao Cometa de Halley, mas acaba indo parar em Europa, o satélite proibido quando uma nave cai alí com seu neto a bordo. O monolito volta a mostrar seu poder a serviço de uma suprema força alienígena que decidiu que a Humanidade terá que, forçosamente, desempenhar um papel fundamental na evolução da Galáxia.

3001 – A Odisséia Final. (3001 – The Final Odissey)
Lançado em 1997, é aquele que pretende encerrar a saga iniciada em 2001 e dar as respostas finais. Principia com a descoberta do corpo do astronauta Frank Poole, que havia sido abandonado no espaço por uma manobra do computador HAL-9000. Poole é ressuscitado com as técnicas da época, onde a rigor a morte não existe mais.

O fim da Infância (Childhood’s End – 1953)
A chegada de seres alienígidas na Terra é seguida com o próximo passo na evolução humana em direção a “inteligência cósmica”. Esta raça alienígena tem uma incrível semelhança com demônios (vermelhos, chifres, caudas em seta…) e vem para anunciar o fim da infância para a espécie humana.

O Outro Lado do Céu (The other side of the sky – 1958)
Coletânea de contos onde estão incluídos dois dos maiores clássicos em matéria de contos de ficção científica: Os Nove Trilhões de Nomes de Deus e A Estrela.

Os Náufragos do Selene (A Fall of Moondust – 1961)
Selene é uma nave de turismo que, devido a um acidente na poeira lunar, submerge no Mar da Sede. Em seu interior vinte pessoas lutam para sobreviver à custa de todas as possiblidades.

Sobre o Tempo e as Estrelas (Of Time and Stars – 1972)
Coletânea de contos que reune contos publicados entre 1949 e 1962.

Encontro com Rama (Rendez-vous with Rama – 1973)
No final do século XXI após uma tragédia ocorrida com a queda de um meteoro, a Terra cria um sistema de proteção que em 2130 a Terra, detecta uma nave espacial alienígena de 50 quilômetros de extensão penetrando no sistema solar e aproximando-se de nosso planeta. Uma nave é enviada com missão de interceptar e explorar a gigantesca nave e descobrir quais são os desígnios por trás de sua aparição. Serão hostis invasores ou arautos de uma nova era para a espécie humana? Mistério e beleza se fundem neste maravilhoso livro que nos leva a refletir sobre a importância do homem e da espécie humana como um todo na ordem do universo. Um clássico vencedor dos prêmios Hugo e Nebula.

O Enigma de Rama (Rama II)

Continuação de Encontro com Rama, narra as aventuras de uma nova expedição destinada a descobrir qual os propósitos ocultos atrás da segunda aparição de Rama.

O Jardim de Rama (The Garden of Rama)
Dando seguimento a saga de Rama, o livro narra a viagem dos tripulantes da segunda expedição (O Enigma de Rama) que são deixados para trás quando o resto da tripulação abandona Rama às pressas. Parte dos propósitos de Rama é finalmente revelado.

A Revelação de Rama
Último livro da série, aqui finalmente os propósitos dos construtores de Rama é decifrado.

O berço dos Super-Humanos (Cradle – 1988)
Escrito a duas mãos por Arthur C. Clarke e Gentry Lee, narra a história de três aventureiros em busca de um míssil secreto desaparecido encontram uma gruta submarina vigiada por baleias que parecem drogadas. Inicia-se assim uma aventura que o conduzirá pelos mistérios de um planeta com dois sóis, três luas, fantásticas criações e uma assombrosa revelação sobre o destino reservado para a humanidade.

Terra Imperial (Imperial Earth)
A narrativa se passa em Titã uma das luas de Saturno e colônia da terra e conta a história de um homem nascido na era interplanetária. Sua primeira peculiaridade é ter nascido sob um novo processo, já que não teve mãe, apenas pai. Já homem retorna à Terra. A ação de passa no século XXIII e decorre em ambiente cheio de enigmas e mistérios.

A Cidade e as Estrelas (The City and the Stars)
Passaram-se um bilhão de anos, o homem alcançou as estrelas, constituíu um império galático, mas vieram os invasores e o homem foi obrigado a abandonar todas as suas conquistas e refugiar no seu planeta de origem, e assim o homem volta e passa a habitar na última cidade do mundo, Diaspar. Uma sociedade fechada e imutável, com um bilhão de anos.

O Vento Solar
Coletânea de contos. Inclui o premiado conto Encontro com Medusa.
O Terceiro Planeta
Coletânea de artigos e crônicas, que se inicia com um conto bastante interessante e elucidativo quanto aos parâmetros que são adotados pela ciência, intitulado Relatório Sobre o Planeta Três, onde tal documento é encontrado numa expedição arqueológica a Marte, revelando as razões para a não existência de vida na Terra.
As fontes do paraíso
Considerado pelo próprio Arthur Clarke como seu melhor romance.

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Aluísio de Azevedo (O Cortiço)

Resumo

João Romão, português, bronco e ambicioso, ajuntando dinheiro a poder de penosos sacrifícios, compra pequeno estabelecimento comercial no subúrbio da cidade (Rio de Janeiro). Ao lado morava uma preta, escrava fugida, trabalhadeira, que possuía uma quitanda e umas economias. Os dois amaziam-se, passando a escrava a trabalhar como burro de carga para João Romão.

Com o dinheiro de Bertoloza (assim se chamava a ex-escrava), o português compra algumas braças de terra e alarga sua propriedade. Para agradar a Bertoleza, forja uma falsa carta de alforria. Com o decorrer do tempo, João Romão compra mais terras e nelas constrói três casinhas que imediatamente aluga. O negócio dá certo o novos cubículos se vão amontoando na propriedade do português. A procura de habitação é enorme, e João Romão, ganancioso, acaba construindo vasto e movimentado cortiço.

Ao lado vem morar outro português, mas de classe elevada, com certos ares de pessoa importante, o Senhor Miranda, cuja mulher leva vida irregular. Miranda não se dá com João Romão, nem vê com bons olhos o cortiço perto de sua casa. No cortiço moram os mais variados tipos: brancos, pretos, mulatos, lavadeiras, malandros, assassinos, vadios, benzedeiras etc. Entre outros: a Machona, lavadeira gritalhona, “cujos filhos não se pareciam uns com os outros”; Alexandre, mulato pernóstico; Pombinha, moça franzina que se desencaminha por influência das más companhias; Rita Baiana, mulata faceira que andava amigada na ocasião com Firmo, malandro valentão; Jerônimo e sua mulher, e outros mais. João Romão tem agora uma pedreira que lhe dá muito dinheiro.

No cortiço há festas com certa freqüência, destacando-se nelas Rita Baiana como dançarina provocante e sensual, o que faz Jerônimo perder a cabeça. Enciumado, Firmo acaba brigando com Jerônimo e, hábil na capoeira, abre a barriga dó rival com a navalha e foge. Naquela mesma rua, outro cortiço se forma. Os moradores do cortiço de João Romão chamam-no de “Cabeça-de-gato”; como revide, recebem o apelido de “Carapicus”. Firmo passara a morar no “Cabeça-de-Gato”, onde se torna chefe dos malandros. Jerônimo, que havia sido internado em um hospital após a briga com Firmo, arma uma emboscada traiçoeira para o malandro e o mata a pauladas, fugindo em seguida com Rita Baiana, abandonando a mulher.

Querendo vingar a morte de Firmo, os moradores do “Cabeça-de-gato” travam séria briga com os “Carapicus”. Um incêndio, porém, em vários barracos do cortiço de João Romão põe fim à briga coletiva. O português, agora endinheirado, reconstrói o cortiço, dando-lhe nova feição e pretende realizar um objetivo que há tempos vinha alimentando: casar-se com uma mulher “de fina educação”, legitimamente. Lança os olhos em Zulmira, filha do Miranda. Botelho, um velho parasita que reside com a família do Miranda e de grande influência junto deste, aplaina o caminho para João Romão, mediante o pagamento de vinte contos de réis. E em breve os dois patrícios, por interesse, se tornam amigos e o casamento é coisa certa. Só há uma dificuldade: Bertoleza. João Romão arranja um piano para livrar- se dela: manda um aviso aos antigos proprietários da escrava, denunciando-lhe o paradeiro. Pouco tempo depois, surge a polícia na casa de João Romão para levar Bertoleza aos seus antigos senhores. A escrava compreende o destino que lhe estava reservado, suicida-se, cortando o ventre com a mesma faca com que estava limpando o peixe para a refeição de João Romão.

Observações Importantes e Textos

O ROMANCE SOCIAL
Desistindo de montar um enredo em função de pessoas, Aluísio atinou com a fórmula que se ajustava ao seu talento: ateve-se à seqüência de descrições muito precisas, onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista.” (Alfredo Bosi).

Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. O Cortiço é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão.

A CRÍTICA DO CAPITALISMO SELVAGEM

O tema é a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem. De um lado João Romão que aspira à riqueza e Miranda, já rico, que aspira à nobreza. Do outro, a gentalha”, caracterizada como um conjunto de animais, movidos pelo instinto e pela fome.

“E naquela terra encharcada o fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a fervilhar, a crescer um mundo, uma coisa viva, uma geração que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro e multiplicar-se como larvas no esterco. “

“As corridas até a vende reproduziam-se num verminar de formigueiro assanhado.”

“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. “

A redução das criaturas ao nível animal (zoomorfização) é característica do Naturalismo e revela a influência das teorias da Biologia do Século XIX (darwinismo, lamarquismo) e do determinismo (raça, meio, momento).

“.. depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado de carroça, estrompado como uma besta.

‘Leandra… a ‘Machona’, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo

“Rita Baiana… uma cadela no cio”.

A FORÇA DO SEXO

O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do sexo, típica do determinismo biológico, e do naturalismo, conduz Aluísio a buscar quase todas as formas de patologia sexual, desde o “acanalhamento” das relações matrimoniais, adultério, prostituição, lesbianismo, etc. Observe esta, descrição de Rita Baiana, e do fascínio que exercia sobre o português Jerônimo:

“Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui. ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas de fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras, era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso, era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; e/a era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, e muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras, embambecidas pela saudade de terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro da sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbam em tomo da Rita Baiana o espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.”

OS TIPOS HUMANOS

João Romão

E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia o vinha de pedreira para a venda, de vende As hortas é ao capinzal, sempre em mangas de camisa, tamancos, sem meras, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não podia apoderar-se logo com as unhas”.

“.. possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estepe cheio de palha”.

Albino

“Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até o pescocinho mole e tino. “

Botelho

“Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro como escova, barba e bigode do mesmo teor, muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho de pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-lhe ainda todos os dentes, mas, tão gastos, que pareciam limados até ao meio … foi lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina “.

Você tem nestes trechos excelentes exemplos de descrição realista e objetiva.

A SITUAÇÃO DA MULHER

As mulheres são reduzidas a três condições: primeira, de objeto, usadas e aviltadas pelo homem: Bertoloza e Piedade; segunda, de objeto e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; terceira, de sujeito, são as que se independem do homem, prostituindo-se: Leonie e Pombinha.

O DESFECHO DO ROMANCE

Delatada por João Romão, os antigos donos de Bertoleza diligenciam para capturar a escrava fugida. Procurada pelos policiais, a negra se suicida.

Observe o exagero da cena, e a ironia do desfecho.

A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.
Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto, e entes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lodo.
E depois emborcou para a frente, rungindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.
João Romão fugira até o canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com os mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.”

Fonte:
Guimarães, Débora Miura (seleção). E-learning 6 (CD-Rom) São Paulo: Digerati

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Machado de Assis (O Enfermeiro)

O Enfermeiro é um conto redigido em primeira pessoa, muito humano, porém com um toque de ironia típica machadiana e se da inicialmente como trecho de um diálogo com alguém que não se manifesta no livro, mas que deseja que o narrador redija um episódio de sua vida a ser publicado. O narrador deixa bem claro que nada deve ser divulgado antes de sua morte.

Ele se despede e pede para que o leitor o queira bem, embora seus atos passados não tenham sido gloriosos, longe disso. Abrindo um despertar de curiosidade no leitor, que agora anseia por saber o que se passou com a vida do sujeito, que pede para que o perdoem “o que lhe parecer mal” e que “não maltrate muito a arruda, se lhe não cheira a rosas”.

Procópio, o narrador, então começa a contar o episódio de 1860. Aos seus 42 anos formou-se em teologia e a pedido de um vigário, sem titubear, foi servir de enfermeiro ao Coronel Felisberto mediante um bom ordenado. Porém ao chegar na vila descobriu que esse coronel não era uma pessoa nada fácil de lidar, muito pelo contrário, teve péssimas referências a respeito dele, o que deixa o leitor mais curioso ainda pelo o que está por vir.

Porém o velho não lhe recebeu mal, embora seu jeito grosseiro ficasse muito evidente, “acontece que vivemos uma lua de mel de sete dias”. Após essa semana Procópio começou a sofrer como cão nas mãos do velho coronel doente, não dormia, não comia, apenas escutava suas lamúrias e impertinências da moléstia. Procópio decidiu que iria embora e diria ao velho na próxima oportunidade. Assim, três bengaladas na cabeça e ele se demitiu, porém o coronel foi ter com ele e lhe pediu que não o deixasse, “estou na dependura, Procópio”, e acabou ficando.

Foi passando o tempo e apenas as bengaladas melhoraram, pois o resto ia de mal a pior, os insultos, as injúrias. Tentou sair novamente, mas acabou ficando a pedido do vigário. Mesmo assim não havia acabado a vontade de ir embora e também, havia guardado um bom dinheiro e queria gastá-lo.

“Já por esse tempo, havia eu perdido a escassa dose de piedade que me fazia esquecer os excessos do doente; trazia dentro de mim um fermento de ódio e aversão”.

Decidiu então, que em um mês sairia de lá, não importando o estado em que o coronel se encontrasse.

Na noite de vinte e quatro de agosto, o coronel teve um acesso de raiva, ameaçou-o de tiro e atirou-lhe um prato de mingau. Após esse episódio o velho foi se deitar e Procópio ao ler um livro, adormeceu ao lado.

“Acordei aos gritos do coronel (…) e acabou por lançar mão da moringa e arremessá-la contra mim. Não tive tempo de desviar-me e a moringa bateu-me na face esquerda, e tal foi à dor que não vi mais nada; atirei-me ao doente, pus-lhe as mãos ao pescoço, lutamos e esganei-o”.

Procópio ficou atordoado e começou a ouvir vozes. “Senti-me com o crime nas costas e vi a punição certa”. Abotoou a camisa do coronel e foi dar a notícia de que o homem tinha morrido.

Fonte:
http://pt.shvoong.com

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Richard Wagner (O Anel do Nibelungo: Parte 1: O Ouro do Reno)

Dando início a série “Literatura na Música”, discorreremos sobre algumas óperas famosas.

O ciclo de óperas O Anel do Nibelungo (Der Ring des Nibelungen) é uma das obras mais importantes de Richard Wagner. É baseado na mitologia nórdica, semelhante à germânica e mais documentada. Música e libretto foram escrito por Wagner entre 1848 e 1874.
A obra é constituída das óperas:
Das Rheingold (O ouro do Reno) – prólogo
Die Walküre (A Valquíria)
Siegfried
Götterdämmerung ou Ragnarök (O Crepúsculo dos Deuses)

1 – O OURO DO RENO

Ato Único – Cena 1.

Nas Águas do Reno, três ninfas, as irmãs “ondinas” – uma espécie de “sereias de água doce” (sem cauda de peixe), jovens guardiãs do “Ouro do Reno” – nadam, em ágeis movimentos. As mais afoitas, Wellgunde e Woglinde, brincam de correr atrás uma da outra, como crianças travessas. A terceira, Floßhilde, mais ajuizada, repreende as irmãs por sua brincadeira excessiva e seu descuido na vigilância do “Ouro”. Sem ser visto pelas três, um gnomo, o “nibelungo” Alberich, sobe a um rochedo e as observa, encantado. Dirigindo-se às jovens, elogia-lhes a graça, manifestando o desejo de tê-las para si. Elas, a princípio, assustam-se, mas logo passam ao gracejo, ante a investida apaixonada do feio e repulsivo gnomo. Maliciosamente – na típica malícia da implicância infantil – elas fingem ceder a suas tentativas, mas logo fogem, e caçoam dele. As três alternam-se, uma a uma, nessa maldosa brincadeira, despertando a raiva de Alberich, que, por fim, pára, exausto e furioso, erguendo, impotente, o punho cerrado.

Neste momento, começa algo a brilhar, de dentro das águas, num fulgor dourado que intensifica-se até ocupar todo o ambiente. As três ninfas param de brincar e divertir-se à custa do nibelungo, e passam a reverenciar aquela irradiação esplêndida, a que chamam “Ouro do Reno”: “Ouro do Reno! Ouro do Reno! Luminoso júbilo!”- Intrigado e curioso, o gnomo pergunta às meninas “o que é aquilo que tanto brilha”. Elas demonstram incredulidade perante o fato de alguém desconhecer “a esplêndida luz do fundo do rio, que reluz, sublime, através das águas”. Convidam o gnomo a participar de sua alegria, banhando-se, com elas, na luminosidade que se faz. Alberich não compreende o devoção das ninfas àquele “ouro”, que para ele nada significa. Woglinde e Wellgunde, empolgadas, deixam escapar comentários sobre o poder do ouro, “de cuja beleza o gnomo não faria pouco caso, se conhecesse a sua magia: aquele que do Ouro do Reno forjar um anel tornar-se-á senhor do mundo.”

Floßhilde, na prudência que lhe é peculiar, adverte as irmãs, que falam demais, pondo em risco a segurança do Ouro. As outras riem-se de seus cuidados, uma vez que “só aquele que renunciar ao amor” poderá apossar-se do Ouro, e o gnomo, lascivo que é, jamais se disporia a tal privação. Floßhilde concorda e despreocupa-se. As três voltam a convidar Alberich a participar do seu júbilo. Ele, porém, numa atitude totalmente mudada, olha fixamente para o Ouro e manifesta um resto de dúvida – talvez simulada – quanto ao poder mágico mencionado pelas jovens: “Estais brincando! Vou entrar no vosso jogo!” E salta ao rochedo onde está o Ouro. As meninas movimentam-se em algazarra, e, ainda sem perceber a intenção de Alberich, voltam a caçoar do nibelungo. Mas ele conclui seu objetivo: chega ao cume do rochedo, leva a mão ao Ouro e, após proferir: “Assim eu amaldiçôo o Amor!”, foge com sua prenda. As águas baixam, imergindo consigo as ondinas, que escutam, vinda do subsolo, a terrível gargalhada de Alberich, e gritam por socorro pelo Ouro roubado. A luminosidade anterior dá lugar a densa escuridão; as águas continuam baixando.

Ato Único – Cena 2.

A cena altera-se ante nossa vista, à medida em que as águas assumem o aspecto de nuvens, que transformam-se gradualmente numa névoa diáfana, sob uma claridade matinal, e vemo-nos diante de um espaço amplo nas montanhas. A luz solar, cada vez mais viva, torna visível um imponente castelo, sobre um cume rochoso. Num ponto da cena, sobre um terreno florido, dormem Wotan, o Rei dos Deuses, e sua mulher, Fricka, a Deusa do Matrimônio.

Esta acorda e tenta despertar o marido, que não acorda de imediato, e põe-se a falar, em sonho, sobre seu contentamento pelo castelo, cuja construção acaba e ser concluída: “A beatífica mansão do fausto, cujas portas e ameias hão de guardar-me; a honra do homem e o poder eterno, que elevam-se à glória imperecível!” Fricka, irritada, sacode-lhe o corpo, forçando-o a despertar: “Deixa de devaneios! Acorda e pensa!

Ao despertar e erguer-se, Wotan manifesta a mesma disposição de ânimo, e contempla, extasiado, “o mais augusto, o mais magnífico edifício!” Fricka o repreende por sua fixação na imponência da fortaleza, pois há um porém: “Esqueces, acaso, o preço que prometeste pagar?” O pagamento combinado é justamente Freia, a Deusa da Juventude, irmã de Fricka, e os construtores do castelo, a quem foi prometida a cunhada de Wotan, são os gigantes Fasolt e Fafner.

Wotan, displicente e sereno, responde a Fricka, como dando a entender que ela não deve imiscuir-se neste assunto: “eis a fortaleza, erguida, graças aos fortes gigantes; quanto ao pagamento, não te preocupes”. A deusa, revoltada, reprova a atitude do marido, “leviano, irônico”; diz que, fosse ela avisada a tempo, teria impedido aquele acerto, “mas vós, homens, tudo ocultam às mulheres, para que possam cometer sossegados os vossos desatinos; assim pusestes à venda minha querida irmã, tudo por causa da avidez que vós, os varões, têm pelo poder!

Sempre fleumático, Wotan argumenta, perguntando à mulher se ela é mesmo tão isenta de “semelhante avidez”, já que fôra ela própria que sugerira a construção do castelo. A resposta de Fricka – cujas palavras e a bela temática musical expressam nitidamente seu caráter caseiro e familiar – esclarece que “desejando a fidelidade de meu esposo, fui tola e julguei que um lar aconchegante e belo poderia sossegá-lo dentro de casa; mas a casa para ti nada mais significou que soberania e poder; o castelo só serviu para aumentar o tormento.” Seguindo a mesma linha melódica, um tanto alterada, Wotan – que é dado a freqüentes e longas ausências, e nada tem de marido fiel – replica, em tom de riso, que seria inútil aos intentos da mulher mantê-lo dentro da fortaleza, pois, mesmo apartado do mundo, ele disporia dele, à distância. Fricka volta a repreendê-lo com veemência, acusando-o de não respeitar nem valorizar as mulheres. Ele, agora sério, responde com severidade à acusação da esposa: “Para obter-te como mulher, perdi um de meus olhos;” – pois, de fato, lhe falta um olho – “que tola censura acabas de fazer!” E acrescenta que, quanto a Freia, não a dará em pagamento aos gigantes: jamais levara a sério aquele acordo. Fricka, então, exige-lhe atitude: “Trata, pois, de protegê-la agora!” A própria Freia então surge, a correr aflita, pedindo socorro à irmã e ao cunhado, pois “Fasolt já se aproxima, e vem buscar-me!

Wotan, na sua costumeira e irritante calma, dá a entender que não importa; pergunta a Freia se ela não viu Loge (o Deus do Fogo). Ao ouvir o nome de Loge, Fricka fica ainda mais aflita e furiosa, pois não entende a confiança que Wotan vota “àquele ardiloso”; Wotan argumenta que pode agir sozinho, sempre que bastam força e coragem; mas precisa do esperto Loge quando é necessária a astúcia, para vencer o inimigo. “Ele me estimulou a este acordo, e tudo agora depende dele.” Fricka reage: “É! E ele te deixa sozinho! Lá vêm os gigantes, e onde anda o teu experto auxiliar?” Freia grita pelos irmãos – Donner e Froh, Deuses do Trovão e do Sol – , e Fricka diz-lhe, soturnamente: “Primeiro te traem com um pacto imoral, e agora se escondem todos.

No exato momento, ao som, pela orquestra, de um tema estrondoso, repetitivo e pesado, entram Fasolt e Fafner, os dois irmãos gigantes, vestidos de peles cruas e portando rústicas e pesadas clavas. Fasolt, mais dado ao diálogo que Fafner, cujo temperamento é mais bruto e taciturno, dirige-se a Wotan: “Enquanto dormias serenamente, nós erguíamos o castelo, em árduo trabalho, jamais relaxando; e ei-lo de pé, levantado por nós. Faz agora a tua parte: paga-nos!

Hipocritamente, Wotan pergunta: “Sim, meu povo, dizei vosso preço.” Fasolt replica, ingenuamente: “Ora, já temos um preço; não te lembras? Freia, a bela; Holda, a livre;” (Holda é outro nome de Freia; os dois termos estão associados aos vocábulos “Frei”, livre, e “Holde”, bela) “tal foi o pagamento contratado; levá-la-emos, pois, para nossa terra.” Wotan responde, com brusquidão: “Estais loucos?! Solicitai outra paga! Freia não está à venda!” Fasolt, então, emudece, sem poder acreditar no que ouve, mas, por fim, reage: “O que? Tu, o próprio Wotan, estás pensando em trair um contrato?!”, e seu irmão, Fafner, escarnece dele, chamando-o de “imbecil”, por ter acreditado na trapaça de Wotan.

(Um dos atributos de Wotan é a condição de legislador, que ele exerce por meio de pactos de honra, ou seja, os tratados ou contratos, aos quais ele próprio deve rija fidelidade; sobre o cabo de sua inseparável lança, um arquétipo de seu poder, estão gravadas as Runas, caracteres teutônicos com os quais são selados os pactos. É, pois, indiscutivelmente cabível a indignação de Fasolt, ante esta atitude recalcitrante do “Deus dos Tratados”.) Com sua peculiar dignidade, Fasolt reprova o comportamento de Wotan, dizendo que é seu dever “guardar fidelidade aos tratados”, e que, ainda que Wotan seja sábio “mais do que os gigantes possam ser apenas astutos”, é exatamente um tolo gigante que lhe dá esta lição de moral, e que “maldito seja aquele que, sendo o guardião dos tratados, ainda assim é capaz de ser infiel aos mesmos.” Wotan, em crescente descaso aos argumentos do ogro, retruca: “Como pudeste levar a sério um contrato feito por pura brincadeira? De que pode valer a vós, brutos que sois, os encantos da bela e radiosa deusa?”

Fasolt, ofendido com a alusão à inferioridade que Wotan atribui aos gigantes, expressa-se, agora, em tom de mágoa: “Zombas de nós, não é? Que injustiça! Os luminosos deuses servem-se do trabalho dos rudes, prometendo-lhes uma bela e terna mulher, e agora invalidas o contrato?” Fafner, irritado com as simplórias instâncias do irmão, interrompe-o rispidamente: “Para com isso! Não vai adiantar! E a posse de Freia é de pouca valia para nós!” E, em tom mais baixo: “O único interesse que podemos ter com ela é o enfraquecimento dos deuses, que nutrem-se das maçãs douradas, que só ela sabe cultivar.” (Freia, a Deusa da Juventude, cultiva maçãs mágicas, douradas, que fornece aos seus parentes, os quais, ingerindo-as, são dotados de juventude eterna.

A falta dessas frutas causaria o envelhecimento e a fraqueza dos deuses, o que interessa aos gigantes, pois, de tal sorte, ficariam livres de seu jugo.) Wotan demonstra impaciência com a demora de Loge, do qual ele espera uma alternativa para o pagamento dos construtores. Fasolt exige uma pronta resolução, e só aceita Freia, nada mais! Os dois gigantes fazem menção de levar a deusa à força, quando irrompem Donner e Froh, os dois irmãos de Freia e Fricka. Ambos intentam impedir a investida dos gigantes, e Donner os ameaça com seu martelo (um martelo de grande porte, atributo do Deus do Trovão). Wotan reprime sua agressividade, interpondo, imperiosamente, a lança entre os inimigos: “Nada pela força! Minha lança guarda os pactos.

Todos estão desolados, quando, finalmente, aparece Loge. Em seus típicos movimentos “flamejantes” e ágeis, ele chega, e, irônico, parece zombar das aflições dos outros deuses. Ao ser argüido por Wotan sobre a solução “que fora buscar para corrigir o mau negócio”, ele torna: “De que negócio falas? Acaso te referes ao pacto que acertaste com os gigantes?” Começa, então, a tagarelar a respeito de suas características pessoais. Ele é um andarilho, que movimenta-se como bem entende; não é como os outros deuses, que desejam casar-se e gostam de “casa e lareira”. A eles, certamente, aquele castelo vem a calhar: uma imponente construção, como quer Wotan, agora pronta e sólida. Ele próprio fora fiscalizar as estruturas, e estavam perfeitas: “Fasolt e Fafner estão de parabéns!”

Wotan interrompe sua sarcástica eloqüência, e lembra-lhe a promessa que ele fizera de conseguir livrar Freia, promessa esta que fôra a única razão de ter ele, Wotan, aceito o seu conselho de firmar aquele contrato com os construtores da fortaleza. Loge, com ironia, diz que não: “O que eu prometi foi tentar achar um modo de livrá-la. Uma tentativa, sim, eu prometi. Mas como posso prometer encontrar, de fato, uma coisa que não existe?” Todos os deuses revoltam-se contra Loge, e ameaçam-no. Wotan ordena calma e defende “seu amigo”. Os gigantes tornam a exigir a solução, e Wotan dirige-se energicamente a Loge: “Vamos, seu cabeça-dura, cumpre o que prometeste.”

Loge, num simulacro de mágoa, diz que todos lhe são ingratos, e que só para resolver o problema de Wotan correu mundo atrás de um substituto para Freia que bem satisfizesse aos gigantes. Mas tudo em vão. Ninguém soube apontar nada mais interessante ao homem que “o amor e o prazer que a mulher pode proporcionar”. Loge prolonga-se nesse discurso desanimador, até que insinua que “há um, apenas um que renunciou ao amor e à mulher, optando pelo poder que lhe proporcionara o ‘ouro reluzente’”; este era Alberich, o nibelungo que roubara das “cristalinas crianças do Reno“ seu amado Ouro. Todos, sobretudo Wotan, ficam interessados; até os gigantes tendem a admitir uma mudança de idéia, caso lhes seja possível obter o ouro mágico. Inclusive o fato de estar em poder do traiçoeiro Alberich é mais uma razão para o cobiçarem, pois o gnomo, com ele, poderá escravizar e arruinar a todos. Fafner, por fim, sugere autoritariamente ao irmão que aceite o Ouro em lugar de Freia.

Fasolt concorda, a contragosto. (Diferentemente de Fafner, que é prático e objetivo, Fasolt, menos rude que o irmão, é um tanto romântico e está apaixonado por Freia. Seu único interesse para com ela é, realmente, tê-la como mulher.) Fafner, decidido, dirige-se a Wotan e declara que os gigantes abrirão mão de Freia, se, em lugar dela, lhes for entregue o tesouro do nibelungo. Wotan exaspera-se: “Como posso dar-vos aquilo que não tenho?” Fafner diz que, se o castelo foi construído a duras penas, nada custará a Wotan conseguir, pela astúcia, subjugar o gnomo, coisa que eles, os gigantes, jamais conseguiriam pela força.

Como Wotan tenta ainda recusar o que eles pedem, Fasolt e Fafner decidem levar Freia como garantia, dizendo que “voltaremos ao anoitecer, e se lá não estiver o tesouro, pronto para nós, Freia nos pertencerá para sempre”. Freia é levada, aos gritos. Donner e Froh querem reagir, olham para Wotan, como a pedir consentimento, mas o patriarca não dá ordem alguma. Eles ficam. Loge põe-se a observar, à distância, a grotesca marcha dos gigantes, que carregam Freia. Comenta, zombeteiro, cada etapa do percurso, conforme observa. Depois, olhando para os deuses, nota como eles envelhecem rapidamente. Escapa-lhes o vigor.

O coração de Froh baqueia, o martelo de Donner pende-lhe da mão, Wotan está encanecido, todos sentem-se fracos e desencorajados. Todos, menos Loge. Ele compreende o que está ocorrendo. Privados das maçãs de Freia, os deuses perdem o vigor da juventude; eles são dependentes das maçãs. Ele não. Loge é um “meio-deus”, sua natureza é outra, e Freia sempre lhe fôra avara, concedendo-lhe menos maçãs que aos outros. “Debilitada e submetida ao sarcasmo do mundo” – escarnece ele – “a estirpe dos deuses perecerá.” Fricka lamenta-se, repreendendo Wotan por sua irresponsabilidade. Wotan, tomando uma decisão súbita, ordena a Loge que o conduza ao “País dos Nibelungos” (Nibelheim), para que juntos apossem-se do Ouro do Nibelungo. Loge, ironicamente, pergunta-lhe se pretende devolvê-lo às ninfas do Reno. Wotan esbraveja com ele, e diz que o Ouro é para a libertação de Freia. Ordena aos outros que esperem até à noite.

Enquanto Donner, Froh e Fricka expressam votos de boa sorte, Loge e Wotan imergem numa fenda sulfurosa, rumo às cavernas onde vivem os nibelungos, sob a tirania de Alberich.

Ato Único – Cena 3.

Vemos uma passagem rochosa interna, movendo-se verticalmente, o que dá a entender uma descida ao subterrâneo. Surge o interior de uma furna. Saindo de uma estreita abertura, vem Alberich, arrastando brutalmente pelas orelhas um outro nibelungo, Mime, seu irmão. Alberich cobra do outro um artefato cuja confecção lhe ordenara. Mime tenta ludibriar Alberich, dizendo não estar certo da boa compleição da peça, mas, ante a atitude ameaçadora do irmão, acaba cedendo, por medo, e lhe entrega um objeto metálico. Alberich, constatando a perfeição do trabalho, castiga Mime, por perceber que ele tentava enganá-lo, no intuito de ficar com o artefato para si. (O artefato é o “Tarnhelm”, um elmo mágico que dá a quem o use o poder de invisibilidade ou de qualquer transformação desejada).

Para testar a eficiência mágica da peça, Alberich experimenta tornar-se invisível, o que dá certo, e, sem ser visto, surra Mime com uma chibata, rindo e escarnecendo do irmão: “Obrigado, estúpido! Fizeste um bom trabalho!” Ele vocifera, impondo sua tirania a todo o seu povo: “Nibelungos todos! Curvai-vos ante Alberich!” (Desde que do Ouro do Reno, obtido por roubo, forjara um anel mágico, Alberich tem a todos os nibelungos como seus escravos, que agora trabalham para ele na mineração do ouro, cujo acúmulo aumenta a cada dia.) Chegam, finalmente, Loge e Wotan, vindos das alturas das montanhas.

Loge percebe Mime, que, caído ao chão, está gemendo e se lamentando pelos golpes que recebera de Alberich. Cinicamente, Loge o cumprimenta, e pergunta o motivo de seus lamentos. O gnomo desventurado reage: “Deixa-me em paz!” Loge diz que pretende ajudá-lo, ao que Mime demonstra incredulidade, comentando a situação em que se encontra, sob a senhoria cruel do próprio irmão. Loge, então, dá início a uma série de perguntas sobre tal estado de coisas, às quais Mime vai respondendo, até que, intrigado, pergunta quem são os dois forasteiros. Loge responde: “Amigos teus. Aqui viemos para libertar-te, e aos demais nibelungos, deste jugo.” Mas, como percebe a aproximação de Alberich, Mime recomenda-lhes cuidados. Os dois forasteiros postam-se à espera do tirano, que chega, mais uma vez impondo terror e submissão a seu povo.

Reparando na presença dos dois estranhos, dirige a Mime interrogações ameaçadoras, mas, sem esperar resposta, fustiga-o a chicote, forçando-o a juntar-se aos outros servos. Por fim, exibindo ameaçadoramente o anel, profere, mais uma vez, sua expressão de déspota: “Tremei e obedecei prontamente ao senhor do anel!” Todos os nibelungos dispersam-se, apavorados, dirigindo-se aos diversos fossos, onde trabalham. Ficando a sós com os forasteiros, Alberich os interroga, com desconfiança: “O que quereis aqui.” É Wotan que responde, citando uma série de rumores que ouvira falar sobre “as maravilhas que estariam sendo operadas por Alberich, em Nibelheim.”

Envaidecido, o gnomo diz que “a inveja é que os atrai a seus domínios.” Loge intervém, reprovando a falta de hospitalidade e a ingratidão de Alberich, que “deve a ele o fogo do qual precisa para iluminação e aquecimento das frias cavernas onde vive, e para alimentação de suas forjas”; Alberich alude à “falsa amizade de Loge”. Este procura conduzir a conversa de modo a fazer com que Alberich revele detalhes sobre seu poderio e riqueza. Envaidecido e seguro de si, o nibelungo nada oculta; afirma que, tão logo o tesouro atinja um grande acúmulo, ele poderá assenhorar-se do mundo inteiro. Fingindo indiferença, Wotan pergunta-lhe de que modo começará seu empreendimento dominador. Alberich responde que será justamente lá nas alturas onde eles, os deuses, vivem. Entra em detalhes a respeito de seus planos que despertam a fúria do temperamental Wotan, que ameaça golpeá-lo mortalmente.

Alberich parece não perceber sua investida, prontamente bloqueada pelo astuto Loge. Este dá prosseguimento a seus estratagemas, tecendo efusivos elogios às conquistas de Alberich, cuja vaidade, cada vez mais inflada, leva-o a fazer mais e mais revelações. Fala sobre o “Tarnhelm”, que lhe confere a possibilidade de “vigiar tudo sem ser visto”. Loge manifesta incredulidade quanto a esse poder. Alberich desdenha: “Achas que sou fanfarrão como tu?” Loge exige uma prova, ao que o vaidoso Alberich assente. Colocando o Tarhelm sobre a cabeça, profere a fórmula mágica, e logo transforma-se numa serpente monstruosa. Loge simula pavor, suplicando à serpente que “não o devore”. Wotan, por sua vez, ri-se e faz um elogio hipócrita à façanha de Alberich, que, voltando à sua forma original, pergunta desafiadoramente aos “sábios” se acreditam nele agora. Ainda fingindo medo e admiração, Loge se dá por convencido, mas interpela-lo novamente, perguntando-lhe se “assim como pudeste crescer, podes também diminuir?” Refere-se Loge a uma eventual necessidade de escapulir, o que faria necessário tornar-se pequeno, de modo a que pudesse escapar por qualquer mínimo espaço. “Mas creio que isto seja muito difícil”, conclui Loge, despertando ainda mais o exibicionismo de Alberich, que ri-se de tamanha “estupidez”, e pede-lhe que ordene a que proporção quer que ele encolha. Loge insinua a dimensão do corpo de um sapo.

Usando novamente o elmo, e proferindo a invocação, Alberich assume justamente a forma de um sapo. Pronto: Loge alcançou seu intento. Com o pé, Wotan imobiliza o metamorfoseado Alberich; Loge retira-lhe o elmo mágico. Alberich volta ao normal, esbravejando, e, sendo amarrado com uma corda, é carregado por Wotan e Loge, pelo mesmo caminho que os trouxera à caverna.

Ato Único – Cena 4.

De volta à mesma região montanhosa onde ocorreram os incidentes com os gigantes, os triunfantes Wotan e Loge trazem Alberich, aprisionado. Loge zomba dele, que responde com impotentes ameaças. Wotan declara que sua libertação tem um preço. Ao que Alberich continua a ameaçar, Loge lembra-lhe que “só pagando o preço exigido, poderá ficar livre e vingar-se”.

Sem alternativa, o nibelungo pergunta o que lhe cobram. Wotan exige o tesouro. Contrafeito, Alberich cede, lembrando que, se o anel continua em seu poder, poderá recuperar tudo depois. Conclama seus escravos para que tragam para cima todo o ouro acumulado. À medida em que eles obedecem, Alberich manifesta a vergonha que sente ao ver-se naquele estado (atado em cordas) diante de seus servos. Estes concluem o transporte do tesouro, e Alberich ordena-lhes, com sua usual arrogância, que voltem ao trabalho, que ele logo regressará para vigiá-los. Julgando ter cumprido a exigência de seus carcereiros, o nibelungo exige que o deixem ir, e que lhe devolvam o Tarnhelm. Loge diz que o elmo também faz parte do preço, e junta-o ao tesouro. Mais uma vez indignado, Alberich, no entanto, torna a ponderar, supondo que o mesmo que lhe confeccionara o artefato (Mime) far-lhe-á outro igual.

Alberich exige novamente que o libertem. Loge pergunta a Wotan se pode soltá-lo, ao que o outro responde que ainda falta o anel, que o gnomo também deve entregar. Ante a alusão de perder o anel, fonte de todo o seu poder, Alberich sobressalta-se: “A vida, mas não o anel!” Wotan replica, autoritário: “Eu quero o anel; quanto à tua vida, faz dela o que quiseres!” Desesperado, Alberich grita que o anel é tão próprio dele o quanto o são as partes do seu corpo.

Com iracunda veemência, Wotan acusa: “Chamas o anel de ‘tua propriedade’. Estás variando, desprezível gnomo? Pergunta às Filhas do Reno se elas de bom grado te ofereceram o ouro!” Alberich vocifera, ocultando uma interna súplica, pelo que tenta manter seu tom de exigência, expondo argumentos que não comovem nem convencem Wotan, que, por fim, arranca-lhe o anel da mão, à força. Alberich emite um grito de desespero, após o que profere um lamento arrasado, ao passo que Wotan exprime seu triunfo. Loge torna a perguntar a Wotan se pode libertá-lo. Wotan consente. Após ser desamarrado por Loge, que, ironicamente, o declara livre, o nibelungo, no auge do ódio, exclama: “Estou livre agora?” – emite um riso curto e furioso – “Realmente livre? Pois eis a vós minha primeira saudação de homem livre: Assim como por maldição me foi útil, amaldiçoado esteja este anel!” Profere, então, a famosa e longa praga, pela qual determina a desgraça a todo aquele que venha a possuir o anel, até que o mesmo “volte à sua mão”. Vai-se embora, a correr. Dirigindo-se a Wotan, Loge faz uma lacônica referência à maldição de Alberich. Wotan responde com indiferença. Olhando à distância, Loge informa que os gigantes estão chegando, com Freia.

À medida em que a névoa se dispersa, aparecem Froh, Donner e Fricka, que vêm ao encontro dos recém chegados, ansiosos por saber como se haviam saído. Wotan tranqüiliza-os, mostrando o tesouro que libertará Freia. Donner comenta a aproximação dos esperados, e Froh, num belíssimo andamento melódico, exprime seu contentamento: “Que adorável ar volta a soprar sobre nós! Deleitosa sensação que invade os sentidos! Trágico seria a todos nós ficarmos para sempre apartados da juventude eterna e isenta de infortúnios, que nos concede o prazer jubiloso.” Clareia-se, aos poucos, o ambiente.

Chegam Fasolt e Fafner, trazendo Freia. Fricka tenta aproximar-se da irmã, mas é detida por Fasolt, que adverte-a sobre a condição ainda cativa da jovem deusa, pois ainda não foi pago o resgate. Wotan esclarece os gigantes, indicando o tesouro: “Eis aí o resgate. Seja, pois, devolvida Freia.” Fasolt, que, como sabemos, é apaixonado por ela, dirige-se a Wotan e, com tristeza, lembra ao deus o quanto lhe será penoso renunciá-la. Diz que, para esquecê-la, será preciso que o tesouro – isto é, a prenda que a substitui – seja empilhado ante a jovem, até que ele, Fasolt, não mais a veja. Wotan ordena que assim se faça.

Os dois gigantes fincam suas respectivas clavas ao solo, a cada lado de Freia. Wotan ordena aos outros que façam o trabalho, “demasiado repugnante para ele próprio”. Começa a deposição do tesouro, por Loge, que pede ajuda a Froh, passando ambos à desagradável tarefa, acompanhada de incômodas intervenções de Fafner, o qual acha que “aqui e ali” o acúmulo está mal compactado. Loge o repele, com impaciência, mas o gigante continua a exigir mais coesão. O trabalho é entremeado de comentários indignados de Wotam, Fricka e Donner. Este último quase provoca Fafner a uma briga, mas Wotan intervém, observando que, segundo parece, o acúmulo já perfaz a altura de Freia. Fafner diz que os cabelos da deusa “ainda brilham”, e exige o Tarnhelm para ocultá-los. Loge tenta argumentar, porém Wotan ordena a entrega do artefato. Após arremessar o elmo sobre o tesouro, Loge diz aos gigantes que o trabalho está feito. Fasolt, em seu peculiar sentimentalismo, lamenta-se ainda pela perda de Freia. “Tenho mesmo que deixá-la?” E, num súbito arroubo de paixão, percebe que ainda vê “o raiar dos olhos” de sua amada. Afirma que não a deixará enquanto ainda o veja. Fafner exige o fechamento da lacuna pela qual seu irmão enxerga aquele brilho. Loge argumenta que “já foi tudo entregue”. Fafner discorda: “Não, meu caro! Na mão de Wotan reluz ainda um dourado anel!”

Ante a hipótese de privar-se do anel, Wotan, reage, indignado. Loge tenta contemporizar, dizendo aos gigantes que o anel pertence às Filhas do Reno, a quem Wotan o devolveria. Num misto de indignação e sarcasmo, Wotan ridiculariza o argumento de Loge, dizendo que o anel lhe pertence, uma vez que o obtivera com dificuldade. Todos tentam, em súplicas, convencê-lo a abrir mão do anel, sem o que Freia permanecerá em poder dos gigantes. Wotan é categórico: “Deixai-me! Não cederei o anel!” De repente, ouvimos um forte, grave e profundo acento da orquestra, anunciando o que segue: após novo escurecimento da cena, emerge, de uma fenda na rocha, uma luz azulada, em meio à qual surge, a meio corpo, Erda, uma forma feminina de aspecto nobre, envolta em sua basta cabeleira negra. (Esta misteriosa personagem é – como veremos a seguir, e em próximas passagens da Tetralogia – a “mulher original”, uma espécie de “mãe universal”, detentora de todo o conhecimento e sabedoria, chamada às vezes de “Deusa da Terra”, pois vive nas profundezas, num eterno sono, em cujos sonhos acumula conhecimento. Sua existência “subterrânea” talvez seja uma representação simbólica do inconsciente, que tudo absorve e guarda; ou, mais amplamente, um símbolo do contexto espiritual do homem, ou mesmo do Universo, ao(s) qual(is) o inconsciente está ligado.

O despertar de Erda, isto é, o momento em que ela acorda e emerge à superfície, parece uma alusão aos raros momentos em que, altamente inspirada, nossa consciência percebe elementos profundos, que ordinariamente ignoramos, embora sejam inerentes a nosso espírito.) Num lento e sugestivo andamento melódico, Erda dirige-se a Wotan, numa firme e zelosa advertência: “Cede, Wotan, cede! Foge à maldição do anel!” A “mulher primeva”, sempre no mesmo tom profundo, avisa a Wotan que o anel lhe levaria à ruína “tenebrosa e irremissível”. Impressionado, Wotan dirige-se a ela: “Quem és tu, admoestadora mulher?” Em resposta, Erda expõe a grandeza de seus atributos: “Enxergo tudo o que foi, o que é e o que está para ser”.

A mulher primordial do Eterno Mundo é quem adverte o teu espírito. Três filhas primevas que meu ventre gerou, as Nornas, costumam dizer-te à noite o que eu vejo. Porém, hoje, um grande perigo obrigou-me a vir-te em pessoa. Ouve! Ouve! Ouve! Tudo o que existe acaba. Um dia sombrio se abaterá sobre os deuses: eu te aconselho: renuncia ao anel!” Enquanto ela imerge lentamente, de volta ao subterrâneo, Wotan, tocado pelas profundas palavras de Erda, pede-lhe que fique e lhe conceda mais ensinamentos. Erda, concluindo sua imersão, responde que basta a Wotan o aviso que ela acaba de lhe dar, e que ele reflita “com ânsia e temor”. Acaba de imergir completamente, e Wotan tenta ainda segui-la, ao que é contido por Fricka e Froh. Donner, por sua vez, percebendo que a decisão está consumada, dirige-se aos gigantes, avisando-lhes que o anel lhes será entregue. Todos fitam Wotan, que, após ficar pensativo por momentos, chama Freia para junto de si, e, aos gigantes: “Eis vosso anel!” E lança a jóia sobre o tesouro. Fasolt e Fafner libertam Freia, que corre a abraçar os outros deuses. Fafner, tomando a iniciativa, abre um enorme saco, no qual começa a introduzir as peças do tesouro. Fasolt, percebendo que o irmão está armazenando para si uma parcela exagerada, o que resultaria numa partilha desigual, e que ele, Fasolt, ficaria em prejuízo, reclama com Fafner, dizendo que aquilo não está direito.

Fafner, arrogante, responde com um argumento absurdo: “És um janota, a quem me foi difícil convencer a aceitar o ouro em lugar da garota. Se ficasses com ela, não a dividirias com ninguém; é justo, portanto, que seja minha a maior parte do tesouro.” Indignado, Fasolt pede aos deuses que atuem como árbitros daquela questão. Wotan dá-lhe as costas, com desprezo, e Loge tem a idéia de sugerir a Fasolt que fique com o anel e deixe o resto todo para Fafner. Fasolt, então, exige o anel, alegando que a jóia corresponde aos olhos de Freia. Fafner, no entanto, não quer ceder o anel, e os dois irmãos passam da discussão à luta corporal; Fasolt toma o anel à força, mas Fafner dá-lhe um golpe mortal com a clava.

Fasolt cai por terra, e, enquanto ainda agoniza, Fafner retira-lhe do dedo o anel, e diz, com desprezo: “Agora sonha com a tua Freia; no anel nunca mais porás a mão”. Fasolt morre, e enquanto Fafner conclui o ensacamento do tesouro, ocorre uma forte comoção entre os deuses, após a cena de fraticídio que acabaram e presenciar. Wotan entende, então, a força da maldição de Alberich, que acabara de apresentar seu primeiro efeito. Fricka procura acalmar Wotan, e Donner, também abalado, decide convocar suas servas, as nuvens, para provocar uma tempestade que purifique o céu e o ambiente. Após subir a uma rocha, brande seu martelo e profere a célebre invocação: “He da! He da! He do! A mim, nevoeiro! Vapores, a mim! Donner, vosso amo, convoca-vos!” .

Donner conclui suas ordens, e, com um sonoro golpe do martelo sobre a rocha, brada a Froh: “Aqui, irmão! Mostra o caminho da ponte!” Faz-se o arco-íris, ao qual Froh convida os demais a passar, rumo ao castelo, agora pronto para ser ocupado. Wotan pronuncia uma longa saudação à fortaleza, e fala a Fricka, como um cônjuge cordial: “Vem, mulher, viver comigo no ‘Walhall’” (ou “Walhalla”, nome que Wotan acaba de dar a seu castelo). Fricka indaga-lhe pelo significado de tal nome. Wotan responde que o sentido daquele termo “será dado a ela pela coragem de Wotan, que soube inspirá-lo, vitoriosa sobre o medo” (é, sem dúvida, uma explicação enigmática). Entrementes, Loge os acompanha e observa à distância, fazendo um comentário crítico. (Por ser mais realista que seus companheiros, Loge não incide no erro deles, que tendem a ocultar de si mesmos a série de fatores e eventos negativos ou indignos, pelos quais tornara-se possível a conjuntura desse momento, que tranqüiliza e alegra a todos.) Diz o Deus do Fogo: “Envergonha-me cooperar com eles. Sinto o belo desejo de transformar-me de novo na chama tremulante, para consumir estes que um dia puseram-me entre cegos para que eu acabasse como um parvo. Assim os deuses seriam mais divinos!

Entretanto, faz-se ouvir, das profundezas, o lamento das Filhas do Reno, por seu Ouro perdido. Wotan pergunta a Loge o que é aquilo. Loge esclarece, e Wotan, irritado, ordena-lhe que as repreenda. O outro obedece, sugerindo às jovens um ridícula compensação: “Se vosso Ouro não mais brilha, Wotan quer que, a partir de agora, fiqueis felizes com o novo esplendor dos deuses!” Os deuses riem. As ondinas reiteram seu lamento, ao passo que os deuses continuam a caminhar sobre a ponte. Cai o pano.

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Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala)

“Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro.”

Mestre Gilberto Freyre… Escritor pernambucano, morador de Apipucos, no Recife. Era descendente de senhores de engenho. Conhecia bem os casarões…

Em 1933, após exaustiva pesquisa em arquivos nacionais e estrangeiros, Gilberto Freyre publica Casa-Grande & Senzala, um livro que revoluciona os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade literária.

Gilberto Freyre foi buscar nos diários dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus próprios antepassados a história do homem brasileiro. As plantações de cana em Pernambuco eram o cenário das relações íntimas e do cruzamento das três raças: índios, africanos e portugueses.

Em Casa-Grande & Senzala, o escritor exprime claramente o seu pensamento. Ele diz: “o que houve no Brasil foi a degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada” . Os índios foram submetidos ao cativeiro e à prostituição. A relação entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos.

“Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia a mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos.”

Havia tempos Gilberto Freyre procurava escrever sobre o ser brasileiro. Pressões políticas e familiares o levaram, entre 1930 e 1932, a viver o que chamou de “a aventura do exílio”. Partiu para a Bahia e pesquisou as coleções do Museu Afro-Brasileiro Nina Rodrigues e a arte das negras quituteiras na decoração de bolos e tabuleiros. Observou que a culinária baiana era neta da velha cozinha das casas-grandes.

Depois da Bahia partiu para a África e Portugal. Iniciou em Lisboa as pesquisas e estudos que sedimentariam o livro Casa-Grande & Senzala. De Portugal foi, como professor visitante, para a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde viajou pelo Sul e pôde constatar a existência, durante a colonização americana, do mesmo tipo de regime patriarcal encontrado no nordeste brasileiro.

“Eu venho procurando redescobrir o Brasil. Eu sou rival de Pedro Álvares Cabral. Pedro Álvares Cabral, a caminho das Índias, desviou-se dessa rota, parece já baseado em estudos portugueses, e identificou uma terra que ficou sendo conhecida como Brasil. Mas essa terra não foi imediatamente auto-conhecida. Vinham sendo acumulados estudos sobre ela… mas faltava um estudo convergente, que além de ser histórico, geográfico, geológico, fosse… um estudo social, psicológico, uma interpretação. Creio que a primeira grande tentativa nesse sentido representou um serviço de minha parte ao Brasil.”

Durante o período de estudos na universidade americana, o escritor elaborou uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separava herança cultural de herança étnica; trabalhou o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.

Gilberto Freyre diz que Franz Boas foi a figura de mestre que nele ficou maior impressão, porque foi com Franz Boas que ele aprendeu a distinguir raça de cultura, e nessa distinção ele se baseou para escrever Casa-Grande & Senzala. Agora, o conceito de antropologia de Freyre era muito mais amplo, ele partiu para uma interpretação global do povo brasileiro. É uma história ao mesmo tempo econômica, religiosa, folclórica, sociológica.”
Édson Nery da Fonseca, historiador (Olinda, PE)

Quando, em 1532, se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para a vida tropical. Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio, e mais tarde de negro, na composição.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Portugal, um país largamente marítimo, recebia sempre povos de todos os lugares do mundo. Seus portos eram rota de comércio e de migrações. O contato com estrangeiros estimulava, no povo português, tendências cosmopolitas, imperialistas e comerciais. Na Península Ibérica as raças se misturavam havia milênios. O encontro das culturas árabes e romana impregnava a moral, a arte, a economia e a vida do português. Os árabes – excelentes técnicos navais – e os judeus – financistas e com altos cargos de administração, no conselho real -, emprestavam conhecimento e dinheiro para o empreendimento das navegações e dos descobrimentos. A burguesia comercial ganhava mais poder que a aristocracia territorial portuguesa e buscava no além-mar terras e riquezas nunca exploradas.

Além da mobilidade, o português tinha a capacidade de se misturar facilmente com outras raças. Os homens vinham sem família, sozinhos. Chegavam carentes de contato humano e começavam a se reproduzir primeiro com as índias e depois com as negras escravas. Era preciso povoar o território. No momento em que embarcou na aventura ultramarina, Portugal tinha três milhões de habitantes. O Brasil era imenso; então, como povoar esse território?

“Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades que fossem de fé católica. Temia-se no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar aquela solidariedade que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica. Essa solidariedade manteve-se entre nós esplendidamente através de toda a nossa formação colonial.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Foi aqui que chegou…dia 02 de março de 1535…um português chamado Duarte Coelho Pereira, viu essa bela vista e deu uma exclamação:Oh! linda situação para se construir uma vila. Por isso que a cidade se chama Olinda. Antigamente chamava Marino Caetês, habitada pelos índios. Em Pernambuco e no Recôncavo baiano, a colonização se desenvolvia à sombra das grandes plantações de cana-de-açúcar e das casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, longe das cabanas de aventureiros e do extrativismo predatório.

“A casa-grande do engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a levantar no Brasil – grossas paredes de taipa ou de pedra e cal, telhados caídos num máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais – não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas, mas expressão nova do imperialismo português. A casa-grande é brasileirinha da silva.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Num processo de equilíbrio de antagonismos, o branco e o negro se misturavam no interior da casa-grande e alteravam as relações sociais e culturais, criando um novo modo de vida no século XVI. As relações de poder, a vida doméstica e sexual, os negócios e a religiosidade forjavam, no dia-a-dia, a base da sociedade brasileira.

A casa-grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no açúcar e no escravo. O suor do negro ajudava a dar aos alicerces da casa-grande sua consistência quase de fortaleza. Ela servia de cofre e de cemitério. Sob seu teto viviam os filhos, o capelão e as mulheres, que fundamentariam a colonização portuguesa no Brasil. Embora diretamente associada ao engenho de cana e ao patriarcalismo nortista, a casa-grande não era exclusiva dos senhores de engenho. Podia ser encontrada na paisagem do sul do país, nas plantações de café, como uma característica da cultura escravocrata e latifundiária do Brasil.

O clima tropical e as formas agressivas de vida vegetal e animal impossibilitavam a implantação de uma cultura agrícola, nos moldes do costume europeu. O português teve então de mudar seus hábitos alimentares. A mandioca substituía o trigo; no lugar das verduras, o milho; e as frutas davam um colorido novo à mesa do colonizador. Mas sua dieta ficava empobrecida, devido à ausência de leite, ovos e carne, que só apareciam em datas especiais, festas e comemorações. A terra foi usada para o cultivo da cana em detrimento da pecuária e da cultura de alimentos, o que provocou a apatia, a falta de robustez e a incapacidade para o trabalho. Males geralmente atribuídos à mestiçagem. Os portugueses não traziam para o Brasil nem separatismos político, nem divergências religiosas, e não se preocupavam com a pureza da raça. Assim o país se formava. E a unidade dessa grande extensão territorial com profundas diferenças regionais, garantida muitas vezes com o uso da força, aconteceu devido à uniformidade da língua e da religião.

A Igreja desenvolvia planos ambiciosos de evangelização da América Latina, toda ocupada por países de tradição católica. Nessa quase cruzada no Novo Mundo, os padres jesuítas desempenhavam um papel importante na tentativa de implantar uma sociedade estruturada com base na fé católica. Para catequizar os índios, os jesuítas decidiram vesti-los e tirá-los de seu hábitat. Já o senhor de engenho tentava escravizá-los. Nos dois casos, o resultado era o extermínio e a fuga dos primitivos habitantes da terra para o interior.

Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e menos estritos que os ingleses nos preconceitos de cor e de moral cristã, vieram defrontar-se na América com uma das populações mais rasteiras do continente… Uma cultura verde e incipiente, sem o desenvolvimento nem a resistência das grandes semicivilizações americanas, como os Incas e os Astecas.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

O ambiente em que começou a vida brasileira foi de grande intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua. Os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, se não atolavam o pé em carne.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

A sociedade brasileira, entre todas da América, era a que se formava com maior troca de valores culturais. Havia um aproveitamento de experiências dos indígenas pelos colonizadores. Mesmo quando inimigo, o índio não provocava no branco uma reação que levasse a uma política deliberada de extermínio, como a que ocorria no México e Peru. A reação dos índios ao domínio do colonizador era quase contemplativa. O português usava o homem para o trabalho e a guerra, principalmente na conquista de novos territórios, e a mulher para a geração e formação da família. Esse contato provocava o desequilíbrio das relações do índio com o seu meio ambiente.

Eu sou índio da tribo pataxó. Eu aprendi com meus pais a fazer artesanato. A gente faz cocares…, a gente vive só disso, de artesanato, a não ser no inverno, quando a gente tem que pescar mucussu. Mucussu é peixe. A gente planta mandioca para fazer cuiúna, feijão e arroz. A gente fala em pataxó: jocana baixu significa mulher bonita e jocana baixa é mulher feia.”
Paturi, índio pataxó (Coroa Vermelha, BA)

A grande presença índia no Brasil não foi a do macho, foi a da fêmea. Esta foi uma presença decisiva, a mulher índia tomou-se de amores pelo português, talvez até por motivos fisiológicos, porque, segundo pude apurar quando escrevi Casa Grande & Senzala, as sociedades ameríndias ou índias, inclusive a brasileira, eram sociedades que precisavam de festivais como que orgiásticos para provocar nos homens, nos machos, desejos sexuais. O que há de acentuar é o grande papel da índia fêmea na formação brasileira, essa índia fêmea não só através do relacionamento mencionado sexual, mas através do papel social que ela começou a desempenhar magnificamente, tornou-se uma figura capital na formação brasileira.”

Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós. Ela nos deu, ainda, a rede em que se embalaria o sono ou a volúpia do brasileiro.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

A união do português com a índia havia gerado os mamelucos que atuavam como bandeirantes e, junto com os índios, formavam a muralha movediça da fronteira colonial. O mameluco e o índio, que excediam o português em mobilidade, atrevimento e ardor guerreiro; que defendiam o patrimônio do senhor de engenho contra o ataque de piratas estrangeiros, nunca firmaram as mãos na enxada. Os pés de nômades não se fixavam na plantação da cana-de-açúcar.

Essa arte é descendência dos índios, né! Aí nós somos seguidores já dos índios. A gente ficou fazendo as panelas de barro, que eu aprendi com meu pai. Meu pai já trabalhava, aí eu fiquei trabalhando. Agora meus filhos também trabalham na mesma arte.”
Zé Galego, artesão (Caruaru, PE).

Dos costumes dos primitivos habitantes da terra eram as relações sexuais e de família, a magia e a mítica que marcavam a vida do colonizador. A poligamia e a sexualidade da índia iam ao encontro da voracidade do português, ainda que a vida sexual dos indígenas não se processasse tão à solta quanto o relatado pelos viajantes que aqui estiveram. Para as tribos mais primitivas, a união do macho com a fêmea tinha época; o costume de oferecer mulheres aos hóspedes era prática de hospitalidade, quase um ritual. A mulher nativa resgatava o sonho da ninfa, que se banhava no rio e penteava os longos cabelos negros. Uma imagem deixada pela invasão moura na Península Ibérica e adormecida no inconsciente do português.

Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que a individualize entre os imperialistas modernos. Assemelha-se nuns à do inglês; noutros, à do espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do conquistador do México e do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do contemporizador. Nem idéias absolutas, nem preconceitos inflexíveis. …Um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em quedas de água…”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Os portugueses davam uma contribuição criativa ao novo mundo através da produção de açúcar. E implantavam um sistema econômico que aprenderam com os mouros durante a ocupação da Península Ibérica. Os mouros, de grande tradição agrícola, introduziram a laranjeira, o limoeiro e a tangerina e implantaram a tecnologia do fabrico do açúcar em Portugal. O engenho mouro é avô do engenho pernambucano.

Essa contribuição criativa é que diferenciava o português do holandês e do francês, que para cá traziam apenas aperfeiçoamentos tecnocráticos. O choque das duas culturas, a européia e a ameríndia, no Brasil colônia, se dava mais lentamente, não por meio da guerra, mas nas relações entre homem e mulher, mestre e discípulo. A Igreja ganhava no Brasil capelas simples dentro do complexo arquitetônico da casa-grande. Lá morava o capelão, que dela tirava seu sustento. E essa mesma Igreja, através dos jesuítas, partia maciça e indiscriminadamente para a catequização dos índios.

O animalismo e a magia impregnavam a vida dos índios: desde o berço, quando a mãe entoava cantigas de ninar e, já meninos, nas brincadeiras de imitar animais. Entre os jogos infantis dos curumins, o jogo de cabeçada com a bola de borracha ficava como contribuição da cultura indígena. Apesar de crescerem livres de castigos corporais e de disciplina paterna, os meninos estavam sempre em contato com rituais da vida primitiva. Na puberdade eram levados para o baíto, a casa secreta dos homens, onde passavam por provas de iniciação à fase adulta. Para os padres da Companhia de Jesus, os índios acreditavam em tudo e aprendiam e desaprendiam os ensinamentos rapidamente. Havia uma enorme quantidade de aldeias espalhadas pela floresta, que falavam diferentes línguas. Era preciso unificar as tribos para poder pregar a doutrina católica. O menino indígena servia de intérprete aos jesuítas, que aprendiam com ele as primeiras palavras em tupi. Os padres puderam então escrever uma gramática, unificando a língua dos Brasis. Estava criando o tupi-guarani.

Tanto a Igreja quanto o senhor de engenho fracassavam nos esforços de enquadrar o índio no sistema de colonização que iria criar a economia brasileira. Fora de seu hábitat natural, o índio não se adaptava como escravo: morria de infecções, fome e tristeza. Para suprir a deficiência da mão-de-obra escrava, os senhores de engenho de Pernambuco e do Recôncavo baiano começavam a importar negros caçados na África. Agora, as escravas negras substituíam as cunhãs tanto na cozinha como na cama do senhor. Na agricultura, a presença do negro elevava a produção de açúcar e o preço do produto no mercado internacional. O Brasil, esquecido por quase duzentos anos, despertava finalmente o interesse do Reino de Portugal.

Entre os africanos que vinham para o Brasil, eram os negros muçulmanos, de cultura superior não só à dos índios como também à da maioria de colonos brancos, que aqui chegavam e viviam quase sem nenhuma instrução, que para escrever uma carta necessitava da ajuda do padre-mestre. O movimento malê da Bahia, em 1835, foi considerado um desabafo da cultura adiantada, que era oprimida por outra menos nobre. Contava-se que os revoltosos sabiam ler e escrever em alfabeto desconhecido. Eram negros que liam e escreviam em árabe.

Pode-se juntar à superioridade técnica e de cultura dos negros sua predisposição como que biológica e psíquica para a vida nos trópicos. Sua maior fertilidade nas regiões quentes. Seu gosto pelo sol. Sua energia sempre fresca e nova quando em contato com a floresta tropical.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

O Brasil importava da África não somente o animal de tração que fecundou os canaviais, mas também técnicos para as minas, donas de casa para os colonos, criadores de gado e comerciantes de panos e sabão.Os negros vindos das áreas de cultura africana mais adiantada eram um elemento ativo, criador e pode-se dizer nobre na colonização do Brasil, degradados apenas pela condição de escravos. O negro escravo e a cana-de-açúcar fundamentavam a colonização aristocrática e a estrutura básica do mundo dos coronéis se repetiria nos ciclos do ouro e do café, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, com o mesmo fundamento: a ocupação da terra.

Na sociedade escravocrata e latifundiária que se formava, os valores culturais e sociais se misturavam à revelia de brancos e negros. Sua convivência diária favorecia o intercâmbio de culturas e gerava sadismos e vícios, que influenciavam a formação do caráter do brasileiro. A escravatura degradava senhores e escravos.

Na verdade, senhores, se a moralidade e a justiça de qualquer povo se fundam, parte nas sua instituições religiosas e políticas, e parte na filosofia, por assim dizer doméstica de cada família, que quadro pode apresentar o Brasil quando o consideramos debaixo desses dois pontos de vista?”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

O senhor de engenho, um homem extremamente rico e poderoso, passava a maior parte do tempo deitado na rede, cochilando e copulando. Quando saía, a passeio ou em viagem, o negro era seus pés e mãos. O sinhô não precisava levantar-se da rede para dar ordens aos negros, bastava gritar. Os negros veteranos, os ladinos, iniciavam os recém-chegados na moral e nos costumes dos brancos. Ensinavam a língua e orientavam nos cultos religiosos sincretizados. Eram ainda os ladinos que ensinavam aos boçais a técnica e a rotina na plantação da cana e no fabrico do açúcar.

A escravidão desenraizava o negro de seu meio social e desfazia seus laços familiares. Além dos trabalhos forçados, ele era usado como reprodutor de escravos: era preciso aumentar o rebanho humano do senhor de engenho. As crias nascidas eram logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem alma. A Igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no tratamento dado ao negro. A mulher escrava fazia a ponte entre a senzala e o interior da casa-grande e representava o ventre gerador. As negras mais bonitas eram escolhidas pelo sinhô para serem concubinas e domésticas. Objeto dos desejos sádicos dos homens, do senhor de engenho ao menino adolescente, a negra sofria por parte da mulher branca os castigos mais variados. Se a beleza dos seus dentes incomodava a desdentada sinhá, esta mandava arrancá-los. A escrava adoçava a boca do senhor e recebia chicotadas à mando da senhora, mas cumpria as tarefas que normalmente estariam destinadas à mãe de família. As damas da sociedade se casavam entre os doze e os quinze anos com homens muito mais velhos. O conhecimento que tinham da vida de casada, os acontecimentos de fora do engenho e outras histórias – nem sempre românticas – elas ouviam da boca das mucamas. As sinhazinhas sentadas à mourisca, tecendo renda ou deitadas na rede e as escravas a lhes catar piolho ou fazendo cafuné. Cedo se casavam e cedo morriam por causa de sucessivos partos ou se tornavam matronas aos dezoito anos. O ócio e a vida reclusa faziam das sinhás mulheres amarguradas. E ignorantes: era raro encontrar uma que soubesse ler e escrever. A presença da negra na vida do menino vinha desde o berço, quando ela o amamentava e acalentava o seu sono. A ama de leite ensinava as primeiras palavras num português errado, o primeiro “pai nosso”, o primeiro “oxente”, e amaciava com a própria boca a comida do menino de engenho. Os sofrimentos da primeira infância – castigos por mijar na cama e purgante uma vez por mês os meninos descontariam tornando-se pequenos diabos. O moleque, o pequeno escravo, companheiro do sinhozinho em brincadeiras e aventuras, servia também de saco de pancadas. Tornava-se objeto do prazer mórbido de tratar mal os inferiores e os animais, prazer de todo menino brasileiro filho do sistema escravocrata. Criança mimada e educada para ser o herdeiro todo-poderoso, o menino desde o início da adolescência era entregue aos cuidados eróticos da fulô.

Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas. O Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado. A contaminação da sífilis em massa ocorreria nas senzalas, mas não que o negro já viesse contaminado. Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram as negras das senzalas. Por muito tempo dominou no Brasil a crença de que para um sifilítico não há melhor depurativo que uma negrinha virgem.
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Os senhores de engenho casavam-se sucessivas vezes, sempre preferindo as jovens sobrinhas; exagerava-se, então, o sentimento da propriedade privada. As heranças eram disputadas por filhos legítimos e parentes próximos. Aos filhos bastardos, gerados nas casa-grande e paridos na senzala, restava a tolerância do senhor, que ao morrer os libertava. Nomes e sobrenomes se confundiam: os escravos mais próximos, que ganhavam a simpatia do senhor, conseguiam adotar o sobrenome dos brancos. Na tentativa de ascensão social, os negros imitavam dos senhores as formas exteriores de superioridade. Mas muitos nomes ilustres de senhores brancos vinham dos apelidos indígenas e africanos das propriedades rurais – a terra recriava os nomes dos proprietários à sua imagem e semelhança.

A música, o canto e a dança dos escravos tornavam a casa-grande mais alegre. A risada do negro quebrava a melancolia e o silêncio infinito do senhor de engenho. As mães negras e as mucamas, aliadas aos meninos, às moças das casas-grandes e aos moleques, corrompiam o português arcaico ensinado pelos jesuítas aos filhos do senhor. A nova fala brasileira não se conservava fechada nas salas de aula das casas-grandes, nem se entregava de todo à maior espontaneidade de expressão da senzala. Mas o modo carinhoso do brasileiro colocar os pronomes: me diga, me espere… vem do africano. Também do seu modo de falar ficaram as formas diminutivas: benzinho, nézinho, inhozinho.

Era um novo jeito de falar, um novo jeito de andar, um novo jeito de comer… A culinária da senzala aproveitava as sobras de carnes da casa-grande, usava o aipim indígena e as verduras, misturava aos temperos africanos, principalmente o dendê e a pimenta malagueta. Surgiam a feijoada, a farofa, o quibebe, o vatapá. Alimentos que combinavam com a dureza do trabalho no cativeiro. As crenças e magias trazidas pelos portugueses eram transformadas em feitiçaria nas mãos dos africanos. Aos negros feiticeiros recorriam os senhores brancos idosos a procura de afrodisíacos; as jovens sinhás, que não conseguiam engravidar; e as belas mucamas, que aprendiam a receita do café mandingueiro, um filtro amoroso feito com café bem forte, muito açúcar e sangue de mulata.

Na religião conviviam a cultura do senhor e a do negro. O catolicismo praticado aqui era uma religião doce, doméstica, de intimidade com os santos. Os padres se vangloriavam de conceder aos negros certas vantagens, como o direito de manifestar suas tradições nas festas do terreiro. Nasciam então as religiões afro-brasileiras: São Jorge é o orixá Ogum e Nossa Senhora é Iemanjá.

Esse terreiro tem 110 anos. A minha avó era descendente de escravos. Tinha uma aldeia que se chamava Catongo. Nessa aldeia ela também cultivava os orixás, quando chegavam assim os escravos chicoteados de outros lugares, fazendas, engenhos, essas coisas. Aí ela curava com aquelas difusões de ervas, né, aqueles remédios das folhas, e curava esses escravos, que ficavam gratos e acabavam ficando com ela. Quer dizer, ela era assim uma espécie de protetora desses escravos. E a minha mãe falava que era uma senzala, onde ela abrigava esses escravos.”
Ilza R.P. Santos, mãe-de-santo (Ilhéus, BA) (??)

Não foi só de alegria a vida dos negros escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. Houve os que se suicidaram comendo terra, enforcando-se, envenenando-se com ervas e potagens dos mandingueiros. O banzo deu cabo de muitos. O banzo – a saudade da África. Houve os que de tão banzeiros ficaram lesos, idiotas. Não morreram, mas ficaram penando.”
Trecho de Casa-Grande & Senzala.

Os negros, muitos agora, libertos pela alforria, pela revolta ou pelas fugas, unidos nos quilombos, lutavam pelo fim da escravidão. Aliavam-se aos ideais libertários os filhos de poderosos senhores de engenho que se tornavam abolicionistas por motivos econômicos, humanitários ou, simplesmente, pelo apego que tinham às suas mães de leite.

Os brancos diziam que em nenhum país do mundo essa nefanda instituição foi tão doce como no Brasil. Agora não me passa pela cabeça – não deve passar pela cabeça de ninguém – que essa nefanda instituição, como os próprios brancos chamavam a escravidão, que ela pudesse ser doce em algum lugar. Ela só pode ser doce da perspectiva de quem estivesse na casa-grande e não na perspectiva de quem estivesse na senzala.”
Florestan Fernandes, cientista social.

Em 1984, numa de suas últimas entrevistas, o escritor Gilberto Freyre resumia o seu pensamento sobre a situação presente do negro, lembrando o abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco:

O problema é que a abolição da escravatura, embora tenha sido fato notável na história da formação brasileira, foi muito incompleta.”

Com a abolição, os problemas do negro estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias das cidades. Abandonado, constituiu-se num sub-brasileiro.

Todo mundo… não quer se encontrar com os pretos,
não quer, só quer se ligar aos brancos. Mas isso naquela época a Princesa Isabel libertou! Cabou-se, né! esse negócio de não querer se encontrar com o negro.
Porque tristes dos brancos se não fosse o sangue do negro
.”
Maria Madalena Correia, cantora (Ilha de Itamaracá, PE).

Fonte:

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John Ronald Reuel Tolkien (O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel)

Frodo Bolseiro é um hobbit do Condado, que recebe de seu tio Bilbo um anel de rara beleza. Esse anel tem uma longa história: foi roubado de uma criatura chamada Gollum (como relatado no livro O Hobbit), e desde então ele tem sido guardado por Bilbo.

O Mago Gandalf, um velho amigo de Bilbo, percebe o poder que aquele anel possui, não sendo um anel comum, mas sim o Um Anel, artefato mágico forjado por Sauron, o Senhor do Escuro, e que fora perdido numa batalha muito tempo antes. Se recuperado, o Um Anel permitiria a Sauron o domínio definitivo sobre toda a Terra-média. O Um Anel, ou Anel do Poder, dera longevidade fora do comum a seu antigo dono, Bilbo, e possuía consciência, uma vontade própria que o conduzia sempre na direção do seu criador e senhor. Gandalf aconselha Frodo a deixar o Condado pois servos de Sauron conhecidos como Nazgûl estão à procura do Um Anel. Gandalf parte em busca de ajuda mas não manda notícias durante vários meses. Frodo decide então deixar o Condado furtivamente, levando consigo seu fiel amigo e jardineiro, Samwise Gamgee, mais conhecido como Sam. Os dois companheiros viajam a pé rumo a Bri, uma vila habitada por Homens, perto da fronteira do Condado.

No caminho, juntam-se a eles dois outros hobbits, Merry e Pippin. Os hobbits resolvem pegar um atalho que passa através da Floresta Velha, lar de árvores que se comunicam entre si. Dentro da Floresta, os hobbits são salvos de uma árvore violenta por um estranho ser que adora cantar: o enigmático Tom Bombadil, um dos maiores mistérios de Tolkien.

Passando por outros perigos, os hobbits chegam a Bri, e lá aceitam a ajuda de um Guardião chamado Passolargo, amigo de Gandalf, que os guia até Valfenda, um reino ainda habitado por elfos, seres imortais, detentores de grande poder, beleza e sabedoria. Mas o caminho ainda é perigoso: o grupo é emboscado no Topo do Vento e Frodo acaba apunhalado por um Nazgûl, Espectro do Anel. Passolargo consegue repelir a ofensiva do Inimigo e foge com Frodo, que está gravemente ferido, e os outros hobbits. Quando estão sendo alcançados novamente pelos Espectros do Anel, o elfo Glorfindel os encontra e os conduz em segurança até Valfenda. Os Nazgul tentam detê-los mas são varridos pela inundação súbita do rio Baraduin.

Já curado, Frodo descobre as maravilhas de Valfenda e lá é realizado um conselho liderado por Elrond, o meio-elfo mestre de Valfenda e pai de Arwen, a amada de Passolargo, cujo verdadeiro nome é Aragorn, que se revela descendente de Isildur e herdeiro do Trono de Gondor.

No Conselho de Elrond são expostos os problemas relacionados ao Um Anel. Boromir, filho do regente de Gondor, sugere usar o Anel do Poder contra Sauron. Elrond e Gandalf rejeitam a idéia imediatamente e explicam os vários motivos pelos quais não podem usá-lo contra o “Senhor dos Anéis”: Sauron é o único e verdadeiro mestre do Anel, pois o forjou, sendo portanto totalmente maligno, além disso, seu poder é grande demais para ser controlado por mortais comuns e mesmo os poderosos entre os povos livres da Terra-Média, como os imortais elfos (Elrond) e os magos (Gandalf), temem inclusive tocá-lo. O poder quase absoluto do anel corrompe o caráter e deforma a personalidade daquele que se atreve a empunhá-lo, ainda que movido por boas intenções. Quem quer que tente derrotar Sauron utilizando magia, acabará se tornando o próximo Senhor do Escuro.

Dada a impossibilidade de utilizar o Um Anel como arma de guerra, é imposta a tarefa de levá-lo até a Montanha da Perdição, um vulcão localizado no centro de Mordor, a Terra Negra do Inimigo, onde o anel fora forjado e também o único lugar onde poderia ser destruído.

Para essa missão, de sucesso improvável, é formada a Sociedade do Anel, composta por nove companheiros:quatro hobbits (Frodo,Sam,Merry e Pippin), dois humanos (Aragorn e Boromir), um elfo (Legolas), um anão (Gimli) e um mago (Gandalf). Frodo seria o Portador do Anel, aquele que deveria lançar o Anel nos fogos de Orodruin.

A Sociedade do Anel parte em direção ao sul. Cientes que essa rota está sendo vigiada pelo Inimigo, o grupo faz um desvio para Leste através das Montanhas Nebulosas, mas são obrigados a voltar por causa da neve e do frio. Um caminho alternativo os leva até a temida Moria, reino subterrâneo dos anões, onde Gandalf é morto lutando com um Balrog, um demônio do mundo antigo. Os outros companheiros escapam e chegam em segurança a Lothlórien, reino da rainha élfica Galadriel, temida por seu poder mas dotada de rara beleza e sabedoria. Nesse reino encantado, onde o tempo parece não passar, os viajantes recebem auxílio e conselhos. Após algumas semanas de descanso, a Sociedade do Anel, agora liderada por Aragorn, parte de Lothlorien em direção ao sul, navegando o grande rio Anduin em canoas construídas pelos elfos da Floresta Dourada. Quando param para descansar próximo às cataratas de Rauros, Boromir tem uma discussão com Frodo, e tenta roubar-lhe o Anel do Poder. Frodo foge e decide ir sozinho para Mordor. Quando os outros membros da Sociedade do Anel vão em busca de Frodo, são atacados por Uruk-hai (subespécie de Orc, mais alta e forte) enviados por Saruman, um mago renegado que se aliou a Sauron, mas que também ambiciona o Anel do Poder.

Na luta que se segue, a Sociedade é rompida:Merry e Pippin são capturados pelos uruk-hai, Boromir morre ao defendê-los, Aragorn, Legolas e Gimli decidem resgatar os hobbits aprisionados, Frodo e Sam partem sozinhos para a Montanha da Perdição.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.valinor.com.br/

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John Ronald Reuel Tolkien (O Senhor dos Anéis: As Duas Torres)

Aragorn, Legolas e Gimli seguem os rastros dos hobbits capturados e o caminho os conduz até a Floresta de Fangorn. Nela encontram o Mago Branco que inicialmente pensam ser Saruman, o traidor. No entanto, o velho enigmático revela-se Gandalf, que morreu enfrentando o Balrog e retornou da morte para cumprir sua missão na Terra-Média. Os quatro seguem então para Rohan, Terra dos Cavalos. Sua capital Edoras fica no alto de uma colina, onde os rohirrim ergueram Meduseld, O Palácio Dourado. Nele vive o rei Théoden , cuja mente fora envenenada por Saruman através de um agente infiltrado, o conselheiro Gríma Língua-de-cobra. Gandalf expulsa Grima, cura o rei de seus males, e o aconselha a enfrentar a ameaça de Saruman e partir rumo a Isengard, fortaleza de Saruman, com todos os guerreiros disponíveis.

Enquanto isso, os hobbits Merry e Pippin conseguem escapar dos uruk-hais, e fogem para o interior da Floresta de Fangorn. Lá encontram Barbárvore, um Ent, um gigante em forma de árvore, e cujas origens remontam a tempos muitíssimo mais antigos que a Terceira Era, na qual se passa essa história.

Barbárvore leva Merry e Pippin a sua casa, onde descansam enquanto os Ents são convocados para uma reunião (o “Entebate”) no qual se discute, na lentíssima língua dos ents, o que fazer com o Inimigo Saruman. Os Ents decidem ir à guerra e partem rumo a Isengard. Os Ents invadem a fortaleza de Saruman, massacram os odiados orcs, que haviam derrubado muitas árvores de Fangorn, e apagam as fornalhas de Isengard desviando o curso do Rio Isen. Todo o círculo de Orthanc é inundado, ficando Saruman isolado pelas águas em sua Torre de pedra.

De volta a Rohan, o rei Theoden envia velhos, mulheres e crianças para a segurança do Templo da Colina, um refúgio nas montanhas, enquanto os cavaleiros de Rohan partem em direção a Isengard. Entretanto, são obrigados a fazer um desvio que os leva até o Abismo de Helm, um estreito desfiladeiro onde os rohirrim construíram uma fortaleza de pedra (o “Forte da Trombeta”). Nela, as tropas de Rohan buscam refúgio mas acabam sitiadas pelos Uruk-hai de Saruman. Após horas de batalha sangrenta, os orcs são derrotados com a ajuda de outras tropas de Rohirrim, trazidas por Gandalf. Os Orcs remanescentes fogem mas são massacrados pelos Huorns, Ents mais arvorescos, que buscam vingança pela destruição da Floresta de Fangorn.

Finda a Batalha do Abismo de Helm, o rei Theoden, Gandalf, Aragorn, Legolas e Gimli, cavalgam até Isengard. Ao chegarem lá, encontram Merry e Pippin sãos e salvos, e se surpreendem com os hobbits se fartando com as provisões de comida, vinho e fumo da fortaleza do Inimigo. Numa última e desesperada tentativa, Saruman procura seduzir o grupo com sua voz persuasiva, quase hipnótica, mas Gandalf anula o feitiço e ainda o expulsa da ordem dos Istari, quebrando seu cajado. Nesse momento, Gríma língua de cobra atira da Torre de Orthanc um Palantír, pedra vidente que é capaz de comunicar-se com outras semelhantes. Gandalf a recolhe para posterior averiguação.

À noite no acampamento, Pippin, em sua incontrolável curiosidade, agarra o Palantír e olha em seu interior, e numa visão, vê o próprio Sauron, mas por sorte não revela nada dos planos dos povos livres, e ainda vê uma parte dos planos do Senhor dos Anéis: seu primeiro ataque será contra a capital do Reino de Gondor, a cidade de Minas Tirith.

Gandalf parte então com Pippin para Minas Tirith a fim de alertar Gondor da guerra iminente, encerrando assim a primeira parte de As Duas Torres.

A segunda parte do livro, que fala sobre Frodo e Sam, inicia-se com a captura de Gollum. Em troca de sua liberdade, ele promete levar os dois até Mordor, onde fica a Montanha da Perdição. Assim é feito.

Mas Gollum não é totalmente fiel, nem totalmente sincero. Apenas Sam é capaz de perceber suas verdadeiras intenções. Gollum é uma criatura velha e “pegajosa” que já foi um hobbit, mas que foi possuído pelo poder do Um Anel, e jamais conseguiu libertar-se dessa atração: um lado de sua personalidade dividida quer levar os hobbits até Mordor em segurança, mas a outra pretende matá-los e apossar-se do Anel que lhe foi roubado.

Atravessando vários lugares, os hobbits são guiados até o Portão Negro de Mordor, mas este está fechado, e os hobbits, conduzidos por Gollum, seguem outro caminho.

Ao pararem para descansar e comer, Frodo e Sam testemunham uma batalha entre Homens de Gondor e os Haradrim, aliados de Sauron. Gollum desaparece e os hobbits são capturados por uma patrulha chefiada por Faramir, irmão de Boromir. Frodo e Sam são levados até um esconderijo situado atrás de uma cachoeira onde Sam inadvertidamente revela o objetivo da missão (a destruição do anel do poder).

Frodo repreende Sam e teme que Faramir seja como seu falecido irmão e queira tomar o anel para si. Entretanto, para sua surpresa, Faramir revela grande força de caráter e nobreza de coração, e os liberta para que possam cumprir sua tarefa.

Os hobbits reiniciam sua jornada para Mordor, com Gollum como seu guia, e decidem atravessar as montanhas através de Cirith Ungol, local de má fama, considerado maldito e perigoso. Este caminho os leva até uma escada talhada em um paredão de rocha, que termina num túnel. O plano de Gollum, que se rendeu ao mal, é guiá-los através desse túnel e lá dentro entregá-los a Laracna, uma aranha gigantesca, descendente da terrível Ungoliant. O esquema de Gollum funciona em parte: Frodo é picado por Laracna, mas Sam luta desesperadamente contra o terrível aracnídeo e acaba derrotando-o com um golpe de espada num ponto fraco de sua couraça.

Convicto da morte de Frodo, Sam decide assumir o fardo do anel e completar a missão de seu mestre. Nesse ínterim, uma patrulha de orcs se aproxima, e Sam volta para evitar que o cadáver de Frodo vire carniça de orcs. Sam ouve a conversa dos servos de Sauron e tem um choque ao saber que Frodo na verdade não estava morto, apenas inconsciente (Laracna preferia comer seu lanche vivo!). As Duas Torres termina com os orcs levando o adormecido Frodo para a Torre de Cirith Ungol e com o Hobbit Samwise Gamgee em desespero, que tem de escolher entre continuar a missão do Anel ou tentar salvar Frodo das garras dos orcs.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.valinor.com.br/

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John Ronald Reuel Tolkien (O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei)

Gandalf e Pippin entram na cidade de Minas Tirith, onde se encontram com Denethor, regente do reino de Gondor. Gandalf o avisa da guerra próxima, e o regente pede a ajuda de Rohan, mas revela seu rancor por Aragorn, que, sendo filho do último rei, é o herdeiro legítimo do trono de Gondor. Merry, entretanto, permanece com os rohirrim, para servir ao rei Théoden, que reúne todos os guerreiros aptos de seu reino e parte para a guerra em Minas Tirith. Junto com ele vão Aragorn, Legolas e Gimli.

Enquanto isso, Sam penetra na torre de Cirith Ungol, e resgata Frodo, que era mantido prisioneiro. Com muita sorte, ambos escapam dos muitos orcs, e adentram Mordor, uma imensa terra devastada, coberta de pó, cinza e fogo, cujo próprio ar é carregado de fumaça venenosa.

Após receberem uma mensagem de Elrond, Aragorn, Legolas e Gimli deixam o exército de Rohan e viajam então para as Sendas dos Mortos. Lá Aragorn convoca um exército de almas penadas/ mortos-vivos (o livro não deixa muito claro ) a cumprirem um antigo juramento de lealdade para com Isildur, o primeiro rei de Gondor e seu ancestral direto. Os mortos haviam jurado lutar ao lado de Gondor mas fugiram para as montanhas quando foram chamados à guerra. Isildur então os amaldiçoou a não terem paz, nem na vida nem na morte, até que sua promessa fosse cumprida.

Quando a guerra se abate sobre Gondor, o exército dos mortos, liderado por Aragorn, liberta um porto no grande rio Anduin, dominado pelos Haradrim (habitantes do sul da Terra-Média), o que permite o embarque de tropas aliadas que vão em auxílio de Minas Tirith, sitiada pelas Tropas de Sauron. Terminada a batalha dos Campos do Pelennor,que ainda não fora a batalha definitiva, os exércitos de Gondor e Rohan, marcham rumo ao Portão Negro de Mordor. O objetivo da arriscada manobra é atrair os exércitos remanescentes do Inimigo e esvaziar a Terra Negra, possibilitando a passagem de Frodo e Sam até a Montanha da Perdição, onde o Anel do Poder poderia ser destruído.

Tudo ocorre como previsto: os exércitos de Mordor caem na armadilha. Frodo e Sam conseguem passar, todavia antes de entrarem na Montanha da Perdição, encontram Gollum em seu caminho. Os hobbits se separam, Frodo adentra as Fendas da Perdição, uma câmara no vulcão que dá acesso à lava chamejante. Quando já está à beira do precipício, surpreendentemente, Frodo é dominado pelo Anel do Poder e o reivindica para si: “o anel é meu, não vou destruí-lo!”. Nisso, Gollum intervém, ele e Frodo lutam ferozmente, até que Gollum arranca o anel das mãos de Frodo. Gollum escorrega e cai acidentalmente (ou não) na lava ardente, levando consigo o Um Anel, que é destruído, assim como Sauron, cujo espírito estava vinculado ao anel, e seus servos orcs, que dependiam de sua força e comando.

Aragorn então assume o trono de Gondor com o nome élfico Elessar, sendo coroado Rei por Gandalf, e se casa com a meia-elfa Arwen. Tem início assim a Quarta Era, a era do Domínio dos Homens. Os elfos remanescentes da Terra-Média decidem partir para Aman, morada dos deuses Valar.

Os quatro Hobbits então retornam para o Condado, tendo que enfrentar um último inimigo: Saruman que se apossou do Condado. Mas o mago acaba morto pelas mãos de Grima Língua-de-cobra, e a paz volta à terra dos hobbits.

O livro termina com a partida para as Terras Imortais (Aman) de Gandalf, Galadriel, Elrond assim como dos hobbits Frodo e seu tio Bilbo, que, embora mortais, conquistam o direito de viver o resto de seus dias junto aos Elfos e aos Valar, como reconhecimento de sua lealdade e sacrifício durante a Guerra contra Sauron e por terem sido portadores do Um Anel.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.valinor.com.br/

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Machado de Assis (Resumo: Quincas Borba)

Inicialmente o livro tem como tema a loucura despertada, através de um processo que ativa fatores latentes. Com isso, o autor joga com palavras que simulam oscilações da estrutura que o substancia, transformando de repente a personagem de “professor em capitalista”, constitui presa fácil para ser enganada, atraída pelo fascínio da Corte graças à gorda herança conquistada
A História gira em torno da vida de Rubião, amigo e enfermeiro particular do filósofo Quincas Borba (maruja em “MP de BC”-1881) Quincas Borba vivia em Barbacena e era muito rico, e ao morrer deixa ao amigo toda a sua fortuna herdada de seu último parente. Trocando a pacata vida provinciana pela agitação da corte, Rubião muda-se para o Rio de Janeiro, após a morte de seu amigo, causado por infecção pulmonar.
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Leva consigo o cão, também chamado de Quincas Borba, que pertencera ao filósofo e do qual deveria cuidar sob a pena de perder a herança. Durante a viagem de trem para o Rio de Janeiro, Rubião conhece o casal Sofia e Palha, que logo percebem estar diante de um rico e ingênuo provinciano. Atraído pela amabilidade do casal e, sobretudo, pela beleza de Sofia, Rubião passa freqüentar a casa deles, confiando cegamente no novo amigo. Palha, este novo amigo, se destaca como um esperto comerciante e administra a fortuna de Rubião, tirando parte de seus lucros. Com o tempo, Rubião sente-se cada vez mais atraído por Sofia, que mantém com ele atitude esquiva, encorajando-o e ao mesmo tempo impondo uma certa distância.
Por outro lado, a ingenuidade de Rubião torna-o presa fácil de várias outras pessoas interessadas e oportunistas, que se aproximam dele para explorá-lo financeiramente. Aos poucos, acompanhando a trajetória de Rubião, percebe-se como funciona a engrenagem social da época. Como ocorre a disputa entre as pessoas, as lutas pelo poder político e pela ascensão econômica da época, dessa maneira, o romance projeta um quadro também bastante crítico das relações sociais da época. A Corte era a capital, o Rio de Janeiro, cuja a moda era ditada pela tendência Francesa. Depois de algum tempo, Rubião começa a manifestar sintomas de loucura, que o levara a morte, a mesma loucura de que fora vítima o seu amigo, o filósofo Quincas Borba, de quem herda a fortuna. Louco e explorado até ficar reduzido à miséria, o destino trágico de Rubião exemplifica a tese do Humanitismo.
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Seguindo a trajetória do Humanitismo, a filosofia inventada por Quincas Borba, de que a vida é um campo de batalha onde só os mais fortes sobrevivem. Os fracos e ingênuos, como Rubião, são manipulados e aniquilados pelos mais fortes e mais espertos, como Palha e Sofia, que no final, estão vivos e ricos, tal como dizia a teoria do Humanitismo. “HUMANITAS” Esse Principio de Quincas Borba: nunca há morte, há encontro de duas expansões, ou expansão de duas formas. Explicando de uma melhor maneira, criou a frase: “Ao vencedor às Batatas!”, principio este, que marcou e é o enfoque principal do enredo. – “Supõe-se em um campo e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentam somente uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutri-se suficientemente e morrerão de inanição. A paz, neste caso, é a destruição; a guerra, é a esperança. Uma das tribos extermina a outra recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, as aclamações. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se. Ao vencido, o ódio ou compaixão… Ao vencedor, as batatas !”

Fonte:
http://www.resumosdelivros.com.br/

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Machado de Assis (Resumo: Memórias Póstumas de Brás Cubas)

Memórias Póstumas de Brás Cubas foi nosso primeiro romance realista e aquele que deu a Machado a chance de demonstrar, enfim, toda a sua genialidade. Trata-se de um Livro de memórias, mas póstumas. O autor é um defunto autor e conta-nos suas memórias depois de já ter sido roído pelos vermes. O ritmo da narração é lento, pois o autor, lá na eternidade, tem todo o tempo do mundo. Uma vez que ele já morreu, não precisa mais temer a repercussão de tudo o que vai dizer, pode ser absolutamente franco e sincero. Machado de Assis encontra, assim, uma posição segura e confortável para desmascarar a hipocrisia das relações sociais. Vejam alguns exemplos retirados do romance:

CRÍTICA AO ROMANTISMO

“Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicotes nas mãos e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com ele nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, aonde o realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por compaixão, o transportou para os seus livros.” (cap.XIV)
Ou ainda:
“Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas.” (Cap. XXVII)

A VIDA

“Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirto que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo. Porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá e não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do vexame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.” (cap.XXIV)

O AMOR

“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis, nada menos”. (Cap. XVII)
Ou ainda:
“Esse foi, cuido eu, o ponto máximo do nosso amor, o cimo da montanha, donde por algum tempo divisamos os vales de leste e oeste, e por cima de nós o céu tranqüilo e azul. Repousado nesse tempo, começamos a descer a encosta, com as mãos presas ou soltas, mas a descer, a descer…” (Cap. LXXXV)

O NEGATIVISMO

“Somadas umas coisas a outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente, que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque, ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: _ Não tive filhos, não transmitir a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” (Cap. CLX)

Sobre os personagens, vamos destacar duas mulheres, importantes na vida de Brás Cubas: Marcela e Virgília, e um grande amigo: Quincas Borba. Marcela foi uma amante gananciosa, queria tudo. Brás Cubas foi enviado a Europa, a pretexto de estudar, para que se livrasse dela. Virgília, namorada de Brás Cubas, casou-se com outro e só mais tarde tornou-se sua amante.

Fonte:
http://www.resumosdelivros.com.br/

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Machado de Assis (Resumo de Algumas Obras)

A Cartomante
A cartomante é a historia de Vilela, Camilo e Rita envolvidos em um triângulo amoroso. A historia começa numa Sexta-feira de novembro de 1869 com um dialogo entre Camilo e Rita. Camilo nega-se veementemente a acreditar na cartomante e sempre desaconselha Rita de maneira jocosa. A cartomante está caracterizada neste conto como uma charlatã, destas que falam tudo o que serve para todo mundo. É um personagem sinistro, que apesar não ter nem o seu nome revelado (característica machadiana), destaca-se como um personagem que ludibria os personagens principais. Rita crê que a cartomante pode resolver todos os seus problemas e angústias. Camilo já no fim do conto, quando está prestes a ter desmascarado seu caso com Rita, no ápice de seu desespero, recorre a esta mesma cartomante, que por sua vez o ilude da mesma forma como ilude todos os seus clientes, inclusive Rita. A mulher usa de frases de efeito e metáforas a fim de parecer sábia e dona do destino de Camilo, este que sai de lá confiante em suas palavras e ao chegar ao apartamento de Vilela encontra Rita morta e é morto a queima roupa pelo amigo de infância, que já está sabendo da traição da esposa e o esperava de arma em punho.

Iaiá Garcia
Iaiá era filha de Luís Garcia, viúvo e funcionário público, que nela concentrava todos os seus afetos. Quando a história principia, ele está com quarenta e um anos, e Iaiá com onze anos estuda em colégio interno e, nos fins de semana, é a fonte de toda a alegria do pai, em cuja casa reina a solidão. Luís Garcia tem uma amiga, também viúva, Valéria Gomes, mãe de Jorge. Jorge está apaixonado pela filha de um ex-empregado de seu falecido pai, Estela, que vive na mesma casa. Para afastá-lo de Estela, por não julgar digna de sua posição social, a mãe força-o a alistar-se como voluntário para lutar na guerra do Paraguai. Mas Jorge não esquece a sua amada e tem um verdadeiro choque ao saber que ela se casara com Luís Garcia, que isso foi levado, entre outras razões, pelas boas relações entre Estela e sua filha Iaiá. A partir daí, a história evolui ao longo do tempo, com o regresso de Jorge, sua mãe já morta, a influência do novo amigo que fizera no Paraguai, encontros e desencontros, risos e lágrimas, até a morte de Luís Garcia. E Jorge acaba-se por se casar com Iaiá.

Ressurreição
Narra a história de Félix , emocionalmente instável e sacudido a todo momento por impulsões de ciúme na conquista da viúva Lívia. Cansada do comportamento de Félix , Lívia decide tornar definitiva a separação. “Não sei o que deva pensar deste livro, ignoro sobretudo, que pensará dele o leitor. A benevolência com que foi recebido em volume de contos e novelas, que há dois anos publiquei me animou a escrevê-lo. É um ensaio. Vai despretensiosamente às mãos da crítica e do público, que o tratarão com a justiça que merecer.” E, concluindo a Advertência:” Minha idéia ao escrever este livro foi pôr em ação aquele pensamento de Shakespeare : Our doubts are trauitor , And make us lose the good we oft might win By fearing to attempt. Não quis fazer romance de costumes; tentei o esboço de uma situação e o contraste de dois caracteres; com esses simples elementos busquei o interesse do livro. A crítica decidirá se a obra corresponde ao intuito, e sobretudo se o operário tem jeito para ela. É o que lhe peço com o coração nas mãos”

Dom Casmurro
Bento Santiago, um advogado de meia idade, vive sozinho numa boa casa, em bairro distante do centro do Rio de Janeiro onde é conhecido como Dom Casmurro. Para preencher a vida pacata de viúvo sem filhos, Dom Casmurro resolve contar suas lembranças, isto é, atar as duas pontas da vida, a adolescência e a maturidade. Adolescente, Bentinho descobre-se apaixonado pela menina da casa ao lado, a Capitu. Inteligente, com idéias atrevidas, Capitu convence Bentinho a não concordar com o projeto de sua mãe, Dona Glória, senhora viúva e rica, que queria fazê-lo padre. Bentinho tanto se encanta pela firmeza de Capitu quanto fica fascinado por seus cabelos, pelos olhos de ressaca e começa a conhecer as regras do amar. A vida toma o rumo que desejam os apaixonados: depois do seminário, do curso de Direito em São Paulo, casam-se. A vida corre feliz até o dia em que brota o ciúme, de tudo e de todos. A história de amor transforma-se numa história de suspeita de traição. O ciúme faz de Bento Santiago um homem cruel e perverso. Mordido pela dúvida de que o pequeno Ezequiel seja não seu filho, mas de seu amigo Escobar, com que aparenta visível semelhança, impõe a separação à Capitu. Para todos os efeitos, o bacharel rico enviava o filho, acompanhado da mãe para estudar na Suíça. Nunca mais Bentinho encontrou Capitu, que morre na Europa. Só revê o filho uma vez, antes de o rapaz morrer de tifo, numa viagem científica a Jerusalém.

Esaú e Jacó
A obra, de 1904, é o penúltimo livro machadiano. O romance apresenta como motivação a estória de Pedro e Paulo, os gêmeos, filhos de Agostinho Santos e Natividade. Os irmãos sempre foram rivais, pois desde o ventre materno brigavam. Para os desgostos da mãe, Pedro e Paulo se desentendiam por qualquer coisa. Pedro, estudante de Direito, era republicano; enquanto Paulo, estudante de Medicina, era monárquico (conservador). Os rapazes adversos se apaixonam pela mesma senhorita, a Flora Batista, a qual deveria escolher entre um deles. Contudo, a inexplicável “namorada” não conseguiu se decidir. Pressionada por esse conflito emocional, ela começa a delirar que esses dois amigos fundiam-se em uma única pessoa, pois para ela, um sem o outro não fazia sentido. O insolúvel triângulo amoroso se desfez diante à morte da moça. O trato de paz durou pouco, como era de suas naturezas, retornaram a brigar. Nem os pedidos da mãe, nem os conselhos de Aires, possuíam forças para estabelecer uma concórdia entre Pedro e Paulo. Eles seguiam na vida, cumprindo a mesma sina dos irmãos bíblicos “Esaú e Jacó”, entretanto, em comoção, perante o leito de morte da mãe, prometem tréguas de paz. Já eleitos deputados, moviam todos os esforços para não entrarem em conflito. Os gêmeos de partidos políticos opostos, começaram a se contradizer politicamente frente aos companheiros partidários. Poucos meses depois. Pedro e Paulo voltaram ao estado natural: completamente irreconciliáveis. As profecias da cabocla do castelo (mensagem do destino irrevogável) confirmam-se: os filhos de Natividade tornam-se grandes homens e implacáveis inimigos.

Memorial de Aires
Memorial de Aires, última obra de Machado de Assis, foi publicada em 1908, mesmo ano da morte do escritor. Como Memórias Póstumas de Brás Cubas, esta obra não tem propriamente um enredo: estrutura-se em forma de um diário escrito pelo Conselheiro Aires (personagem que já aparecera em Esaú o Jacó), onde o narrador relata, miudamente, sua vida de diplomata aposentado no Rio de Janeiro de 1888 e 1889. Sucedem-se, nas anotações do conselheiro, episódios envolvendo pessoas de suas relações, leituras do seu tempo de diplomata e reflexões quanto aos acontecimentos políticos. Destaca-se, dando uma certa unidade aos vários fragmentos de que o livro é composto, a história de Tristão e Fidélia. Fidélia, viúva moça e bonita, é grande amiga do casal Aguiar, uma espécie de filha postiça de D. Carmo. Tristão, afilhado do mesmo casal, viajara para a Europa, em menino, com os pais. Visitando, agora, o Rio de Janeiro, dá muita alegria aos velhos padrinhos. Tristão e Fidélia acabam por apaixonar-se e, depois de casados, seguem para a Europa, deixando a saudade e a solidão como companheiros dos velhos Aguiar e D. Carmo. Memorial de Aires é apontado como o romance mais projetivo da personalidade e da vida de Machado de Assis. Escrito após a morte de Carolina, revela uma visão melancólica da velhice, da solidão e do mundo. D. Carmo, esposa do velho Aguiar, seria a projeção da própria esposa de Machado, já falecida. A ironia e o sarcasmo dos livros anteriores são substituídos por um tom compassivo e melancólico, as personagens são simples e bondosas, muito distantes dos paranóicos e psicóticos dos romances anteriores. Alguns vêem no Memorial de Aires uma obra de retrocesso a concepções romantizadas do mundo; outros tomam o romance como o testamento literário e humano de Machado de Assis.

O Alienista
O Doutor Simão Bacamarte, cientista de nomeada, monta, em Itaguaí, um hospício, a Casa Verde, onde pretende executar seus projetos científicos. Pretende separar o reino da loucura do reino do perfeito juízo, mas a confusão em que ambas se misturam acaba aborrecendo o Doutor, que, para levar a efeito a seleção dos loucos, tem que saber o que é a normalidade. Assim, qualquer desvio do que era o comportamento médio, a aparência pública, qualquer movimento interior, que diferisse da norma da maioria era objeto de internação. O hospício é a Casa do Poder, e Machado de Assis sabia disso muito antes da antipsiquiatria de Lacan e das teses de Foucould. No início, o projeto do Dr. Simão Bacamarte é bem recebido pela população de Itaguaí, mas a aprovação cessa quando o médico passa a recolher na Casa Verde, pessoas em cuja loucura a população não acredita. O barbeiro Porfírio lidera uma rebelião contra o hospício que é sufocada. Numa primeira etapa, são internados os que, embora manifestassem hábitos ou atitudes discutíveis, eram tolerados pela sociedade: os politicamente volúveis, os sem opiniões próprias, os mentirosos, os falastrões, os poetas que viviam escrevendo versos empolados, os vaidosos, etc. Para pasmo geral dos habitantes de ltaguaí, Simão Bacamarte, um dia, solta todos os recolhidos no hospício e adota critérios inversos para a caracterização da loucura: os loucos agora são os leais, os justos, os honestos etc. A terapêutica para esses casos de loucura consistia em fazer desaparecer de seus pacientes as “virtudes”, o que o Dr. Simão Bacamarte consegue com certa facilidade. Declara curados todos os loucos, os solta todos e, reconhecendo-se como o único louco irremediável, o médico tranca-se na Casa Verde, onde morre alguns meses depois.

A Causa Secreta (conto)
Fala de dois homens que, após um salvar a vida do outro e passar-se algum tempo, tornam-se sócios. Mas pouco a pouco um deles vai demonstrando tendências sádicas, torturando animais, fato que atordoa a esposa. Quando ela morre, Fortunato, o sádico, presencia o amigo beijar a testa da mulher e derreter-se em choro, saboreando o momento de dor do amigo que lhe traía.

Anedota Pecuniária (conto)
É uma pequena crítica a ganância. Nela um homem “vende” suas sobrinhas aos homens que as amam por causa de sua fascinação com o dinheiro.

A Sereníssima República (conto)
É uma crítica ao processo eleitoral, feito como um discurso de um cônego que afirma ter achado uma espécie de aranha que fala e criado uma sociedade delas, uma república chamada Sereníssima República. Ele escolhe como sistema de eleição um baseado no da República de Veneza, onde se retirava bolas de um saco com o nome dos eleitos. Este sistema vai sendo fraudado pelas aranhas, corrigindo-se, adaptando-se e variando-se diversas vezes e de diversos modos, eternamente corrupto.

D. Paula (conto)
Conta sobre um casal que realiza uma separação temporária por ciúmes, com fundos, do marido. O caso é mediado pela tia da esposa, Dona Paula, que quando descobre quem é o outro, fica abalada. É o filho do homem com quem teve caso análogo, fato que deixa seus sentimentos bem abalados em relação ao caso.

Fulano (conto)
Beltrão é um homem que vai aos poucos se tornando mais um homem público que privado após receber elogios públicos e acaba deixando seu dinheiro para a posteridade e não a família.

O Espelho (conto)
Conta sobre um homem falando de sua opinião sobre a alma humana num grupo de amigos que realizam discussões metafísicas. Ele descreve uma situação de sua juventude onde, após ter sido engrandecido pelo recém-conquistado posto de alferes, encontra-se sozinho. Solitário, passa a ter medo até a que um dia veste-se com seu uniforme de alferes e encara o espelho, encontrando assim o outro lado de sua alma (sua opinião é que temos duas almas, uma externa que nos vigia e a nossa que vigia o exterior). Isso o retira da solidão. Portanto, este conto evidencia o conflito entre a essência (a alma interior) e a aparência (alma exterior).

Teoria do Medalhão (conto)
É um pai aconselhando um filho no dia de seus 21 anos. Ele lhe diz que um futuro lhe espera, que pode ter várias carreiras diferentes, mas que devia ter uma de resguardo, preferencialmente a de medalhão. Para isto devia ter pouquíssimo conhecimento, originalidade, ironia, gosto ou qualquer idéia própria. E nisso disserta sobre a necessidade do filho de sempre manter-se neutro, usar e abusar de palavras sem sentido, conhecer pouco, ter vocabulário limitado, etc. Ao final, é uma bela ironia machadiana sobre como se encontram os valores da sociedade de sua época.

O Enfermeiro (conto)
Conta sobre um homem que, a beira da morte, conta um caso de seu passado. Ele foi em 1860 ser enfermeiro de um velho e mau coronel, que acaba esganando alguns dias antes de partir por não mais o suportar. Quando se abre o testamento ele é declarado herdeiro universal e distribui lentamente o dinheiro em esmolas. Enquanto isto se passa, vai lentamente se convencendo de sua inocência, apoiado pela sociedade que odiava o velho e suas ações que considera redentoras

Pai Contra Mãe (conto)
Cândido Neves, caçador de escravos fujões. Não o é por opção, apenas o é porque não agüenta qualquer outro emprego. Casa e passa a adquirir dívidas, com clientela cada vez menor; quando engravida a mulher, as dívidas aumentam. Depois de despejados vão morar em um quarto emprestado e o menino nasce. Após ceder às pressões da tia da esposa, Candinho vai por a criança na Roda dos enjeitados. Mas no caminho captura uma escrava, recebendo uma gorda recompensa, mantendo assim a criança. Mas a escrava estava grávida, e provavelmente abortou com os castigos recebidos, ficando a vida do filho de Candinho em troca da de outra

Missa do Galo (conto)
Fala de uma singular conversa entre uma senhora de 30 anos e um jovem 17, que tinha que manter-se acordado para acordar o amigo para irem à missa do galo. Eles conversam, ele apieda-se dela (o marido traía e ela resignava-se), admira-a e distrai-se. Por fim o amigo lhe chama, já que já havia passado da meia-noite e ele nunca mais tem outra conversa profunda com ela.

A Mão e a Luva
Narra a história de Guiomar, moça altiva e segura de si, que procura, com frieza e calculismo, realizar o ambicioso plano de ascender socialmente, compensando a sua modesta origem. Três homens pretendem a mão de Guiomar: Estevão , Jorge e Luis Alves. O primeiro sincero, porém simplório; o segundo indolente e superficial. Luis Alves, ambicioso e sagaz, acaba sendo o eleito, pois personificava as qualidades que se sintonizavam com o espírito de Guiomar, que, ao escolhê-lo, faz, segundo suas próprias palavras, “a fria eleição do espírito”. O fragmento que transcrevemos ilustra o caráter do casal GUIOMAR/LUIS ALVES e oferece a justificativa do título: “Um mês depois de casados, como eles estivessem a conversar do que conversam os recém-casados, que é de si mesmos , e a relembrar a curta campanha do namoro.
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Guiomar confessou ao marido que naquela ocasião lhe conhecera todo o poder de sua vontade. – Vi que você era homem resoluto, disse a moça a Luis Alves, que assentado, a escutava. – Resoluto e ambicioso, ampliou Luiz Alves sorrindo: você deve ter percebido que sou uma e outra cousa. – A ambição não é defeito. – Pelo contrário, é virtude; eu sinto que a tenho, e que hei de fazê-la vingar. Não me fio só na mocidade e na força moral: fio-me também em você, que há de ser para mim uma força nova. – Oh! Sim! Exclamou Guiomar. E com um modo gracioso continuou: – Mas que me dá você em paga? Um lugar na câmara? Uma pasta de ministro? – O lustre do meu nome, respondeu ela. Guiomar, que estava de pé defronte dele, com as mãos presas nas suas, deixou-se cair lentamente sobre os joelhos do marido , e as duas ambições trocaram o ósculo fraternal. Ajustavam-se ambas, como se aquela luva tivesse sido feita para aquela mão.

Helena
A história de uma moça que, de uma forma inesperada, sobe na escala social: morre o Conselheiro Vale e, no seu testamento, consta que Helena, moça internada num colégio de Botafogo, é sua filha, cujo segredo o conselheiro o mantivera até a morte. Helena passa a viver com Úrsula, irmã do conselheiro, Estácio, agora meio-irmão, Dr. Camargo, amigo de Vale e médico da família, e Eugênia, filha do Dr. Camargo.
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Helena em face de seu temperamento expansivo e comunicativo, conquista a afeição de D. Úrsula e de Estácio. Mendonça, amigo de Estácio, apaixona-se pela moça. Helena passa a ser objeto de afeição do próprio irmão, que, no entanto, está noivo de Eugênia. O padre Melchior, guia espiritual da família, suspeita dos freqüentes encontros entre Helena e Salvador.
O mistério é esclarecido: Salvador é o pai de Helena, que fora arrebatada pelo conselheiro,- encarregando-se de sua educação. Helena, profundamente chocada com o estado de coisas, mesmo com a possibilidade de poder casar com Estácio, não agüenta a emoção, adoece e morre.

Histórias sem Data
A Igreja do Diabo

(publicado no livro Histórias sem Data) é uma nova idéia do diabo: fundar uma Igreja e organizar seu rebanho, tal qual Deus. Após comunicar Deus de seu futuro ato, vai à Terra e funda com muito sucesso uma Igreja que idolatra os defeitos humanos. Mas aos poucos os homens vão secretamente exercitando virtudes, Furioso, o Diabo vai falar com Deus, que lhe aponta que aquilo faz parte da eterna contradição humana. Anedota Pecuniária (publicado no livro Histórias sem Data) é uma pequena crítica a ganância. Nela um homem “vende” suas sobrinhas aos homens que as amam por causa de sua fascinação com o dinheiro.

Capítulo dos Chapéus
(publicado no livro Histórias sem Data) é um conto onde aparece a frivolidade e ostentação da época de Machado. Mariana, após pedir ao marido que troque o seu simples chapéu, testemunha a sociedade (na famosa rua do Ouvidor) e acaba pedindo que ele permaneça com seu chapéu. Fulano (publicado no livro Histórias sem Data) Beltrão é um homem que vai aos poucos se tornando mais um homem público que privado após receber elogios públicos e acaba deixando seu dinheiro para a posteridade e não a família. Galeria Póstuma (publicado no livro Histórias sem Data) é uma crítica a hipocrisia, onde o sobrinho de um falecido recente lê em seu diário as verdadeiras opiniões do tio sobre aqueles que o cercavam em vida, incluindo o rapaz.

Singular Ocorrência
(publicado no livro Histórias sem data) é o relato de um homem a um amigo sobre o caso extraconjugal de outro amigo. Ele conta que esse amigo e a amante eram apaixonados (ela abandonou a difícil vida fácil por ele) e que, numa única vez, o traiu. E foi este caso que gerou um grande turbilhão emocional que quase acabou no rompimento e suicídio dela, mas eles por fim se reconciliam e vivem felizes até que ele muda de província e morre antes de voltar. Último Capítulo (publicado no livro Histórias sem data) é o bilhete de um suicida. Azarado a vida toda (ele literalmente caiu de costas e quebrou o nariz), sua vida foi povoada de desgraças. Quando estava inventariando os bens da esposa morta, achou cartas de amor de seu sócio. Decidiu matar-se e deixar em seu testamento a cláusula que deveriam ser comprados sapatos e distribuídos, já que vira um pobre coitado (mais que ele) feliz a contemplar seus calçados.

Fontes:
http://www.oportaldosestudantes.com.br/
http://www.resumosdelivros.com.br/

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George Orwell (Resumo: 1984)

No mais famoso romance de George Orwell, a história se passa no “futuro” ano de 1984 na Inglaterra, ou Pista de Pouso Número 1, parte integrante do megabloco da Oceania. É comum a confusão dos leitores com o continente homônimo real. O megabloco imaginado por Orwell tem este nome por ser uma congregração de países de todos os oceanos. A união da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), Reino Unido, Sul da África e Austrália não parece estar tão distante da realidade.

E a transformação da realidade é o tema principal de 1984. Disfarçada de democracia, a Oceania vive um totalitarismo desde que o IngSoc (o Partido) chegou ao poder sob a batuta do onipresente Grande Irmão (Big Brother).

Narrado em terceira pessoa, o livro conta a história de Winston Smith, membro do partido externo, funcionário do Ministério da Verdade. A função de Winston é reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do Partido. Nada muito diferente de um jornalista ou um historiador. Winston questiona a opressão que o Partido exercia nos cidadãos. Se alguém pensasse diferente, cometia crimidéia (crime de idéia em novilíngua) e fatalmente seria capturado pela Polícia do Pensamento e era vaporizado. Desaparecia.

Inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 30 e 40, o livro não se resume a apenas criticar o stalinismo e o nazismo, mas toda a nivelação da sociedade, a redução do indivíduo em peça para servir ao estado ou ao mercado através do controle total, incluindo o pensamento e a redução do idioma. Winstom Smith representa o cidadão-comum vigiado pelas teletelas e pelas diretrizes do Partido. Orwell escolhera este nome na soma da ‘homenagem’ ao primeiro-ministro Winston Churchill com o uso do sobrenome mais comum na Inglaterra. A obra-prima foi escrita no ano de 1948 e seu titúlo invertido para 1984 por pressão dos editores. A intenção de Orwell era descrever um futuro baseado nos absurdos do presente.

Winston Smith e todos os cidadãos sabiam que qualquer atitude suspeita poderia significar seu fim. E não apenas sair de um programa de tv com o bolso cheio de dinheiro, mas desaparecer de fato. Os vizinhos e os próprios filhos eram incentivados a denunciar à Polícia do Pensamento quem cometesse crimidéia. Fato comum nos regimes totalitários.

Algo estava errado, Winston não sabia como mas sentia e precisava extravassar. Com quem seria seguro comentar sobre suas angústias? Não tendo respostas satisfatórias, Winston compra clandestinamente um bloco e um lápis (artigos de venda proibida adquiridos num antiquário).

Para verbalizar seus sentimentos, Winston atualiza seu diário usando o canto “cego” do apartamento. Desta forma ele não recebia comentários nem era focalizado pela teletela de seu apartamento. Um membro do Partido (mesmo que externo como Winston) tinha de ter um teletela em casa, nem que fosse antiga. A primeira frase que Winston escreve é justificavel e atual: Abaixo o Big Brother!

A vida de repressão e medo nem sempre fora assim na Oceania. Antes da Terceira Guerra e do Partido chegar ao poder, Winston desfrutava uma vida normal com os seus pais.

Mesmo Winston tinha dificuldades para lembrar das recordações do passado e da vida pré-revolucionária. Os esforços da propaganda do Partido com números e duplipensamento tornavam a tarefa quase impossível já que o futuro, presente e passado eram controlados pelo Partido.

O próprio ofício de Winston era transformar a realidade. No Miniver (Ministério da Verdade), ele alterava dados e jogava os originais no incinerador (Buraco da Memória) de tudo que pudesse contradizer as verdades do Partido. A função de Winston é uma crítica à fabricação da verdade pela mídia e da ascenção e queda de ídolos de acordo com alguns interesses.

O Partido informa: a ração de chocolate semanal aumenta para 20g para cada cidadão. O trabalho de Winston consistia em coletar todos os dados antigos em que descreviam que a ração antiga era de 30g e substitui-los pela versão oficial. A população agradece ao Grande Irmão pelo aumento devido aos propósitos midiáticos do poder. Winston entendia que adulterava a verdade, por muito tempo ele encobria a verdade para si, mas, aos poucos, ele começava a questionar calado e solitariamente. O medo de comentar algo era um dos trunfos do Partido para o controle total da população. Winston tinha esperança na prole. Na sua ingênua visão, que confunde-se com a biografia de Orwell em sua visão durante a guerra civil espanhola, a prole é a única que pode mudar o status quo.

Winston lembra dos “Dois minutos de ódio”, parte do dia em que todos os membros do partido se reunem para ver propaganda enaltecendo as conquistas do Grande Irmão e, principalmente, direcionar o ódio contido contra os inimigos (toteísmo usado amplamente pelo ser humano: odeie o seu inimigo e se identifique com o seu semalhante). Durante este ato, Winston repara num membro do Partido Interno, seu nome é O’Brien. Winston separou-se devido à devoção de sua esposa ao Partido. Ela seguia as determinação que o sexo deveria ser apenas para procriação de novos cidadãos. O sexo como prazer era crime. Ao ver uma bela mulher, lembrou-se da última vez que fizera sexo. Havia três anos e com uma prostituta repugnante. Boicotar o sexo, como pretendem os atuais donos-do-mundo é uma das forças-motrizes para dominar a mente. Winston anotava tudo o que se passava pela sua cabeça. Um exercício proibido mas necessário. Anotar e lembrar pode ser muito perigoso. O caso mais escandaloso que revoltava Winston era o de Jones, Aaronson and Rutherford, os últimos três sobreviventes da Revolução. Presos em 1965, confessaram assasinatos e sabotagens em seus julgamentos. Foram perdoados, mas logo após foram presos e executados. Após um breve periodo Winston os viu no Café Castanheira (Local mal-visto pelos cidadãos que não queriam cometer crimidéia). No ano do julgamento Winston refez uma matéria sobre os três ‘traidores’. Recebeu através do tubo de transporte que eles estavam na Lestásia naqueles dias, mas ele sabia que eles confessaram estar na Eurásia (naquela época a Eurásia era a inimiga, mas num piscar de olhos, a Lestásia deixava de ser a aliada e passava a ser a inimiga).

Esta é uma crítica às alianças políticas, principalmente ao pacto de Hitler e Stalin. Os nazistas chegaram ao poder financiados também por setores dos EUA para combater o avanço do comunismo. Durante a vigoração do pacto, a aliança entre Moscou e Berlim sempre existiu para a população dos dois países. Eles não eram amigos, eles sempre foram amigos! No ano seguinte, rumo ao ‘espaço vital alemão’, os russos sempre foram os inimigos. Sempre tinham sido. Bastante atual se compararmos o apoio logístico e bélico dado aos estaduinedenses a Saddam Hussein e Osama bin Laden para combater o comunismo. Agora, eles são os inimigos eternos.

A mentira do Partido era a prova que Winston procurava para si. Havia algo podre na Oceania. Winston, que era curioso mas não era burro, joga o papel que podia incriminá-lo no buraco da memória. Revoltado, escreve no seu diário que liberdade é poder escrever que dois mais dois são quatro. As fábricas russas ainda contém placas com o lema: dois mais dois são cinco se o partido quiser.

Não era bem-visto que membros do Partido freqüentassem o bairro proletário. Winston estivera havia poucos dias no mesmo local para comprar seu diário. Depois de um costumaz bombardeio, Winston entrevista pessoas sobre como era a vida antes da guerra, mas os idosos não lembram mais, apenas futilidades e coisas pessoais. Ao voltar ao antiquário o propietário tem uma surpresa para o curioso por antiquidades. Winston esperava ver algum objeto anterior ao Partido, mas o que o sr. Carrrington lhe mostra é um quarto com arrumação e mobílias antigas. Sem teletelas.

Winston, ao sair do antiquário, vê uma mulher e desconfia que ela seja uma espiã da Polícia do Pensamento. No dia seguinte, a encontra no Ministério da Verdade, o que aumenta o seu temor em ser denunciado. Ao passar por Winston, ela simula uma dor para desviar a atenção das teletelas, e lhe passar um bilhete escrito: “Eu te amo”.

As normas do Partido deixavam claro que membros do Partido, principalmente dos sexos opostos, não deveiam se comunicar a não ser a respeito de trabalho. Passaram-se semanas em conversas fragmentadas até conseguirem marcar um encontro num lugar secreto longe dos microfones escondidos. Winston só descobre seu nome após beijá-la. Júlia confessa que ficou atraída por Winston pelo seu rosto que parecia ir contra o partido. Estava na cara que Winston era perigoso à ordem e ao progresso.

Winston se surpreende ao saber que Júlia se ‘apaixonava’ com facilidade. O desejo dela era corromper o estado por dentro, literalmente. Para continuar seu romance com Júlia, Winston têm a idéia de alugar aquele quarto do antiquário.

Winston ficou impressionado e passou a acreditar que Júlia seria uma ótima companheira de guerra. Por enquanto, era a pessoa que Winston podia compartilhar seus sentimentos e secreções. Apaixonado, ele recupera peso e saúde. Enquanto isso, o partido organizava a “A Semana do Ódio ” (paródia dos mega-eventos políticos, principalmente as Reuniões de Nuremberg promovidas pelo partido Nazista e das paradas militares comunistas) e algumas pessoas desapareciam. Syme, filologista que dedicava-se a finalizar a décima-primeira edição do Dicionário de Novilíngua, tornou-se impessoa. Seu nome não estava mais nos quadros. Nunca esteve.

Certo dia, O’Brien, um membro do Partido Interno, percebe também que Winston era diferente dos outros. O’Brien o convida, para despistar as teletelas, a ir ao seu apartamento ver a nova edição do dicionário de novilíngua. O convite de O’Brien era incomum e fez Winston se animar com a possibilidade de uma insurreição. Ele passa a crer que a Fraternidade não era apenas peça de propaganda, a organização anti-Grande Irmão responsável por todos os danos causados na Oceania tal qual Bola-de-Neve em a “Revolucão dos Bichos”.

Winston leva Júlia ao encontro. Para espanto do casal, O’Brien desliga a teletela de seu luxuoso apartamento. Alguns integrantes do partido Interno tinham permissão para se desconectar de suas ‘bandas-largas’ por alguns instantes. Winston confessa seu desejo de conspirar contra o Partido, pois acreditava na existência da Fraternidade e para tal suas esperanças estavam depositadas em O’Brien. Os planos eram regados a vinho digno, artigo inviável para os integrantes do Partido Externo, e o brinde destinado ao líder da Fraternidade, Emanuel Goldstein. Dias depois, Winston recebe a obra política de Goldstein em seu cubículo.

Winston “devora” o livro enquanto Júlia não demonstra o mesmo interesse. Winston ainda acredita nas proles mesmo ao ver uma mulher cantando uma música pré-fabricada em máquinas de fazer versos. Nada muito distante da música atual. “Nós somos os mortos” filosofa Winston ao contemplar a vida simples da prole. A ignorância dos menos abastados não era perigo para o Partido e, portanto, não sofria tanta repressão quanto os membros, superiores e inferiores do Partido, a classe-média. “Nós somos os mortos” repete uma voz metálica. Sim, era uma teletela escondida atrás de um quadro. Guardas irrompem o quarto e Winston vai para uma cela, provavelmente, no Ministério do Amor.

Até as celas tinham teletelas que vigiavam cada passo de um Winston doente e faminto. Os prisioneiros têm a fisionomia dos do campo de concentração. Ao encontrar O’Brien, Winston que pensara que ele também fora capturado, escuta a frase mais enigmática do livro: “Eles me pegaram há muito tempo”.

Winston vai para uma sala e O’Brien torna-se o seu torturador. O’Brien explica o conceito do duplipensar, o funcionamento do Partido e questiona Winston das frases de seu diário sobre liberdade. O’Brien não esquece o que o Winston escreveu. A liberdade é o tema para que O’Brien explique durante a tortura o controle da realidade. Se fosse necessário deveriam haver quantos dedos em sua mão estendida o partido quisesse. A verdade pertence ao Partido já que este controla a memória das pessoas. Winston, torturado e drogado começa a aceitar o mundo de O’Brien e passa ao estágio seguinte de adaptação que consiste em: aprender, entender e aceitar Winston sabia que já estava se adaptando e confessando que a Eurásia era inimiga e que nunca tinha visto a foto dos revolucionários. Mas ainda faltava a reintegração e este ritual de passagem só podria ser concluído no Quarto 101. Segundo O’Brien, o pior lugar do mundo.

O Quarto 101 é um inferno personalizado. Como Winston tem pavor de roedores, os torturadores colocaram uma máscara em seu rosto com uma abertura para uma gaiola cheia de ratos famintos separada apenas por uma portinhola. A única forma de escapar era renegar o perigo maior ao Partido, o amor a outra pessoa acima do Grande Irmão. “Pare. Faça isso com a Júlia.” Grita Winston.

Winston, libertado, termina seus dias tomando Gim Vitória e jogando sozinho xadrez no Castanheira Café. Ao fundo, seu rosto aparece na teletela confessando vários crimes. Ele foi solto e teve sua posição rebaixada para um trabalho ordinário num sub-comitê. Trajetória de milhares de pessoas de regimes totalitários, como o tcheco Thomaz de “A Insustentável Leveza do Ser” de Milan Kundera, o caso do médico que vira pintor de paredes ao renegar as ordens do partido não é muito diferente daqueles que não se adaptam em suas profissões no mundo livre S/A.

Júlia escapa também do Quarto 101. O Partido os separou e os dois só voltaram a se encotrar ocasionalmente. Já não eram mais as mesmas pessoas. Tinham “crescido” e se traído. Winston, no Café Castanheira, sorri. Está completamente adaptado ao mundo. Finalmente ele ama o Grande Irmão.

Fonte:
Leonardo Silvino – Resumo do Livro 1984 de George Orwell. Publicado em 24.07.2004 in
http://www.duplipensar.net/

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George Orwell (Resumo: A Revolução dos Bichos)

George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair – 1903 – 1950)
A história, desde a expulsão de Jones até a “transformação completa de Napoleão em “humano” durou aproximadamente 6 anos. Na Granja do Solar, situada perto da cidade de Willingdon (Inglaterra), viviam bichos, que como dono tinham o Sr. Jones. O Velho Major (porco) teve um sonho, sobre uma revolução em que os bichos seriam auto-suficientes, sendo todos iguais. Era o princípio do Animalismo.

O Major morreu, mas mesmo assim os animais colocaram em prática a idéia do líder, fazendo a Revolução dos Bichos. Depois da Revolução, a Granja passou a se chamar Granja dos Bichos, e quem a administrava era Bola-de-Neve (porco). Bola-de-Neve seguia os princípios do Animalismo, e mesmo sendo superior (em quesitos de inteligência e cultura) em relação aos outros animais, sempre se considerou igual a todos, não tendo privilégios devido à sua condição. Bola-de-Neve tinha um assistente, Napoleão (porco), que na ânsia pelo poder, traiu o amigo, assumindo a administração da Granja.

Napoleão mostrou-se competente e justo no começo, mas depois passou a desrespeitar os Sete Mandamentos, os quais firmavam as idéias animalistas. Depois de aproximadamente 5 anos, Napoleão já ocupava a casa do Sr. Jones, bebia álcool, vestia as roupas do ex-dono , andava somente sobre duas pernas e convivia com seres humanos, enfim agia em benefício próprio, instalando um regime ditatorial, dominando e hostilizando os demais animais, considerados seres inferiores e sem direitos. Por essa época, já não era possível distinguir, quando reunidos à mesa, o porco tirano e os homens com quem se confraternizava. Napoleão conseguiu sair vitorioso graças à ajuda de Garganta, porco servil e obediente e que, através de bons argumentos, convencia os animais de que tudo o que acontecia era para o bem deles.

Os Sete Mandamentos do Animalismo eram os seguintes:
1 – Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo;
2 – Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo;
3 – Nenhum animal usará roupas;
4 – Nenhum animal dormirá em cama;
5 – Nenhum animal beberá álcool;
6 – Nenhum animal matará outro animal;
7 – Todos os animais são iguais.

Napoleão, aos poucos, alterou todos os mandamentos. Foi Bola-de-Neve quem escreveu os Sete Mandamentos. A Revolução dos Bichos é um livro de extrema importância para entendermos o funcionamento de sociedades comandadas por diferentes tipos de governo, além de mostrar de forma genial a ambição do ser humano, o “sonho do poder”. O Senhor Jones era o dono da Granja e, como tal, explorava o trabalho animal em benefício próprio, para acumular capital. Em troca dos serviços prestados, ele pagava com a alimentação, que nem sempre era boa e suficiente. Temos aí o retrato de uma sociedade capitalista: quem mais trabalha é quem menos ganha. A Revolução que se deu por idéia do “Major”, tinha por princípio básico a igualdade; sendo assim, o Animalismo corresponde ao Socialismo, regime em que não existe propriedade privada e em que todos são iguais, e todos trabalham para o bem comum. A princípio, houve um socialismo democrático, em que todos participavam de assembléias, dando idéias e sugestões, liderados por Bola-de-Neve, bem aceito pelos animais em geral. Napoleão representa o desejo da onipotência, do poder absoluto e, para conseguir seus objetivos, tudo passa a ser válido: mentiras, traições, mudanças de regras. Tempos depois instaurava-se na Granja uma verdadeira Ditadura, o regime em que não há liberdade de expressão, direito a opiniões etc. Na sede pelo poder e pela riqueza, Napoleão entra em contato com os homens para com eles negociar, comprar, vender, enfim, acumular riquezas e tudo graças ao trabalho dos animais, verdadeiros empregados mal – remunerados, ajudando o “patrão” a ter regalias, bens materiais, capital. A situação fica mais crítica do que quando Jones era o dono da Granja porque, mais do que nunca, os direitos humanos, ou seja, dos animais foram violados de forma cruel e tendo conseqüências gravíssimas como a morte de alguns, o desaparecimento de outros e muita tortura. Com base nos fatos ocorridos podemos concluir que a história nos mostra os dois tipos de dominação existentes – a dominação pela sedução: Garganta persuadia os animais com seus argumentos convincentes e eles aceitavam pacificamente as mudanças efetuadas, e a dominação pela força bruta: quem se rebelasse contra as ordens era punido fisicamente, torturado por cães treinados e levados até à morte.

Fonte
http://www.coladaweb.com/

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