Arquivo do mês: abril 2010

Raul de Leoni (Antologia Poética)

LEGENDA DOS DIAS

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas… e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada…

As horas morrem sobre as horas… Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: “Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada…”

Ontem, hoje, amanhã, depois, e assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera…

E a Vida passa… efêmera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia…

HISTÓRIA ANTIGA

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi… um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era… Não sabia…

Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente…

Nunca mais nos falamos… vai distante…
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la…

PLATÔNICO

As idéias são seres superiores,
— Almas recônditas de sensitivas —
Cheias de intimidades fugitivas,
De crepúsculos, melindres e pudores.

Por onde andares e por onde fores,
Cuidado com essas flores pensativas,
Que tem pólen, perfumes, órgãos e cores
E sofrem mais que as outras cousas vivas.

Colhe-as na solidão… são obras-primas
Que vieram de outros tempos e outros climas
Para os jardins de tua alma que transponho,

Para com ela teceres, na subida,
A coroa votiva do teu Sonho
E a legenda imperial da tua Vida.

CANÇÃO DE TODOS

Duas almas deves ter…
É um conselho dos mais sábios;
Uma, no fundo do Ser,
Outra, boiando nos lábios!

Uma, para os circunstantes,
Solta nas palavras nuas
Que inutilmente proferes,
Entre sorrisos e acenos:
A alma volúvel da ruas,
Que a gente mostra aos passantes,
Larga nas mãos das mulheres,
Agita nos torvelinhos,
Distribui pelos caminhos
E gasta sem mais nem menos,
Nas estradas erradias,
Pelas horas, pelos dias…

Alma anônima e usual,
Longe do Bem e do Mal,
Que não é má nem é boa,
Mas, simplesmente, ilusória,

Ágil, sutil, diluída,
Moeda falsa da Vida,
Que vale só porque soa,
Que compra os homens e a glória
E a vaidade que reboa
Alma que se enche e transborda,
Que não tem porquê nem quando,
Que não pensa e não recorda,
Não ama, não crê, não sente,
Mas vai vivendo e passando
No turbilhão da torrente,
Través intrincadas teias,
Sem prazeres e sem mágoas.
Fugitiva como as águas,
Ingrata como as areias.

Alma que passa entre apodos
Ou entre abraços, sorrindo,
Que vem e vai, vai e vem,
Que tu emprestas a todos,
Mas não pertence a ninguém.
Salamandra furta-cor,
Que muda ao menor rumor
Das folhas pelas devesas;
Alma que nunca se exprime,
Que é uma caixa de surpresas
Nas mãos dos homens prudentes;
Alma que é talvez um crime,
Mas que é uma grande defesa.

A outra alma, pérola rara,
Dentro da concha tranqüila,
Profunda, eterna e tão cara
Que poucos podem possuí-la,
É alma que nas entranhas
Da tua vida murmura
Quando paras e repousas.
A que assiste das Montanhas
As livres desenvolturas
Do panorama das cousas

Para melhor conhecê-las
E jamais comprometê-las,
Entre perdões e doçuras,
Num pudor silencioso,
Com o mesmo olhar generoso,
Com que contempla as estrelas
E assiste o sonho das flores…

Alma que é apenas tua,
Que não te trai nem te engana,
Que nunca se desvirtua,
Que é voz do mundo em surdina.
Que é a semente divina

Da tua têmpera humana,
Alma que só se descobre
Para uma lágrima nobre,
Para um heroísmo afetivo,
Nas íntimas confidências
De verdade e de beleza:

Milagre da natureza
Transcorrendo em reticências
Num sonho límpido e honesto,
De idealidade suprema,
Ora, aflorando num gesto,
Ora, subindo num poema.

Fonte do Sonho, jazida
Que se esconde aos garimpeiros,
Guardando, em fundos esteiros,
O ouro da tua Vida.

Alma de santo e pastor,
De herói, de mártir e de homem;
A redenção interior
Das forças que te consomem,
A legenda e o pedestal
Que se aprofunda e se agita
Da aspiração infinita
No teu ser universal.

Alma profunda e sombria,
Que ao fechar-se cada dia,
Sob o silêncio fecundo
Das horas graves e calmas,
Te ensina a filosofia
Que descobriu pelo mundo,
Que aprendeu nas outras almas

Duas almas tão diversas
Como o poente das auroras:
Uma, que passa nas horas;
Outra, que fica no tempo.

INGRATIDÃO

Nunca mais me esqueci! … Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança…
Cresceu… cresceu… e aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança…

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
E florescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio…

ARTISTA

Por um destino acima do teu Ser,
Tens que buscar nas coisas inconscientes
Um sentido harmonioso, o alto prazer
Que se esconde entre as formas aparentes.

Sempre o achas, mas ao tê-lo em teu poder
Nem no pões na tua alma, nem no sentes
Na tua vida, e o levas, sem saber,
Ao sonho de outras almas diferentes…

Vives humilde e inda ao morrer ignoras
O Ideal que achaste… (Ingratidão das musas!)
Mas não faz mal, meu bômbix inocente:

Fia na primavera, entre as amoras.
A tua seda de ouro, que nem usas
Mas que faz tanto bem a tanta gente…

CIGANOS

Lá vêm os saltimbancos, às dezenas
Levantando a poeira das estradas.
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Vêm num rancho faminto e libertino,
Almas estranhas, seres erradios,
Que tem na vida um único destino,
O Destino das aves e dos rios.

Ir mundo a mundo é o único programa,
A disciplina única do bando;
O cigano não crê, erra, não ama,
Se sofre, a sua dor chora cantando.

Nunca pararam desde que nasceram.
São da Espanha, da Pérsia ou da Tartária?
Eles mesmos não sabem; esqueceram
A sua antiga pátria originária…

Quando passam, aldeias, vilarinhos
Maldizem suas almas indefesas,
E a alegria que espalham nos caminhos
É talvez um excesso de tristezas…

Quando acampam de noite, é no relento,
Que vão sonhar seu Sonho aventureiro;
Seu teto é o vácuo azul do Firmamento,
Lar? o lar do cigano é o mundo inteiro.

Às vezes, em vigílias ambulantes,
A noite em fora, entre canções dalmatas,
Vão seguindo ao luar, vão delirantes,
Alados no langor das serenatas.

Gemem guzlas e vibram castanholas,
E este rumor de errantes cavatinas
Lembra coisas das terras espanholas,
Nas saudades das terras levantinas.

E, então, seus vultos tredos envolvidos
Em vestes rotas, sórdidas, imundas.
Vão passando por ermos esquecidos,
Como um grupo de sombras vagabundas.

Lá vem os saltimbancos, às dezenas,
Levantando a poeira das estradas,
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Povo sem Fé, sem Deus e sem Bandeira!
Todos o temem como horrível gente,
Mas ele na existência aventureira,
Ri-se do medo alheio, indiferente.

E, livres como o Vento e a Luz volante,
Sob a aparência de Infelicidade,
Realizam, na sua vida errante,
O poema da eterna Liberdade.
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Mais poesias de Raul de Leoni em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/raul-de-leoni-poesias.html

Fontes:
– LEONI, Raul de. Trechos escolhidos. Org. Luiz Santa Cruz. Rio de Janeiro: Agir, 1961. (Série Nossos clássicos).
– LEONI, Raul de. Luz mediterrânea. São Paulo: Livraria Martins, 1959
– Colaboração de Antonio Manoel Abreu Sardenberg

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Raul de Leoni: “Semeador de Harmonia e Beleza”

artigo de José Antonio Jacob

Raul de Leoni Ramos nasceu em Petrópolis-RJ, e faleceu na “Vila Serena”, em Itaipava-RJ, (30 de outubro de 1895 – 21 de novembro de 1926). Bacharel em Direito, prosador, diplomata e político. Chegou a eleger-se deputado estadual.

Acima dessas coisas foi poeta.

Foi o poeta de maior realce na última fase do simbolismo, e justamente considerado como uma das figuras mais notáveis do soneto brasileiro de todos os tempos.

Parnasianos, simbolistas e até modernistas o têm em alta conta, apreciando-o sem reservas. Cada um de seus versos tem sonoridade e ritmo primorosos, especialmente os dos sonetos, em decassílabos, mesclados de simbolismo e de modernismo, com tessitura clássica e técnica parnasiana. São versos considerados dos mais perfeitos: em idéia, filosofia, e essência das temáticas.

O seu ritmo peculiar e admirável de versificação, o conjunto de idéias sublimes de suas palavras, são os aspectos mais fortes que envolvem a magnífica harmonia da unidade de pensamento que existe em toda sua obra.

O nome de Raul de Leoni é dos mais reconhecidos pela crítica brasileira, não havendo uma só voz discordante, o que não acontece com outros poetas, sobretudo, os da sua época que eram conhecidos poetas independentes, Augusto dos Anjos, Alceu Wamosy , José Albano, Andrade Muricy e outros. Ao próprio Muricy declarou o poeta Alberto de Oliveira: “Raul de Leôni é o maior de vocês todos. Li o seu livro, agora, em Petrópolis, e é extraordinário”.

A mesma unanimidade não tem a crítica ao situar o poeta, em diferentes julgamentos, onde foi colocado nas escolas e posições poéticas as mais diferentes e contraditórias. Enquanto alguns dos seus críticos o consideram um genuíno parnasiano, outros enxergam nele o simbolista autêntico, terceiros acreditam ter sido um neo-parnasiano e outros o situam num grupo completamente independente das regras poéticas e influências de escolas e movimentos literários.

Todavia a crítica literária brasileira é unânime em assinalar a alta linhagem clássica da poesia de Raul de Leoni, fundada na homogeneidade da sua primazia gramatical, temática e métrica, e consolidada no seu bom gosto literário, reconhecidos como impecáveis, desde a sua época até os dias atuais.

Diante da grandeza da sua escassa obra e da diversidade da crítica, ao situar o poeta nesta ou naquela escola literária, não existe aqui propósito de fazer análise da obra de Raul de Leôni: com respeito e admiração reconhecemos não existir a menor possibilidade de alguém tentar fazer, em poucas palavras, um julgamento ou estudo crítico legítimo sobre a prosa, filosofia e poesia de Raul de Leoni.

A sua poesia embora contenha formas antigas e clássicas, é caracterizada por um imperecível espírito de modernidade, o que lhe assegura compreensão ilimitada e aperiódica, e o introduz na seleta plêiade dos poetas imortais.

Para melhor entendimento sobre a poesia de Raul é preciso voltar ao século passado, precisamente em 1922, quando publicou o seu livro clássico “Luz Mediterrânea”, onde está a essência da sua poesia, (grande parte em sonetos decassílabos) no meio da “explosão” do modernismo no Brasil.

Já em 1919, segundo alguns críticos ainda sob a ascendência parnasiana, ele publicara o extraordinário poema “Ode a um Poeta Morto” em homenagem a Olavo Bilac.

Depois do acontecimento da “Semana de Arte Moderna”, em 1922, os integrantes deste movimento, simpatizantes do “futurismo”, do “dadaísmo”, do “imagismo”, do “surrealismo”, do “ultraísmo” e principalmente do “concretismo”, que segundo um dos seus mais importantes seguidores, Haroldo de Campos, “a melodia na música, a figura na pintura, o discurso-conteudista-sentimental na poesia são fósseis gustativos que nada mais dizem à mente criativa contemporânea”, iniciaram, em São Paulo, e depois país afora, uma implacável crítica objetivando a destruição das “fórmulas já caducas” e “tradicionais” dos poetas parnasianos, simbolistas, românticos, e dos demais gêneros de poesia consagrados pelo tempo, logrando, extirpar, definitivamente, das letras brasileiras, os preceitos considerados “ultrapassados” pelo indeclinável julgamento modernista que havia no Brasil de então.

De todos os poetas brasileiros, de qualquer escola onde existissem regras poéticas, incluindo os independentes, o único que não sofreu sequer um sopro de menosprezo do assíduo fôlego da “corrente modernista brasileira” foi Raul de Leoni.

Seus sonetos, de métricas perfeitas, repletos de metáforas e de concepções filosóficas extraordinárias, corriam nos cadernos de poesia dos moços e moças da época, que compreendiam aqueles versos de palavras doces, que continham, ao mesmo tempo, tanta simplicidade e tanto esclarecimento.

Ao homem erudito a mensagem poética de Raul de Leoni causou, em todos os tempos, uma exclusiva distinção, pois que, se ao adolescente é de fácil entendimento, ao homem letrado dá o sinal da desmedida idéia que ele tinha sobre a profundidade dos mistérios da vida (ou das “cousas” da vida, conforme ele mesmo) porque, segundo alguns críticos, ele foi um profundo conhecedor da Alma Humana.

Rodrigo Melo Franco de Andrade, prefaciando “Luz Mediterrânea”, único livro de verso do poeta, escreveu: “Para Raul de Leoni, as idéias representam seres vivos”. (…) “Ele foi entre nós, e o foi com singular grandeza, o único poeta de emoção puramente filosófica”.

Os seus sonetos “Ingratidão”, “História Antiga” “Perfeição” “Legenda dos Dias” e “Argila”, popularíssimos, de indizível simplicidade e de extraordinária beleza, estão entre os sonetos brasileiros mais importantes e imperecíveis.

Segundo Agrippino Grieco, em artigo sobre os inéditos de Raul de Leôni, o soneto “Ingratidão”, um dos mais bonitos e singelos, foi casualmente encontrado, por Luís Murat, no álbum íntimo de poesias de uma encantadora dama dos meios sociais de Santa Catarina, com uma especial dedicatória do poeta, que já a havia esquecido.

A 1ª edição do “Luz Mediterrânea”, de 1922, saída, em vida do autor, por ele mesmo organizada, começa com o poema “Pórtico” (onde ele se desvencilha, quase por completo, dos laços da influência do Parnaso brasileiro) e termina com o “Diálogo Final”, tendo sido os “Poemas Inacabados” (que o poeta, ao pressentir a morte prematura, pediu para sua mulher queimar, e ela não compreendeu o seu pedido) que fazem parte da 2ª edição, e das edições seguintes, foram anexados ao “Luz Mediterrânea” pelos outros editores das mesmas.

O soneto “Argila”, que muitos chamaram “Eufemismo”, considerado um dos mais bonito da sua obra, não foi publicado antes por respeito que o poeta tinha pelos escrúpulos cristãos e religiosos de sua mãe, já que alguns de seus amigos, equivocadamente, achavam que o soneto tinha conotação pagã e erótica. Somente após a morte do poeta e da mãe, Dona Augusta Villaboim Ramos, e cessados os motivos para a publicação o soneto foi publicado.

Segundo Agrippino Grieco este soneto “todo brasileiro deveria saber de cor”.

Após a sua morte em Itaipava seu corpo foi conduzido para Petrópolis, que lhe prestou suas últimas homenagens, sepultando-o à sombra do Cruzeiro das Almas, erigindo-lhe um mausoléu e dando o seu nome a um trecho da Rua Sete de Setembro.

Quase oitenta anos da sua morte e Raul de Leoni é venerado por seus inúmeros leitores, mas ainda não chegou às carteiras universitárias dos cursos de Letras do nosso pais, onde por mérito poético, e para o bem dos estudantes da poesia brasileira, já deveria estar presente, se algum outro, menos competente e mais favorecido, não estivesse ocupando o seu lugar
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Biografia de Raul de Leoni em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/raul-de-leoni-1895-1926.html

Fonte:
Colaboração de Antonio Manoel Abreu Sardenberg

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Andreia Donadon Leal recebe Medalha da Académie des Arts, Sciences et Lettres

A ex-aluna do Curso de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto (1998-2001), a artista plástica mineira Andreia Donadon Leal – de nome artístico Deia Leal, reberá a Medalha de Bronze da Académie des Arts, Sciences et Lettres, sob a égide de René Flament, fundada em 1915, coroada pela Academia Francesa, cujo Patrono é o Presidente da República da França, Senhor Nicolas Sarkozy, no dia 05 de junho de 2010, em Paris, pelos relevantes serviços prestados à cultura, às letras e às artes no Brasil.

A artista plástica é formada em Letras pela UFOP, Pós-graduada em Artes Visuais – Cultura & Criação, Membro de diversas instituições culturais e Academia de Letras. Seus trabalhos foram expostos na Alemanha, Espanha, Itália, França, Chile, China, Polônia, República Tcheca, México e outros países.

Em 2009 ganhou o Certame Internacional de Artes Plásticas promovido pela Asociación Cultural Valentin Ruiz Aznar e pela Secretaria de Cultura de Maracena – Espanha, com participação de 35 países. Venceu diversos concursos literários e projetos de incentivo à leitura – vencedora do VivaLeitura – 2009 – com o Projeto: Poesia Viva: a poesia bate à sua porta.

Essa Academia ocupa um lugar privilegiado, dentro da defesa, encorajamento e promoção da Cultura através das Artes, Ciências e Letras. Um dos objetivos é enfatizar, promover e premiar o trabalho dos dirigentes, criadores, promotores, produtores e de talentos eméritos nessas disciplinas.

A Academia conta com o brilhante trabalho dos Delegados na França e no mundo inteiro, cuja devoção é apresentar futuros candidatos que mereçam receber as mais altas insígnias das Artes, Ciências e Letras.

Essa premiação é a coroação dos relevantes serviços prestados ao longo de suas carreiras dentro das suas atividades intelectuais, profissionais, culturais e sociais, realizados em seus países.

Alguns Laureados nos últimos 94 anos:

Citamos alguns laureados ao longo desses 90 anos de existência:
Rainha da Bélgica, Rainha Sikit da Tailândia, Louis Lumiére, Cardeal Verdier, Sacha Guitry, Louis Breguet, Colette, Marie Curie, Marcel Prevost, Georges Duhamel, Marisa Bastie, Paul Claudel, Marcel Pagnol, Yves Duteil, Paul Belmondo, Jean Yves Cousteau, Line Renaud, Christian Cabrol, Jean Marie Lehn, Jean Carriére, Xavier Emmanuell, François Nourrissier, Maurice André, Cardeal Paul Poupard, Abdoulaye Wade, Presidente do Senegal, Michelle Morgan, Professor Alain Berthoz, Remo Forlani, Princesa Lalla Meryem de Marrocos, Peter Bloch, Soledad Lopez, David Douillet, Campeão Olímpico de Judô, Colette, Professor Pasteur, Alain Decaux, Os Irmãos Farman, Maurice Schumann, Pierre Osenat, Mick Micheyl, Yves Berger, Traian Basescu Presidente da Romênia, Fabrice Luchini, Milton Nascimento, Milton Gonçalves, José Wilker, Marcos Pontes, Mauricio de Sousa, Ignácio Coqueiro, Maria Rita, Edgardo Martolio, Gerald Thomas Aloysio Legey, Ruy Ohtake,Joel Zito de Araujo, Isis Berlinck Renault, Seu Jorge, Leci Brandão, Ângela Leal, Professor Erasmo Nuzzi, Pedro Garcia, Hamilton Faria, Alcione, Antonio Pitanga, Altay Veloso, Gagliastri, Nikko Kali, Stella Leonaros, Lygia Bastos, etc…

Laureados Brasileiros de 2009.

Nesse ano de 2009, a Academia outorgou suas insígnias a 200 Laureados do mundo inteiro.
Medalha de Ouro 2009:

A cantora Alcione, o compositor Altay Veloso, o ator Antonio Pitanga, a escritora Lygia Bastos, o escritor Antonio Campos, o escultor Gagliastri, o artista plastico Nikko Kali, a poeta Stella Leonardos.

Medalha de Prata 2009:

A estilista, Simone AZANK, as escritoras, Mme. Mara BASTOS, Eliane DANTAS, Maria Emilia GENOVESI, Mme. Maria Amélia PALLADINO, Betty SILBERSTEIN; os artistas plásticos, Marilza CASOTTI, Rosina D’ANGINA, Sonia MADRUGA, Leopoldo MARTINS, Celso PARUBOCZ, BERENIC, Therezinha de Araujo LIMA, Elda Evelina VIEIRA; os escritores, Elvandro BURITY, a soprano, Leda MONTEIRO LEITE MARIOTTO,

Medalha de Bronze 2009:

Os artistas plásticos: A. BARBOSA, Cris BRAHENCHA, Marcelo BRILHA, Tina DUBAG, Bia FINKIELSZTEJN, Mel GAMA, Solange PALATNIK; a escritora Monica Yvonne ROSEMBERG.

Fonte:
– Colaboração de J. B. Donadon

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XVI Jogos Florais de Curitiba (Classificação Final – Âmbito Estadual)

Tema IMAGEM (Líricas-filosóficas)

VENCEDORES

– A. A. de Assis (Maringá)
– Gerson Cesar Souza (São Mateus do Sul)
– Maria Lúcia Daloce (Bandeirantes
– Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)
– Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)

MENÇÕES HONROSAS

– Maria Lúcia Daloce (Bandeirantes)
– Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)
– Nei Garcez (Curitiba)
– Roza De Oliveira (Curitiba)
– Wandira Fagundes Queiroz (Curitiba)

MENÇÕES ESPECIAIS

– A. A. de Assis (Maringá)
– Amália Max (Ponta Grossa)
– Maria Da Conceição Fagundes (Curitiba)
– Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)
– Wandira Fagundes Queiroz (Curitiba)
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Tema PIJAMA (Humorísticas)

VENCEDORES

– A. A. de Assis (Maringá)
– Lucília A. T. Decarli (Bandeirantes)
– Luiz Hélio Friedrich (Curitiba)
– Maria Lúcia Daloce (Bandeirantes)
– Maurício N. Friedrich (Curitiba)

MENÇÕES HONROSAS

– Gerson Cesar Souza (São Mateus do Sul)
– Maria Aparecida Pires (Curitiba)
– Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)
– Vanda Alves da Silva (Curitiba)
– Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)

MENÇÕES ESPECIAIS

– A. A. de Assis (Maringá)
– Istela Marina Gotelipe Lima (Bandeirantes)
– Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)
– Nei Garcez (Curitiba)
– Wandira Fagundes Queiroz (Curitiba)

Fonte:
UBT/Curitiba

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Trova Triste – Ivan Augusto de Andrade Teixeira (Ribeirão Preto/SP)

Ivan Augusto de Andrade Teixeira, natural de Ribeirão Preto (11/8/47) morre, a 20 de abril de 2010. Professor e Técnico em Contabilidade pelo Colégio Amaro Cavalcante, sempre esteve envolvido com atividades sócio culturais. Como sócio fundador da União Brasileira de Trovadores, deixou boas trovas premiadas em concursos de diversas entidades trovadorescas. Foi sepultado no jazigo da família. Ivan Augusto era filho da profa. Ophélia e do trovador Nilton da Costa Teixeira.

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Antonio Brás Constante (Ameaças Ameaçadoras por Telefone)

(O telefone toca).

– Alô?

– Escuta bem cara, nóis tamo com a tua filha aqui com a gente e se não rolar grana ela morre, sacou?

– Filha? Que filha? Quiçá em outrora eu ainda tivesse uma filha, mas expulsei aquela delinqüente de minha residência e da minha vida há meses.

– Não brinca, mané. Se tu não passar a grana, eu e meus mano vamo fazê ela. Tá me entendendo cumpadi?

– Se vocês forem “fazer” ela, aconselho que tomem cuidado. Ela fazia ponto na esquina aqui de casa sabiam? Um escândalo. E este foi apenas um dos motivos pelos quais eu a expulsei daqui…

– Então tá, ô esperto. Se tu não tem apego com a tua filhota, nóis vai acha tua esposinha e judiar dela. Que tal? Agora tu vai colaborar?

– Se acharem, podem ficar com ela. Mas prometam que vão judiar bem dela. A ordinária fugiu com nosso vizinho Edward, levando todas as economias que tínhamos no banco, em conta conjunta. Eu nunca pude me vingar do que ela fez. Se pegarem os dois, posso até tentar arrumar algum dinheiro para vocês, mas tem que me garantir que vocês vão torturar aqueles desalmados com vontade.

– Olha aqui Sangue bom, vamo fazê melhor então. Nóis vamo toca fogo na tua baiúca e ver se tu ri disso, que tal?

– Prometem que fazem isto? Seria fantástico, já que a casa está no seguro. Se queimarem ela, que por sinal foi hipotecada pela safada da minha “ex”, vão estar me fazendo um bem enorme…

– Malandro, tu ta tirando onda com a nossa cara. Saca só, nóis vai te pega e mete três azeitona nas tuas fuças, te borda na bala, tá ligado?

– Eu… Depois de tudo que aconteceu, estava pensando em me matar mesmo… Só não tive coragem de cometer tal ato de suicídio, e aplacar esta dor atroz que esmaga meu coração… Vocês fariam isso por mim?

– Caramba, Zé ruela! Tu não te sensibiliza com nada? A gente até ia desistir de te amolar, mas não podemo deixa barato assim. Vamo te que se vinga de ti cumpadi.

– E como pretendem fazer isto, seus bárbaros execráveis e sem cultura? Façam o que quiserem. Sou um ser amargurado pela mordaz crueldade do destino. Um arremedo humano que não liga mais para nada…

– Vamo vê se tu diz isto depois que a gente largar a “encomenda” aí no teu colo.

– Que encomenda?

– Tua sogra reclamona e teu cunhado bebum, seu mané. Nóis seqüestrou ele e a velha, mas não quis abrir o jogo logo de cara, pois achou que tu não ligava muito pros dois. Mas depois de passar um tempo com eles aqui no cativeiro, a gente se ligou do castigo que os dois são, e resolvemo entrega eles ai bunito, e é o que vamo fazê agora.

– NÃO, eles não! Quanto dinheiro vocês querem para ficar com os dois?

– Esquece brou. O lance agora é pessoal. Daqui a pouco tamo largando eles aí pra morar contigo.

– Não, isso não! Tenham um pouco de humanidade, de compaixão, de clemência, por favor, Não! NÃO! NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!

Fonte:
Colaboração do autor.

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Nilto Maciel (Aqueles Homens Tristes)

Deitou-se ao lado da mulher, como se preparasse para morrer, sem uma palavra, um gesto de carícia, qualquer menção de repetir cotidianas cenas de brutalidade e desejo. Fechou os olhos e imobilizou-se. Queria apenas pensar, pensar ilimitadamente, desprender-se de todos os laços palpáveis de seu conhecimento, perder-se por corredores e labirintos, por horizontes e profundezas. Desordenar as coisas, as pessoas, o mundo. Fazer redondos os quadrados, aparar arestas, encrespar as formas planas, reduzir a montículos as grandes montanhas, agigantar-se. Como em noites idas.

Não conseguia compreender como e por que tudo se deformava e nunca teve coragem de contar nenhuma de suas descobertas a ninguém. A não ser as mentiras menos assombrosas: aquela porção de frutas amontoadas, a paulada na cabeça de fulano, a tempestade, os monstros. Umas já se haviam perdido no tempo ou tinham ocorrido com outras pessoas. Às vezes discutiam, se ameaçavam e até se matavam, raivosos, incapazes de ouvir tantos disparates, insultos, desafios.

E a mulher, os filhos, os companheiros de caça, o resto será que não saía, um pouquinho só, além dos limites da mesmice? Ou também sentiam medo de contar novidades?

De noite, depois de fechar os olhos, entregar-se ao invisível, tudo virava de cabeça para baixo, transformava-se, confundia-se. A mulher se fazia outra, os filhos morriam, sumiam, se batiam contra feras. Os bichos se devoravam, violentos, estraçalhavam-se, sangrentos. Muitas águas, muito fogo, ventanias de arrastar homens e animais. E nada era verdade, quando não era mentira. Sua mentira.

Não, talvez não fosse bem assim. De dia, os olhos viam o mundo e o mundo existia. De noite, os olhos de dentro viam o mundo, porém um outro mundo.

Abriu os olhos, levantou-se, suado e trêmulo, e olhou para as estrelas que piscavam no céu e para o fogo que ardia ao redor das cabanas. A mulher dormia, os filhos dormiam, todos dormiam. Deu dois passos, escutou o grito dos bichos e sentou-se numa pedra. Aonde andavam as milhares de pessoas de minutos atrás? Onde estavam aquelas construções enormes, feito cabanas sobre cabanas? E os objetos que se locomoviam, feito tartarugas de rodas, a conduzir gente, às carreiras? E os outros que voavam, feito pássaros? O que fazia tanta gente ajoelhada, diante de imagens de barro e homens que falavam de “morada do céu”? E por que quase todos não paravam de suar, o dia todo a derrubar árvores, cavar o chão, lavrar a terra, bater ferros, sob as ordens de uns poucos? Que diabo significavam pedaços de papel coloridos e numerados que aqueles recebiam dos chefes e trocavam por comida, roupa, objetos variados de propriedade dos mesmos chefes?

O sol se anunciou vermelho e encantatório por detrás das montanhas. E se lá vivessem aqueles homens tristes?

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contos Reunidos vol.1. Porto Alegre: Bestiário, 2009. p.14.
– Imagem = http://sequicosacro.blogspot.com/

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Folclore Indigena (A Mandioca)

Lenda Baré

A filha de um poderoso tuxaua (chefe) foi expulsa de sua tribo, por ter engravidado misteriosamente. Foi viver em uma velha cabana distante. Parentes iam levar-lhe comida para seu sustento. E, assim, a índia viveu até dar a luz a uma linda menina, muito branca, que chamou de Mani.

A notícia do nascimento espalhou-se por toda aldeia, fez o grande chefe esquecer os rancores e, cruzar os rios, para ver sua filha. O avô se rendeu aos encantos da criança que se tornou muito amada. No entanto, ao completar 3 anos, Mani morreu de forma misteriosa, sem nunca ter adoecido. A mãe ficou desolada e sepultou a filha de acordo com o costume, no meio da oca. Ao amanhecer, viu uma plantinha brotar da terra que molhara com suas lágrimas. A plantinha começou imediatamente a crescer e furou o teto da oca, onde floriu e deu pequenos frutos.

A tribo acorreu, maravilhada. Ao revolverem a terra, observaram que a planta saía do ouvido de Mani e mostrava raízes grossas e brancas em forma de chifre. “Manihua!” exclamaram os índios. Então, muitos passarinhos vieram, comeram as frutinhas e saíram semeando a maniva (manihua). Os pássaros de goela branca semearam a maniva branca e os de goela amarela, a maniva amarela. A raiz por ser semelhante a um chifre (aca), foi denominada mandioca (manihuaca).

Lenda Tupi

Há muitos anos passados apareceu grávida a filha de um cacique. Querendo punir o autor da infelicidade de sua filha, o cacique usou de todos os meios para saber quem havia sido o autor da desonra de sua filha que, apesar dos castigos recebidos, nunca disse quem lhe havia tirado a virgindade e que também nunca havia mantido relações sexuais com nenhum homem. O pai resolveu, então, matar, sacrificar a filha, quando, num sonho, lhe apareceu um homem branco que lhe disse para não matar a moça, que ela era inocente. Passados os nove meses nasceu uma menina muito bonita e, para surpresa de todos, de cor branca. A menina que recebeu o nome de Mani, morreu após um ano sem haver adoecido nem sofrido nenhuma dor. Mani foi enterrada na sua própria casa e, de sua sepultura, nasceu uma planta que, por ser desconhecida, nunca foi arrancada. Um dia, a sepultura se abriu e, nas suas raízes, brancas como Mani, os indígenas encontraram alimento para matar a fome. Mandioca, na língua tupi, vem de Mani-oca, que significa casa de Mani. (Dicionário de Folclore para Estudantes)

Lenda Apurinã

Saíra, a filha do chefe Cauré, era a mais bela da tribo. Um dia, porém, ela engravidou sem ter sido dada em casamento a nenhum guerreiro. O desgosto de Cauré foi imenso. Chamou a filha e questionou-a sobre o pai da criança. Saíra emudeceu. A decisão de Cauré foi inexorável. Ela seria banida da tribo e viveria confinada em uma oca no centro da mata. Ela deu a luz a uma linda menina de pele alva e olhos azuis. Ao ver a beleza da neta, Cauré caiu de amores pela menina. Regressou para a tribo com a filha Saíra e a neta Mani. No entanto, ao completar 4 anos, a menina morreu de forma misteriosa. Era costume da tribo Ipurinã cremar seus mortos mas, desolado, Cauré quebrou a tradição e enterrou Mani na entrada de sua oca. Passaram-se quatro luas e da terra em que Mani foi enterrada nasceu uma planta que, depois de um certo tempo, desnudou-se das folhas. Cauré julgava que as folhas fossem eternas e ficou triste pois a planta havia morrido. Resolveu arrancá-la e, ao fazê-lo, viu surgir, à guisa de raízes, grandes tubérculos radiculares. Curioso, resolveu mordê-la e, ao mastigá-la, achou-a deliciosa. Desde então a mandioca passou a ser um importante alimento para os índios.

Lenda Pareci

Zatinaré e sua mulher, Kokoterô, tiveram dois filhos: Atiolô e Zokooiê. Atiolô era menina. Por esta razão o pai não lhe dava a menor importância; tratava-a displicentemente e, se ela dizia alguma coisa, respondia-lhe assobiando. A pobrezinha não se lembrava de uma só vez que tivesse obtido dele uma resposta em palavras. Por isso, vivia triste e acabrunhada, pelos cantos da ocara; não sorria, não brincava… Um dia, tomou uma resolução. Foi a sua mãe e pediu-lhe que a enterrasse viva:

“Talvez desse modo, mamãe, eu possa fazer algo de bom por nosso povo.”
“Não fales assim!” Replicou a mãe, aterrorizada com a idéia. “Tremo só de pensar…”

Finalmente, após vários dias de insistência, Atiolô conseguiu convencê-la. A mãe tomou a filha e levou-a até um cerrado. Sepultou-a ali. Mas o sol estava muito quente. A menina sentia muito calor. Queria outro lugar. Novamente, tomou-a Kokoterô; desta vez, escolheu o campo, aberto e de capim verde e macio. Enterrou-a. O calor, porém, era ainda maior. Atiolô não quis ficar ali. Enfim, acharam um bom local. Era o bosque, escuro, silencioso, calmo. Lá, a menininha não sofreria; lá poderia descansar sossegada. Atiolô rogou à mãe que se afastasse. Atendendo-a, a mulher foi-se retirando. Contudo, não pode resistir e voltou-se. Do túmulo, saía uma plantinha que ia crescendo vagarosamente. Correu para a sepultura; a plantinha diminuiu.

Desde esse dia, começou a tratá-la. Todas as tardes, regava-a com água fresca. A arvorezinha desenvolveu-se. Passaram-se várias luas. Quando ninguém esperava, um grito irrompeu do solo. A índia tremeu de medo. Agarrou o arbusto pelo caule e arrancou-o. Que surpresa! A raiz era grande e grossa; a casca era morena, da cor da pele das jovens da taba; a polpa era branca e gostosa. Kokoterô colocou-a nas costas e carregou-a para casa. Mostrou-a aos índios. Estavam todos espantados.

“Nunca vimos isso antes!” Diziam uns para os outros. Provaram-na e gostaram. Era a mandioca, um dos melhores alimentos que tem os índios até hoje. Eis porque a mandioca não cresce bem no campo ou no cerrado. Prefere sempre a sombra da floresta.

Lenda Bakairi

O veado foi beber água e o peixe bagadu (pirara), espécie de bagre brasileiro comum nas Amazônia, que estava preso num regato quase seco, pediu-lhe ajuda: “Faz uma corda de embira e puxa-me até o rio.” Lá chegando, o peixe convidou o veado para ir até sua casa no fundo do rio, onde lhe serviu mingau (pogü) e beiju.

O veado, que desconhecia aquelas iguarias, ficou encantado e o peixe levou-o até sua roça de mandioca. Quando o veado foi embora, o peixe presenteou-o com mudas de mandioca, para que as plantasse também. Em casa, o veado fez uma roça de mandioca. E, tornou-se o senhor da mandioca, pois só a sua família a consumia. Um dia, Keri o encontrou e pediu-lhe mandioca. O veado negou, Keri ficou bravo, segurou o veado pelo pescoço e assoprou na sua cabeça, onde surgiu uma galhada. Keri levou a muda de mandioca, deu de presente as mulheres Bakairi e mostrou-lhes, conforme o veado lhe ensinou, o que deviam fazer para não morrer com o veneno.

Fonte:
http://www.lendorelendogabi.com/

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Viviane Tremeia (Num Porto Qualquer)

(Conto classificado em terceiro lugar no Prêmio Escriba de Contos 2009)

Tem os olhos fixos num lugar qualquer. Os cabelos opacos, o rosto pálido levemente inclinado para os pés que se mexem vagarosamente, sem parar. Não se ouve um ruído, e a pouca luz que entra pela porta não alcança a poltrona que fica ao lado da cama onde ela tem passado os dias. O que eu faço? Como tirá-la dessa inércia sem tamanho? Desde que este quarto passou a ser o único lugar que existe, ninguém mais acessou o seu humor, nem quase tudo o que lhe fazia ser quem era. Desde o olhar generoso, o riso solto, as palavras certas, aos gestos mínimos como o de abanar as mãos para diminuir nossos problemas ou de empunhar os braços para nos dar uma bronca. Eu fecho os olhos e ainda consigo vê-la caminhando rápido entre uma peça e outra da casa. Ouço os gritos vindos da cozinha quando ela resolvia se enfurecer com o papagaio, presente de grego da minha avó paterna, ou a boa gargalhada quando não cabia de alegria por estar simplesmente viva. Já faz algum tempo que isso tudo seria para sempre. Por uma fresta de intenção, ainda consigo ver minha mãe de ontem nesse pouco dela de hoje que faço força para reconhecer.

Os dois eram inseparáveis. Meu pai sempre fora o porto seguro, o ferrolho, a mão quente, forte e alerta. Ela, um pássaro feliz, que rodopiava pelos caminhos dele como se enfeitasse e colorisse. Um dia, lembro-me de ter entendido o sentido de cumplicidade ao vê-los caminhando pelo jardim da nossa casa. Conversavam baixinho para que não ouvíssemos a conversa. Um parava para podar um galho seco, o outro acompanhava com os olhos admirando o gesto. Meu pai gostava de mexer com carros antigos. Era engraçado vê-la admirando um motor 250-S, como se
realmente a interessasse. Formavam uma dupla e tanto. Não era raro vê-los olhando longamente um para o outro, como se falassem sem o uso das palavras. Minha mãe tinha o poder de alegra-lo. Ele, o dom de aninha-la e adorna-la. Ambos, a sabedoria de serem felizes.

“Verônica, que loucura é essa agora. O que tu estás fazendo?” Foi a única vez que o vi levantar a voz para ela. Enquanto gritava, minha mãe rasgava cada uma das fotos que eles haviam recém trazido da última viagem de férias. Chorando em desespero, com raiva transpirando pelos punhos, ela murmurava quase como num transe que não aceitaria de jeito nenhum. Que deveria ser um equívoco, que não poderia ser verdade. Concentrada na tarefa, ela não vira que todos nós na sala estávamos aturdidos pela cena. Meu pai constrangido se movia em vão de um lado para o outro como se entendesse o que se passava, mas não quisesse nos dizer.

Aquele episódio foi apenas o primeiro de uma sequência de vários bem estranhos, carregados de angústia e incompreensão. Passamos a vê-la falando sozinha pela casa, fitando, por tempos, o pátio dos fundos pela janela da cozinha. Percebemos o descuido com as roupas que usava e evitava qualquer tentativa de conversa que fazíamos.

“Próstata, meus filhos. Estou com câncer de próstata”. Repetia nosso pai completamente arrasado pela notícia. Esfregando as mãos pesadas no cabelo ralo e grisalho e sem coragem para nos fitar os olhos, seu corpo foi se encolhendo e um homem impotente e desatinado surgiu em nossa frente. Era isso. A insistência o fez confessar. Nenhum de nós aguentava mais assistir nossa mãe desaparecendo de si.

Corri para abraçá-lo. Seu choro fora inédito. A estranheza, absoluta e, como um susto, tudo mudara diante de nós. Incólume, a certeza de que jamais seríamos os mesmos e entre nós um olhar conivente de quem busca uma saída.

Ele nunca adoecia. Lembro da mãe me dizendo: “Juliana, tu devias ter puxado ao teu pai, igual ao Murilo”, meu irmão mais novo. “Estás sempre doente, menina!” Já o Tiago, o irmão do meio, era como eu. Qualquer resfriado era motivo para gazear aula. O nosso pai não. Não havia o que derrubasse o homem. Sim, a doença fatal era descabida, um desaforo.

O médico lhe dera um prognóstico vago. Tudo dependeria do tratamento. Meu pai ergueu-se num pacto particular impressionante. Dispondo-se a enfrentar a morte, a dor, a doença. Minha mãe não. Irônica e lentamente como um câncer, a doença dele a consumia, levando-a para longe de nós, para um porto qualquer de endereço desconhecido.

Os dias transformaram-se em meses que tornaram-se anos e minha mãe jamais voltou.
Não houve sequer um especialista que não tivéssemos procurado para tentar resgatá-la.
Assistimos, em pânico, o abandono de si mesma, como um mistério silencioso e cruel.
Num domingo desses, peguei os dois caminhando no pátio como nos velhos tempos.

Meu coração se encheu de esperanças. Meu pai acariciava a cabeleira desajeitada de minha mãe, enquanto a consolava do seu pavor sem volta. Sim, era assim que chamávamos o que nós víamos. Ela não reagia. Via-se que o desvio pego por ela já havia sido por demais percorrido. Os olhos ternos do meu pai clamavam por uma reação. Mostrava-se forte, com a vivacidade que sempre nos balizou. A doença dormia no corpo dele, os sinais eram de um homem absolutamente saudável. Ela, nunca mais voltara.

Estico os lençóis ainda quentes, abro a janela do quarto, olho para ela o mais fundo que consigo pelo tempo que ela me permite. Com meus braços em seu contorno, me faço presente. “Mãe? Fala comigo. Onde te encontro, mãe? Em que porto te perdeste?”

Cinco anos se passaram desde o anúncio da doença do meu pai. Ela pisca os olhos em resposta e um sorriso seu, de canto de boca, me acende.

Fonte:
Grupo Oficina Literária de Piracicaba. http://golp-piracicaba.blogspot.com/

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Durval Mendonça (Trovas que eu Dou à Vida !) Parte III

IN MEMORIAM a Renato Vieira. da Silva
Vai, Poeta, deslumbrado,
tu que soubeste entendê-las,
buscar no céu constelado
tua coroa de estrelas!

Exausta de solidões
de um céu escuro e vazio,
a lua busca emoções
no leito alegre do rio.

Quando, amorosas, nos pisam,
em sublime ditadura,
as mulheres escravizam
com desumana ternura.

Essa ternura em teus lábios,
quando me beijas, querida,
faz-me esquecer os ressábios
dos lábios frios da vida.

Chopin!… A tarde morrendo…
Prelúdios tristes, sombrios,
como lágrimas correndo
daqueles dedos esguios…

Rosas rubras, amarelas,
rosas de todo matiz,
não sois, por certo, mais belas
do que a Rosa que me quis.

Na estrada de Samaria,
por um gesto de bondade,
um homem bom construía
a própria imortalidade.

Nossa estória – grande anseio
de coisas inatingidas;
romance deixado a meio
no meio de duas vidas…

Vai a lua em serenata
pela noite andando ao léu,
triste boêmia, de prata,
pelas esquinas do céu.

O nome – por que dizê-lo?
da mulher, hoje esquecida.
Foi sonho… Foi pesadelo?
Ou, talvez, a própria vida?

Dois destinos paralelos,
na trilha de um só desejo,
são duas linhas de anelos
que se tocam pelo beijo.

Pelada, aos gritos, na rua…
Vidraça que se estilhaça…
“A minha, não, é a tua!”
E depois… a infância passa.

Pelo terror que a sublima,
pela incerteza que lança,
vejo a Rosa de Hiroshima
como a Rosa da Esperança…

Sentadinha aí defronte,
professorinha, conduzes
para as luzes do horizonte
meu horizonte sem luzes.

Com humildade e paciência,
como juncos eu me inclino
para abrandar a inclemência
dos vendavais do destino.

Quando uma lágrima desce
dos teus olhinhos levados,
Deus, no céu, sorrindo esquece
de castigar-te os pecados.

Sertanejo amargurado,
teu triste olhar me comove,
quando te vejo ajoelhado
pedindo chuva e não chove.

Teu amor – minha utopia …
Esfinge dos meus fracassos …
Pedaço de fantasia,
que se desfaz em pedaços.

Maroto, o sol se deleita
sobre o mar lá no horizonte:
um olho rubro que espreita
a praia nua defronte.

Em meu caminho sem luz,
sem pousada, sem roteiro,
eu não carrego uma cruz,
eu sofro um calvário inteiro.

Bateram, fui ver. À toa…
Ninguém bateu… Ilusão!
Deve ter sido a garoa
fugindo da solidão.

A lágrima, companheiro,
que reflete minha mágoa,
parece mais um braseiro
que uma simples gota dágua.

Alta noite… Um sino plange…
No espaço, a lua silente
traz a arrogância do alfange
no lirismo do crescente.

Quando meus sonhos dispersos
o luar envolve e conduz,
eu me ponho a fazer versos
bebendo taças de luz…

De mãos dadas, lentamente,
vamos indo, aí, à toa…
Garoa molhando a gente…
Que bem me importa a garoa!…

Ah, como são transitórias
minhas raras alegrias!
Elas me vêm de vitórias
num mundo de fantasias.

Às vezes, a conjuntura
faz covardes destemidos.
Eu já vi muita bravura
por privação de sentidos.

As vitórias que eu consigo
neste mundo de ilusões
vêm, por certo, dos perigos
que transponho aos trambolhões

Desprezando minhas queixas,
passando de andar felino,
deixas no rastro que deixas
o rastro do meu destino.

Um burro, ao filho imprudente,
ajuda, num bom conselho:
– Olha, filho, muita gente
não te serve como espelho…

Como é belo, à luz mortiça
do dia, quando desmaia,
ver o mar, que se espreguiça,
rolando, em ondas na praia

Vale de lágrimas, eis
o mundo que nos foi dado…
Tantas regras, tantas leis,
e… cada vez mais errado!

Destino, que a gente inculpa
e nos livra de embaraços,
em ti jogamos a culpa
dos nossos próprios fracassos.

Teu beijo tem tal ternura
e tal calor aparenta,
que sua temperatura
deve andar pelos quarenta.

Engraçado, mas profundo,
não sei se já percebeste:
hoje, as almas do outro mundo
têm medo das almas deste.

Este sorriso em meu rosto
é, por estranha ironia,
mais filho do meu desgosto
do que de minha alegria.

A gente vê a poesia
mais natural e mais pura,
quando a rês, lambendo a cria,
dá-lhe um banho de ternura.

Chuva que empoça no chão
e depois, em mudo anseio,
mostrando ter coração,
reflete o céu de onde veio.

Chica da Silva amorosa,
crioula terna e gentil,
canela tingindo a rosa
numa florada de abril!

Maria gosta de beijo
e diz que sente vergonha.
Maria, pelo que vejo,
tem é medo da cegonha.

0 meu barraco é tão pobre,
que a verdade, nua e crua,
é que meu corpo se cobre
com o manto branco da lua.

Sempre justa e compassiva,
sua vida foi tão breve…
Quando Mamãe era viva,
minha cruz era mais leve.

Garoa – tédio que desce
maçante, fina sem dó…
De tão miúda, parece
que é chuva desfeita em pó…

Quando uma lágrima aflora
em teus olhos muito azuis,
vejo a beleza da aurora
nessa gotinha de luz.

Chico-Rei, tua ternura
por teus irmãos de senzala,
a História, mística e pura,
fez justiça em exaltá-la.

Pela vida a gente avança,
não vamos sós, na verdade;
a nosso lado a esperança
vai arrastando a saudade.

Este amor que me ofertaste
e, comovido, eu aceito
é pedra de luz no engaste
da jóia que tens no peito.

Teu beijo é o determinismo
de milênios num segundo;
sensação rósea de abismo…
e o paraíso no fundo.

Hoje, triste, no meu canto,
revejo minhas memórias
e surpreende- me este pranto,
banhando antigas vitórias.

Se eu pudesse a meu destino,
dar um destino a meu jeito,
o meu mundo de menino
jamais seria desfeito.

Penetrantes, importunos,
belos no verde invulgar,
tens olhos são dois gatunos
das esmeraldas do mar.

Por que minutos felizes,
inconsequente, me furtas,
quando tu mesma me dizes
que as horas boas são curtas?

Saudade, mágoa feliz
que vive em nossa lembrança;
tristeza que se bendiz,
quando se tem esperança.

A vida tem seus volteios:
ora sobe, ora é descida
e arrasta nos seus rodeios
os sem-destino da vida.

Na incerteza dos caminhos,
eu, de revés em revés,
vou arrancando os espinhos
que vão ferindo meus pés.

Em nossa casa singela
do meu tempo de criança,
minha mãe vinha à janela
esperar sua esperança.

Fonte:
– UBT Juiz de Fora

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Aparecido Raimundo de Souza (Mula sem cabeça)

Dona Glória bate desesperadamente à porta do quarto de seu filho Fumarato. Não é a primeira vez que o faz. Está preocupada, impaciente, temerosa. Grita para se fazer ouvida:

– O que faz aí trancado, meu filho?

Fumarato em meio a desordem que reina lá dentro, responde, aos berros:

– Estou brincando, mãe.
– Brincando com quem, ou com quê?
– Sozinho.
– Que barulho estranho é esse?
– Não estou ouvindo nada.

À medida que mantém o diálogo, dona Glória insiste com as pancadas. A palma de sua mão inchou e uma vermelhidão muito forte tomou o lugar da cor natural.

– Destranque e venha lanchar. Cetotifeno, seu coleguinha, se abancou à mesa e lhe espera.
– Já vou, mãe, já vou.

A zoada persiste veloz como um tufão que se realça. Parece um ritual macabro. A impressão de dona Glória é a de que alguma coisa sofre horrores nas mãos do menino. O que ela ouve se assemelhava a grunhidos, urros e relinchos de dor e agonia entrecortados, como se um animal indefeso tivesse sendo barbaramente espancado. Mas impossível. O quarto de Fumarato fica no oitavo andar de um prédio de apartamentos. A janela do garoto media com a de outro edifício, de forma que não assiste razão para qualquer pessoa normal aceitar a idéia de que lá dentro tenha sido introduzido um animal, qualquer que seja o tamanho dele. Ademais, não existe como. Além da portaria não permitir, ela ou a empregada teriam se dado conta e brecado. Que alguma coisa diferente se metera lá dentro, não havia mais duvidas. Os estrondos produzidos não deixavam margens a dúvidas. Dona Gloria não ficara louca, Dorinha e Cetotifeno igualmente ouviam os urros e os chiados, sem, no entanto, identificarem sua possível origem. O que mais intrigava: Fumarato não possuía computador, nem aparelho de tevê. Aquele barulho inexplicável não advinha de nenhum jogo caseiro conhecido, menos ainda de um aparelho eletroeletrônico ligado.

– Abra Fumarato.
– Calma mãe!
– Cetotifeno está aqui. O café foi servido. Dorinha trouxe pão quente e a manteiga que você gosta. Venha, filho. Está me ouvindo?

Ouvindo Fumarato certamente estava. E bem. No entanto, alguma coisa fora dos padrões normais rolava à solta. A voz do guri, ora sobressaia aos relinchos, ora sumia de vez. Às vezes a balburdia aumentava de intensidade, outras cessava misteriosamente. Dona Glória não desistia e parecia cosida a parede.

– Filho, pare com essa bagunça.
– Que saco mãe! Vê se me erra.
– Cetotifeno vai subir pra casa dele. Não faça desfeita ao seu colega.
– Não faça o que, mãe?
– Desfeita, filho, desfeita.

Dona Glória se afasta, tolhida por forte indisposição que a invade. Pede socorro a empregada, sem esmiuçar os comentos malévolos que assaltam seu espírito. Dorinha acode e volta à carga pancadeando a porta com mais intensidade.

– Pó, qual é, mãe. Já vou…
– Não é sua mãe, sou eu, Dorinha.
– Me esquece, cara. Vá lavar as loucas.
– Que diabos acontece ai?
– O que você acha?
– Se eu soubesse alguma coisa não te perguntaria. Vamos, fale comigo. O que se passa?
– Dorinha, você não vai acreditar.
– No que não vou acreditar? Tente?
– Pintou aqui no meu quarto uma mula…
– Uma o quê?
– Uma mula.
– Faça me rir, garoto. Saia para o café. Deixe de pilherias. Você está bem grandinho para essas criancices. Vamos, abra…
– Assim que eu der cabo da mula…
– Só falta você me convencer de que essa mula é sem cabeça…
– Pêra ai, Dorinha. Como sabe?
– Adivinhei. Agora saia. Tenho mais que fazer. Preciso limpar seu quarto.

Dona Glória se prostra a porta. Junto dela, Cetotifeno.

– Filho, se não sair daí, interfonarei para a portaria.

Faz um gesto a Cetotifeno para que a ajude e intervenha. Cochicha com o moleque algumas palavras. O guri aquiesce e repete a história de providenciar reforços.

– Fumarato, sua mãe vai mandar subir a galera. Se eu fosse você caia fora daí agora. Abre ai, ô mané! Vou rachar no trecho. Qualé a sua, mano!
– Assim que acabar com a mula sem cabeça eu saio.
– Pirou, meu?
– Não.

As tentativas restam, por fim, infrutíferas. A contenda segue indiferente as batidas e as súplicas dos mais chegados. O subsíndico chega acompanhado com dois funcionários da administração. Os petitórios para que Fumarato deixe o quarto são redobrados. Nada. Dona Glória decide, então, pelo arrombamento. A ninguém mais interessa aquele estado de intranqüilidade. O pessoal põe a porta ao chão. A cena que surge, entrementes, é violenta e brutal. Assas incrédula e chocante. Fumarato está montado, a cavaleiro, sobre o lombo de um bicho enorme, que jaz estirado. Em volta, sangue por todos os lados respingados pelas paredes e móveis. Uma mancha se estende pelo chão e se transforma num desenho de dimensões grotescas escorrendo para o lado onde fica a cama. A cortina é aberta e a janela escancarada. Um “Meu Deus, que horror!” uníssono se faz ouvir em meio a uma onda de terror e ceticismo. A galera petrifica as feições. Dona Glória desmaia. Dorinha lhe segue os passos e vomita as tripas. Cetotifeno sai correndo em desabalada carreira. O pessoal do socorro acode com álcool e massagens. Fumarato realmente havia acabado de matar uma mula. Uma mula enorme. E sem cabeça.

Fonte:
Colaboração do autor.

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Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro/ Contos Curtos – edição 2010

Regulamento

A Via Literária Editora declara iniciado o Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro/Contos Curtos – edição 2010.

1- Objetivo:

Inserir Porto Seguro no contexto cultural nacional e internacional; incentivar a produção de textos literários como forma de dinamização cultural; estimular o hábito de leitura; promover e homenagear autores.

2-Participantes:

Poderá participar deste concurso qualquer pessoa que tenha no mínimo 16 anos.

3- Inscrição:

A inscrição é gratuita e ocorre automaticamente com o envio do texto

4 – Tema, quantidade, apresentação e envio: .

4.1 – Para efeito deste concurso fica definido como Conto Curto o texto com um mínimo de 400 e o máximo de 2.000 toques (caracteres com espaço. No programa Microsoft Word pode conferir no menu superiro “ferramentas” a opção “contar palavras”).

4.2 – Tema – livre

4.3 – No cabeçalho do conto deverá constar o nome completo do autor (a), sexo, idade, endereço e e-mail.

4.4 – O solicitado neste tópico devera ser digitado no word, fonte arial 12, espaço simples – anexado ao e-mail e enviado até 30 de junho.

4.5 – No campo “assunto” deverá constar a informação exclusiva Contos Curtos 2010 – nome do autor.

4.6 – Cada autor poderá enviar 2 (dois) contos curtos.

4.7 – Para cada conto, um e-mail, a ser enviado para o endereço via.literaria@hotmail.com

4.8 – O conto tem que ser inédito.

5- Da Comissão seletora

A comissão avaliadora será constituída por dois grupos distintos que elegerão o conto vencedor em duas fases, a saber:

5.1- Primeira fase : A ONG Vamos Ler o Mundo, entidade cultural ligada a Secretaria de Educação do Município de Porto Seguro, selecionará os melhores contos para comporem a coletânea resultante que será publicada em dezembro.

5.2 – Segunda fase: Para eleição do conto vencedor entre os selecionados pela ONG Vamos Ler o Mundo, a Via Literária Editora convidará 20 autores de nomes nacionais publicamente conhecidos.

5.3 – Os autores convidados a integrarem a Comissão da segunda fase terão seus nomes publicados no site ao final do evento, junto ao anuncio do texto vencedor.

6 – da confirmação de participação na segunda fase.

6.1 – Após a seleção dos melhores textos pela ONG Vamos Ler o Mundo iniciar-se-á a segunda fase;

6.2 – Os autores selecionados serão convidados a confirmarem a intenção de prosseguir, realizando uma pré-aquisição de 03 ( três) exemplares através de depósito identificado de R$ 100,00 (cem reais) referente a eles.

6.3 – A conta para esse depósito é: 0616041 ag 1647-0 Bradesco Hélio Nóbrega CPF 537 575 807-53.

6.4 – Os textos que seguirão para Comissão da segunda fase serão os que tiverem sido selecionados pela ONG Vamos Ler o Mundo e confirmados por seus autores via depósito.

6.5 – A listagem dos finalistas será publicada neste site em 31 de julho e todos eles integrarão a antologia resultante do evento.

7 – da revisão e resumo biográfico

7.1 – Quando da divulgação dos textos selecionados em 31 de julho, todos os autores que comporão a antologia deverão:
a ) Reenviar o texto revisado.
b ) Juntar um resumo biográfico em no máximo 5 linhas, na seqüência do texto, no “pé” .
c ) No cabeçalho devera constar o titulo, o nome do autor, e-mail e telefone para contato.
d ) Pseudônimo literário: caso queira que o texto seja publicado com ele substituindo o nome, declare com clareza no cabeçalho.
e )Os que desejarem seu e-mail publicado na antologia deverão inseri-lo no resumo biográfico.

7.2 – No campo “assunto” do e-mail deve ser escrito somente “Curtos 2010 – Revisado – nome do autor ”

7.3 – O solicitado neste tópico devera ser digitado no Word, fonte Arial 12, espaço simples – anexado ao e-mail e enviado até 30 de setembro.

8 – da premiação

8.1 – É de R$ 5.000,00 ( cinco mil reais) em dinheiro o prêmio ao vencedor.

9-Autorização para publicação e cessão de direitos autorais:

9.1 Ao enviar o texto o autor registra obrigatoriamente no corpo do e-mail as três declarações abaixo:

9.2 Declarando conhecer este regulamento, regente do Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro -2010/Contos Curtos, e estar inteiramente de acordo com seu teor;

9.3 Declarando como de sua autoria o conto “x” enviado e assumindo inteira responsabilidade sobre essa declaração;

9.4 Cedendo os direitos autorais para a 1ª edição da antologia resultante do evento.

10 – Datas

15 de março inicio da edição 2010 de C.Curtos do Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro.
30 de junho término do prazo para envio dos textos.
31 de julho publicação neste site da listagem de finalistas, observando-se o subitem 3.2.
31 de agosto anúncio dos textos vencedores.
30 de setembro término do prazo de reenvio de textos para publicação na antologia Dezembro lançamento e pagamento do prêmio em espécie ao autor do conto vencedor..

11 – Os casos omissos serão resolvidos pela Via Literária Editora.

Apoio: O Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro tem o apoio institucional das Secretarias Municipais de Educação e de Cultura de Porto Seguro, Os jornais O Sollo e Topa Tudo, a rádio FM Porto Brasil (88,7)e o Projeto Vamos Ler o Mundo.

Porto Seguro, BA; 15 de março de 2010.
Hélio Nóbrega
Editor

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Antologia Poética de Piracicaba

Ana Marly de Oliveira Jacobino
PARA “BANDEIRA E TODOS OS POETAS”

Que saudades do Brasil.
Lá eu era amigo do poeta.
Lia Andrade, Bandeira, Drummond
No sítio do meu avô Giubbina,
De bermuda, chinela, camiseta,
Caminhava pela grama orvalhada.

Que saudades do Brasil.
Como Lispector fui feliz por lá,
No Brasil tinha grandes aventuras, como,
Coordenar um Sarau Literário repleto
De poemas de quem sabe fazer
Do bom e belo juntando as palavras,
Passar por Passargada e visitar Bandeira.

Conhecerei meninos e meninas brancos, negros, índios…
Vou visitar a casa Encantada de Santos Dumont
Subir os degraus da escada com o pé direito.
Escada, que ele planejou, enquanto fazia o avião.
Ouvirei Vila Lobos, em sua Sinfonia de Brasilidade,
E, no Carnaval de Ouro Preto, descer as ladeiras,
Com as Repúblicas Históricas vestida de colombina.

Que saudade do Brasil.
Lá sou amiga do Bandeira
Sei que seus poemas são belos,
Tem bolsa família para os mais pobres.
E os trens sumiram das estações,
As pistas viraram sambódromos
Os rios, alguns, estão poluídos,
Mas, as pessoas são alegres, assim mesmo.

Quero ir à Sala São Paulo
Cantando o “Trenzinho Caipira”,
E beber uma caipirinha em Piracicaba
Ler as homilias de D. Paulo Evaristo Arns,
Na linda Catedral da Sé.
Vou-me embora para o Brasil!

E , se porventura vier a sentir
Saudade do vento gelado,
De ouvir um Jayhawks, imitar o toque do celular
De ver as árvores sem folhas,
E a grama queimada pela neve tão alva,
Quem sabe volte pra lá.
Talvez! Porque, aqui sou tão feliz.

Que saudade do Brasil. Lá sou amiga do Bandeira
Sei que no Brasil há Antonio, Benedito, João, Pedro.
Terei uma cama de palha de milho,
Cachaça, rapadura, mandioca e um amigo, à quem escrever.
Porque no Brasil, quem é amiga do Bandeira,
É quase, como amigo do Rei.

(Dedico este poema paráfrase ao Poeta rio pedrense “Richard Mathenhauer “)
==================

Elda Nympha Cobra Silveira
O PIANO

Estou ao piano…
Os sons saem lânguidos,
dolentes, às vezes, em forte,
fortíssimo, ou piano…pianíssimo.

Vou dedilhando
com sentimento,
e percebo que a vida
é um orquestrar constante.
Batendo nas teclas,
pretas ou brancas,
de stacatto em stacatto,
vou vibrando sempre.

No correr dos anos,
quando a angústia chega,
vou para um moderato
e sigo em frente,
mais devagar, mais silente…
E noto que, de repente,
a música da vida é mais terna,
mais amena, então,
meu sentimento se aprimora,
e quero tocá-la toda hora,
para ver se chego, sem demora,
ao gran finale esperado,
porque não quero acabar num desengano.
===========================

Ana Lúcia Stipp Paterniani
PAISAGEM

Um lago que fica
Cada vez mais tranquilo
Até virar espelho
E refletir as flores coloridas
Que estão ao seu redor
E o céu azul

Escolho uma flor branca,
Parece um lírio –
– colírio para os olhos –
– bálsamo para as feridas da alma –
Assim pura, suave e
Perfumada
Assim, simples e bela –
– como eu quando consigo
Simplesmente
Ser.
====================

Benedita(Bêne) Giangrossi
CHORO

Lágrimas choradas
Fazendo pular o peito
Tão desalinhado
De Tanto chorar.
Lágrimas escondidas
Só o peito compreendido,
Desalinhando-se
De tanto chorar.
O banheiro único refúgio
Das lágrimas escondidas;
Alinhando o peito
De tanto desabafar.
================

Ivana Maria França de Negri
ASAS DA POESIA

Há um pássaro aprisionado
dentro de mim,
em frêmitos,
que quer voar,
adejar asas,
viajar no azul com o vento.
Quer eclodir seu canto
e espalhar pelo universo
o doce gorjeio
em forma de verso.
E ele se chama Poesia…
===================

Eliane Vidal
ESPERANDO O BEIJA-FLOR

Um bem-te-vi eu vi
no meu quintal
pousou num galho
que pesado balançou

e eu, que plantei
um pé de primavera
esperando pelo beija-flor
me encantei
com o bem-te-vi

na vida também
temos que admitir
pra ser feliz
temos que chacoalhar
a nossa primavera…
quem dera
pudéssemos ser como
o beija-flor

tão leve, tão solto,
tão livre, envolto
num brilho que é
só seu…
quisera fosse igual o meu
=======

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Bruno Enei: Um Passeio pela Literatura Italiana

artigo de Ismael de Freitas

Livro traz aulas do professor Bruno Enei que foram taquigrafadas por sua aluna Sigrid Renaux entre os anos de 1956 a 58

A autoridade e o conhecimento em Literatura Italiana de um dos maiores intelectuais que Ponta Grossa já teve, aliados à dedicação de uma aluna que taquigrafava e depois datilografava as aulas, resulta agora no livro “Bruno Enei, aulas de Literatura Italiana e Desafios Críticos”, da professora Sigrid Lange Scherrer Renaux, distribuído pela Todapalavra Editora.

O projeto do livro foi iniciado em 1983, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), e através do patrocínio da Itaipu Binacional vai ser distribuído para escolas públicas municipais e estaduais, além de instituições particulares e de Ensino Superior, bibliotecas e instituições culturais de Ponta Grossa.

A embaixada da Itália, consulados daquele país e as principais bibliotecas do Brasil também receberão exemplares. A solenidade que marca o início da distribuição acontece no próximo dia 6 de maio, às 20 horas, no Colégio Regente Feijó, que também foi palco das aulas magistrais de Bruno Enei. No entanto, quem quiser ter o conteúdo da obra poderá baixar gratuitamente na internet, através do site http://www.todapapavraeditora.com.br.

A obra é um passeio pela Cultura Italiana, desde os tempos medievais, passando pelo Humanismo, Romantismo, Decadentismo até a Literatura após D’Annunzio. O leitor também vai encontrar escritos de Bruno Enei sobre Leonardo da Vinci, Carlos Drumond de Andrade, Literatura dos Campos Gerais e uma carta dirigida à professora Sigrid, então aluna de Bruno Enei, onde ele discorre sobre trechos da “Divina Comédia”, de Dante Aliguieri. Finalizando, o livro traz textos publicados em jornais sobre o professor.

As aulas de Bruno Enei foram taquigrafadas entre os anos de 1956 e 58, período em que Sigrid foi aluna de Língua e Literatura Italiana no Curso de Letras Neolatinas da UEPG, naquela época, Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras. “Estudei taquigrafia com a professora Ema de Macedo, esposa do doutor Carlos de Macedo, numa época (década de 50) em que não se usavam ainda gravadores. Como eu também havia feito o curso de datilografia, aproveitei os dois cursos já enquanto estudava na Escola Técnica de Comércio Ponta-grossense. Assim, quando ingressei na UEPG (1956-59), costumava taquigrafar as aulas de Literatura Latina, Portuguesa, Francesa, Espanhola e Brasileira, além da Italiana, porque os assuntos me interessavam”, conta.

Erudição e entusiasmo eram suas marcas

A autora diz que havia algo de especial na maneira como Bruno Enei ministrava suas aulas, marcadas pelo entusiasmo. “Tive excelentes professores no curso de Letras Neo-Latinas, como Nicolau Meira de Angelis, Faris A. Michaele e Robert K. Bowles, entre outros. As aulas do professor Bruno, entretanto, caracterizavam-se não só pela profunda erudição e conhecimento de literatura, arte, filosofia e história, mas também pelo entusiasmo contagiante que impregnava todas as suas palavras em sala de aula”.

O livro também é o resultado da forte impressão que Bruno Enei causava em seus alunos. “Na realidade, foi a figura humana e o idealismo do professor Bruno que, acredito, marcaram não só a mim mas a todos os meus colegas de faculdade, características essas presentes em todas as páginas do livro publicado”, salienta a professora Sigrid.

Texto mostra liberdade de pensamento

Um dos trechos mais impressionantes do livro é parte de um discurso por ocasião da formatura de seus alunos. O professor aconselha aos formandos a matar o “cepticismo, o mecanicismo, a gramática e o ponto”. Para a professora Sigrid essa atitude o aproximava dos mestres. “Acredito que todo grande escritor, como todo grande crítico de literatura, está acima e além das regras fixas, seja de gramática, de gênero ou outras. O próprio Guimarães Rosa, numa entrevista, já dizia que ‘[A] língua e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente, mas a quem até hoje foi negada a benção eclesiástica e científica. Entretanto, como sou sertanejo, a falta de tais formalidades não me preocupa. Minha amante é mais importante para mim’, dizia. O fato de o professor Bruno aconselhar aos formandos ‘Matai a gramática’, bem revela sua afinidade com os grandes mestres e sua coragem em proclamar isso numa sessão pública de formatura”.

Obra quer preservar atividade intelectual

De acordo com a professora Sigrid, a intenção de publicar o livro com as aulas do professor Bruno Enei é uma maneira de reconhecer o trabalho desenvolvido pelo mestre. “Estou extremamente gratificada por poder, através da publicação desses textos, retribuir de alguma maneira todo o conhecimento e cultura que adquiri do professor Bruno. Acredito que a merecida divulgação de seus textos irá aumentar em muito o reconhecimento, para as gerações atuais e futuras, da figura ímpar deste mestre. Gostaria de registrar meus agradecimentos ao professor Hein L. Bowles, como editor da Todapalavra, que me procurou para retomar este projeto de publicação, iniciado em 1983 na UEPG e interrompido por motivos alheios à minha iniciativa. Graças a ele, à sua equipe e ao patrocínio da Itaipu Binacional, o livro finalmente se concretiza”, finaliza a professora.

Professor recebe homenagens em Ponta Groosa

O professor Bruno dá nome à Biblioteca Pública de Ponta Grossa e a um evento anual de cultura na cidade. Muitos consideram que ele foi o principal intelectual que a cidade já teve. “Álvaro Augusto da Cunha Rocha, num artigo publicado na imprensa local em 5 de novembro de 1983, já se referiu a Bruno e à sua mulher Maria Enei como ‘duas das mais extraordinárias figuras (intelectuais e humanas) que esta cidade já abrigou’. Compartilho dessa opinião” , frisa a professora Sigrid Renaux.

>> A professora Sigrid Paula Maria Lange Scherrer Renaux, carioca, radicada em Curitiba. É licenciada em Letras Neo-Latinas pela UEPG e em Letras Anglo-Germânicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É mestre em Estudos Anglo-Americanos e doutora em Literatura Norte-Americana e Inglesa pela Universidade de São Paulo (USP) com pós-doutorado pela Universidade de Chicago.

Fonte:
Jornal da Manhã.
http://www.jmnews.com.br/

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‘Alice’ volta às livrarias em versões de luxo, mangá e até cordel

A personagem Alice, em ilustração assinada
pelo artista John Tenniel
artigo de Caio Terreran

Aos 145 anos, Alice está em todo lugar. De carona no blockbuster que Tim Burton preparou para a Disney, a história infantil criada em 1865 pelo escritor Lewis Carroll volta a marcar presença nas livrarias do país em um punhado de formatos e interpretações.

Destacados em nichos separados nas lojas, é possível encontrar desde a edição clássica do livro, que reúne as duas partes da história – “As aventuras de Alice no País das Maravilhas” e “Através do espelho” – e conta com as ilustrações originais de John Tenniel, até uma versão luxuosa renovada, com ilustrações de Luiz Zerbini e tradução do historiador Nicolau Sevcenko.

Há ainda edições especiais da obra para crianças, com páginas que “saltam” do livro, passando por guias visuais para acompanhar o filme de Burton, até versões em mangá e cordel de “Alice” (veja infográfico abaixo).

Mais que um conto de fadas

Com pitadas de surrealismo e nonsense, a saga da garota que despenca em um buraco no jardim e acorda em um mundo fantástico se mostra ainda hoje um tema contemporâneo e atraente, defende a professora de literatura da Universidade de São Paulo Maria dos Prazeres Mendes.

“‘Alice no País das Maravilhas’ é um clássico”, categoriza Maria dos Prazeres, especializada em literatura infantil e juvenil. “[No livro] Carroll constrói uma linguagem inovadora, com marcas imensas de absurdo, que resgata a necessidade de uma adolescente em conhecer-se, adentrar a aventura da descoberta.”

Para a professora, é partindo desse ponto comum a todos – a necessidade de se desvendar e entender – que a obra se mantém atraente para todas as gerações. “‘Alice’ não se equipara a contos de fadas. O efeito cômico, burlesco e popular, explicado em notas, continua atual e universal”, garante.

Pop que remete ao clássico

O interesse dos leitores por “Alice” não é recente. Livrarias vêm observando crescimento na procura por livros da personagem desde o ano passado. “Foi a partir de setembro, bem antes de o filme ter data de lançamento ou mais informações divulgadas, que notamos um aumento na procura”, conta o responsável por compras da Livraria Cultura Rodrigo Cardoso.

“É interessante ver que hoje há um caminho inverso ao que era percorrido anteriormente: agora, em vez de um filme ‘vir’ do livro, é o livro que tem seu apelo ressuscitado pelo cinema. Enxergamos isso acontecendo até com gêneros: ‘Crepúsculo’, por exemplo, fez subir as vendas de ‘O morro dos ventos uivantes’”, revela Cardoso.

“O universo de partida é pop, mas leva o leitor, geralmente adolescente, a travar contato com obras clássicas e de qualidade”. Segundo Cardoso, desde o começo do ano toda filial da rede de livrarias montou um espaço apenas com livros baseados na mais famosa criação de Carroll.

Movimento semelhante foi feito na Livraria da Vila – que criou uma vitrine especial para “Alice” em sua unidade no bairro de Pinheiros (na zona oeste de São Paulo). “Como muitas editoras têm direitos sobre a história, foi grande o número de lançamentos que recebemos. Dar destaque foi a forma encontrada para contemplar tantas novidades”, diz o funcionário de marketing da empresa Júlio César Brugnari.

E o estoque, inclusive, já foi reforçado prevendo uma procura maior após a estreia do filme, adianta.

Fonte:
G1 Pop & Arte.

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Concurso de Redação e Conto para Alunos de Ensino Fundamental (Piracicaba/SP)

TEMA: Cemitério: Cultura, História e Arte.

Poderão participar, na categoria REDAÇÃO, alunos de 11 a 14 anos do Ensino Fundamental da Rede Pública e Particular, e na categoria CONTO, pessoas acima de 18 anos, mediante o cumprimento das seguintes exigências:

1-Na categoria REDAÇÃO, apenas poderão participar com texto digitado que não ultrapasse o limite de 02 (duas) páginas, fonte arial, tamanho 12, espaçamento entrelinhas 1,5.

2-Na categoria CONTO, apenas poderão participar com texto digitado que não ultrapasse o limite de 04 (quatro) páginas, fonte arial, tamanho 12, espaçamento entrelinhas 1,5.

3-Cada participante deverá enviar apenas 01 (um) trabalho e 3 (três) cópias.

4-Cada trabalho deverá ser identificado com título e pseudônimo.

5-As inscrições estarão abertas de 19 de abril a 04 de junho de 2010 mediante a entrega dos trabalhos que deverão ser encaminhados à BibliotecaPública Municipal “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto” localizada na rua doRosário, 833 – Centro, CEP 13.400-183 – Piracicaba/SP; no horário das 9h às 17h, ou através do e-mail concursoartecemiterial@gmail.com .

6-Os trabalhos enviados pelo e-mail, deverão ser em extensão .doc ou PDF.

7-O assunto do e-mail deve conter a categoria do participante; o corpo doe-mail deve conter nome completo, pseudônimo, endereço, e-mail e telefone para contato.

8-Os trabalhos enviados pelo correio ou entregues na Biblioteca, deverão conter outro envelope menor com: nome e endereço completo, pseudônimo, telefone e e-mail. ATENÇÃO:NOS TRABALHOS DEVERÃO CONSTAR APENAS TÍTULO E PSEUDÔNIMO.

9-Os trabalhos serão julgados por uma comissão constituída por 03 membros, que atuam na área de literatura, história e artes plásticas.

10-Premiação e Premios: serão premiados os 3 ( tres) melhores trabalhos, classificados em 1º, 2º e 3º lugar , nas categorias de REDAÇÃO e CONTO.

NA CATEGORIA REDAÇÃO

De 11 a 12 anos
1º lugar- Mp5 player e livro.
2º lugar- Passeio ao Hopi Hari com acompanhante e livro.
3º lugar- Livros

De 13 a 14 anos
1º lugar- Mp5 player e livro.
2º lugar- Passeio ao Hopi Hari com acompanhante e livro.
3º lugar- Livros.
*****************************************************************
NA CATEGORIA CONTO

1º lugar- Câmera fotográfica digital e livro.
2º lugar- Jantar para 2 pessoas no restaurante Carro de Boi e livro.
3º lugar- Livros.

* 11)Os resultados serão divulgados a partir do dia 05 de julho de 2010,pelo blog da Biblioteca Pública Municipal – http://www.bibliotecadepiracicaba.wordpress.com/ pelo site da Secretaria Municipal da Ação Cultural – http://www.semac.piracicaba.sp.gov.br/ pelo site da ABEC – (Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais) – http://www.estudoscemiteriais.com.br/ e pela Imprensa local.

12- Os trabalhos inscritos não serão devolvidos e os premiados poderão ser veiculados pela Secretaria Municipal da Ação Cultural de Piracicaba, pela Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais – ABEC.

13- Os prêmios serão entregues no dia 24 de julho de 2010 (sábado) em cerimônia especial, no Congresso de Artes Cemiteriais realizado pela ABEC e Secretaria Municipal de Ação Cultural –Parque do Engenho Central.

14- O simples envio dos trabalhos implica a aceitação deste regulamento.

15- Casos omissos serão resolvidos pela Comissão Organizadora.

Fonte:
http://agendaculturalpiracicabana.blogspot.com/

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6º Concurso Literário de Suzano

Edição: Carolina Maria de Jesus

Categorias:
1ªConto • 2ª Poesia

Autora homenageada

Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914 em Sacramento, estado de Minas Gerais. Mãe de três filhos, estudou pouco mais de dois anos. Toda sua educação formal na leitura e escrita vem deste pouco tempo de estudos. A obra mais conhecida, com tiragem inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana, e traduzida em mais de 20 idiomas nesses últimos 50 anos é Quarto de Despejo – Diário de uma favelada. Essa obra resgata e delata uma face da vida cultural brasileira quando do início da modernização da cidade de São Paulo e da criação de suas favelas.

Além de Quarto de despejo, Carolina também publicou Casa de alvenaria (1961), Provérbios e Pedaços da fome (1963) e Diário de Bitita (publicação póstuma, realizada em 1982).

A obra de Carolina Maria de Jesus é um referencial importante para os estudos culturais e incentivou centenas de escritores no mundo todo.

Carolina faleceu no dia 13 de fevereiro de 1977.

R e g u l a m e n to

Participação

1- Aberto de 10 de abril á 30 de junho de 2010 a todos os residentes do território nacional. O tema é livre e os trabalhos deverão ser inéditos em qualquer meio (impresso ou virtual) e redigidos em Língua Portuguesa.
Não há limite de idade. Menores de 18 anos deverão trazer ou enviar autorização assinada pelos pais ou responsável.

Inscrições e envios

2- A inscrição é gratuita. Serão aceitos até 2 textos por inscrito, sendo que o participante poderá efetuar a inscrição em apenas uma categoria do concurso. Não é obrigatório inscrever 2 textos.

3- O limite de páginas para a categoria Conto não deve ser superior a 5 (cinco) e para a categoria Poesia não deve ser superior a 3 (três). Nas duas categorias, a apresentação dos trabalhos deverá ser feita em 5 (cinco) vias, em folha sulfite A4, numerada, digitado em uma só face do papel, em fonte Times New Roman, letra 12 (doze) e espaçamento 1,5. Em cada trabalho deve constar o pseudônimo do autor que virá logo abaixo do título.
Os textos que tiverem mais de uma página deverão ser grampeados.

4- Os trabalhos terão de ser acondicionados em um envelope grande padrão, (tamanho aproximado 33×23), tendo dentro desse um outro envelope menor e lacrado, (tamanho aproximado 25×19), contendo a ficha de inscrição com os dados do participante: nome e endereço completos (inclusive CEP), bem como o número telefônico para contato, celular e e-mail, pseudônimo adotado, título dos trabalhos, breve currículo literário e pessoal (máximo 5 linhas), além de um comprovante bancário com o número da conta.

5- O modelo da ficha de inscrição está disponível para download no site: www.suzano.sp.gov.br/agendacultural
Os trabalhos deverão ser acompanhados de um CD onde contenham os textos e o breve currículo literário e pessoal digitados.

6- Na parte externa do envelope menor lacrado, apenas o pseudônimo e os títulos dos trabalhos. Na parte externa do envelope maior, campo remetente, usar o pseudônimo adotado. E o nome 6º Concurso Literário de Suzano – Edição Carolina Maria de Jesus no campo destinatário. Especificar na parte externa dos dois envelopes a categoria que está participando e o âmbito: Regional ou Nacional.

Regional refere-se aos residentes nos municípios do Alto Tietê: Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano. E Nacional se refere aos residentes no Brasil fora dos municípios incluídos no âmbito regional.

7- Os trabalhos deverão ser entregues na: “Secretaria Municipal de Cultura”, aos cuidados da Coordenadoria Literária, ou enviados pelo correio:

6º Concurso Literário de Suzano – Edição Carolina Maria de Jesus
A/C Coordenadoria Literária
Rua Benjamin Constant, 682 –
Centro – Suzano – SP – CEP: 08674-010

8- Apenas serão aceitos os trabalhos entregues até o dia 30 de junho do ano de 2010. Os
trabalhos enviados após esta data ou que não tiverem de acordo com o regulamento, não serão considerados participantes e como os demais, não serão devolvidos. Para os trabalhos enviados pelo correio valerá a data de postagem.
A Prefeitura de Suzano não se responsabiliza por possíveis extravios que possam ocorrer com os trabalhos enviados pelo correio.

Direitos autorais

9- Os participantes deste concurso concordam automaticamente em ceder os direitos para eventual uso das obras pela Prefeitura de Suzano, no período de 3 (três) anos.
Será preservada a menção de crédito, de acordo com a legislação que trata, especificamente de direitos autorais no país.

Comissão julgadora

10- O julgamento dos trabalhos será da inteira competência de uma comissão julgadora, formada por escritores e professores com conhecimentos literários que os tornam amplamente aptos a julgar e classificar os textos.
A decisão dos jurados é irrecorrível.

Critérios de avaliação:
a) Criatividade
b) Literariedade
c) Conteúdo

Resultado

11- O resultado deste concurso será divulgado a todos os participantes no sarau “Pavio da Cultura” – Sessão Solene, dia 11 de setembro de 2010, no Centro de Educação e Cultura “Francisco Carlos Moriconi”, Rua Benjamin Constant, 682, Centro, Suzano, SP. O resultado somente estará disponível para consulta na internet a partir do dia 14 de setembro.

Só serão divulgados os dez primeiros ganhadores de cada categoria.

Premiação

12- A premiação, válida para as duas categorias deste concurso, será:

1º Lugar regional conto: R$ 900,00 (novecentos reais)
1º Lugar regional poesia: R$ 900,00 (novecentos reais)
1º Lugar nacional conto: R$ 900,00 (novecentos reais)
1º Lugar nacional poesia: R$ 900,00 (novecentos reais)

13- Os 10 (dez) primeiros classificados de cada categoria participarão da tradicional revista “Trajetória Literária” de nº 6 que será lançada no dia 11 de dezembro de 2010. Essa publicação é ilustrada e não se restringe apenas ao círculo dos autores. Ela é doada a centenas de bibliotecas por todo o Brasil e para departamentos de cultura dos países de Língua Portuguesa.

14- Cada um dos 10 classificados em cada categoria receberá 20 exemplares da revista.
Os que residirem fora do município de Suzano e que quiserem receber sua cota pelo correio arcarão com as despesas do envio.

15- Os casos não previstos neste regulamento serão resolvidos pela comissão organizadora deste concurso.

16- O ato da inscrição neste concurso, implica na aceitação plena dos termos acima.

Obs: Não deixe para fazer sua inscrição nos últimos dias!

Cronograma do concurso:

– Inscrições: de 10 de abril à 30 de junho (através do regulamento e entrega no local das inscrições pessoalmente ou pelo correio)
– Resultado: 11 de setembro (Centro de Educação e Cultura “Francisco Carlos Moriconi”)
– Resultado na internet: 14 de setembro (Site da Prefeitura de Suzano e no blog da Associação Cultural Literatura no Brasil)
– Lançamento da revista “Trajetória Literária” n° 6: 11 de dezembro

Informações específicas:
(11) 7348-0400

Informações gerais:
cultura@suzano.sp.gov.br

Site da Prefeitura de Suzano
www.suzano.sp.gov.br/agendacultural

Blog da Associação Cultural Literatura no Brasil
http://www.literaturanobrasil.blogspot.com/

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Érico Verissimo (Os Devaneios do General)

Abre-se uma clareira azul no escuro céu de inverno.

O sol inunda os telhados de Jacarecanga. Um galo salta para cima da cerca do quintal, sacode a crista vermelha que fulgura, estica o pescoço e solta um cocoricó alegre. Nos quintais vizinhos outros galos respondem.

O sol! As poças d’água que as últimas chuvas deixaram no chão se enchem de jóias coruscantes. Crianças saem de suas casas e vão brincar nos rios barrentos das sarjetas. Um vento frio afugenta as nuvens para as bandas do norte e dentro de alguns instantes o céu é todo um clarão de puro azul.

O General Chicuta resolve então sair da toca. A toca é o quarto. O quarto fica na casa da neta e é o seu último reduto. Aqui na sombra ele passa as horas sozinho, esperando a morte. Poucos móveis: a cama antiga, a cômoda com papeis velhos, medalhas, relíquias, uniformes, lembranças; a cadeira de balanço, o retrato do Senador; o busto do Patriarca; duas ou três cadeiras… E recordações… Recordações dum tempo bom que passou, — patifes! — dum mundo de homens diferentes dos de hoje. — Canalhas! — duma Jacarecanga passiva e ordeira, dócil e disciplinada, que não fazia nada sem primeiro ouvir o General Chicuta Campolargo.

O general aceita o convite do sol e vai sentar-se à janela que dá para a rua. Ali está ele com a cabeça atirada para trás, apoiada no respaldo da poltrona. Seus olhinhos sujos e diluídos se fecham ofuscados pela violência da luz. E ele arqueja, porque a caminhada do quarto até a janela foi penosa, cansativa. De seu peito sai um ronco que lembra o do estertor da morte.

O general passa a mão pelo rosto murcho: mão de cadáver passeando num rosto de cadáver. Sua barbicha branca e rala esvoaça ao vento. O velho deixa cair os braços e fica imóvel como um defunto.

Os galos tornam a cantar. As crianças gritam. Um preto de cara reluzente passa alegre na rua com um cesto de laranjas à cabeça.

Animado aos poucos pela ilusão de vida que a luz quente lhe dá, o general entreabre os olhos e devaneia…

Jacarecanga! Sim senhor! Quem diria? A gente não conhece mais a terra onde nasceu… Ares de cidade. Automóveis. Rádios. Modernismos. Negro quase igual a branco. Criado tão bom como patrão. Noutro tempo todos vinham pedir a benção ao General Chicuta, intendente municipal e chefe político… A oposição comia fogo com ele.

O general sorria a um pensamento travesso. Naquele dia toda a cidade ficou alvoroçada. Tinha aparecido na “Voz de Jacarecanga” um artigo desaforado… Não trazia assinatura. Dizia assim: “A hiena sanguinária que bebeu o sangue dos revolucionários de 93 agora tripudia sobre a nossa mísera cidade desgraçada”. Era com ele, sim, não havia dúvida. (Corria por todo o Estado a sua fama de degolador.) Era com ele! Por isso Jacarecanga tinha prendido fogo ao ler o artigo. Ele quase estourou de raiva. Tremeu, bufou, enxergou vermelho. Pegou o revólver. Largou. Resmungou “Patife! Canalha!” Depois ficou mais calmo. Botou a farda de general e dirigiu-se para a Intendência. Mandou chamar o Mendanha, diretor do jornal. O Mendanha veio. Estava pálido. Era atrevido mas covarde. Entrou de chapéu na mão, tremendo. Ficaram os dois sozinhos, frente a frente.

— Sente-se, canalha!

O Mendanha obedeceu. O general levantou-se. (Brilhavam os alamares dourados contra o pano negro do dólmã.) Tirou da gaveta da mesa a página do jornal que trazia o famoso artigo. Aproximou-se do adversário.

— Abra a boca! — ordenou.

Mendanha abriu, sem dizer palavra. O general picou a página em pedacinhos, amassou-os todos numa bola e atochou-a na boca do outro.

— Come! — gritou.

Os olhos de Mendanha estavam arregalados. O sangue lhe fugira do rosto.

— Coma! — sibilou o general.

Mendanha suplicava com o olhar. O general encostou-lhe no peito o cano do revolver e rosnou com raiva mal contida.

— Coma, pústula!

E o homem comeu.

Um avião passa roncando por cima da casa, cujas vidraças trepidam. O general tem um sobressalto desagradável. A sombra do grande pássaro se desenha lá em baixo, no chão do jardim. O general ergue o punho para o ar, numa ameaça.

— Patifes! Vagabundos, ordinários! Não têm mais o que fazer? Vão pegar no cabo duma enxada, seus canalhas. Isso não é serviço de homem macho.

Fica olhando, com olho hostil, o avião amarelo que passa voando rente aos telhados da cidade.

No seu tempo não havia daquelas engenhocas, daquelas malditas máquinas. Para que servem? Para matar gente. Para acordar quem dorme. Para gastar dinheiro. Para a guerra. Guerras covardes, as de hoje! Antigamente brigava-se em campo aberto, peito contra peito, homem contra homem. Hoje se metem os poltrões nesses “banheiros” que voam, e lá de cima se põem a atirar bombas em cima da infantaria. A guerra perdeu toda a sua dignidade.

O general remergulha no devaneio.

93… Foi lindo. O Rio Grande inteiro cheirava a sangue. Quando se aproximava a hora do combate, ele ficava assanhado. Tinha perto de cinqüenta anos mas não se trocava por nenhum rapaz de vinte.
Por um instante, o general se revê montado no seu tordilho, teso e glorioso, a espada chispando ao sol, o pala voando ao vento… Vejam só! Agora está aqui, um caco velho, sem força nem serventia, esperando a todo instante a visita da morte. Pode entrar. Sente-se. Cale a boca!

Morte… O general vê mentalmente uma garganta aberta sangrando. Fecha os olhos e pensa naquela noite… Naquela noite que ele nunca mais esqueceu. Naquela noite que é uma recordação que o há de acompanhar decerto até o outro mundo… se houver outro mundo.

Os seus vanguardeiros voltaram contando que a força revolucionária estava dormindo desprevenida, sem sentinelas… Se fizessem um ataque rápido, ela seria apanhada de surpresa. O general deu um pulo. Chamou os oficiais. Traçou o plano. Cercariam o acampamento inimigo. Marchariam no maior silêncio e, a um sinal, cairiam sobre os “maragatos”. Ia ser uma festa! Acrescentou com energia: “Inimigo não se poupa. Ferro neles!”

Sorriu um sorriso torto de canto de boca. (Como a gente se lembra dos mínimos detalhes…) Passou o indicador da mão direita pelo próprio pescoço, no simulacro duma operação familiar… Os oficiais sorriam, compreendendo. O ataque se fez. Foi uma tempestade. Não ficou nenhum prisioneiro vivo para contar dos outros. Quando a madrugada raiou, a luz do dia novo caiu sobre duzentos homens degolados. Corvos voavam sobre o acampamento de cadáveres. O general passou por entre os destroços. Encontrou conhecidos entre os mortos, antigos camaradas. Deu com a cabeça dum prisioneiro fincada no espeto que na tarde anterior servira aos maragatos para assar churrasco. Teve um leve estremecimento. Mas uma frase soou-lhe na mente: “Inimigo não se poupa”.

O general agora recorda… Remorso? Qual! Um homem é um homem e um gato é um bicho.

Lambe os lábios gretados. Sede. Procura gritar:

— Petronilho!

A voz que sai da garganta é tão remota e apagada que parece a voz de um moribundo, vinda do fundo do tempo, dum acampamento de 93.

— Petronilho! Negro safado! Petronilho!

Começa a bater forte no chão com a ponta da bengala, frenético. A neta aparece à porta. Traz nas mãos duas agulhas vermelhas de tricô e um novelo de lã verde.
— Que é, vovô?

— Morreu a gente desta casa? Ninguém me atende. Canalhas! Onde está o Petronilho?

— Está lá fora, vovô.

— Ele não ganha pra cuidar de mim? Então? Chame ele.

— Não precisa ficar brabo, vovô. Que é que o senhor quer?

— Quero um copo d’água. Estou com sede.

— Por que não toma suco de laranja?

— Água, eu disse.

A neta suspira e sai. O general entrega-se a pensamentos amargos. Deus negou-lhe filhos homens. Deu-lhe uma única filha mulher que morreu no dia em que dava à luz uma neta. Uma neta! Por que não um neto, um macho? Agora aí está a Juventina, metida o dia inteiro com tricôs e figurinos, casada com um bacharel que fala em socialismo, na extinção dos latifúndios, em igualdade. Há seis anos nasceu-lhe um filho. Homem, até que enfim! Mas está sendo mal educado. Ensinam-lhe boas maneiras. Dão-lhe mimos. Estão a transformá-lo num maricas. Parece uma menina. Tem a pele tão delicada, tão macia, tão corada… Chiquinho… Não tem nada que lembre os Campolargos. Os Campolargos que brilharam na guerra do Paraguai, na Revolução de 1893 e que ainda defenderam o governo em 1923…

Um dia ele perguntou ao menino:

— Chiquinho, você quer ser general como o vovô?

— Não. Eu quero ser doutor como o papai.

— Canalhinha! Patifinho!

Petronilho entra, trazendo um copo de suco de laranja.

— Eu disse água! — sibila o general.

O mulato sacode os ombros.

— Mas eu digo suco de laranja.

— Eu quero água. Vá buscar água, seu cachorro!

Petronilho responde sereno:

— Não vou, general de bobagem…

O general escabuja de raiva, esgrime a bengala, procurando inutilmente atingir o criado. Agita-se todo, num tremor desesperado.

— Canalha! — cicia arquejante — Vou te mandar dar umas chicotadas!

— Suco de laranja — cantarola o mulato.

— Água! Juventina! Negro patife! Cachorro!

Petronilho sorri:

— Suco de laranja, seu sargento!

Com um grito de fera o general arremessa a bengala na direção do criado. Num movimento ágil de gato, Petronilho quebra o corpo e esquiva-se do golpe.

O general se entrega. Atira a cabeça para trás e, de braços caídos, fica todo trêmulo, com a respiração ofegante e os olhos revirados, uma baba a escorrer-lhe pelos cantos da boca mole, parda e gretada.

Petronilho sorri. Já faz três anos que assiste com gozo a esta agonia. Veio oferecer-se de propósito para cuidar do general. Pediu apenas casa, comida e roupa. Não quis mais nada. Só tinha um desejo: ver os últimos dias da fera. Porque ele sabe que foi o general Chicuta Campolargo que mandou matar o seu pai. Uma bala na cabeça, os miolos escorrendo para o chão… Só porque o mulato velho na última eleição fora o melhor cabo eleitoral da oposição. O general chamou-o a intendência. Quis esbofeteá-lo. O mulato reagiu, disse-lhe desaforos, saiu altivo. No outro dia…

Petronilho compreendeu tudo. Muito menino, pensou na vingança mas, com o correr do tempo, esqueceu. Depois a situação política da cidade melhorou. O general aos poucos foi perdendo a autoridade. Hoje os jornais já falam na “hiena que bebeu em 93 o sangue dos degolados”. Ninguém mais dá importância ao velho. chegou aos ouvidos de Petronilho a notícia de que a fera agonizava. Então ele se apresentou como enfermeiro. Agora goza, provoca, desrespeita. E fica rindo… Pede a Deus que lhe permita ver o fim, que não deve tardar. É questão de meses, de semanas, talvez até de dias… O animal passou o inverno metido na toca, conversando com os seus defuntos, gritando, dizendo desaforos para os fantasmas, dando vozes de comando: “Romper fogo! Cessar Fogo! Acampar”.

E recitando coisas esquisitas. “V. Exa. precisa de ser reeleito para glória do nosso invencível Partido”. Outras vezes olhava para o busto e berrava: “Inimigo não se poupa. Ferro neles”.

Mais sereno agora, o general estende a mão pedindo. Petronilho dá-lhe o copo de suco de laranja. O velho bebe, tremulamente. Lambendo os beiços, como se acabasse de saborear o seu prato predileto, o mulato volta para a cozinha, a pensar em novas perversidades.

O general contempla os telhados de Jacarecanga. Tudo isto já lhe pertenceu… Aqui ele mandava e desmandava. Elegia sempre os seus candidatos; derrubava urnas, anulava eleições. Conforme a sua conveniência, condenava ou absolvia réus. Certa vez mandou dar uma sova num promotor público que não lhe obedeceu à ordem de ser brando na acusação. Doutra feita correu a relho da cidade um juiz que teve o caradurismo de assumir ares de integridade de opor resistência a uma ordem sua.

Fecha os olhos e recorda a glória antiga.

Um grito de criança. O general baixa os olhos. No jardim, o bisneto brinca com os pedregulhos do chão. Seus cabelos louros estão incendiados de sol. O general contempla-o com tristeza e se perde em divagações…

Que será o mundo de amanhã, quando Chiquinho for homem feito? Mais aviões cruzarão nos céus. E terá desaparecido o último “homem” da face da terra. Só restarão idiotas efeminados, criaturas que acreditam na igualdade social, que não têm o sentido da autoridade, fracalhões que não se hão de lembrar dos feitos dos seus antepassados, nem… Oh! Não vale a pena pensar no que será amanhã o mundo dos maricas, o mundo de Chiquinho, talvez o último dos Campolargos!

E, dispnéico, se entrega de novo ao devaneio, adormentado pela carícia do sol.

De repente, a criança entra de novo na sala, correndo, muito vermelho:

— Vovô! Vovô!

Traz a mão erguida e seus olhos brilham. Faz alto ao pé da poltrona do general.

— A lagartixa, vovozinho…

O general inclina a cabeça. Uma lagartixa verde se retorce na mãozinha delicada, manchada de sangue. O velho olha para o bisneto com ar interrogador. Alvorotado, o menino explica:

— Degolei a lagartixa, vovô!

No primeiro instante o general perde a voz, no choque da surpresa. Depois murmura, comovido:

— Seu patife! Seu canalha! Degolou a lagartixa? Muito bem. Inimigo não se poupa. Seu patife!

E afaga a cabeça do bisneto, com uma luz de esperança nos olhos de sáurio.

Fonte:
“Entrevero”. Porto Alegre: L&PM, 1984. (edição especial para MPM Propaganda).

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André Carneiro (Livro de Poesias)

ARQUEOLOGIA

0 agora é estrela cadente
na subterrânea memória.
Com pincéis delicados
limpo restos à procura da história.
Homem de Piltdown, quero avós primatas.
Arqueólogo amador,
em elos antigos
acrescento asas.
No retrato falta
a ruga deste instante,
o verso vive atrás
sua melhor face.
0 imediato relâmpago submerge em cinzas cinzentas.
A mão com a caneta reinventa no branco do caderno.
Faíscas atrás da testa são
fósseis do amanhã,
neurônios incendeiam
as melhores sinapses
e o poema desaparece
nas placas tectônicas
das bibliotecas.

FIM DO ANO

0 futuro é um pássaro assustado
na direção da minha testa.
Recuo, às vezes, mas a terra
gira satélites implacáveis.
Calendários são
asas na madrugada
dissolvidas à meia noite.
Enterro o relógio,
misturo a matemática,
não adivinho se é sábado, aniversário
ou desfile da independência ou morte,
Chove, as nuvens surpresas
escorrem no cimento,
a terra seca morre sepultada
com seus olhos de areia.
Algumas espécies desaparecem hoje,
os lemingues engolem as ondas
no suicídio inexplicável.
Perdemos o centro do universo,
abandonados pelos deuses
somos primatas apenas.
Falta o alienígena descer
da nave resplandecente
e partir de novo movendo
frustrados tentáculos.
Nossa escrita
nem golfinhos
compreendem,
mas decifro a língua
da abelha dançarina.
Há muita esperança no amor.
Todos se cumprimentam,
mostram dentes limpos,
presentes com largas
fitas vermelhas.
Escrevo o poema adolescente
esquecido na minha inocente cabeça.

FLORESTAS QUEIMADAS

0 correto é sinuoso.
Atravessar o asfalto de olhos fechados
economiza tardias agonias sem alvo.
Cada palavra gritada
tem dicionário diverso.
Letras deslizam pelos olhos,
o som o dente mastiga,
a vogal mordida perfura o tímpano,
o ‘não’ salta dos lábios
como um rato assassino.
Há um jeito de perfumar sentenças,
mostrar o mel de virgens letras obscenas.
Como os caninos das serpentes,
há letras molhadas
com o ácido corrosivo
do olhar sem brilho.
Calada, sei quando ela
pensa em nuvens macias
ou estrangula insetos
com os pés em curva.
Faço versos com verbetes alheios.
Arrisco confundir
finjo com pretendo,
loucura com a doçura
do momento em segredo,
o espelho no teto e a porta fechada.
Alienígenas sem lábios, canetas e livros
transmitem o que pensam.
Nossas palavras ditas ou escritas
são ininteligíveis fora deste uni
verso de primatas solitários,
sem dinossauros nas
florestas queimadas.

AS RETICÊNCIAS

Anseio manobrar a língua
dos fatos sólidos
e a outra,
do sentimento abstrato,
explosiva no ódio até
a úmida ternura do beijo.
Palavras com cores diversas,
cinzas e vermelhos
marcando sangue na página.
Haverá um teclado
medindo a tensão de cada dedo,
a mágica apaga versos frouxos,
letras borboletas voam
e pregam mensagens
no teto dos amores fugidios.
Tenho só um dicionário roto,
dedos hesitantes e o
sorriso do humor necessário.
Meu diário é suposto,
foto desfocada da
vida em movimento.
Tento transmitir
apelo, medo, desejo,
nas palavras alinhadas,
tímidos soldados
antes da luta.
É raro saber o gosto alheio
pelo abstrato alimento.
Depois de algumas linhas,
o fim vale como vírgula
para o futuro ignoto
das reticências.

ONTEM SOBRE ONTEM

Buzino para a pomba gorda
na rua empoeirada.
Cães não se conformam
com as rodas estranhas.
Reclinada no banco
você se queixa de algo,
talvez a salada murcha
ou minha ânsia de pontualidade,
ou dos franceses vindos para o lanche.
Engulo a estrada,
quase ultrapasso o caminhão fantasma,
mas não enfrento a mão errada
na curva rodovia dos atos.
Abro o portão eletrônico,
o carro arrefece a ânsia cega
e descansa as válvulas de aço.
Seus átomos, prótons e neutrons
sustentam sua matéria sem veias e nervos.
Escadas, fechos e travesseiros
também são feitos com a fórmula
da minha carne primata, de peixe e vertebrado.
0 cenário eu construo,
não importa se gestos são
pensamentos na matéria cinzenta.
Circulo e falo, cada palavra é signo,
sugere algo abstrato ou sólido aparente,
provoca atos da carne ansiosa.
Somos os documentos nas gavetas,
arquivos, fitas magnéticas.
Diante do inquisidor
inventamos as respostas.
Se o espelho devolve outro rosto,
a chave não abre a porta,
o desespero enlouquece com a perda do ontem.
Aqui, agora, duram milionésimos de segundo.
0 calendário imobiliza o passado.
Até o futuro do sonho acordado
mora na memória.
Sinto a batida da veia com o dedo,
o sangue já fugiu do braço,
o beijo caiu no abismo,
o orgasmo é clarão do incêndio,
corre o espermatozóide,
abraça o óvulo, inventa olhos e pernas,
salta para a mãe apertado nos braços,
cresce a cada instante, talvez escreva versos,
rugas, cabelos brancos,
ontem sobre ontem a humanidade inteira.
===========

Fonte:
Colaboração do autor.

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O Outro Lado do Quadro-Negro

Trecho de Pesquisa coletiva realizada como parte integrante da disciplina DISCURSO PEDAGÓGICO, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Letras, ministrada pela Profª Maria Lucia M. Carvalho Vasconcelos, no 1º semestre de 1996. Autores: Cláudio Dubois, Maria da Graça Hernandes Moura, Wanderci José dos Santos, Elisabeth Virag Garcia, Maristela de Carvalho, Maysa Monção Gabrielli, Ana Lúcia Moura de Oliveira, Kátia Kobal e Maria José Costa.

A expectativa de nossa sociedade, quanto à educação, é a preparação de cidadãos/alunos para a vida e sua formação para o exercício profissional, porém observamos vários fatores que têm desmotivado professores e alunos nesse processo, dentre os quais salientamos: a falta de condições materiais à escola, principalmente à escola pública de 1º e 2º graus; o sentimento de impotência, gerado pela ideologia decorrente de um sistema sócio-econômico baseado no desejo (ganância?) do lucro fácil e rápido, em detrimento da qualidade e dos objetivos a que se propõe a educação; a falta de condições instrumentais do professor, que lhe garantam a capacitação adequada para o exercício profissional.

Em busca de soluções que levem modificações ao ensino, ressaltamos a importância daquelas que possibilitem a valorização e o aperfeiçoamento do professor, devido ao seu papel direcionador na relação pedagógica, de inegável relevância política e social.

Dentro desse contexto, torna-se imprescindível a participação das universidades, criando novas metodologias, levantando e discutindo propostas para a melhoria da qualidade da educação, cabendo à sociedade a decisão quanto à efetivação das mudanças.

Os valores e a realidade da educação variam conforme as tendências sócio-históricas que a envolvem, podendo transformar a função de educar em um simples ato mecânico, rotina de sala de aula. Conseqüentemente, o professor deve manter-se atento à sua maneira de ser e agir enquanto profissional.

O reconhecimento da importância do professor no desempenho de seu papel de educador não depende exclusivamente dele, mas principalmente da escola como instituição social, o que somente se efetiva em decorrência dos valores determinados pela sociedade.

a) O DISCURSO PEDAGÓGICO

A teoria da Análise do Discurso que utilizamos para o estudo das falas dos entrevistados segue a linha de tendência européia. Essa linha de tendência apóia-se nos estudos de Bakhtin, que nos apresenta uma abordagem nova da linguagem, ao afirmar que a matéria lingüística é apenas uma parte do enunciado e que existe também uma outra parte, não-verbal, que corresponde ao contexto da enunciação.

Ao ser atribuído valor ao contexto do enunciado, este passa a não ser mais considerado ato individual, pois o indivíduo não estaria constituindo sozinho os significados de seu discurso. Segundo Brandão, essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel fundamental para determinar o significado do que se diz, posiciona a enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social.

Para Bakhtin,
“a palavra é o signo ideológico por excelência, pois, produto da interação social, ela se caracteriza pela plurivalência. Por isso é o lugar privilegiado para a manifestação da ideologia; retrata as diferentes formas de significar a realidade, segundo vozes, pontos de vista daqueles que a empregam. Dialógica por naturaza, a palavra se transforma em arena de luta de vozes que, situadas em diferentes posições, querem ser ouvidas por outras vozes.” (Bakhtin, 1979).

O discurso seria lugar de conflito, de confronto de idéias, em que as condições sócio-históricas passam a exercer papel fundamental na constituição dos significados que são produzidos.

Para compreendermos o discurso pedagógico, torna-se necessário analisar o contexto social que permite sua produção, o lugar que asociedade destaca para o professor e como o professor nele se insere. Segundo Pêcheux, hános mecanismos de toda formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso.

Qual seria, portanto, a relação entre o discurso do professor e a sociedade?

A nossa sociedade concede ao professor o lugar de autoridade, e autoridade que detém o saber. Esse contexto sócio-histórico permite que seja estabelecida para o professor uma posição privilegiada em relação aos seus alunos, em que o sujeito se pretende único, e porque entende-se dono do conhecimento, faz uso do discurso autoritário. O sujeito que fala é um sujeito ideológico. “Sua fala é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social. Dessa forma, como ser projetado num espaço e num tempo e orientado socialmente, o sujeito situa o seu discurso em relação aos discursos do outro.” (LUCKESI, 1994)

“Em geral, e a não ser numa minoria dos casos, parece que o senso comum é o seguinte: para ser professor no sistema de ensino escolar, basta tomar um certo conteúdo, preparar-se para apresentá-lo ou dirigir o seu estudo, ir para uma sala de aula, tomar conta de uma turma de alunos e efetivar o ritual da docência: apresentação de conteúdos, controle dos alunos, avaliação da aprendizagem, disciplinamento, etc. Ou seja, a atividade de docência tornou-se uma rotina comum, sem que se pergunte se ela implica ou não decisões contínuas, constantes e precisas, a partir de um conhecimento adequado das implicações do processo educativo na sociedade.” (LUCKESI, 1994)

A prática pedagógica diária pouco tem levado em conta a reflexão crítica sobre o que vem a ser o conhecimento e o seu processo. O senso comum pedagógico manifesta um entendimento idealista do que seja o conhecimento. É como se o conhecimento não tivesse história e não tivesse acertos e erros. O que se diz é assumido como se sempre tivesse sido assim. No entanto, o conhecimento tem história, está eivado de desvios por interesses de uns ou de outros. O senso comum interessa à situação conservadora da sociedade em que vivemos, em função de que ela não possibilita o surgimento de uma “massa crítica” de seres humanos pensantes e ativos na sociedade. O senso comum é o meio fundamental para a proliferação da manipulação das informações, das condutas e dos atos políticos e sociais dos dirigentes dos setores dominantes da sociedade.

Este trabalho questiona esse senso comum, procurando esclarecer o papel do professor e sua real importância para a sociedade.

O PAPEL DO PROFESSOR

“O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não pode reconhecer-se no produto de seu trabalho, porque as condições desse trabalho, suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador, mas do proprietário das condições do trabalho. Como se não bastasse, o fato de que o produtor não se reconheça no seu próprio produto, não o veja como resultado de seu trabalho, faz com que o produto surja como um poder que o domina e o ameaça”.(CHAUÍ, 1995)

O ser humano é prático, ativo, uma vez que é pela ação que modifica o meio ambiente que o cerca. É um ser que age no contexto da trama das relações sociais, que, em última instância, caracteriza-se pela posse ou não de meios sociais de produção.

Segundo Luckesi, a ação humana exercida coletivamente sobre a natureza, possibilita ao ser humano compreender e descobrir o seu próprio modo de agir. “A ação prática sobre a realidade desperta e desenvolve o entendimento, a capacidade de compreensão e a emergência de níveis de abstração mais complexos”.(LUCKESI, 1994)

Paulo Freire associa o conceito de ação ao conceito de compromisso. Segundo ele, compromisso é decisão lúcida e profunda do homem em usar sua capacidade de agir e refletir para se inserir criticamente no mundo numa atitude objetiva de compreensão da realidade, de luta para transpor os limites impostos pelo mundo, e atuando sobre ele, transformá-lo. Essa inserção crítica produz efeitos no exercício profissional que contribuem para o bem estar coletivo.

Porém, historicamente, o ser humano é dimensionado tanto pela complexidade, sagacidade, inteligência, entendimento, quanto pela alienação, pelo afastamento de si próprio, pois que ele é construído pelo trabalho que ao mesmo tempo constrói e aliena. Não podemos separar esses dois elementos, o criativo e o alienado. Esta é a enorme contradição, o trabalho que cria e aliena. Portanto, torna-se normal nos discursos, a contradição. A personalidade humana é contraditória como contraditória é a sociedade. “O ser humano não é o que ele diz de si mesmo, mas aquilo que as condições objetivas da história possibilitam que ele seja. A alienação surge, individualmente, pela alienação do produto do próprio trabalho, da própria ação.” (CHAUÍ, 1995)

Qual seria, portanto, o papel do professor e como ele estaria enfrentando essa dualidade de trabalho que constrói e aliena?

O professor, segundo Luckesi (1994), é um ser humano construtor de si mesmo e da história através da ação, é determinado pelas condições e circunstâncias que o envolvem. É condicionado e condicionador da história. Tem um papel específico na relação pedagógica, que é a relação de docência.

Na práxis pedagógica, o educador é aquele que, tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade, dá direção ao ensino e à aprendizagem. Ele assume o papel de mediador entre a cultura elaborada acumulada e em processo de acumulação pela humanidade, e o educando.

Ele exerce o papel de um dos mediadores sociais entre o universal da sociedade e o particular do educando. Para tanto, o educador deve possuir algumas qualidades, tais como: compreensão da realidade para a qual trabalha, comprometimento político, competência no campo teórico de conhecimento em que atua e competência técnico-profissional.

A ação docente tem sentido e significado crítico, consciente e explícito. A alienação de seu trabalho ocorre quando ele ignora a realidade à sua volta, e reduz seu trabalho a uma rotina de sala de aula, cujo objetivo restringe-se à mera transmissão de informações, postura que não condiz com seu papel de educador.

Educar é, segundo Freire (1979), completar, porque o homem é ser inacabado, que sabe disso e por isso se educa. O saber se faz através de uma superação constante, por isso não pode o professor se colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo (é preciso saber reconhecer quando os educandos sabem mais e fazer com que eles também saibam com humildade).

O discurso autoritário perde seu sentido na prática pedagógica. Segundo proposta de Eni (1987), o discurso do professor deve se tornar polêmico, “efeito de sentidos e não transmissão de informação”. Tornar o discurso polêmico é “ser ouvinte do próprio texto e do outro”. A transformação do discurso pedagógico possibilitará a revisão da práxis pedagógica, que sairá de dentro das escolas para as ruas, invadindo a vida, o mundo. A postura do professor influencia a postura do aluno, e o seu posicionamento de ouvinte, de aceitação da polêmica no diálogo, abrirá o caminho para a crítica e a conseqüente discussão da realidade.

O discurso autoritário não cria contexto para a transformação. serve de instrumento para a acomodação, porque condena o homem à repetição histórica, impedindo a polêmica que questione o sentimento de impotência do homem frente à sua realidade, impedindo o resgate da confiança de que o homem pode criar no presente ações que concretizem um futuro novo, que rompa com a tradição do passado.

O discurso autoritário é surdo. O debate que levanta sobre a realidade e os problemas enfrentados só transfere responsabilidades, e por transferir responsabilidades, não é capaz de mobilizar a sociedade. Se a discussão gira em torno dos problemas educacionais, afirma que o problema é de responsabilidade do aluno que não estuda mais, que não demonstra interesse pelas aulas, da direção da escola que não orienta ou não apóia adequadamente os professores, dos políticos que impõem diretrizes sem ouvir os profissionais da educação, ou dos professores que não se preparam devidamente para exercer o magistério, etc. É um discurso que impede a organização dos homens e sua visão crítica sobre os problemas, impedindo ações eficazes.

O discurso polêmico inverte os efeitos do discurso autoritário. Ele assume a responsabilidade individual pela transformação da realidade coletiva, ao permitir que os homensse ouçam, que os problemas sejam discutidos racionalmente, de forma objetiva, possibilitando a conscientização da realidade, e a enumeração dos obstáculos. Amadurecida a compreensão dos problemas, as causas são relacionadas e os homens podem então elaborar planos de ação conjunta, que viabilizem ações que levem à real solução dos problemas encontrados.

O objetivo da prática pedagógica é promover o homem a sujeito de sua própria educação. Despertar no homem a consciência de que ele não está pronto, despertar nele o desejo de se complementar, capacitá-lo ao exercício de uma consciência crítica de si mesmo, do outro e do mundo.

Segundo Jean Foucambert (1994), todo aprendizado é uma forma de resposta ao desequilíbrio, portanto, desenvolver a consciência crítica acerca do nosso valor como seres humanos e de nosso trabalho enquanto profissionais, é imprescindível para o estabelecimento do equilíbrio na auto-estima humana. A baixa na auto-estima impede o desenvolvimento das potencialidades do homem, reduz sua capacidade de agir porque o faz desacreditar de seu valor e da importância de seu trabalho, portanto se relaciona ao não aprendizado do valor de si mesmo. Por outro lado, a auto-estima elevada se relaciona ao não aprendizado do valor do outro, o que causa distanciamento entre os homens, impede a troca de experiências, o crescimento conjunto, e a união de esforços para a solução de problemas comuns, desvirtuando a finalidade real do trabalho, que é tanto servir à promoção individual quanto ao bem estar coletivo.

Transcrevemos a seguir trechos das falas dos entrevistados desta pesquisa e suas respectivas análises:

“Eu me considero (realizado), sim. faço exatamente o que gosto. não olho as cifras.”

O discurso do sujeito reproduz a fala alienante sobre a questão salarial, impedindo a conscientização do profissional acerca do valor de seu trabalho, que necessita ser adequadamente remunerado, condição imprescindível para o equilíbrio em sua auto-estima. Essa fala é ideológica, pois afasta do indivíduo a possibilidade de reivindicação.

(Você recomendaria o magistério ao seu filho?) “…só se for muito predestinado como eu.”

Ao afirmar sua predestinação ao magistério, o sujeito faz uso de um discurso que destitui a escolha profissional de seu caráter de liberdade, não a relacionando a uma opção consciente e crítica. É uma fala que procura manter a ordem social, que estipula para o homem uma posiçãopredestinada, impedindo o questionamento dessa ordem e sua mudança. Tal discurso causa um sentimento de impotência frente ao presente e uma acomodação quanto ao futuro.

“Minha expectativa quanto à profissão, na época em que me formei, em termos de ideal, acho que aumentou. Eu ainda acredito nesta profissão. É uma pena que muitos não acreditem.”

Esse discurso vincula profissão a ideal, desconsiderando que professores são profissionais, com direito à satisfação de suas expectativas, que dizem respeito a salário e condições de trabalho adequados, não a ideais. É um discurso eufórico, que exacerba a importância do trabalho, em detrimento da discussão sobre as circunstâncias adversas em que esse trabalho é produzido, levando os profissionais a adotarem uma atitude de abnegação, de resignação.

“Sim (considera-se realizado profissionalmente), só sonho em um dia poder ganhar bem e fazer jus ao meu trabalho.”

O discurso acima revela um sujeito consciente de que seu salário não corresponde ao seu desempenho profissional. o sujeito apresenta auto-estima equilibrada, pois reconhece seu valor e de seu trabalho. a palavra sonho revela que as dificuldades para a concretização do desejo de ganhar bem não podem ser vencidas individualmente, mas dependem das circunstâncias históricas determinadas pela sociedade, motivo pelo qual seu direito salarial encontra-se reduzido a uma esperança salarial (o que é menor ainda que uma expectativa).

“As cinco profissões básicas são: o professor, o político, o advogado (o homem das leis), o médico e o arquiteto. O professor já existia desde a Grécia. Era o pedagogo. Sabia que o pedagogo era escravo naquela época? O professor sempre teve isso de escravo. Começou daí.”

Ao comparar sua profissão à do escravo, o sujeito se coloca numa posição hierarquicamente inferior na relação de poder (só recebe ordens e possui somente deveres). Esse discurso revela uma ideologia alienante, na qual o sujeito se vê sem liberdade de escolha, sem opção de mudança, portanto, acomodado, tendo em vista que a realidade lhe é apresentada como fruto de um passado que tende a perpetuar-se.

“Os tecnocratas estão lá em cima e dizem que tem de ser assim, mas eles não têm a prática que o professor tem, e o professor nunca é consultado para saber o que poderia ser feito. Nunca. Quando vem, vem a ordem e acabou.”

Esse é o discurso autoritário reproduzido pelo sistema, no qual os políticos (tecnocratas) não ouvem a opinião do povo, nem a solicitam, tanto em relação à educação quanto aos demais setores de interesse da sociedade. Esse comportamento é fato social, reproduzido freqüentemente nas relações humanas, em casa, no trabalho, na escola, impedindo a liberdade do sujeito de participar, criticar sua própria atuação e a do outro, cobrar melhor desempenho de ambos e construir mudanças que viabilizem uma sociedade onde haja oportunidade de crescimento para todos os homens.

“Eu não queria sair do magistério. em termos de remuneração era superior (o outro emprego), mas quando nos tornamos efetivos a gente se torna mais estável, e naquela época tinha acabado de passar no concurso.”

O discurso revela uma prática social: usar a estabilidade no emprego para compensar o baixo salário pago ao profissional, visando mantê-lo trabalhando, mesmo estando insatisfeito profissionalmente.

“Às vezes eu passo no corredor, vejo os professores dando aula, tenho vontade de entrar na sala e me intrometer, porque as meninas têm dificuldades de lidar com os alunosindisciplinados. Eu grito e ai do demônio que continuar bagunçando. Pelo menos é assim que eu faço com os meus. Olha, eles aprendem muito mais que os outros alunos das outras classes, e todos os pais me adoram.”

O sujeito se utiliza de um discurso autoritário que estabelece para si uma posição privilegiada em relação ao aluno e aos demais profissionais da escola, e o faz com a aprovação da comunidade em que está inserido. Esse discurso reproduz a ideologia que aliena os envolvidos no processo educacional, ao impedir que o homem se posicione como sujeito no mundo, capaz de criticar tanto sua atuação quanto a do outro.

“Há 20 anos o aluno era compenetrado, responsável e queria aprender. Atualmente existe uma nova clientela, por isso é necessário o professor se atualizar para se adequar à nova realidade. Hoje o professor tem que encontrar diferentes formas para conseguir passar sua experiência. As relações entre as pessoas estão mais frias em conseqüência do número grande de alunos na sala de aula. O professor tem que se adaptar a essas novas mudanças.”

Nesse discurso o professor é situado numa posição hierarquicamente superior ao aluno. O significado constituído por esse discurso é ideológico, pois nele o aluno é apresentado como receptor da experiência do professor e é responsabilizado pelas dificuldades atuais enfrentadas por ele ao tentar “passar” sua experiência. O discurso afirma que devido ao fato do aluno não ser mais compenetrado, responsável e nem querer aprender, o professor precisa se atualizar para se adequar à nova realidade e a essa nova clientela. O efeito dessa ideologia é levar o indivíduo a conviver com o problema, sem questionar suas causas, e conseqüentemente, sem encontrar a solução.

“A escola pública é um laboratório. Ela me permitiu errar.”

O sentido implícito na afirmação de que a escola pública permite errar é o de que a escola da rede privada não o permite, ou seja, o desempenho do profissional varia de acordo com o público alvo de seu trabalho. o sujeito que fala é ideológico, e essa sua fala é recorte de um contexto social que pratica discriminação social nas relações de trabalho. esse comportamento, consentido pelo discurso, mantém ideologicamente a divisão e a discriminação das classes sociais, alimentando as injustiças.

“(…) Eu seguiria o mesmo processo, com o mesmo entusiasmo, principalmente com o construtivismo. Eu ainda não entendi direito o que é, mas se pudesse recomeçar, eu aplicaria isso na sala de aula.”

Esse discurso é ideológico. Seu objetivo é impedir a consciência da necessidade de ser exercitada a capacidade crítica do indivíduo e sua conseqüente participação social. Essa ideologia leva o profissional à alienação e ao descompromisso, pois não lhe confere a responsabilidade na construção dos procedimentos pedagógicos, nem mesmo o questionamento daqueles que são adotados pelo sistema educacional, o que pode levá-lo à aceitação dos métodos porque ” a ordem veio e acabou” ou porque está na moda (é elogiado por outros).

“… ao final de cada mês me sinto decepcionada e frustrada, não somente por ser professora, mas também pelos dirigentes do país que não têm seriedade por aqueles que os formaram e os colocaram no poder.”

O discurso acima coloca o professor numa posição hierarquicamente inferior na relação de poder. Apesar de formar o outro e elegê-lo, o professor não continua participando do processo (do poder). Esse discurso é ideológico e assujeita o indivíduo, pois não possibilita a consciência de sua capacidade de transformar, de continuar participando do poder, provocando no profissional um sentimento de impotência que afeta sua auto-estima, fato agravado pela insatisfação financeira e profissional, marcadas implicitamente no texto pelas falas: “ao final de cada mês” e “não somente por ser professora”.

Fonte:
http://www.espirito.org.br/

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Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Livro de Poesias)

MORADA

Deixa-me te amar de qualquer jeito;
Arranca, pois, de mim, esta vontade,
Esmaga para sempre esta saudade
Que amarga como fel dentro do peito…

Faze, então, de mim brisa serena
Roçando o teu corpo levemente,
Deixando que este amor tão de repente
Mostre que a loucura vale a pena.

Arranca-me dos lábios o doce mel,
A seiva que alimenta este prazer
E faze-me sentir subindo ao céu!

Não me deixes vagando, assim, ao léu,
Mostra-me com malícia o que é viver,
Descerra do teu corpo a veste, o véu…
Quero hospedar-me todinho em você!
=======================

FONTE DE DESEJOS

Vejo em você a fonte dos meus desejos.
O oásis que me abriga,
A brisa que me sopra a vida,
A água que me mata a sede,
A boca que me enche a boca
De sutis e delicados beijos.

Vejo em você a imensidão do mar,
A única estrela a brilhar,
O campo repleto de flor.
Vejo em você a vida,
A vida que me dá vida,
Que por triste ironia,
É só sonho e fantasia,
Fonte de ilusão perdida,
Que quase me mata de amor…
=============================

SONHO II

Calo-me no teu colo quente,
Conto estrelas lá no céu,
Deixo brincar docemente
Sonhos que vagam ao léu.

Vaga sonho pela vida,
Deixa o amor aportar,
Sê o ninho e a guarida
Dos sonhos que vêm do mar.

Traze a brisa nos teus braços
Com a luz deste luar
E depois num longo abraço
Vamos matar a saudade
E morrer de tanto amar…
====================================

PRESA

Quero ser a sua presa,
Enroscar-me em sua teia
Sem reação ou defesa,
Ser manjar em sua mesa,
Deixar sugar o meu sangue
Até secar minha veia…

Quero ser seu alimento,
Provisão de cada dia,
Ser o seu pão, seu sustento,
E depois do acalento,
Ser sua noite de orgia.
Eu quero ser o seu vinho,
O cálice que inebria.
Ser madrugada, seu dia,
Ser seu parceiro no ninho.
Quero ser a sinfonia
Mais suave e maviosa,
Ser seu verso e sua prosa
Seu delírio e fantasia…
Quero ser a sua rima,
Sua trova e sextilha,
Sua estrada, sua trilha,
Seu fogo ardente, seu climax.
==============================

TEU SORRISO

Esse teu sorriso me arrebata,
enche-me de prazer – faz lembrar a minha infância,
põe-me a recordar, com ingênua graça,
dias felizes, quando era criança.

Teu jeitinho de sorrir me contagia,
alegra meu coração, purifica a minh’ alma…
até hoje não sei como vivia
sem esse sorriso – bálsamo que me acalma.

Guarda–o contigo, com muito amor,
e por onde quer que andes, vá distribuindo,
lança–o como lança a semente o lavrador,
deixe quem colher, retribuir sorrindo.

Continua, no entanto, a distribuir em maior porção,
a todas as crianças que encontrares no mundo,
pois sinto que esta é a maior razão,
deste teu sorriso terno e tão profundo.

Quanto a mim, considera-me também pirralho,
dá–me o teu sorriso em igual porção,
faze-me feliz, como faz o orvalho,
espalhando gotas de sorriso pelo chão.
=============================

PONTO

O ponto que se ponteia
Na ponta de um ponto só
Não firma o laço da peia
Nem ata o laço do nó.

Passarinho que não trina
Fica triste sem cantar,
Mulher de cintura fina
Faz qualquer homem sonhar.

A lixa que vira lixo
Não serve mais pra lixar,
Burro velho sem rabicho,
Mulher feia sem capricho,
Corre o risco de empacar.
Benzedor que benze bem
Cura espinhela caída
Mas não cobra um só vintém
Pelo bem que faz na vida…

Tronco que vira tronqueira
Não deixa ninguém passar,
Cria vinda de parteira
Já nasce querendo andar.

E eu fico aqui matutando,
Louquinho para encontrar
Um final para os meus versos
Que não sei arrematar.
=====

Fonte:
Colaboração do Poeta.

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Anônimo (A Letra “P”)

Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor português, pintava portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder progredir.

Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas.

Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para Papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris. Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois pretendia pintá-los.

Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos, preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam precipitar-se principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes potrancas. Pisando Paris, permissão para pintar palácios pomposos, procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro Paulo precaver-se.

Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava poder prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento, provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo… Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios, pintando principais portos portugueses. Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo.

Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir. Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém, Papai Procópio partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois precisava pedir permissão para Papai Procópio para prosseguir praticando pinturas.

Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai. Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, Papai Procópio puxando-o pelo pescoço proferiu: Pediste permissão para praticar pintura, porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petúnia. Porque pintas porcarias? Papai proferiu Pedro Paulo, pinto porque permitiste, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal.

Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar profissão perfeita: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para poderem prosseguir peregrinando.

Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partindo pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, Papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito.

Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos. Particularmente Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo pereceu pintando… ‘

Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência, pois pretendo parar para pensar… Para parar preciso pensar. Pensei. Portanto, pronto pararei.

Fonte:
Colaboração de Waldir Wagner

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Folclore Indigena: Pareci e Guarani (O Milho)

Lenda Pareci

Ciente da proximidade da morte, Aimotarê, um grande chefe pareci chamou seu filho Kaleitoê.

Ordenou-lhe que, logo após seu falecimento, fosse enterrado no meio da roça. Também avisou ao filho que, pouco tempo depois, nasceria na sepultura uma planta repleta de sementes. Disse-lhe que não as comesse pois deveriam ser guardadas e replantadas. O filho ouviu suas explicações atentamente e seguiu suas instruções.

Assim surgiu o milho entre os índios pareci.

Lenda Guarani

Durante uma época de escassez de alimentos, o sofrimento da tribo foi tal que, certo dia, dois guerreiros amigos, decidiram recorrer ao poder de Nhandeyara, o grande espírito. Eles sabiam que o atendimento do seu pedido estaria condicionado a um sacrifício. Mas preferiram enfrentá-lo.

Deitaram numa clareira do bosque e esperaram. À noite apareceu um enviado de Nhandeyara e indagou o que desejavam.

“Pedimos nova espécie de alimento para saciar a fome de nossas famílias e a nossa.” eles disseram.

“Está bem!” respondeu o enviado. “O grande espírito está disposto a atender esse pedido. Mas, para isso, os dois devem lutar comigo, até que o mais fraco perca a vida.”

Os índios aceitaram as condições e lutaram com o representante de Nhandeyara. Depois de algum tempo de luta, Auaty, um dos guerreiros, caiu morto no chão. Penalizado, seu amigo enterrou-o nas proximidades do local onde caiu.

Na primavera seguinte, uma planta alta e de folhas compridas brotou na sepultura de Auaty. Nela, surgiram espigas de grãos amarelos. Os guaranis deram o nome de auaty (milho) ao novo alimento, em homenagem ao índio que sacrificou-se em benefício da tribo.

(Adaptação de versão de Barbosa Lessa, in Estórias e Lendas do Rio Grande do Sul)

Fonte:
Lendas Indígenas.
http://www.lendorelendogabi.com

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Durval Mendonça (Trovas que eu Dou à Vida !) Parte II

O rio, com suas águas
correndo livres no leito,
parece zombar das mágoas
que trago presas no peito.

Eu rolo desde menino,
feito pedra sem parar…
Só Deus sabe que destino
meu destino há de me dar.

Vem, lua, pela vidraça
ver minhas noites vazias…
Um quarto frio, sem graça,
de um pobre joão sem marias.

Dás um jeito encantador
ao teu ciúme cruel;
misturas, no teu amor,
cicuta e favos de mel.

A rosa, com seus espinhos,
é bem feminina, quando
retribui nossos carinhos
envaidecida… e magoando.

Bebo, sim!… Quanto puder!
Pois vejo, ao fundo da taça,
tua graça de mulher
fazendo minha desgraça…

Felicidade fugaz…
Esperta como Saci …
Por ela perdi a paz,
e sem paz eu me perdi.

Dos beijos, o mais terrível,
que assombrou povos inteiros,
por mais que pareça incrível,
custou só trinta dinheiros.

Sublimando a santidade
da mãe no doce mister,
o Verbo fêz-se Verdade
no ventre de uma Mulher.

Vejo-te sempre rolando,
indo e vindo… Que aflição!
Responde, mar, até quando
viverás na indecisão?

Minhas vitórias, empenhos
em lutas cheias de agravos,
são pesadas como lenhos,
dolorosas como cravos.

Pobre mãe, sem despedida,
por ironia do fado,
deixaste, acabada a vida,
um crochê inacabado.

Lágrimas que afloram, quando
minha angústia se renova,
eu as enxugo, cantando,
ao calor de minha trova.

Deixei meu Norte e, feridos,
os coqueirais de atalaia
ouvem meus tristes gemidos
nos búzios de nossa praia.

Se a Fé montanhas remove,
como costumam dizer,
vamos à prova dos nove:
Removam, que eu quero ver.

Dai, Senhor, à criatura
deste mundo, enquanto é cedo,
um pouco mais de ternura,
um pouco menos de medo!…

Pedra verde da ilusão,
de mentiroso matiz,
foste a piedosa emoção
de um Bandeirante feliz.

Coração descompassado,
vai bater assim no Inferno:
se vives desgovernado,
eu também me desgoverno.

Mostrando ser feminina,
a praia ouve os segredos
que o mar, por trás da neblina,
conta baixinho aos rochedos.

Para alcançar o perdão
das maldades que te fiz,
andei de rastros no chão
e o próprio chão não me quis.

Dos teus olhos eu me esquivo,
para vencer a inquietude;
são pedras de fogo vivo
no caminho da virtude.

Vai-se o trem.. – Deixa a estação.
O silvo agudo é o sinal…
E uma lágrima no chão,
marcando um ponto final…

lnvejarei os rochedos,
sempre que o mar lhes disser
os mais preciosos segredos
do teu corpo de mulher.

Como um sino em hora morta,
após tantos dissabores,
meu coração bate à porta
de um cemitério de amores.

Se as vitórias têm um preço,
meu destino é muito avaro,
pois até as que mereço
são cobradas muito caro.

Ruge o vento!… Folhas soltas
arrancadas sem piedade;
são como pedras revoltas
castigando a tempestade.

Gotas de cera descendo
no derradeiro transporte…
Lágrimas tristes correndo
dos olhos frios da morte.

Que coisa, incrível, estranha!
Cansada de fazer dó!
A solidão me acompanha
com medo de ficar só.

No meu Carnaval desfeito
deixaste apenas um traço:
Hoje, bate no meu peito
um guizo do teu “palhaço”.

Pedra a pedra vou erguendo
meu castelo de esperança…
Pobre sonho vai morrendo
como um sonho de criança.

Após cruentas batalhas,
quantas lágrimas fluíram,
umedecendo medalhas
de bravos que nunca as viram.

Com teu jeito assim brejeiro
de sinfonia concreta,
és o melhor travesseiro
para os sonhos de um poeta.

Vejo, perdido de amores,
por entre incertos meandros,
encantos enganadores
em teus olhinhos malandros.

Sem amor, no torvelinho
de uma vida envolta em bruma,
de que me serve um caminho,
se não vou a parte alguma?

Quanto mais a vida passa,
mais rendo graças a Deus,
porque meus olhos sem graça
vivem da graça dos teus.

Não tenho lei nem vontade…
Discordarmos, para que?
Você é minha verdade…
Meu evangelho é você!

Espadachim, bossa nova,
com ares de trovador,
eu abro com minha trova
meu caminho ao teu amor.

Nesta incrível cabra-cega
não me adianta, ser ladino;
afinal sempre me pega
o chicote do destino.

Parte o navio… O apito
ecoa por todo o cais…
E na lágrima, que evito,
o medo de um “nunca mais”.

Se as mulheres são tesouro
que os deuses deram à gente,
as que têm cabelos de ouro
valerão mais, certamente.

Rompe o sol pela janela
e meus olhos aturdidos
brindam à luz que revela
o teu corpo aos meus sentidos.

Na saudade que me arrasa,
como doridos harpejos,
ecoam na velha casa
acordes de antigos beijos…

Rosa negra, maculada,
por mãos estranhas colhida…
Sorris à beira da estrada,
chorando à beira da vida…

A vida… Que vale a vida?
Ela talvez nem me importe…
Pobre ampulheta invertida
nas mãos do Tempo e da Morte.

Para a incerteza do mar
a velha jangada avança…
E a esperança de voltar
fica, às vezes, na esperança…

Perdôa, mãe, porque sou
do teu desejo o contraste…
A vida não me ajudou
no sonho bom que sonhaste.
===============

Fonte:
UBT Juiz de Fora

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Roberto Piva (Horizonte Poético)

RITUAL DOS 4 VENTOS & DOS 4 GAVIÕES

para Marco Antônio de Ossain

“Eu trago comigo os guardiões dos Circuitos celestes.”
— Livro dos Mortos do Antigo Egito —

Ali onde o gavião do Norte resplandesce
sua sombra
Ali onde a aventura conserva os cascos
do vudú da aurora
Ali onde o arco-íris da linguagem está
carregado de vinho subterrâneo
Ali onde os orixás dançam na velocidade
dos puros vegetais
Revoada das pedras do rio
Olhos no circuito da Ursa Maior
na investida louca
Olhos de metabolismo floral
Almofadas de floresta
Focinho silencioso da sussuarana com
passos de sabotagem
Carne rica de Exú nas couraças da noite
Gavião-preto do oeste na tempestade sagrada
Incendiando seu crânio no frenesi das açucenas
Bate o tambor
no ritmo dos sonhos espantosos
no ritmo dos naufrágios
no ritmo dos adolescentes
à porta dos hospícios
no ritmo do rebanho de atabaques
Bate o tambor
no ritmo das oferendas sepulcrais
no ritmo da levitação alquímica
no ritmo da paranóia de Júpiter
Caciques orgiásticos do tambor
Com meu Skate-gavião
Tambor na virada do século ganimedes
Iemanjá com seus cabelos de espuma.
======================

BOLETIM DO MUNDO MÁGICO

Meus pés sonham suspensos no Abismo
minhas cicatrizes se rasgam na pança cristalina
eu não tenho senão dois olhos vidrados e sou um órfão
havia um fluxo de flores doentes nos subúrbios
eu queria plantar um taco de snooker numa estrela fixa
na porta do bar eu estou confuso como sempre mas as galerias do
meu crânio não odeiam mas as batucadas dos ossos
colégios e carros fúnebres estão desertos
pelas calçadas crescem longos delírios

(…)

eu posso abrir os olhos para a lua aproveitar o medo das nuvens
mas o céu roxo é uma visão suprema
minha face empalidece com o álcool
eu sou uma solidão nua amarrada a um poste
fios telefônicos cruzam-se no meu esôfago
nos pavimentos isolados meus amigos constroem um manequim fugitivo
meus olhos cegam minha mente racha-se de encontro a uma calota
minha alma desconjuntada passa rodando”.

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Cláudio Willer (A Poética de Roberto Piva)

Roberto Piva
A reduzida bibliografia crítica sobre Roberto Piva, apesar dos seus 8 livros publicados desde Paranóia, de 1963, até Ciclones (Nanquin Editorial), de 1997, o caracteriza, em um paradoxo, como poeta ao mesmo tempo muito conhecido, porém pouco divulgado e insuficientemente estudado. Justifica tudo o que possa ser dito sobre marginalização de poetas rebeldes e transgressores. Dá razão ao discurso do próprio Piva, ao apostrofar a dissociação burocrática entre poesia e vida, em Ciclones: Quando nossos/ poetas/ vão cair na vida?/ Deixar de ser broxas/ pra serem bruxos? Heresia e marginalidade, para ele, sempre foram inseparáveis da criação poética autêntica: Dante/ conhecia a gíria/ da Malavita/ senão/ como poderia escrever/ sobre Vanni Fucci?

A associação de Piva ao surrealismo, embora correta, pela presença da imagem, não pode esconder uma característica evidente em Ciclones: o uso da nomeação direta. Sua extrema concretude poderia até servir para vinculá-lo ao objetivismo anglo-americano, ao poetizar, não um mundo de abstração formal, porém o que está a sua frente e que ele vive. Essa característica, evidente desde Paranóia, o transformou no poeta das referências geográficas precisas, desde a Praça da República dos meus sonhos de 1963 até as Ilha Comprida, Jarinu e Cantareira deste último livro, tanto quanto das suas já notórias declarações enfáticas de pederastia, igualmente modos da manifestação direta, sem circunlóquios. Por isso, pela clareza, por ser o grande inimigo do eufemismo na poesia brasileira, e nem tanto pela obscuridade, hermetismo, caráter iniciático e intertexto, é que se explica um esfriamento crítico-acadêmico com relação a sua obra.

Ao longo da sua obra, podem ser identificados dois pólos, o da expansão desenfreada (especialmente em Paranóia e em Coxas, de 1979), e aquele da síntese e condensação. Predomina em Ciclones, assim como, dos livros anteriores, em 20 Poemas com Brócoli, de 1981, o pólo da síntese. Não por acaso, escolheu para epígrafe um trecho de Malcolm de Chazal, o mestre moderno dos poemas de uma só frase, do epigrama feito de imagens, dele extraindo o título: La volupté/ Est/ Au centre/ Du cyclone/ Des sens. Alguns poemas de Ciclones poderiam até ser associados a hai-kais, tamanha a concisão, e, principalmente, a precisão: gaivotas/ estrelas que despencam/ no mar/ & se eclipsam. Ou então, como condensação máxima, esqueleto da lua/ o tempo/ tambor tão ágil/ vomitando a noite.

Celebrante do não-discursivo, de Eros e do inconsciente, do conhecimento não só intuitivo e supra-racional, mas revelado, Piva também é um erudito. Nele, a espontaneidade coexiste harmoniosamente com a reflexão e a alta cultura. Por isso, Ciclones, assim como o restante da sua obra, contém e expressa uma poética, um sistema de valores e um pensar a poesia. No centro dessa poética, a firme convicção de que a poesia mexe/ com realidades não humanas/ do planeta. Logo no início, em outra epígrafe reveladora de suas intenções, fala do êxtase divino do livre canto. Portanto, a poesia é o lugar onde o paganismo ainda tem voz e expressão. Logo no segundo poema do livro, aparece o xamã que rodopia na energia da luz. Seu conhecimento xamanismo não é apenas livresco, como também prático. No posfácio de Ciclones há um relato de sua busca de inspiração na Serra da Cantareira, na Ilha Comprida e demais lugares mencionados como cenários da criação de poemas, identificados à paisagem bela anterior ao dilúvio. Ele viu e sabe reconhecer perfeitamente o Gavião Caburé, título de um dos poemas.

Ciclones contém ainda, de modo condensado, uma antropologia, ao afirmar que rituais de umbanda e candomblé são o retorno ou modo de manifestação do xamanismo. Confere-lhes uma dimensão cósmica, ao homenagear babalorixás, e nas suas invocações: eu sou o cavalo de Exu/ ebó/ do meu coração/ despachado/ na encruzilhada dos cometas.

Contudo, na obra recente de Piva, mais do que tema, o xamã – bruxo ou sacerdote tribal, oficiante, segundo Mircea Eliade, das técnicas primitivas do êxtase – é um símbolo ou metáfora do próprio poeta como demiurgo. O excesso determina a vidência, obtida ao se ultrapassar os limites da condição humana: poesia é desatino. O dionisismo, ritual subterrâneo da Grécia antiga, é exaltado em versos como seja devasso/ seja vulcão/ seja andrógino/ cavalo de Dionysos/ no diamante mais precioso. Ou em Baco/ me transforma/ num astro vibratório/ com este elixir/ de cacto selvagem. O êxtase, assim como em sociedades tribais, pode ser mediado por alucinógenos, pelo poder das ervas, pela miraculosa cannabis/ planta do incesto/ do sol com as/ águas, ou até pelos olhos violetas do LSD.

À identificação entre xamanismo e poesia corresponde a radicalização da defesa do meio ambiente, dos direitos não-humanos do planeta, já declarada nos manifestos que encerravam sua Antologia Poética de 1985. A vida, em suas manifestações naturais, é impregnada pelo sagrado; a natureza, habitada por deuses. Existem manguezais/ & realidades não-humanas/ que são a essência da Poesia. Daí a contradição entre o natural, campo do poético, e o urbano: a rua é muito estreita/ para o exército/ de folhas/ & seu AXÉ. Por isso, piratas/ plantados/ na carne da aventura/ desertaremos as cidades/ ilhas de destroços.

Acentuando a analogia entre poeta e bruxo, Piva invoca, como integrantes de uma linhagem à qual se filia, magos como Paracelso e Julius Evola, e os poetas, Nerval, Rimbaud, Malcolm de Chazal, Blake, René Crevel. São postos lado a lado, em um sincretismo anárquico e pessoal, Nerval Pessoa & os templários Lao Tsé.

Ciclones poderia confundir-se com uma produção editorial nessas alturas gigantesca, valorizando modos do conhecimento revelado e os meios de chegar à experiência mística, não fosse inteiramente regido por valores poéticos. São eles o ritmo, a condensação e precisão, a prosódia, e, em especial, a imagem, o traço distintivo de Roberto Piva (e de apenas uns poucos na poesia brasileira do século XX), resultando em versos com esta densidade: Que você conheça este relógio sem nuvens/ chamado morte/ dependurado no planeta.
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Observação: uma frase foi retirada deste artigo por conter palavras de teor obsceno, o qual contraria o conteúdo deste blog. Entretanto, o delineamento no texto não perde o seu valor e estrutura. Contudo, os interessados no artigo na íntegra poderão obter no site abaixo.
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Fonte:
Revista Agulha. http://www.revista.agulha.nom.br/

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Roberto Piva (O Escritor em Xeque)

Entrevista realizada por Fábio Weintraub, para a Revista Cult.

A provocação é de Roberto Piva, autor de Ciclones e Paranóia, que está sendo relançado pelo Instituto Moreira Salles. Estudioso das técnicas arcaicas do êxtase, passageiro do inframundo e amigo dos “orixás travessos da sombra”, Piva nos fala do nexo entre arte e loucura, poesia e marginalidade; alerta-nos contra a monstruosidade do “Homo normalis”, comenta a obra de Mário de Andrade e rende tributo à onça pintada, convertida por ele em totem da nacionalidade.

FW – Em entrevista recente, você declara ter utilizado o método paranóico-crítico de Salvador Dali para escrever os poemas que compõem o livro Paranóia. Avesso à sistematização de tipo cartesiano, contra os “pinicos estreitos da lógica” e “torniquetes da consciência”, para usar expressões suas, tal método, intuitivo por definição, se detém nos detalhes de uma composição para deles derivar…

RP – … o Dali criou esse método a partir do delírio do paranóico. Você, que é psicólogo, sabe que o paranóico se fixa num detalhe e constrói um mundo alucinatório, imaginário, a partir daquele detalhe. Um poema como “Praça da República dos meus Sonhos”, por exemplo, foi construído a partir dos detalhes da praça, num delírio semelhante ao do paranóico. Só que não é um poema de alucinação persecutória. Apesar de eu também me sentir um pouco perseguido dentro desta cidade, onde você precisa ser passarinho para atravessar a rua, para não ser atropelado. Não é isso? O poeta Allen Ginsberg dizia que a realidade é que era paranóica, não ele.

FW – Em poemas e manifestos, você sempre insistiu no parentesco profundo entre arte e loucura. Para o artista romântico, esse parentesco significa que o eu autêntico é o eu não-socializado, não sufocado pelas convenções civilizadas ou universalizado “pelo senso comum”; como está no seu poema “A Piedade”. Você não acha que tal compreensão deriva freqüentemente para uma crítica não-dialética aos constrangimentos sociais, entendidos como fachadas que encobrem o verdadeiro eu?

RP – Eu, como o Pasolini, não acredito na dialética. O que existe são oposições irreconciliáveis. Acredito naquilo que o Freud afirma em O mal-estar na Cultura: existe um movimento cada vez mais restritivo, não só da vida sexual, mas da subjetividade de modo geral. É também, de certa forma, um texto paranóico em relação à Cultura, que é entendida como repressão. Quanto ao parentesco entre arte e loucura, acho que o “desregramento de todos os sentidos”, de que falava o Rimbaud, refere-se não propriamente à loucura, mas a um estado de transe. Um estado de transe xamânico, porque Rimbaud era um alquimista, um xamã avant la lettre, que propõe mesmo a “alucinação das palavras”; o termo é dele. Os artistas, como afirma o Joseph Campbell, são os xamãs da sociedade contemporânea. A loucura propriamente dita é uma coisa muito triste, horrível. Quando Huizinga fala que o louco, o poeta e a criança têm coisas em comum, ele está pensando na criação artística, na imaginação fértil, propiciatória. A esquizofrenia em si é uma coisa muito triste. Às vezes tomamos por loucura não a “doença mental” especificamente, mas as manifestações do irracional. Aquele impulso para o irracional que, conforme Pasolini, acabou fazendo do Ocidente, que tanto se empenhou em negá-lo, a vítima mais fatal. E temos aí a história que não nos desmente, não é mesmo?

FW – Você vive afirmando que não acredita em poeta experimental sem vida experimental, que faz os poemas com “o que sobra da orgia” propondo uma identificação entre sujeito poético e sujeito empírico. Não obstante, há vários leitores seus, como o poeta Felipe Fortuna, para quem o bom resultado alcançado por você deve-se menos à radicalidade de experiências tematizadas por você (homoerotismo, drogas etc.) que ao “bom arremate literário” dado àquelas experiências. Como você encara tal tipo de leitura?

RP – É aquilo que diz o Octavio Paz: há uma única forma de se ler os jornais e várias formas de se ler um poema. Cada pessoa enxerga uma coisa diferente na minha poesia, pois, no fundo, ela é muito rica e permite uma enorme variedade de interpretações. A qualidade do arremate literário não exclui a radicalidade das experiências que estão na origem do poema. Mas acho que essa valorização excessiva da fatura pode revelar um certo preconceito contra o dionisismo, a idéia de que o dionisismo é algo superficial. Está errado. O dionisismo é uma das religiões mais profundas que já existiram. Basta ver que uma das suas manifestações produziu o teatro. Quer mais do que isso? Dionísio é o deus do teatro. As artes da aparência empalideceram diante de uma arte que proclamava a sabedoria na sua própria embriaguez. Donde a estética cabaço, atuando nas mais diferentes escolas literárias pelo Brasil afora. Vivemos num país profundamente dionisíaco, onde os intelectuais têm preconceito contra as manifestações espontâneas, criativas. Mesmo o fato de me enquadrarem na poesia marginal, dos anos 70, tem a ver com isso. Eu não sou dos anos 70 e não sou marginal; sou marginalizado. E por não ter pactuado com a universidade, com uma certa esquerda, por não participar das rodas literárias, nem dos “chás-da-cinco”, aos poucos fui sendo excluído.

FW – Eu queria aproveitar um pouco sua menção à poesia marginal. “Desde que foi expulso da República de Platão, todo poeta é marginal.” “O Brasil precisa de poetas perseguidos pela polícia, o resto é literatura.” Como ficam hoje tais declarações, feitas por você no princípio dos anos 80? A institucionalização da bandidagem não inviabilizou esse tipo de slogan? Você não acha que a poesia marginal, buscando aproximar a sensibilidade do poeta da do marginal, do bandido, descambou para um tipo de idealização, de estilização, que esvazia a experiência social, concreta, da marginalidade?

RP – Os bandidos naquela época eram românticos e possuíam uma ética. Pasolini foi o primeiro a notar isso. Numa sociedade de massas, o banditismo e a criminalidade também estão massificados. Há uma indiferenciação muito grande. Hoje se mata porque o cara não gostou dos óculos que o outro está usando. Ou porque alguém sentou no paralama do seu carro. Eles dizem: “Roubei o tênis que eu vi na televisão porque quem usa esse tênis é bacana”. Sabemos, pela experiência de Ivan Illitch, que uma cidade com mais de duzentos mil habitantes será inviável, diz ele, a partir do ano 2000. O que estamos testemunhando nos hospitais não é o simples desleixo, mas a crise da Medicina. Como estamos assistindo à crise da Economia. Não é uma crise econômica, mas uma crise da Economia. E tudo se liga a uma crise do urbano. Não importa mais checar índices de criminalidade. O ser urbano não é um centauro, mas um ser sem horizontes; só enxerga o tênis que ele não tem. Então ele mata, às vezes, por um tênis; não pelo benefício econômico que aquilo vai lhe trazer, mas pelo prestígio. Nos anos 60 eu conheci muitos adolescentes marginais, o equivalente dos que hoje estariam na FEBEM. Um deles sabia Baudelaire de cor, “As litanias de Satã”, e andava com o Zaratustra do Nietzsche debaixo do braço. Era ladrão, assaltante, mas nunca matou ninguém. Havia um princípio ético que ainda regia a vida daqueles bandidos. Eles também eram de extração rural. Agora são todos urbanóides, pálidos criminalóides de periferia.

FW – Então o lema do Oiticica, “seja herói, seja bandido”, não…

RP – … mas ele estava falando do “Cara-de-Cavalo”, o último romântico do banditismo. Atualmente o que existe é uma criminalidade de massa perigosíssima, porque o homem normal se transformou em criminoso. O homem normal, diz o Pasolini, é um monstro. Está aí a Hannah Arendt, com o Eichmann em Jerusalém, que não me deixa mentir. Quem é o Eichmann? Um cara pavorosamente normal, absolutamente medíocre, que fala por clichês e que mandaria matar o próprio pai, se recebesse uma ordem superior nesse sentido. Um burocrata sinistro, enfim.

FW – Muitos consideram o Paranóia como a Paulicéia Desvairada dos anos 60. Você concorda? Como foi a sua relação com a obra de Mário de Andrade?

RP – Acho que o que há em comum entre os dois livros é uma experiência alquímico-futurística da cidade. Só que eu inverto tudo isso. O que eu tive foi uma relação de pesadelo… e de coisas boas, porque, no fundo, a gente só vive o momento. Há o fio-condutor da explosão, a paisagem que se racha de encontro as almas, o cérebro que se racha de encontro a uma calota…, a idéia da ruína. É mais ou menos aquilo que diz o Brecht: “Da cidade sobrará apenas o vento que passa sobre ela”. É claro que, além disso, há diálogos mais explícitos, por exemplo, com a “Meditação sobre o Tietê” e com o “Girassol da Madrugada”. Aliás, já da primeira vez que li o Mário, percebi que era um poeta com forte sensibilidade homossexual. Repare bem: “Tudo o que há de melhor e de mais raro / Vive em teu corpo nu de adolescente / A perna assim jogada e o braço, o claro / Olhar preso no meu, perdidamente”. No “Girassol da Madrugada”, isso aparece de modo muito nítido. O que não quer dizer que eu desconsidere os outros modernistas, mas o Mário foi uma descoberta que me interessou pelo lado homoerótico. Como o Sosígenes Costa. Bati o olho e disse: “êpa!”. Depois, consultando um especialista na obra do Sosígenes, obtive a confirmação.

FW – Alguns críticos chamam a atenção para o caráter moralista da sua obra. Um moralismo às avessas, radical, que também atravessa a obra de autores como Sade. Algo como um “catecismo da devassidão” que, fazendo a apologia do mal, chama a atenção para um bem supremo, utópico…

RP – … mas esses corpos de que eu falava não existem mais. Eram garotos dourados do subúrbio, da periferia. Hoje, sem a gíria criativa do subúrbio, eles só querem uma moto para colocar na garupa a indefectível garota ornamental. E apenas grunhem. Agora, é preciso também entender a orgia de que eu falo de um jeito largo. A orgia admite muitas interpretações. O Breton, por exemplo, diz que a poesia é a mais fascinante orgia ao alcance do homem. Eu fiz muitas orgias, mas não proponho isso para ninguém, porque muitas vezes as pessoas não estão interessadas. Quando escrevo, não estou propondo nada, estou relatando experiências. Meus textos não possuem caráter prescritivo, muito pelo contrário. Quero que cada vez menos gente se interesse pela orgia sexual, para sobrar mais para mim (risos).

FW – Ainda com relação a isso, queria pensar um pouco no caráter transgressivo da sua poesia, o impulso para épater le bourgeois. A gente sabe que o burguês adquire o gosto de ser chocado e passa a manipular a insurreição dos artistas em benefício próprio. Você não acha que o Paranóia seduz hoje menos pelo furor iconoclasta que pela qualidade das imagens? Hoje ninguém se choca com “anjos de Rilke dando o cu nos mictórios”…

RP – … mas é uma imagem bonita. Fiz o seguinte: tirei os anjos de Rilke daquele pedestal metafísico e os coloquei no mictório, quase numa interpretação shivaísta do anjo do Rilke. O anjo como uma categoria de orgia, de tantrismo. Quanto à burguesia, ela se transformou em classe universal. Não acredito na burguesia em caráter genérico. O marido da Anaïs Nin, por exemplo, era um banqueiro que, sabendo que o Henry Miller transava com a Anaïs Nin, dava dinheiro para ele, que era um escritor pobre, um americano que estava em Paris e tal. Esse sujeito financiou artistas plásticos, escritores… e era um banqueiro. O valor do Henry Miller, para aquele banqueiro anarquista, estava acima do fato de ele ser amante da mulher. Aliás, formavam um trio e se davam muito bem, de acordo com a própria Anaïs Nin. O Henry Miller escreveu sobre isso. Veja você quantos anos ele ficou sem publicar nos Estados Unidos. Foi publicado primeiro na França, porque nos Estados Unidos sua obra estava censurada. Mas ele não escreveu para épater ninguém. O Henry Miller escreveu sobre aquilo que ele viveu. Se isso é chocante, não é culpa dele.

FW – Então aproveite e fale da sua proposta de transformar a onça em totem da nacionalidade.

RP – Ah, claro. Parece que, para os índios Ianomami, no dia em que matarem o último xamã e a última onça pintada, o céu cairá. Acredito piamente nisso. O céu já caiu uma vez. Vai cair pela segunda vez se os xamãs e as onças desaparecerem. Proponho também que se façam experências telepáticas com onças para conhecermos suas reais necessidades.

FW – … você diz até que elas ajudariam a guiar crianças cegas (risos).

RP – … ajudariam de uma certa forma (risos), devorando-as como guloseimas, não é? Porque, para os grandes predadores, crianças e mulheres são presas fáceis. Ainda nessa linha da telepatia com as onças, um experimento que deu certo foi o do Guimarães Rosa em “Meu tio, o Iauaretê”. É uma obra- prima esse conto. É um conto xamânico, pois o tio se transforma no jaguar, se oncifica. Maiakóvski dizia: eu me ursifico. Esse personagem do Rosa parece dizer: eu me oncifico.

FW – Queria que você falasse um pouco da sua relação com a universidade. Em Paranóia, você escreveu que professores “são máquinas de fezes”. Noutro poema, sobre a batalha de Campaldino, onde aparece a dúvida quanto ao fato de os guerreiros terem comido carne humana, você diz que os “universotários”, com sua “antropofagia vegetariana, apavorados, peidam no escuro”. Fale um pouco sobre isso.

RP – A universidade é o túmulo da poesia. Eu só fiz curso superior para poder dar aula. Não podia lecionar com dois livros publicados. Lecionei por quinze anos. Tudo o que me deram para ler na universidade ou era sucata ou eu já havia lido. Insisto em que as universidades devem ser transformadas numa coisa viva, isso é, num terreiro de candomblé. Com pais-de-santo, ou xamãs, no lugar dos professores, de modo a propiciar aos alunos uma verdadeira iniciação. As universidades precisam de um corpo docente e um corpo indecente (risos).

FW – Você também é um advogado veemente das “idéias biodegradáveis”. Como você as concilia com as suas obsessões?

RP – As idéias biodegradáveis são aquelas convicções, como propunha Álvaro de Campos, que não duram mais do que um estado de espírito. Nunca mais do que um dia. Nós vemos por aí pessoas enraizadas em ideologias fascistas e comunistas, cheias de dores-de-corpo, malentendidos, enxaquecas… Por isso o Nelson Rodrigues dizia: “Tem que morrer até o último idiota”. Mas todo dia, “nos cabides de vento das maternidades”, nasce “um batalhão de novos idiotas”, como eu escrevi no poema “Visão 1961”, incluído em Paranóia. Mas há muitas pessoas que não têm essas idéias fixas, essas ideologias cimentadas em espaços mortos, esse passadismo que procura deter o dinamismo do pensamento.

FW – “Eu preciso cortar os cabelos da minha alma”, diz um verso seu. Em que barbeiro? E como prevenir a calvície da alma?

RP – (risos) É uma imagem louca, não é? Acho que, na época, pensava em cortar os cabelos como meio de desfazer a confusão que me atingia. Às vezes, não basta pentear os cabelos da alma. A gente tem que cortar mesmo, para enxergar melhor. Quanto a prevenir a calvície da alma, o melhor remédio, na minha opinião, é o ritual xamânico dos quatro ventos.

FW – Num dos últimos poemas do Paranóia, você diz: “eu quero a destruição de tudo o que é frágil”…

RP – Mas sabemos que não é nada frágil aquilo cuja destruição eu desejo. A poesia é que é frágil, é uma forma de abrir brechas na realidade; como o Baudelaire, o Artaud, o Gottfried Benn e o Georg Trakl abriram. Mas não impediram Auschwitz. O poeta não existe para impedir essas coisas. O poeta existe para impedir que as pessoas parem de sonhar.

Fonte:
Revista Cult numero 34, maio de 2000.

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Cláudio Willer (Roberto Piva e a Poesia) no SESC, em São Paulo

Dia 27, terça-feira, Cláudio Willer apresenta-se no programa Sempre um Papo a convite de Afonso Borges e do SESC – Vila Mariana, falando sobre Roberto Piva, precedido por depoimentos de Antonio Fernando de Franceschi, Celso de Alencar, Roberto Bicelli, Toninho Mendes, Ugo Giorgetti e Valesca Dios.

A seguir, dados e release da manifestação.

Sempre um Papo em homenagem a Roberto Piva

Data e horário: 27 de abril de 2010, terça-feira, às 20h

Local: SESC Vila Mariana (Rua Pelotas 141 – Vila Mariana)
Tel.: (11) 5080-3000 / www.sescsp.org.br

Auditório (131 lugares) Entrada gratuita

Informações para a imprensa: (31) 3261-1501 – imprensa@sempreumpapo.com.br
Coordenadora de comunicação – Jozane Faleiro: (31) 9204.6367

O poeta Roberto Piva tem sido noticiado, ultimamente, por dois motivos. Um deles, a repercussão da terceira edição de Paranóia, seu livro de estréia, pelo Instituto Moreira Salles. Outro, os problemas que enfrenta: depois de ser internado com um quadro clínico grave, passa por dificuldades. Por isso, leitores e amigos de Piva têm promovido coletas de recursos em seu favor. O Sempre Um Papo associa-se a essa mobilização com uma sessão dedicada ao exame de sua obra. Para tanto, recebe o poeta Claudio Willer (autor do posfácio do primeiro volume da Obra Reunida), que doará seu cachê. O evento contará com depoimentos de Antonio Fernando de Franceschi (poeta, responsável pela reedição de Paranóia em 2000); Celso de Alencar (poeta e amigo de Piva); Roberto Bicelli (poeta e amigo de Piva); Toninho Mendes (artista gráfico e poeta, publicou Piva na revista Chiclete com Banana); Ugo Giorgetti (cineasta, autor do média-metragem Uma outra cidade de 2000, com Piva e outros poetas da mesma geração); Valesca Dios (cineasta, diretora de Assombração Urbana, média-metragem com Roberto Piva, de 2005).

No encontro, Claudio Willer falará sobre “Roberto Piva e a Poesia”. Argumentará que a poesia de Piva é sobre a própria poesia; é um poeta culto, um leitor que, por vezes de modo sutil, comenta suas leituras e sua paixão pela vida e pela poesia (que, em sua poética, se confundem)

Roberto Piva (São Paulo, 1937) publicou Paranóia (Massao Ohno, 1963, reeditado em 2000 e em 2009 pelo Instituto Moreira Salles), Piazzas (1964, reeditado em 1979), Abra os olhos e diga AH! (1976), Coxas (1979), 20 poemas com brócoli (1981), Quizumba (1983), Ciclones (1997) e Estranhos sinais de Saturno (2008), além de uma antologia poética em 2005 e manifestos. Todos esses títulos compõem sua Obra Reunida (editora Globo), organizada por Alcir Pécora, em três volumes: Um estrangeiro na legião (2005), posfácio de Claudio Willer, Mala na mão & asas pretas (2006), posfácio de Eliane Robert Moraes, e Estranhos Sinais de Saturno (2008), posfácio de Davi Arrigucci Jr. Em 2010, foi lançada uma coletânea de suas entrevistas, Encontros: Roberto Piva, pela editora Azougue. Teve, a partir de 2000, um crescimento de sua presença em antologias importantes, traduções e bibliografia crítica, incluindo teses e dissertações. Além de apresentar-se em leituras de poesia, coordenou oficinas e palestras intituladas “Encontros Órficos”. Tem filmografia, composta por um documentário de Tadeu Jungle, de 1988, Uma outra cidade de Ugo Giogetti (2000) e Assombração urbana de Valesca Dios (2005), exibidos pela TV Cultura, além de participação em outros vídeos e filmes.

Claudio Willer (São Paulo, 1940) é poeta, ensaísta e tradutor. Publicou Geração Beat (L&PM Pocket, coleção Encyclopaedia, 2009), Estranhas Experiências, poesia (Lamparina, 2004); Volta, narrativa (Iluminuras, terceira edição em 2004); Lautréamont – Os Cantos de Maldoror, Poesias e Cartas (Iluminuras, nova edição em 2008) e Uivo e outros poemas de Allen Ginsberg (L&PM, edição pocket em 2005, nova edição em 2010). Prepara-se para lançar Um obscuro encanto: gnosticismo e poesia, ensaio (Civilização Brasileira). Teve publicados, também, Poemas para leer en voz alta (Andrómeda, Costa Rica, 2007) e ensaios na coletânea Surrealismo (Perspectiva, 2008). É autor de outros livros de poesia – Anotações para um Apocalipse, Dias Circulares e Jardins da Provocação – e da coletânea Escritos de Antonin Artaud, esgotados. Doutor em Letras na USP, faz pós-doutorado sobre Religiões Estranhas, Hermetismo e Poesia. Coordena oficinas literárias; ministra cursos e palestras sobre poesia e criação literária. Prepara um livro sobre surrealismo e ensaios sobre misticismo e poesia.

Fonte:
Colaboração de Cláudio Willer

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Lançamento de Revista e Exposição sobre Hélio Oiticica, no Itaú Cultural

Acessível e, ao mesmo tempo, profunda, complexa. É assim a obra de Hélio Oiticica. Inspirada nas “quebradas”, na vida que brotava nas ruas, nas favelas, a extensa produção desenvolvida pelo artista nasceu, também, de intensa e constante reflexão.

E, quinta-feira, 22 de abril, o Itaú Cultural lançou duas revistas digitais pensando em oferecer a adultos e crianças um aprofundamento sobre o trabalho do artista, revisitado com a exposição Hélio Oiticica – Museu É o Mundo, em cartaz no instituto até 23 de maio.

Oiticica – A Pureza É um Mito apresenta, entre outras coisas, a repercussão e o diálogo de sua obra com outras áreas de expressão. Há também depoimentos de Tom Zé, Nelson Motta, Eduardo Rossetti, Zé Celso Martinez Corrêa, Rubens Machado, Paulo Ramos, Isobel Whitelegg e Paulo Monteiro. A revista traz ainda galeria de imagem das obras, entrevistas em vídeo e imagens dos Penetráveis espalhados pela cidade.

Cosmogolé, revista infantil, vem em três edições. Neste primeiro número, as crianças vão conhecer uma exposição de arte na qual, para aprender, tem que tocar nas obras; ficar por dentro da infância de Oiticica; descobrir o dia em que a cor saiu do quadro e invadiu o espaço; e participar da próxima edição, em atividade interativa!

Fonte:
Colaboração da Itaú Cultural.

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Instituto Memória (Programação Abril e Maio)

AGENDA DE LANÇAMENTOS

O Instituto Memória Editora vem orgulhosamente comunicar
os próximos lançamentos, ao tempo em que agradece o apoio
na valorização da cultura e dos autores nacionais.
Anthony Leahy – Editor

Editora Destaque Nacional – Câmara Brasileira de Cultura

www.institutomemoria.com.br

27/04/2010 – 19h – PALACETE DOS LEÕES – CURITIBA-PR:

Lançamento do livro “Poesias Mafiosas de Leon Leon Knopfholz”.

Durante o lançamento teremos a apresentação de Tango dos dançarinos “Regina monticelli” e “Alex Colin”
e música ao vivo com o cantor Almo.

06/05/2010 – 19h – MUSEU DA UFRGS – PORTO ALEGRE-RS:

Lançamento do livro “Domingos José de Almeida: o Estadista da República Riograndense” de Carla Menegat.

13/05/2010 – 19h – ESPAÇO CULTURAL RUI BARBOSA – SALVADOR-BA:

Lançamento do livro “Desafios da Ética na Administração Pública” de Rommel Robatto.

24/05/2010 – 19h – LIVRARIA CULTURA CONJ. NACIONAL – SÃO PAULO – SP:

Lançamento do livro “A MAGIA DO RÁDIO” de Valdir Comegno.

A Magia do Rádio relembra os acontecimentos e nomes, com biografias de atores, cantores e radialistas, relacionados à trajetória da radiodifusãono Brasil. O autor – Valdir Comegno – tem uma coleção de aproximadamente 15 mil registros fonográficos que incluem diversas raridades. O livro, que é rico em ilustrações, com fotos inéditas, focaliza fatos e personagens marcantes da história do rádio no Brasil, desde sua implantação na década de 20 até à década de 60, quando essa era artística entra em crise, com a rígida censura imposta pelo Regime Militar, culminando com a intervenção da Rádio Nacional e com o fechamento da Rádio Mayrink Veiga. Resgata nomes como Francisco Alves, Carmen e Aurora Miranda, Sylvio Caldas, Dalva de Oliveira, Aracy Cortes, Vicente Celestino, entre outros. Com leitura leve e agradável, o autor apresenta momentos da Era de Ouro do rádio brasileiro, quando animadores levavam os auditórios à loucura anunciando os artistas mais famosos. O livro é resultado de dez anos de criteriosa pesquisa do Professor Valdir Comegno, crítico de Cinema, professor e geógrafo.

Livraria Cultura Conjunto Nacional – Av. Paulista, 2073 – Loja 151 – Artes – Bela Vista – São Paulo/SP

25/05/2010 – 19h – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO PARANÁ:

Lançamento do”Boletim Especial
110 anos do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”.
&
Lançamento do livro-catálogo “Historiadores Paranistas em homenagem aos
110 anos do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná”.

26/05/2010 – 19h – FNAC – SHOPPING BARIGUI – CURITIBA-PR:

Palestra/ bate papo com a professora Isabel Furini – autora do “Livro do Escritor”
sobre os desafios de escrever um livro.
&
Lançamento do livro “Oratória Forense: Técnicas e Estratégias”
de Isabel Furini.
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NO PRELO:

VALE DO IVAI – BRAZ MIRANDA DE SÁ
TRADIÇÃO E TRAIÇÃO – FAHED DAHER
O ANDEJO E A PROSTITUTA – CARLOS ZATTI
ESCORPIÕES VERMELHOS – CHINEDU OKAFOR
EDUCAÇÃO: TRAJETÓRIAS – ELINOR ESCHHOLZ RIBEIRO
SALVADOR: CANTOS E ENCANTOS – ANTHONY LEAHY
DICIONÁRIO DE CURITIBANÊS – ANTHONY LEAHY
SEMANA PEDAGÓGICA UEM – MARTA CHAVES

Aqui o autor nacional tem Vez e Voz!
Anthony Leahy – Editor

Instituto Memória Editora

Editora Destaque pela Câmara Brasileira de Cultura
por dois anos consecutivos – 2008 e 2009.
(41) 3352 3661 – 3352 4515
www.institutomemoria.com.br
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Fonte:
Colaboração de Anthony Leahy

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Trova 140 – Nilton Manoel (Ribeirão Preto/ SP)

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21 de abril de 2010 · 16:18

Durval Mendonça (Trovas que eu Dou à Vida !) Parte I

Felicidade – mosaico
de pedrinhas coloridas,
que, em meu destino prosaico,
não consigo ver unidas.

Poças que o mar faz na areia…
Ao vê-Ias, paro e medito
nessa humildade tão cheia
das estrelas do Infinito.

Eu luto desde menino,
com bravura redobrada,
neste jogo em que o Destino
joga de carta marcada.

Quando a noite vem descendo
e o mundo parece em calma,
existe um mundo fervendo
na inquietação de minha alma.

Eu conto por sete dedos,
sete sonos que me tiras,
porque tens sete segredos
por trás de sete mentiras.

Lágrima a lágrima faço
de amarguras meu rosário…
Vou levando, passo a passo,
minha cruz ao meu calvário.

Aleijadinho, com traços
que o teu cinzel pôs na História,
A Via Sacra dos Passos
levou teus passos à glória.

Entra o sol pela vidraça
e em teu leito empalidece,
deslumbrado pela graça
que teu corpo lhe oferece.

Quantas lágrimas choradas
numa angústia que comove…
É o retorno das jangadas…
Saíram dez, voltam nove…

Vejo os espaços profundos
contraditando os ateus.
Há, no mistério dos mundos,
toda a evidência de um deus…

Este olhar perdido e triste,
na curva, longe, da estrada,
é tudo que ainda existe
de uma promessa quebrada…

A praia é cama estendida,
onde o mar e a lua cheia…
– Cala-te, boca atrevida,
não fales da vida alheia!

A garoa é ouro fino
das arcas celestiais
que desce em fluido divino
na terra dos cafezais …

Caminhos da minha infância
que a saudade inda percorre…
Tudo morreu na distância
e esta saudade não morre…

Vai o rio em cantochão…
Suas águas se lamentam.
Parecem pedir perdão
às pedras que as atormentam

Se um mendigo te procura
e tens escasso o dinheiro,
dá-lhe um gesto de ternura,
que talvez seja o primeiro…

Essa lágrima, luzindo
em teus olhinhos, meu bem,
é o sofrimento mais lindo
que vi no rosto de alguém

Minhas trovas são lampejos
em minha alma entristecida;
risonhos ou tristes beijos
que dou na face da vida.

O que me causa estranheza
num mundo assim tão estranho
é ver tamanha pobreza
e riquezas sem tamanho.

Se vai às compras, Maria
compra tudo que é preciso;
se o vendeiro não lhe fia,
paga à vista com um sorriso…

Ao fim de instantes felizes,
quando me dizes adeus,
parece, amor, quando o dizes,
que o céu vai ficar sem Deus.

A vida é roda de fogo,
gira em franco desatino…
Cartas sem naipe de um jogo
em que o parceiro é o Destino.

Da juventude risonha
perdido nos torvelinhos,
vi marias-sem-vergonha
florindo o pó dos caminhos.

Cai a noite e neste quarto
que há muito você não vê,
meu coração anda farto
desta escassez de você.

Cachaça sempre dá jeito,
quando a saudade me abafa:
ponho a cachaça no peito
e a saudade na garrafa

Pela noite, a, lua avança
atrás do sol, sem parar;
depois, frustrada, se lança
nos braços frios do mar.

Tempo, terrível moinho!
Mói a vida sem piedade
e deixa o pó no caminho
que conduz à eternidade…

Aleijadinho, os Profetas
– teu milagre de escultura –
têm almas, todas repletas
de tua imensa ternura.

Eu não pude ver ainda
a razão desse teu pranto;
uma lágrima tão linda
não a tem quem sofre tanto.

Como a lua é lisonjeira,
quando eu canto em serenata!
Ela aplaude a noite inteira,
batendo palmas de prata.

No caminho da virtude
há tantas pedras plantadas,
que, confesso, jamais pude
percorrê- lo, sem topadas.

Perdão, Senhor, se não pude
perdoar quem me ofendeu.
A vida tornou-me rude;
perfeito és Tu e não eu.

Coração, eu já lhe disse:
Tome cuidado, porque
eu faço muita tolice
depois… quem paga é você.

Já na casa dos oitenta,
na solidão dos meus dias,
que saudade dos setenta,
quando penso nas Marias!

Criança brava, e atrevida
faz da vassoura um corcel
e enfrenta os mares da vida
num barquinho de papel.

Eu vejo, de minha rede,
nas noites quentes de estio,
a lua matando a sede
nas águas frescas do rio.

Eu acredito que foi
em Belém, na gruta escura,
que os olhos triste do boi
ganharam tanta ternura.

Garoa… Frio… Demoras…
Serão seus passos? Oh! Não…
É o passo triste das horas
passando na solidão.

Como parece inclemente
este maldito ciúme:
Aperta o peito da gente
com travor de pedra-ume.

Nosso destino na vida
tem sempre este fim e só:
uma caveira esquecida
sobre um punhado de pó

Esta lágrima indiscreta,
que vês, agora, em meu rosto,
é o lamento de um poeta
na agonia do sol-posto.

Perdido em duras andanças,
cansado, devagarinho,
vou deixando as esperanças
junto aos cardos do caminho.

As pedras são singulares
– conversam dois capelães –
de umas se fazem altares,
outras se atiram nos cães.

Ao ver crianças em bando
que passam rindo, por mim,
fico feliz relembrando
os bandos que tive assim.

Este mar de cara feia,
de adamastores e lendas,
é o mesmo que, à lua cheia,
recobre as praias de rendas.

Como é triste o olhar parado
que, das grades da prisão,
pensativo, o encarcerado
deixa livre na amplidão…

Em meu barraco de zinco,
sem ninguém, sem afeição,
eu deixo a porta sem trinco,
mas só entra a solidão.

O caminho preferido,
aquele que tem mais graça,
tem placa, de “Proibido”,
mesmo assim a gente passa.

Essas vitórias compradas,
que a gente vê a granel,
são farsas mal disfarçadas,
desses heróis de papel.
=================

Fontes:
– UBT Juiz de Fora
– Imagem = http://mensagensemppszelia.blogspot.com/

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Jorge Luis Borges (Instantes)

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser perfeito; relaxaria mais.

Seria mais tolo do que tenho sido; na verdade,
bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvetes e menos lentilhas,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente
cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria.

Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabes, disso é feita a vida, só de momentos,
não percas o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas;
se eu voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço
no começo da primavera, e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vida pela frente.

Mas vejam, tenho 85 anos
e sei que estou morrendo…

Fonte:
Átila José Borges (coligidas por AJB). As 100 mais belas mensagens. Curitiba: Editora Entre Nuvens e Estrelas.

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Rosana Bond (Lançamento de Livro e Revista sobre o Caminho de Peabiru)

O Peabiru, a mais importante via transcontinental pré-colombiana da América do Sul é o tema do novo livro de Rosana Bond, que será autografado nos dias 14 e 15 de maio, nas cidades de Peabiru e Campo Mourão.

Nos mesmos eventos será lançada também a revista Cadernos da Trilha, em homenagem ao NECAPECAM (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM), contendo artigos de vários autores da região sobre temas peabiruanos, além de mapas e fotos de peças arqueológicas descobertas na área. A revista será distribuída gratuitamente.

O livro é o 15º da escritora paranaense, jornalista, membro do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo e editora-chefe do jornal A Nova Democracia, editado no Rio de Janeiro.

A obra, História do Caminho de Peabiru – Descobertas e segredos da rota indígena que ligava o Atlântico ao Pacífico, da Editora Aimberê (RJ), tem dois volumes. O segundo deverá sair em breve.

Conforme a autora, o texto traz informações inéditas sobre essa estrada, que passava pela região da COMCAM e “que costuma ser comparada ao famoso caminho de Santiago de Compostela”.

Revelações indígenas

Resultado de 14 anos de pesquisas, a obra é a primeira no país que inclui uma visão indígena sobre o assunto. “Devido à nossa longa amizade, os guaranis permitiram generosamente que eu tivesse acesso à sua memória ancestral sobre o Peabiru, com revelações que geralmente não são passadas aos brancos “– esclareceu Rosana.

O Caminho unia o Atlântico ao Pacífico, indo do litoral sul brasileiro ao litoral do Peru e Chile. No Brasil, começava na costa de S.Catarina, Paraná e S.Paulo. Um de seus ramais passava pela área da COMCAM.

Tinha cerca de 4 mil quilômetros de comprimento e vários de seus trechos eram forrados por tipos de gramas que se propagavam pela trilha, sem precisar de plantio. Há quatro hipóteses principais sobre seus possíveis construtores:o povo itararé; o guarani (em busca de um paraíso, a Terra Sem Mal); o inca (e pré-inca) e a figura mitológica chamada pelos índios de Sumé e, pelos padres, de S. Tomé.

Muito mais longo

Segundo Rosana, uma novidade incluída no livro foi o comprimento real do Peabiru. Até pouco tempo atrás, a autora pensava que o Caminho tivesse aproximadamente 3 mil quilômetros de uma ponta a outra. Porém, “ao terminar a pesquisa tive que rever a conta, pois notei que o número mais próximo do real é cerca de 4 mil quilômetros” – esclareceu.

Uma das razões que fez a jornalista modificar o cálculo foi uma outra descoberta: o ponto exato de chegada do Peabiru no oceano Pacífico.

Vários autores, há mais de 50 anos, diziam que o Caminho “emendava-se” com as estradas incas e pré-incas e terminava no Pacífico, no sul do Peru.

“Eles não estavam errados, pois existiram pontas do Peabiru no sul peruano, porém a informação estava incompleta” – disse a escritora. “Verifiquei que existiu um outro ramal na costa do atual Chile, pouco conhecido pelos estudiosos brasileiros até hoje. Foi por este trecho que muito possivelmente os guaranis completaram a caminhada do Peabiru do Atlântico até o Pacífico. Diversos pesquisadores latinoamericanos descobriram, desde o século 19, vestígios arqueológicos guaranis bem perto do litoral chileno, a uns 60 quilômetros da praia. Além disso, foram identificados mais de 300 topônimos guaranis no Chile”.

Outra novidade do livro é a datação do Peabiru, que até agora era um ponto de interrogação aos pesquisadores. “Tratava-se de uma informação desconhecida, não havendo sequer uma data suposta. Agora, sabendo dos achados chilenos, se pode sugerir pelo menos uma datação de referência. Pode-se lançar a hipótese de que o Caminho teria sido completado pelos guaranis, até o Pacífico, cerca de 1500 anos atrás”.

Os lançamentos da revista e livro acontecerão no dia 14, às 19 horas, na Câmara Municipal de Peabiru. E no dia 15 em Campo Mourão, às 19:30 h, na Biblioteca Municipal (rodoviária velha).

Com 280 páginas, o preço da obra é R$ 23.

Fonte:
Colaboração de Sinclair Pozza Casemiro

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Dinair Leite Premiada no VII Jogos Florais de Pitangui

Jupyra Vasconcelos (MG), Dinair Leite (PR), Dodora Galinari (MG),
Joana D’arc da Veiga (RJ) e Wanda de Paula Morthé (MG)

Dinair Leite, Delegada da União Brasileira de Trovadores – UBT Paranavaí, foi premiada no VII Jogos Florais de Pitangui – MG, concurso nacional e internacional de Trovas, promovido pela UBT Pitangui, em cerimônia no dia 13 de março.

O presidente da UBT de Pitangui, José Antonio de Freitas, destacou a excelência dos trabalhos, que contou com concorrentes de Portugal e Brasil.

A paranavaiense foi premiada na categoria vencedora – humorística – com o tema “Jacu”, considerado pela organização do certame como um “desafio aos trovadores, que por honra ao ofício, trabalham com qualquer tema proposto”.

A linda trova premiada foi:
“No gabinete invocado
o jacu cuspiu no chão…
Sorriu verde o deputado,
era tempo de eleição”!

Fonte:
Colaboração de Cristina Leite Goetten

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Eduardo Campos (Drama de Rua Ao Entardecer)

Era como se dava todas as tardes, logo atenuado o calor. Tudo que acontecia por então, na rua, parecia entretecer os vagares de cada um com as coisas transcorrentes. Assim a senhora do sobrado aparecia na varanda, recendendo a extrato e a leve odor de talco de jasmim, enquanto os seus olhos de muito olhar e pouo ver ignoravam o vendedor de pão da tarde, ou o ir-e-vir de tantos, por motivos os mais diversos (às vezes até inconfessáveis), ganhando a rua… E ela, por cima de todos, lá do alto, sentia-se realizada, dona de seus próprios pensamentos e refrescada de cheiros que lhe alvoroçavam indistintas lembranças. A espaços, a senhora do sobrado exigia a presença de pessoa da casa, que, demorando em atender, aborrecia. Então dizia com certa asperidade:

– Você vem ou não vem?

E a “Você vem ou não vem” – empregada de vida e feições consumidas – também assomava à varanda, toda metida em receios, quase sempre a confirmar tudo que a patroa propunha…

– Aquele tipo não é o mesmo sujeitinho que vem rondar a casa da viúva? Hoje, só mudou a camisa! Meu Deus, como é espalhafatoso!

A outra, em voz sumida e costumeiramente medrosa, arriscava: – Acho não… É nadar!

.-E aquilo? que é?

– … melhor a senhora botar os óculos.

– Preciso não! São os meninos brincando…

E em tom de afetado azedume:

– Vá chegando logo pra sua cozinha. Fico melhor sem sua parceria…

A porta da casa defronte abriu-se, deixando sair um rapazinho. Logo atrás, vagaroso, apareceu o velho. Foi quando alguém, do interior, com bastante má vontade, advertiu: .

– Cuidado, moleque! Juízo!.

O homem de idade, acompanhando o empregado e guia, convivia com teimosa névoa a lhe tomar os olhos. Em verdade não mais podia reconhecer as pessoas com quem falava, ainda que demorassem perto. Agora, pisando a rua, de repente achou-se envolvido pelo perfume da senhora do sobrado. Não sem razão quis saber:

– É ela? já está lá?

– Faz é tempo… Desde a passagem do vendedor de picolé.

– E o namorado da viúva?

– Indagorinha desceu do ônibus.

– Ah,… . considerou o homem, depois de breve tempo, como se algo estivesse errado. O Estou saindo tarde, hoje. Já vi que vou demorar pouco, tomando ar na praça…

Ao alcançarem o primeiro banco do jardim, as vozes das crianças retomaram o refrão de cantiga de roda, algo. muito doce e sentimental, que ele imaginou estar ouvindo em seu passado. Foi o suficiente para sentir-se mais dolorido em sua condição de pessoa desamparada.
E se sentou, tocado. pela incômoda sensação de desamparo e abandono. Depois de breve instante, chamou:

– Francisco… Você está aí: e mais inseguro, tornou a falar.

– Onde você se meteu, menino?

Um carro buzinou; outro, rente à calçada, passou carregando pessoas ruidosas. O ônibus estacionou na esquina, para desapear um passageiro abusado, a reclamar o valor do troco da passagem. Palavrões. Xingamentos. A senhora da varanda do sobrado chamou a

– Você vem ou não vem..

Reparasse, referia, o doido do Francisco . um grande irresponsável! abandonara o pobre velho e agora, muito curioso, do outro lado do passeio, vigiava o furgão da padaria.

– Grite alto, chame de volta aquele imbecil! Onde já se viu uma coisa dessa?!!

– Era bom eu descer, ver lá embaixo… A gente falando mais de perto é melhor.

– Aí você vai se grudar, preguenta que é, e não retorna tão cedo! Lhe conheço as manhas… Quero que grite.

– “Você vem ou não vem” resistia:

– Melhor mesmo eu descer… De perto ajudo mais. Afinal a senhora do sobrado, decidida, debruçou-se no peitoril da varanda, a voz empostada, nervosa:

– Moleque, retome ao banco! O cego não pode ficar sem companhia! Estará doido?!

O barulho prosperara, bastante intenso. Mais carros, mais coletivos barulhentos, e como se não bastasse tudo isso, um automóvel, de alto-falante montado na capota, anunciava os preços inacreditáveis do dia D da economia. Ao velho acudiu então vontade de levantar-se, não. obstante desvanecido, e, ainda que trôpego, ir-se dali, a recolher.

Era perigoso, sabia, deixar a praça, desafiar o tráfego. Podia acabar morto.

Refluiu da idéia insensata e, instintivamente, mais a jeito e resignado, acomodou-se outra vez, a olhar para o que não podia ver. Estava assustado. Não apreciava ficar sem alguém por perto, sem companhia, a se considerar um ser qualquer, diluído no tempo…

Não, não estava só, se disse a si mesmo. As crianças continuavam cantando. E só por isso não podia escutar, distintas, as palavras gritadas do sobrado.

Mas de repente – e tudo ocorreu de modo bastante inesperado – ele percebeu que pessoa atrevida lhe arrebatara o relógio do pulso, e, ligeiro, com mão pesada e agressiva, já alcançava os seus pés, enquanto ia comandando exigente:

– Os sapatos! Os sapatos!

Quando cessou a ação desse intruso, pôde compreender que perdera o relógio de fingir… e restara descalço. A “Você vem ou não vem”, perto dele, ofegava pela carreira a que se impusera até ali.

. Pelos céus, lhe tiraram tudo, até os sapatos!

Refeito do susto, trêmulo, esclarecia:

Ah!, o meu relógio, os tênis…

A voz escapara-lhe em desalento e magoada.. Tornou repetir:

. Meu relógio…os tênis…

Quis acrescentar mais, e não pôde. Em verdade não encontrou palavras para descrever a cena, o vexame vivido, a horrível ação da mão áspera e rude arrebatando-lhe as coisas.

. Meu Deus, o que aconteceu ao meu patrãozinho?!

Era Francisco, atarantado, ante o infortúnio do outro. E cobrava explicações, novos detalhes, a se valer de quem, por acaso estando por perto, houvesse testemunhado o imprevisto.

– Tinham batido no patrão? Carregaram os sapatos?.

Como se prestasse depoimento, alguém explicava: .

Os artigos roubados eram de primeira. E secundando: – um enorme prejuízo para o cidadão.
Cercado agora pela multidão, a vítima aceitava a deplorável situação, a assumir o drama. Dava-se por personagem principal, mais ficcional que real.

– Ah, meu rico relógio de herança!

– Já tinham oferecido dinheiro nele?

Atarantava-se para explicar, e a perceber que não podia decepcionar aquela gente solidária, não confessou, por exemplo, que o relógio nem corda mais pegava, e os sapatos, bem, os sapatos fediam de tão surrados, bons só de aparência. No interior de ambos a palmilha, lacerada, não mais impedia que a sola do pé tocasse ao chão . O homem é de família, tinha tudo de bom! “acudiu um desconhecido”. Ladrão de hoje só quer artigo de moda. A tanto ele aquiescia, a voz insegura, circunstância que dava aos presentes o exato sentimento de perda dolorosa.

Já de pé, deixando o banco, viu-se cercado de mais atenções, reconfortado como jamais ocorrera antes.

– Por aqui, senhor… Cuidado, senhor – recomendavam as vozes.

Por um instante pensou que também o invejavam… Foi andando, a pisar o chão, diabo de chão quente, forrado de areia e pedrinhas incômodas! Mas aguentou firme a caminhada vagarosa em direção a casa da nora, onde morava. Atrás, em alvoroço, o cortejo azafamado de pessoas, biscateiros ,e desocupados, todos álacres, empurrando-se uns aos outros.

Assim atravessaram a rua, enquanto os automóveis paravam; até o ônibus circular demorou no estacionamento, enquanto o motorista e passageiros metiam a cabeça às janelas, querendo saber que diabo era aquilo….

Do alto da varanda do sobrado a senhora perfumada, impaciente, não perdia sequer um momento do acontecimento. E quando o ancião ficou mais ao alcance de sua voz, fez questão de comentar em tom bastante altanado:

– Bravo! Que homem! Que resistência!

Fonte:
Eduardo Campos. A borboleta acorrentada. Fortaleza: Casa de José de Alencar / Programa Editorial, 1998. (Coleção Alagadiço Novo)

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Nilto Maciel (O Contista Eduardo Campos)

Embora não tenha alcançado notoriedade no resto do Brasil, no restrito espaço da crítica literária, Eduardo Campos tem seu nome gravado em alguns importantes compêndios de História da Literatura. Assim, está presente em A Literatura no Brasil, de Afrânio Coutinho, pelo menos no ensaio de Herman Lima: (…) “folclorista de altos méritos, tem, naqueles livros (refere-se aos três primeiros da bibliografia do contista), alguns contos regionais e psicológicos da melhor marca, a exemplo de “Os Abutres” e “O casamento”, o último, principalmente, na sua força bem da terra cearense, dos mais belos da atualidade brasileira”.

Eduardo Campos é um mestre do conto psicológico. No conto “O Afogado”, do livro As Danações, o drama parece ir se deslocando não de lugar, mas de personagem, sob a óptica do narrador onisciente, que aqui e ali dá voz a algumas personagens secundárias. Na verdade, o protagonista e aquela que seria a co-protagonista pouco agem, nada falam. O lugar é uma praia, a lembrar Fortaleza. Um pedaço de praia, onde banhistas e barraqueiros se locomovem. Toda a ação se dá em poucas horas, que vai da chegada dos namorados, talvez no meio da manhã ou já de tarde, ao anoitecer, quando a lua retornou “redonda e luminosa”. As personagens, no entanto, vão cedendo lugar a outras. Assim, José Joaquim, que se afogaria logo após os primeiros momentos da história, e Rosinha, sua namorada, mal se dá a tragédia, vão desaparecendo (ele, obviamente, por sumir nas águas) e em seu lugar surgem personagens secundárias, a beber, conversar, falar do afogamento. O protagonista seria o afogado? Ou seria a podridão moral dos homens? No final, com o surgimento do cadáver, um “toco humano” “a girar lento”, com os “dois calcanhares nus, desfigurados”, o narrador arremata a narrativa com uma frase moralista: “Foi quando os homens, amesquinhados, começaram a pensar que não era o afogado que malcheirava, mas eles, que haviam apodrecido em vida”.

No livro Três Momentos da Ficção Menor, F. S. Nascimento analisa o conto “O Abutre”, no “Momento III” e defende a tese de que “já em 1946 esta concepção de “new short story” era praticada no Ceará, efetivando-se na criação de “O Abutre”, de Eduardo Campos.” Na justificativa de seu ponto de vista, o crítico conclui: “o que se evidenciam no curso desta narrativa são impulsos solitários gerando monólogos interiores que se convertem em projeções visionárias. São mergulhos no inarticulado, em que os reflexos assomam em forma de ilusões. São engolfamentos do ser, onde a palavra reponta como um disparo em meio de um silêncio funesto e perturbador. Por tudo isso, “O Abutre” se impõe como um modelo da “new short story”, sendo tão atual quanto “Cão Vadio” de Fran Martins, “Os Sete Sonhos” de Samuel Rawet, “A Coisa” de Garcia de Paiva” e qualquer uma das unidades narrativas de O Casarão, de Caio Porfírio Carneiro.”

Eduardo Campos, no entanto, não se repete nas formas de narrar. Assim, no conto “A Viúva Enganada”, do mesmo livro As Danações, embora também se valha da onisciência, da narração entremeada de diálogos, e Fortaleza seja o lugar da ação, mais precisamente o Pirambu, o conflito central se vai delineando sutilmente. A protagonista, Paulina, viúva do pintor de paredes Chico Pedro, é, como o leitor, surpreendida, ao final, com a chegada da outra, para o velório. A surpresa, no entanto, deixa de ser surpresa, se se atentar para o título da narrativa. Assim, o desenlace se esboça não no começo, mas no título, o que não deixa de ser curioso, se não for original.

No conto que dá título ao livro o contista também não muda o ponto de vista, e a narração vem recheada de falas curtas e diálogos breves, acrescentado o discurso indireto livre, embora ainda sem muita ousadia. O conflito, ainda uma vez, se dá no desfecho e na forma utilizada no conto analisado anteriormente, isto é, ele, o conflito, se apresenta não no início da narrativa, mas no título, embora de forma implícita ou simbólica, vez que o vocábulo “danações” pudesse e possa ter variadas conotações.

Na opinião de Braga Montenegro, no ensaio “Eduardo Campos, Contista”, publicado como apresentação de O Abutre e Outras Estórias (1968), “é no conto onde melhor se manifestam suas qualidades de talento”. E acrescenta que se manifesta, “com maior freqüência, em Eduardo Campos o feitio de um escritor regionalista, no que não lhe vai qualquer restrição”. Mais adiante argumenta: “Suas inclinações de contista operam com maior força nos elementos de fabulação, nos problemas de essência, nos componentes, por assim dizer, narrativos, que dão às suas estórias um tom conteudístico de ação muito evidente, mas lhe retrai em parte a disposição criadora expressiva”.

Em O Abutre e Outras Estórias, possivelmente escrito logo após As Danações, Eduardo Campos utiliza outros focos narrativos. Assim, em “O Casamento ”, se vale do ponto de vista do escritor onisciente, que dá voz às personagens em breves diálogos diretos e também em um monólogo interior. O mesmo ocorre em “Céu Limpo”. No entanto, em “Ela Era Seu Lar” o contista dá uma guinada de muitos graus, ao deixar de lado a tradicional narração em terceira pessoa, com diálogos, utilizando um misto de monólogo interior e narração de observador, sem nenhum diálogo. Como aqui: “Ao regressar do banho, cantarolando (terá forças para tanto?) não achará a mesa posta, com a dignidade anterior, e nem os pratos, os tomates ao natural, recortados caprichosamente”. E aqui: “E principia a notar que foi antes um trambolho, um ser inútil dentro de casa”.

No artigo “O Ficcionista Eduardo Campos”, (EL), Francisco Carvalho analisa o volume de contos Dia da Caça assim: “São contos de estrutura relativamente simples, em que se evidencia a familiaridade do Autor na abordagem de certas manifestações do lirismo popular, ao lado de uma particular sensibilidade pelos termos ligados à terra e ao homem”. Em outra passagem argumenta o crítico: “Os seus processos narrativos são bastante simples e não revelam qualquer preocupação imediata de originalidade estilística”.

Passando dos primeiros livros para os mais recentes, como A Borboleta Acorrentada, observa-se que a linguagem do contista em nada mudou, consciente de que os modismos passam e o mais valioso na obra literária não está na aparente transgressão de normas. O ponto de vista onisciente ou da terceira pessoa Eduardo Campos não abandonou, mesmo quando a maioria optou pela primeira pessoa. Assim também o uso da narração seguida de diálogo, raras vezes se valendo da linguagem puramente oral, dando preferência à literária, sem afetação. O conto “Depoimento ou Descrime Com Muito Amor” é constituído todo ele de um diálogo, quebrado apenas na última fala, como numa chave-de-ouro. Talvez assim idealizado para que o desfecho se retardasse e atingisse o leitor com mais agudeza. Apesar desse apego à narração, o contista não esqueceu as outras linguagens, como o discurso indireto livre. No conto “À Viúva de Anágua, Canário e Gato, Tudo Pode Acontecer” isto ocorre logo no início e em diversos momentos da narrativa. Percebe-se também a presença, embora não muito freqüente, do monólogo interior indireto. As personagens continuam bem delineadas, definidas, como se fossem retratos do cotidiano. Até mesmo aquelas que nas mãos de alguns narradores poderiam se transformar em personagens bizarras, irreconhecíveis aos olhos dos leitores de outras culturas. Assim também se pode falar da apresentação dos conflitos das narrativas. Nada de explicações, volteios circenses, excesso de figurantes e cenários. Tudo muito comedido, como se escrevesse para o palco ou o cinema mais artístico, criativo. Nada hollywoodiano. Veja-se o conto “O Reencontro”. O homem que volta ao lar, após anos e anos (“o desgaste físico, a irremediável fragilidade do homem vencido”), bate à porta da ex-esposa, subserviente, aniquilado, a confissão de desamparo (“Ela largou você? Mais ou menos.”), a recordação (“E nossos filhos? Fale-me deles…”). Tudo muito medido, sem meias-palavras. Tudo muito bem pintado, porém sem extravagâncias, apenas cadeiras, os quadros da sala, o velho sofá, o tapete. E closes, muitos closes, no rosto, nas rugas, nos braços do homem desiludido.

Na opinião de Herman Lima, “os contos “O Abutre”, de Eduardo Campos, e “Lama e Folhas”, de Moreira Campos, por exemplo, são dos mais belos e originais, que já se escreveram entre nós, em qualquer tempo”.

Fonte:
Nilto Maciel. Jornal de Poesia.

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Érico Veríssimo (O Navio das Sombras)

É noite escura e o cais está deserto. Ivo ergue a gola do sobretudo. Sente muito frio, e o silêncio enorme e hostil enche-o de um vago medo. Vai viajar. Mas é estranho… Tudo parece diferente do que ele sempre imaginara. O grande transatlântico se desenha sem contornos certos contra o céu de fuligem. Não se vê um só vulto humano no cais. Adivinha-se, entretanto, na treva, a presença rígida e gelada dos guindastes.

Os minutos passam. Ivo olha. Sim, agora vê com mais clareza a silhueta do grande barco. A grande Viagem! O seu sonho vai se realizar. Ficarão para trás todas as suas angústias. É uma libertação. Devia estar alegre, sacudir os braços, correr, gritar. Mas uma opressão estranha o paralisa. Que é isto? Onde estão os outros passageiros? Onde se meteu a tripulação? É inquietante este silêncio noturno. E pavorosa esta sombra glacial que envolve tudo. Ivo quer lançar ao ar uma palavra. Pronuncia bem alto seu próprio nome. O som morre sem eco. O silêncio persiste. Então ele começa a sentir um mal-estar que nem a si mesmo consegue explicar.

Divisa aos poucos, vultos imóveis na amurada do paquete. Parecem guardas petrificados dum barco fantasma. Por que não se movem? Por que não falam? A esta hora a orquestra de bordo devia estar tocando uma marcha festiva. Carregadores gritando. Passageiros, empregados de hotel, agentes da companhia de navegação, guardas — muita gente devia andar pelo cais num formigamento sonoro. No entanto reina o mais espesso silêncio… Ivo dá dois passos e é tomado duma esquisita sensação de leveza. Caminha sem o menor esforço. E como se não encontrasse nenhuma resistência no ar, como se suas pernas fossem de algodão.

Mete a mão no bolso. Sim, ali está a sua passagem. Fica mais tranqüilo e encorajado. Pode embarcar. Deve embarcar… Seria decepcionante perder o navio…

Dirige-se para a prancha. Hesita um instante antes de partir, porque a seus ouvidos soa, muito fraca, muito abafada, uma voz amiga.

— Ivo, Ivo querido, não me abandones! Inexplicável. De onde veio a voz? Volta a cabeça para os lados, procurando. Só encontra a escuridão fria e inimiga, O navio apita. Um som soturno, grave e prolongado, enche a grande noite. E uma queixa, quase um choro e, apesar disso, tem um certo tom de ameaça. Nesse apito rouco Ivo sente o pavor do oceano desconhecido na noite negra, a angústia dos navios perdidos a pedirem socorro, a aflição dos náufragos, o horror das profundezas do mar. O apito uivante e áspero parece feito dos gritos de todos os afogados, de todos os mares.

Ivo sente-se desfalecer de medo.

— Meu Ivo, por que foi? Por que foi?

Outra vez a voz. Ivo estremece. De onde vem aquela voz? Na amurada, os vultos continuam imóveis. Nenhum deles podia ter falado assim com aquela ternura longínqua. Porque eles devem ter uma voz cavernosa de pedra.

Parado ao pé da prancha, Ivo olha para o alto. Vê um homem na extremidade superior da escada. Está de pernas abertas, braços cruzados, olhando para baixo. Ivo não lhe pode distinguir £s feições. Mas é curioso, ele sente a força de dois olhos magnéticos que o fitam. E aquele olhar é um chamado, uma ordem.

Começa a subir. Lembra-se de um trecho de antologia da sua infância. André Chenier subindo as escadas do cadafalso. Sim, ele sente que vai ser guilhotinado. Lá em cima está o carrasco. Ou será apenas o capitão? Ivo sobe. Um, dois, três, quatro degraus … O frio aumenta, Ivo começa a tiritar. Cinco, seis, sete. Sente uma fraqueza, uma tontura. Subiu apenas sete degraus, mas agora o cais está tão longe de seus pés, que ele tem a sensação de se encontrar no alto duma torre altíssima. O vento sopra gelado como a face dum morto. Mas por que lhe vêm com tanta insistência esses pensamentos macabros? Esta não é então a Viagem, a sua desejada aventura transoceânica? Deve então alegrar-se, cantar . . . Procura assobiar uma ária alegre. Mas o vento lhe impõe silêncio. Ivo sobe sempre . . . Quando senta o pé no navio, não vê mais o capitão. Volta os olhos e só enxerga a noite, a grande noite, a densa noite.

Por que não acendem as luzes deste navio? Senhores, as luzes! Outros vultos passam. Mulheres, homens, crianças. É aflitivo. Ivo não lhes pode ver os rostos. E o silêncio apavorante!…

Ivo se aproxima dum homem que se acha encostado à amurada.

— Por favor, meu amigo, pode me dizer se este vapor é o…

Cala-se. É assustador. Ele não sabe o nome do barco em que entrou. Como foi isso? Não se trata então duma viagem, da “sua” desejada viagem, por tanto tempo planejada e acariciada? Por que tudo agora está tão esfumado e confuso, como se sobre sua memória tivesse caído um véu? Ivo começa a suar. O suor lhe escorre pelo rosto em bagas frias.

– Pode me dizer onde fica o bar?

Sim, precisa tomar uma bebida qualquer. Deve ser o frio que o deixa assim tão sem memória, tão fraco e trêmulo.

— Cavalheiro, pode me dizer onde fica o sol?

O sol? Mas ele não queria perguntar onde ficava o sol. Jurava que ia perguntar onde ficava o bar.

— Por favor, cavalheiro…

O vulto se move sem o menor ruído e some-se na sombra.

Ivo treme dos pés à cabeça. “Preciso encontrar o meu camarote” diz para si mesmo — “preciso descobrir a minha bagagem” — pensa, numa crescente aflição. — “Deve existir alguém a bordo que possa me explicar. Talvez um doutor… Sim. Estou doente…”

E agora ele tem consciência duma dor, não aguda mas continuada e martelante, bem no lado esquerdo do peito. Leva a mão ao coração. Retira-a úmida. Será sangue ? Sim, deve ser…

Sai a correr apavorado. Um médico! Um médico! Estou ferido, vou morrer,
socorro! Mas suas pernas, de tão leves, agora se vergam. Ivo pára. Ajoelha-se e grita ainda: Um médico! Mas não consegue ouvir a própria voz. Ergue-se, agoniado. Homens, mulheres e poucas crianças continuam a passar. São ainda sombras sem vozes nem gestos.

Ivo procura orientar-se na escuridão. Parece-lhe agora enxergar contornos mais nítidos. Sim. Ali está uma porta. Um corredor. Se ele entrar no corredor talvez ache o seu camarote. Tem agora vagamente a lembrança dum número. 27… 27… Recorda-se de tê-lo visto impresso em algarismos negros sobre um quadro branco. 27… Onde?

De repente tem a impressão de que na memória se lhe abre uma clareira por onde ele enxerga o passado. Mas é apenas um relâmpago. De novo cai a névoa. Já não lhe dói mais o peito. Tudo deve ter sido ilusão … ele não está ferido. As sombras passam. A bruma que vem do mar invade o navio. Onde estará o capitão? O frio e o silêncio persistem. O barco misterioso torna a soltar um gemido rouco e prolongado. Mas – é incrível, incompreensível, endoidecedor — nem o apito consegue quebrar o silêncio.

Ivo caminha sem destino. Não ouve o ruído dos próprios passos. Não tropeça em nada. Aproxima-se da amurada e olha o mar. Só vê a escuridão velada duma bruma de cor doentia.

Um homem se aproxima dele. Ivo olha-lhe o rosto.. Já se lhe distinguem alguns traços. Decerto o hábito da escuridão. Céus, mas que rosto pálido! Parece a cara dum cadáver. A pele está ressequida e tem um tom esverdeado. Os olhos, parados e sem brilho. Os dentes arreganhados…

Agora aparecem outras faces. Uma criança sorrindo um sorriso horrendo. Uma mulher com os olhos furados escorrendo sangue. Um velho com a boca queimada de ácido. Ivo solta um grito… Mas o silêncio continua. Onde estarei? — pensa ele. — Onde estarei? Faz um esforço dolorido para se lembrar.

Quem sou eu? Como foi que vim parar aqui? Onde estão os meus amigos, as pessoas que eu via todos os dias?

O frio aumenta. Ivo sente-se desfalecer. Tem a impressão de estar boiando nas ondas dum mar gelado, como um náufrago; como um iceberg…

Camarote 27! — diz Ivo, – 27… 27… — Seus lábios se movem, mas nenhum som perturba o silêncio do grande barco e da enorme noite.

De repente uma onda morna lhe invade o corpo. Pela proa do navio começa a
nascer uma luz, pálida a princípio, mas a pouco e pouco se fazendo mais viva e dourada. Os olhos de Ivo se agrandam. Aquela luminosidade vai ser a explicação de tudo, a volta da memória… Sim, ele vai descer pela prancha e ganhar o cais. O cais também é negro e silencioso. Mas não há nada como a terra firme. Ele não quer viajar neste vapor tenebroso cujos passageiros são fantasmas. O mar desconhecido é um pavor na noite. Oh Deus! – pensa Ivo – como foi que eu cheguei a desejar esta viagem!? Que louco! Que louco! A luz cresce. O calor aumenta. A voz amiga se ouve mais forte: “Ivo, meu querido, fica comigo!” Sim, ele quer ficar. E preciso fugir do capitão do barco noturno. Ivo dá dois passos para a luz.

Ajoelhada ao pé da cama a moça aperta e beija a mão pálida do rapaz.

— Ivo, não quero que morras, não quero. Por que foi que fizeste isso? Por que foi?

Com a seringa de injeção numa das mãos, o médico contempla o rosto pálido do suicida. Pobre diabo! Perdeu tanto sangue… O corpo está quase frio.

A um canto do quarto, a dona da casa, torcendo o avental, olha muito assustada para a cama. “Por causa do que me devia, ele não precisava fazer isso. Eu podia espe­rar. Não tinha importância. Deus me perdoe. Se eu soubes­se, não tinha vindo hoje trazer a conta. Logo hoje, Nos­sa Senhora!”

Ao pé da janela, o porteiro da casa conversa com um agente de polícia.

— De onde era ele?

— Do interior.

— Tinha família?

O porteiro encolhe os ombros.

— Era um moço muito calmo, muito delicado. An­dava sem emprego. Eu dizia para ele que tivesse paciência. Mas qual! Não agüentou… Há gente nervosa.

Falam já de Ivo como quem fala dum morto. O médico aproxima-se do grupo.

— Fiz uma tentativa desesperada. Injetei-lhe adrena­lina no coração. — Sacode a cabeça. — Não tenho muita esperança. Enfim… acontecem milagres…

Ao ouvir a palavra milagre a velha começa a rezar.

De repente a moça se ergue, como que impelida por uma mola.

— Doutor! Ele está se mexendo… venha! Venha! Os três homens se aproximam da cama. O rosto de Ivo se move, seus olhos se entreabrem. Há um breve instante de aflitiva esperança. Ivo como que se baloiça, indeciso, por sobre as tênues fronteiras que separam a vida da morte.Mas parece haver do outro lado um chamado mais forte. O corpo se imobiliza.

O doutor inclina-se e ausculta-lhe o coração. Olha para a moça e diz, baixinho:

— Sinto muito. Mas não há mais nada a fazer. A dona da casa desata a chorar. Com o rosto contraído numa expressão mais de estupefação que de dor, a rapariga olha do médico para o morto, do morto para a folhinha da parede, onde o número 27 em letras negras se destaca sobre o quadrado branco. Iam contratar casamento, hoje, hoje…

O transatlântico vai partir. O transatlântico apita. É um gemido rouco, longo, doloroso, desesperado, irremediável. Debruçado à amurada, Ivo olha o vácuo. Agora é uma sombra resignada entre as outras sombras. O vento do grande mar desconhecido varre o barco dos suicidas. E todos eles ali vão em silêncio, enquanto na ponte o fantástico Capitão olha com seus olhos vazios a noite insondável.

Fonte:
Contos. Porto Alegre: Globo, 1978. (série paradidática)

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Erico Verissimo, por Armindo Trevisan

Tive o privilégio de conhecer Erico Verissimo, e de freqüentar, durante alguns anos, a sua casa.

Vocês querem que lhes diga o que mais me agradava nele, em termos pessoais? Era, sem dúvida, sua autenticidade, qualidade que, atualmente, nem mais parece existir, ou parece ter sido varrida para debaixo do tapete. Que significa, afinal, essa palavra? Atrevo-me a esboçar-lhe uma definição: é a capacidade de ser o que se é, não se camuflando nenhuma forma de hipocrisia, não sendo mais do que se é, nem menos. Autenticidade. ainda, poderá ser a disposição de se exercitar naquilo que o filósofo Heidegger recomendava: “pensar contra si mesmo”; ou seja: admitir que qualquer pessoa, por ser humana, pode dizer (ou fazer) algo genial, ou inesperadamente original.

Erico não se apresentava, jamais, diante das pessoas,como um rolo-compressor. Era simples, límpido, humilde. Um homem que se igualava aos outros homens, e só se sabia diferente (se é que, algum dia, chegou a tal conclusão) pelo seu talento, que não maximizava.. Foi um dos poucos gênios que fez jus às palavras de Rabindranath Tagore: “Bendito aquele cuja fama não é maior do que sua verdade”.

Referimo-nos, por enquanto, à pessoa do escritor. Que diremos sobre o escritor? À medida que o tempo flui, percebemos que Erico não foi uma luz ofuscante, imprevista, de faróis de automóvel, que nos surpreendem à noite. Não foi um desses escritores de moda, que produzem best-sellers e, algum tempo depois, caem num esquecimento tão clamoroso que parece deboche. Erico principiou devagar, com romances “leves”, agradáveis, bem escritos. Foi crescendo, devagar, refinando-se, quase sem ser notado. Cresceu ainda mais e, de repente, qual erupção vulcânica, surgiu com o Continente, e a trilogia completa de O Tempo e o Vento. Alçou-se a tal altura que se contam, hoje, nos dedos os autores nacionais que podem se equiparar- a ele. Esgotadas as modas, principalmente, os arremedos de linguagem ou, até mesmo, as verdadeiras criações de linguagem de um Guimarães Rosa ou de uma Clarice Lispector, o que subsiste de tanta iconoclastia estilística, de tantos inovadores? Um manjar para eleitos, iguarias como as de Guimarães Rosa, que são mais para serem exibidas num Salão de Culinária Internacional, do que na mesa do trivial variado em que o brasileiro come.

O gaúcho, que se dizia simples “contador de histórias” (que humor, meu Deus!), acabou inspirando gênios, como Gabriel Garcia Márquez, que confessou ter escrito Cem Anos de Solidão sob a influência da Bíblia, das Mil e Uma Noites, e do Continente de Erico.

Por incrível que pareça, o Centenário de Erico deveria levar os rio-grandenses e brasileiros a reavaliarem o nosso romancista. A lerem-no, não apenas como autor de uma história, até certo ponto épica, de nossas origens e de nossa evolução sócio-política, mas também como um autor que escreve com estilo ágil, flexível, suculento, e sobretudo simples. Um estilo que, à maneira dos gregos, só revela a psicologia dos seus personagens através de seus atos.

Fonte:
http://www.estado.rs.gov.br/erico/

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Érico Veríssimo (1905 – 1975)

Erico Lopes Verissimo nasceu em Cruz Alta (RS) no dia 17 de dezembro de 1905, filho de Sebastião Verissimo da Fonseca e Abegahy Lopes Verissimo.

Em 1909, com menos de 4 anos, vítima de meningite, agravada por uma broncopneumonia, quase vem a falecer. Salva-se graças à interferência do Dr. Olinto de Oliveira, renomado pediatra, que veio de Porto Alegre especialmente para cuidar de seu problema.

Inicia seus estudos em 1912, freqüentando, simultaneamente, o Colégio Elementar Venâncio Aires, daquela cidade, e a Aula Mista Particular, da professora Margarida Pardelhas. Nas horas vagas vai o cinema Biógrafo Ideal ou vê passar o tempo na Farmácia Brasileira, de seu pai.

Aos 13 anos, lê autores nacionais — Coelho Neto, Aluísio Azevedo, Joaquim Manoel de Macedo, Afrânio Peixoto e Afonso Arinos. Com tempo livre, tendo em vista o recesso escolar devido à gripe espanhola, dedica-se, também, aos autores estrangeiros, lendo Walter Scott, Tolstoi, Eça de Queirós, Émile Zola e Dostoievski.

Em 1920, vai estudar, em regime de internato, no Colégio Cruzeiro do Sul, de orientação protestante, localizado no bairro de Teresópolis, em Porto Alegre. Tem bom desempenho nas aulas de literatura, inglês, francês e no estudo da Bíblia.

Seus pais separam-se em dezembro de 1922. Vão — sua mãe, o irmão e a filha adotiva do casal, Maria, morar na casa da avó materna. Para ajudar no orçamento doméstico, torna-se balconista no armazém do tio Americano Lopes. Os tempos difíceis não o separam dos livros: lê Euclides da Cunha, faz traduções de trechos de escritores ingleses e franceses e começa a escrever, escondido, seus primeiros textos. Vai trabalhar no Banco Nacional do Comércio.

Continua devorando livros. Em 1923. Lê Monteiro Lobato, Oswald e Mário de Andrade. Incentivado pelo tio materno João Raymundo, dedica-se à leitura das obras de Stuart Mill, Nietzsche, Omar Khayyam, Ibsen, Verhaeren e Rabindranath Tagore.

No ano seguinte, a família da mãe muda-se para Porto Alegre, a fim de que seu irmão, Ênio, faça o ginásio no Colégio Cruzeiro do Sul. Infelizmente a mudança não dá certo. O autor, que havia conseguido um lugar na matriz do Banco do Comércio, tem problemas de saúde e perde o emprego. Após tratar-se, emprega-se numa seguradora mas, por problemas de relacionamento com seus superiores, passa por maus momentos. Morando num pequeno quarto de uma casa de cômodos e diante de tantos insucessos, a família resolve voltar a Cruz Alta.

Erico volta a trabalhar no Banco do Comércio, como chefe da Carteira de Descontos, em 1925. Toma gosto pela música lírica, que passa a ouvir na casa de seus tios Catarino e Maria Augusta. Seus primos, Adriana e Rafael, filhos do casal, seriam os primeiros a ler seus escritos.

Logo percebe que a vida de bancário não o satisfaz. Mesmo sem muita certeza de sucesso, aceita a proposta de Lotário Muller, amigo de seu pai, de tornar-se sócio da Pharmacia Central, naquela cidade, em 1926.

Em 1927, além dos afazeres de dono de botica, dá aulas particulares de literatura e inglês. Lê Oscar Wilde e Bernard Shaw. Começa a sedimentar seus conhecimentos da literatura mundial lendo, também, Anatole France, Katherine Mansfield, Margareth Kennedy, Francis James, Norman Douglas e muitos outros mais. Começa a namorar sua vizinha, Mafalda Halfen Volpe, de 15 anos.

O mensário “Cruz Alta em Revista” publica, em 1929, “Chico: um conto de Natal” que, por insistência do jornalista Prado Júnior, Erico havia consentido. O colega de boticário e escritor Manoelito de Ornellas envia ao editor da “Revista do Globo”, em Porto Alegre, os contos “Ladrão de gado” e “A tragédia dum homem gordo”, onde, aprovadas, foram publicadas.

Erico remete a De Souza Júnior, diretor do suplemento literário “Correio do Povo”, o conto “A lâmpada mágica”. Esse, segundo testemunhas, o publica sem ler, o que dá ao autor notoriedade no meio literário local.

Com a falência da farmácia, em 1930, o autor muda-se para Porto Alegre disposto a viver de seus escritos. Passa a conviver com escritores já renomados, como Mario Quintana, Augusto Meyer, Guilhermino César e outros. No final do ano é contratado para ocupar o cargo de secretário de redação da “Revista do Globo”, cargo que ocupa no início do ano seguinte.

Em 1931 casa-se, em Cruz Alta, com Mafalda Halfen Volpe. Lança sua primeira tradução, “O sineiro”, de Edgar Wallace, pela Seção Editora da Livraria do Globo. No mesmo ano traduz desse escritor “O círculo vermelho” e “A porta das sete chaves”. Colabora na página dominical dos jornais “Diário de Notícias” e “Correio do Povo”.

Em 1932, é promovido a Diretor da “Revista do Globo”, ocasião em que é convidado por Henrique Bertaso, gerente do departamento editorial da “Livraria do Globo”, a atuar naquela seção, indicando livros para tradução e publicação. Sua obra de estréia, “Fantoches”, uma coletânea de histórias em sua maior parte na forma de peças de teatro. Foram vendidos 400 exemplares dos 1.500 publicados. A sobra, um incêndio queimou.

Traduz, em 1933, “Contraponto”, de Aldous Huxley, que só seria editado em 1935. Seu primeiro romance, “Clarissa”, é lançado com tiragem de 7.000 exemplares.

Seu romance “Música ao longe” o faz ser agraciado com o Prêmio Machado de Assis, da Cia. Editora Nacional, em 1934. No ano seguinte, nasce sua filha Clarissa. Outro romance, “Caminhos cruzados”, recebe o Prêmio Fundação Graça Aranha. O autor admite a associação desse romance a “Contraponto”, de Aldo Huxley, o que faz com que seja mal recebido pela direita e atice a curiosidade e a vigilância do Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul, que chegou a chamá-lo a depor, sob a acusação de comunismo. São publicados, ainda nesse ano, “Música ao longe” e “A vida de Joana d’Arc”. Realiza sua primeira viagem ao Rio de Janeiro (RJ), onde faz contato com Jorge Amado, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego e outros mais. Seu pai falece.

Em 1936, publica seu primeiro livro infantil, “As aventuras do avião vermelho”. Lança, também, “Um lugar ao sol”. Cria o programa de auditório para crianças, “Clube dos três porquinhos”, na Rádio Farroupilha, a pedido de Arnaldo Balvé. Dessa idéia surge a “Coleção Nanquinote”, com os livros “Os três porquinhos pobres”, “Rosa Maria no castelo encantado” e “Meu ABC”. Lança a revista “A novela”, que oferecia textos canônicos ao lado de outros, de puro entretenimento. Nasce seu filho Luis Fernando. É eleito presidente da Associação Rio-Grandense de Imprensa.

O DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, exige que o autor submeta previamente àquele órgão as histórias apresentadas no programa de rádio por ele criado, em 1937. Resistindo à censura prévia, encerra o programa. Outra reação ao nacionalismo ufanista da ditadura Vargas se faz sentir na versão para didática da história do Brasil em “As aventuras de Tibicuera”.

Um de seus maiores sucessos, “Olhai os lírios do campo”, é lançado em 1938. Publica, nesse mesmo ano, “O urso com música na barriga”, da “Coleção Nanquinote”.

Erico passa a dedicar a maior parte de seu tempo ao departamento editorial da Globo, em 1939. Em companhia de seus companheiros Henrique Bertaso e Maurício Rosenblatt, é responsável pelo sucesso estrondoso de coleções como a Nobel” e da “Biblioteca dos Séculos”, nas quais eram encontrados traduções de textos de Virginia Wolf, Thomas Mann, Balzac e Proust. Mesmo assim, com todo esse trabalho, arranja tempo para lançar, ainda da série infantil, “A vida do elefante Basílio” e “Outra vez os três porquinhos”, e o livro de ficção científica “Viagem à aurora do mundo”.

Em 1940, lança “Saga”. Pronuncia conferências em São Paulo (SP). Traduz “Ratos e homens”, de John Steinbeck; “Adeus Mr. Chips” e “Não estamos sós”, de James Hilton; “Felicidade” e “O meu primeiro baile”, de Katherine Mansfield. Faz sua primeira noite de autógrafos na Livraria Saraiva.

Passa três meses nos Estados Unidos, a convite do Departamento de Estado americano, em 1941, proferindo conferências. As impressões dessa temporada estão em seu livro “Gato preto em campo de neve”. Ele e seu irmão Enio são testemunhas de um suicídio: uma mulher se atira do alto de um edifício quando conversavam na praça da Alfândega, em Porto Alegre. Esse acontecimento é aproveitado em seu livro “O resto é silêncio”.

A censura no estado novo continuava atenta. A Globo cria a Editora Meridiano, uma subsidiária secreta para lançar obras que pudessem desagradar ao governo. Essa editora publica “As mãos de meu filho”, reunião de contos e outros textos, em 1942.

No ano seguinte, publica “O resto é silêncio”, livro que merece críticas pesadas do clero local. Temendo que a ditadura Vargas viesse a causar-lhe danos e á sua família, aceita o convite para lecionar Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia feito pelo Departamento de Estado americano. Muda-se para Berkley com toda a família.

O Mills College, de Oakland, Califórnia, onde dava aulas de Literatura e História do Brasil, confere-lhe o título de doutor Honoris Causa, em 1944. É publicado o compêndio “Brazilian Literature: An Outline”, baseado em palestras e cursos ministrados durante sua estada na Califórnia. Esse livro foi publicado no Brasil, em 1955, com o título “Breve história da literatura brasileira”.

Passa o ano de 1945 fazendo conferências em diversos estados americanos. Retorna ao Brasil.

Em 1946, publica “A volta do gato preto”, sobre sua vida nos Estados Unidos.

Inicia, em 1947, a escrever “O tempo e o vento”. Previsto para ter um só volume, com aproximadamente 800 páginas, e ser escrito em três anos, acabou ultrapassando as 2.200 páginas, sob a forma de trilogia, consumindo quinze anos de trabalho. Traduz “Mas não se mata cavalo”, de Horace McCoy. Faz a primeira adaptação para o cinema de uma obra de sua autoria: “Mirad los lírios Del campo”, produção argentina dirigida por Ernesto Arancibia que tinha em seu elenco Mauricio Jouvet e Jose Olarra.

No ano seguinte, dedica-se a ordenar as anotações que vinha guardando há tempos e dar forma ao romance “O continente”. Traduz “Maquiavel e a dama”, de Somerset Maugham.

”O continente”, primeiro volume de “O tempo e o vento”, é finalmente publicado, em 1949, recebendo muitos elogios da crítica. Recebe o escritor franco-argelino Albert Camus, autor de “A peste”, em sua passagem por Porto Alegre.

No ano de 1951, é lançado o segundo livro da trilogia “O tempo e o vento”: “O retrato”. O trabalho não tão bem recebido pela crítica como o primeiro livro.

Assume, em 1953, a convite do governo brasileiro, em Washington, E.U.A., a direção do Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, na Secretaria da Organização dos Estados Americanos, substituindo a Alceu Amoroso Lima.

No ano seguinte, é agraciado com o prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Lança “Noite”, novela que é traduzida na Noruega, França, Estados Unidos e Inglaterra. Visita, face às funções assumidas junto à OEA, diversos países da América Latina, proferindo palestras e conferências.

De volta ao Brasil, em 1956, lança “Gente e bichos”, coleção de livros para crianças. Sua filha casa-se com David Jaffe e vai morar nos Estados Unidos. Dessa união nasceriam seus netos Michael, Paul e Eddie.

Em 1957, publica “México”, onde conta as impressões da viagem que fizera àquele país.

”O arquipélago”, terceiro livro da trilogia “O tempo e o vento”, começa a ser escrito em 1958. Tem um mal-estar ao discursar na abertura de um congresso em Porto Alegre. Consegue se refazer e disfarçar o ocorrido.

Acompanhado de sua mulher e do filho Luis Fernando, faz sua primeira viagem à Europa, em 1959. Expõe sua defesa à democracia em palestras proferidas em Portugal e entra em choque com a ditadura salazarista. Lança “O ataque”, que reunia três contos: “Sonata”, “Esquilos de outono” e “A ponte”, além de um capítulo inédito de “O arquipélago”. Passa uma temporada na casa de sua filha, em Washington.

Dedica-se, em 1960, a escrever “O arquipélago”.

Em 1961, sofre o primeiro infarto do miocárdio. Após dois meses de repouso absoluto, volta aos Estados Unidos com sua mulher. Saem os primeiros tomos de “O arquipélago”.

O terceiro tomo de “O Arquipélago” é publicado em 1962, concluindo o projeto de “O tempo e o vento”. O volume é considerado uma obra-prima. Visita a França, Itália e a Grécia.

A mãe do biografado falece em 1963.

Em 1964, seu filho Luis Fernando casa-se com Lúcia Helena Massa, no Rio de Janeiro, cidade para a qual ele se mudara em 1962. Dessa união nasceriam Fernanda, Mariana e Pedro. Insurge-se contra o golpe militar e dirige manifesto a seus leitores em defesa das instituições democráticas. Recebe o título de “Cidadão de Porto Alegre”, conferido pela Câmara de Vereadores daquela cidade.

Ganha o Prêmio Jabuti – Categoria “Romance”, da Câmara Brasileira de Livros, em 1965, com o livro “O senhor embaixador”. Volta aos Estados Unidos.

A convite do governo de Israel, visita aquele país em 1966. Vai aos Estados Unidos, mais uma vez, visitar seus familiares. Escreve “O prisioneiro”, que seria lançado em 1967. A Editora José Aguilar, do Rio de Janeiro, publica, em cinco volumes, o conjunto de sua ficção completa. Desse conjunto faz parte uma pequena autobiografia do autor, sob o título “O escritor diante do espelho”.

”O tempo e o vento”, sob a direção de Dionísio Azevedo, com adaptação de Teixeira Filho, estréia na TV Excelsior, em 1967. No elenco, Carlos Zara, Geórgia Gomide e Walter Avancini.

É agraciado com o prêmio “Intelectual do ano” (Troféu Juca Pato”), em 1968, em concurso promovido pela “Folha de São Paulo” e pela “União Brasileira de Escritores”.

No ano seguinte, a casa onde Erico nascera, em Cruz Alta, é transformada em Museu Casa de Erico Verissimo. Lança “Israel em abril”.

Em 1971, é editado o livro “Incidente em Antares”.

Em 1972, comemorando os 40 anos de lançamento de seu primeiro livro, relança “Fantoches”, onde o autor acrescentou notas e desenhos de sua autoria.

Amplia sua autobiografia, publicada em 1966, fazendo surgir suas memórias — sob o título de “Solo de clarineta” — cujo primeiro volume é publicado em 1973.

O escritor falece subitamente no dia 28 de novembro de 1975, deixando inacabada a segunda parte do segundo volume de suas memórias, além de esboços de um romance que se chamaria “A hora do sétimo anjo”.

Carlos Drummond de Andrade faz homenagem ao amigo fazendo publicar o seguinte poema:

A falta de Erico Verissimo

Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda – como tarda!
a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta.

Postumamente, é lançado, em 1976, “Solo de clarineta – Memória 2”, organizada por Flávio Loureiro Chaves.

”Olhai os lírios do campo”, com adaptação de Geraldo Vietri e Wilson Aguiar Filho, é a novela apresentada pela TV Globo, em 1980, sob a direção de Herval Rossano. No elenco, Cláudio Marzo e Nívea Maria.

É instalado, no programa de Pós-Graduação em Letras da PUC-RS — como projeto de pesquisa do CNpQ, o Acervo Literário de Erico Verissimo, em 1984. A coordenação fica a cargo da professora Maria da Glória Bordini.

No ano seguinte, a Rede Globo leva ao ar a série “O tempo e o vento”, adaptação de Doc Comparato e Regina Braga, direção de Paulo José, com Glória Pires, Armando Bogus, Tarcísio Meira e Lima Duarte, entre outros.

Em 1986, o Museu de Cruz Alta torna-se Fundação Erico Verissimo.

“Incidente em Antares”, adaptado por Charles Peixoto e Nelson Nadotti, com direção de Paulo José e constando de seu elenco Fernanda Montenegro,e Paulo Betti, é apresentada pela Rede Globo.

A UFRS homenageia o autor, pela passagem dos 90 anos de seu nascimento, com uma mostra documental no salão de sua Reitoria. A PUC-RS realiza seminário internacional, coordenado por seu Programa de Pós-Graduação em Letras, em 1995.

Organizada por Maria da Glória Bordini, publica-se, em 1997, “A liberdade de escrever”, coletânea de entrevistas do autor sobre política e literatura.

Em 2002, a Globo inicia a edição definitiva da obra completa do autor. É inaugurado o Centro Cultural Erico Verissimo, destinado à preservação do Acervo Literário e da memória literária do Rio Grande do Sul.

OBRAS DO AUTOR

Contos:

Fantoche -1932
As mãos de meu filho – 1942
O ataque – 1958

Romances:

Clarissa – 1933
Caminhos cruzados – 1935
Música ao longe – 1936
Um lugar ao sol – 1936
Olhai os lírios do campo – 1938
Saga – 1940
O resto é silêncio – 1943
O tempo e o vento (1ª parte) — O continente – 1949
O tempo e o vento (2ª parte) — O retrato – 1951
O tempo e o vento (3ª parte) — O arquipélago – 1961
O senhor embaixador – 1965
O prisioneiro – 1967
Incidente em Antares – 1971

Novela:

Noite – 1954

Literatura Infanto-Juvenil:

A vida de Joana d’Arc – 1935
As aventuras do avião vermelho – 1936
Os três porquinhos pobres – 1936
Rosa Maria no castelo encantado – 1936
Meu ABC – 1936
As aventuras de Tibicuera – 1937
O urso com música na barriga – 1938
A vida do elefante Basílio – 1939
Outra vez os três porquinhos – 1939
Viagem à aurora do mundo – 1939
Aventuras no mundo da higiene – 1939
Gente e bichos – 1956

Narrativas de viagens:

Gato preto em campo de neve – 1941
A volta do gato preto – 1946
México – 1957
Israel em abril – 1969

Autobiografias:

O escritor diante do espelho – 1966 (em “Ficção Completa”)
Solo de clarineta – Memórias (1º volume) – 1973
Solo de clarineta – Memórias 2 – 1976 (ed. póstuma, organizada por Flávio L. Chaves)

Ensaios:

Brazilian Literature – an Outline – 1945
Rio Grande do Sul – 1973
Breve história da literatura brasileira – 1995 (tradução de Maria da Glória Bordini)

Biografias:

Um certo Henrique Bertaso – 1972

Adaptações para o cinema:

Mirad los Lirios Del Campo, Argentina – 1947
Baseado em Olhai os lírios do campo

O sobrado, Brasil – 1956
Baseado em O tempo e o vento

Um certo capitão Rodrigo, Brasil – 1970
Baseado em O tempo e o vento

Ana Terra, Brasil – 1971
Baseado em O tempo e o vento

Noite, Brasil – 1985
Baseado em Noite

Adaptações para a televisão:

O tempo e o vento, Brasil – 1967
Baseada em O tempo e o vento
Novela de Teixeira Filho
TV Excelsior.

Olhai os lírios do campo, Brasil – 1980
Baseada em Olhai os lírios do campo
Novela de Geraldo Vietri e Wilson Aguiar Filho
TV Globo.

O resto é silêncio, Brasil – 1981
Baseado em O resto é silêncio
Telerromance de Mario Prata
TV Cultura.

Música ao longe, Brasil – 1982
Baseado em Música ao longe
Telerromance de Mario Prata
TV Cultura.

O tempo e o vento, Brasil – 1985
Baseada em O tempo e o vento
Minissérie de Doc Comparato
TV Globo.

Incidente em Antares, Brasil – 1994
Baseada em Incidente em Antares
Minissérie de Charles Peixoto e Nelson Nadotti
TV Globo.

Fontes:
Cadernos de Literatura Brasileira. n.16. novembro de 2003. Instituto Moreira Salles.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Érico_Veríssimo
http://www.estado.rs.gov.br/erico/

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Lenda Guarani (A Origem do Mate)

Os cânticos de guerra reboaram na floresta, e Itabaetê marchou com seus homens à procura do grande acampamento. Toda a tribo partira, levando nos olhos o brilho da vitória. Só um homem, enfraquecido pelo peso dos anos, não pudera seguir nesta nova arrancada guerreira. E ficara chorando no oito de uma coxilha, olhar estendido à linha de combatentes que serpenteava pelos caminhos. Mesmo depois da tribo ter desaparecido no véu da grande mata, ainda o velho índio permanecera numa atitude de estátua, mudo, enovelado em mil recordações das pelejas passadas. Voltava, em pensamento. àqueles tempos em que seu braço era o mais temido da tribo, a sua flecha a mais certeira, os seus olhos os mais seguros a perscrutar a imensidão das noites, Agora, fraco, envelhecido, estava condenado a atirar-se inativo ao fundo das matarias. Para seu consolo, restavam-lhe apenas as recordações, e a beleza de Yarí, a mais jovem e a mais formosa de suas filhas – a qual, surda ao convite de muitos guerreiros enamorados, preferira permanecer junto ao velho pai, adoçando-lhe as últimas horas de vida com o mel de seus sorrisos.

Um dia, chegou ao rancho do velho guarani um viageiro estranho – roupagem colorida, olhos lembrando o azul de céus longínquos. O guarani logo percebeu que o homem vinha de terras distantes, muito além das matas do Maracaju, matas que ele cortara, vibrando de entusiasmo, nas caminhadas de outrora. A porta de couro de seu rancho abriu-se inteiramente, recebendo o estrangeiro. Yarí foi buscar os frutos mais lindos da floresta, e o mel mais doce das mirins. E o seu velho pai, cerrando um pouco os olhos para melhor buscar as riquezas de um mundo afastado no tempo, recordava episódios de sua mocidade, entusiasmava-se no relato das caçadas perigosas e dos entreveros ruidosos. Tudo foi feito para que as horas que o estrangeiro passasse naquele rancho fossem cheias de contentamento.

Desceu a noite sobre a terra e a rede foi estendida para o sono do visitante. Seus sonhos foram povoados pela voz suave da virgem, entoando as cantigas guaranis. E no outro dia, quando o sol espiou por entre os ramos mais baixos do arvoredo, foi encontrar o estrangeiro já pronto para seguir viagem.

– Em tuas mãos repousa a generosidade das fontes cristalinas… – disse ele ao velho índio. – Em teu coração se abriga a hospitalidade das planuras infindas dos charruas, onde os campos se abrem em mil caminhos sem estender nada que impeça o andar do viageiro; no corpo de tua filha se esconde a pureza dos o1hos-d’água e a alegria das madrugadas de minha terra. Tanta virtude merece ser recompensada. Venho dos domínios de Tupá, o Deus do Bem. Pede o que quiseres!

– Nada mereço pelo que fiz, senhor! -, respondeu o guarani. – Mas como a bondade imensa de Tupá quer pousar suas mãos sabre este rancho pobre, eu pediria mais um pouco de alento para os últimos passos do meu viajar. Outrora, eu guiava pelos caminhos da guerra um sem-fim de guerreiros; hoje, somente minha filha enche de vida as minhas horas derradeiras. Eu quisera um outro companheiro, que atirasse doçura aos meus lábios e descanso ao meu coração. Alguém que fosse meu último amigo, um amigo fiel. Assim, Yarí poderia seguir o rastro da nossa tribo, onde os jovens anseiam por seu amor para continuarem mais confiantes no caminho da vitória. É o que peço, senhor: um amigo fiel, um companheiro que encha de doçura a horas amargas da saudade…

O emissário de Tupá sorriu. Em suas mãos brilhava – recoberta de uma luz estranha – uma planta repleta de folhagens verdes, donde se desprendia um perfume de bondade, talvez o mesmo perfume de Tupá.

– Deixa crescer esta planta, e bebe de suas folhas! – disse o enviado de Deus. – Bebe de suas folhas, e terás o companheiro que pedes! Esta erva, que traz em si a graça do Tupá, se estenderá pelas matas, trazendo o conforto não só a ti mas a todos os homens de tua tribo. E tu, Yarí, serás a protetora das florestas que haverão de surgir. Os guerreiros provarão a mesma delícia de teu carinho ao sorver esta bebida; as caminhadas de guerra serão menos fatigantes, e os dias de descanso mais felizes…

E já se afastando do rancho, o enviado de Tupá repetiu:

– Terás um companheiro fiel, velho chefe guarani… E será a protetora de tua raça, Caá-Yarí…

E desde então Caá-Yarí é a senhora dos ervais e a deusa dos ervateiros. Todos merecem dela o máximo de auxilia, se lhe são fiéis. E se algum ervateiro, ainda não satisfeito com aquela proteção, quiser ver a fartura escorrendo de seus dedos, poderá fazer com ela um pacto sagrado. Bastará entrar numa igreja, durante a Semana Santa, e pedir Caá-Yarí em casamento, jurando viver para sempre nos ervais, voltado somente para o culto de sua deusa, sem nunca mais amar outra mulher… Deixará, depois, num ramo de erva-mate, um bilhete no qual marca um encontro com a bela protetora das florestas No dia marcado, deverá penetrar no fundo da mataria, onde Caá-Yarí lhe provará a bravura, interrompendo-lhe o caminho com serpentes e feras. E se o ervateiro for corajoso e forte, vencendo a todos os perigos, receberá a recompensa de Yarí.

Sua vida será toda tomada pelo amor da jovem deusa. Suas noites serão cheias de prazer, e seus dias cheios de fartura. Os ervais se despirão por encanto, enchendo os surrões de couro sem que ele tenha gasto o mínimo de esforço. Na hora da pesagem, Caá-Yarí – que é invisível para todos menos para o seu amante – pousará sobre os feixes de erva, aumentando o peso da colheita. A felicidade será eterna para o ervateiro!

Eterna… se ele não quebrar seu juramento… Pois se alguma mulher consegue desnorteá-lo, haverá de lhe entregar, junto às carícias, a sentença da desgraça. Um dia, o ervateiro será encontrado estirado no meio dos ervais, inexplicavelmente morto, ou então correndo pelas florestas, ensangüentado, delirando, louco!

É a vingança de CaáYarí! Ela jamais perdoa!

Fontes:
http://www.lendas-gauchas.radar-rs.com.br/a_origem_do_mate_guaranis.htm

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A Origem do Mate, segundo os jesuítas

Um dia Cristo desceu à terra, acompanhado por São João e São Pedro, e veio ter às selvas americanas. Depois de um penoso viajar pelas florestas sem fim, encontrou – perdido no fundo dos bamburrais – o rancho de um velho índio que ali morava em companhia de sua filha, jovem de deslumbrante formosura. Os três viajantes foram muito bem recebidos, e Jesus resolveu premiar aquela franca hospitalidade que encontrara no rancho do silvícola. Indagando-lhe o que mais desejava em sua vida, recebeu esta resposta:

– Senhor! Anhangá tomou conta dos corações humanos: as guerras incendeiam os campos de minha terra, e não há mais tranqüilidade nas tabas de meu povo. Vencedores, os guerreiros não poupam os vencidos: os homens são trucidados e as mulheres jovens são arrastadas a satisfazer os mais baixos instintos. Por isso, fugi de minha tribo e vim enterrar-me no escuro das florestas. Não por salvar-me, que pouco me resta viver. Mas para afastar minha filha das garras do pecado. Sei que em breve morrerei, e o que mais me acabrunha é pensar que a deixarei desprotegida, novamente exposta à fúria das paixões. Assim, Senhor, se alguma cousa me fosse dado pedir, eu pediria uma eterna proteção à alma de minha filha. Que ela fosse eternamente bondosa, eternamente pura, eternamente linda:

Respondeu Jesus:

– Se Anhangá hoje impera em tuas selvas, podes crer que o Deus-do-bem voltará a estender seu manto de paz sobre a taba de teus irmãos. As selvas se encherão de cânticos e as almas se encherão de luz. É o Deus-do-Bem que me envia para proteger teu povo… Tu, que foste bom, generoso e hospitaleiro, mereces ser recompensado. Farei de tua filha aquilo que me pedes. Símbolo da bondade, ela retribuirá o mal com o bem: aos que quiserem roubar as delícias do seu corpo, premiará com a fartura nos ranchos. E nenhuma força será capaz de abatê-la, pois por mais que a queiram aniquilar, sempre haverá de renascer, triunfante, trazendo força e inteligência aos homens de tua raça. Tua filha será eternamente linda e eternamente pura, pois. transformá-la-ei na mais linda e mais pura das árvores; linda no contorno das folhagens e pura no manto verdejante que lhe descerá até os pés. Tua filha será eternamente linda, eternamente pura e bondosa…

E Deus a transformou na erva-mate…

SÂO TOMÉ NA AMÉRICA

Quando, em 1624, os padres Montoga e Mendonza fundaram a vila de Encarnación, importante missão jesuítica posteriomente destruída, tiveram curiosidade em saber o que pensavam os silvícolas a respeito do mate, bebida que já constituía um hábito característico do Paraguai. Tiveram por resposta que a erva-mate lhes servia de alimento e remédio desde o dia em que Pai-Zumé, um estranho personagem que há muito tempo estivera naquelas tabas, lhes ensinara como aproveitar as folhas da caá (que até então julgavam venenosas), e como lhes usufruir os efeitos medicinais. Contavam também os indígenas que Zumé era um homem poderoso: as selvas brutas conservavam intacto o caminho por onde ele passara, desde o Tibagi até o Piquiri; e às margens deste rio, Zumé havia deixado, numa pedra, o sinal de seus pés – testemunho eterno de sua passagem por aquelas terras.

Os dois jesuítas logo aliaram a figura de Zumé à pessoa de São Tomé, o apóstolo que provavelmente teria visitado o continente americano pregando a doutrina de Cristo. A versão cristianizada da lenda logo se espalhou entre as populações brancas, e em breve era voz corrente que a erva-mate havia sido descoberta e bendita pelas mãos de São Tomé. Isto é o que vamos encontrar em muitos livros da época, a iniciar-se pelo “Tratado sobre o uso do mate no Paraguai”, escrito pelo licenciado Diego Zevallos em meados do século XVII e publicado em Lima no ano de 1667.

Lozano, no capítulo VIII de sua “História de la Conquista del Paraguay”, também se refere a São Tomé, narrando que durante uma terrível peste que assolara as tribos guaranis, foi aquele santo o salvador do gentio, ensinando-lhes como preparar a erva-mate, eficaz remédio contra aquela epidemia e muitas outras doenças.

A peste foi vencida, e a milagrosa bebida, cujo uso se generalizara por todas as tabas guaranis, continuou a prestar inúmeros benefícios. E por muito tempo os selvícolas guardaram na memória a figura daquele bom Zumé, que um dia, apesar das súplicas e protestos gerais, teve de deixar as terras do Paraguai.

Santo Tomé lhes responde:

“Os tengo que abandonar
Porque Cristo me ha mandado
Otras tierras visitar.
En recuerdo de mi estada
Una merced os he de dar,
Que es la yerba paraguaya
Que por mi bendicta está”.
Santo Tomé entró en el rio
Y en peana de cri tal
La aguas se lo llevaron
A las l anuras del mar.
Los indios, de zu partida
No se pueden consolar,
y a Diós sempre están pidiendo
Que vuelva Santo Tomás.

(Trecho extraído do livro “História do Chimarrão”, de Barbosa Lessa, publicado em 1a. edição pelo Departamento de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo e editado posteriormente em 2a. edição pela Livraria Sulina.

Fontes:
http://www.lendas-gauchas.radar-rs.com.br/a_origem_do_mate_jesuitas.htm

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Ivy Menon (Livro de Poesias)

AUSÊNCIA

Não. Não penso em homens.
Meu corpo esvaziou-se de sonhos.
As madrugadas insones lembram-me nomes.
Como quando se caminha de noite
e se distancia das luzes até que, antes da curva da estrada,
elas se tornem apenas vaga-lumes tontos no horizonte.

Não. Não há o que me console, lá atrás.
Não é possível, gritando nomes,
resgatar a alma que se desgarrou de mim.
E vaga-lumes fogem da alva.

INVERNO

as Sibipirunas choram
escorrem
folhas secas
nas calçadas

não compreendem suas dores
a nudez dos galhos
a mudez
da sombra rala

os meninos riem
sujos de barro
abrem caminho para as flores

A BOCA NUA

Tua boca lua cheia de polpa
Doce, gosto de cidreira melódica
escorrida de acordes Sabiá-laranjeira
Acorda, noite sempre é dia ávido de rir
lábios dançam sorrisos, vestem linho carmesim
e pérolas, estrelas, colares em mim.
Saliva, sal, cortinas de seda que se me abrem,
derramam-se meus seios nus em ti.

O POEMA

O Poema jorra pétalas brancas
Rosas brancas, pálidas de espanto
ao vento, asas arremessadas, livres
pelo ar.

O Poema surpreendente doçura
mistura mel e terra, fruta-do-conde
Laranja craveira, sorva gomo a gomo

O Poema brota morno, doido
aos borbotões as lágrimas de gozo
inundam as mãos, ávidas mãos.

SUPRA-SUMO

vejo-me pequena menina favelada
em eternas cavalgadas pelo mamonais
verdes madrigais, eu e eles, nativos

acho que brotei da terra…terra vermelha
tão vermelha quanto o nariz dos italianos
que também brotaram dali.

e meus ramos, ervas daninhas
subindo livres,alegremente livres
no rumo da galharia
em direção ao céu, tão meu
tão brejeiro, próximo
sobrenatural

lembro-me crescendo meio
meio empertigada
com raízes incrustadas nas montanhas de pós-de-serra
creio que vim da terra com seus trigais amarelos
tão amarelos quanto os dentes dos italianos
com seus fumos-de-corda que também se fixaram ali.
e os meus cachos lisos e frescos
ganharam espaço, alçaram vôo
soltos no céu tão italiano, surreal.
enxergo-me mulher
meio arteira, meio inteira
nas incansáveis caminhadas
pelo teu corpo nu – e marrom –
tão marrom – e nu – quanto os italianos
que mudaram de cor quando perderam o tempo
e misturaram-se à terra dali
e meus rumos, incertos, sem prumos
cavalgam trigais verde-amarelos
e intimido-os se fixo em mim o infinito

de resto:
para o teu grito
o meu urro
para o teu resumo
o meu supra-sumo!

SILÊNCIO

o poema do descanso
faz cafuné
e dá colo
e nina
e põe na cama
é leve e cândido
e breve
e nem tem rima
o poema do descanso
só abraça
e silencia

BORBOLETA

rasga a casca,
crisálida, abre-se
e, só asas,
abraça o céu…

DISTRAÇÃO

bem-te-vi
pensa que não te vi?
descuide-me
eu me distraí
e seduziste-me a bermuda amarela…

URBANA

a borboleta passeia
plana
planeja
pousa
e rouba a cena

FELICIDADE

Foco
Foca
Bola no nariz
Que felicidade
É coisa de criança
E palhaços

MARIA

– maria, desce daí
maria pequena
maria menina
você vai cair!

uma voz que grita
eita voz que clama!
uma voz que zanga
voz que quer ser gente
menina que não quer crescer!

e a primavera não chega
e o inverno não passa
e esta vida rápida
me arrasta
e balança minha maria

sou eu mesma, a maria
e morro a cada dia

essa vida
sacode minhas tranças
balança minhas redes
quebra-me os galhos
despedaça-me em retalhos
corta-me os atalhos

– suba não, maria.
que subida é risco
– também é riso –
é perigo
rio em topo de montanha

sou maria
sou estranha
perco os sentidos
não temo quedas
foram tantas
foram tamanhas

dói muito ser maria
quero ser promovida
a Clarice.

MENINO

– vive menino!
e o menino ri
samba no sapato
grandemaior que o pé…

– anda menino!
e o menino corre
voa vira bala
ladeira abaixo…

– ri menino!
e o menino deita-e-rola
e amolece
e gargalha
e o nariz escorre…

– fala menino!
e o menino cala
emudece
empaca
faz pirraça…

– come menino!
e o menino cospe
faz pouco
vomita no prato
raso de refeição…

– cresce menino!
e o menino chora
esbraveja
sapateia
esperneia…
mas obedece…
cresce
e… morre o menino!

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Ivy Menon (1958)

Ivy Menon nasceu em Cornélio Procópio – Paraná, no dia 31 de outubro de 1958.

Poetisa, bóia-fria até os 20 anos, Ivy, desde pequena, amava os livros e os bancos da biblioteca. Depois de sair da roça, foi jornalista, durante dez anos, tendo iniciado as atividades, nesta área, em O Diário do Norte do Paraná, em Maringá. Formada em Direito, com especialização em Direito do Trabalho, hoje atua na Justiça do Trabalho de Maringá.

Em dezembro de 2006, ganhou o primeiro lugar no I Concurso Carioca de Poesia promovido pela Associação Brasileira Cultural de Apoio à Cidadania (Abraci) em parceria com a Academia Brasileira de Letras (ABL) e com a Federação Nacional de Cultura (Fenac).

Seu primeiro livro de poesia, “Flores Amarelas”, prêmio recebido pelo primeiro lugar no referido concurso, foi lançado, no Rio de Janeiro, em abril de 2007.

Seus autores preferidos, pelos quais se sente influenciada, são: Mário Quintana, Fernando Pessoa , Paulo Leminski e Cora Coralina.

Ocupa a Cadeira nº. 31, da Academia de Letras de Maringá, cujo patrono é Olavo Bilac.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

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Secretaria da Cultura de Maringá (Programação de Abril)

De 01 a 30/04 – Painel sobre “Monteiro Lobato”, elaborado por Sueli Gonçalves, na Biblioteca Centro.

Dia 29/04, às 15 horas – Promoção “Doce leitura” – Sorteio de ovos de páscoa entre os usuários da Biblioteca Operária que emprestaram materiais de leitura durante os meses de março e abril. Cada empréstimo dá direito a um cupom para concorrer ao sorteio. Patrocínio: Escritório Gomes de Contabilidade.

CLUBETEEN / HORA DA HISTÓRIA (entrada franca)

Livro: “Eclipse”, de Stephenie Meyer.
Dia 28/04, às 14 horas, na Biblioteca Palmeiras.

Livro: “Marcelo, Marmelo, Martelo”, de Ruth Rocha.
Dia 28/04, às 10 horas, na Biblioteca Mandacaru. Coordenadora: Eliana Penido.

Livro: “O ladrão de raios”, de Rick Riordan. Contadora: Marcia Santa Maria.

Dia 22/04, às 15 horas, na Biblioteca Mandacaru.

Filme e bate papo: “Lua Nova”
Dia 27/04, às 14 horas, na Biblioteca Mandacaru.
Dia 29/04, às 14 horas, na Biblioteca Centro.

Filme e bate papo: “Entrevista com o vampiro”
Dia 30/04, às 14 horas, na Biblioteca Alvorada.

CLUBINHO DE LEITURA (entrada franca)

Livro: “Festa no céu”, de Ana Maria Machado. Coordenação: Márcia Santa Maria. Painel: Sueli Gonçalves. Contadora: Luana Moscatto Orsini.
Dia 30/04, às 15 horas, na Biblioteca Operária.

CONVITE AO TEATRO (sempre no Teatro Barracão, às 20h30min, entrada franca).

Dias 23 e 30/04 – “O menino que ganhou uma boneca”, direção de Majô Baptistoni, com a Cia Tipos e Caras.

Fonte:
Colaboração da Academia de Letras de Maringá

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Lançamento do Livro de Trovas de Manuel Maria (Meu Pequeno Mundo)

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Aparecido Raimundo de Souza (A Ceia dos Miseráveis)

“A minha vida se completa em poesia, onde canta a alegria e também chora a minha dor”.
(De Doroni Hilgenberg citado por Wagner em carta ao autor).

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Wagner chegou sorrateiramente na zona mais rica da cidade, entrou por uma ruela cheia de casas, e seguiu em frente, faminto de cansado e querendo dormir o que comer. Qualquer goela abaixo que porcaria que colocasse goela abaixo, mataria, estancaria a sede do apetite aguçado e acalmaria o espírito de corpo extenuado. Mas não tinha uma calça nos fundos do “pf” para entrar num bolso com restaurante a bife a cavalo ou pedir um acebolado de arroz por mais simples que fosse, ou mesmo na padaria do tamanho daquele lanche que contemplava com o semblante constrangedor.

As caras (embora passasse da meia noite) estavam apinhadas de ruas feias, com criaturas sorumbáticas formando uma espécie de quadro de pintor rústico de favela, onde o azul, no invólucro oco do estranho, naufragava, distante, num aquém de fronteiras sem moldura. A realidade não atropelava, ou melhor, existia. Fazia-se presente como um compressor de rolo a asfalto esticando o trator novo. E o estabelecimento, na parte oposta da calçada, plantado de envidraçados, pomposos e cheios de rebusques, bem ali, a sua frente, suspendia, agora, a barriga, roncava os dentes e rangia nervosamente o estômago.

Os olhos verdes da fome, esmaecidos pelo vazio negro de Wagner e desmesuradamente abertos pelo silêncio, gritavam terror numa atitude de indecifrável miséria. Na verdade, choravam copiosamente pelos cotovelos fustigando a dor forte e imensa de verem o malfadado verme vegetar um rapaz asqueroso; de viver, enfim, num degradante reino de Deus como se não fosse filho da desolação.

Coitado do Fubica. Pobre Wagner! Seco, magro, esfarrapado, esquelético, estruturalmente esfaimado e deprimido. Alma interrompida, submissa, mansa, vexada, desprezada e cheia de vontades maltrapilhas. Cicatrizes pela epiderme salpicadas em profusão. Pedaço infeliz sustentando um mundo de chagas adversas, hostis, mesquinhas, repletas de mazelas e incisões incuráveis. À sua dúzia, meia volta de rodas com cabeças pingadas, estendiam pouco caso disfarçado de transeuntes. Não contentes, faziam aparências de suas chacotas. Jogavam risos ao ar. Franqueavam os molares a abertas piadas, onde igualmente bocas escancaradas e lábios fartos de menosprezos e escárnios, vomitavam enxurradas de resquícios. Para aumentar o medonho da frieza, viravam as máscaras pela vergonha, ocultando os avessos do acanhamento. E João simplório, de modos que ninguém bebia com ímpetos e sonhava o resto dos lábios abatidos na coca-cola bem vestida que escorria do indivíduo de terno preto; devorava a fatia de moça que ensaiava levar a pizza na ponta de um aspirador como um garfo maluco e descontrolado, sugava, como um self service esfaimado a imensa boca com mil e uma guloseimas espalhadas pelo imenso balcão.

Em Wagner, todavia, passava ao largo a valentia dos ousados. A coragem destemida dos homens com H maiúsculo, igualmente voava longe. Faltava, na força, o tigre dos decididos, para saltar como um sangue em busca da presa; o destemor dos loucos para meter as portas num dos pés de acesso ao enorme salão, ou das janelas que o arejavam e servir-se abundantemente até entulhar o estômago vazio e entediar os cantos do organismo. Sempre nesses trágicos de abatimento, pingares de desânimo molhavam as roupas maltrapilhas, encabulava, vexava, constrangia Wagner, com inclinações para a extenuação e o esmorecimento.

Vinha, a tempo, a mente dos venturosos dias de magnificência. Recordava trechos de sua suntuosa aventurança. Cidadão de pele, ostentava nas posses de orgulhoso o respeitável empresário e senhor absoluto de uma centena de bens materiais. Carros com mansões, piscinas do ano, apartamentos de mar a poucas quadras de cobertura. Mulheres movidas a sexo e dinheiro, a dar com frases bonitas.

No entanto, tudo pertencia ao passado. Chorar sobre os sapatos seria regressar pisando no leite escorregadio e pegajoso por estarem nus e calejados de azedo. Um misto de fisionomia toldou com frustração deteriorada seu ontem tão presente, mas ele soube conter o ímpeto da garganta que apertava intransigente. Determinara a si não mais sofrer conflitos e jamais, fosse a que motivo fosse, curvar-se, vencido, a pendências enterradas.

Todavia, o que tomar? Que atitude fazer? Meter os costados certeiros na frente de uma bala em movimento? Jogar-se de um trem diante de um prédio sem cabeça? Pular de uma bacia no cume de frutos comestíveis ou por sobre uma árvore de água fervente? Merda! Não deixava de ser a vontade a falta desanimadora, para escolher, com altivez, um final louvável e decente.

Naquela iminência, qualquer procedimento parecia tão improvável como subir de matéria plástica pingenteado num aviaozinho aos céus. Enquanto matutava o que seria melhor para sua vida mesquinha, Wagner propôs dar próprio de si cabo. Não propriamente morrer, mas a ensaiar partir desse mundo cão dando uma ligeira espiada no outro lado, experimentando incertos postes, escorregando aqui e acolá, segurando nas voltas e dando em carros, tropeções. Uma verdadeira selva de motores e sons de bestas pré-históricas resfolegavam festas como buzinas ensurdecedoras.

Logo adiante, entretanto, avistou uma encruzilhada. Nesse encontro de artérias deparou, surpreso, com uma betesga. Sorriu com a cara cheia de dentes e os olhos de fome vazia. Dirigiu-se para lá (esse assunto de morrer, ficaria para depois) levando um transito medonho para driblar a eternidade nas costas. Ao galgar os músculos fronteiriços, o que enxergou fizeram as calçadas irrequietas por onde passou darem assombros de urros.

Detritos de mesas postas pelo chão espalhado, perdiam-se em fartura, com alimentos jogados ao leu. A Toalha de Cimento forrando o conforto, transmitia a sensação de doce regalo. Esparramados, a bel-prazer, guimbas de batons confundiam-se com finais de cigarros sujos, deixados por carreiras partidas com alguém a passos ligeiros. Igualmente, garrafas de latas amassadas, cervejas de refrigerantes quentes com sobras consideráveis. Tudo ali. Ao alcance. Ao seu poder. Pães, pedaços de bolo, tortas e sanduíches variados. Muita pipoca. Também, taças de charutos, champanhes acesas e velas de cores diversificadas.

Wagner olhou para o Altíssimo – olhou compridamente – e deu graças ao escuro do firmamento numa prece anã, pelo fadário de topar com uma sorte tremenda de delicias largadas ao alcance dos dentes emburacados, explodindo caries aterradoras. Um leque lancinante de alegrias e contentamentos desembrulhou-se num grito de aprazimento e agrados, enquanto o degustar lamuriante e febril suplicava o que mandar contrariado para a pança correndo.

Finalmente, daria cabo daquela semana maldita (talvez mais) de privações horrendas e em completa abstinência. Necessitava, pois, aproximar-se mais, se abeirar ligeiro, tomar posse definitiva de tudo o que lhe caíra às mãos como uma dádiva, e fartar o organismo debilitado.

Por certo, em cada latinha, em cada prato, nascia, sorrateira, a esperança venturosa, ajudando, como a Fênix, a manter o equilíbrio das cinzas e fazer com que o pé humano continuasse a manter-se fora do saco mitológico.

Em face desse abastado festim, Wagner, o iluminado (sentia-se como um escolhido de Deus), penteou a camisa, empertigou os cabelos. Alisou ligeiramente a calça igual a um rei mocanbeiro na sua rota trapagem de indigente.

Quem o visse, naquela azáfama, diria que estariam reunidos num banquete os amigos das horas de regozijo. Os inseparáveis das farras peladas nos clubes da alta sociedade e das moçoilas e mocetonas de sábado, que juravam por um dólar furado fidelidades de mentira e amor com gosto de eterno. O fidalgo, entretanto, estava só. Completamente ao arrepio do acaso. Seus parceiros não tomariam parte em nada. Somente a solidão pungente, a noite enfadonha, a lua circunspecta e o vento encerrado nas limitações de uma amenidade sufocante.

De repente reunidos e perfilados, chegados, quem sabe de guetos e subterrâneos longínquos, centenas de personagens os mais aterradores brotavam de buracos horríveis disputando um lugarzinho. Gatos, cachorros, ratos, baratas, parasitas e lombrigas imundas formavam uma espantosa família, evidentemente desigual, mas uma família. Wagner sorriu para esses novos camaradas ao tempo que abria os braços como anfitrião de primeira linha.

– “Sejam bem vindos. Fiquem à vontade!…”

Sentou a tranqüilidade perto de um velho tambor de lixo, e sem mais delongas serviu-se calado, meticuloso. Os camundongos o imitavam nos movimentos mais requintados. Os felídios, indiferentes, assustavam-se com os vôos curtos dos ortópteros. Uma leve, inervante e ávida chuva de pernilongos esperava, com paciência de mosquito, a oportunidade de sugar os braços daquele mendigo alheio e emplumado às coisas que aconteciam a sua volta. Vencido pelo destino, Wagner naquele páreo transitório queria só estancar, estancar, estancar. Comer, na verdade, a gula apertada e irritante que o definhava pouco a pouco, gradativamente, como doença incurável e maligna.

Fonte:
Colaboração do autor.

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Carlos Felipe Moisés (Livro de Poesias)

GRAMÁTICA

1. Fonética

Datilo
grafo
meu espasmo rude
em teu peito
e os dedos cravam
entre a bilabial
e a sibilante
o Ó
inaudível.

2. Vogais

Adiar
odiar
ode e ar.
As vogais se espalham
no céu da boca
e o sopro adiado
imobiliza
a língua
em forma de U.

3. Morfologia

Mastigo
um naco de sombra
e um assombro
de sílabas mudas
escorre dos dentes
entre os escombros
da memória calcinada.

4. Etimologia

Saber de cor
a água
a cor da pele
cada anseio
que a língua
recolhe.
Saber de cor
o coração.

5. Pontuação

Fotograma
atrás de fotograma
teu rosto
é a prolongada pausa
impressa na retina
entre parênteses
do travesseiro.

6. Linguagem figurada

Tropel de trapos
lençol amarfanhado
a convulsão
de umas sílabas rebeldes
desarrumando a cama
& a folha em branco:
o peito de quem ama.

7. Conjugação

Eu me arquipélago
tu te maravilhas
ele se istma
nós nos montanhamos
vós vos espraiais
eles se eclipsam.

DEVOLUÇÃO

A noite veio, dispersou meu corpo,
e os ventos me passearam pelo campo.
Ah minha carne misturada à terra,
meus ossos desmanchando-se no frio
secular dos rios que me despejam
envolto em musgo e lama contra as pedras.
Meus olhos desmoronam-se no verde
e a paisagem traspassa-me as retinas.
Meus dedos carcomidos se desfazem
pelos vãos das folhas, de volta ao pó.
De minha boca inútil nascem rosas
brancas, Eu chovo, eu vicejo, eu me planto,
e um dia eu vou brotar por entre as pedras
frias, mais puro, transformado em verde.

RETRATO

Ah quem viu? Quem vê?
Onde se esconde a pátina invisível
que cobrindo está
eu sei
estas palavras
estas mãos
o sono
e quando olho é brisa?
O mundo exíguo aumenta
no soluço reticente.
Ponte rio estrada
o céu a casa
e o corpo descontente.
Mulher? Criança? Não foi.
É o sol
que lentamente se levanta
e grava a solitária imagem
em pálpebras reclusas.
Absurdo, o amor desliza.
Oferta sonho recusa
repto sudário:
o amor é vário
e as vozes obtusas.
Foi? Não foi?
Palácio ou cornamusa
o mundo nítido é fatal ausência.
O céu — destino
a intenção — certeza
e a incerteza se desnuda
na moldura breve do meu riso.

AS FORMAS DO BRANCO

Caminho pela neve
e o mundo principia neste branco.
Tenho a verdade, sonho breve,
branco retido no branco.

Girassol amanhecido longe,
a verdade apareceu-me nesse branco.
Tempo devorado como carne, corpo ferido,
vermelho sobre o branco.

Os pássaros nascem nas nuvens,
azul distante.
Tinha a verdade, perdi-a:
branco escondido no branco.

FOLHA SOBRE FOLHA

Folha sobre folha
verde sobre cinza sobre folha
vento sobre folha
lento pobre manto cobre tanta
folha sobre folha.

O tempo se acumula,
quando sobre nunca,
até que o passado ressurja inteiro,
coberto de folhas,
memória liberta de si mesma.

CARREGO AS ESTAÇÕES

Carrego as estações comigo
e tenho as mãos cansadas.
(No bolso esquerdo um riacho murmura.)
Ali, onde pequenas pedras se acumulam,
uma canção exala seu vapor,
depois se perde.

Jardins de primavera circulam no meu corpo,
um céu de ouro verte seu perfume
e um vento ignorado agita suas asas.
Pasto de segredos,
mescla de memória e desejo,
meu corpo caminha com a chuva
(carrego as estações comigo),
à procura do sonho de uma nuvem fria.

Tantas folhas trago nos braços
que um pássaro, solidário, se oferece
para carregar as estações comigo.
Do peito aberto os meus jardins se vão
e o pássaro me ajuda (memória
e desejo) a semear meu corpo.

Ali planto meus braços,
debaixo daquelas árvores meus olhos ficam,
os pés, roídos pela terra, penduro numa árvore
e o tronco multiplico em cem pedaços –
lá vai, junto com as pedras,
no bojo do riacho antigo.

E pois que carrego as estações comigo,
os lábios deixo além, no descampado,
e peço ao pássaro que pelos cabelos atire
o que sobrou de mim
àquele mar onde me espera a memória
(e o desejo) do tempo em que não soube
carregar as estações comigo.

CAVALO ALADO

Foi como ervas e arrancaram-no.
Hoje pasta absorto em campo sombrio
(perdido vôo, exílio nefasto) e
lambe cicatrizes de ferida nenhuma.

Às vezes relincha, reclina
o dorso à procura de um rasto,
resto de fome clandestina,
mas não rasteja: ergue a fronte
e sopra dardos de fogo no horizonte.

O pouco do nada que lhe coube
é muito. O peito chora sem lágrimas
enquanto a cauda e a mansa crina
ondulam (brisa leve, pranto
alheio), rolando nas dunas
e nas ervas que foi, entre urzes.

Arrancaram-no mal raiou a madrugada.
Hoje pasta absorto entre sombras,
se alimenta da noite e sabe
que eterno dura. Mais nada.

MINOTAURO

Abrasado em sonho, uma vez foi rei
de um reino sem refúgio nem fronteira.
Reinou além do seu país e sua grei,
enquanto ruminava a hora derradeira.

Seu coração de lava incendiou
a memória de dálias e jacintos
e o segredo que o vento lhe negou
se converteu em treva e labirinto.

Estrelas e nuvens teve a seus pés
(o sonho azul de toda criatura)
e tudo recusou. Um trono fez
do nada em que abrigou sua loucura.

Hoje devora gafanhotos e o mel
destila do seu flanco sem idade.
Reino em ruínas, seu manto é o céu,
onde pasta serena majestade.

A PAIXÃO SEGUNDO CAMÕES

Transforma-se o amador em coisa alguma,
sem dolo, sem virtude, sem razão.
Por muito amar, dispersa o coração
e rói daquilo que é a alma nenhuma.

As esperanças perde, uma a uma,
de decifrar o rosto da paixão.
Sem rumo, ilhado entre o sim e o não,
perde-se no amor de um mar sem espuma.

Transforma-se o amador em coisa errante,
atira ao vento um grito enrouquecido,
buscando encontrar-se na coisa amada.

A pele rota, o gesto vacilante,
transforma-se, de amar como um perdido,
em sombra de si mesmo, ausência, nada.

FAUSTO

O dedo em riste
aponta o horizonte
e o ódio persiste
no rosto bifronte.

Morde e remorde
a própria língua,
mal ouve o acorde
esvaído à míngua.

A sanha incontida
arde e devora,
em dura lida,
o peito que chora.

O próprio sangue
escorre, incapaz
de aplacar, exangue,
a sede voraz.

O acorde a cantar.
O corpo é uma chama
e espalha no ar
o ódio que ama.
——————

Fonte:
Jornal de Poesia.

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Carlos Felipe Moisés (1942)

1942 – Nasceu no dia 20 de maio, na cidade de São Paulo, filho de Iolanda Ruivo e Jorge Moisés. São seus avós maternos Izolina de Castro Ruivo e João Ruivo; paternos, Ana Cória e Felipe Moisés – imigrantes portugueses e libaneses, respectivamente.

1945 – Os pais fixam residência no bairro do Canindé. No dia 18 de agosto nasce a irmã, Maria. (Oito dias depois, nascia também, em São Paulo, no bairro de Moema, Margarida Maria, que viria a ser a companheira de toda a vida.)

1954 – Inicia estudos secundários no Ginásio do Estado “Presidente Roosevelt” mas continua preferindo a liberdade das ruas do bairro, onde joga futebol, no time comandado pelos amigos e vizinhos, os irmãos Cláudio e Roberto. Este último, para orgulho do pai, Oswaldo Dias Branco, perseverou.

1956 – Colabora com logogrifos e problemas de palavras cruzadas na seção “Heureka”, dirigida por Sylvio Alves, na revista O Cruzeiro, e em publicações especializadas em charadismo e cruzadismo.

1957 – Começa a se interessar pelo colégio quando passa a participar das atividades esportivas, sociais e culturais do Grêmio XVI de Setembro e sobretudo quando é nomeado redator-chefe do tablóide O Ginásio do Estado, onde, estimulado pela professora de Português, dona Laís, publica seus primeiros poemas e crônicas.

1958 – Com o divórcio dos pais, começa a cuidar do próprio sustento. Experimenta alguns empregos de meio período, até se acertar, aos 16 anos, como revisor e redator, em tempo integral, na Livraria Editora Francisco Alves, sob as ordens do escritor sergipano Paulo Dantas. Matricula-se no colegial noturno, no mesmo Roosevelt.

1959 – Conhece Roberto Piva, Cláudio Willer, Paulo Del Greco, Álvaro Alves de Faria, Eunice Arruda, Eduardo Alves da Costa, Neide Archanjo e outros jovens escritores, que se reúnem na oficina de Massao Ohno, na Rua Vergueiro 688.

1960 – Publica o primeiro livro, A poliflauta, na “Coleção dos Novíssimos”, lançada no mesmo ano pela Editora Massao Ohno.

1961 – Sai O signo e a aparição, poema-plaquete, mais tarde incorporado ao livro A tarde e o tempo. Colabora com um poema e um conto na Antologia dos novíssimos, da Editora Massao Ohno. No ano seguinte, ingressa no Curso de Letras Neolatinas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Publica os primeiros artigos e resenhas no “Suplemento Literário” do jornal O Estado de São Paulo. Neste mesmo ano, deixa o emprego na editora e começa a lecionar literaturas de língua portuguesa no Cursinho do Grêmio da Faculdade e depois no Equipe Vestibulares.

1963 – A tarde e o tempo, ainda inédito, recebe o Prêmio-estímulo Governador do Estado de São Paulo e é publicado no ano seguinte, em Florianópolis, por iniciativa dos amigos e poetas catarinenses Péricles Prade, Lindolf Bell e Rodrigo de Haro. Em 1965, termina o curso de licenciatura e inicia o mestrado, na USP.

1966 – Começa a ensinar literatura brasileira na PUC de São Paulo (onde conhece Margarida Maria), teoria literária na Faculdade de Filosofia de São José do Rio Preto e literatura portuguesa na USP. Publica o terceiro livro, Carta de marear.

1968 – Conclui o mestrado, sobre o surrealismo em Portugal, e inicia o doutorado, ainda na USP. Entre 1968 e 1969, primeira viagem ao exterior: três meses em Bloomington, Indiana, EUA. Em 1970, publica o primeiro livro de ensaios, A multiplicação do real. Neste mesmo ano, no dia 26 de dezembro, nasce em São Paulo a primeira sobrinha, Paula.

1972 – Conclui o doutorado, com uma tese sobre o neo-realismo e a poesia política de José Gomes Ferreira.

1974 – Publica Poemas reunidos (Prêmio APCA, Associação Paulista dos Críticos de Arte), que inclui os anteriores mais o inédito Urna diurna. Em setembro, viaja para os Estados Unidos, como representante brasileiro no International Writing Program da Universidade de Iowa.

1975 – Em fevereiro, segue dos Estados Unidos para Portugal, onde permanece até junho, com uma bolsa concedida pela Fundação Gulbenkian. Antes de retornar a São Paulo, viaja durante 15 dias por Espanha e Marrocos. No dia 12 de junho nasce, em São Paulo, a sobrinha Bianca, irmã de Paula e André.

1977 – Passa o primeiro semestre em João Pessoa, trabalhando no mestrado em Lingüística e Literatura da Universidade Federal da Paraíba. Em julho, de volta a São Paulo, casa-se com Margarida Maria. Em dezembro, depois do concurso de livre-docência, na USP, com uma tese sobre Fernando Pessoa, viaja para o México, a caminho dos Estados Unidos.

1978 – Inicia atividades no Departamento de Espanhol e Português da Universidade da Califórnia, em Berkeley. O livro Círculo imperfeito recebe o Prêmio Gregório de Mattos e Guerra, em Salvador, e é publicado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. No dia 1º de setembro nasce, em Berkeley, sua filha Manuela. Em novembro, viaja para a cidade do Porto, Portugal, para participar do I Congresso Internacional de Estudos Pessoanos. Está de volta a São Paulo em junho de 1979.

1980 – Em setembro, retorna a Berkeley, para mais uma temporada de dois anos. Entre 1980 e 1983, participa de vários encontros e simpósios, promovidos pela MLA, Modern Language Association, pela AATSP, American Association of Teachers of Spanish and Portuguese, e outras instituições. Regressa definitivamente a São Paulo em 1983 e reassume seu cargo na USP.

1984 – Participa da diretoria da União Brasileira de Escritores, São Paulo, gestão Fábio Lucas. Viagem a Lisboa, para o X Encontro de Professores de Literatura Portuguesa. Retorna a Lisboa no ano seguinte, para o II Congresso Internacional de Estudos Pessoanos. Em 1986, passa o primeiro semestre na Universidade do Novo México, em Albuquerque, New Mexico, EUA, ensinando literatura brasileira. Palestras em universidades norte-americanas.

1988 – Viaja a Lisboa, para participar do Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa, e para colaborar, como representante da UBE, na organização do I Congresso de Escritores de Língua Portuguesa, sob os auspícios da APE, Associação Portuguesa de Escritores. No ano seguinte, retorna a Lisboa, para participar do mesmo congresso. Ainda em 1989 sai o livro Subsolo.

1992 – Logo depois de se aposentar, pela USP, viaja a Paris, para participar de um colóquio sobre Antero de Quental. Um mês em Lisboa. No retorno, trabalha em vários projetos que resultam, nos anos seguintes, em alguns volumes de crítica literária e literatura infanto-juvenil.

1995 – Viagem aos Estados Unidos, para participar de um simpósio sobre Machado de Assis, na Universidade do Texas, em Austin. Palestras em universidades norte-americanas.

1998 – No dia 11 de abril, morre em São Paulo seu filho Luís Felipe. Sai o livro Lição de casa. Em setembro de 2000, passa a integrar o corpo docente do Mestrado Interdisciplinar em Educação e Comunicação da Universidade São Marcos, em São Paulo, onde atua até hoje.

2001 – Viagem a Portugal, para participar de um colóquio sobre José Gomes Ferreira, na Universidade do Porto, e para uma leitura pública de seus poemas, na Universidade de Coimbra.

2002 – Em abril, uma semana em Belém, para dirigir um seminário sobre criação poética, no IAP, Instituto de Artes do Pará. Segue trabalhando em novos poemas, ensaios, traduções e outros projetos.

2010 – Participa da V Feira Nacional do Livro de Poços de Caldas, no Momento de Poesia.

Fontes:
Jornal de Poesia
Flipoços

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Carlos Felipe Moisés (O Escritor em Xeque)

Carlos Felipe Moisés concede entrevista a Álvaro Alves de Faria

À clássica pergunta “a poesia morreu?”, Carlos Felipe Moisés costuma dizer que a poesia morreu muitas vezes e sempre renasceu. Não é à toa que já imaginou escrever um livro com o título Poesia: crônica de uma morte anunciada. Desistiu. Como diz, seria insistir no óbvio:

– A morte da poesia vem sendo periodicamente propalada, e desmentida (diz Carlos Felipe), pelo menos desde a segunda metade do século XIX. É que, desde então, a poesia tem estado permanentemente em crise de transformação e evolução, determinada pela falência dos padrões clássicos, ou de qualquer padrão fixo e definitivo. A poesia passou a ser, a partir de Baudelaire, digamos, o reduto privilegiado da mudança. Daí a “crise”, interpretada por muitos como indício de esgotamento ou morte. Nada disso. Com a poesia acontece um pouco do que Marshall Berman (Tudo o que é sólido desmancha no ar) detectou na sociedade burguesa: “Afirmar que está caindo aos pedaços é dizer que está viva e em boa forma”.

Mas, afinal, para que serve a poesia num mundo mutilado, sem valores definidos, e mergulhado numa violência incompatível com a vida? Carlos Felipe Moisés assegura que a poesia serve para que nos tornemos melhores do que somos, enquanto indivíduos, não enquanto poetas. Serve para nos ajudar a extrair, desta breve passagem pela superfície do planeta, o melhor proveito espiritual possível.

– É uma visão romântica? – pergunta o poeta Carlos Felipe Moisés. E ele mesmo responde: – Sem dúvida. Mas é preciso entender que o romantismo não é apenas uma “escola” literária ultrapassada, circunscrita a determinado momento histórico, mas um estado de espírito que continua em curso, incorporando em sucessivas metamorfoses o que veio depois, atualizando-se. Cabe dizer, também, que servir, propriamente, a poesia não serve para nada: é a mais perfeita das inutilidades em que o homo ludens que somos pode empenhar-se. Mas por isso mesmo a poesia tem sido, vem sendo uma forma de resistência ao utilitarismo mesquinho.

Carlos Felipe não acredita que a poesia deva ser levada a sério. Acha que a poesia deve ser encarada como divertissement, jogo lúdico, despremeditado, com as palavras e com a essência da vida. O poeta se aborrece com a possibilidade de a poesia ser levada a sério, como algo que exigisse uma atitude mais formal, diferente daquela assumida no trivial da existência:

– Acho que a poesia deve fazer parte do nosso dia-a-dia – afirma Carlos Felipe. – A sério ou não, isso vai depender do temperamento de cada um. Para o meu, não. Para mim, poesia é sinônimo de divertimento. A sério. Mas sei que quando alguém indaga se a poesia deve ser levada a sério, a pergunta tem outro endereço: aquela mentalidade rigidamente utilitarista, para a qual poesia é bobagem, ocupação de desocupados e inadaptados. Ainda assim, minaha resposta continua sendo a mesma: a poesia não deve ser levada a sério.

Em que o poeta difere de outros poetas?

– Sem pensar muito, eu diria que não difere. Pensando um pouco, acrescentaria o óbvio: ninguém confunde um livro de poemas com um romance. E isso tem a ver com a preocupação classificatória de críticos e professores. É a questão dos gêneros, que sem dúvida diferem entre si, mas, neste século, muitas vezes manifestam-se sob formas híbridas, indiferenciadas. Há muitos textos modernos, dentre os mais marcantes e significativos, diante dos quais hesitamos. Poesia? Prosa? Prosa poética? E por aí vai. Então, insisto na resposta irrefletida: o poeta não se distingue de outros escritores.

Carlos Felipe Moisés observa que a poesia brasileira, hoje, felizmente, está em crise: “a poesia está morta mas juro que não fui eu”, como declarou José Paulo Paes. O poeta esclarece que essa crise significa pujança, dinamismo e, sobretudo, diversidade:

– Nossos grandes poetas se foram: Bandeira, Cecília, Drummond, Vinícius, Murilo… João Cabral silenciou, há tempos. Mas suas vozes continuam vivas e atuantes, muito mais do que a de muitos jovens recém-guindados ao panteão lírico da Pátria. A poesia brasileira hoje (um “hoje” que se arrasta há três ou quatro décadas) se caracteriza pela variedade dos ingredientes e caminhos em que aposta – da prolixidade à concisão, da ousadia experimentalista ao tradicionalismo conservador. E todos esses caminhos são válidos e legítimos, para desespero desta ou daquela minoria que insiste em nos impingir seu sectarismo.

E a crítica literária?

– Os arautos da morte da poesia diriam que nossa crítica, há décadas, vai bem melhor. Nos últimos 30 anos, a imprensa perdeu o charme dos grandes suplementos literários (noto, nos anos recentes, um tímido esboço no sentido de ressuscitá-los), o charme dos rodapés semanais. Perdeu-se com isso o critério subentendido da “autoridade” tacitamente atribuída a uns e outros. No mesmo período, cresceu o prestígio da chamada crítica universitária, modalidade que levou a “autoridade” a migrar das mãos do amador para as do especialista e a se divorciar do grande público. A crítica literária carece hoje de autoridade referendada. Eu diria que, entre o referendum da mídia e o prestígio da academia, nossa crítica procura cumprir com sua finalidade primordial, qual seja assinalar a maturidade da literatura em que se insere. Uma literatura amadurecida não se limita a existir, nem se restringe a alguns autores “de nível internacional”, como se costuma dizer, mas deve mostrar-se também capaz de discorrer sobre a consciência de sua própria existência. Acredito que aí resida a função maior da crítica literária. E acredito que a nossa caminha nessa direção.

Carlos Felipe Moisés pertence à Geração 60 de poetas de São Paulo. Mas ele não acredita na existência da geração. Ele observa que, se afirmar que acredita, dirão que é suspeito, pois se trata da sua geração; se negá-la, dirão que é mais suspeito ainda:

– Em nome da geração à qual pertenço (pertencemos, não é mesmo, Álvaro?), peço permissão para afirmar que a Geração 60 não existe, nem deixa de existir. Em primeiro lugar, quem somos, meu caro e fraterno Álvaro Alves de Faria? Resposta: Roberto Piva, Cláudio Willer, Lindolf Bell, Eduardo Alves da Costa, Celso Luís Paulini, Eunice Arruda, Rubens Rodrigues Torres Filho, Sérgio Lima, Neide Archanjo, Carlos Soulié do Amaral, você, eu próprio, e vários outros poetas que se reuniram, adolescentes, no início dos anos 60, em torno da editora Massao Ohno, em São Paulo. Nós erguemos nosso ideário ou nossa plataforma de combate? Produzimos nosso ismo? Transmitimos a alguém, como diria Brás Cubas, o legado da nossa miséria? Fomos e continuamos até hoje a geração da dispersão. E é isso, exatamente, que afirma a nossa existência e a nossa inexistência. Por outro lado, estamos falando de alguma coisa muito local, muito regional, quando poderíamos (deveríamos?) buscar um âmbito mais abrangente. Pedro Lyra – que é da mesma geração, em termos cronológicos, mas só viemos a nos cruzar muitos anos depois – nos ajuda a ver a coisa de outro prisma, com sua recolha ecumênica Sincretismo: a poesia da Geração 60. Naqueles idos de 60, no mesmo instante em que nos agrupávamos, circunstancialmente, em São Paulo, dezenas de outros jovens poetas faziam mais ou menos o mesmo, em vários pontos do país. Somos todos da mesma Geração, com G maiúsculo? Sugiro confiar essa pergunta à argúcia dos historiadores, que um dia saberão colocar esses e outros nomes em seu devido lugar.

Fonte:
Opção Cultural, Goiânia, 28 de junho de 1997, ano III, no 144.

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