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Marina Bruna (Trovas Escolhidas)

A ciranda traz lembranças,
que a saudade perpetua,
de um tempo em que nós, crianças,
éramos todas de rua…

Afeto infinito eu leio
nos olhos, cheios de brilho,
da mãe que desnuda o seio
e oferta seu leite ao filho!

A noite desfez em contas
seu rosário de cristal
e enfeitou todas as pontas
da grama do meu quintal!

Ante um berço, comovida,
e no adeus dos cemitérios,
fui aprendendo que a vida
é ponte entre dois mistérios.

Ao tanger minha guitarra,
ser pobre não me importuna.
Tenho o perfil da cigarra
que é feliz sem ter fortuna.

A teu lado, mas… sozinho…
quantas noites, quantos dias
eu transbordei de carinho
mas te achei de mãos vazias…

A tua mão deslizando
no meu corpo, em leve afago,
é como a brisa encrespando
a superfície de um lago.

A tua ofensa me assusta
e, desta vez, digo “não”!
Quem ama sabe  o que custa
ter que negar o perdão!

A vida insiste em manter
em dois tons sua canção:
o mais agudo é o poder;
o mais grave, a servidão!

Blasfemar… sei que é errado
mas, Te pergunto, Senhor:
se o amor que eu sinto é pecado,
por que me deste este amor?…

Bondes… quintais… lampiões…
Nesta saudade eu me abrigo
aconchegando ilusões
que envelheceram comigo…

Brinquedos velhos, em trapos,
sem importância parecem,
mas guardam, nos seus farrapos,
lembranças que não se esquecem.

“Cachorro!”, gritou o pato
numa atitude insensata,
quando ouviu dizer que o gato
estava lambendo a pata!

Com a emoção renascida
no amor que só veio agora,
o ocaso de minha vida
ganhou matizes de aurora!

Com meu orgulho pisado
mas, de saudades vencida,
dou-te o perdão e a teu lado
esqueço as mágoas da vida.

Como é grande a solidão
de um ator, que em sua estréia,
põe em cena o coração
e está vazia a platéia…

Das saudades e lembranças
do amor, que foi verdadeiro,
restou um par de alianças
na mão de um só companheiro.

De cada galho abatido,
em silêncio a seiva escorre
mostrando o pranto sentido
de uma floresta que morre!

Depois da tua partida,
na desordem dos meus passos,
o que me prende na vida
é a memória dos teus braços…

Descalços pelo gramado
teus pés mansamente vão…
Pões, no pisar, tanto agrado,
que eu tenho inveja do chão!…

Descem do morro, sambando,
o Conde, o Rei e a Princesa.
É o Carnaval mascarando
de sangue azul a pobreza…

Deus modela a nossa estrada
porém nós, em atos falhos,
modificando a jornada,
nos perdemos nos atalhos…

Disse um “sábio” picareta
sobre um voo espacial:
– “Pra chegar noutro planeta
é só ter um mapa astral…”

Dos naufrágios, dos degredos,
restaram, dentro do mar,
ecos de velhos segredos
que as conchas sabem guardar…

Ele partia e, na pressa,
prometeu que voltaria.
Hoje eu sei, não foi promessa.
Na verdade… ele mentia…

Em fortuna, eu tenho sido
qual uma agulha modesta
que borda um belo vestido
e a linha é quem vai à festa!

Enfim voltaste… mas peço
que este clima de alegria
envolvendo o teu regresso
não dure só por um dia…

Esta fé que me incentiva,
e em minha vida se espalma,
é uma luzinha votiva
na capela de minha alma!

Esta flor que me restou
num livro da mocidade
é um sonho que se tornou
medalha de uma saudade!

Eu faço um apelo mudo
na velhice que me alcança:
– Destino, tire-me tudo
mas não me roube a esperança!

Fim do amor… mas nosso enredo
restou em minha lembrança,
como ficou em meu dedo
a marca de uma aliança…

Foi num mar encapelado
que o meu barco de ideais
naufragou de tão pesado:
– tinha esperanças demais!

Homem bom de rosto feio!
Tua aparência enganosa
lembra a pedra cujo seio
guarda uma gema preciosa!

Impiedoso, o fogo avança
e a floresta, calcinada,
perde o verde da esperança;
ganha o cinza do mais nada!

Mágico no seu cantar,
o poeta tem na voz
a virtude de criar
mil mundos dentro de nós!

Meu olhar no céu passeia
e me diz, mesmo disperso,
que o mundo é só um grão de areia
na imensidão do Universo…

Meu viver lembra uma estrada
com mistérios para mim:
do começo não sei nada…
não sei nada do seu fim…

Na história de tua vida
sou apenas, sem escolha,
uma sentença esquecida
no rodapé de uma folha.

Na insônia, escuto um rumor
e percebo, entre ansiedades,
que anda na noite um pastor
apascentando saudades!

Na tarde cálida e mansa,
o tempo quase não passa
e até o silêncio descansa
nos velhos bancos da praça.

Neste ano novo eu pretendo
rasgar meus dias tristonhos
e, de remendo em remendo,
reconstruir os meus sonhos…

No abandono, em desalinho,
eu sonho me embriagar
na branca taça de vinho
que se derrama em luar…

No acolchoado de paina,
colhida ao pé da paineira,
o homem esquece da faina
nos braços da companheira.

Nosso amor, hoje em desgaste,
fez do convívio um açoite…
Tempo! Por que não paraste
naquela primeira noite?

Nosso amor hoje e passado
e, apesar de breve história,
persiste, ainda, ancorado
no cais de minha memória.

Num foguetório cerrado,
o céu junino reluz
qual um chuveiro dourado
pingando gotas de luz!

O Ano Novo se avizinha
e eu, de tristezas cansado,
compro uma nova folhinha
e rasgo o tempo passado.

O destino rege as vidas
num balé, cujo andamento
lembra o das folhas caídas
dançando ao sabor do vento…

O destino se disfarça…
Veste risos e tristezas
e apresenta, em cada farsa,
incalculáveis surpresas…

O flerte, as voltas na praça,
o tempo levou embora
e o amor foi perdendo a graça
sem o respeito de outrora…

O homem pobre, passo a passo,
ergue a cidade cinzenta
tirando da pedra e do aço
a quimera que o sustenta!

Passei a viver tristonho
depois que encontrei, surpreso,
o limite do meu sonho
no muro do teu desprezo!

Partias… mas era tarde
para eu tentar te deter…
E nessa omissão covarde
te perdi… sem combater…

Partiste… e a tarde silente,
daquele dia tristonho,
vestiu de roxo o poente
no funeral do meu sonho…

Por florescer altaneira
na paisagem descampada,
aquela velha paineira
tornou-se um marco de estrada!

Primeiro amor… é a ternura
que a nossa memória enfeita.
É como a fruta madura
de uma primeira colheita…

Prostrado… na dor infinda
de um desprezo que o consome,
meu coração bate ainda,
porque murmura o teu nome…

Quanta família é desfeita
sem notar, que em meio aos brados,
há uma vítima que espreita
de olhinhos arregalados …

Que eu te esqueça… não me peças…
Não me obrigues a fingir
e fazer falsas promessas
que jamais irei cumprir.

Quem faz poemas alcança
todo o brilho do Universo
pondo estrelas de esperança
nas rimas de cada verso!

Que o amor faz sofrer… sabia…
mas, mesmo assim, eu te amei
e, agora, a sabedoria
vive a dizer: – Não falei?…

Quis te falar… mas não pude…
E, então, te dei uma flor…
As flores têm a virtude
de saber falar de amor…

Sem aliança no dedo,
sem altar, sem certidão,
quanto amor vive em segredo
com laços no coração!

Sem muros, as casas pobres
trocam favores, carinhos…
enquanto que em ruas nobres
ninguém conhece os vizinhos.

Se um dia o céu censurar
o nosso amor, não aceito…
e a teu lado hei de encontrar
um outro céu…mais perfeito!

Sigo em frente em meus trabalhos,
porém não sigo sozinho.
Com Deus, que aponta os atalhos,
encurto muito caminho.

Sobre os espelhos fanados,
o tempo, em seu transcorrer,
passa escrevendo recados
que não gostamos de ler…

Tem pena de minha dor!
Por favor, usa a franqueza!
Pois as dúvidas, no amor,
maltratam mais que a certeza!

“Terra à vista”! e, em praias calmas,
foi ancorando Cabral.
E o destino bateu palmas
nos unindo a Portugal!

Teu amor… quase acabado…
Mas, tentando me iludir,
sigo sofrendo a teu lado
sem coragem de partir…

Teu desprezo me magoa.
Não me queres, não te forço.
Mas, o que mais me atordoa
é não sentires remorso…

Tímida, não disse nada,
mas o sorriso que deu
foi a mensagem cifrada
que o meu amor entendeu…

Trago um porongo em meu peito
onde a saudade, contida,
é um chimarrão que tem feito
o amargor de minha vida…

Vai com seu dono mendigo,           
dando-lhe o único alento…
E eu penso: – Este cão amigo
bem merece um monumento!

Vai, de saberes repleto,
um sábio pela metade.
Para ser sábio completo
faltou-lhe o grau de humildade…

Vou te deixar… Partirei…
Sem saudade… Sem sofrer…
Por um motivo eu te amei;
por muitos, vou te esquecer…

————————

Download do e-book com biografia e trovas de Marina Bruna podem ser encontradas em:
http://issuu.com/wichaska/docs/tributo_a_marina_bruna
(Abaixo do livreto clique sobre Share, surgirão várias opções. Clique sobre download).
O livreto está em PDF e possui cerca de 7 megabytes.
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Fontes:
BRUNA, Marina. Cantares: trovas. São Paulo: Ar-Wak, 2010.
Resultados de Concursos.

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Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) I

MULHER

Tens como encanto
Um sorriso
E um espanto
No brilho do olhar

Bem sei há tristezas
Profundas contidas
E bem escondidas
Num canto qualquer

Como sei que há vida
Uma vida incontida
Pronta a aflorar
De teu ventre, mulher.

LA BELLE D’JOUR

És flor delicada e bela
Que abrindo se perfuma o ar
Anuncias a primavera
No encanto do teu olhar.

Brilhas a noite mais escura
Iluminas o dia mais sombrio
Com teu jeito de menina pura
E esse corpo de mulher no cio.

És um milagre de Deus
Uma fonte inesgotável e incontida
De inspiração pros versos meus
E de alegria e tesão pela vida.

Lute batalhe experimente
O suave sabor da felicidade
Sejas cativa somente
Da beleza do amor e da liberdade.

NÁUFRAGO

Não deixes meu ser à deriva
Meu coração começa a adernar
Frágil embarcação nessa vida
Naufragando no teu lindo olhar.

Leve-me ao teu porto seguro
Bem perto do entardecer
Ouça o forte murmúrio
Deste meu peito a bater.

No teu corpo minha vida
Entrego sem nada temer
Vem curar as feridas
Que o mundo costuma fazer

Para que de novo à lida
Eu volte sem tempo ruim
Sabendo que alguém nesta vida
Ama, cuida e vela por mim.

ARS / AMOR
A poesia abre o coração
Expõe a alma
A pintura abre os olhos
Expõe a realidade
A música abre a cabeça
Expõe a percepção
A mulher abre os braços
Expõe-se à vida.

PRECE

Seu amor menina
Encanta me ensina
Seu desejo mulher
Cresce me envaidece
Deixa-me do tamanho
De quem numa prece
Encontrou Deus.

VICE OU VERSA

Te amo!
Jamais direi novamente que
Posso viver sem você.
Acredito que
Apesar de tudo
Você me ame também.
Não consigo imaginar que
Algum dia
Te esquecerei.

CANTIGA

Teus olhos belos sóis
Dois lindos arrebóis
À noite duas luas
Brilhando seminuas

E no amanhecer
Já nas primeiras horas
Iluminam teu ser
Como duas auroras.

IRIS

A gentil serenidade
De teu olhar
Desnudou meu orgulho
Ressuscitando em mim
O menino que eu matara.

LÁCRIMA
Brota nos recantos do coração
Deságua pelas janelas da alma
Rola rosto pura emoção

Essa pérola viva do ser
Rainha de uma extrema dor
Princesa de um imenso prazer.

MÃES MENINAS

Meninas tão lindas
Tão jovens ainda…
Mulheres tão puras
Tão verdes, maduras…

Deixam (sem querer)
O brinquedo, o sorriso
A pureza e o prazer
Para brincarem de sofrer.

PUPILAS
O esplendor do sol
Transforma em ouro
As espigas do trigal
As pétalas dos girassóis
E as meninas dos olhos
Do poeta.

CHEGA DE SAUDADE

A palavra cala
No gesto do abraço
Teus olhos úmidos
Meu peito em descompasso

Um beijo ardente
Silencioso e profundo
Aproxima a gente
Do paraíso no mundo.

DRUMMONDIANDO

No
Meio do caminho
Havia uma pedra
Eu!
Que esfarelou-se humana
A um simples toque
Seu.

TOGETHER

Esses teus olhos tristonhos vão sumir
Em seu lugar darei o brilho
Que ainda resta em meu olhar
Pois quero ver teu rosto se iluminar
Num sorriso simples sincero e sem medo.

Se hoje lhe ajudo também peço ajuda
Quero te ver sonhando meu sonho
Vivendo meu viver
Quero te amar bem mais que o meu coração
Quero juntar à tua minha solidão.

Pois eu também por muito tempo andei sozinho
Sem ter ninguém , sem ter amor pra me ajudar
Andei caminhos sem rumo, sem destino
Mas hoje a vida deu-me outra chance
Ao te encontrar.

WINDOW

Você é janela aberta
Em dia ensolarado;
Ilumina, areja, liberta
Meu coração trancafiado.

DOCE MISTÉRIO
Mulher
Segredo e milagre
Santa
Quando briga ou canta
Delicioso
Mistério de amor
Entre
O humano e o poder
Criador.

PERCEPÇÃO

Meus olhos muitas vezes
Vêem coisas
Que pessoas apressadas
Nem dão fé!
Se eles mentem
O fazem colorido
Num sorriso
Numa flor
Numa mulher.

SE FOSSES MINHA

Se fosses minha amiga
Darias-me uma droga
Mais forte que a vida;

Se fosses minha amante
Darias-me amor maior
Do que ontem;

Se fosses minha amada
Não deixarias morrer
Nosso conto de fada.

YES

Agradeço a Deus
Por um sorriso teu
Que seja só para mim

Pois o teu encanto
Enxugou meu pranto
E me deixou assim

Louco por teus beijos
Pleno do desejo
De chegar ao fim

Deste mar revolto
Lindo que é teu corpo
Dizendo-me sim.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

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Varal de Trovas n 9 – José Ouverney (SP) e Pedro Mello (SP)

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José Ouverney (1949) (de Pindamonhangaba) criador do maior e melhor site de trovas (http://falandodetrova.com.br) e 
Prof. (quase mestre) Pedro Mello (1977) (da capital paulista), que possui o blog de trovas http://blogdopedromello.blogspot.com.br/, são ambos Magníficos Trovadores.

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Varal de Trovas n 7 – Izo Goldman (SP) e Carolina Ramos (SP)

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Varal de Trovas n 6 – José Lucas de Barros (RN) e Heron Patricio (SP)

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Varal de Trovas n 5 – Francisco Macedo (RN) e Darly O Barros (SP)

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Varal de Trovas n.1 – Carolina Ramos (SP)

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29 de junho de 2013 · 23:37

Simone Pedersen

Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul.

Formou-se em Direito.

Morou onze anos no exterior onde teve vivência multicultural e conheceu diferentes estilos linguísticos.

Desde essa época já escrevia crônicas para os amigos sobre a diversidade que vivenciava.

Reside em Vinhedo, no interior de São Paulo e, há dois anos, participa ativamente de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior.

Tem textos publicados em diversas antologias de contos, crônicas e poesias. É colunista de um periódico da região.

 Ministra oficinas literárias para crianças e adolescentes.

Membro da AEILI J – Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantojuvenil
Membro da Academia Literária AMLAC – SP,
Membro do CEV – Clube de Escritores de Vinhedo.
Membro-fundadora do Clube dos Escritores de Vinhedo,
da Academia Metropolitana de Letras, Artes e Ciências,
da Academia Literária da Grande São Paulo,
da Academia Poçoense de Letras,
membro-correspondente da Academia Caxiense de Letras.
Delegada da UBT em Vinhedo.

Livros Infantis

 Coleção Pápum
 Coleção Fuá
 Vila Felina
 Vila Encantada
 Sara e os óculos mágicos
 Conde Van Pirado

Livros  Adultos

 Fragmentos & Estilhaços: crônicas, contos e poemas
 Colcha de retalhos: poemas
 O Tango da Vida: contos (lançamento em janeiro de 2012)
 

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Rick Steindorfer (Poemas Avulsos)

(Ricardo Steindorfer Proença é de Águas de São Pedro/SP)

A ETERNIDADE…
Sonho um sonho de ternura
viajo pelo tempo, eterno sou
distante de toda usura
perto de Deus eu estou.
Há momentos na eternidade
em que paramos como espíritos
são instantes de sobriedade
sonhos de busca irrestritos.
Olho pela janela da vida
busco no silêncio minha alma
tenho uma existência escolhida
pois levo minha vida na palma.
Desato de mim todos os nós
sou paz nas veredas onde passo
estou neste caminho a sós
livre de tristeza ou cansaço.

AMOR, ETERNO AMOR

A beleza do amor esta no movimento
na cadência carinhosa que nos excita
no poder da ternura que há no sentimento
e no desejo que ao beijo nos incita.

E quando estou dentro, em teus alentos
teu corpo me absorve com ternura e ardor
no ritmo louco de nossos movimentos
alternados entre o prazer e a dor.

 Somos eternos então neste momento
pois somos inteiros naquilo que vivemos
sem receio ou qualquer comedimento
mostramos um ao outro o que sentimos.
E quando estendo a mão a ti finalmente
quando tudo cessa em pausa por instantes
nos preparamos para o amor novamente
e nos entregamos, somos dois amantes.

PAZ

Que haja paz por onde eu passe
e que um manto de luz se estenda ao meu caminho
que a alegria o meu corpo inteiro transpasse
fazendo de todo mundo o seu ninho.
Que haja vida em meu pensamento
e que eu materialize a vontade de Deus
que haja felicidade em meu sentimento
e que eu traduza os Desejos Seus.
Que eu empreste minha força por onde vá
não economizando meu poder em nada
e que meus passos em meu caminhar
faça eterna e pura a minha estrada.
Que eu me lembre sempre de todos
e esqueça sempre de mim
não me perdendo em receios e lodos
vivendo a vida como um simples Curumim.

A FELICIDADE

A felicidade
é um espaço entre o sentir e o pensar
que transforma com qualidade
nossa capacidade de sonhar.

Para ela, não existe receita
pois ela não é um lugar qualquer
nela a alma apenas aceita
aquilo que o espírito quer.

A felicidade não está na paz
mas a paz mora lá
nos ensina como se faz
um bolo simples de abará.

Não pense em ser feliz
busque a sua essência
em tudo que pensa e diz
está toda a sua ciência.

O CAMINHAR DA CONSCIÊNCIA

A Morte o corpo persegue
como o boi é seguido pelo carro
por isso ninguém consegue
ser dela o seu desgarro.

Cuidemos de nossa vida
com o esmero de um mordomo
no esforço de nossa lida
sem falsidade ou assomo.

Fazemos parte de egregoras
e nelas nos revezamos
somos lideres por horas
em outras apenas oramos.

Mas é neste caminhar
nesta vida infinita
que vivemos nosso particular
de forma eterna e irrestrita.

CLAREZA NA LIDA

 Há pessoas que tem má natureza
 parece que não são filhas de Deus
 mas se todos têm em si a pureza
 o que acontece com os princípios seus?

 Já gritei muito no mundo
 já falei sobre a responsabilidade
 sobre o pecado oriundo
 e a vida plena de qualidade.

 De que adianta sermos bons
 se jamais cobramos isso da vida
 elevando os nossos tons
 e buscando a clareza na lida?

 Olhemos os maus com bons olhos
 estão em busca da perfeição
 eles tem lá seus abrolhos
 e amor recluso no coração.

A DOR DE UMA SAUDADE

quando expressa a lembrança 
traz uma dolorosa qualidade 
que nos faz que nem criança 
e sempre que podemos chorar 
por que não inundar os olhos 
sem receio e sem corar 
sem nos preocupar com nossos abrolhos. 

Linda a expressão de tua alma 
linda a canção do teu amor 
uma dor sofrida mas terna e calma 
que se refere a um eterno ardor 
mas viver é isso mesmo 
temos sempre nossos altos e baixos 
só não se pode viver a esmo 
tristes, solitários e cabisbaixos 

A alma que se liberta da vida 
já cumpriu a sua sentença 
vai em busca de outra lida 
sem nenhum ou qualquer diferença 
apenas se torna mais consciente 
mais forte e mais lúcida 
torna-se um ser mais ciente 
numa vida mais intensa e mais lúdica. 

Oremos por nós mesmos 
e aprendamos a nos dar as mãos 
não vamos virar torresmos 
ou viver que nem pagãos 
sabemos que a eternidade existe 
e que alguém criou o universo 
e a verdade sempre consiste 
em se falar em prosa e verso!

A POESIA

A poesia em mim brota como fonte
 como uma nascente interminável
 elas percorrem a minha fronte
 com um poder imensurável.

 Aqui eu sou apenas o cinzel
 que esculpe a força da imagem
 no branco de minha mente, meu céu
 com o poder do sentimento, minha aragem.

 Eu vivo minha vida para a arte
 o resto todo é bobagem
 há momento em que estou em Marte
 outros em Vênus com coragem.

 E quando o momento eterno vier
 e eu tiver que deixar este trapo
 entrego a Ele tudo o que tiver
 sem receio, apego ou cansaço.

Fontes:

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Regina Mercia Sene Soares (Teia de Poesias)

Bolhas de Sabão

Bolhas de sabão soltas no ar 
 Voam em todas as direções
 Ao sabor do vento
 São coloridas como o 
 Arco íris!
 Traz alegria para quem
 As soltam!
 Ela eleva a minha imaginação
 Para a beleza infinita
 Que se mistura
 No ar!
 Bolha de sabão como gostaria
 De ser você!
 Para poder misturar-me com
 O ar e alcançar 
 O infinito!
 Esse infinito de tom azulado
 Que espalha o ar 
 Que respiro!
 E dá a vida e o colorido
 Como bolha de sabão
 Solta no ar!
 Enchendo-me de alegria 
 E fazendo eu voltar a ser
 Criança novamente!
 Uma infância colorida e saudável
 Com todas as cores
 Do arco-íris! 


ASAS DO TEMPO

Cadê as asas do tempo…
 Para onde foram?
 Estou em busca delas…
 Parece uma ave que
 Saiu do ninho
 Como um pássaro que voa
 Contra o tempo…
 Contra a vida…
 Em busca da felicidade
 Para deixar a tristeza
 Tristeza esta que se fazia
 Amargas as palavras
 Que saiam da boca
 Enlouquecida… gritando
 Por afeto e em busca
 Da musica suave
 Que as asas do tempo…
 Não param de voar
 Querem encontrar onde pousar
 Numa flor…
 Numa noite enluarada
 Onde as asas tocam
 As estrelas que refletem
 A luz do tempo…
 Tempo esse que é o hoje
 Foi o ontem…
 E será o amanhã
 Marcando o destino
 Como a vida de um pássaro
 Que voa em busca
 Do seu eu interior…

AREIA

Areia leve e branca!
 Fina como um pó
 Mas sua energia cobre as praias
 Como um tapete
 Quando o vento bate
 Levantam com uma nuvem…
 Marcando seu espaço
 Com uma grandeza! 
 Como um deserto
 Que se expande…
 A grandes altitudes
 Revelando sua amplitude
 Como um circulo mágico!
 Inspirando pensamentos
 Que voam formando dunas
 Formadas por milhões
 Bilhões… trilhões de grãos…
 Que cobrem a terra!
 Tornando um imenso deserto
 Mostrando sua grandeza
 Que de partícula em partícula
 Minúscula areia branca
 Nos faz delirar …
 E deixarmos nos levar
 No tapete mágico
 Pelo espaço infinito…
 E entrar no circulo mágico
 No deserto que se expande
 Nas grandes inspirações
 De milhões de pensamentos!

ESTRELA MAIOR

A luz da terra sobrepõe
 Iluminando os corações
 E as estrelas brilham
 Cada vez mais mostrando a trilha

Saudamos os anjos
 Da fraternidade que guia
 Os amigos companheiros
 Que já se foram com toda valia…
 Para semearem os feitos
 Nos campos áridos
 Com amor e transformar
 Em benção do céu em amar…

Pouco a pedir e muito a tecer
 E muito a agradecer
 Acreditando que cativa
 Nosso planeta dá a viva…

Na esperança e na coragem
 Que a espiritualidade ausente
 Se faça presente
 E traga a mensagem…

Para saudar um novo
 Inicio de vida e do povo
 De dádiva recebida
 Como foi concebida…

CAMINHO

Acho que me perdi
 Vivo vagando sem rumo
 No escuro de um caminho perdido!
 Busco o caminho e não encontro
 Parece que a estrada
 Fica mais longa.
 Quanto mais ando
 Mais perdida fico
 Sinto uma dor tão grande no peito
 Que me coroe
 Ando… ando e o mundo
 Se torna cada vez mais estranho
 Parece que estou nua
 Desprotegida e despojada.
 Que mundo é esse?
 Sem paz, sem compreensão
 Cheio de desencanto
 Desencontro…. egoísmo… desilusão
 Será que não tem solução?
 Os corações estão perdidos
 As mentes estão entorpecidas
 Os corpos cansados
 Nosso ego fica a zero
 Será que a morte está para chegar?
 Será que estamos esperando 
 Nossa hora?
 Nesta longa estrada
 Da vida!!!

O VIOLINISTA

Ele é a revelação do amor
 De um amor que busca
 O tempo que parece não voltar! 

Mas ao ter voltado desperta
 Canções apaixonantes que saem
 Das cordas do violino daquele
 Violinista que faz as lembranças 
 Do tempo voltarem sem piedade

Trazendo o infortúnio com saudade
 O toque de sua canção emocionante
 Que sai de seu violino encantador!

Sustentando a tonalidade musical
 Com suas notas melódicas e fortes
 Abrindo o caminho para passar
 Por uma porta que jamais se fechou
 Através dela transpassaria a dor
 Do peito dilacerado e sofrido

O som do violino levou a mulher
 A levantar as mãos ao coração e a dor
 Do peito aumentou o desespero de um amor
 Que revive com a musica do violinista
 A tocar e levantou seus olhos e viu a sua amada
 Ao termino da musica num momento de emoção

Chegou perto de sua bela amada e acolheu-a
 Em seus braços depois de tocar aquela musica
 Que fazia parte da lembrança do passado!

Olhou bem nos olhos de sua amada
 Levando seus lábios a unirem-se com o dela
 Dando-lhe um grande beijo de amor
 Tornando aquele momento emocionante
 No mais lindo momento de amor
 Tudo acontecendo por causa da apresentação
 Do violinista que reencontrou o seu amor.

Fonte:

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Olivaldo Junior (Para Um Pássaro à Beira da Estrada que me Leva ao Trabalho)

Sim, foi um pássaro.
Teve ninho, céus e pousada
nos galhos das árvores
que o mundo 
lhe dava.

Sim, foi um pássaro.
Teve bico, pena e pousada
nos braços das almas
que o mundo
levava.

Sim, foi um pássaro.
Teve cisco, seiva e pousada
nos sábados mártires
que o mundo 
nos dá.

Fonte:
O Autor

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Arquivado em Estado de São Paulo, Moji-Guaçu, poema.

Ignácio de Loyola Brandão (O Que Há Depois do Além?)

Museu de Paris exibe o mítico rolo em que Jack Kerouac escreveu On The Road, o ícone beat que acenava para um horizonte a ser descoberto; filme de Walter Salles sobre o livro já estreou lá

Um livro inteiro escrito em um rolo de papel. Foi espantoso saber disso. Jack Kerouac sentou-se entre 2 e 22 de abril de 1951, e datilografou sem parar e sem precisar tirar o papel da máquina em nenhum momento. Mais de 60 anos atrás, aquele jovem de 29 anos não sabia que tinha inventado o formulário contínuo que só entraria em cena mais de 40 anos depois. Como seria esse rolo? Estávamos acostumados a usar o papel sulfite A-4, cuja largura era a mesma do rolo das máquinas de escrever comuns. Escrevia-se cerca de 20 a 30 linhas, em espaço duplo e acabava a lauda, era preciso trocá-la. O gesto se repetia em casa, nas redações, escritórios, faculdades, escolas, por toda a parte. Puxada a lauda, colocava-se outra, girava-se o rolo e recomeçava. Nunca imaginei que precisasse explicar este processo banal, a fim de que as novas gerações crescidas com o computador, entendessem a questão. Por esta razão, ter escrito de uma vez só, em um rolo de papel, se tornou um fato mítico, único na literatura. Vinha em seguida o que o livro significou, o impacto que provocou, o espanto que ocasionou.

As notícias, naqueles anos 1950, diziam que o livro On The Road, que abalaria o mundo, teria sido escrito em um rolo de papel para teletipo, o que também poucos das novas gerações sabem o que é. Um aparelho existente em redações, escritórios, bolsas de valores, que recebia informações, notícias, cotações, vivia ligado 24 horas, parecia funcionar sozinho, uma vez que era acionado a distância. De uma cidade para outra, de um Estado, de um país. Funcionava o tempo todo, portanto necessitava ser alimentado por um rolo de papel que devia durar horas.

Em seguida, divulgou-se que On The Road não tinha sido datilografado em rolo de teletipo. Como seria então? Passaram anos até vermos a primeira foto de Jack Kerouac, o escritor, segurando o rolo na mão. Eu vi pela primeira vez na contracapa da edição integral de On The Road publicada pela L&PM, em 2008. Mas que rolo seria esse?

A batida do jazz em uma narrativa. No entanto, fosse apenas isso, um livro escrito em um rolo de papel, tudo não passaria de mera curiosidade, uma bossa criada por um autor, nada mais. Quando On The Road foi publicado em 1957 – exatamente o ano em que cheguei a São Paulo, foi como se um tsunami tivesse acontecido na literatura. Normas caíam por terra, regras eram desobedecidas, uma nova maneira de narrar estava em curso, a palavra beat, que vinha tanto de beatitude quanto da batida do jazz, entrou em circulação. Era o grito (usou-se muito essa palavra) da geração que fumava maconha, usava benzedrina, cocaína, peyote, álcool, e não colocava limites para o sexo.

Acreditávamos que era a revolta de uma geração contra o establishment americano e ficávamos confusos. Onde brasileiros e americanos se igualavam? Contra o que eles brigavam exatamente? De que modo poderíamos seguir on the road? Teria sentido? Descobriríamos com os anos a nossa estrada. Mas o início estava ali na linguagem, na soltura, na liberdade.

Roberto Muggiati em seu artigo Kerouac, os beats e o bop (C2+Música, aqui no Estado, no último dia 9 ), diz que a expressão “on the road” já era usada nos anos 1930 no jargão dos músicos de bandas que “viviam na estrada”. O que era novo para nós? A linguagem que, no dizer de Kerouac (sempre citado por Muggiati), era “o fluxo mental tranquilo, de ideias e palavras pessoais secretas… pausas marcadas que são a essência de nossa fala… satisfazer primeiro a si mesmo e o leitor também receberá o choque telepático e o significado-excitação pelas mesmas leis que operam na sua mente”. Era um novo formato de narrativa, anticonvencional.

À minha frente, o lendário scroll. Descobri a realidade do rolo no dia 31 de maio deste ano, em Paris. Cheguei tarde, deitei, no dia seguinte, pulei da cama, tomei café da manhã e voei pelo Boulevard Saint-Germain em busca do Musée des Lettres et Manuscrits. O rolo do On The Road estava lá. Corria ao encontro de Jack Kerouac e de mim mesmo no número 222. Atravessei a “cour”, empurrei uma porta modesta e penetrei no museu. Estava em meio a tudo o que gerou On The Road, o mais emblemático romance de uma época, que bateu de frente contra tudo o que era estabelecido, careta, quadrado, square, burguês (palavras hoje deterioradas). Quem queria escrever, naquele tempo, queria escrever o On The Road de seu país.

O mundo transfigurou. Em um segundo, me vi em São Paulo na Alameda Santos, 93, nos meus 23 anos. Era a pensão da Nina. Mais do que pensão, aquela casa foi o ponto de partida de um grupo pertencente à mesma geração. Ali nos reuníamos, conversávamos, discutíamos Sartre, Simone, Camus, Marx, Stanislavski, Grotowski, Carson Mccullers, Henry Miller. Ali bebíamos, brigávamos, escrevíamos, tocávamos violão e cantávamos. Havia ainda tantos mundos a serem percorridos ao longe.

Como sair do nada e ver lá na frente?. Aqueles quartos de pensão, minúsculos, com três ou quatro, às vezes mais, jovens empoleirados, eram tão sufocantes quanto nossa cidade natal tinha sido, quanto São Paulo era, e o Brasil também. Em que país estreito vivíamos? Como sair disso? Líamos demais, víamos filmes e teatro demais, roubávamos revistas e jornais estrangeiros das bancas e livrarias (não tínhamos como pagá-las, eram caras) e tínhamos uma certeza, o mundo ia além daquilo. Queríamos saber o que havia para a frente, queríamos buscar lugares distantes, pessoas longínquas, línguas estranhas, não queríamos repetir a mesmice e não sabíamos o que sonhávamos criar.

Os sábados eram particularmente excitantes quando o caderno de variedades do Jornal do Brasil chegava com artigos do Nelson Coelho, então o especialista em literatura americana. Não se passava semana sem uma notícia sobre a beat generation. Correspondente do Jornal do Brasil em Nova York, Nelson estava no olho do furacão. E o JB era dos mais importantes e lidos do Brasil.

Eu era o primeiro que acordava, trabalhava das 10 ao meio-dia. Corria à Praça Osvaldo Cruz e comprava dois JB. Na praça, tomava o café da manhã, média de café com leite e um misto. Lia ali no balcão, sonhando com as mesas dos cafés que víamos nos filmes e nas fotos de Paris, de Nova York, das “cidades” civilizadas. Na volta, o caderno de variedades corria de mão em mão, depois era guardado no quarto do Zé Celso Martinez que enchia os artigos de frases sublinhadas.

Um dia, essa loucura será publicada integral. Havia uma febre para ler On The Road, de maneira que a primeira edição legível que nos chegou (era difícil comprar livros americanos por aqui) foi a da editora argentina Sudamericana: Por La Carretera, um título que nos soava horrível, mas sabíamos que seria complicado ler Kerouac no original. Linguagem coloquial, gírias, expressões do jazz, havia de tudo. Também em espanhol não foi fácil, perdíamos o ritmo. Somente duas décadas depois leríamos On The Road em português, com o título Pé na Estrada, editado na Brasiliense por um Caio Graco inquieto, ousado, mente aberta. Foi em 1984. A Brasiliense tinha Luiz Schwarcz, que ali começou. On The Road teria a sua mãozinha?

Sabe-se que a primeira edição americana, na qual se basearam, por décadas, todas as traduções, sofreu cortes e interferências do editor Malcolm Cowley. Informam as legendas da exposição que Kerouac, pressionado, edulcorou o texto, fez cortes, cedeu, estava cansado de batalhar e ser derrotado. Em uma carta, exibida no museu, Allen Ginsberg, outro ícone da beat generation, previa: “Um dia, On The Road será publicado integralmente, em toda sua loucura.” Foi. Em 2007, finalmente a Viking Press lançou o texto original, no Brasil lançado em 2008 pela L&PM, em tradução de Eduardo Bueno e Lúcia Brito. Na contracapa, Jack Kerouac segura o célebre rolo.

O manuscrito que é uma “estrada” também. Já se sabe tudo o que o livro é, foi, será. O que estava ainda em minha cabeça – e na de muitos – era a questão do rolo. Como se fosse um papiro sagrado, uma Torá. Assim entrei no Musée des Lettres et Manuscrits, paguei e desci correndo, tinha avistado a vitrine onde repousava o rolo. Naquela hora da manhã, não havia ninguém no museu. A vitrine tem nove metros de extensão e o rolo de 36, 5 metros repousa (estará ali até agosto) sobre um tecido macio para não ser machucado. Ao olhar, entendi. Não era papel de teletipo e sim papel vegetal, de desenho, que Kerouac montou página a página, colando com durex. Uns dizem que Kerouac comprou o papel, outros que foi um amigo dele, desenhista, Bill Cannastra, que lhe deu de presente.

Para caber na máquina de escrever, uma Underwood (exposta no museu), Kerouac acertou as margens. Pode-se ver ainda o picotado da tesoura em certos pontos. Para economizar, o espaçamento entre as linhas é o mínimo possível, acho que o 1, de modo que as frases praticamente se amontoam, apertadas. Imaginei o editor com aquele rolo na mão, tentando ler. Legendas explicam que o final do rolo inexiste. Segundo o autor, ele foi comido pelo seu cachorro Potchky. Cada detalhe alimenta uma lenda. Há uma imagem usada pelos que viram o rolo na vitrine: ele simboliza a estrada, the road. Datilografado a toda velocidade, sem parágrafos, 6 mil palavras por dia (12 mil no primeiro dia, tal a febre, e 15 mil no último, tal a ânsia de terminar), Kerouac confessou que foi alimentado a café. Como Balzac fazia?

Imenso banner num canto do museu traz as edições pelo mundo. Línguas estranhas, indefiníveis para mim naquele momento e que prefiro deixar assim, como um mistério: Kelije – Op weg – Na Gestei – Vejene – Naputu – Pe Drum – B Dopoze – Uton – Kepyak – Aopote – Á Vegum Út. Sabe-se que o livro foi traduzido para 95 línguas. Não vi a capa de nenhuma das edições brasileiras.

Numa das vitrines estão as cadernetinhas de capa preta envernizada que Kerouac usava para suas anotações. Centenas delas, todas iguais. Emocionei-me ao ver como ele trabalhava, anotando sem parar. Organizado, comprava sempre as mesmas cadernetas. Em Na Estrada, filme de Walter Salles, o personagem usa um bloco semelhante. Produziram para a filmagem ou tais cadernetas ainda existem nos Estados Unidos? Essa permanência das coisas me fascina

Cinco anos de trabalho para um longa-metragem. O filme está em cartaz em Paris simultaneamente. Fui ver em uma de minha salas prediletas, o cinema Pagode, na Rue Babylone. Foi um templo chinês decorado com dourados, e brocados, cheio de charme em sua decadência. Ali está sendo a exibida a versão original com legendas em francês. Quando o livro saiu, em 1957, Kerouac escreveu a Marlon Brando, tido como um ator da contestação, oferecendo a adaptação e o papel, Brando jamais respondeu. Os direitos foram comprados por Francis Ford Coppola em 1968. Godard recusou, depois também Gus Van Saint. Finalmente, Walter Salles entrou na estrada. Foram cinco anos de versões e revisões, de viagens e busca de locações. Walter Salles imprimiu o ritmo duplo que domina o livro: movimento, velocidade, e momentos de introspecção e contemplação. Pausas e acelerações. Num entrevista, o cineasta fez uma declaração que me emocionou: “A modernidade de Kerouac estava em seu desejo de explorar tudo, de viver, de sentir tudo à flor da pele. De não recusar o momento.” Um dia, Walter e Lawrence Ferlinghetti, 93 anos, ícone majestoso da época beat (a sua livraria e editora City Lights era o ponto de convergência dos beatniks), circulando por São Francisco, pararam na ponte de Berkeley, imobilizada pelo congestionamento. Nesse momento, o poeta exclamou:

– You see, there’s no more away!

Algo como: veja só, não há mais nada depois do além. E o cineasta comenta: “Naquela época do On The Road ainda havia um mundo a ser descoberto, cartografado. Borges dizia que o grande prazer da literatura era nomear o que ainda não havia sido nomeado. Hoje, temos a impressão de que tudo está visto, fotografado, documentado, repertoriado… On The Road é um antídoto contra o imobilismo e isto é que me fascinou no livro.” Ou seja, não há mais nada a se procurar. Mais de 50 anos depois, Ferlinghetti e Walter Salles respondiam àquela inquietação que tivemos aos 20 anos

Kerouac, que morreu aos 47 anos, faria neste ano 90. Os expoentes da beat morreram: Allen Ginsberg, Gregory Corso e William Burroughs. Resta Ferlinghetti, hoje com 93 anos. Estranha foi a morte de Kerouac, vivendo ao lado da mãe, mergulhado em programas estúpidos de televisão, reacionário, alcoólatra, inchado, deprimido, desiludido com tudo, negando ter provocado uma revolução na literatura. Enquanto hoje desesperadamente procura-se a mídia e a exposição, a imensa visibilidade funcionou ao contrário para Jack. Levou-o ao inferno.

Fonte:
O Estado de São Paulo. Caderno 2. 23 de junho de 2012

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Ignácio de Loyola Brandão (1936)

 Ignácio de Loyola Lopes Brandão nasceu em Araraquara – SP, no dia 31 de julho de 1936, dia de Santo Ignácio de Loyola, filho de Antônio Maria Brandão, contador, funcionário da Estrada de Ferro Araraquarense, e de Maria do Rosário Lopes Brandão. Foram, ao todo, cinco irmãos: Luiz Gonzaga (1933), Francisco de Assis (1934 – já falecido), Ignácio, José Maria (1946 – já falecido) e João Bosco (1953).

 Inicia seus estudos na escola primária de D. Cristina Machado, em 1944, onde cursa o primeiro ano. No ano seguinte transfere-se para a escola da professora D. Lourdes de Carvalho.  Seu pai, que chegou a publicar histórias em jornais locais e que conseguiu formar uma biblioteca com mais de 500 volumes, o incentivou a ler desde que foi alfabetizado.  Fascinado por dicionários, chegou a trocar com seus colegas de classe palavras por bolinhas de gude e figurinhas. Mais tarde, esse fato acabou se transformando no conto “O menino que vendia palavras”, primeiro a ser publicado pelo autor.

 Em 1946, passa a estudar no Colégio Progresso de Araraquara. Participa de concurso de desenho patrocinado pelo Consulado da França com o tema “Como você vê a Paris libertada”, sendo agraciado com os livros “Pinóquio” e “O barba azul”.

 Para cursar o ginásio, em 1948 ingressa no Colégio Estadual e Escola Normal Bento de Abreu, hoje Escola Estadual Bento de Abreu.  Nesse período escreve seu primeiro romance num caderno, com o título de “Dias de Glória”, policial cuja ação se passa em Veneza.

 Em 1955, inicia o curso científico, muito embora admita hoje que foi por engano. “Deveria ter me inscrito no clássico, mais apropriado para quem pretendia se dedicar a Humanas”.

 A Folha Ferroviária, semanário da cidade de Araraquara, publica no dia 16 de agosto de 1952 uma crítica do filme “Rodolfo Valentino”, primeiro texto de Ignácio. Dias depois, o jornal Correio Popular daquela cidade a reproduz.

 Dado o primeiro passo, o precoce escritor passa a escrever reportagens, críticas de cinema e entrevistas em outro diário de Araraquara, O Imparcial.  Nele aprende a arte da tipografia, lidando com composição com linotipo, clichê em zinco e paginação em chumbo. Em 1955 inaugura a primeira coluna social da cidade.

 Se apaixona pelo cinema e participa, em 1953, das filmagens de “Aurora de uma cidade”, semidocumentário dirigido por Wallace Leal. No ano seguinte funda o Clube de Cinema de Araraquara.

 Concluído o curso científico, em 1956, muda-se para São Paulo e vai trabalhar no jornal Última Hora, tendo ali permanecido por nove anos.  Um fato interessante marca sua admissão.  Aguardando para ser entrevistado, ouve o chefe de reportagem perguntar quem sabia falar inglês, pois precisava de uma entrevista com o irmão do presidente do Estados Unidos, General Eisenhower, que se encontrava na cidade. Sem pestanejar o biografado disse “Eu sei”. Fez a entrevista, com seu inglês capenga aprendido no ginásio e nos filmes que assistiu em Araraquara. Sua entrevista teve chamada de primeira página.  Como seu francês, também aprendido no ginásio, era bem melhor que o inglês, ganhou status de entrevistador de personalidades  internacionais.

 Seu gosto pelo cinema permanece e, em 1961, participa como figurante de O Pagador de Promessas, dirigido por Anselmo Duarte, baseado em peça homônima de Dias Gomes, vencedor no Festival de Cannes em 1962.

 No ano seguinte parte para a Itália, onde pretendia trabalhar como roteirista em Cinecittà. Para poder viver por lá, enquanto seu sonho não se realiza, manda reportagens para a Ultima Hora, faz sinopses de roteiros e faz coberturas — como a da morte do Papa João XXIII — para a TV Excelsior. Nessa época afirma que assistiu 53 vezes ao filme “Oito e meio” de Federico Fellini, o que, segundo admitiu, o influenciou na feitura do seu romance “Zero”.

 Na sua volta ao Brasil, começa a escrever o romance “Os imigrantes”, com seu amigo araraquarense José Celso Martinez Correa. Nessa época Zé Celso dirigia a peça de grande sucesso, “Os pequenos burgueses”, que Ignácio afirma ter assistido mais de 100 vezes. O romance, por não haver acordo quanto ao nome do personagem principal, não chegou a ser concluído.

 Em 1965, usando de uma divulgação inovadora, lança seu primeiro livro: “Depois do sol” (contos).

 No ano seguinte começa a trabalhar na revista Cláudia, como redator, chegando a redator chefe dois anos depois.

 Em 1968, ocorre o lançamento de “Bebel que a cidade comeu”, seu primeiro romance. O livro é adaptado para o cinema por Maurice Capovilla, com Rossana Ghessa no papel-título e roteiro do próprio Ignácio, Capovilla e Mário Chamie. O filme recebe o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de “Melhor Roteiro Cinematográfico”. Ainda nesse ano, o escritor recebe o Prêmio Especial do I Concurso Nacional de Contos do Paraná por “Pega ele, Silêncio”, publicado posteriormente em “Os melhores contos do Brasil”. Sua mãe falece, aos 60 anos.

 Baseado em seu conto “Ascensão ao mundo de Annuska”, publicado em “Depois do sol”, Francisco Ramalho filma “Anuska, manequim e mulher”, em 1969.

 No ano seguinte, casa-se com a Maria Beatriz Braga, psicóloga, ligação que duraria até 1978. Trabalha nas revistas “Realidade” e em “Setenta”.

 Contratado para editar a versão brasileira de “Planeta”, a primeira revista esotérica do Brasil, em 1972. Nasce seu primeiro filho, Daniel.

 Desde 1960 Ignácio tinha na cabeça uma idéia surgida de um conto — sobre um grupo de amigos que vai a uma vila em busca de um garoto que teria música na barriga —  escrito para uma antologia de histórias urbanas organizada por Plínio Marcos para a Editora Senzala e que não chegaria a ser lançada. Escreveu, depois, diversas novelas paralelas a ela, ao mesmo tempo em que colecionava recortes de jornais, prospectos e anúncios.  Com isso, reuniu material que lhe permitia ter um retrato sem retoques do homem comum, vivendo numa cidade violenta e num clima ditatorial. Em 1974, escreve o romance, com 800 páginas iniciais, sob o título “A inauguração da morte”.

Feita a primeira revisão, são cortadas 150 páginas. Entrega, então, o texto ao amigo e escritor Jorge de Andrade, que sugeriu novos cortes — acatados pelo autor. Jorge comenta o romance com Luciana Stegagno Picchio, que lecionava Literaturas Portuguesa e Brasileira na Universidade de Roma.  Luciana se interessa pelo texto, já com o título de “Zero” e, após lê-lo, encaminha o livro para a editora Feltrinelli, de Milão, que o publica em uma série intitulada “I Narratori”, onde Ignácio fica na companhia do ilustre João Guimarães Rosa, único brasileiro até então publicado.

 Em 1975, após o lançamento de “Zero” no Brasil, Ignácio participa de inúmeros encontros com seus leitores, debatendo sua obra e a situação do país. No primeiro encontro, realizado no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, ele contou com a presença de João Antônio, Wander Priolli, José Louzeiro, Antônio Torres e Juarez Barroso.

 Em julho de 1976 “Zero” recebe o prêmio de “Melhor Ficção”, concedido pela Fundação Cultural do Distrito Federal. Em novembro o livro é censurado pelo Ministério da Justiça e sua venda é proibida. Lança “Dentes ao sol” (romance) e “Cadeiras proibidas” (contos) e, em 1977, o infanto-juvenil “Cães danados”.

 Escreve “Cuba de Fidel: viagem à ilha proibida” (livro-reportagem), após participar, em 1978, do júri do Prêmio Casa de Las Américas.

 “Zero” é liberado pela censura em 1979. Passa a viver com a jornalista Angela Rodrigues Alves, união que duraria até 1982. Deixa o jornalismo para se dedicar integralmente à literatura.

 Nova York, Flórida, Georgetown, Albuquerque, Tucson, San Diego foram as cidades em cujas universidades o autor fez conferências, em 1980, a convide da Fundação Fullbright, dos EUA.

 Em 1981, sai o romance “Não verás país nenhum”.  Visita a Nicarágua por ocasião das comemorações do segundo aniversário da Revolução Sandinista.

 “É gol” (narrativa-homenagem ao futebol) é lançado em 1982. A convite da Fundação Alemã de Intercâmbio Cultural, viaja em março para Berlim, onde permanece por dezesseis meses. Lá, publica “Oh-ja-ja-ja”, uma seleta de seu diário berlinense, ainda inédito em português.

 Voltando ao Brasil, em 1983, publica “Cabeças de segunda-feira” (contos).

 Em 1984, lança “O verde violentou o muro”, onde narra sua experiência alemã. O senador italiano Amintore Fanfani lhe entrega o Prêmio IILA, do Instituto Ítalo-Latino-Americano, pelo romance “Não verás país nenhum”, publicado na Itália no ano anterior. Assume a vice-presidência da União Brasileira de Escritores, onde permanecerá até 1986.

 Participa das Jornadas Literárias na cidade de Passo Fundo (RS), em 1985. Desde então, lá comparece a cada dois anos para participar do evento.  Lança o romance “O beijo não vem da boca”.

 Em 1986, volta a Berlim, como convidado especial, para participar dos festejos dos 750 anos da cidade. Participa de encontro sobre literatura brasileira promovido pela Universidade de Colônia, na Alemanha, ao lado de João Ubaldo Ribeiro e Haroldo de Campos. Casa-se com a arquiteta Márcia Gullo e participa, como figurante, de “No país dos tenentes”, filme de João Batista de Andrade.

 “O ganhador” (romance) e “O homem do furo na mão” (contos) são lançados em 1987. O primeiro receberia, no ano seguinte, os Prêmios Pedro Nava (da Academia Brasileira de Letras) e Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) na categoria “Melhor Romance”. “Não verás país nenhum” é encenado no Teatro José de Alencar, em Fortaleza, sob a direção de Júlio Maciel.

 Em 1988, lança o volume de contos e crônicas “A rua de nomes no ar”. No ano seguinte, “Manifesto verde”, que havia sido publicado em 1985 como brinde do Círculo do Livro, é lançado comercialmente.  Publica o álbum infanto-juvenil “O homem que espalhou o deserto”.

 Como diretor de redação da revista Vogue, Ignácio volta ao jornalismo, em 1990. Passa a escrever crônicas para o jornal Folha da Tarde.

 “Zero”, um espetáculo de dança realizado pelo Balé da Cidade, inspirado em seu romance homônimo, é apresentado no Teatro Municipal de São Paulo no ano de 1992. Vai à Zurique, na Suíça, onde participa de leituras de sua obra.

 Em 1993, começa a escrever uma crônica no caderno “Cidades” de “O Estado de São Paulo” que, a partir de 2000, seria transferida para o “Caderno 2”. Seu pai falece, aos 88 anos.

 No ano de 1995 realiza três lançamentos: “O anjo do adeus” (romance), “Strip-tease de Gilda” (crônicas) e “O menino que não teve medo do medo” (infanto-juvenil).

 Afligido por fortes tonturas, descobre existir um aneurisma cerebral. Submete-se, em maio de 1996, a uma bem-sucedida cirurgia, que dura onze horas.

 Publica “Veia bailarina”, em 1997, onde conta sua experiência como aneurisma. Em 15 de abril inaugura, no Instituto Moreira Salles de São Paulo, a série “O escritor por ele mesmo”.

 Em 1998, publica “Sonhando com o demônio”, seu terceiro livro de crônicas. No ano seguinte é lançado “O homem que odiava a segunda-feira (contos).

 Recebe o Prêmio Jabuti de “Melhor Livro de Contos”, em 2000, por “O homem que odiava a segunda-feira”.

Algumas obras do autor:

Depois do sol, Brasiliense, 1965 (contos)
Bebel que a cidade comeu, Brasiliense, 1968 (Romance)
Fleming, descobridor da penicilina, Ed. Três, 1973 (biografia)
Edison, o inventor da lâmpada, Ed. Três, 1973 (biografia)
Ignácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, Ed. Três, 1974 (biografia)
Zero, Brasília/Rio, 1975 (Romance)
Dentes ao sol, Brasília/Rio, 1976 (Romance)
Pega ele, Silêncio, Símbolo, 1976 (contos)
Cadeiras proibidas, Símbolo, 1976 (contos)
Cuba de Fidel: viagem à ilha proibida, Livraria Cultura, 1978 (viagens)
Não verás país nenhum, Codecri, 1981 (Romance)
Obscenidades para uma dona de casa (1981)
Oh-ja-ja-ja (Diário de Berlim, inédito em português). Tradução de Henry Thorau. LCB, 1982 (Relato autobiográfico)
Cabeças de segunda-feira, Codecri, 1983 (contos)
O verde violentou o muro, Global, 1984 (viagens)
O beijo não vem da boca, Global, 1985 (Romance)
Manifesto verde, Círculo do Livro, 1985 e Ground, 1989. (Cartilha)
O homem do furo na mão, Ática, 1987 (contos)
O ganhador, Global, 1987 (Romance)
A rua de nomes no ar, Círculo do Livro, 1988 (crônicas)
O homem que espalhou o deserto, Ground, 1989 (Infanto-juvenil)
Os melhores contos de Ignácio de Loyola Brandão, organização de Deonísio da Silva, Global, 1994 (antologia)
O anjo do adeus, Global, 1995 (Romance)
Strip-tease de Gilda, Fundação Memorial da América Latina, 1995 (crônicas)
Cães danados, Belo Horizonte Comunicações, 1977. Reescrito e publicado com o título “O menino que não teve medo do medo”, Global, 1995. Infanto-juvenil
A Saga de um Campeão (1996 – sobre o São Paulo FC)
Veia bailarina, Global, 1997 (Relato autobiográfico)
Sonhando com o demônio, Mercado Aberto, 1998 (crônicas)
O homem que odiava segunda-feira, Global, 1999 (contos)
Calcinhas secretas (2003)
A última viagem de Borges (2005) (teatro)
A Altura e a Largura do Nada (2006)
O segredo da nuvem (2006) (Infanto-juvenil)
O Menino que Vendia Palavras (2008) (Infanto-juvenil)
Ruth Cardoso – Fragmentos de uma Vida (2010) (biografia)
O Menino que Perguntava (2011) (Infanto-juvenil)

Fontes:
http://www.ignaciodeloyolabrandao.com/
http://www.releituras.com/ilbrandao_bio.asp

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Arquivado em Araraquara, Biografia, Estado de São Paulo

Olivaldo Junior (A Flor, a Vaidade e os Vagalumes)

À noite, os poetas mortos me visitam, e eu fico mais vivo.
Olivaldo Junior

Era uma vez uma flor que se achava a mais bela de todas as flores do mundo. Não era uma rosa, sequer flor-de-lis, era uma flor sem estirpe. Mas se achava mesmo a melhor, sem páreo nenhum nos solos da vida. A vida, para flor tão vaidosa, era uma brisa constante, sem chance de enraizamento. A flor e a vaidade não fazem par. O par das flores deve ser a humildade, com sua parte obediente, sempre a servir-nos.

Foi que um dia passou um homem e colheu aquela flor tão sem jeito. Desesperada, pois sabia que morreria poucas horas depois, tentou agarrar-se ao caule enquanto algumas formiguinhas se esforçavam por desprendê-la depressa, cravando os “dentinhos” na haste. Uma alegre borboleta, bem vermelha, acenava para a flor, coitada, distante das outras, no meio daquela estrada onde passavam muitos viajantes.

Socada no embornal de um caipira, a pobre e vaidosa flor, talvez uma flor-do-campo, não sei, pôs-se a verter a seiva mais triste de que era dona. O homem, um lavrador a mais nessa Terra, pensava no quanto a esposa o beijaria quando dele recebesse o presentinho que havia colhido à margem da estrada. O mundo é mesmo mágico. Aquele homem, com a flor no embornal de estopa, sobre o cavalo de sela mais nobre do sítio, sentiu que alguma coisa se mexia no saquinho em que pusera a flor. Não queria parar, mas foi forçado pela situação. Fazia o sol das seis e pouco da tarde.

O lavrador, num gesto abrupto, mexia no embornal e logo sentira um leve choque na ponta dos dedos. Assustado, como quem faz “arte”, deixou cair o embornal e, de dentro dele, uma porção de vagalumes ganhara o ar, voara longe, para o céu. As outras flores da estrada, sem nada entenderem, alvoroçaram-se todas, e uma delas desprendeu tanto aroma que ficou conhecida como dama da noite, de tão cheirosa que esteve. O pobre homem, ainda espantado, montou num átimo e saiu logo a galope.

Ainda se veem, nas noites da mata, no meio do mato, a réstia de flores vaidosas que se chamam vagalumes. Você sabia dessa? O gesto vaidoso de uma simples florzinha fez nascer a quimera de luzinhas que voam, vagalumes, luz-esperança.

Moji Guaçu, SP, trinta de agosto de 2012.
Fonte:
O Autor

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P. Preto (As Lembranças dos Velhos Carnavais)

Carnaval de Rua, em 1954, na Cinelândia
Este espaço despretensioso das quintas-feiras é lido, aqui em Jahu, entre outros, pelo ilustre mestre Sebastião Antonio da Silva Neto, o conhecido Professor Sebá, profundo conhecedor da língua portuguesa. Em São Paulo, pelo Otacílio Gomes, filho do autor da bem elaborada letra do hino “Asas do Jahu”. Também na capital, meus textos são lidos pelo maestro Julio Medaglia, uma autoridade em música clássica, sob cuja batuta estiveram grandes orquestras, inclusive a Sinfônica do Estado de São Paulo.

O carnaval – ou o que resta dele – está aí, batendo em nossas portas, anunciando o seu fim quase melancólico, pelo menos em muitas cidades que não o exploram como atração turística. Aqui ele já foi bem cultivado. Aos poucos – como em outras localidades – foi se apagando. Os bailes rarearam em razão da falta de público, o afastamento progressivo das famílias, custo das bandas e orquestras, que, com os anos, deixaram de existir, além de outros detalhes que influíram nas decisões dos diretores de clubes. Sinal dos tempos e mudanças de costumes trazidos pela modernidade.

Só os mais velhos conseguem lembrar-se dos antigos “corsos”, ou seja, aqueles desfiles de carros pelas ruas centrais, que aconteceram entre as décadas de 40 e 60, com pessoas nas carroçarias de caminhotes, caminhões ou até sentadas nos para lamas, distribuindo confetes, serpentinas, além das trocas de jatos dos lança-perfumes. Claro, tudo isso apenas para os poucos possuidores de veículos. Nós, os moleques do início dos anos 50, moradores da rua Humaitá, pegávamos carona na Chevrolet verde da família Santana Galvão e fazíamos a festa. O povo permanecia em pé, nas calçadas, parecendo divertir-se com tudo aquilo. Não existiam exageros. Tá bem, de vez em quando algum adulto saia da linha. Mas, afinal de contas, era carnaval. E as histórias rapidamente corriam a cidade. Aos poucos, tudo foi acabando. E nem poderia ser diferente. Depois, era só ir confessar com o Padre Serra e receber as cinzas na quarta-feira e tudo voltava à normalidade.

Os quatro bailes noturnos eram assunto desde o início do ano. Esperados por muitos, evidentemente, pelas oportunidades que ofereciam, começando pelas fantasias de havaianas, que possibilitavam visões paradisíacas. Tomemos um exemplo, já em pleno 1968, com os ventos da modernidade varrendo os tradicionalismos para baixo do tapete. O Aeroclube prometia “Uma Noite no Inferno”, com cadência da Orquestra Continental que, dividida em duas, também seria a responsável pela animação no Grêmio Paulista, com a sua “Noite das Brasas”. O Caiçara Clube também abria seus amplos salões, contando com os tradicionais acordes da Orquestra Capelozza. Era uma espécie de canto do cisne do carnaval nos clubes. Eles ainda permaneceriam por quase duas décadas, alegrando os foliões. O que aconteceu? Isso talvez não importe agora. Os jovens de hoje tem outras visões e opiniões. Talvez aqueles repertórios tradicionais de marchinhas e sambas não lhes digam nada.

Em 1974, Momo ainda mantinha seu reinado. O carnaval de rua havia se tornado grandioso, com as disputas entre as escolas de samba Faixa Branca, Ponte Preta e Acadêmicos do Samba, além dos carros alegóricos bolados por um gênio chamado Francisco Canhos. Maria Claudete Tiete, candidata do Grêmio Paulista conquistava o título de rainha, enquanto o clube promovia uma noite especial, com a presença do cantor Djalma Pires, além da cadência do conjunto Original Som, trazido da cidade de São José do Rio Preto. No Aeroclube, o pessoal da Capelozza mantinha um ritmo imbatível, aquele que a tornou inesquecível para várias gerações. A Sociedade Recreativa José do Patrocínio, instalada bem ao lado da Praça Siqueira Campos, onde hoje funciona uma loja, contava com a arte do jauense Nadinho, uma autoridade em música e que, com sua partida, deixou uma eterna saudade.

Em breve Momo reinará. Lá do fundo dos corações virão “as lembranças dos velhos carnavais…”

Fonte:
União Brasileira de Escritores
http://www.ube.org.br/espaco-do-autor-detalhe.asp?ID=1249

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Arquivado em Estado de São Paulo, Jaú, O Escritor com a Palavra

P. Preto (1943)

Paulo Oscar Ferreira Schwarz nasceu em Jaú, SP, em 08 de abril de 1943, filho de Oskar Schwarz e de Silésia Ferreira Schwarz. Fez seus estudos primários no então Grupo Escolar Major Prado e o secundário no Instituto de Educação Caetano Lourenço de Camargo. Em 1966 concluiu o curso técnico em Contabilidade, na Academia de Comércio Horácio Berlinck. Em 1971 tornou-se Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino, da cidade de Bauru.

Começou a trabalhar em 1959 no Escritório de Contabilidade de Martin Garcia Santiago, onde permaneceu até 1961, transferindo-se para tradicional empresa da cidade.

De 1967 a 72 foi funcionário da Companhia  Paulista de Força e Força.

Desenvolveu atividades ligadas à advocacia entre 1972 e 1977.

Em 1978, fez concurso para o serviço público, onde se aposentou.

Entre 1995 e 2005 lecionou legislação em diversos cursos na unidade local do Senac.

As atividades literárias tiveram início em 1967, na Rádio Piratininga de Jaú. No ano seguinte passou a escrever para o tradicional diário  “Comércio de Jahu”, tendo sido, inclusive, funcionário da empresa, em 1978. 

É autor do livro 43 anos de crônicas: resenha de 1967 a 1988, pela Editora Scortecci

É casado com Marlene Carr Schwarz e é pai de André Ricardo.

Fonte:
http://www.ube.org.br/biografias-detalhe.asp?ID=1140

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Arquivado em Biografia, Estado de São Paulo

Walcyr Carrasco (A Saga dos Carecas)

 Ser careca é um drama. Pessoalmente, não acredito que, por falta de cabelos, alguém seja mais ou menos charmoso. Mas as pessoas adoram fiscalizar. Tenho duas entradas desde os 20 anos de idade. Nunca aumentaram. Basta ficar sem ver alguma amiga alguns meses para ouvir:

– Ih… Você está ficando careca?

– Não, sempre fui assim.

Ganho um sorrisinho de dúvida. Piadas não faltam. Tive um tio com uma calva pronunciada. Passou a vida toda recebendo mimos:

– E aí, como vai o aeroporto de mosquito?

– Já lustrou?

Durante muito tempo não imaginei o desconforto. Só minha tradicional falta de tato me apontou a seriedade da questão. Um amigo estava passando um remédio caríssimo, último lançamento. Três fios solitários espetados no alto da cabeça. Todos os dias ele se mirava no espelho, esperançoso.

– Estão nascendo, estão nascendo!

Até que eu disse:

– Por que não junta os três e faz uma chuquinha, bem para cima?

Olhar de ódio absoluto. Nunca mais brinquei. Passei os anos seguintes tentando ser solidário.

– Puxa, já tem quatro fios! Que bom, parabéns!

Ou:

– Tenha paciência. É que nem horta. Tem de plantar, adubar, esperar crescer… Um dia a colheita vem!

Na praia o dito-cujo passava protetor solar na pele reluzente!

Em compensação, há quase um MSC – Movimento dos Sem Cabelos. Outrora criaram um refrão: “É dos carecas que elas gostam mais…”. Propaganda, sem dúvida. Falando francamente, nem sempre os carecas ajudam. Inventam estratagemas.

Alguns deixam o cabelo crescer de um lado e depois penteiam por cima da calva. Fica estranhíssimo, com os ralos fios tentando superar o deserto do topo. Outros apelam para uma franja comprida, que começa atrás das orelhas e cobre toda a frente. Se bate vento, é uma revelação! E os que botam aquelas meias perucas modernas? Depois de instaladas, recebem um corte semelhante ao dos cabelos, para dar a impressão de uma única e viçosa plantação. Sempre há uma franja juvenil, mas milagre ninguém faz. Com o tempo, os cabelos normais crescem. A peruca, não. Resta o topo certinho. Em torno, um jardim selvagem!

Massagens. Estímulos para abrir os vasos capilares. Extratos vegetais capazes de deixar um odor estranho por semanas! Implante? A calva é preenchida com uns tufos ralos, à espera de que floresçam. Deve ser mais fácil plantar soja! Um tratamento puxa a pele de trás para a parte da frente da cabeça. O redemoinho fica na altura da testa! Um amigo lançou mão de um artifício trágico: pintou a calva de preto. Encontrei-o de noite e fui enganado:

– Como conseguiu?

Da vez seguinte nos cruzamos em um shopping, de tarde. Vi a tinta! Parecia quase… piche! De perto, era horrendo. Procurei agir educadamente, o que é horrível nesse tipo de situação. Tentava desviar os olhos. Quando dava por mim, estavam pregados na área asfaltada!

Admiro quem assume a calva. Vários amigos raspam a cabeça toda. É um estilo. Também não fica mal quem deixa a careca aparecer, rodeada por cabelos. Sem disfarce.

Depois de certa idade, os pêlos nascem por todos os lados. Nas orelhas. No nariz. As sobrancelhas transformam-se em taturanas. Para muitos homens, dá para fazer trancinhas rastafári no peito! Sem falar de outras áreas inomináveis. Só não nasce cabelo na cabeça!

Eu me solidarizo com os carecas. A genética, de fato, é bem injusta para com a vaidade humana!        

 Fonte:
http://veja.abril.com.br/vejasp/250106/cronica.html

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José Bonifácio (Poemas)

SAUDADE

I
Eu já tive em belos tempos
Alguns sonhos de criança;
Já pendurei nas estrelas
A minha verde esperança;
Já recolhi pelo mundo
Muita suave lembrança.

Sonhava então – e que sonhos
Minha mente acalentaram?!
Que visões tão feiticeiras
Minhas noites embalaram?!
Como eram puros os raios
De meus dias que passaram?!

Tinha um anjo de olhos negros,
Um anjo puro e inocente,
Um anjo que me matava
Só c’um olhar – de repente,
– Olhar que batia na alma,
Raio de luz transparente!

Quando ela ria, e que riso?!
Quando chorava – que pranto?!
Quando rezava, que prece!
E nessa prece que encanto?!
Quando soltava os cabelos,
Como esparzia quebranto!

Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram!

II

Oh! que já fui feliz! – ardente, ansioso
Esta vida boiou-me em mar de encantos!
Os meus sonhos de amor eram mil flores
Aos sorrisos de aurora, abrindo a medo
Nos orvalhados campos!

Ela no agreste monte; ela nos prados;
Ela na luz do dia; ela nas sombras
Pardacentas do vale; ela no monte,
No céu, no firmamento – ela sorrindo!
Então o sol surgindo feiticeiro,
Entre nuvens de cores recamadas,
Segredava mistérios!

Como era verde o florejar das veigas,
Brandinha a viração, múrmura a fonte,
Meigo o clarão da lua, a estrela amiga
Na solidão do Céu!

Que sedes de querer, que amor tão santo,
Que crença pura, que inefáveis gozos,
Que venturas sem fim, calcando ousado
Humanas impurezas!
Deus sabe se por ela, em sonho estranho
A divagar sem tino em loucos êxtases,
Sonhei, penei, vivi, morri de amores!
Se um quebro fugitivo de seus olhos
Era mais do que a vida em plaga edênica,
Mais do que a luz ao cego, o orvalho às flores,
A liberdade ao triste prisioneiro,
E a terra da pátria ao foragido!!!
Mas, ai! – tudo morreu!…

Secou-se a relva, a viração calou-se,
Os queixumes da fonte emudeceram,
Mórbida a lua só prateia lousa,
A estrela amorteceu e o sol amigo
No verde-negro seio do oceano
Chorando a face esconde!

Meus amores talvez morreram todos
Da lua no clarão que eu entendia,
Nessa réstia do sol que me falava,
Que tantas vezes me aqueceu a fronte!

III

Além, além, meu pensamento, avante!
Que idéia agora a mente me assalteia?!
Lá surge afortunada,
Da minha infância a imagem feiticeira!
Quadra risonha de inocência angélica,
Minha estação no Céu, por que fugiste?
E que vens tu fazer – agora à tarde
Quando o sol já desceu os horizontes,
E a noite do saber já vem chegando
E os lúgubres lamentos?
 

Minha aurora gentil – tu bem sabias
Como eu falava às brisas que passavam,
Às estrelas do Céu, à lua argêntea,
sobre nuvem purpúrea ao Sol já frouxo!
Ante mim se erguia então o venerando
O vulto de meu Pai – perto, ao meu lado
Minha irmãs brincavam inocentes,
Puras, ingênuas, como a flor que nasce
Em recatado ermo! – Ai! minha infância
Não voltarás… oh! nunca!… entre ciprestes
Dormes daqueles sonhos esquecida!
 
Na solidão da morte – ali repoisam
Ossos de Pai, de Irmãos!… embalde choras
Coração sem ventura… a lousa é muda,
E a voz dos mortos só a campa a entende.
Tive um canteiro de estrelas,
De nuvens tive um rosal;
Roubei às tranças da aurora
De pérolas um ramal.

De aurinoturno véu
Fez-me presente uma fada;
Pedi à lua os feitiços,
A cor da face rosada.

Contente à sombra da noite
Rezava a Virgem Maria!
De noite tinha esquecido
Os pensamentos do dia.
Sabia tantas histórias
Que não me lembra nenhuma;
Ao meus prantos apagaram
Todas, todas – uma a uma!

IV

Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?
A ventura – onde vivi na terra?
Minha rosas – que fazem no chão?

Sonhei tanto!… Nos astros perdidos
Noites… noites inteiras dormi;
Veio o dia, meu sono acabou-se,
Não sei como no mundo me vi!

Esse mundo que outrora habitava
Era Céu… paraíso… eu não sei!
Veio um anjo de formas aéreas,
Deu-me um beijo, depois acordei!

Vi maldito esse beijo mentido,
Esse beijo do meu coração!
Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?

A cegueira vendou-me estes olhos,
Atirei-me num pego profundo;
Quis coroas de glória… fugiram,
Um deserto ficou-me este mundo!

As grinaldas de louro murcharam,
Nem grinaldas – somente a loucura!
Vi no trono da glória um cipreste,
Junto dele uma vil sepultura!

Negros ódios, infames traições,
E mais tarde… um sudário rasgado!
O futuro?… Uma sombra que passa,
E depois… e depois… o passado!

Ai! maldito esse beijo sentido
Esse beijo do meu coração!
A ventura – onde vive na terra?
Minhas rosas – que fazem no chão?

Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram….

ENLEVO

Se invejo as coroas, os cantos perdidos
Dos bardos sentidos, que altivos ouvi,
Bem sabes, donzela, que os loucos desejos,
Que os vagos almejos, são todos por ti.

Bem sabes que, às vezes, teu pé sobre o chão,
No meu coração faz eco, passando;
Que sinto e respiro teu hálito amado;
E, mesmo acordado, só vivo sonhando!

Bem sabes, donzela, na dor ou na calma,
Que é tua a minha alma, que é meu o teu ser,
Que vivo em teus olhos; que sigo teus passos;
Que quero em teus braços viver e morrer.

A luz do teu rosto – meu sol de ventura,
Saudade, amargura, não sei o que mais –
Traduz meu destino, num simples sorriso,
Que é meu paraíso, num gesto de paz.

Se triste desmaias, se a cor te falece,
A mim me parece que foges pro céu,
E eu louco murmuro, nos amplos espaços,
Voando a teus braços: – És minhas!… Sou teu!…

Da tarde no sopro suspira baixinho,
No sopro mansinho suspira… Quem és?
Suspira… Hás de ver-me de fronte abatida,
Sem força, sem vida, curvado a teus pés.

IMPROVISADO

DERMINDA, esses teus olhos soberanos
Têm cativado a minha liberdade;
Mas tu cheia, cruel, de impiedade
Não deixas os teus modos desumanos.

Por que gostas causar dores e danos?
Basta o que eu sofro: tem de mim piedade!
Faze a minha total felicidade,
Volvendo-me esses olhos mais humanos.

Já tenho feito a última fineza
Para ameigar-te a rija condição;
És mais que tigre, foi baldada empresa.

Podem meus ais mover a compaixão
Das pedras e dos troncos a dureza,
E não podem abrandar um coração?

Fonte:
Portal São Francisco

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Orígenes Lessa (As Cores)

 Maria Alice abandonou o livro onde seus dedos longos liam uma história de amor. Em seu pequeno mundo de volumes, de cheiros, de sons, todas aquelas palavras eram a perpétua renovação dos mistérios em cujo seio sua imaginação se perdia. Esboçou um sorriso… Sabia estar só na casa que conhecia tão bem, em seus mínimos detalhes, casa grande de vários quartos e salas onde se movia livremente, as mãos olhando por ela, o passo calmo, firme e silencioso, casa cheia de ecos de um mundo não seu, mundo em que a imagem e a cor pareciam a nota mais viva das outras vidas de ilimitados horizontes.

Como seria cor e o que seria? Conhecia todas pelos nomes, dava com elas a cada passo nos seus livros, soavam aos seus ouvidos a todo momento, verdadeira constante de todas as palestras. Era, com certeza, a nota marcante de todas as coisas para aqueles cujos olhos viam, aqueles olhos que tantas vezes palpara com inveja calada e que se fechavam, quando os tocava, sensíveis como pássaros assustados, palpitantes de vida, sob seus dedos trêmulos, que diziam ser claros. Que seria o claro, afinal? Algo que aprendera, de há muito, ser igual ao branco. Branco, o mesmo que alvo, característica de todos os seus, marca dos amigos da casa, de todos os amigos, algo que os distinguia dos humildes serviçais da copa e da cozinha, às vezes das entregas do armazém. Conhecia o negro pela voz, o branco pela maneira de agir ou falar. Seria uma condição social? Seguramente. Nos primeiros tempos, perguntava. É preto? É branco? Raramente se enganava agora. Já sabia… Nas pessoas, sabia… Às vezes, pelo olfato, outras, pelo tom de voz, quase sempre pela condição. Embora algumas vezes – e aquilo a perturbava – encontrasse também a cor social mais nobre no trato das panelas e na limpeza da casa. Nas paredes, porém, nos objetos, já não sentia aquelas cores. E se ouvia geralmente um tom de desprezo ou de superioridade, quando se falava no negro das pessoas, que envolvia sempre a abstração deprimente da fealdade, o mesmo negro nos gatos, nos cavalos, nas estatuetas, vinha sempre conjugado à idéia de beleza, que ela sabia haver numa sonata de Beethoven, numa fuga de Bach, numa polonaise de Chopin, na voz de uma cantora, num gesto de ternura humana.

Que seria a cor, detalhe que fugia aos seus dedos, escapava ao seu olfato conhecedor das almas e dos corpos, que o seu ouvido apurado não aprendia, e que era vermelho nas cerejas, nos morangos e em certas gelatinas, mas nada tinha em comum com o adocicado de outras frutas e se encontrava também nos vestidos, nos lábios (seriam os seus vermelhos também e convidariam ao beijo, como nos anúncios de rádio?), em certas cortinas, naquele cinzeiro áspero da mesinha do centro, em determinadas rosas (e havia brancas e amarelas), na pesada poltrona que ficava à direita e onde se afundava feliz para ouvir novelas? Que seria a cor, que definia as coisas e marcava os contrastes, e ora agradava, ora desagradava? E como seria o amarelo, para alguns padrão de mau gosto, mas que tantas vezes provocava entusiasmo nos comentários do mundo onde os olhos viam? E que seria ver? Era o sentido certamente que permitia evitar as pancadas, os tropeções, sair à rua sozinho, sem apoio de bengala, e aquela inquieta procura de mãos divinatórias que tantas vezes falhavam. Era o sentido que permitia encontrar o bonito, sem tocar, nos vestidos, nos corpos, nas feições, o bonito, variedade do belo e de outras palavras sempre ouvidas e empregadas e que bem compreendia, porque o podia sentir na voz e no caráter das pessoas, nas atitudes e nos gestos humanos, no “Rêve d’Amour”, que executava ao piano, e em muita coisa mais…

Ver era saber que um quadro não constava apenas de uma superfície estranha, áspera e desigual, sem nenhum sentido para o seu mundo interior, por vezes bonita, ao seu tato, nas molduras, mas que para os outros figurava casas, ruas, objetos, frutas, peixes, panelas de cobre (tão gratas aos seus dedos), velhos mendigos, mulheres nuas e, em certos casos, mesmo para os outros, não dizia nada…

Claro que via muito pelos olhos dos outros. Sabia onde ficavam as coisas e seria capaz de descrevê-las nos menores detalhes. Conhecia-lhes até a cor… Se lhe pedissem o cinzeiro vermelho, iria buscá-lo sem receio. E sabia dizer, quando tocava em Ana Beatriz, se estava com o vestido bege ou com a blusa lilás. E de tal maneira a cor flutuava em seus lábios, nas palestras diárias, que para todos os familiares era como se a visse também.

– Ponha hoje o vestido verde, Ana Beatriz…

Dizia aquilo um pouco para que não dessem conta da sua inferioridade, mais ainda para não inspirar compaixão. Porque a piedade alheia a cada passo a torturava e Maria Alice tinha pudor de seu estado. Seria mais feliz se pudesse estar sempre sozinha como agora, movendo-se como sombra muda pela casa, certa de não provocar exclamações repentinas de pena, quando se contundia ou tropeçava nas idas e vindas do cotidiano labor.

– Machucou, meu bem?

Doía mais a pergunta. Certa vez a testa sangrava diante da família assustada e do remorso de Jorge, que deixara um móvel fora do lugar, mas teimava em dizer que não fora nada.

E quando insistiam, com visita presente, para que tocasse piano, era sistemática a recusa.

– Maria Alice é modesta, odeia exibições…

Outro era o motivo. Ela muita vez bem que ardia em desejos de se refugiar no mundo dos sons, para escapar aos mexericos de toda a gente… Mas como a remordia a admiração piedosa dos amigos… As palmas e os louvores vinham sempre cheios de pena e havia grosserias trágicas em certos entusiasmos, desde o espanto infantil por vê-la acertar direitinho com as teclas à exclamação maravilhada de alguns:

– Muita gente que enxerga se orgulharia de tocar assim…

Nunca Maria Alice o dissera, mas seu coração tinha ternuras apenas para os que não a avisavam de haver uma cadeira na frente ou não a preveniam contra a posição do abajur.

– Eu sei… eu já sei…

E como tinha os outros sentidos mais apurados, sempre se antecipava na descrição das pessoas e coisas. Sabia se era homem ou mulher o recém-chegado, antes que se pusesse a falar. Pela maneira de pisar, por mil e uma sutilezas. Sem que lhe dissessem, já sabia se era gordo ou magro, bonito ou feio. E antes que qualquer outro, lia-lhe o caráter e o temperamento. Aqueles pequeninos milagres de sua intuição e de sua capacidade de observar, todos estavam habituados em casa. Por isso lhe falavam sempre em termos de quem via para quem via. E nesses termos lhes falava também.

O livro abandonado sobre a mesa, o pensamento de Maria Alice caminhava liberto. Recordava agora o largo tempo que passara no Instituto, onde a família julgara que lhe seria mais fácil aprender a ler. Detestava o ambiente de humildade, raramente de revolta, que lá encontrara. Vivendo em comunidade, sabia facilmente quais os que enxergavam, sem que nenhum destes se desse conta disso ou dissesse que enxergava. Pela simples linguagem, pela maneira de agir o sabia. E ali começara a odiar os dois mundos diferentes. O seu, de humildes e resignados, cônscios de sua inferioridade humana, o outro, o da piedade e da cor.

Ninguém conseguia entender como sabia ela indicar qual o sapato ou a bolsa que ia melhor com este ou aquele vestido. Quase sempre acertava. Assim como ninguém sabia que, com o tempo, Maria Alice fora identificando as cores com sentimentos e coisas. O branco era como barulho de água de torneira aberta. Cor-de-rosa se confundia com valsa. Verde, aprendera a identificá-lo com cheiro de árvore. Cinza, com maciez de veludo. Azul, com serenidade. Diziam que o céu era azul. Que seria o céu? Um lugar, com certeza. Tinha mil e uma idéias sobre o céu. Deus, anjos, glória divina, bem-aventurança, hinos e salmos. Hendel. Bach. Mas sabia haver um outro, material, sobre as pessoas e casas, feito de nuvens, que associava à idéia do veludo, mais própria do cinza, apesar de insistirem em que o céu era azul.

Aquelas associações materiais, porém, não a satisfaziam. A cor realmente era o grande mistério. Sentira muitas vezes que o cinza pertencia a substâncias ásperas ou duras. Que o branco estava no mármore duro e na folha de papel, leve e flexível. E que o negro estava num cavalo que relinchava inquieto, com um sopro vigoroso de vida, e na suavidade e leveza de um vestido de baile, mas era ao mesmo tempo a cor do ódio e da negação, a marca inexplicável da inferioridade.

E agora Maria Alice voltava outra vez ao Instituto. E ao grande amigo que lá conhecera. Voltavam as longas horas em que falavam de Bach, de Beethoven, dos mistérios para eles tão claros da música eterna. Lembrava-se da ternura daquela voz, da beleza daquela voz. De como se adivinhavam entre dezenas de outros e suas mãos se encontravam. De como as palavras de amor tinham irrompido e suas bocas se encontrado… De como um dia seus pais haviam surgido inesperadamente no Instituto e a haviam levado à sala do diretor e se haviam queixado da falta de vigilância e moralidade no estabelecimento. E de como, no momento em que a retiravam e quando ela disse que pretendia se despedir de um amigo pelo qual tinha grande afeição e com quem se queria casar, o pai exclamara horrorizado:

– Você não tem juízo, criatura? Casar-se com um mulato? Nunca! – Mulato era cor.

Estava longe aquele dia. Estava longe o Instituto, ao qual não saberia voltar, do qual nunca mais tivera notícia, e do qual somente restara o privilégio de caminhar sozinha pelo reino dos livros, tão parecido com a vida dos outros, tão cheio de cores… Um rumor familiar ouviu-se à porta. Era a volta do cinema. Ana Beatriz ia contar-lhe o filme todo, com certeza. O rumor – passos e vozes – encheu a casa.

– Tudo azul? – perguntou Ana Beatriz, entrando na sala.

– Tudo azul – respondeu Maria Alice.

 Fonte:
Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século.

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Arquivado em Conto, Estado de São Paulo, Lençóis Paulista

Pam Orbacam (1970)

Pseudônimo de Paula Miasato, que nasceu em Santo André, São Paulo, em 1970.

Formada em Pedagogia, trabalha, atualmente, como assessora de coordenação e mediadora em oficinas culturais e artísticas de um projeto da Secretaria de Educação e Formação Profissional da Prefeitura de Santo André.

É escritora e artista plástica.

Teve artigos publicados em sites literários e da Prefeitura de Santo André: Teve a publicação de um poema na “Agenda Cultural de Santo André”.

É prêmio prata no concurso internacional de poesias José Lins do Rego 2007.

Foi expositora individual de artes plásticas na 1ª Jornada de Ações Sociais ABCD Maior.

Foi brevemente convidada a participar de três antologias com poemas e mini-contos pelas editora Andross e Câmara Brasileira de Jovens Escritores.

‘Participação no CD ‘Todos por Um’ com as obras “Minha Morte” e “Alguma Coisa Assim”, produzido pela ARCA – Associação Ribeirãopirense de Cidadãos Artistas.

Fonte:
Saciedade dos Poetas Vivos n.6

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Pam Orbacam (A Poetisa em Xeque, por Carmo Vasconcellos)

SELMO VASCONCELLOS – Quais as suas outras atividades, além de escrever ?

PAM ORBACAM – Sou educadora não por opção, por mero acaso, por questão de sobrevivência mesmo. Escrevo para viver, não para sobreviver. Amo arte, sou artista plástica autodidata, poeta e contista.

SELMO VASCONCELLOS – Como surgiu seu interesse literário ?

PAM ORBACAM – Meu pai tinha uma estante cheia de livros dentro de casa. Ele tinha muito orgulho deles. Eu adorava fuçar na estante. Ainda não sabia ler, mas fazia de conta que lia. Quando aprendi a ler percebi que meu mundo poderia ser de papel. Meu mundo não foi, mas minha vida é.

SELMO VASCONCELLOS – Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País ?

PAM ORBACAM – Pode parecer descaso, mas não é. Simplesmente não tenho idéia de quantos livros participei. Guardo na memória ?”Vide Verso” e “Saciedade dos Poetas Vivos”. Números e nomes não têm importância para mim. Gosto mesmo é de escrever no meu blog. La estou em casa.

SELMO VASCONCELLOS – Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia ?

PAM ORBACAM – Noite, Silêncio, definitivamente. A felicidade não provoca em mim inspiração. A dor e o cotidiano sim.

SELMO VASCONCELLOS – Quais os escritores que você admira ?

PAM ORBACAM – Clarah Averbuck, Pearl S. Buck, Nilo Oliveira, Rubem Fonseca. Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa.

SELMO VASCONCELLOS – Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas ?

PAM ORBACAM – Escrever é um exercício de prazer, de descoberta, de aprimoramento. Escreva, escreva, escreva. Leia, leia, leia. Releia. Escreva. Um dia uma aluna minha de nove anos me perguntou: Como faço para escrever uma poesia? Eu disse: Pense em coisas que vocÊ gosta, em coisas que você odeia. Escreva sobre elas. Ela escreve coisas belas, leves, pesadas, como é a vida. Adoro “Lê-la”. Poesia é leveza e intensidade, desmedidamente na medida certa.

Fonte:
http://4.bp.blogspot.com/_LeZahUxRZc4/TBzjX9nSGDI/AAAAAAAABrQ/MLGvzCDM3oc/s1600/PAM3.jpg

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Arquivado em Entrevista, Estado de São Paulo, Santo André

Pam Orbacam (Cavalgada de Poemas)

ACIDEZ

Verdade cítrica
Saliva a boca
Num prazer agro.
Sorriso oculto
Nos olhos críticos
Do que profere.
Não é um teste
É tão somente
O deleite que dói
O que equilibra
Ou desequilibra,
O que confirma
Que fato e medo
São insolúveis.

ANALOGIA

Onde o sol jaz
E as palavras se dissimulam
Não há calor.
O juízo trepida
O olho entorpece
E a carcaça teima posicionar-se na vertical.

Onde a lua reverencia o escuro que a cerca
E as estrelas são velas caravelas
Que navegam sem discernimento
O frio abraça doce.
E eu amo.

Penso que estou
Imagino que sou
Porque se fosse
Jamais amaria
Por isso a certeza voraz que
Tudo não passa de falsa identidade.

APELO

Vinhas
Rosa e quente
Úmida e latente.
Vias
Entre cílios e pupilas
Saliva e lágrima.
O cálice seco,
A vulva molhada.
Hálito de vinho
Sussurrava
Apelo.

BORBOLETARIA

Se hoje minha vida secasse
E se ninguém se importasse
No dia seguinte eu borboletaria.
Faria vibrar o ar com minhas asas
E viveria apenas alguns dias.
Beijaria tenras flores,
Assistiria o mundo lá de cima
Desceria somente quando a fadiga chegasse…
E se, o cansaço fosse exorbitante
De tal forma que eu não conseguisse mais voar
Aí então eu mais uma vez eu morreria.
Sob a luz das estrelas, eu secaria.
E de fato ninguém perceberia
Porque ninguém se preocupa com as borboletas
Apenas cobiçam a sua liberdade.
Por isso eu borboletaria.

CASULO

Viver em silêncio. Doce silêncio.
Ruído nenhum. Nem luz, nem sombra.
Só a brisa do tempo.
Olhos fechados, assim como o corpo.
Silêncio sem movimento.
Sem fome, sem sede. Sem ninguém que abale meu terno silêncio.
Doce silêncio, doce sono, só sonhos…
Sonhos de um sono só.
Sozinha em minha cama, eu: pós lagarta, pré borboleta.

CHUVA

Chove.
Eu olho para o céu
Pescoço em seta
E não vejo de onde ela vem.
Brota no ar a chuva
Ou esconde sua nascente?
Molha ela meus olhos
Para que eu não a veja surgir?
Lacrimeja o céu em meus olhos
E me cega para sua raiz.

LABIRINTO

Luz e sombra… Encanta e cega.
Labirinto com espelhos.
Desnorteia…
Luz que não se apaga,
Sombra que abala o chão.
Calor e frio:
Quando quente, acolhe,
Quando frio, aparta.
Multidão e solidão.
Dia e noite.
De dia exposto
De noite, fetal.
Na multidão, acessível
Na solidão, comprimido.
O dia não existe,
Á noite é o parto.
Da nascente
Do sono profundo.
Encanto e desencanto
Lembrança e saudade
Amargura e doçura
Que assassina e ressuscita.
Ódio intenso sem tamanho.
Carinho imenso sem medida.
Audaciosa carência escondida
Em envelope sem destino.
Labirinto sem saída…
Caminho com curvas, muralhas,
Espelhos que iludem
A inexistente saída.
Voz que ordena,
Mãos que oferecem
Tortura e afago.
Boca que cala,
Olho que fala…
Eco no labirinto que
Enlouquece os sentidos.

LUZ

O cheiro e a umidade deixaram saudades.
O cheiro e a umidade agora se foram
E o rosa tão rosa das rosas agora é pálido
Como um anêmico crônico na ânsia por sangue fresco e quente,
Embora as borboletas nadem com sincronicidade no ar,
Embora as estrelas continuem a iluminar o céu,
Mesmo que mortas, mesmo que mortas.

O BEIJO

Basta.
Um toque úmido
É o beijo que aquece e
Em instantes morre.
Gela e seca a boca.

Diz adeus ao frio que corre
Dentro do peito,durante o beijo.
Diz adeus quando se acaba.
E o calor vai embora,
E a saliva evapora.
Um segundo na lembrança
Que se transforma em horas.

Ele basta,
É vida e morte,
Ressuscita e assassina,
Encontra e perde,
Aquece e gela,
Molha, seca,
Porém basta,
Por si só,
O momento do beijo.

O POETA

O poeta segurou minhas mãos
Abriu meus olhos
Espremeu meu coração.
O poeta secou minhas lágrimas
Molhou meu sexo
destrancou meu pensamento.
O poeta sugou meus olhos
Bebeu meu coração
Comeu minha alma.
O poeta assassinou
para fazer ressuscitar.

TRANCAS

Porque a porta
É o horizonte obsessivo
E o café coado
Ferrão da boca amante
Secreções
Sentidos semi-serrados
Onde se perdem as chaves
E o café cheira queimado.

Fontes:
http://4.bp.blogspot.com/_LeZahUxRZc4/TBzjX9nSGDI/AAAAAAAABrQ/MLGvzCDM3oc/s1600/PAM3.jpg
http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/obrasdigitais/saciedigpv/06/pamorbacam03.php#borboletaria

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Arquivado em cavalgada de poemas, Estado de São Paulo, Santo André

Sheila Pavanelli (Poemas Escolhidos)

DESPEDAÇOS

foram tantos corações
sete agrados
onze fados
amores endiabrados

onze argolas de prata
nos braços errantes
acenos e despedidas
barcos já distantes

lenços muito brancos
tremulando na janela
vidros soltos e quebrados
onze destinos acabados

recolho os pedaços
os lençóis desarrumados
espero o esquecimento
neste porto abandonado

restou a esperança
alguns traços da paixão
leves despedaços
deste forte coração

FERA

sai… solta
macias patas
agudos olhos
fera de mim

feita em fogo
caminha… cresce
dança com o vento
doma o pensamento

rosna… inquieta
volteia o dorso
crava-me as unhas
rasga meu vestido
torna-me nua

mulher de mim mesma
tremo…
fera liberta
entrego-me ao fogo

OLHA-ME

Olha-me nos olhos

tece o veludo
da tua fala
olhando-me
nos olhos

assim quero conhecer-te

desfia as dobras
da mousseline
e desvela
meus segredos

deixa nossos corpos se entenderem
a alma não
a saciedade do nosso desejo
a alma não entenderia…

OLHOS DE GATO

se eu quiser…

te espio na noite
quando tu dormes,
rondo teu sono
com olhos de gato.

se eu quiser…

persigo em silêncio
todos teus passos
ouço teus suspiros
adivinho teus desejos
na noite…

se eu quiser,
com olhos de gato.

RIMAS E RAIOS

Não me peças versos
nem rimas
hoje não!
talvez amanhã

Tenho a boca em agulhas
os punhos cerrados
o peito em guerra
hoje firo
hoje mato

Tenho os raios
como pena
não queiras minha rima
hoje escrevo
as feridas dos punhais

Das flechas
desta vida
estou arqueira
hoje eu quero
desforrar

Tenho garras
em meus dedos
prendo,rasgo
tudo posso
tudo ataco
estou revolta

Quero o porre
a sorte
a morte
rimar? hoje não

Quero as tabernas
o vinho
as vadias
cafajestes
a ralé toda!

A vida nos porões
paixão detrás dos corpos
quero a vida nua
explodindo
em relâmpagos

rimar?
hoje não
talvez amanhã

SERPENTES

Domo feras e serpentes
numa luta íntima
de encanto
e fados

Meu corpo é coliseu
tua voz macia
incita as feras
à luta…

Bailam as serpentes
no meu corpo
quem vence
é tu…

PEDRAS

Vamos…
atire-me pedras !
me chame inconstante
eu sorrio
o riso distraído
das amantes

Enquanto lapidas pedras sem brilho
sou aquela abandonada
sem ternura
que rola na mão bruto diamante
dos amores perdidos

Aranha eu
teço minha teia
traço meu labirinto
com espinhos
e sobras do amor
porque sou em desatino

Suas pedras são para mim, estrelas
esferas sem lei
o sonho ou  sol
essência do que sou
a angústia com que te afogas

Atire-me pedras, companheiro
pois tem a alma dura
nunca caminhará comigo
porque nesta vida eu prossigo,
…Tu ficas!!!

Fontes:
1 – http://www.blocosonline.com.br/literatura/autor_poesia.php?id_autor=2786&id_categoria=337&flag=nacional&tipo=c
2 – http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=1125

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Arquivado em Estado de São Paulo, poemas escolhidos, Ribeirão Preto

Nilton Manoel (Meu Pai)

Eu,era bem criança e inda me lembro quando
 adentravas-te ao lar sorrindo comovido,
 e aos beijos ias para a minha mãe contando
 vários fatos de mais esse dia vivido.

E então cada um ia sentar-se pra merenda
 defronte a mesa antiga e de tábuas de pinho,
 posta na sala, em que na casa da fazenda
 a família ceava em fraternal carinho.

E á hora da janta, enquanto a sopa fumegava,
 numa terrina grande e exalando temperos,
 cada um se levantava e  com ardor rezava,

Ante meu pai, que em pé, sempre ao bom Deus louvava,
 com as orações, que, eu em hora de desespero
 repito inda hoje, assim como ele me ensinava.
 
Fonte:
 Publicado no Jornal O Diário – Ribeirão Preto – SP.
 em 14/08/1966

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Arquivado em Dia dos Pais, Estado de São Paulo, Ribeirão Preto, Soneto.

Carolina Ramos (Caderno de Poesias)

RETORNANDO…
DE UMA FESTA POÉTICA


 Obrigada, Senhor, eu Te agradeço
 os dias de emoção que me ofertaste;
 este sol, esta luz, que não tem preço
 e faz do céu azul o seu engaste;

 estes campos viçosos que se estendem
 numa carícia aos olhos que, cansados,
 buscam repouso e o brilho reacendem
 na veludosa ondulação dos prados.

 Obrigada, Senhor, pela ternura
 colhida em cada gesto, em cada olhar…
 ficou mais bela a minha noite escura
 depois do beijo suave do luar.

 Obrigada, Senhor, muito obrigada,
 pela doce esperança que acarinho
 de que a Poesia, que me abriu a estrada,
 me ajude a reencontrar este caminho!

ANSEIO

 Por mais que em convulsões o mundo trema,
 rumo ao caos que implacável nos atinge…
 Por mais, seja negado o suave lema,
 Paz e Amor, que de sangue hoje se tinge…

 Por mais que o desencanto fel esprema
 nas almas secas de quem já nem finge,
 creio, ainda, num Deus que é Luz suprema,
 e é Sol que aclara o Bem e o Mal restringe!

 Mesmo envolta nas sombras da amargura,
 mesmo que os dias sigam mais tristonhos
 e a vida, cada vez menos segura,

 fujo à incerteza que o momento traz
 e, sempre vivo, a incrementar meu sonho,
 eu guardo o anseio de encontrar a Paz!

 A GRANDE MESTRA

 Não temas que o Destino te atraiçoe
 pondo pedras demais no teu caminho.
 Usa as pedras que acaso ele te doe,
 e, ao construir, não estarás sozinho!

 Se Deus te deu a luz da inteligência
 e o poder de ir e vir em liberdade,
 tens o solo, a semente e, com paciência,
 um dia hás de colher felicidade!

 Não creias, por temor e covardia,
 que só o Destino teu porvir decida!
 – Destino tu constróis, a cada dia!
 E a Gran Mestra da Obra é a própria Vida!

 ENCANTAMENTO

 Como se a luz de um palco se abrandasse
 velada pelas nuances da cortina,
 assim o fim-do-dia inteiro dá-se,
 num cenário de encanto que fascina!

 O sol, como se o leito procurasse,
 reduz o ardor da audácia matutina.
 Um toque de rubor colore a face
 das nuvens com recatos de menina.

 Volta em bando ruidoso o passaredo,
 não é mais dia e não é noite ainda,
 ganham mais vida os galhos do arvoredo!

 A tarde se desfaz… o céu deslumbra…
 e a natureza, cada vez mais linda,
 mergulha, pouco a pouco, na penumbra!

 CONSELHOS DE MÃE

 Meu filho, a vida é dura e fere… e nos magoa…
 mas, trata-a com respeito e guarda a dignidade.
 Ainda que a alma inteira sem clemência doa,
 não permitas que o mal altere o que é verdade!

 Sonha bem alto e segue o voo do teu sonho,
 sem pressa de alcança-lo e tendo-o sempre à vista!
 Cada dia que passa é um dia mais risonho,
 quando o amanhã promete as glórias da conquista!

 “Segura a mão de Deus!” Segue o rumo sem medo.
 Os caminhos, verás, se abrirão à medida
 que teu passo provar firmeza e, sem segredo,
 revelar o sentido e o Ideal da tua vida!

 Não temas opressões nem quedas. Persevera!
 Se achares que ao final o saldo não convence,
 reage, continua… a vida tens à espera!
 Confia em teu valor! Trabalha! Luta! E vence!

ALMA LIBERTA

Ser livre é poder falar e seguir livre depois…

 A paisagem é rude! E triste pobre é o mundo
 onde o sonho fenece à míngua de lugar!
 Onde a Fé e a Esperança habitam caos profundo,
 onde o Amor estertora, exangue a agonizar!

 Olho o ventre da terra, ubérrimo, fecundo,
 a pedir que a semente o venha despertar.
 E vejo a fome rir… levando ao colo imundo
 as vidas que roubou da indigência ou de um lar!

 Clamo! Fechem-me a boca e hei de gritar! Que importa,
 seja selado o vão de minha humilde porta,
 ninguém há de abafar meu grito, meu lamento!

 Clamo! Quebro o silêncio… o vil silêncio imposto!
 – De que serve o mutismo a mascarar meu rosto,
 se tenho a alma liberta e livre o pensamento!?

CÂNTICO DE FÉ

 Manhã de sol, fragrante a maresia!
 A vida a pedir vida, de asa ao vento…
 Cada suspiro alenta o novo dia
 e cada instante vale o novo alento!

 O sonho espera na amplidão vazia…
 E o vazio recua no momento
 em que o Amor se antecipa, na alegria
 de recompor os sonhos em fragmento!

 Ouro jorra do azul. Rebrilha o sol.
 Desdobram-se as alvuras do arrebol
 e em taça cristalina a aurora dá-se!

 O céu é fonte a transbordar de luz!
 E, enquanto a Deus entrego a minha cruz,
 eu bebo Fé nesta manhã que nasce!

SILÊNCIO

 O silêncio sucede à voz da tempestade.
 No silêncio do aroma, inteira dá-se a rosa,
 a oferecer à vida a sua amenidade
 e em silêncio a desfolha a insensatez maldosa!

 Há silêncio no espaço. E densa nebulosa
 guarda estrelas sem conta! A penumbra persuade
 de que se oculta em véus, talvez, porque invejosa
 desses sonhos de luz, de brilho e de verdade!

 Se o silêncio de um beijo, ou tantos que colhemos,
 em transportes de amor, em anseios supremos,
 a vida transformar em pedras contra nós,

 silenciemos, calando a mesquinhez do mundo,
 que não entende a voz do nosso amor profundo,
 nem o amargo e infeliz cansaço de dois sós!

BENDITO SEJA…

 As palavras o tempo apaga e arrasta
 – pétalas soltas, ao sabor do vento…
 O livro é escrínio que resguarda e engasta
 as jóias perenais do pensamento!

 O livro é amigo silencioso. E basta
 que traga em si o gérmen do talento,
 para, banindo a dúvida nefasta,
 mentes clarear e aos sonhos dar alento!

 Bendito o livro que mantém o lume
 do saber, a ajudar a erguer-se um povo
 que na cultura o seu lugar assume!

 Bendito seja quem imita os astros,
 valorizado, a cada instante novo,
 à luz de um livro, que lhe doura os rastros!

SAUDADE

 Roubando idéias sensatas,
 tu queimas, corróis, causticas!…
 Saudade – torturas, matas!
 Mando-te embora mas… ficas!

 Que esta mão, que o verso escreve,
 de minha alma te retire!
 Saudade, a vida é tão breve,
 deixa que eu, livre, respire!

 VI NOS TEUS OLHOS:

 A negação de tudo o que eu sonhara!
 A saciedade, o tédio, a indiferença.
 o desencanto, consequência clara
 da estafa emocional, que o amor dispensa!

 Mentiras, decepções, vi nos teus olhos,
 neles tentando achar sinceridade.
 Vi muita coisa boa entre os escolhos,
 porém, não pude ver felicidade!

PRESENÇA

 Tão feminina e triste, minha amiga,
 não queiras com teu jeito amargo e doce,
 instilar-nos no sangue o fel da intriga:
 – basta o suplício que este adeus nos trouxe!

 Nosso amor é tão grande… não periga!
 Ao teste da distância, confirmou-se.
 Deixa que a vida sua estrada siga…
 Nossa estrada, por ora, bifurcou-se.

 Terna, dizes que beijas seus cabelos…
 Eu asseguro que não tenho zelos
 por estares, fiel, sempre ao seu lado:

 – Ora, saudade, não me fazes ciúmes!
 – Ao lado dele, minha forma assumes
 e, junto a mim, tens o seu rosto amado!

Fonte:
http://www.avspe.eti.br/avspe2012/CarolinaRamos.htm

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Camilo Martins (Caderno de Sonetos)

PRIMAVERA INCERTA
À minha amiga Camila Rocha

Em que braços viestes parar, amada de outrora…
Logo tu que desprezastes o maior amor do mundo!
Lograstes êxito em tua investida, na doce aurora,
Da minha vida! Invadiu o sentimento num segundo!

Hoje te tenho nos braços e não te quero como antes…
Posto que a desventura vivida em mim se eternizou!
Me abraçavas e não me querias, éramos amantes…
E eu nem sabia! Beijavas-me e nada sentias! Amou?

Quando foi que cultivastes esse dom maravilhoso?…
O tempo passou, não me reconhecestes, foi um engano!
Confessa-me! Tu és cruel… O coração ainda orgulhoso…

Vida minha, Deus do céu, olhai-nos hoje aqui, juntos!
Não nos imputes essa falta, sou pecador, sou profano!
Confesso, não resisti à primavera incerta, como muitos.

II

Hoje apenas olho o passado e fico a sorrir do destino!
O que éramos, o que somos e o que seremos um dia…
Por onde andastes, que não mudastes esta alma fria?!
O peito feito muralha gélida, mesmo o astro sol à pino!

Não, não me peças pra voltar e começar outra vez…
Nem olvidastes em arriscar a vida em outros braços!
Mesmo eu te mostrando no coração os tristes laços…
Que me unia a ti, meu sabiá! Culpa da tua altivez!

Nos rasgou em trapos, nos separou todos os sonhos…
Dividiu nossos desejos… Nossos, não, meus somente!
Pois que já estavas em outro mundo! Ah! Medonhos,

Fantasmas me atormentaram por séculos e a semente,
Que plantastes em mim, ficou! Mas, hoje, eu me liberto…
Pra sempre! Tenho agora a confiança no caminho certo.

QUAL O PREÇO?

Quanto vale um amor que se aprofunda em prantos,
Numa infinda madrugada, gélida, insana e infeliz?
Insólitos goles de amarguras em taças pelos cantos,
Ainda a desventura da procura de minha flor-de-lis…

Sombrios ais que me invadem a mente em melancolia,
E esta incerteza de te encontrar, amor, em liberdade!
Os pensamentos turvos, a vontade e a alma, vazia…
Eu cá, cambaleante e sóbrio, ainda grito: Igualdade!

Para os nossos sentimentos de desilusão, e, a ilusão,
Penetra novamente em meu ser e sinto tremores…
Ao léu, no céu… Sem calma, perdi todos os amores!

É o choque entre o preço a pagar e a pura confusão…
Do que vivi e ainda o que virá! Posto que é incógnita,
Pois sei que levarei para a eternidade, essa dor infinita!

SPLASH

À minha amiga Camila Viana

Em qual constelação habitas hoje, sonho meu,
Onde fica a estrela que repousas docemente?
Por anos luz, meu coração procura o teu!…
Nessa imensidão de sóis do universo quente!

És, no meu verso, a luz que irradia e fascina,
Num fervilhar de intensos brilhos siderais…
Neste mundo de paixões eternas, minha sina,
É olhar o céu nas madrugadas primaverais!

Para sentir dentro da própria alma saudosa,
O calor do teu peito em pulsação e descompasso!
Posto que meu sentimento, feito árvore frondosa,

Segue o brilho dos meus olhos, mesmo em cansaço!
A água que encontrarei em teus lábios, será orvalho,
Que restaurará meu pobre sentimento, já em retalho!

SHIKOBA

Não reparas na minha mágoa, na minha dor?
Onde estavas, que me deixaste partir, onde?
O que fazias, enquanto eu apenas chorava, flor?
É nesse vazio que minha triste alma se esconde…

Intransponível túnel, na via láctea do coração,
Que sentimentos teus não alcançam, minha bela!
Quantas vezes disse: Sawabona! Minha canção!
Esperei de ti: Shikoba! Não, só o olhar pela janela!

Mergulhei profundamente em tua África selvagem,
Na intenção de descobrir o segredo dessa indiferença,
Mas era tão escuro o âmago e densa tua folhagem…

Que me perdi em fluidos e sons… Fugiu toda a crença!
Quis, sem mais nada esperar, apenas escapar com vida,
Ubuntu! Carrego neste meu peito, uma grande ferida.

FRIO

Noutros tempos, teu rio era menos tempestuoso,
Nadei em ti, amor, em águas tranqüilas e mansas…
Temperatura amena, sob um brilho, majestoso!
Me aliviava as tensões, alimentava me esperanças.

Não houve um dia em que em ti não me deleitava!
O mergulho em ti, era tudo em minha pobre vida,
Por horas ficava pensando em ti, quando me deitava!
Rio da minha alma, mesmo longe, depois da partida.

Lá estavas tu, em meu sonho! Deslizando em leito…
Eterno. E eu em qualquer parte do universo infinito,
Juntando à tua água, a que rola dos olhos, no peito!

Onde foi, amor, que tudo mudou? Este é o meu grito!
A qual oceano fostes se ajuntar, que águas estranhas?!
Não encontro teu delta, estou louco! Vem, me banhas..

NÃO CREIO

Esfrego os olhos, disfarço as lágrimas, pergunto a mim mesmo,
Onde errei, Deus, para que fosse assim ficando ao léu, louco?
E meu sentimento, onde estava, num inferno, andando a esmo?
Maravilhosa ilusão, indescritível visão, só cegueira… É pouco!

Quem me dera o poder de me aproximar da boa amiga lua…
Ficaria de lá apenas a observar os teus inevitáveis castigos!
Eu que sempre te declarei com amor: Minha vida é toda tua!
Ah! Como fostes cruel! Eu Imaginei que fôssemos amigos…

Íntimos assim, como a árvore e a seiva, o néctar e o beija flor!
Não posso crer que durante toda a vida, apenas me enganaste,
Onde estava teu coração, nunca pesastes minha eterna dor?!

Cada vez que me recordo, é um pedaço de mim que se vai…
Não sou hoje, mais que uma triste flor que tu despetalaste!
Sim, minha mágoa segue para o espaço infinito e nunca cai.

ATENAS

Foi se, o vigor da minha juventude, em plena primavera,
Passou veloz feito estrela cadente, em noite enluarada!
Embebedei me em fantasias loucas e em vão eu quisera,
Beber o calix da vaidade, da felicidade, na madrugada…

Ah! O destino sorriu de mim, zombou de minha decepção,
Calou, no fundo de minha alma, o desejo que me consumia!
E a verdade, logo engoli, seco, perdi em segundos o chão.
Jamais senti tanto pavor! Pés, mãos, o corpo todo tremia!

Deus, clamei em alta voz, tirai-me deste pesadelo infernal!
Por que, se me deste a vida, deixai-a ir sem que eu a viva?
Oh, não! No auge de minha florada… Vida sem rumo, banal.

Elevo os pensamentos em alucinações profundas… Soltas!
Profecia?! Quero que você, neste mundo, para nada sirva!?
Sempre, desgraças vêm a galope e alegrias em conta gotas.

MISTERY

Ao amigo Aquino Tomaz

Pergunto a mim mesmo, louco, em alucinação,
De que universo surgiste, lindo e doce encanto?
Tiraste do teu mundo o prazer desta fascinação?
Irrompeu-me cascata de lágrimas no meu canto.

Viva o planeta que te enviou! Deusa da beleza…
Salve, salve, santo buraco negro, que adentrastes!
Se minha alma não abraçasse a tua, que tristeza!
Mas o maior amor se revela, eu sei, nos contrastes.

Eternizarei teus belíssimos e perfeitos traços, amor,
Nos magistrais fractais Aquinianos! Onde o irreal,
Toma vida nas sensitivas mãos do artista e o clamor

 Que se ouve desde a constelação de órion, em côro…
Em uníssono! Fica, me envolve como aurora boreal!
Enxuga minha lágrima, pára pra sempre meu choro.

ANTES DE AMANHÃ

Eu já chorei demais! Pobres olhos de agonia!
Já formaram até arco íris nas pupilas d’água!
Ah! Manso riacho, ouço aquela brisa que caía,
E o pranto, a interromper… No peito a mágoa…

Oh! Feliz foi mesmo o dia, antes de amanhã…
Os olhos embasados pela lágrima e eu só via,
Pela rota fresta do empalidecido coração e vã
Foi minha certeza de que eu ainda te merecia!

A fonte secou e não chorarei! Já chorei demais,
O sofrimento, a dor… E minha visão se renova,
Preciso viver o dia antes de amanhã e jamais

Deixarei que o oceano me afogue na lua nova!
Feliz dia antes de amanhã! Luz da minha vida…
Louvado seja o bem viver! Sem adeus na partida.

O SABIÁ

Frágil sabiá que no galho pende,
Dias de inverno e o frio forte…
Os fracos pés que firme prende,
Um débil corpo que teme a morte.

Que cena marcante, Deus do céu!
Pombinhas voam aos magotes…
Enquanto abelhas fazem seu mel,
O lindo sabiá protege os filhotes.

Sou tal qual esse sabiá, cansado,
Nas asas conto o tempo já voado…
No peito as histórias do passado!

Meu coração de amores povoado…
E ainda canta o sabiá, feliz da vida!
Felicidade é ter a mágoa esquecida.

Fonte:
http://camilomartins.zip.net/

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Arquivado em Estado de São Paulo, Sonetos

Lucan (Lucas Candelária) /SP (Caderno de Sonetos)

Lucan é de Salesópolis/SP

CHORA O POETA

(…) e o poeta chorava suas mágoas
Sentado à sombra de árvore gigante,
Tinha nos olhos um dilúvio de águas
E tinha o coração qual retirante.

Sua alma não saía do lugar
Ficava remoendo a sua dor atroz.
Por que chora o poeta sem parar?
Todos perguntavam à meia voz.

Mas, se olhassem à beira do caminho
Uma trevosa cruz em desalinho
Diria toda a história do cantor.

Pobre poeta! Nada o consolava…
Não se consola uma paixão escrava,
Não se consola um poeta sem amor!

SUPLÍCIO DE TÂNTALO

Por que eu vivo poetando em fantasia?
Por que? Se minha amada me deixou?
Nem tricotamos mais… Só nostalgia!
Só tristeza comigo então ficou.

Enquanto ela sorri com alegria,
Sem saber como dói o que restou
Num coração que viveu de utopia,
Eu pago caro o amor que me cegou.

Conheço outras pessoas formidáveis
Que têm o coração e a alma notáveis
E me amparam nesta hora de abandono.

Mas a forte afeição é incompreensível:
Não há como extirpá-la… É impossível!
Eu vivo nesta dor, e ela? Em seu trono.

QUEM É ELA

Ela é a luz que ilumina o meu caminho,
É a Rainha de um mundo hospitaleiro.
É uma deusa do amor e do carinho,
Estrela que ilumina o mundo inteiro.

Por ela pulsa o pobre coração
Que no meu peito, em minha trêmula esperança,
Espera, em ritmo de feliz paixão,
Voto de afeto e muita confiança.

Mas, como pode a estrela vir ao chão?
A ave viver nos vagalhões do mar?
Só do poeta na doce inspiração.

À Rainha, o poeta pode amar
Alegrando o seu pobre coração,
Na louca fantasia de poetar!

OS AGENTES

Línguas que tecem colchas de discórdia,
Por que não se acomodam no palato
E silenciam – por misericórdia -,
Com bons princípios e feliz recasto?

Mãos que se espalmam só para ferir,
Por que não acalmar a rude sanha
E abençoar, pensando no porvir,
Quando a bondade é a única façanha?

Neurônios que maquinam pra magoar
Por que não se aquietam no lugar
Como bons elos do sistema humano?

Não podem responder… São os agentes
Como o espinho é da flor; são as serpentes,
Que picam do vassalo ao soberano!

VOCÊ

Na viagem que eu fazia ao fim do mundo
-Descalço sobre as pedras do caminho -,
Via gente feliz, de olhar profundo,
Trocando doces beijos e carinho.

Eu já na escuridão do poço fundo,
Andrajoso de fé e amor, sozinho,
Chorava a falta de esperança, oriundo
Da dor, exausto, um mudo passarinho.

Depois… vi uma estrela luminosa
Brilhando à minha frente. Era uma rosa
Do jardim celestial… não sei por que

Acabou minha dor, fiquei contente,
Sorri, cantei, alegre e reverente.
Daí que eu vi… a luz era Você!

LIÇÃO DE PAI

-Que folgança é essa, meu querido filho,
Essa explosão de fogos pelo espaço?
Minhalma assim se imbui de enorme brilho
E corre-me um tremor pelo espinhaço.

-Ah, meu pai, é a vitória do caudilho
Comemorada com estardalhaço.
-Então ele venceu, sem empecilho,
Com seu rompante e seu clamor devasso?

-Sim, pai, venceu, venceu a votação.
-Pois é, meu filho, aceite esta lição:
Bom ou mau, pra vencer tem que lutar;

Os pusilânimes, os fracos, frios,
Perdem a guerra e tremem de arrepios
Antes mesmo de a guerra começar!…

OS INFELIZES DO MUNDO

-Você pode sair de minha vida,
Mas uma coisa não pode negar:
Que eu guarde essa beleza tão querida
Do seu sorriso e do seu lindo olhar.

Pode levar as jóias, o Jaguar
E a nossa rica moto colorida.
Mas, uma coisa não pode levar:
Minh´alma desprezada e tão sofrida.

Chega um senhor e diz: -O brutamonte
Enlouqueceu vivendo sob a ponte
Onde passava fome e só dormia.

E eu disse nesse instante: Não senhor,
Esse homem enlouquece por amor,
Esquecido na rua da agonia.

UTOPIA

Pudesse eu dominar o vento forte,
E a chuva dominar também pudesse,
Pudesse comandar também a sorte
E fosse humilde pra manter-me em prece…

Eu exterminaria a dor e a morte,
O sofrimento e o mal a quem padece;
Espalharia o amor em grande porte
E a alegria que a todos apetece.

E de Você? Faria uma princesa,
Que dominasse toda a humanidade
Que lhe servisse com total presteza.

Mas… seria de minha propriedade
Seu corpo e seu carinho – com certeza –
Para vivermos toda a eternidade.

A GOTA D´ÁGUA

Vinha da imensidão… do seio escuro
Da nuvem, balouçando pelo espaço,
No extravasar mais tímido e mais puro
Em refração de luz, de brilho lasso.

Vinha caindo, com frescor e apuro
Como um cristal – dos deuses, estilhaço -,
Tão pequenina, em seu mister mais duro
De visitar a terra, num abraço.

Chegou, de par em par, com as convivas,
Como lindas princesas fugitivas
De negra nuven túmida de mágoa.

E foi assim que terminou a história
Da que caiu do céu com toda a glória
De fria e cristalina gota d´agua!

METEMPSICOSE

Da anipnia escravo e sem remédio,
Auscultando o silêncio em fantasia,
Explode o peito em amargoso tédio
E acaba por compor uma poesia.

Da rigorosa métrica um assédio
Vem queimar seus neurônios em porfia,
E as rimas para o fúnebre epicédio
São escolhidas por analogia.

O homenageado, amigo extraordinário,
Já se perdia no galpão do ossário
Naquele pódium de materialistas.

E o vate arranca-o desse cemitério
– Na metempsicose sem mistério –
Levando-o a outro pódium de conquistas!..

A BRIGA DAS FLORES

O lírio branco, um dia, contundente,
Gritou à força plena dos pulmões:
– A rosa é vil, escrava, inconseqüente,
Cheia de espinhos, cheia de ambições!

E a rosa, do seu trono, descontente,
Retribui às tolas agressões:
– Lírio, você parece puro e ausente
Mas traz n’alma um brejal de podridões.

E a violeta, que ouvira toda a briga,
Meiga como é, calada, humilde e amiga,
Deitou nos ares os dulcíssimos olores.

O lírio e a rosa, nobres, decantados,
Percebendo o vexame, envergonhados,
Esconderam-se, então, das outras flores!

Fonte:
Sonetos
.com 

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Arquivado em Estado de São Paulo, Salesópolis, Sonetos

J.B.Xavier (O Teste)

Olhei para as conchinhas com as quais um dia um índio engenheiro chamado Nhuamã, com idade para ser meu filho, me deu a maior lição de minha vida e decidi não abrir mão de tudo o que prometera a mim mesmo naquele distante dia, em que, em sua companhia, atravessei distraidamente uma praia, após a dramática demissão de meu último emprego.

Agora, uma nova oportunidade de voltar ao mercado de trabalho me era oferecida.

Ainda tendo à mão o telegrama que me convocava para uma entrevista, eu pensava na importância que tinha aquele emprego para a seqüência de minha vida. Na verdade, eu precisava desesperadamente daquele trabalho.

Há quase um ano desempregado, minha situação financeira tinha se reduzido a farrapos. Juntamente com ela, meu relacionamento com meus familiares tinha piorado bastante e estava quase insustentável. A despeito de se dizer que dinheiro não é o mais importante, ele tem, sim, importância fundamental para a manutenção da dignidade, numa sociedade que avalia as pessoas pelo que elas têm, não pelo que são.

Fui demitido de meu último emprego quando estava no auge de minha carreira. Disseram-me um monte de baboseiras para justificar minha demissão, mas a verdade é que fui demitido por não ter me atualizado – me reciclado – como querem alguns, em tempo de continuar sendo útil à companhia. Confesso que eu não era lá essas coisas como companheiro, e meu ex-diretor me disse que eu era um elemento desagregador na companhia.

Na ocasião tive a sorte de encontrar um jovem que me conduziu por uma praia, e enquanto catava conchas coloridas ensinou-me uma das maiores lições que já tive em minha vida. Mas essa história eu já contei em outra ocasião e não desejo ocupar seu tempo, amigo leitor, com coisas repetitivas.

Basta que lhe diga que após conhecer esse jovem, eu modifiquei muitos dos meus hábitos de vida: Passei a considerar que sendo eu um ser único, devo ter, sem dúvida, algum valor. Passei também a prestar mais atenção às coisas belas que me rodeiam,e, principalmente, passei a valorizar as pessoas ao meu redor.

Mas – como se costuma dizer – na prática a teoria é outra! No mundo real, somos tentados a toda hora a vender nossos sonhos, e, conforme nossa necessidade, por um preço bem baratinho!

Então, após passar pela terrível experiência de ser demitido, uma das coisas que decidi foi nunca mais abrir mão dos meus princípios básicos de vida, éticos ou morais, nem que disso dependesse meu emprego. Digo isso porque volta e meia meu antigo trabalho me levava a procedimentos que se por um lado eram legais, por outro nem sempre eram éticos. Aliás essa linha divisória entre a legalidade e a ética é as vezes imprecisa e difícil de definir.

Mas não é fácil manter-se íntegro no mundo cão que nos rodeia e do qual dependemos. Mesmo assim, eu estava tentando, e já recusara algumas propostas de trabalho que, se as tivesse aceitado, haveriam de me reconduzir ao meu antigo hábito de violentar a mim mesmo.

Mas como explicar á minha família que um sujeito que precisava de trabalho desesperadamente dava-se ao luxo de rejeitar algumas propostas? Como faze-la compreender que minha integridade, recentemente recuperada, não estava mais à venda?

Foi pensando nisso tudo que tomei o avião, cuja passagem me havia sido enviada juntamente com o telegrama, e viajei até a cidade onde ficava a sede da empresa, para uma entrevista inicial.

Na tarde do dia seguinte, quando compareci ao local onde aconteceria a entrevista, eu estava calmo, mas aos poucos fui ficando tenso, ao ver a suntuosidade do edifício e da sala onde me instalaram à espera do entrevistador.

Quando cheguei já estavam na sala um homem bem mais jovem do que eu, e duas mulheres. Ele estava muito bem vestido e parecia um executivo em pleno esplendor da carreira. Era um jovem muito bonito, que parecia mais um modelo do que um executivo. Sua resposta seca ao meu bom dia enterrou minha curiosidade de saber se ele era também um candidato à vaga. Depois disso não tive oportunidade de lhe dirigir a palavra, porque ele ignorou completamente minha presença, fazendo com que me sentisse transparente contra o fundo, enquanto conversava animadamente com as duas mulheres, tendo na fala um forte sotaque inglês, embora falasse fluentemente o português.

Sorri interiormente, porque eu já havia sido assim, orgulhoso e confiante. Já havia impressionado muitas mulheres com meus conhecimentos de arte, e já causara muito sofrimento àquelas que por mim se apaixonaram inutilmente. Tempos de juventude febril, onde os fins justificavam os meios. Demorou para que eu descobrisse que são os meios que justificam os fins.

Uma das mulheres deveria estar beirando os quarenta anos. Era uma morena, elegante, sóbria e senhora de si. Ela espertamente acomodou-se na poltrona bem em frente ao jovem executivo, e cruzou as pernas de maneira que só ele pudesse ter uma visão aproximada dos tesouros que ela escondia. Pela atenção que ele lhe dispensava, percebi imediatamente que o jovem estava fisgado. Pobres homens!

Numa poltrona próxima, a outra mulher, uma loura muito jovem, beirando os trinta anos, deslumbrante e sensualíssima com seus lábios rubros e sua postura elegante, respondeu com um largo sorriso ao meu cumprimento, e sentou-se próximo a mim, passando a conversar comigo sobre os mais variados assuntos. Seu português escorregava constantemente, numa demonstração de que ela não era brasileira e não dominava o idioma.

Graças a ela, fiquei sabendo que eles também haviam sido convidados para a entrevista.

Fiquei impressionado e um pouco decepcionado. Impressionado porque vi que o nível dos candidatos era internacional, e decepcionado porque achei que a entrevista seria individual. Mas, enfim, talvez fosse alguma técnica de dinâmica de grupo em ação, pensei. O fato é que ao conhecer meus “adversários” na disputa pela vaga, minha preocupação aumentou. Eu já não tinha as mesmas certezas de antes. Minha demissão fizera-me mais consciente de minhas limitações.

Quanto mais eu observava os jovem, mais me convencia de que seria muito difícil ganhar deles na disputa pela vaga. Eles tinham as fichas a seu favor: Juventude, boa aparência, segurança, elegância e refinamento. Pensei que talvez não tivessem a experiência que eu tenho, mas, concluí logo em seguida, a experiência tem sido o maior entrave para minha recolocação no mercado de trabalho! As empresas andam à caça de jovens como esses, que têm menos vícios que executivos maduros como eu. Além disso, eles custam mais barato, quer com os pacotes salariais quer com os treinamentos necessários ao seu desenvolvimento, porque têm menos a desaprender.

A espera durou pouco. Logo uma moça nos conduziu por um extenso corredor cheio de maravilhosas pinturas renascentistas.

Enquanto caminhava ela mantinha um enigmático sorriso burocrático nos lábios. Finalmente chegamos a uma grande porta de vidro. Suspirei e tratei de me preparar para o que me esperava. Fomos introduzidos em uma deslumbrante sala, onde tudo era refinado e de bom gosto.

Meu olhar parou sobre uma réplica da Pietá, que estava sobre uma coluna de mármore verde, a um canto, iluminada pela luz do sol que vinha dos grandes janelões. Era uma peça feita em jade, e deveria ser muito valiosa.

Ao nos ver entrar, um senhor levantou-se de sua escrivaninha e veio ao nosso encontro. Olhando-nos diretamente nos olhos. Ele apertou fortemente a mão de cada um de nós, enquanto nos convidava para sentar.
Sentamos os quatro numa espécie de sofá. Notei que a morena apressou-se em sentar ao lado do jovem executivo, enquanto a loira sentava-se entre ele e eu.

Bom, senhoras e senhores – disse o anfitrião com um forte sotaque espanhol – Meu nome é Martim. Sou o Diretor Geral da filial brasileira da empresa. Somos uma grande companhia de seguros e estamos desembarcando no Brasil.

– A maior do mundo – disse a morena.

– isso mesmo! Somos a maior companhia de seguros do mundo. Estamos á procura de um Diretor Operacional para atuar no Brasil. Começaremos nossas atividades atuando no mercado de seguro de artes. Para isso foi criada uma nova empresa que já está instalada em vários países, e cujo controle acionário pertence ao casal Häagstrom, herdeiros dos controladores da holding. Eles estão no Brasil e em breve os senhores terão oportunidade de conhece-los.

Atuaremos inicialmente no seguro de Museus, bibliotecas, coleções particulares e coisas assim. Os senhores e as senhoras são os profissionais mais experientes desta área que conseguimos encontrar. É bom que lhe diga que alguns dos processos seletivos de que participaram nos últimos meses foram conduzidos por outras empresas de recolocação sob nossa orientação. Portanto, queimamos etapas. Finalmente vocês quatro foram os escolhidos para a seleção final, que será conduzida por nossa cúpula, pessoalmente.

Fiquei embasbacado, ao pensar que já estava sendo avaliado há meses para esta vaga! Mas o homem continuou:

– Após tantos cuidados para nos certificarmos de que escolheremos a pessoa mais adequada, é justo que lhes informe que o processo de seleção para o qual os senhores e as senhoras foram convidados prevê etapas insólitas e testes não convencionais. Diante disso, todos vocês concordam em continuar?

Balançamos afirmativamente a cabeça, mas só percebemos o quanto Martim falava sério quando ele nos apresentou uma declaração de que aceitávamos continuar no processo de seleção, qualquer que fossem os testes a fazer, desde que não implicassem em riscos de danos físicos.

Após assinarmos o papel, ele continuou:

– Serei breve, porque a maratona à qual vocês serão submetidos começa depois de amanhã e será cansativa. Amanhã os senhores terão o dia livre. Aproveitem-no para conhecer a cidade. A companhia os brindará com 500 dólares, a cada um de vocês, para que possam se divertir. Era tudo o que eu tinha a lhes dizer…alguma dúvida?

Resolvi descontrair o ambiente.

– Posso trocar meus 500 dólares pela réplica da Pietá?

– Nem por sonho! – respondeu o homem sorrindo – essa estatueta tem história! O senhor gosta de esculturas?

– Muito! Especialmente as da Renascença – respondi – e a Pietá talvez seja seu ponto mais alto. Michelangelo usou uma ilusão de ótica para produzir esta escultura, e ao fazer isso, inovou a arte da perspectiva…

Martim limitou-se a sorrir, mas a loura ao meu lado apertou meu braço e disse:

– O senhor parece entendido no assunto…

– Apenas gosto de arte…e por favor, se puder evitar o “senhor” fará um favor ao meu ego…

– Bom – tornou Martim a falar – lembro-os de que estão sob contrato, e que a desistência do processo seletivo pode dar-se quando bem o desejarem…

– Não sei quanto aos demais, – respondi – falo apenas por mim, mas para ser franco, eu não tenho muitas opções. Este é o único processo seletivo de que estou participando, portanto tentarei o impossível para me sair bem nele…

Não sei bem porque eu disse aquilo! Normalmente eu teria dito que já participara de muitos processos e que confiaria em que me sairia bem. É o que normalmente dizemos para nos valorizar. Mas eu já havia decidido dizer o que tinha no coração, e se isso fosse bom, ótimo; se não, eu pelo menos ficaria tranqüilo comigo mesmo, dizendo o que me ia na alma. Por isso resolvi ser franco.

Quando saímos daquela sala, estávamos os quatro mais descontraídos. A noite começava a descer. O Jovem executivo, então, contrariando a primeira impressão que eu tive dele, disse:

– Bom, amigos, o fato de concorrermos à mesma vaga, não nos torna inimigos! Que tal se esticássemos essa noite numa boate? Amanhã é nosso dia de folga!

Todos concordaram. Eu aceitei apenas para não ser estraga-prazeres, porque na verdade o que eu desejava era ficar no hotel assistindo a um bom filme na TV e preparando meu espírito para fosse lá o que me aguardava.

Na boate, o previsto aconteceu. Quando a madrugada já ia alta, a morena, depois de uns goles de Whisky, estava totalmente solta, e dançava dependurada no pescoço do jovem executivo, lânguida e suplicante por uma noite de amor.

A loira era mais discreta. Conversamos longamente, e muitas vezes tive que auxilia-la com o português, até que decidimos conversar em inglês. Então, fluentemente, ela demonstrou ter um conhecimento extraordinário do mercado de artes. Fiquei tão impressionado com sua segurança ao falar do assunto que não tive dúvidas de que se conhecimento de causa fosse o critério de decisão, ela certamente seria a escolhida.

Na verdade, ela parecia esperar uma iniciativa de minha parte, que desse início a uma maior aproximação. Considerei todas as vezes em que eu vivera situações semelhantes. Mulheres, sempre mulheres. Cama! É sempre o que a maioria dos homens pensa de uma relação entre um homem e uma mulher! Se era isso que ela pretendia, nesta noite ela ficaria decepcionada.

Felizmente ela não era do tipo agressiva, como a morena, porque eu desistira de viver essas mentiras momentâneas. Mas era uma mulher lindíssima. Ocorre que eu já havia desistido de manter relações que machucam ao invés de alegrar. Vazios da alma que relacionamentos relâmpagos não conseguem preencher.

Finalmente concordamos todos em voltar para nossos hotéis. A companhia nos instalara em hotéis diferentes, certamente para proteger nossa privacidade. A morena, já muito alcoolizada teve que ser carregada para o táxi, e depois para seu apartamento no hotel.

Depois nos despedimos, e cada um tomou o seu caminho. Não combinamos nada para o dia seguinte, por isso pude ficar á vontade para visitar a cidade, que é famosa pelos museus que possui. Fotografei monumentos, visitei galerias, e até assisti a uma peça musical que era executada no Teatro Municipal gratuitamente. Foi um dia extraordinário para mim, onde pude soltar-me das tensões que a pressão de meu desemprego me causava. Pude fazer o que gosto, e ainda com dinheiro no bolso, coisa que há tempos eu não via. Cheguei ao hotel lá pelas 23:00 e após um banho fui direto para a cama, porque o dia seguinte prometia ser árduo.

Na manhã seguinte compareci pontualmente para o início das atividade. Aguardei na mesma sala da vez anterior, porém nenhum dos meus “concorrentes” estavam lá, sinal de que deveriam ter marcado horários diferentes com cada um de nós.

Em poucos minutos, numa pontualidade que me alegrou, fui introduzido na mesma sala onde já estivera. Martim me recebeu com um sorriso e me fez sentar no mesmo sofá.

– Bueno – disse ele em seu “portunhol” – por onde devo começar? Eu tenho duas notícias para lhe dar. Uma boa e uma ruim…qual delas você deseja ouvir primeiro?

– Comece pela boa, por favor, assim me dará forças para resistir à segunda!

– A notícia boa é que pelo seu esforço em ter chegado até este ponto do processo seletivo, a pequena preciosidade que você tanto desejou no outro dia, é sua – a réplica da Pietá…

Um vazio me invadiu o estômago. Percebi logo que aquilo era um prêmio de consolação. Em outra circunstância eu teria pulado de alegria por tão maravilhoso presente, mas agora eu sentia que estava sendo elegantemente dispensado.

– O próprio casal Häagstrom achou que você merece ficar com a estátua…e olha que ela vale um bocado de dinheiro…é feita de jade…

A porta atrás de mim se abrira mas nem prestei atenção. Devia ser a recepcionista para me conduzir de volta.

– E…qual é a notícia ruim? – perguntei.

– É que você tem apenas 10 dias para assumir seu cargo de Diretor Operacional da empresa no Brasil – disse Martim sorrindo.

Nada me preparara para aquela notícia. Nada. Absolutamente nada!

– Mas..e os testes de que falamos…? – perguntei trêmulo e gaguejante…

– Você e a outra candidata já estavam aprovados para o cargo…apenas o casal Häagstrom desejava testa-los pessoalmente…eles têm seus próprios métodos…e ela foi reprovada por eles…

– Parabéns! – Disse uma voz atrás de mim – o senhor foi aprovado com louvor ontem à noite…gostamos muito de sua franqueza, lealdade e honestidade. Gostamos também de seu interesse pelas artes.

Voltei-me e vi o jovem executivo e a jovem loura com os quais eu havia ido à boate. Fiquei confuso.

Isto dizendo o jovem executivo me estendeu algumas fotos onde eu aparecia visitando museus e galerias no dia anterior.

– Queira nos desculpar se o seguimos e fotografamos o dia todo…precisávamos ter certeza de que seus gostos pessoais estavam em sintonia com sua função na empresa…

– Eis o casal Häagstrom – Disse Martin – herdeiros dos controladores da holding e os maiores acionistas de nossa companhia…

* * *
Fonte:
Recanto das Letras

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Inauguração de Novo Bosque da Leitura, em Pirituba/SP

Neste final de semana será inaugurado o novo Bosque da Leitura Parque Rodrigo de Gásperi, na região de Pirituba. Durante o evento teremos:

Contos e Cantos Africanos
Com Sansakroma

Buscando referências na cultura oral dos africanos, brasileiros e cubanos, o Grupo Sansakroma buscará a integração entre estas culturas e promete um momento de muitas histórias, música e diversão.

15 de julho (dom) – 11h
Endereço: Av. Miguel de Castro nº321 – Vila Zatt – Pirituba
Telefone: 3974-8600

Fonte:
Sistema Municipal de Bibliotecas/SP

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