Arquivo do mês: maio 2009

XXII Jogos Florais de Ribeirão Preto 2009 (Classificação Final)

TEMA NACIONAL – CIGANO (LIRISMO)

Categoria: Vencedores (Troféu)

1º LUGAR
Sofredor desde menino
e tendo o sonho por meta,
quis saber qual seu destino,
diz-lhe o cigano:- Poeta!
Carolina Ramos
Santos (SP)

2º LUGAR
Cigano de olheiras fundas,
pele morena, crestada,
quantas tristezas profundas
já deixaste pela estrada?
Hermoclydes Siqueira Franco
Nova Friburgo (RJ)

3º LUGAR
Cigana e bela mulher…
desse romance eu me ufano!
Não vive um amor qualquer,
quem vive um amor cigano!
Éderson Cardoso de Lima
Niterói (RJ)

4º LUGAR
Amor cigano, utopia,
triste busca por alguém;
quem tem um amor por dia
não tem o amor de ninguém.
Olympio da Cruz Simões Coutinho
Belo Horizonte (MG)

5º LUGAR
Cigano eu vou pela vida,
e minha tenda é montada,
não com a lona estendida,
mas, com a noite estrelada…
Izo Goldman
São Paulo (SP)

Categoria: Menção Honrosa (Medalha Dourada)

1º LUGAR
Errei pela vida afora,
sou cigano sem destino…
te achei!… Não vou mais embora,
sigo o sonho de menino.
Renato Alves
Rio de Janeiro (RJ)

2º LUGAR
Tangendo brilhos e rastros,
como compete a um perito,
cigano é o “pastor dos astros”
no rebanho do Infinito!
José Ouverney
Pindamonhangaba (SP)

3º LUGAR
Qual pequenina carroça
de cigano sonhador,
leva a trova, a quantos possa,
carga máxima de amor.
Antônio Augusto de Assis
Maringá (PR)

4º LUGAR
Quando o cigano chegou
tocando seu violino,
no meu coração tocou,
entrando no meu destino.
Maria Apparecida S.Coquemala
Itararé (SP)

5º LUGAR
Sei que irá me causar dano.
o fascínio que me exerces,
pois teu amor é cigano
mas o meu quer alicerces…
Elbea Priscila de Sousa e Silva
Caçapava (SP)

Categoria: Menção Especial (Medalha Prateada)

1º LUGAR
O cigano ao ver-me em pranto,
na dor que cruel avança,
espantou meu desencanto,
despertou minha esperança!…
Marilúcia Resende
São Paulo (SP)

2º LUGAR
Deu-me, o cigano, uma rosa
e partiu sem dizer nada
e esta rosa, hoje saudosa,
vive a chorar…desfolhada…
Marina Bruna
São Paulo ( SP)

3º LUGAR
Cigano, da tua andança
por esse mundo sem fim,
traz-me um pouco da esperança
que a sorte roubou de mim…
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru (SP)

4º LUGAR
Mulher olhando vitrine,
cigano vendo dinheiro,
Eis a pergunta:- Imagine
quem desistirá primeiro?
Miguel Russowsky
Joaçaba (SC)

5º LUGAR
Ante o teu vulto de fada
e esse lindo olhar arcano,
sinto a alma engalanada
por ter nascido cigano!
Hermoclydes Siqueira Franco
Nova Friburgo (RJ)

TEMA NACIONAL – EREMITA – ( Humorismo )

Categoria: Vencedores (Troféu)

1º LUGAR
Foi o bebum “muito esperto”
como eremita… e está crente
que, no calor do deserto,
o oásis é de água… ardente!!!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo (SP)

2º LUGAR
Já não há nenhum prazer
que em público a lei permita:
quem quer fumar ou beber
tem que virar eremita!
Renata Paccola
São Paulo (SP)

3º LUGAR
Diz o Zé, sem compaixão,
Vendo a vizinha esquisita:
“a casar com tal canhão,
melhor morrer eremita”.
Eduardo Domingos Bottallo
São Paulo (SP)

4º LUGAR
O coitado do eremita
vive esta dúvida eterna:
quando vê mulher bonita,
só pensa em… sua caverna…
Izo Goldman
São Paulo (SP)

5º LUGAR
De andar a pé, já cansado,
um eremita ameaça:
vou me eleger deputado
pra andar de avião de graça…
Marina Bruna
São Paulo (SP)

Categoria: Menção Honrosa (Medalha Dourada)

1º LUGAR
Adotei o isolamento,
feito um ermitão qualquer,
pra fugir do casamento
e das manhas de mulher!…
Ademar Macedo
Natal (RN)

2º LUGAR
Fugiu da cara-metade…
fingiu ser monge eremita…
e vem ao bar da cidade,
só quanto acaba a birita!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo (SP)

3º LUGAR
Indo armar uma arapuca,
encontrei um eremita
que, me vendo de peruca,
perguntou se eu era Chita…
Ruth Farah Nacif Lutterback
Cantagalo ( RJ)

4º LUGAR
Louras, morenas, mulatas,
cada qual, a mais bonita,
vive cercado de gatas
e ainda diz que é Eremita.
Argemira Fernandes Marcondes
Taubaté (SP)

5º LUGAR
O eremita se isolou…
até que morreu, zureta.
ao chegar ao céu, pensou
que um anjo era borboleta.
Vanda Fagundes Queirós
Curitiba (PR)

Categoria: Menção Especial (Medalha Prateada)

1º LUGAR
– Sou eremita, diz, ancho,
celibatário também,
mas, no fundo do seu rancho,
o “santo” esconde um harém…
Élbea Priscila de Sousa e Silva
Caçapava (SP)

2º LUGAR
O eremita, na entrevista,
Ao voltar faminto e roto:
-para ser um João Batista
tem que comer gafanhoto?!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo (SP)

3º LUGAR
Um eremita só quer
ser feliz com o que tem,
para ele, não há mulher,
e não tem sogra também.
António José Barradas Barroso
Parede (Portugal)

4º LUGAR
Um eremita perfeito
Eu encontrei certo dia…
era tão chato o sujeito
que de si mesmo fugia.
Olympio da Cruz Simões Coutinho
Belo Horizonte (MG)

5º LUGAR
Minha sogra é uma eremita,
mas não sei por que razão
em minha casa é visita
de mala, cuia e colchão!!!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes (PR)

Fonte:
Nilto Manoel.
UBT/SP – Seção de Ribeirão Preto

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2º Jogos Florais do Século XXI da aBrace Editora

Em momentos de reativação dos caminhos de integração socioeconômica dos povos, empreendemos o nobre objetivo de revalorizar a palavra poética como forma de delinear ideias e construir realidades.

Propomos que o conceito seja uma resposta à impessoalidade da globalização, cimentado nas diferenças próprias de cada cultura, valorizando e fortalecendo identidades a partir do laço fundamental da linguagem, que é tronco e raiz pela qual floresce a humanidade.

Por esse motivo, a aBrace Editora e o Movimento Cultural aBrace convocam a um CONCURSO INTERNACIONAL LITERÁRIO DE POESIA em português com tema livre, sustentado no seguinte fundamento: Trânsito poético para a liberação definitiva.

OBJETIVO:
Este concurso terá por objetivo promover a atividade literária e o idioma português, bem como valorizar a criatividade e integrar poetas dos países de língua portuguesa.

PARTICIPAÇÃO:

1.- Poderão participar todas as pessoas de qualquer lugar de residência com um único trabalho de poesia ou prosa poética, em língua portuguesa, de caráter inédito, tema livre, com no máximo 25 linhas.

2.- Por razões de organização e confiança na solidariedade entre criadores, lema do Movimento Cultural aBrace, quando o verdadeiro valor desta convocação é a difusão da palavra poética. Considerando a internacionalização do concurso, os custos de realização e as técnicas atuais em material de comunicação, somente receberemos inscrições via e-mail: abracept@abracecultura.com , até 31 de agosto de 2009, com as seguintes características:

a) No campo assunto: 2º JOGOS FLORAIS DO SÉCULO XXI;

b) Os participantes deverão anexar 2 arquivos de Word 9 2003. O primeiro deve incluir arquivo em Word (anexo) com o poema digitado (fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12 — entre linhas 1,5), título e pseudônimo.

c) O segundo deve incluir arquivo em Word (anexo) com o título do trabalho com o mesmo pseudônimo, nome completo do participante, fotografia, pequeno curriculum (até 10 linhas), endereço residencial e e-mail.

d) A aBrace editora se compromete a enviar aos pré-selecionados e jurados somente os arquivos com poemas e pseudônimos, reservando os de documentação somente para identificar os selecionados e premiados. Não acusaremos recibo de e-mail. Sugerimos que cada participante solicite recibo de leitura automática.

O não cumprimento das orientações implicará na desclassificação do trabalho.

SELEÇÃO:

1- Trinta trabalhos serão pré-selecionados por uma comissão integrada por um representante da editora e dois representantes do Movimento Cultural aBrace. Serão critérios para o julgamento: criatividade, correção linguística, originalidade e relação direta com o fundamento do concurso.

2- Posteriormente os trabalhos serão entregues a uma comissão julgadora internacional composta por três destacados membros do meio literário, que procederá à seleção dos melhores trabalhos entre os pré-selecionados. Não caberá recurso às decisões da comissão julgadora. Os nomes dos integrantes do Corpo de Jurados serão divulgados juntamente com o resultado do concurso. É vetada a participação de membros das comissões organizadora e julgadora, de profissionais a serviço das entidades que dão apoio ao concurso ou nelas empregados, bem como de familiares até o terceiro grau de parentesco de todos os incluídos no veto à participação.

3- A comissão julgadora escolherá o 1º, o 2º e o 3º prêmios e as menções honrosas.

4- Os autores publicados na coletânea, produto final do concurso, cedem os respectivos direitos autorais, quanto à exposição e publicação, nos prazos e condições legais que passam a pertencer à aBrace Editora e concordam em permitir a utilização de seus nomes, fotografias ou filmagem, para a divulgação do prêmio, sem qualquer ônus para os promotores, exceto com declaração assinada.

5- Cada concorrente somente poderá participar com um trabalho e não haverá devolução do material inscrito.

6- Os casos omissos neste regulamento serão resolvidos pela comissão julgadora e/ou pelos organizadores do concurso. A inscrição implicará, por parte do concorrente, a aceitação dos termos deste regulamento.

PRÊMIOS:

Caberá aos contemplados a seguinte premiação:

a) 1º, 2º e 3º colocados receberão: troféus, coleção de livros da aBrace Editora e certificado;

b) Menções : coleção de livros e certificado;

c) Restante dos selecionados: certificado.

d) Publicação a cargo da aBrace editora, sem ônus para os autores de todos os textos selecionados, encabeçados com os ganhadores e menções, de um poemário intitulado: 2º JOGOS FLORAIS DO SECULO XXI. Paralelamente a esta convocação se realiza a mesma em língua espanhola. O livro, motivo deste concurso, publicará também, de forma intercalada, os textos premiados e selecionados em espanhol, para efeito de uma maior integração.

e) O poemário 2º JOGOS FLORAIS DO SECULO XXI, será apresentado em ato a programar e exibido em todas as oportunidades em que aBrace em MOVIMENTO seja convidado a participar como expositor da cultura.
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Informações:
Nina Reis
: abracept@abracecultura.com

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DEZ ANOS DE aBrace. Dez anos promovendo a cultura nos habilitam a pensar nos êxitos obtidos, nos vínculos que foram feitos e na difusão dada à obra de centenas de autores.

Organizaram dez Encontros Literários: seis em Montevidéu (Uruguai); um em Brasília (Brasil); um em Montevidéu; o nono em Havana (Cuba) e o último em Porto Alegre (Brasil)

Iniciaram em 2007, no Uruguai, o ciclo Para que andes com os livros e criaram um site internacional, http://www.abracecultura.com/

Editaram durante dois anos, cinco números de um boletim informativo e oito edições da aBraceRevista INTERNACIONAL.

Em Brasília realizaram experiências extraordinárias com o Grupo Diálogo visitando escolas e cursos de espanhol, além dos encontros regionais. Paralelamente foram realizadas inúmeras atividades em nome do Movimento aBrace.

Chegou a hora de ampliar o intercâmbio para outras latitudes. Com esse fundamento, criaram aBrace em Movimento, cujo objetivo é manifestar-se em outras circunstâncias e, talvez, inúmeras vezes em cada ano, promovendo a cultura, portando livros e revistas aBrace, obras de arte para exposição, músicas gravadas e ao vivo, com a participação de artistas de todas as áreas, visitando feiras nacionais e internacionais, participando de encontros, congressos e conferências, nos espaços abertos ao Movimento Cultural aBrace e onde seja possível a integração.

Estão convidados a participar e acompanhar o aBrace em Movimento, todos que acreditam na solidariedade e que a arte pode modificar o comportamento humano.
Nina Reis e Roberto Bianchi (Diretore)
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Fonte:
Douglas Lara.

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João Guimarães Rosa (Sagarana) (Parte final)

Artigo do prof. Teotônio Marques Filho
Parte I = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/joao-guimaraes-rosa-sagarana-parte-i.html
Parte II = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/joao-guimaraes-rosa-sagarana-parte-ii.html
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6. São Marcos

Narrado também na primeira pessoa, “São Marcos” é outro conto de linha trágica e esta sob o signo da superstição:

Izé ou José, o narrador, era um homem que não acreditava em feiticeiro: “Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e não acreditava em feiticeiros” (221). Vivia a fustigar João Mangalô, feiticeiro de fama e escama naqueles rincões. Nhã Rita, preta cozinheira dele, vivia a adverti-lo:

“- Se o senhor não aceita, é rei no seu; mas abusar não deve”. (224).

E relatava o caso da lavadeira que desfeiteara a velha Cesária e sofrera, de repente, agulhadas inexplicáveis “no pé (lá dela!)”.

Mas ele, sempre incrédulo:

Você deve conhecer os mandamentos do negro… Não sabe? “Primeiro: todo negro é cachaceiro...” “Segundo: todo negro é vagabundo”. “Terceiro: todo negro é feiticeiro…”

Ai, espetado em sua dor-de-dentes, ele passou do riso bobo à carranca de ódio, resmungou, se encolheu para dentro, como um caramujo à cocléia, e ainda bateu com a porta (228)

Depois disso, voltando da missa, encontra com Aurísio Manquitola que lhe narra o caso de Tião Tranjão, que era um sujeito um tanto tolo e burro, e acabou aprendendo a oração de São Marcos que é “sesga, milagrosa e proibida”, com que resolveu os seus problemas conjugais de ter mulher, e esta dormir com os outros.

O narrador vai andando. A natureza ao seu redor atrai as suas vistas. Escreve versos num tronco, e quando lhe faltou inspiração, certa vez, limitou-se a fazer um rol de reis caldeus.

Reconhece que “as palavras têm canto e plumagem

Perde-se em descrições e cenas que seus olhos vêem:

E, pois, foi aí que a coisa se deu, e foi de repente: como uma pancada preta, vertiginosa, mas batendo de grau em grau – um ponto, um grão, um besouro, um anu, um urubu, um golpe de noite… E escureceu tudo.” (pág. 244)

Uso acentuado da audição. Até os olhos cegos ouvem (“meus olhos o ouvem” – 248). Vaga, sem rumo, pela floresta, para depois defrontar-se com João Mangolô e as vistas que tinham sido amarradas por este:

“- Pelo amor de Deus, Sinhô… Foi brincadeira… Eu costurei o retrato, p’ra explicar ao Sinhô…” (250)

E o narrador conclui com um mundo de cores:

Na baixada, mato e campo eram concolores. No alto da colina, onde a luz andava à roda, debaixo do angelim verde, de vagens verdes, um boi branco, de cauda branca. E, ao longe, nas prateleiras dos morros cavalgavam-se três qualidades de azul.” (251)

“São Marcos” é de linha frenética, o que lembra a “Dama Pé-de-Cabra”, de Alexandre Herculano. Aqui está presente o mundo das superstições e feitiçarias que envolvem o homem interiorano.

Outra tese desenvolvida é a da “plumagem e canto das palavras”.

7. “Corpo Fechado”

A técnica narrativa de “Corpo Fechado” é em forma de entrevista. O “doutor”, no decorrer da história, vai entrevistando Manuel Fulô, “um valentão manso e decorativo, como mantença da tradição e para glória do arraial” (281)

O papo começou com o doutor passando em revista os principais nomes de valentões daquelas bandas: José Boi, Desidério Cabaça, Adejalma, “nome bobo, que nem é de santo…” Miligido, que já se aposentara, e o terrível Targino:

Esse-um é maligno e está até excomungado… Ele é de uma turma de gente sem-que-fazer, que comeram carne e beberam cachaça na frente da igreja, em sexta-feira da Paixão, só p’ra pirraçar o padre e experimentar a paciência de Deus…” (pág. 255)

Esses valentões todos já tinham sido castigados. Só faltava o Targino. Mas o seu fim havia de chegar como chegou para os outros:

Eles todos já foram castigados: o Roque se afogou numa água rasinha de enxurra­da… ele estava de chifre cheio… Gervásio sumiu no mundo, asem deixar rasto… Laurindo, a mulher mesma torou a cabeça dele com um machado, uma noite… foi em janeiro do ano passado… Camilo Matias acabou com mal-de-lázaro… Só quem está sobrando mesmo é o Targino. E o castigo demora, mas não falta…” (pág. 256)

E Manuel Fulô, o entrevistado, vai narrando as suas aventuras entre os ciganos; como os tapeou, uma vez; o seu desejo de possuir uma sela mexicana para a mulinha Beija-Fulô. E então chegamos ao casamento de Manuel da raça dos Peixoto, do que tinha honra e fazia alarde. A noiva era a das Dor.

E aqui é que começa a história propriamente. O Targino aparece e diz assim para o Manuel Fuló:

“- Escuta, Mané Fulô: a coisa é que eu gostei da das Dor, e venho visitar sua noiva. amanhã.. Já mandei recado, avisando a ela… É um dia só, depois vocês podem se casar… Se você ficar quieto, não te faço nada… Se não… (pág. 275)

Reboliço. Correrias. Movimentação do doutor. E então “a história começa mesmo é aqui”: Antonico das águas, “que tinha alma de pajé” e era “curandeiro-feiticeiro” agora entra na história para “fechar o corpo” de Manuel Fuló, “requisitando agulha-e-linha, um prato fundo, cachaça e uma lata com brasas” (279):

“- Fechei o corpo dele. Não careçam de ter medo, que para arma de fogo eu garanto!…” (280)

E o doutor conclui a história assim:

“E, quando espiei outra vez, vi exato: Targino, fixo, como um manequim, e Manu e Fulô pulando nele e o esfaqueando, pela altura do peito – tudo com rara elegância e suma precisão. Targino girou na perna esquerda, ceifando o ar com a direita; capotou; e desviveu, num átimo. Seu rosto guardou um ar de temor salutar.

– Conheceu, diabo, o que é raça de Peixoto?!” (pág. 281)

“Corpo Fechado” ainda continua a problemática apresentada em “São Marcos”: mundo de feitiçarias e bruxarias.

Além dessa temática, sobressai também a saga dos valentões das gerais, principal­mente com o temível Targino, e a saga dos ciganos, muito freqüente no interior.

8. “A Saga dos Bois”

Em “Conversa de Bois”, Guimarães Rosa, procura desenvolver a “psicologia” dos animais o que já se vislumbra em “O Burrinho Pedrês”, também aqui, e com largo uso, explorando “a plumagem e canto das palavras”.

A técnica narrativa é a terceira pessoa, narrado por Manuel Timborna, que é entrevistado pelo autor, que pede para recriar a história:

“- Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentado ponto e pouco…

– Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que não seja” (283)

E então Manuel Timborna começa a “contar um caso acontecido que se deu”, pro­curando demonstrar que “boi fala o tempo todo”.

Buscapé, Namorado, Capitão, Brabagato, Dansador, Brilhante, Realejo e Canindé são os protagonistas bovinos da história, que vão na sua marcha lenta, carregando “o peso pesado” do carro-de-bois, carregado de rapaduras e um defunto.

O guia é Tiãozinho, filho do defunto carregado. Vai triste e “babando água dos olhos” (313). Visto pelos bovinos é “o bezerro-de-homem-que-caminha-sempre-na-frente-dos-bois”. (313)

O carreiro, orgulhosão e perverso, é o Agenor Soronho: “o homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta” que vem “trepado no chifre do carro…” (313).

Na sua marcha, os oito bovinos vão conversando. Criticam o modo de vida dos homens, o animal pensante: “É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens… As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor – tudo pensado, é pior…” (290)

Brilhante conta a história do boi Rodapião – “o boi que pensava de homem, o-que-come-de-olho-aberto…” (296, que saiu certa vez, com esse raciocínio silogístico:

… “Cada dia o boi Rodapião falava uma coisa difícil p’ra nós bois. Deste jeito:

– Todo boi é bicho. Nós todos somos bois. Então, nós todos somos bichos!… Estúrdio…” (300)

E porque pensava muito-pensava como o homem – o boi Rodapião tem fim trágico:

“Escutei o barulho dele: boi Rodapião vinha lá de cima, rolando poeira feia e chão solto… Bateu aqui em baixo e berrou triste, porque não pôde se levantar mais do lugar das suas costas…” (308)

Tiãozinho vai relembrando a morte do pai. Tem uma raiva danada do Agenor Soronho que “bate em todos os meninos do mundo: Seu Agenor Soronho é o diabo grande” (314)

O fim é trágico. Deus e o Demo: Agenor Soronho é castigado pelos bois e por Tiãozinho que “pensa quase como nós bois” (314): “A roda esquerda do carro lhe colhera o pescoço.” (317)

Tiãozinho fica como um possesso diante daquela tragédia.

– “Conversa de Bois” procura interpretar a psiquê bovina. É uma história trágica também, e pode ser aproximada de “O Burrinho Pedrês” pela relevância que dá ao animal. Dentro dessa perspectiva está implícita uma crítica ao comportamento do homem, o animal pensante.

Outra temática que me pareceu também bastante nítida no conto é a da oposição entre o Bem e o Mal, onde os maus têm sempre fim trágico, como foi o caso de Seo Agenor Soronho.

9. “A Hora e Vez de Augusto Matraga”

Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto” (319).

Nhô Augusto foi homem ruim, de muitos pecados e pouca água benta: maltratava a mulher e filha e vivia de pagode com outras, como a tal da Sariema que aparece no começo do conto, mulherzinha com “perna de Manuel-Fonseca, uma fina e outra seca!” (322)

Estourado e sem regra, estava ficando Nhô Augusto. E com dívidas enormes. política do lado que perde, falta de crédito, as terras no desmando” (324)

E então surge o pior: a mulher foge com outro levando também a filha e os capangas o abandonam, para servir ao Major Consilva, um antigo inimigo da família:

Assim, quase qualquer um capiau outro, sem ser Augusto Esteves, naqueles dois contratempos teria percebido a chegada do azar, da unhaca, e passaria umas rodadas sem jogar, fazendo umas férias na vida: viagem, mudanças, ou qualquer coisa ensossa, para esperar o cumprimento do ditado: “Cada um tem seus seis meses…” (328)

Mas Nhô Augusto era couro ainda por curtir” e, de imediato, foi tirar satisfação com o Major. Resultância: os capangas novos e antigos do Major saíram em cima do homem e o arrasaram de pancadas, lançando-o, depois, num despenhadeiro.

Morto, mas não sepultado, ressuscitou pela caridade de um par de pretos que habitava aquelas plagas inóspitas. Cuidam do semimorto: enfaixam-no, pensam-lhe as feridas e Nhô Augusto pede padre:

Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua” (336), conclui o batina, depois de tê-lo confessado e conversado.

Não morre. Regenera-se. E daquele lugar maldito “pegou chão, sem paixão”, junta­mente com o par de negros.

“- Eu vou p’ra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal” E a minha vez há de chegar. P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!…” (pág. 337)

Afastado de tudo, isolado do seu antigo mundo procura penitenciar-se de seus pecados.

Aparece, o bando de Seo Joãozinho Bem-Bem, a quem Nhô Augusto dá pousada. Os anjos-da-guarda de ambos combinam-se. Desencontro. Encontro. Deus e Demo. Nhô Augusto encontra de novo com seu Joãozinho Bem-Bem, chefe do bando mais temido daquelas bandas. Um velho pede pelos filhos. Seo Bem-Bem quer vingança. Exterminação. E foi aí que aconteceu a hora e vez de Nhô Augusto, dito Matraga:

“- Êpa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez! (362).

Exterminação total. Mas seu Joãozinho Bem-Bem se sente honrado em ser exterminado por Matraga: “quero acabar sendo amigos…”

E Matraga:

“Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas agora se arrepende dos pecados, e morre logo como um cristão, que é para gente poder ir juntos…” (pág. 363)

E “com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue”, Augusto Mal ruga morre satisfeito porque teve a sua hora e vez:

Foi Deus quem mandou esse homem no jumento, por mór de salvar as famílias da gente” (pág. 364), comenta a turba agradecida.

“A Hora e Vez de Augusto Matraga” é, sem dúvida, o ápice da criação literária rosiana em Sagarana, dada a tragicidade e epicidade que o conto encerra.

Quatro temáticas me parece bem nítidas:

a) a oposição Deus e o Demo (Bem x Mal);
b) a saga dos cangaceiros e valentões (Joãozinho Bem-Bem);
c) misticismo (Augusto Matraga depois do encontro com o padre);
d) todos têm a sua vez e hora.

Não me parece sem lógica uma aproximação entre “A Hora e Vez de Augusto Ma­traga” e “O Burrinho Pedrês”: ambos, Augusto Matraga e Sete-de-Ouros, tiveram a sua hora e a sua vez, e dela saíram cobertos de glórias. Não é sem razão que já se disse que os extremos se tocam…

Fabulista? – Não. João é fantasticamente fabuloso!

Findo. Findo o fino fabulista fabuloso. Finririnfinfim…

NOTA: As páginas indicadas referem à nona edição de Sagarana (Rio. 1967)

Fonte:

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John Maxwell Coetzee (Diário de um Mau Ano)

Gênero: Ficção

«Diário de um Mau Ano» é um misto de romance e compilação de pequenos ensaios, com uma estrutura original em que cada página está dividida em três partes: a primeira com os ensaios propriamente ditos, a segunda com o diálogo entre o escritor dos ensaios e a sua datilógrafa, Anya, e a terceira com o diálogo entre esta e o seu marido, Alan.

O romance baseia-se na história da escrita dos ensaios, elaborados por um escritor em final de vida que assume que já não tem capacidade para escrever romances e que por isso aceitou um convite de uma editora para que participasse num livro que reune ensaios de vários escritores. Atraído por uma jovem que mora no mesmo prédio, convida-a para que seja sua datilógrafa, sob a suspeita do seu marido de que o escritor pretenda algo mais. No desenrolar da história, criam-se e acentuam-se as divergências entre Alan e os escritos de JC, algo ingênuos do ponto de vista de Anya e completamente ultrapassados segundo o ultra-liberal Alan. À medida que se estreita uma relação de amizade e compaixão entre Anya e JC, o radicalismo de Alan acentua-se conduzindo a narrativa a uma situação de ruptura entre as personagens, num desenlace onde os valores de JC são postos à prova.

Os ensaios são pertinentes na forma como abordam as temáticas contemporâneas subjacentes (em 2007), assim como pertinentes são os comentários de Anya e Alan aos mesmos. Num jogo em que o leitor pode ser levado a pensar que as opiniões transmitidas nos ensaios equivalem às opiniões de Coetzee, os comentários das outras duas personagens a essas mesmas opiniões funcionam como um contraponto, que convidam a uma reflexão e a uma chamada de atenção sobre as várias formas de abordar cada temática e as sensibilidades que podem ser tomadas relativamente à mesma, prevalecendo, nas temáticas mais explosivas, o bom senso de quem menos sabe sobre as mesmas, Anya.
Os ensaios:

1. Sobre as Origens do Estado ; 2. Sobre o Anarquismo ; 3. Sobre a Democracia ; 4. Sobre Maquiavel ; 5. Sobre o Terrorismo ; 6. Sobre os Sistemas de Guiagem ; 7. Sobre a Al-Qaeda ; 8. Sobre as Universidades ; 9. Sobre a Baía de Guantanamo ; 10. Sobre a Vergonha Nacional ; 11. Sobre a Maldição ; 12. Sobre a Pedofilia ; 13. Sobre o Corpo ; 14. Sobre o Abate de Animais ; 15. Sobre a Gripe das Aves ; 16. Sobre a Competição ; 17. Sobre o Desígnio Inteligente ; 18. Sobre Zenão ; 19. Sobre as Probabilidades ; 20. Sobre os Assaltos ; 21. Sobre os Pedidos de Desculpa ; 22. Sobre o Asilo na Austrália ; 23. Sobre a Vida Política na Austrália ; 24. Sobre a Esquerda e a Direita ; 25. Sobre Tony Blair ; 26. Sobre Harold Pinter ; 27. Sobre a Música ; 28. Sobre o Turismo ; 29. Sobre o Uso do Inglês ; 30. Sobre a Autoridade na Ficção ; 31. Sobre a Outra Vida

1. Um Sonho ; 2. Sobre a Correspondência de Admiradores ; 3. O Meu Pai ; 4. Insh’allah ; 5. Sobre a Emoção das Massas ; 6. Sobre a Barafunda da Política ; 7. O Beijo ; 8. Sobre a Vida Erótica ; 9. Sobre o Envelhecimento ; 10. Ideia para uma História ; 11. La France Moins Belle ; 12. Os Clássicos ; 13. Sobre a Vida da Escrita ; 14. Sobre a Língua Materna ; 15. Sobre Antjie Krog ; 16. Sobre Ser Fotografado ; 17. Sobre Ter Pensamentos ; 18. Sobre os Pássaros do Ar ; 19. Sobre a Compaixão ; 20. Sobre as Crianças ; 21. Sobre a Água e o Fogo ; 22. Sobre o Enfado
23. Sobre J.S. Bach ; 24. Sobre Dostoievski

Excerto:

O Estado coloca um escudo à volta da economia. Além disso, por enquanto, por falta de melhor meio, toma as decisões macroeconomicas quando precisam de ser tomadas e fá-las cumprir; mas isso é outra história para outro dia. Escudar a economia não é banditismo, Anya. Pode degenerar em banditismo, mas estruturalmente não é banditismo. O problema do teu Señor C é que não é capaz de pensar estruturalmente. Para onde quer que olhe, vê motivos pessoais em ação. Quer ver crueldade. Quer ver ganância e exploração. Para ele é tudo um jogo de moralidade, o bem contra o mal. O que ele não consegue ver ou se recusa a ver é que os indivíduos são jogadores numa estrutura que transcende os motivos individuais, que transcende o bem e o mal. Até os tipos de Camberra e das capitais dos Estados, que podem realmente ser bandidos a nível pessoal – nesse ponto estou disposto a dar a mão à palmatória -, que podem andar a traficar influências e a roubar massa à sorrelfa e a juntá-la para o seu futuro pessoal, até esses tipos trabalham dentro do sistema, quer se apercebam disso, quer não.

Dentro do mercado, digo eu.

Dentro do mercado, se quiseres. O que está para além do bem e do mal, como disse Nietzsche. Bons motivos ou maus motivos, no fim de contas são apenas motivos, vetores da matriz, que a longo prazo acabam por se nivelar. Mas o teu fulano não vê isso. Ele vem de outro mundo, doutra era. O mundo moderno está para além dele.

Fonte:
Citador

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Herman Hesse (O Lobo das Estepes)

Gênero: Romance
Título Original do Alemão: Der Steppenwolf

Profundamente auto-biográfica, esta obra revela todo o pensamento tortuosamente poético de Hesse. Numa síntese perfeita do seu misticismo oriental e da sua dimensão poética, Hesse constrói uma narrativa angustiada mas sentida, poética mas real, complexa mas terrivelmente bela.

Harry Haller é o rosto da tristeza, o Lobo das Estepes, melancólico, perdido na vida, na busca permanente de um sentido que o faça compreender a existência. Sem destino definido, sem explicações a dar a si mesmo para a impossibilidade de compreender o mundo, Harry é um ser errante, dilacerado pela dúvida, pela desesperada necessidade de compreensão da alma e da busca da sua libertação. Recusa o mundo sem forças nem coragem para dele se demarcar. Anti-burguês, tortura-se porque não consegue demarcar-se de uma vivência burguesa, como que encarcerado no ambiente que o rodeia.

No meio da tortura da vida, vai descobrindo que a dualidade do seu ser: o lobo que de vez em quando se torna burguês ou o ser emotivo que por vezes assume a racionalidade; o lobo ou o homem. Mas a sua angústia não se resolve com a constatação destes antagonismos; a pouco e pouco, no entanto, vai descobrindo que o ser humano não é duo mas múltiplo: ele não é a soma de dois “eus”, duas forças mais ou menos antagônicas que o ser humano por vezes parece ser. A sua personalidade é um campo de batalha entre muitas forças que por vezes se complementam outras se digladiam. Mas na maior parte das vezes estas faces do caleidoscópio revelam-se incompatíveis, causando angústia e desespero. Só enfrentando esta multiplicidade e assumindo estas múltiplas dimensões, o ser humano pode encontrar a felicidade. Tornar-se-á louco aos olhos do mundo; no entanto, feliz!

A necessidade de auto-conhecimento, de compreensão profunda do ser e do sentido da vida avassala Harry até ao dia em que, no limiar da salutar e redentora loucura, descobre a verdadeira raiz da felicidade: o humor. Compreende o que consegues compreender e ri-te de tudo o resto, poderia ser uma espécie de lição a retirar deste livro. Daí a referência recorrente a Mozart: o exemplo da loucura saudável, do gênio que ri daquilo que não compreende.

Esta descoberta faz com que o final da obra seja surpreendente. A angústia, o medo, o desespero dão lugar ao hilariante mundo da loucura, das mil e uma faces da alma.

Fonte:
Citador

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Trova XII

Montagem sobre pintura a óleo da Toucan Art

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André Masini (A Rocha e a Espuma)

ADEUS MEU PORTO, ADEUS

Se menos áspero este mundo fosse,
Do adeus a ti, menor a dor seria.
Se à frente te aguardassem só alegrias.
Se meu futuro parecesse doce.

Não choro nosso amor, pois acabou-se,
Nem qualquer esperança que haveria,
Mas cada noite ameaçadora e fria,
cada tormenta que’essa vida trouxe.

Qual caravelas rotas, desvalidas,
que pela proa têm medonho mar
lançando ao porto amarga despedida,

nos separamos. Ô, Desatracar!
Na lógica implacável desta vida,
também se morre de no porto estar.
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A CAMINHO DO VULCÃO EL REVENTADOR

I

Diante de mim se descortina o dia,
chegado no silêncio mais profundo.
Recordo, lá de baixo, os sons do mundo.
Absoluto contraste… Calmaria.

Tons violáceos se mesclam – tão bonito –
à névoa branca etérea – inconstante.
À distância vislumbro em breve instante
um rio, que serpenteia ao infinito.

De outros vulcões, os picos entre as nuvens.
Escarpas sóbrias, perfiladas linhas.
Beleza em que se mostra o próprio Deus.

Serenidade e paz imperturbáveis.
De humanas emoções, somente as minhas.
De humanos sentimentos, só os meus.

II

No breu da noite, avança a escalada,
à tênue luz, de pilhas – que se esvai,
que ao lado mostra líquens – sempre iguais,
e ao longe, o negro, impenetrável nada.

Visões do dia, que o cansaço traz:
– a lava: mar de rocha que soterra
a mata exuberante desta serra;
– a chuva; – a lama; – e escarpas abissais.

Porém, cá em cima, a terra é uniforme.
mundo de pedra e líquens, tão enorme…
que todo o mais que existe, eu quase esqueço.

A névoa então se abre e me revela,
como um buraco em meio ao céu de estrelas,
o imenso vulto negro… Estremeço!
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Sinopse do Livro
“Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa” é uma coletânea de poesias de autores clássicos da língua inglesa em edição bilíngüe, que traz poemas originais de autores clássicos – Poe, Yeats, Keats, Wordsworth, Dickinson, Henley – apresentados lado a lado, verso a verso, com sua tradução literal.

Os poemas são mostrados e explicados ao leitor brasileiro através de grande quantidade de notas, que elucidam não apenas os significados de palavras e estruturas sintáticas, mas também os elementos sonoros, rítmicos, e outros recursos poéticos.

Cada autor é apresentado por meio de uma pequena biografia. Através de todos esses elementos o tradutor e organizador revela o caminho que percorreu para chegar à sua tradução final em verso.

Este livro é indicado não apenas a estudantes e professores de língua inglesa e tradução, mas a todos que desejam ter a experiência de vivenciar a poesia em outro idioma.
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Fontes:
– Poesias e Capa do Livro: MASINI, André Carlos Salzano. Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa/ Poesias de André C.S. Masini. São Paulo: A.C.S. Masini, 2000.
– Sinopse do livro. Casa da Cultura.

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André Masini (1960)

André Carlos Salzano Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Estudou no I.E. Caetano de Campos e no Colégio Arquidiocesano. Aos 12 anos escreveu sua primeira história, “A invasão dos gatos pretos” (hoje perdida), que tinha como personagens os meninos e meninas de sua rua. Mas apesar de ter dedicado bastante tempo para concluir esse manuscrito de vários capítulos, ele não havia pensado no motivo que o levava a escrever nem no que pretendia fazer com a história.

A partir dos 15 anos passou a se interessar por biologia e ecologia. Tornou-se membro de um ativo grupo de estudos de história natural (o GHISNAT), que realizava freqüentes excursões à mata-atlântica. Acabou se acostumando com a Serra do Mar, onde acampava freqüentemente, muitas vezes em regiões remotas. Quando tinha 16 anos viveu nos EUA por cerca de um ano, aprendendo fluentemente a língua inglesa. Aos 17 anos, junto com outros membros do GHISNAT fundou o “Sobrevivência”, um jornal de ecologia, que só teve um número, com 4 páginas. Também aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, “O monte além do deserto”, que existe até hoje em manuscrito.

A escolha da faculdade foi difícil. Ele queria estudar “Ciências Naturais”, uma carreira excessivamente ampla, que há décadas já havia sido desmembrada. Teve então que optar por uma única ciência entre biologia, física, química, ecologia e geologia. Acabou escolhendo esta última. Ao fim do 2º ano de colégio, em 1978, passou no vestibular para Ciências da Terra na USP, mas não pôde se matricular por não ter o 3º ano completo. Passou novamente em 1979, e desta vez pôde cursar.

Durante a faculdade foi um dos membros da diretoria colegiada do centro acadêmico da Geologia. Na mesma época, começou a estudar filosofia por conta própria e a interessar-se por redação publicitária. Passou a fazer o exercício de analisar e reescrever alguns anúncios que via em revistas. Resolveu apresentar essas suas versões a agências de publicidade que, de modo geral não apreciaram muito a iniciativa. Mas uma delas gostou do trabalho e, mais tarde, acabou oferecendo-lhe um emprego como redator publicitário.

Ao se formar em geologia, trabalhou em mineração na Bahia e também um pouco em Goiás e Minas. A partir de 1985 passou a trabalhar como geólogo autônomo, participando de trabalhos em diversos estados, incluindo São Paulo, Minas, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Tocantins e Pernambuco, atividade que manteve depois, de forma intermitente, até início de 1994. Durante 1985 trabalhou também como redator publicitário, na Link Publicidade Ltda. No segundo semestre desse ano criou junto com um sócio a Craft Comunicações, um estúdio de criação publicitária, que sobreviveu apenas seis meses. No fim desse ano escreveu a primeira versão de HUMANOS, com o título de A CLASSE HUMANA.

Em 1986 foi contratado pela ELC Electroconsult – uma grande empresa italiana de engenharia, que operava em todo o mundo. A empresa precisava de um geólogo jovem, com prática de mapeamento, que aceitasse viver na selva, e que falasse fluentemente inglês e italiano. André foi para o Equador, onde trabalhou por um ano na cordilheira oriental dos Andes, no edifício vulcânico do Vulcão El Reventador, região de florestas e campos de lavas intocada pelo ser humano; um dos lugares mais chuvosos do mundo, um ambiente imaculado, com pontos que para serem atingidos necessitavam de quatro dias de caminhada. Muitas dessas incursões eram realizadas solitariamente ou com a companhia de um único “machetero”.

De volta ao Brasil, trabalhou em uma empresa de engenharia como geólogo, mas, com a escassez cada vez maior de trabalhos de geologia, foi pouco a pouco passando, na própria empresa, a trabalhar como analista de suporte, analista de sistemas e programador. Mas tarde tornou-se analista independente, prestando serviços desenvolvimento, implantação, treinamento e manutenção de sistemas para diversas empresas pequenas. Paralelamente realizou pequenos trabalhos autônomos como geólogo.

Em fins de 1993 foi morar na Austrália, mas as coisas por lá não correram como planejado, acabou voltando para o Brasil no ano seguinte.

A volta não planejada para o Brasil não foi fácil. André teve de se adaptar a trabalhar como programador C e Assembler, em uma empresa de processamento e armazenamento de imagens. Quando esse trabalho acabou, as coisas se tornaram ainda piores. Para ele, a área de sistemas de informação, com o domínio absoluto do Windows, tornava-se cada dia mais decepcionante: com a mudança do foco das atenções – que originalmente estava nas coisas que realmente importam, como a integridade dos dados e a otimização dos recursos – para frivolidades como telas coloridas ou outras distrações. A mudança do tipo de diálogo entre o analista e o cliente – que originalmente era técnico e sério – para uma encenação mistificadora, em que todos fazem pose, mas ninguém sabe exatamente do que está falando. Uma mudança que, para quem pretendia ser profissional de informática, e não ator canastrão, tornava as coisas bastante sombrias. Profissionalmente, foram anos difíceis.

Mas, em meio a isso tudo, André continuava a escrever. Começava a preparar a segunda versão de HUMANOS, escrevia poesias e contos, e trabalhava em uma obra sui generis uma mistura de ensaio estético-histórico-filosófico com manifesto poético. Ele também continuava a apresentar seus trabalhos a editoras e a colecionar as educadas cartas de recusa que recebia (isso quando as editoras sequer se dignavam a responder).

Em 1996, com a situação na informática cada vez mais sombria, decidiu estudar para o concurso para Auditor Fiscal do Tesouro Nacional (hoje Auditor Fiscal da Receita Federal) e acabou passando no concurso em junho desse ano. Enquanto esperava ser chamado, continuou a escrever obstinadamente: concluiu seu manifesto poético e a segunda versão de HUMANOS, e “editou” ambos em impressora a laser. O manifesto poético recebeu algumas duras críticas.

No fim de 1997 André tomou posse no cargo de AFRF, em Cascavel, no oeste do Paraná. Nessa nova situação, ele aos poucos foi sentindo que nunca seus trabalhos literários haviam estado tão longe dos leitores. Em 1999, ele caiu de cama com uma hepatite A que se agravou, ficou meses deitado sem forças. Mas essa situação o levou a refletir sobre sua vida e a finalmente entender que nenhuma editora, nem ninguém, iria sequer examinar o valor de seu trabalho se ele não fizesse algo. Assim, ao se recuperar da doença, decidiu que editaria ele próprio seus livros. Publicou Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa em 2000, e Humanos em 2002 (a terceira versão da obra). Dedica-se também, desde 2000 à coleta de material e estudos para um livro ainda inédito: uma abordagem filosófica ampla da transgressão e da punição. Além disso deu palestras em universidades sobre poesia, tradução e sobre Edgar Allan Poe e O Corvo. Humanos conquistou um bom espaço na imprensa de vários estados brasileiros, inclusive em programas de televisão de âmbito nacional, principalmente considerando-se o fato de ser uma edição do autor.

Em 2001 casou-se com Elizangela de Carli. Em 2002 nasceu sua primeira filha, Talita Luísa.

Em abril de 2003 passou a escrever uma coluna semanal (que saia às quartas feiras) no jornal O Paraná. Ocupou esse espaço com textos de gêneros diversos, como artigos sobre política e conjuntura internacional, crônicas, contos humorísticos, e artigos filosóficos sobre a época em que vivemos. Os artigos receberam uma resposta bastante positiva, tanto dos leitores locais, como de outros jornais, que solicitaram permissão para republicações, entre eles o Jornal da União Brasileira dos Escritores.

Em 2004, por problemas de saúde ligados ao excesso de atividade, André deixou de escrever sua coluna no jornal. Mas continua a trabalhar em sua obra filosófica sobre a transgressão e a punição.

A Casa da Cultura foi idealizado por ele em 2003, mas atualmente, participa dela com idéias gerais, e ocasionalmente redigindo algum texto. Toda a gerência executiva do site está a cargo de sua esposa Elizangela de Carli Masini.

Fonte:
Casa da Cultura.

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Geoffrey Chaucer (excertos de "Os Contos de Cantuária")

Excertos do Prólogo

Quando o chuvoso abril cortou feliz
A secura de março na raiz,
E banhou cada veia no licor
Que tem o dom de produzir a flor;
Quando Zéfiro com o alento doce
Para as copas e os campos também trouxe
Tenros brotos, e o sol de pouca idade
Do curso em Aries percorreu metade,
E a passarada faz o seu concerto,
E dorme a noite inteira de olho aberto
(Que a natureza acende o coração),
Então se vai em peregrinação,
E até nos mais inóspitos confins
Aos santuários chegam palmeirins;
Enquanto na Inglaterra toda gente
Visita Cantuária especialmente,
A fim de conhecer a sepultura
Do santo mártir que lhes trouxe cura.
Naquele tempo, um dia aconteceu
Que em Southwark, no Tabardo, achando-me eu
Pronto a seguir em peregrinação
A Cantuária, todo devoção,
Vieram essa noite à hospedaria
Bem vinte e nove numa companhia
De pessoas diversas que os destinos
Reuniram, por serem peregrinos
Buscando o mesmo fim de igual maneira.
Eram amplos os quartos e a cocheira,
E assim tivemos lá ótimo pouso.
E logo quando o sol buscou repouso,
Falara com cada um, se bem me lembro;
Assim, da comitiva fiquei membro,
E concordei em levantar-me cedo
Para partir, como a narrar procedo.
Potêm enquanto tenho tempo e espaço,
E antes que nesta história avance o passo,
Creio de bom alvitre e boa razão
De cada um descrever a condição,
Mostrando, em meu juízo pessoal,
O modo de posição de cada qual,
E também suas roupas e ativo:
E com um cavaleiro principio. (vv. 1-42)

O CAVALEIRO

Havia um Cavaleiro, um homem digno,
Que sempre, tendo as armas como signo,
Amou a lealdade e a cortesia,
A honra e a franqueza da cavalaria.
Nas guerras de seu amo lutou bem,
E mais distante não andou ninguém,
Entre os pagãos ou pela cristandade;
E sempre honrado por sua dignidade.
Já vira Alexandria prisioneira;
Muitas vezes tomara a cabeceira,
Precedendo às demais nações na Prússia;
A Lituânia visitara, e a Rússia,
Onde cristão tão nobre não se vira.
Em Granada, no cerco de Algecira,
Estivera também, e em Belmaria.
Passou depois por Ayas e Atalia
Quando Caíram, e no Grande Mar
Pôde altos desembarques presenciar
Travou lutas mortais, uma quinzena,
E pela fé bateu-se em Tramassena,
Em três justas, matando ao inimigo,
A este bravo levou então consigo
Certa vez o senhor de Palatia,
Contra um outro pagão lá na Turquia:
Louvores mereceu de todo lábio.
E, além de ser valente, ele era sábio,
Modesto qual donzela na atitude,
Pois jamais dirigiu palavra rude,
Em toda a vida, a estranho ou companheiro.
Era um gentil, perfeito cavaleiro.
Quanto à aparência, era isto que vos falo:
Simples no traje; bom o seu cavalo.
Via-se a grossa túnica manchada
Pela cota de malha enferrujada,
Pois voltava de mais uma missão,
Saindo logo em peregrinação. (vv. 43-78)

A PRIORESA

E estava lá uma freira, prioresa.
Sorria assim como a modéstia sói,
E, se jurava, era por Santo Elói
Essa dama chamava-se Eglantina.
Sempre cantava a prática divina
Com voz fanhosa tal como convém;
Falava ela francês bonito e bem,
Como em Stratford-at-Bow a gente o diz,
E não com o sotaque de Paris.
Sua conduta à mesa era educada;
Da boca não deixava cair nada,
Nem no molho afundava muito os dedos.
Da graça no comer tinha os segredos,
Sem uma gota respingar no peito.
O seu refinamento era perfeito.
Limpava tanto o lábio superior
Que a taça em que bebia o seu licor
Nenhum indício tinha de gordura;
Sabia ela servir-se com finura.
E era de ânimo alegre, certamente,
E se mostrava amável e contente;
As etiquetas copiava inteiras
Da corte, para ter boas maneiras
E de todos granjear a reverência.
Para falar, porém, de Sua consciência,
Tinha tanta piedade e fino trato,
Que até chorava quando via um rato
Morto na ratoeira, ou a sangrar
Os seus cãezinhos vinha alimentar
Com pão branquinho e leite e carne assada.
Mas, se um deles levasse bastonada,
Ou se morresse, ardia de aflição:
Era toda consciência e compaixão.
O véu pregueado lhe estava mal;.
Nariz reto; olhos cinza, de cristal;
Pequena a boca rúbida e macia;
Bela testa sem dúvida exibia,
Com quase um palmo de largura, eu acho;
Não era nada magra por debaixo
Das vestes, apropriadas por sinal.
Tinha ao braço um rosário de coral
Com as contas maiores esverdeadas,
E um medalhão de refrações douradas
Onde se lia, coroado, um A,
E depois: Amor vincit omnia. (vv. 118-162)

O MÉDICO

Conosco estava um MÉDICO também;
Em todo o mundo não existe alguém
Tão bom em medicina e cirurgia,
E alicerçado assim na astronomia.
Previa a hora propícia contra o mal
Pelo uso da magia natural.
Com firmeza traçava ele o ascendente
Dos amuletos para o seu paciente.
Via a causa de cada enfermidade
No frio, calor, secura ou umidade,
Onde nascia, e qual o seu humor;
Era um perfeito, um ótimo doutor.
Sabendo a fonte de onde o mal provinha,
Receitava ao enfermo sua mezinha,
Surgiam a seguir os boticários
Com suas drogas e remédios vários,
Pois a esta classe aquela classe obriga
Numa amizade já bastante antiga;
Seu Esculápio conhecia bem,
Rufus e Deiscórides também,
O velho Hipócrates, Ali, Galeno,
Serapião, Razis e Damasceno;
Avicena, Averróis e Constantino;
Bernardo e Gatesden e Gilbertino.
Tinha a dieta muito moderada,
Pois de supérfluo não comia nada,
Mas só alimento rico e digestivo.
Em ler a Bíblia parecia esquivo. É
De vermelho e de azul vinha vestido;
De seda e tafetá era o tecido
Gastava o seu dinheiro com cuidado,
Guardando o que na peste havia lucrado.
Como o ouro entre os cordiais tem mais valia,
Ao ouro mais que tudo ele queria. (vv. 411-444)

A MULHER DE BATH

Uma mulher de Bath havia em cena;
Mas era meio surda, o que era pena.
De bons tecidos era fabricante,
Chegando a superar Yprês e Gante.
Tirar-lhe alguém na igreja a precedência
No beijo da relíquia era imprudência,
Porque ela abandonava as boas maneiras
E perdia de vez as estribeiras.
Seus lenços, feitos das melhores fibras,
Por certo pesariam bem dez libras,
Que aos’ domingos na testa carregava.
Nas calças justas o escarlate usava,
E era novo e macio o seu calçado;
Rosto atrevido, belo e avermelhado.
Em sua vida digna. e benfazeja
Cinco vezes casara-se na igreja —
Fora os casos de sua juventude
(Falar disso, porém, seria rude).
Com três viagens a Jerusalém,
Atravessara rios mais que ninguém;
Em Roma tinha estado, e mais Boulogne;
Na Galícia, em Santiago, e então Colônia.
Vira assim muitas coisas diferentes.
Mostrava uma janela entre seus dentes.
Num cavalo equipado, usando um véu,
Cavalgava debaixo de um chapéu
Mais largo que um broquel ou que um escudo;
Sobre os amplos quadris, um sobretudo;
De esporas pontiagudas se servia.
Ria e tagarelava em companhia.
Dos remédios de amor tinha abundância,
Pois dessa arte sabia a velha dança. (vv.445-476)

A SUGESTÃO DO TABERNEIRO

“Senhores”, disse, “agora eis o melhor;
E fazer pouco caso ninguém deve.
Este o ponto – serei rápido e breve:
Que cada um, já que a estrada é tão comprida,
Conte dois contos na viagem de ida
A Cantuária, e que, também depois,
Na volta, cada qual conte mais dois,
Sobre casos antigos do passado;
E aquele que melhor tiver contado,
Ou seja, quem narrar, na circunstância,
Os contos de mais graça e mais substância,
Vai ganhar de nós todos um jantar,
Sentado mesmo aqui neste lugar,
Quando acabar-se a peregrinação.
E, para que haja mais animação,
Eu com prazer me agrego à companhia,
Às minhas próprias custas, como guia.
E quem contradisser meu julgamento
Das despesas fará o pagamento.
Se com isso vós todos concordais,
Dizei-me logo,, não se fala mais,
E eu vou me preparar para a partida.” (vv. 788-809)
=======================================

Existem ainda em Os Contos de Cantuária:

O conto do Moleiro
O conto do Feitor
O conto do Cozinheiro
O conto do Magistrado
O conto do Homem-do-mar
O conto de Chaucer sobre Sir Topázio
O conto de Chaucer sobre Melibeu
O conto do Monge
O conto do Padre da Freira
O conto do Frade
O conto do Beleguim
O conto do Estudante
O conto do Mercador
O conto do Escudeiro
O conto do Proprietário de Terras
O conto do Vendedor de Indulgências
O conto da Outra Freira
O conto do Criado do Cônego
O conto do Provedor
O conto do Pároco
=============================
Fonte:
VIZIOLI, Paulo. A Literatura Inglesa Medieval. São Paulo: Nova Alexandria, 1992. Edição bilíngüe

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Geoffrey Chaucer (c. 1340 – c. 1400)

Geoffrey Chaucer nasceu em Londres por volta de 1340. Foi pajem da Condessa de Ulster e depois de algum tempo combateu na França, onde caiu prisioneiro em 1359. Foi resgatado pelo rei Eduardo III, por uma quantia inferior à que o monarca pouco antes pagara por um cavalo. De volta à Inglaterra, casou-se e passou a servir na corte. O novo ambiente e as viagens que, de 1370 a 1378, fez à França aumentaram o seu interesse pela literatura desse país. Também entrou em contato com a literatura da Itália, península que visitou duas vezes (em 1372 e 1378) no cumprimento de missões diplomáticas. O poeta faleceu, ao que parece, em 1400.

A obra de Chaucer é geralmente dividida em três períodos: o francês, o italiano e o inglês. No primeiro, que se inicia com a tradução do Roman de la rose, ele imitou os modelos da poesia palaciana francesa. As melhores obras dessa fase foram The boke of the duchesse (O livro da duquesa) e The parlement of foules (O parlamento das aves). No período seguinte (1370-1384) Chaucer introduz temas e técnicas inspiradas principalmente por Dante e Boccaccio. A influência de Dante esta presente em alguns ecos no esquema rítmico dos decassílabos e na elaboração de The house of fame (A casa da fama) em forma de sonho. Por outro lado, o poeta inglês encontrou em Il Filostrato e na Teseida de Boccaccio os argumentos para TroyIus and Cryseide, uma de suas maiores obras, e para o poema que depois figuraria nos Contos de Cantuária como “O conto do cavaleiro”. Na mesma fonte (e em Ovídio) colheu o material para a coletânea incompleta de histórias trágicas em tomo de mulheres famosas do passado, The legende of good women. Finalmente, ao último período (1384-1400) pertence a sua obra, máxima, The Canterbury Tales (Os contos de Cantuária), onde o seu gênio se revela livre e plenamente.

Na verdade, Os contos de Cantuária constituem uma gigantesca pintura da sociedade da época e, pela variedade dos gêneros em que se enquadram os diferentes contos, apresenta um panorama completo da literatura medieval. Mais que tudo isso, porém, é uma análise profunda da natureza humana, realizada com humor e simpatia.

O plano geral da obra é simples. Vários peregrinos, que pretendem visitar o túmulo de Santo Tomás Becket em Cantuária, reúnem-se por acaso na taverna do Tabardo, ao sul de Londres, e, por segurança, resolvem cavalgar juntos. Para que a viagem transcorra mais agradavelmente, o taberneiro sugere que cada um conte duas histórias na ida e duas na volta, prometendo um belo jantar ao melhor narrador. Como os peregrinos (com Chaucer) eram trinta, o livro deveria perfazer 120 histórias; mas o poeta não chegou a escrever três dezenas. Os contos são precedidos por um “Prólogo”, onde se faz a apresentação das personagens. Nessa galeria de retratos há representantes da baixa aristocracia (o Cavaleiro e seu filho Escudeiro), do clero (a Prioresa, o Monge, o Frade, a Freira, o Secretário da Freira, o Oficial de Justiça Eclesiástica, o Pároco pobre, o Estudante de Oxford e o Vendedor de Indulgências), da burguesia (o Mercador, o Médico, o Advogado, a Fabricante de Tecidos — conhecida como a Mulher de Bath — e o Proprietário de Tentas) e das classes inferiores (como o Moleiro, o Feitor, o Provedor, o Carpinteiro, o Tapeceiro, o Marujo, o Cozinheiro, o Camponês e vários outros). Ao descrever cada tipo, Chaucer demonstra os mais variados sentimentos, desde a admiração pelo Cavaleiro e o afeto pelo Pároco pobre até a crítica sutilmente irônica à Prioresa e a mal disfarçada reprovação pelo Vendedor de Indulgências. Mas a nenhum deles permanece indiferente, procurando retratá-los não com a parcialidade do moralista rigoroso, mas com a objetividade do observador perspicaz e tolerante, que ama a vida e compreende a natureza humana.

A grandeza do autor se torna ainda mais evidente quando notamos que cada narrador conta uma história quase sempre de acordo com sua profissão, seu nível cultural e seu temperamento. Assim, o “Conto do Cavaleiro” é, muito apropriadamente, um romance em estilo nobre e trabalhado; os contos do “Moleiro” e do “Feitor”, indivíduos grosseiros das camadas inferiores, são fablieaux obscenos; o “ Conto do Vendedor de Indulgências” é, ironicamente, um exemplum moralista; o “Conto do Pároco” não passa de longo sermão sobre os sete pecados capitais; e assim por diante.

Bibliografia:

Há duas edições muito boas das obras completas de Chaucer. Uma delas é a de W.W. Skeat, The complete works of Geoffiey Chaucer (Oxford, 1594-97), em sete volumes; e a outra, em apenas um volume, é a de F.N. Robinson (ed. revista, Boston1 1957), também intitulada The complete works of Ceoffiey Chaucer. Quanto as traduções modernas de The Canterbury Tales, recomendamos a de Nevill Coghíll (Penguin, 1951).

Traduções de Chaucer para o português também podem ser encontradas: Olívio Caeiro, G. Chaucer: Os contos de Cantuária (“Prólogo Geral”, “0 conto do Cavaleiro” e “O conto da Mulher de Bath”), Lisboa: Brasília Editora, 1980; e Paulo Vizioli, G. Chaucer: Os contos de Cantuária (tradução integral em prosa), São Paulo: T.A. Queiroz, 1988 (1ª reimpressão, 1991).

Fonte:
VIZIOLI, Paulo. A Literatura Inglesa Medieval. São Paulo: Nova Alexandria, 1992. Edição bilíngüe

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Ryunosuke Akutagawa (Rashômon)

Era o entardecer. Um servo de baixa condição esperava, sob o Rashômon, que a chuva passasse.
Sob o grande portal não havia mais ninguém. Somente um grilo pousado na enorme coluna circular, que tinha partes descascadas em seu vermelho laqueado. Uma vez que o Rashômon se situava na Avenida Suzaku, era de esperar que houvesse mais pessoas, com seus chapéus cônicos ou alongados, abrigando-se da chuva. Entretanto, além deste homem não havia mais ninguém.

Isso porque, nos últimos dois ou três anos, Kyôto sofrera seguidas calamidades, como terremotos, redemoinhos, incêndios e fome. Assim, era enorme a desolação da capital. Rezam as antigas crônicas que naquele tempo se destruiam estátuas de Buda e objetos de culto budista, que eram empilhados na beira da estrada para se vender como lenha a madeira ainda laqueada ou folheada a ouro e prata. Se até a capital se encontrava nessas condições, da conservação do Rashômon, então, nem sequer se cogitava. Assim, tirando partido do abandono em que este se encontrava , raposas e texugos começaram a se abrigar no portal. E também ladrões. Até que, passado um tempo, vieram também a depor no Rashômon cadáveres não identificados. Ao cair da noite, tal era o pavor que ninguém mais ousava se aproximar.

Corvos começaram então a se juntar em bandos, vindos não se sabia de onde. Durante o dia, inumeráveis, eles descreviam círculos e grasnavam ao redor da alta cumeeria. No crepúsculo, quando o sol se avermelhava sobre o portal, facilmente podiam ser divisados, como grãos de gergelim dispersos no ar. Vinham, obviamente, alimentar-se da carne dos mortos abandonados na galeria… se bem que, naquele dia, não se avistasse nenhum deles, talvez devido ao adiantado da hora. Mas podia-se notar seus excrementos pontilhados de branco sobre os degraus de pedra quase em ruínas, em cujas fendas crescia capim. Acocorado no último dos sete degraus, sobre o pano surrado de sua vestimenta azul-escura, o servo olhava a chuva distraído, sentindo-se incomodado com a enorme espinha que lhe aparecera na face direita.

Escreveu o autor anteriormente: “Um servo de baixa condição esperava a chuva passar”. Mas, mesmo que a chuva passasse, o servo não teria, na verdade, nada a fazer. Normalmente, é claro, deveria retornar à casa de seu senhor. Acontece que fora dispensado havia quatro ou cinco dias. Como também se escreveu antes, a cidade de Kyôto, por essa época, se encontrava em acentuado estado de decadência. E o fato de ter sido dispensado pelo senhor, a quem servia durante longos anos, não passava de uma pequena conseqüência dessa decadência geral. Seria, portanto, mais adequado dizer “um servo de baixa condição, preso pela chuva, estava desnorteado, sem saber para onde ir” do que “um servo de baixa condição esperava a chuva passar”. Além do mais, o tempo chuvoso contribuía sensivelmente para a disposição de espírito desse homem da era Heian. A chuva que começara a cair depois das quatro horas da tarde parecia que não ia mais parar. Assim, havia algum tempo, o servo ouvia, com ar ausente, o barulho da chuva que caía na Avenida Suzaku ruminando pensamentos desconexos, procurando resolver, antes de mais nada, a questão de sua sobrevivência, questão que ele sabia ser insolúvel.

A chuva, envolvendo o portal, trazia a massa do som até das gotas mais longínquas. A escuridão aos poucos fazia abaixar o céu; quem levantasse os olhos veria o telhado do Rashômon, que se projetava em diagonal, sustentando nuvens pesadas e sombrias.

Quando se tenta resolver uma questão insolúvel, não há tempo para escolher os meios. Se demorasse muito na escolha, o servo certamente terminaria morrendo de fome ao pé de um muro de barro ou à beira de uma estrada. E certamente seria trazido até o portal e abandonado como um cão. “Se não escolher…” Seu pensamento, depois de muitos rodeios, finalmente empacou neste ponto. Entretanto, este “se” continuava sendo, afinal de contas, o mesmo “se”. Mesmo admitindo não haver escolha de meios, ele não tinha coragem suficiente para aceitar de forma positiva a resposta inevitável à questão: “A única saída é tornar-me ladrão”.

Depois de um forte espirro, o servo se ergueu preguiçosamente. Em Kyôto, onde as tardes são frias, a temperatura baixara a ponto de fazê-lo desejar um braseiro. Na escuridão, o vento soprava implacável por entre as colunas do portal. Até o grilo pousado na coluna laqueada de vermelho já havia desaparecido.

Encolhendo-se todo e erguendo a gola da vestimenta azul-escura que envergava sobre a roupa amarela, correu os olhos em volta do portal. Procurava um lugar onde pudesse passar a noite tranqüilo, longe de olhares estranhos e ao abrigo do vento e da chuva. Então, por sorte, descobriu uma escada larga, também laqueada de vermelho, que conduzia a uma galeria sobre o Rashômon. Lá em cima, o máximo que ele poderia encontrar seriam cadáveres. O servo, assim, cuidando para que a espada presa à sua cintura não se soltasse da bainha, pousou no primeiro degrau o pé calçado de sandália de palha.

Subiu então, daí a alguns minutos, a meia altura da ampla escada que conduzia à galeria do Rashômon. Um homem, o corpo encolhido como um gato, sustendo a respiração, espreitava o que se passava ali em cima. A luz que vinha da galeria tocava levemente sua face direita. Era uma face com uma espinha vermelha e purulenta em meio a uma barba rala. O servo, desde o início, tinha a certeza de que ali no alto só haveria cadáveres. Todavia, depois de subir dois ou três degraus, pareceu-lhe notar alguém que se movimentava. Logo isto se confirmou, pois uma claridade turva e amarelada se refletia, oscilante, nos vãos do teto cobertos de teias de aranha. Não podia tratar-se de uma pessoa comum quem, numa noite de chuva como aquela, portasse um luzeiro no interior daquela galeria do Rashômon.
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Rashômon: Portal de entrada sul da antiga capital imperial, Kyoto.
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Fonte:
Instituto de Letras da UFRGS

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Trova XI

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29 de maio de 2009 · 22:20

T. S. Eliot (Cristais Poéticos)

CANÇÂO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK

S’io credesse che mia risposta fosse
A persona che mai tornasse al mondo,
Questa fiamma staria senza piu scosse.
Ma perciocche giammai di questo fondo
Non torno vivo alcun, s’i’odo il vero,
Senza tema d’infamia ti rispondo.
Dante Alighieri. Ladivina Commédia
Inferno, XXVII, 61-66 (N. do T.)

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão . . .
Oh, não perguntes: “Qual?”
Sigamos a cumprir nossa visita.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.

A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas,
A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega
E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo,
Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta,
Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés,
Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou,
E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,
Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

E na verdade tempo haver á
Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas espáduas na vidraça;
Tempo haverá, tempo haverá
Para moldar um rosto com que enfrentar
Os rostos que encontrares;
Tempo para matar e criar,
E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e tempo para mim,
E tempo ainda para uma centena de indecisões,
E uma centena de visões e revisões,
Antes do chá com torradas.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.
E na verdade tempo haverá
Para dar rédeas à imaginação. “Ousarei” E . . “Ousarei?”
Tempo para voltar e descer os degraus,
Com uma calva entreaberta em meus cabelos
(Dirão eles: “Como andam ralos seus cabelos!”)
– Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o
queixo,
Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete
apruma
(Dirão eles: “Mas como estão finos seus braços e pernas! “)
– Ousarei
Perturbar o universo?
Em um minuto apenas há tempo
Para decisões e revisões que um minuto revoga.

Pois já conheci a todos, a todos conheci
– Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
Medi minha vida em colherinhas de café;
Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono
Sob a música de um quarto longínquo.
Como então me atreveria?

E já conheci os olhos, a todos conheci
– Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase;
Mas se a fórmulas me confino, gingando sobre um alfinete,
Ou se alfinetado me sinto a colear rente à parede,
Como então começaria eu a cuspir
Todo o bagaço de meus dias e caminhos?
E como iria atrever-me?

E já conheci também os braços, a todos conheci
– Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados
(Mas à luz de uma lâmpada, lânguidos se quedam
Com sua leve penugem castanha!)
Será o perfume de um vestido
Que me faz divagar tanto?
Braços que sobre a mesa repousam, ou num xale se enredam.
E ainda assim me atreveria?
E como o iniciaria?
…….

Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas
E vi a fumaça a desprender-se dos cachimbos
De homens solitários em mangas de camisa, à janela
debruçados?

Eu teria sido um par de espedaçadas garras
A esgueirar-me pelo fundo de silentes mares.
…….

E a tarde e o crepúsculo tão .docemente adormecem!
Por longos dedos acariciados,
Entorpecidos . . . exangues . . . ou a fingir-se de enfermos,
Lá no fundo estirados, aqui, ao nosso lado.
Após o chá, os biscoitos, os sorvetes,
Teria eu forças para enervar o instante e induzi-lo à sua crise?
Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado,
Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada)
servida numa travessa,
Não sou profeta – mas isso pouco importa;
Percebi quando titubeou minha grandeza,
E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu
sobretudo.
Enfim, tive medo.

E valeria a pena, afinal,
Após as chávenas, a geléia, o chá,
Entre porcelanas e algumas palavras que disseste,
Teria valido a pena
Cortar o assunto com um sorriso,
Comprimir todo o universo numa bola
E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação,
Dizer: “Sou Lázaro, venho de entre os mortos,
Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei.”
– Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro,
Dissesse: “Não é absolutamente isso o que quis dizer
Não é nada disso, em absoluto.”

E valeria a pena, afinal,
Teria valido a pena,
Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas, as chávenas de chá, após
O arrastar das saias no assoalho
– Tudo isso, e tanto mais ainda? –
Impossível exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos em retalhos . . .
Teria valido a pena,
Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às
pressas,
E ao voltar em direção à janela, dissesse:
“Não é absolutamente isso,
Não é isso o que quis dizer, em absoluto.”

Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo.
Sou um lorde assistente, o que tudo fará
Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,
Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil
manuseio,
Respeitoso, contente de ser útil,
Político, prudente e meticuloso;
Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;
As vezes, de fato, quase ridículo
Quase o Idiota, às vezes.

Envelheci . . . envelheci . . .
Andarei com os fundilhos das calças amarrotados.

Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um
pêssego?
Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei.
Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.

Não creio que um dia elas cantem para mim.

Vi-as cavalgando rumo ao largo,
A pentear as brancas crinas das ondas que refluem
Quando o vento um claro-escuro abre nas águas.

Tardamos nas câmaras do mar
Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas
Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.
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GERONTION’s

Thou hast nor youth nor age, But, as it were,
an after dinner’s sleep, Dreaming on both.
(William Shakespeare, Measure for Measure,
“Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar
adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.”)

Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.

Tomaram-se os signos por prodígios: “Queremos um signo!”
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio cqrrupto, cornisolo e castanha, noz das
faias-da-judéia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.

Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.

O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?

Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.
==================================

OS HOMENS OCOS

“A penny for the Old Guy”
(Um pêni para o Velho Guy)

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam – se o fazem – não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.

II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

– Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular

III

Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.

IV

Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.

V

Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada

Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
———————-

(tradução dos poemas de Ivan Junqueira)
———————-
Fonte:
O Poema

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T. S. Eliot (A Função Social Da Poesia)

É de tal modo provável que o título deste ensaio sugira coisas diferentes a diferentes pessoas que posso desculpar-me por explicar de início o que ele não significa, antes de tentar esclarecer o que significa. Quando aludimos à “função” de qualquer coisa, provavelmente estamos pensando naquilo que essa coisa deve produzir em vez daquilo que ela produz ou haja produzido. Trata-se de uma importante distinção, pois não pretendo falar sobre aquilo que julgo que a poesia deva produzir. Pessoas que nos disseram o que a poesia deve produzir, sobretudo se são poetas, têm habitualmente em mira a espécie particular de poesia que gostariam de escrever. É sempre possível, naturalmente, que a poesia possa desempenhar no futuro um papel distinto daquele desempenhado no passado: mas, ainda assim, vale a pena decidir primeiro qual a função por ela exercida no passado, seja numa ou noutra época, seja nesse ou naquele idioma, e de um ponto de vista universal. Poderia escrever facilmente sobre o que eu próprio faço com a poesia, ou o que gostaria de fazer, e então tentar persuadir alguém de que isso é exatamente o que todos os bons poetas têm tentado fazer, ou devem ter feito, no passado — só que não o lograram de todo, embora talvez não por sua culpa. Mas me parece provável que se a poesia — e refiro-me a toda grande poesia — não exerceu nenhuma função social no passado, não é provável que venha a fazê-lo no futuro.

Quando digo toda grande poesia, pretendo abster-me de outro meio através do qual possa ocupar-me do assunto. Alguém poderia estudar as diversas espécies de poesia, uma após outra, e discutir a função social de cada uma delas sucessivamente sem tangenciar a questão geral de qual é a função da poesia como poesia. Desejo distinguir entre as funções gerais e particulares, de modo que saibamos do que estamos falando. A poesia pode ter um deliberado e consciente propósito social. Em suas mais primitivas formas, esse propósito é amiúde absolutamente claro. Há, por exemplo, antigas runas e cantos, alguns dos quais revelam propósitos mágicos verdadeiramente práticos, destinados a esconjurar o mau-olhado, a curar certas doenças ou a obter as boas graças de algum demônio. A poesia era utilizada primitivamente em rituais religiosos e, quando entoamos um hino, estamos ainda utilizando-a com um determinado propósito social. As primitivas formas do gênero épico e a saga podem ter transmitido aquilo que sustentamos como história antes de se tornar apenas uma diversão comunitária, e antes do uso da linguagem escrita, uma forma de verso regular deve ter sido extremamente proveitosa à memória — e a memória dos primitivos bardos, dos contadores de histórias e dos sábios deve ter sido prodigiosa. Nas sociedades mais evoluídas, tal como a da Grécia antiga, as funções sociais reconhecidas da poesia são também bastante conspícuas. O drama grego se desenvolve a partir dos ritos religiosos, e permanece como cerimônia pública formal associada às tradicionais celebrações religiosas; a ode pindárica se desenvolve em relação com uma determinada ocasião social. Certamente, tais usos definidos da poesia deram a ela uma estrutura que tornou possível alcançar a perfeição em gêneros particulares.

Algumas dessas formas persistem na poesia mais recente, como é o caso dos hinos religiosos a que me referi. O significado da expressão didática, para poesia, passou por algumas transformações. Didático pode significar “transmissão de informação”, ou significar “administração de instrução moral’’, ou pode equivaler a algo que abrange ambas as coisas. As Geórgicas de Virgílio, por exemplo, são poesia belíssima e contêm considerável dose de informação sobre a boa agricultura. Mas pareceria impossível, nos dias de hoje, uma obra atualizada sobre a agricultura que pudesse também ser poesia refinada: de um lado, o próprio assunto tornou-se muito mais complexo e científico; de outro, pode ser mais facilmente desenvolvido em prosa. Nem poderíamos, como o fizeram os romanos, escrever tratados astronômicos e cosmológicos em verso. O poema, cujo objetivo ostensivo é transmitir informações, foi suplantado pela prosa. A poesia didática tornou-se aos poucos restrita à poesia de exortação moral, ou poesia que pretende persuadir o leitor a aceitar o ponto de vista do autor sobre alguma coisa. Por conseguinte, ela inclui em boa parte aquilo que se pode chamar de sátira, embora esta se confunda com o burlesco e a paródia, cujo propósito é, fundamentalmente, causar hilariedade. Alguns dos poemas de Dryden, no século XVII, são sátiras na medida em que têm em mira ridicularizar os objetos contra os quais apontam, e são também didáticos quando objetivam persuadir o leitor a aceitar determinado ponto de vista político ou religioso; e, ao cumprir esse desígnio, eles se utilizam do método alegórico, que apresenta a realidade como ficção: The hind and the panther, que se propõe a persuadir o leitor de que a razão estava do lado da Igreja de Roma, contra a Igreja da Inglaterra, é seu mais notável poema desse gênero. No século XIX, boa parte da poesia de Shelley inspirou-se num entusiasmo pelas reformas políticas e sociais.

Quanto à poesia dramática, que hoje tem uma função social peculiar, pois enquanto a maior parte da poesia atual é escrita para ser lida em solidão, ou em voz alta em pequenos grupos, o verso dramático tem em si a função de provocar uma impressão imediata e coletiva sobre um amplo número de pessoas reunidas para assistir a um episódio imaginário encenado num palco. A poesia dramática é diferente de qualquer outra, mas, como suas leis específicas são as do drama, sua função em geral se funde à do drama, e não me refiro aqui à função social específica do drama.

No que se refere à função particular da poesia filosófica, implicaria esta uma análise e uma explicação de certa amplitude. Penso que já mencionei bastantes gêneros de poesia para deixar claro que a função específica de cada um deles se relaciona com alguma outra função: a poesia dramática, com o drama; a poesia didática informativa, com a função de seu assunto; a poesia didática filosófica, ou religiosa, ou política, ou moral, com a função de tais temáticas. Podemos considerar a função de quaisquer desses gêneros poéticos e, ainda assim, deixar intocado o problema da função da poesia, pois todas essas coisas podem ser abordadas na prosa.

Mas, antes de prosseguir, quero descartar uma objeção que pode ser levantada. As pessoas suspeitam às vezes de qualquer poesia com um propósito particular, isto é, a poesia em que o poeta defende conceitos sociais, morais, políticos ou religiosos, assim como outras pessoas julgam amiúde que determinada poesia seja autêntica só porque exprime um ponto de vista que lhes apraz. Eu gostaria de dizer que a questão relativa ao fato de o poeta estar utilizando sua poesia para defender ou atacar determinada atitude social não interessa. O mau verso pode obter fama temporária quando o poeta reflete uma atitude popular do momento; mas a verdadeira poesia sobrevive não apenas à mudança da opinião pública como também a completa extinção do interesse pelas questões com as quais o poeta esteve apaixonadamente envolvido. Os poemas de Lucrécio não perderam sua grandeza, embora suas noções de física e de astronomia hajam caído em descrédito; os de Dryden também, embora as controvérsias do século XVII há muito já não nos digam mais respeito; da mesma forma, um grande poema do passado ainda nos agrada, mesmo que seu assunto seja um daqueles que deveríamos hoje abordar em prosa.

Mas se estamos à procura da função social essencial da poesia, precisamos olhar primeiro para suas funções mais óbvias, aquelas que precisam ser cumpridas, se é que algum poema o faz. O principal, suponho, é que possamos nos assegurar de que essa poesia nos dê prazer. Se alguém perguntar qual o gênero de prazer, só poderei responder: o gênero de prazer que a poesia proporciona; simplesmente porque qualquer outra resposta nos levaria a nos perdermos em divagações estéticas e na questão geral na natureza da arte.

Suponho que se deva concordar com o fato de que qualquer poeta, haja sido ele grande ou não, tem algo a nos proporcionar além do prazer, pois se for apenas isso, o próprio prazer pode não ser da mais alta espécie. Para além de qualquer intenção específica que a poesia possa ter, tal como foi por mim exemplificado nas várias espécies de poesia, há sempre comunicação de alguma nova experiência, ou uma nova compreensão do familiar, ou a expressão de algo que experimentamos e para o que não temos palavras — o que amplia nossa consciência ou apura nossa sensibilidade. Mas não é com esse beneficio individual extraído à poesia, nem tampouco com a qualidade do prazer individual, que este ensaio se relaciona. Todos compreendemos, creio eu, tanto a espécie de prazer que a poesia pode proporcionar, quanto a diferença que, para além do prazer, ela pode oferecer às nossas vidas. Caso não se obtenham esses dois resultados, simplesmente não há poesia. Podemos reconhecer isso, mas ao mesmo tempo fazer vista grossa para algo que isso faz por nós coletivamente, enquanto sociedade. E falo no mais amplo sentido, pois creio ser importante que cada povo deva ter sua própria poesia, não apenas por causa daqueles que gostam de poesia — tal pessoa poderia sempre aprender outras línguas e apreciar a poesia delas —, mas também porque isso estabelece de fato uma diferença para a sociedade como um todo, ou seja, para pessoas que não gostam de poesia. Incluo até mesmo aqueles que ignoram os nomes de seus próprios poetas nacionais. Eis o verdadeiro assunto deste ensaio.

Observa-se que a poesia difere de qualquer outra arte por ter um valor para o povo da mesma raça e língua do poeta, que não pode ter para nenhum outro. É verdade que até a música e a pintura têm um caráter local e racial; mas decerto as dificuldades de apreciação dessas artes, para um estrangeiro, são muito menores. É verdade, por outro lado, que os textos em prosa têm um significado em suas próprias línguas que se perde na tradução; mas todos sentimos que perdemos muito menos ao lermos uma novela traduzida do que um poema vertido de outro idioma; e na tradução de alguns gêneros de obra científica a perda pode ser virtualmente nula. O fato de que a poesia é muito mais local do que a prosa pode ser comprovado na história das línguas européias. Ao longo de toda a Idade Média e no curso dos cinco séculos seguintes, o latim permaneceu como a língua da filosofia, da teologia e da ciência. O impulso concernente ao uso literário das linguagens dos povos começa com a poesia. E isso parece absolutamente natural quando percebemos que a poesia tem a ver fundamentalmente com a expressão do sentimento e da emoção; e esse sentimento e emoção são particulares, ao passo que o pensamento é geral. É mais fácil pensar do que sentir numa língua estrangeira. Por isso, nenhuma arte é mais visceralmente nacional do que a poesia. Um povo pode ter sua língua trasladada para longe de si, abolida, e uma outra língua imposta nas escolas; mas a menos que alguém ensine esse povo a sentir numa nova língua, ninguém conseguirá erradicar o idioma antigo, e ele reaparecerá na poesia, que é o veículo do sentimento. Eu disse precisamente “sentir numa nova língua”, e pretendi dizer algo mais do que apenas “expressar seus sentimentos numa nova língua”. Um pensamento expresso numa língua diversa pode ser praticamente o mesmo pensamento, mas um sentimento ou uma emoção expressos numa língua diferente não são o mesmo sentimento nem a mesma emoção. Uma das razões para que aprendamos bem pelo menos uma língua estrangeira é que isso nos permite adquirir uma espécie de personalidade suplementar; uma das razões para não adquirirmos uma nova língua em lugar de nossa própria é que a maioria de nós não deseja tornar-se uma pessoa diferente. Uma língua superior raramente pode ser exterminada, a menos que se extermine o povo que a fala. Quando uma língua suplanta outra, isso acontece habitualmente porque essa língua tem vantagens que a recomendam — e que oferecem não uma mera diferença, mas um espectro mais amplo e refinado, não só para o pensamento, mas também para sentir — preferencialmente à língua mais primitiva.

A emoção e o sentimento são, portanto, melhor expressos na língua comum do povo, isto é, na língua comum a todas as classes: a estrutura, o ritmo, o som, o modo de falar de uma língua expressam a personalidade do povo que a utiliza. Quando afirmo que a poesia, mais do que a prosa, diga respeito à expressão da emoção e do sentimento, não pretendo dizer que a poesia necessite estar desprovida de conteúdo intelectual ou significado, ou que a grande poesia não contenha mais esse significado do que a poesia menor. Mas para levar adiante essa investigação eu teria que me afastar de meu propósito imediato. Admitirei como aceito o fato de que as pessoas encontram a expressão mais consciente de seus sentimentos mais profundos antes na poesia de sua própria língua do que em qualquer outra arte ou na poesia escrita em outros idiomas. Isso não significa, é claro, que a verdadeira poesia esteja restrita a sentimentos que cada um possa identificar e compreender; não devemos restringir poesia à poesia popular. Basta que, num povo homogêneo, os sentimentos dos mais refinados e complexos tenham algo em comum com os dos mais simples e grosseiros, algo que eles não tem em comum com as pessoas de seu próprio nível ao falar outra língua. E, quando se trata de uma civilização sadia, o grande poeta terá algo a dizer a seu compatriota em qualquer nível de educação.

Podemos dizer que a tarefa do poeta, como poeta, é apenas indireta com relação ao seu povo: sua tarefa direta é com sua língua, primeiro para preservá-la, segundo para distendê-la e aperfeiçoá-la. Ao exprimir o que outras pessoas sentem, também ele está modificando seu sentimento ao torná-lo mais consciente; ele está tornando as pessoas mais conscientes daquilo que já sentem, e por conseguinte, ensinando-lhes algo mais sobre si próprias. Mas o poeta não é apenas uma pessoa mais consciente do que as outras; é também individualmente distinto de outra pessoa, assim como de outros poetas, e pode fazer com que seus leitores partilhem conscientemente de novos sentimentos que ainda não haviam experimentado. Essa é a diferença entre o escritor que é apenas excêntrico ou louco e o autêntico poeta. Aquele primeiro pode ter sentimentos que são únicos, mas que não podem ser partilhados, e que por isso são inúteis; o último descobre novas variantes da sensibilidade das quais os outros podem se apropriar. E, ao expressá-las, desenvolve e enriquece a língua que fala.

Já disse absolutamente o bastante sobre as impalpáveis diferenças de sentimento entre um povo e outro, diferenças que se afirmam e se desenvolvem através de suas diferentes línguas. Mas as pessoas não sentem o mundo apenas diferentemente em diferentes lugares; elas o sentem distintamente em tempos distintos. Na verdade, nossa sensibilidade está constantemente se transformando, assim como o mundo que nos rodeia se transforma; o que sentimos não é o mesmo que sente o chinês ou o hindu, mas também não é o mesmo que sentiam nossos ancestrais vários séculos atrás. Não é o mesmo que nossos pais; e, finalmente, nós próprios já somos totalmente diferentes do que éramos há um ano. Isso é óbvio; mas o que não é tão óbvio é que esta constitui a razão pela qual não podemos nos dar o luxo de pararmos de escrever poesia. As pessoas mais educadas têm um certo orgulho dos grandes autores de sua língua, ainda que nunca os tenham lido, da mesma forma como se orgulham de qualquer outra qualidade que distinga seu país: alguns autores tornam-se amiúde celebrados o bastante para serem citados ocasionalmente em discursos políticos. Mas a maioria das pessoas não percebe que isso não é o bastante; que a menos que se continue a produzir grandes autores, e particularmente grandes poetas, sua língua apodrecerá, sua cultura se deteriorará e talvez venha a ser absorvida por outra mais poderosa.

Uma coisa é absolutamente certa: se não dispusermos de uma literatura viva, nos tornaremos cada vez mais alienados da literatura do passado; a menos que mantenhamos continuidade, nossa literatura do passado tornar-se-á mais e mais distante de nós até nos parecer tão estranha quanto a literatura de um povo estrangeiro. É que nossa língua está se transformando; nossa maneira de viver também muda, sob a pressão das transformações materiais de toda ordem em nosso meio; e a menos que disponhamos daqueles poucos homens que associam a uma excepcional sensibilidade um excepcional poder sobre as palavras, nossa própria capacidade, não apenas de nos expressar, mas até mesmo de sentir qualquer emoção, exceto as mais grosseiras, se degenerará.

Pouco importa que um poeta haja alcançado uma ampla repercussão em sua própria época. O que importa é que possa ter sempre existido, pelo menos, um pequeno interesse por ele em cada geração. Entretanto, o que acabo de dizer sugere que sua importância se relaciona à sua própria época, ou que os poetas mortos deixam de ter qualquer utilidade para nós, a menos que tenhamos também poetas vivos. Eu poderia até impor meu primeiro ponto de vista e dizer que se um poeta alcança um grande público muito rapidamente, isso constitui antes uma circunstância suspeita, pois nos leva a desconfiar de que ele não esteja realmente produzindo algo de novo, que esteja apenas proporcionando às pessoas aquilo a que estas já estão habituadas e, por conseguinte, o que já receberam dos poetas de gerações anteriores. Mas se couber a um poeta tal regalia, um pequeno público em sua época é importante. Haveria sempre ali uma vanguarda de pessoas, apreciadoras de poesia, que são independentes e estão algo adiante de seu tempo, ou prontas para assimilar mais rapidamente a novidade. Desenvolvimento da cultura não significa trazer todo mundo para compor a linha de frente, o que equivale apenas a fazer com que todos mantenham a marcha: significa a manutenção de uma tal élite. Com a massa principal e acomodada de leitores distante não mais do que cerca de uma geração para trás. As mudanças e os desdobramentos da sensibilidade que afloram de início em alguns começarão a insinuar-se gradualmente na língua, através de sua influência sobre outros, e mais facilmente sobre autores populares; e com o tempo tornam-se bem definidas, exigindo assim um novo avanço. Ademais, é através dos autores vivos que os mortos permanecem vivos. Um poeta como Shakespeare influenciou profundamente a língua inglesa, e não apenas pela influência que exerceu sobre seus sucessores imediatos. Pois os poetas de maior estatura têm aspectos que não se revelam de imediato; e ao exercerem uma influência direta sobre outros poetas séculos mais tarde, continuam a afetar a língua viva. Na verdade, se um poeta inglês aprende a usar palavras em nosso tempo, deve dedicar-se ao rigoroso estudo daqueles que melhor as utilizaram em sua época, daqueles que, em seus próprios dias, reinventaram a língua.

Até agora apenas sugeri o ponto extremo até o qual, creio eu, pode-se dizer que se estende a influência da poesia; e isso pode ser melhor expresso pela afirmação de que, no decurso do tempo, ela produz uma diferença na fala, na sensibilidade, nas vidas de todos os integrantes de uma sociedade, de todos os membros de uma comunidade, de todo o povo, independentemente de que leiam e apreciem poesia ou não, ou até mesmo, na verdade, de que saibam ou não os nomes de seus maiores poetas. A influência da poesia, na mais distante periferia, é naturalmente muito difusa, muito indireta e muito difícil de ser comprovada. É como acompanhar o trajeto de um pássaro ou de um avião num céu luminoso: se alguém os percebeu quando estavam muito próximos, e os manteve sob a vista quando se afastavam cada vez mais, poderá vê-los a uma grande distância, a uma distância na qual o olho de outra pessoa, de quem se tenta chamar a atenção para o fato, será incapaz de percebê-los. Assim, se rastrearmos a influência da poesia através dos leitores mais afetados por ela às pessoas que jamais leram nada, a encontraremos presente em toda parte. Pelo menos a encontraremos se a cultura nacional estiver viva e sadia, pois numa sociedade saudável há uma influência recíproca e uma interação continuas de uma parte sobre as outras. E isso é o que eu entendo como a função social da poesia em seu mais amplo sentido: é isso o que, proporcionalmente à sua existência e vigor, afeta a fala e a sensibilidade de toda a nação.

Ninguém deve imaginar que estou dizendo ser a língua que falamos exclusivamente determinada por nossos poetas. A estrutura da cultura é muito mais complexa do que isso. A rigor, é igualmente verdadeiro que a qualidade de nossa poesia depende do modo como o povo utiliza sua língua: pois um poeta deve tomar como matéria-prima sua própria língua, da maneira como de fato ela é falada à volta dele. Se a língua se aprimora, ele se beneficiará; se entra em declínio, deverá tirar daí o melhor proveito. Até certo ponto, a poesia pode preservar, e mesmo restaurar, a beleza de uma língua; ela pode e deve ajudá-la a se desenvolver, a tornar-se tão sutil e precisa nas mais adversas condições e para os cambiantes propósitos da vida moderna, quanto o foi numa época menos complexa. Mas a poesia, como qualquer outro elemento solitário nessa misteriosa personalidade social a que chamamos nossa ‘‘cultura’’, deve permanecer dependente de muitíssimas circunstâncias que escapam ao seu controle.

Isso me conduz a algumas reflexões posteriores de natureza mais geral. Minha ênfase nesse ponto tem sido sobre a função local e nacional da poesia, e isso deve ser explicado. Não desejo dar a impressão de que a função da poesia é distinguir entre um povo e outro, pois não creio que as culturas dos diversos povos da Europa possam florescer isoladas uma das outras. Não resta dúvida de que houve no passado altas civilizações que produziram grande arte, pensamento e literatura, e que se desenvolveram sozinhas. Não posso falar disso com segurança, pois algumas delas podem não ter sido tão isoladas quanto inicialmente parece. Mas na história da Europa não tem sido assim. Até mesmo a Grécia antiga deveu muito ao Egito, e algo às suas fronteiras asiáticas; e nas relações dos Estados gregos entre si, com seus diferentes dialetos e seus diferentes costumes, podemos encontrar uma influência recíproca e estímulos análogos aos que os países europeus exerciam uns sobre os outros. Mas a história da literatura européia não indica que qualquer literatura tenha sido independente das outras, revelando antes um movimento constante de dar e receber, e que cada uma delas, sucessivamente, vem sendo revitalizada por estímulos externos. Uma autarquia geral na cultura simplesmente não funcionará: a esperança de perpetuar a cultura de qualquer país repousa na comunicação com as demais. Mas se a separação de culturas dentro da unidade européia é um perigo, também o seria uma unificação que levasse à uniformidade. A variedade é tão essencial quanto a unidade. Por exemplo, há muito a ser dito, para certos propósitos limitados, de uma língua franca universal como o esperanto ou o inglês básico. Mas supondo que toda a comunicação entre as nações fosse conduzida por uma língua artificial, quão imperfeita ela seria! Ou antes, seria absolutamente adequada em alguns aspectos, e apresentaria uma completa falha de comunicação em outros. A poesia é uma constante advertência a tudo aquilo que só pode ser dito em uma língua, e que é intraduzível. A comunicação espiritual entre um povo e outro não pode ser levada adiante sem indivíduos que assumam o desafio de aprender pelo menos uma língua estrangeira tão bem quanto é possível aprender qualquer língua que não a sua própria, conseqüentemente, que estejam capacitados em maior ou menor grau, a sentir em outra língua tão bem quanto na sua. E a compreensão de outro povo por parte de qualquer pessoa necessita, dessa forma, ser complementada pela compreensão daqueles indivíduos dentre esse povo que se esforçaram para aprender a sua própria língua.

Pode ocorrer que o estudo da poesia de um outro povo seja particularmente instrutivo. Eu disse que há qualidades poéticas em cada língua que só podem ser entendidas por aqueles que dela são nativos. Mas há também um outro lado da questão. Descobri algumas vezes, ao tentar ler uma língua que não conhecia muito bem, que não conseguia compreender um texto em prosa senão na medida em que o digeria conforme os padrões do professor: ou seja, eu estava seguro quanto ao significado de cada palavra, dominava a gramática e a sintaxe, e podia então decifrar a passagem em inglês. Mas descobri também algumas vezes que um texto poético, que eu não conseguia traduzir, incluindo muitas palavras que não me eram familiares e orações que eu não conseguia interpretar, comunicava-me algo vívido e imediato, que era único, distinto de qualquer coisa em inglês — algo que eu não podia transcrever em palavras e, não obstante, sentia que compreendera. E ao aprender melhor aquela língua, descobri que essa impressão não era ilusória, ou algo que eu imaginasse existir na poesia, mas algo que estava de fato ali. De modo que, em poesia, vez por outra alguém pode penetrar em outro país, por assim dizer, antes que seu passaporte seja expedido ou que seu bilhete de viagem seja comprado.

Toda a questão do relacionamento entre países de línguas diferentes, mas que possuem afinidades culturais, no âmbito europeu, é por conseguinte aquela à qual somos conduzidos, talvez inesperadamente, pela investigação relativa à função social da poesia. É claro que não pretendo passar desse ponto para questões estritamente políticas; mas gostaria que aqueles que se ocupam das questões políticas pudessem mais amiúde cruzar a fronteira que conduz aos problemas que acabo de examinar pois são estes que conferem ao aspecto espiritual das questões o aspecto material de que se ocupa a política. Do lado em que me encontro na fronteira, uma dessas questões se relaciona com as coisas vivas que têm suas próprias leis de crescimento, as quais nem sempre razoáveis, mas que somente devem ser aceitas pela razão; coisas que não podem ser caprichosamente planejadas e postas em ordem da mesma forma que não podem ser disciplinados os ventos, as chuvas e as estações.

Finalmente, se eu estiver certo de que a poesia tem uma “função social” para o conjunto das pessoas da língua do poeta, estejam elas conscientes ou não de sua existência, conclui-se que interessa a cada povo da Europa que os demais devam continuar a ter sua poesia. Não posso ler a poesia norueguesa, mas, se fosse dito que não mais está sendo escrita qualquer poesia em língua norueguesa, eu sentiria um sobressalto que seria muito mais do que uma generosa simpatia. Eu o veria como um indício de doença que provavelmente estaria difundida por todo o continente, como o início de um declínio significando que os povos de toda parte houvessem deixado de estar aptos a expressar, e conseqüentemente a sentir, as emoções dos seres civilizados. Isso, é claro, poderia ocorrer. Muito já se falou em toda parte sobre o declínio da crença religiosa; não tanto quanto se observa relativamente ao declínio da sensibilidade religiosa. O problema da idade moderna não se resume apenas à incapacidade de acreditar em certas coisas em relação a Deus e ao homem em que nossos antepassados acreditavam, mas à incapacidade de sentir Deus e o homem como eles o fizeram. Uma crença na qual ninguém mais deposita sua fé constitui algo que, até certo ponto, alguém ainda pode entender; mas quando desaparece o sentimento religioso, as palavras com as quais os homens lutaram para expressá-lo perdem o sentido. É verdade que o sentimento religioso varia naturalmente de país para país, e de época para época, da mesma forma como ocorre com o sentimento poético; o sentimento varia, mesmo quando a crença e a doutrina não se modificam. Mas essa é uma condição da vida humana, e o que me deixa apreensivo é a morte. É igualmente possível que o sentimento pela poesia, e os sentimentos que constituem a matéria-prima da poesia, possam desaparecer em toda parte: o que talvez pudesse favorecer aquela unificação do mundo que alguns povos consideram em si desejável.

Fonte:
ELIOT, T. S. De poesia e poetas. São Paulo: Brasiliense, 1991.

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A Obra Poética de T. S. Eliot

Noah Mitchel (Garotas Gregas)
The Love Song of J. Alfred Prufrock (1915)

Em 1915 Ezra Pound, editor da revista “Poetry”, recomendou a Harriet Monroe, fundadora da revista, que ela publicasse “The Love Song of J. Alfred Prufrock”. Embora Prufrock parecesse tratar-se de um homem na meia idade, Eliot escreveu a maior parte do poema quando tinha apenas 22 anos. Os seus hoje famosos primeiros versos, que comparam o céu ao entardecer com “a patient etherised upon a table” (algo como “um paciente anestesiado sobre a mesa.”) foram considerados chocantes e ofensivos, ainda mais numa época na qual a poesia Georgiana imperava, com suas derivações românticas do século XIX. O poema retrata uma experiência consciente de um homem, Prufrock, sob a forma de um “stream of consciousness” (figura de linguagem típica do modernismo, que consiste em mostrar por escrito o monólogo interior de um personagem). Prufrock lamenta sua inércia física e intelectual, as oportunidades que perdeu ao longo de sua vida e a falta de um progresso espiritual, recorrente de amor carnal que não conseguira atingir.

Os estudiosos não sabem dizer se o narrador sai de sua casa ao longo da narração, pois as localidades descritas podem ser interpretadas tanto como experiências reais, lembranças, ou mesmo imagens simbólicas do subconsciente, como por exemplo no refrão “In the room woman come and go / talking about Miguel Angelo“.

A estrutura do poema foi imensamente influenciada por Dante Alighieri. Há ainda referências a Hamlet de Shakespeare e outras tantas obras literárias: essa técnica de alusão e citação foi muito usada em toda poesia posteriormente escrita por Thomas Stearns Eliot.

The Waste Land (1922)

Em outubro de 1922, Thomas Eliot publicou “The Waste Land” no jornal “The Criterion”. Composto durante um período turbulento na vida do autor – seu casamento estava acabando, pois tanto ele quanto sua esposa Vivienne sofriam de uma desordem neural – este poema é muitas vezes lido como uma alegoria à desilusão experimentada pela geração pós-guerra. Mesmo antes de “The Waste Land” ser publicado como livro (em dezembro de 1922) Eliot já havia se distanciado da visão desesperadora do poema: “No que diz respeito a “The Waste Land”, esse poema ficará no passado, pois agora estou trabalhando com formas e estilos diferentes”, escreveu ele para Richard Aldington no dia 15 de novembro de 1922. A despeito da obscuridade do poema – que tem sátiras e profecias; mudanças abruptas de narrador, localidade e tempo; além de invocar uma vasta e dissonante gama de culturas e obras literárias – ele acabou se tornando referencial da literatura moderna, sendo considerado o reflexo poético de um romance publicada no mesmo ano: Ulysses, de James Joyce.

Entre seus muito famosos versos estão “April is the cruellest month” (referência ao fato que abril é o mês de recomeçar a plantar, e não há colheitas na Europa), “I will show you fear in a handful of dust” e “Shantih shantih shantih”, (Sânscrito que deve ser lido pausadamente e de forma onamatopeica. Algo como “Xantir… Xantir… Xantir…”. Shantih significa “paz” e o sânscrito segue uma súplica pela paz).

A obra de Eliot foi muito apreciada pelos poetas da geração de trinta. Em certa ocasião W.H. Auden leu em voz alta todo o poema durante um encontro social. A publicação do esboço do poema em 1972 mostrava uma grande influência de Ezra Pound sobre a sua forma final. A parte IV, “Death by Water”, fora reduzida de noventa e duas linhas para dez apenas, e com dez linhas foi publicado. Pound repreendeu Eliot por ter rasgado a maior parte do poema. Eliot o agradeceu por “incentivar-me a fazer as coisas do meu jeito”.

The Hollow Men (1925)

Publicada em várias partes e com vários títulos diferentes, a versão final de “The Hollow Men” data de 3 de março de 1925. O poema faz referências a diversas obras do próprio Eliot e, embora tenha grande densidade literária, muitos críticos o consideram somente como um post scriptum de “The Waste Land”.

Seu conteúdo é metafórico e de difícil interpretação, mas estudiosos dizem tratar-se de um poema que filosofa sobre os aspectos da mente humana num contexto ora social, ora religioso. Trata ainda dos medos humanos, considerando-os “more distant and more solemn/than a fading star” (mais distantes e solenes/que uma estrela cadente) e mostrando que mesmo nos sonhos é difícil visualizá-los sem temor. São estes medos “Eyes I dare not meet in dreams/In death’s dream kingdom” (olhos que temo encontrar em sonhos/e no reino de sonho da morte). Esses olhos são muito similarmente descritos aos olhos de Beatriz, em “A Divina Comédia”.

Há ainda uma passagem que mostra um ritual dançante, “Here we go around the prickly pear” (andamos em torno da pêra espinhenta) que tem relação com os rituais missais, sendo a pêra a representação de um altar, sem ter portanto, centro exato, mas sendo o centro em si. O poema tem ainda grande musicalidade, com várias repetições e rimas eventuais.

Four Quartets (1943)

O próprio Thomas Eliot considerava “Four Quartets” sua obra-prima, embora muitos críticos literários preferissem seus trabalhos anteriores.

“Four Quartets” é baseado nos conhecimentos de Eliot nas áreas de misticismo e filosofia. O poema consiste de quatro poemas longos, que foram publicados individualmente: “Burnt Norton” (1936), “East Coker” (1940), “The Dry Salvages” (1941) e “Little Gidding” (1942), cada um deles dividido em cinco partes. Embora seja difícil fazer comparações entre eles, nota-se que cada um tem uma descrição geográfica da localidade em seus títulos, todos especulam sobre a natureza do tempo, seja ela teológica, histórica ou física, e sobre a influência exercida pelo tempo nos humanos.

Além disso, cada um está associado a um elemento da antigüidade clássica: ar, terra, água e fogo, respectivamente. Eles se aproximam nas idéias, de forma variável porém intercalada. Os poemas não esgotam seu questionamento e nem obtêm respostas suficientes às perguntas feitas.

“Burnt Norton” (ar) questiona de que adianta considerar o que podia ter sido e não foi. Há nele a descrição de uma casa abandonada, e Eliot brinca com a idéia que todas essas possíveis realidades estão presentes simultaneamente, mas invisíveis para nós: todas as formas de atravessar o jardim se transformam numa vasta dança que não podemos ver, e crianças que não estão ali se escondem nos arbustos. Burnt Norton é uma casa de campo situada em Cotswold Hills, na cidade de Gloucestershire, Reino Unido.

“East Coker” (terra) continua a examinar o tempo e seu significado, mas agora focando também na natureza da linguagem e da poesia. Saído da escuridão, Eliot fortalece a sua idéia de solução: “I said to my soul, be still, and wait without hope” (algo como “Eu disse à minha alma: fique quieta, e espere sem esperança”). East Coker é uma pequena vila, no sul do Reino Unido.

“The Dry Salvages” (água) trata do elemento água via imagens de rios e mares. Nesse poema, os opostos parecem se aproximar de forma impossível, como no barroco: “…the past and future/Are conquered, and reconciled” (algo como “…o passado e o futuro/são conquistados e reconciliados”). The Dry Salvages são um grupo de rochas com um farol para navios em Cape Ann, Massachusetts, como explicado no prefácio do poema.

“Little Gidding” (fogo) é o mais antagonizado dos quartetos. As próprias experiências do autor como voluntário na equipe civil antiataque aéreo dão força ao poema, e ele se imagina encontrando com Dante no meio do bombardeio alemão. O cenário mostrado no começo dos quartetos (“Houses…/Are removed, destroyed” ou “Casas…/são removidas, destruídas.”) haviam se tornado uma experiência cotidiana, o que cria uma série de imagens, entre elas a do amor: a força condutora de toda a experiência. O quarteto acaba então com uma frase de Julian of Norwich: “all shall be well and/All manner of things shall be well.” ou “Tudo ficará bem e/todo tipo de coisa ficará bem”. Little Gidding é uma igreja localizada em Huntingdonshire, Reino Unido.

Old Possum’s Book of practical Cats (1939)

É composto por quinze poemas com a temática “Gatos”. Cada um dos poemas conta a história em particular ou uma característica de um determinado gato. Eliot os escrevera ao longo da década de 1920 como presentes de aniversário para seus afilhados, herdeiros do dono da editora Faber & Faber. Os poemas são, no mais íntimo, metáforas com os testamentos da sociedade. Durante muito tempo os poema ficaram esquecidos dentro dos pertences dos afilhados, até que um deles já adulto, mexendo em velhos papéis, os encontrou e notou a grande possibilidade de publicá-los. Eliot, entretanto, ficou apreensivo com as críticas, pois considerava os poemas fracos e exclusivos para crianças. Uma semana antes da publicação mudou-se para uma vila no interior da Inglaterra, tamanho era o seu medo, mas, logo depois do lançamento em Londres, recebeu um telefonema do afilhado dizendo que o livro fizera o maior sucesso. Na década de 1970, já 10 anos após a morte de Eliot, o então jovem Andrew Lloyd Webber musicou aguns dos poemas e fez uma versão reduzida do musical Cats. A viúva de Eliot, Esme Valerie Eliot, após assistir essa prévia do musical, presenteou o jovem autor musical com rascunhos de um poema inacabado pelo falecido marido. Esse poema chamava-se Grizabella: The Glamour Cat, e foi determinante para a finalização do famoso musical, dando abertura para a composição Memory, gravada por mais de 170 artistas até hoje. Os quinze poemas que compõe o livro são:

The Naming of Cats;
The Old Gumbie Cat;
Growltiger’s Last Stand;
The Rum Tum Tugger;
The Song of Jellicles;
Mungojerrie and Rumpleteazer;
Old Deuteronomy;
Of the Awefull Battle of the Pekes and Pollicles;
Mister Mistoffelees;
Macavity: The Mistery Cat;
Gus: The Theatre Cat;
Bustopher Jones: The Cat About Town;
Skimbleshanks: The Railway Cat;
The Ad-dressing of Cats;
Cat Morgan Introduces Himself.

Note o senso de humor no último poema, feito exclusivamente para finalizar o livro, na última estrofe:

So if yo ‘ave business with Faber – or Faber – I’ll give yu this tip, and it’s worth a lot more: You’ll save youself time, and you’ll spare yourself labour If jist you make friends with the Cat at the door. MORGAN.”

Fontes:
Wikipedia

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T. S. Eliot (26 Setembro 1888 – 4 Janeiro 1965)

[Minha poesia] não seria o que é se eu tivesse nascido na Inglaterra, e não seria o que é se eu tivesse permanecido nos Estados Unidos. É uma combinação de coisas. Mas, nas suas fontes, na sua força emocional, ela vem dos Estados Unidos.

Thomas Stearns Eliot (St. Louis, 26 de setembro de 1888 — Londres, 4 de janeiro de 1965) foi um poeta modernista, dramaturgo e crítico literário britânico-norte-americano. Em 1948, ganhou o Prémio Nobel de Literatura.

Nascido nos Estados Unidos, Thomas Stearns Eliot se sentia culturalmente ligado à Europa. Membro de uma família puritana de origem britânica, naturalizou-se inglês em 1927 e morou em Londres a partir dos 22 anos de idade. Os Eliot eram ligados às tradições da Igreja Unitária e membros da elite industrial e mercantil. Filho Henry Ware Eliot e Charlotte Chauncey Stearns,o poeta, ensaísta e dramaturgo recebeu o Prêmio Nobel em 1948.

Em 1906, aos 18 anos de idade, seguiu para Boston para estudar em Harvard, onde se dedicou a estudar literatura e filosofia. Editou a revista universitária “The Harvard Advocate”, na qual publicou alguns trabaIhos. Após diplomar-se em letras clássicas, em 1909, foi a Paris, onde fez cursos de língua e literatura francesas, na Universidade Sorbonne. De volta a Harvard, voltou à filosofia e às letras, com ênfase na literatura sânscrita e na filologia indiana, o que o ocupou de 1911 a 1913.

Em 1915 o poeta publica seu primeiro poema mais conhecido, The Love Song of John Alfred Prufrock, na revista Poetry, da cidade de Chicago, depois aproveitado por Pound em sua obra Catholic Anthology. Neste mesmo ano, Eliot contrai matrimônio com a dama da sociedade londrina Vivienne Haigh-Wood. Lecionou no Highgate College, pequena escola para crianças nos arredores de Londres, mas depois o deixou para se tornar funcionário do Lloyds Bank Ltd., de Londres. Ele também atuou como editor-assistente do veículo Egoist, de 1917 a 1919, além de colaborar com outros impressos literários, entre eles The Athenaeum.

Em 1917, publicou “Prufrock and Other Observations” (“Prufrock e Outras Observações”), obra ao mesmo tempo satírica e pessimista. O poema “The Love Song of J. Alfred Prufrock” (“A canção de amor de J. Alfred Prufrock”), é o mais conhecido do volume de crítica à cultura de sua época.

Em seguida, começou a satirizar o passado da Europa com a coletânea “Poems” (1919; Poemas) e “The Waste Land” (1922; “A Terra Devastada”).

Em 1920, um ano após a publicação de um pequeno estudo sobre Ezra Pound, ele reuniu, em “The Sacred Wood”, alguns de seus melhores textos críticos da juventude. Seu trabalho como crítico começou com o ensaio “The Metaphysical Poets” (1921), sobre a poesia de John Donne e outros metafísicos.

Um de seus poemas mais famosos, The Waste Land, lançado em 1922, guardava vestígios da ascendência de Ezra Pound sobre a obra deste poeta, principalmente em seus esboços manuscritos. Esta publicação é considerada uma autêntica fonte de ensinamentos sobre a poética, e logo se torna um clássico, consagrando o autor nos meios literários, principalmente os de língua inglesa. Neste momento de sua existência, Eliot era descrito por seus companheiros como um verdadeiro britânico, no modo de agir, de se vestir, de pensar, fugindo do padrão inglês apenas no sotaque e na nacionalidade.

Sua formação religiosa se manifestou nos livros seguintes: “Ash Wednesday” (1930; “Quarta-feira de Cinzas”) e, “Four Quartets” (1935-1943; “Quatro Quartetos”). O verso livre na obra de Eliot foi instrumento de uma renovação das estruturas formais.

Publicou também “Homage to John Dryden” (1924; Homenagem a John Dryden), e colaborações na revista “The Criterion” (1922-1939).

Na década de vinte, no pós-guerra, Eliot passa a freqüentar assiduamente a cidade de Paris, ao lado de vários outros artistas famosos desta época. O poeta Charles Baudelaire influencia definitivamente a obra de Eliot. Seu retrato da existência parisiense torna-se para o poeta norte-americano uma fonte de inspiração para sua própria reprodução da vida em Londres. Quando ele se torna membro da Igreja Anglicana, sua produção literária ganha contornos nitidamente religiosos e tradicionais, marcas que se refletem na tentativa de manter o inglês arcaico e certos valores cultivados na Europa.

Eliot se tornou editor em 1923, quando assumiu a diretoria da Faber & Faber, à frente da qual se manteve até a morte. Este cargo lhe propicia a oportunidade de agir como um incentivador de estudos no campo da estética, um mecenas da moderna literatura de língua inglesa.

Muito vinculadas à sua poesia, as obras para o teatro ganharam destaque com “The Rock” (1934; “O Rochedo”) e “Murder in the Cathedral” (1935; “Assassinato na Catedral”).

Ele ganha, em 1948, o Prêmio Nobel de Literatura.

Dez anos após se tornar viúvo, ele se casa novamente, em 1957, desta vez com Valerie Fletcher, sua secretária na Faber & Faber. Com o passar do tempo, ele se torna mais introspectivo, isolando-se gradualmente em Kensington, bairro de Londres onde residia.

No dia 4 de janeiro de 1965, morre o poeta T S Eliot, na cidade que adotou em sua juventude, Londres.

Carreira literária

T. S Eliot residia em Londres. Depois da guerra, nos anos vinte, ele passou muito tempo com outros grandes artistas na avenida Montparnasse, em Paris, onde foi fotografado por Man Ray. A poesia francesa exerceu grande influência na obra de Eliot, em particular o simbolista Charles Baudelaire, cujas imagens da vida em Paris serviram de modelo para a imagem de Londres pintada por Eliot. Ele começou então a estudar sânscrito e religiões orientais, chegando a ser aluno do renomado armênio G. I. Gurdjieff.

A obra de Eliot, após a sua conversão ao cristianismo pela Igreja Anglicana, é frequentemente religiosa em sua natureza e tenta preservar o inglês arcaico e alguns valores europeus que ele julgava serem importantes. Publicou o poema The Waste Land em 1922; em 1927 obteve a nacionalidade britânica.

Em 1928, Eliot resumiu suas crenças muito bem no prefácio de de seu livro “Para Lancelot Andrews”: “O ponto de vista geral [dos assuntos do livro] pode ser descrito como classicista na literatura, monarquista na política e anglo-católico na religião.” Essa fase inclui trabalhos poéticos como Ash Wednesday, The Journey of the Magi, e Four Quartets.

Fontes:
Infoescola
Uol Educação

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Tércia Montenegro (Poema para um Gato)

Foto: José Feldman


Teus olhos de cobre –
Dois riscos de pupila –
Se fixam nos meus,
Tão menores.

Miram o mundo em transições
De luz e fundura, no ócio
Dos que têm a vida ganha
Em corpo de pluma.

Sob um focinho róseo, a boca
Se desenha em linhas oblíquas,
Num bocejo de serpente.

As orelhas se torcem ao menor ruído,
Baixam-se para o ataque
E relaxam em triângulos
No tempo longo de de descanso.

as patas, com a suave textura
De borracha, e as unhas
Violentas de renhuras, escondem
A dupla face de um caráter
Tranquilo mas astuto.

O silêncio da tua presença
E teu andar impressentido,
No aspecto de escultura,
Concentram a beleza da poesia
Em felina ternura.
————

Fonte:
– Volante (Veículo Original Litero Alternativo Nascido Totalmente Emancipado). Periódico Bimestral. ano 1 – n.2, documental – Fortaleza,CE, março/abril 2009.

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SIMPOESIA – II Simpósio de Poesia Contemporânea


Experiência literária de quatro dias que reunirá vozes das mais relevantes da poesia e da crítica literária internacional, além de uma feira de editoras independentes de poesia do Brasil e Argentina promovida pela revista Grumo. Um encontro que envolve a troca de idéias, a exposição da diversidade intelectual e o intercâmbio artístico e cultural entre diversas expressões da poesia contemporânea.

PROGRAMAÇÃO:

04 DE JUNHO

19:30h – Apresentação e abertura do evento

20h – Recital com Horácio Costa, Maria Esther Maciel, Micheliny Verunsck, Alfredo Fressia, Virna Teixeira

21h – Show: Polivox, com Rodrigo Garcia Lopes Local: Casa das Rosas

05 DE JUNHO

19:30h – Debate: Editoras Independentes de Poesia Com: Gustavo López, Virna Teixeira e Vanderley Mendonça. Mediação: Paloma Vidal

21h – Recital: Rodolfo Hasler, Rodrigo de Haro, Efrain Rodrigues Santana, Luís Serguilha, Victor Sosa. Após o recital haverá o lançamento da revista Grumo.

Local: Instituto Cervantes

06 DE JUNHO

COLÓQUIO – POETAS DE LÍNGUA INGLESA

14:30h – Debate: Brazilian poetry in translation. Com Steven Buttermann, Stefan Tobler, Flávia Rocha e Rodrigo Garcia Lopes. 16h – Palestra: Language poetry Professor William Alegrezza

17h – Palestra-Editing Contemporary Poetry – Litmus Press Experience Com E.Tracy Grinnell e Julian Brodanski

18h – Recital- Poetry reading Com William Allegrezza, Tracy Grinnell, Julian Brodanski e Stefan Tobler. Stefan Tobler lerá traduções para o inglês do poeta Antônio Moura. Os demais poetas serão traduzidos para o português por Virna Teixeira.

19h – Poesia: palavra impacto. Palestra com Frederico Barbosa

20h – Recital: Sérgio Medeiros, Carlos Augusto Lima, Marco Vasques, Silvia Iglesias, Tatiana Fraga, Marcelo Tápia.

21h – Show: grupo de jazz Patavinas

Local: Casa das Rosas

07 DE JUNHO

16h – Debate: Poesia, Sadomasoquismo e Diversidade Sexual. Com: Steven Buttermann, Antônio Vicente Pietroforte e Glauco Mattoso. Mediação: Contador Borges

17h30 – Debate-Poesia e Fronteiras geográficas Com Silvia Iglesias, Carlos Augusto Lima e Marco Vasques Mediação: Edson Cruz

19h – Recital: Edson Cruz, Contador Borges, Andréa Catrópa, Luis Roberto Guedes, Donny Correia, Antônio Vicente Pietroforte, Greta Benitez.

Local: Casa das Rosas

Convidados Internacionais: Alfredo Fressia (Uruguai) Efraín Rodríguez Santana (Cuba) Julian Brodanski (EUA) Luís Serguilha (Portugal) Gustavo López (Argentina) Rodolfo Hasler (Espanha) Silvia Iglesias (Argentina) Stefan Tobler (Inglaterra) Steven Butterman (EUA) Tracy Grinnell (EUA) Victor Sosa (México) William Alegrezza (EUA)

Convidados brasileiros: Andréa Catrópa Antônio Vicente Pietroforte Carlos Augusto Lima Contador Borges Donny Correia Edson Cruz Flávia Rocha Frederico Barbosa Glauco Mattoso Greta Benitez Horácio Costa Luís Roberto Guedes Marcelo Tápia Marco Vasques Maria Esther Maciel Micheliny Verunschk Paloma Vidal Sérgio Medeiros Rodrigo Garcia Lopes Rodrigo de Haro Tatiana Fraga Virna Teixeira

SITE DO EVENTO: www.simpoesia.wordpress.com

Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37 – Bela Vista
F: (11) 3285-6986 contato.cr@poiesis.org.br & www.casadasrosas-sp.org.br
Estacionamento conveniado Patropi: Al. Santos, 74

Instituto Cervantes
Av. Paulista, 2439 / 7º Bela Vista – São Paulo
01311-300 – SP Tel.: 55 11 3897 96 00 Fax.: 55 11 3064 22 03 informasao@cervantes.es

Fontes:
Luiz Alberto Machado. Varejo Sortido.

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Trova X

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28 de maio de 2009 · 19:34

1º Concurso de Trovas do Salim (Resultado Final)

Realização: UBT de Tremembé-SP

Sábado, dia 23 de maio, em Taubaté, no Restaurante Salim, no encerramento do I Concurso de Trovas e Poesias do Salim. Organização da UBT Tremembé, sob o comando de Luiz Antonio Cardoso, com presenças importantes dos membros da UBT Taubaté. O próprio Bispo Dom Antonio Afonso de Miranda, premiado, lá compareceu para declamar seu soneto. Houve música ao vivo. Muitas declamações.
——————

Nível: Municipal
Tema: Imigrante
(Todos os premiados deste nível são da UBT de Tremembé-SP)

Vencedoras

1º Lugar
Salve gentil imigrante!
que em nossa terra chegou,
você foi elo importante
do progresso que ficou.
Alda Lopes

2º Lugar
O progresso no País
foi impelido bastante.
Ninguém nega que a raiz
foi a garra do imigrante.
Loris Turrini

3º Lugar
Está triste em terra estranha…
saudades no coração!
Este é o preço da façanha
na procura da emoção.
Lamarque Monteiro

4º Lugar
Vida e alma aventureira
vai, nosso imigrante amado,
buscar em terra estrangeira
a conquista do Eldorado.
Lamarque Monteiro

5º Lugar
Vindo de terra distante,
aqui se estabeleceu.
Conheceu povo vibrante,
Mas o seu, nunca esqueceu!
Cláudio De Morais

Menções Honrosas

Nosso Brasil fez sucesso
ao trazer nosso imigrante
assim se deu o progresso
desta nação tão brilhante.
Alda Lopes

Todo imigrante cultiva,
levado pela esperança,
voltar à terra nativa,
que pisou quando criança,
Cláudio De Morais

Longe da terra distante,
querido berço natal,
suspira o pobre imigrante
saudoso de seu pessoal.
Martinho Monteiro

Lembrando a terra distante,
sonhando mesmo acordado,
o coração do imigrante
bate até descompassado.
Martinho Monteiro

Menções Especiais

Alimento tem de sobra…
o fazendeiro garante.
Quem é o autor da grande obra?
Nosso querido imigrante.
Benedito Dimas Ferreira

Culinária no Brasil,
é o que há melhor no mundo.
Nas receitas, mais de mil,
o imigrante foi fecundo.
Loris Turrini

Meus quereres, imigrantes,
em teu coração fugaz,
hoje são vis retirantes
chorando um sonho… que jaz !!
Luiz Antonio Cardoso

Alto-mar… e o continente
na imensidão a sumir,
é imigrante em minha mente,
que teima em nunca partir.
Luiz Antonio Cardoso

Nível: Regional
Tema: Monteiro Lobato

Vencedoras

Lobato: sacis… pigmeus…
sua memória persiste!
– Quantas crianças, meu Deus,
havia num homem triste!
José Valdez De Castro Moura
(UBT de Pindamonhangaba-SP)

Lobato, enquanto costuras
contos com habilidade,
num sítio de travessuras,
comigo brinca a saudade…
Élbea Priscila De Sousa E Silva
(UBT de Caçapava-SP)

Bela leitura em família,
que recordo com carinho:
as travessuras de Emília…
Reinações de Narizinho!
Keisy Santos
(UBT de Tremembé-SP)

Por ser grande literato
versando o tema infantil,
ficou, Monteiro Lobato,
famoso em todo o Brasil.
Argemira F. Marcondes
(UBT de Taubaté-SP)

Menções Honrosas

Qual um mago foi Lobato,
que em suas obras previu:
Presidente negro, é fato
o petróleo, aqui surgiu!
Angélica Villela Santos
(UBT de Taubaté-SP)

Hoje, relendo Lobato,
chego a sentir a fragrância
de sonho e um pouco resgato
da minha perdida infância…
Élbea Priscila De Sousa E Silva
(UBT de Caçapava-SP)

Foi Lobato, o pioneiro,
e está mais do que provado,
que o petróleo brasileiro,
foi seu sonho e seu legado!
Enivaldo Borges Da Silva
(UBT de Pindamonhangaba-SP)

Emília, Cuca, Saci,
o sítio, o campo, e o regato
dos meus sonhos de guri…
– Isso é Monteiro Lobato!
João Paulo Ouverney
(UBT de Pindamonhangaba-SP)

Foi herói, foi escritor,
– dizer, com certeza, eu posso –
de quem, para um ditador,
gritou: – o petróleo é nosso!
João Paulo Ouverney
(UBT de Pindamonhangaba-SP)

Menções Especiais

Nosso Monteiro Lobato
foi cantado em verso e prosa,
sua obra foi de fato
bem profunda e preciosa.
Alfredo Barbieri
(UBT de Taubaté-SP)

Lobato encantou crianças,
no mundo do faz de conta,
ante a infância de esperanças,
em que o seu sonho desponta!
Enivaldo Borges Da Silva
(UBT de Pindamonhangaba-SP)

Um mundo de fantasia
e que encantou gerações,
Lobato trouxe alegria,
Narizinho e as reinações.
José Guarany Rodrigues
(UBT de Pindamonhangaba-SP)

Monteiro Lobato faz
muita criança feliz,
no Sítio que exala paz
para o mestre ou aprendiz.
Judite De Oliveira
(UBT de Taubaté-SP)

… E foi com tamanha audácia,
que provei sonho infantil:
bolos da Tia Nastácia…
os melhores do Brasil !
Keisy Santos
(UBT de Tremembé-SP)

LOBATO, ponta de lança,
desta nossa Pátria imensa,
é também toda esperança,
do Continente que pensa.
Lygia Fumagalli Ambrogi
(UBT de Taubaté-SP)

Com histórias envolventes
Lobato fez muito mais:
ao lançá-las, quais sementes,
criou jardins perenais.
Maurício Cavalheiro
(UBT de Pindamonhangaba-SP)

Comissões Julgadoras

Trovas – Municipal – “Imigrante”
– Ademar Macedo – UBT Natal-RN
– Dorothy Jansson Moretti – UBT Sorocaba-SP
– Gislaine Canales – UBT Balneário Camboriú-SC
– José Ouverney – UBT Pindamonhangaba-SP

Trovas – Regional – “Monteiro Lobato”
– Luiz Antonio Cardoso – UBT Tremembé-SP
– Cláudio de Morais – UBT Tremembé-SP
– Marina Bruna – UBT São Paulo-SP
– Vanda Queiroz – UBT Curitiba-PR
– Delcy Canales – UBT Porto Alegre-RS
– Renato Alves – UBT Rio de Janeiro-RJ
————–

Fontes:
– Luiz Antonio Cardoso. UBT de Tremembé-SP

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IV Encontro das Academias de Letras do Paraná e Premiação do IV Concurso Literário "Cidade de Maringá"

PROGRAMAÇÃO:

DIA 19 de junho de 2009 (sexta-feira)

Manhã: recepção/chegada ao Bristol Metrópole Hotel.

12h00/12h30: almoço no restaurante do hotel, Piso “L”.

14h00 às 17h00, no salão Rio de Janeiro, Piso “L”:
IV ENCONTRO DAS ACADEMIAS DE LETRAS DO PARANÁ.

17h15: Lanche

19h30: Noite Cultural, no Auditório Hélio Moreira – Paço Municipal.
Programação:
– Lançamento da Coletânea 2009 da ALM.
– Apresentação da peça premiada.
– Show de lançamento do 2º CD Trovadores do Campo, da dupla Pedro Ornellas e Campos Sales, de São Paulo – SP.

– 22h00: Jantar no restaurante do hotel, Piso “L”, para os escritores premiados e participantes do Encontro das Academias.

Dia 20 de junho de 2009 (sábado)

– 07h00/08h00: Café da Manhã no restaurante do hotel, Piso “L”.

– 09h00: Oficina de Haicai, com a escritora Lena de Jesus Ponte (Rio de Janeiro – RJ),no salão Rio de Janeiro, Piso “L”.

– 12h00: almoço no restaurante do hotel, Piso “L”.

Tarde Cultural.

14h30, no auditório da Biblioteca Municipal “Bento Munhoz da Rocha Netto”: Apresentação das crônicas premiadas.

A música erudita e seus poemas, com o pianista Júlio Enrique Gómez e a poetisa Roza de Oliveira.

16h00, no Teatro Reviver:
Espetáculo “O menino que ganhou uma boneca”, com a Cia. Teatral Tipos & Caras. Texto e direção de Majô Baptistoni. Duração: 40 minutos.

Noite:

19h30: FESTA DE PREMIAÇÃO, nos salões Paris e Londres, “Cobertura”.
* Ao término da cerimônia de premiação, será servido o jantar, no local.

Dia 21 de junho de 2009 (domingo)

07h00/08h00: Café da Manhã no restaurante do hotel, Piso “L”.

– Passeio, de “jardineira”, pelos pontos turísticos de Maringá,
com saída em frente à Catedral.
09h00 às 10h30: 1ª turma
10h30 às 12h00: 2ª turma

12h30: almoço de despedida, no restaurante do hotel.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

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Ailton Maciel (O Presente da Professora)

Durante muitos anos Dona Gracinha viveu no interior. Professora de muitas crianças pobres e algumas abastadas. Passados os anos, continuava a mesma, bondosa e sorridente, embora os cabelos brancos denunciassem os seus quase 60 anos. O seu epiderma, já metamorfoseado pelo tempo e pelas vicissitudes da vida, era prova de muitos anos de trabalho árduo e penoso. Porém não lhe faltavam sorrisos e gestos de amor para cada criança.

Já aposentada, ainda dava aulas, quase que sem remuneração, a filhos de operários. Sempre encontrava uma solução para todos os problemas. “Dona Gracinha, eu não tenho lápis, porque papai não...” Ela não deixava o menino prosseguir. Conhecia os problemas de cada um deles. A todos tratava sem distinção. A posição social, a cor, a conformação física, o traje, a dentadura, tudo o mais para ela passava a segundo plano. Por isso, os pais e as crianças adoravam Dona Gracinha. Simples e humanitária, gostava das crianças como se fossem seus filhos, que não os tinha. Encontrara, é certo, quando jovem, vários pretendentes, porém a todos deu uma resposta plausível e bem intencionada: muito jovem, tinha obrigações a cumprir. O tempo foi correndo, e ela nunca se dispusera para o matrimônio. Não que o renegasse. Não, ao contrario: achava o ato mais belo da vida. Mas havia a escola, as crianças pobres… E, casando, o marido poderia interpor-se entre ela e as crianças. Não, melhor não arriscar. E nunca se arrependeu do celibato. Embora solteira, tinha muitos filhos – seus alunos. Quando lecionava no interior deixara muitos rapazes e muitas moças, senhores comerciantes, senhoras casadas, que foram seus discípulos. Hoje, quando raras vezes se dispunha a fazer um breve passeio pelos lugares onde lecionara, muitas das vezes via homens chorarem de alegria e de tristeza, agradecendo-lhe os ensinamentos recebidos quando crianças. E a todos ela visitava. Era seu dever, achava. Porém chorava quando via pobres crianças raquíticas e barrigudas esquivarem-se do seu afeto. Mães que há trinta anos foram suas alunas hoje parecerem espectros humanos – mais velhas do que ela. Mulheres barrigudas, empalemadas e sifilíticas. Homens morrendo de inanição, trabalhando da madrugada ao pôr-do-sol, vergados ao peso do sofrimento, encabulados, tristes e semimortos. Crianças – suas amadas crianças – raquíticas, enfermas, bochechudas, morrendo, morrendo… morrendo, sim, lentamente, de fome e de doenças. Dona Gracinha chorava. Tinha ímpetos de pegar uma autoridade e levá-la a ver aquele inferno. Continha-se, entretanto, a velha professora. Era do amor, da calma e da paz; nunca do ódio e da violência. Ajudava-os, então, no que podia: dinheiro, amor, carinho ou conselho. Dona Gracinha: boa e piedosa. E regressava à capital, triste e pensativa.

Três de fevereiro: dia inesquecível para todos os alunos de Dona Gracinha – o dia de seu aniversário. Não se sabe quem divulgou a notícia nem tampouco como tomou conhecimento daquela data. O fato é que para ela aquele dia parecia mais triste do que os outros. Não gostava de manifestações públicas. Não gostava, repetia, era velha, esquecessem tal coisa. Sinceramente, não gostava. Os meninos sorriam e no dia três lá estavam a cantar “parabéns pra você” e a trazer-lhe humildes presentes: uma galinha, um pato, um sabonete, e outras coisinhas.

Chegando tal dia, os alunos já haviam preparado a humilde cerimônia de aniversário. Todos sentados, quando entrou D. Gracinha. Ergueram-se e começaram a entoar a canção propícia e invariável do “parabéns pra você”. Após isso, a professora proferiu pequeno discurso de agradecimento. Passaram, então, a colocar os presentes, um a um, sobre a mesinha: um bolo, um sabonete, uma pasta dentifrícia, uma escova…. Um dos garotos, o último a dirigir-se à mesinha, saiu a passo lento. Levava às mãos um embrulhinho fino e comprido. Como o papel fosse pouco, todos puderam ver facilmente o conteúdo: um pão. Todos, sem exceção, riram largamente. Dona Gracinha pediu silêncio: censurou a atitude dos meninos. E, sem conter os sentimentos, pôs-se a chorar. Os garotos se fizeram sérios e calados. “Este é o mais valoroso presente que recebi durante toda a minha vida, porque dado de coração. Crianças, nunca deveis zombar do próximo. Vejam: por causa de vocês ele esta chorando”. E, de novo, chorou ela. Os alunos baixaram a cabeça. Dona Gracinha foi até à carteira de Roberto e disse: “Meu filho, não chore. Eles não sabiam que iam ofender a mim e a você”. E deu um beijo no rosto do menino.

Setembro de 1968.

Fontes:
– Jornal de Poesia
– Imagem = http://aprendizagememacao.blogspot.com/

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Ailton Maciel (Cinzas)

Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?
A primavera, que arrebata as asas…
Levou-lhes os passarinhos e os amantes!…
Castro Alves

Aparece, ó visão de minha vida!
Vem decantar comigo o amor luzente…
Não vês, menina, a chaga dolorida
Que fervilha em meu peito penitente?…

O vem, ó vem, eu, louco, desespero!
Vem sentir desta vida os seus sabores…
Vem, açucena, eu todo dia espero
Os momentos ditosos dos amores!

Não te lembras, então, dos belos dias,
Que passamos felizes, lado a lado,
Só sentindo prazeres e alegrias
Sob o tempo, feliz, enluarado?!

Ainda recordo a nossa feliz vida:
Eu beijava a sorrir os teus cabelos.
Hoje o meu ser é chaga dolorida,
Hoje os sonhos são frios pesadelos!

Quão ditosos nos foram os momentos
Quando em tempo atrás juntos passamos…
Hoje restam visões e mil tormentos
Dos tempos auros em que nos amamos!

Hoje só restam cinzas… devaneios…
Recordações fatais pras nossas vidas:
Tu tens o corpo de carícias cheio,
E eu de chagas e fatais feridas!

Fortaleza, 7/10/64.
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Ailton Maciel (1943 – 1974)
Ailton Alves Maciel nasceu em Baturité em 7 de março de 1943. Em vida nada publicou, embora tenha escrito inúmeros poemas, romances e contos. Sua obra mais importante desapareceu. Talvez no incêndio doméstico que quase o matou, em Brasília, onde foi viver (e morrer) no início dos anos 1970. Sua morte clínica se deu no dia 22 de outubro de 1974. Apenas quatro contos se salvaram: “Santa Caçada”, “O Touro”, “O Careca” e “O Presente da Professora”, publicado na revista Literatura n.º 24, de 2003. Outros onze fragmentos encontrados podem ser de contos e romances.

Fontes:
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/
– Jornal de Poesia
– Imagem = http://leninhaluz.blogspot.com

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Arquivado em notas biográficas, O poeta no papel

Curitiba em Destaque

Dia 28/05 – 15h00min
Realização: Academia Feminina de Letras do Paraná

“Valores Culturais Paranaenses” – Vida e Obra de Ceres de Ferrante.

Local: Auditório Leonor Castellano
Rua Visconde de Rio Branco, n° 1717 – Centro – Curitiba/Paraná

Dia 28/05 – 18h00min
Realização: Academia Paranaense da Poesia
Oficina permanente de poesia –

“A Poesia de Emiliano Perneta”

Palestrante: Mamed Assim Zauith
Local: Biblioteca Pública do Paraná – 3 andar

Dia 28/05 – 19h00min
Realização: Academia Paranaense da Poesia.

Oficina permanente de poesia – “Tribuna Livre”
Local: Biblioteca Pública do Paraná – 3 andar

Dia 30/05 – 12h30min (último sábado)
Realização: Academia Paranaense da Poesia

Almoçando com Música e Poesia –
Local: no Ponto Gira Grill churrascaria. – Buffet livre – R$ 11,50 por pessoa –
Endereço: Rua Alfredo Bufren 219 – Praça Santos Andrade em frente à UFPR –

Obs.: O local deste evento além de não possuir escadas situa-se entre dois estacionamentos.

Dia 30/05 – 15h00min

Lançamento do livro Altdeutschen de Zélia Sell

Local: Clube Concórdia
Rua Carlos Cavalcanti, 815 – Centro.
Curitiba- Paraná.

Fonte:
Andréa Motta. in
http://simultaneidades.blogspot.com

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Estação Cultura em Canoas/RS (Programação)

Clique sobre a imagem para ampliarFonte:
Neida Rocha.

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Trova IX

Montagem sobre quadro de Aristeu Nogueira Soares

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Ocimar Barbosa (A Lenda dos Namorados do Bosque)

Pindamonhangaba tem uma lenda das mais românticas que conta sobre um amor impossível. Trata-se da “Lenda dos Namorados do Bosque”. O fato, segundo historiadores já falecidos, caso do antigo arquivista da prefeitura municipal, “seo” Lacerda, teria acontecido na década de 20 do século que passou.

A morte de dois jovens abalou a sociedade e a comunidade de forma geral, mas o que houve nos bastidores é o que acabou criando a lenda, como uma versão valeparaibana para “Romeu e Julieta”.

A alta sociedade de Pindamonhangaba, remanescente dos áureos tempos do café, ainda vivia das aparências e de uma falsa opulência financeira. Sarais e encontros festivos nas casas mais abastadas falavam da vinda do Príncipe Regente antes do episódio da Independência, dos soldados da Guarda de Honra, da presença de D. Pedro II e das tradições familiares.

Preconceito, o inimigo do amor
Nas igrejas e outros templos religiosos, falava mais alto o renome e a posição social. Um lado da igreja era destinado aos descendentes da nobiliarquia e outro lado para os cidadãos comuns. Famílias tradicionais que ostentavam a distinção de títulos não permitiam que seus membros mantivessem contatos com gente de “menor expressão”.

Assim, em meio a esse cenário pincelado pelo preconceito sobranceiro – entre a pessoa de descendência fidalga e outra do da “plebe”-, surgiria um grande amor .

A jovem era linda, de família de berço nobre do século XIX e cercada de cuidados. Representante ideal da sociedade pindense, havia estudado nos melhores colégios do Rio de Janeiro; ele, um moço da classe média, porém, altivo e inteligente, havia cursado os principais colégios de Pindamonhangaba. Quando se conheceram, ele estudava medicina em São Paulo.

O amor impossível
Conheceram-se durante uma noite de domingo, na Praça Monsenhor Marcondes, naquele período onde o romantismo ainda fervilhava nos corações (não como hoje, onde baladas, drogas, bebidas e palavrões fazem parte do cotidiano da maioria dos casais de namorados). Gestos cavalheirescos ainda provocavam suspiros nas jovens moçoilas.

Foi amor à primeira vista. Apresentados por amigos, brilhou nos olhos a chama do amor verdadeiro onde ambos se sentiram almas-gêmeas, um do outro.

Sentiam-se como se já houvessem se conhecido em outras eras. Tudo era mágico, a atração totalmente recíproca. Imediatamente, estavam loucamente apaixonados.

Logo que soube dos encontros românticos, a família da moça passou a pressioná-la: “Ele não é do nosso nível. Você precisa terminar esse romance!”, diziam os pais, sem demonstrar o mínimo de respeito pelos sentimentos da moça.

Como os jovens apaixonados continuavam a se encontrar, a família proibiu a jovem de vê-lo. Pior! O amor ganhou ainda mais força. Com a proteção das amigas de ambos, o casal de namorados continuava a viver aquele amor cada vez mais impossível.

Ameaças e perseguições
A situação começava a ganhar contornos perigosos com ameaças de todos os lados. O rapaz passou a ser perseguido pelos jovens da elite. Algo terrível estava pra acontecer.

O jovem estudante de medicina já estava em seu 2º ano de estudo e, depois de dois anos, passaram a se encontrar apenas no período de férias, quando ele retornava para sua terra natal, Pindamonhangaba. Nesse período, voltavam as pressões familiares, ameaças e perseguições.

Ficava mais difícil os encontros secretos, enquanto isso, a paixão aumentava, era cada vez mais ardente. Precisavam fazer alguma coisa, pois já não poderiam viver, um sem o outro.

Eternizando o amor
Os jovens temiam, um pela vida do outro. Isso era a prova maior de um sentimento verdadeiro. Depois de conversarem muito, apesar de constantemente vigiados, resolveram colocar um fim àquela situação insuportável.

Em uma certa noite que ficou na história, os jovens desceram a ladeira do Bosque da Princesa. O jovem estudante de medicina trazia um pequeno frasco contendo veneno.

Sob a luz da lua e embaixo de um ipê todo florido, amaram-se, sendo vigiados desta vez, apenas pelas águas cúmplices e silenciosas que deslizavam pela curva do Rio Paraíba.

Depois, brindaram àquele grande amor e beberam da taça que continham a substância venenosa trazida pelo rapaz. Foi um adeus melancólico a duas jovens vidas, mas um “sim” ao encontro de duas almas afins.

No dia seguinte, um grupo de pescadores que passava pelo local encontrou os dois corpos abraçadinhos, cobertos pelas pétalas do ipê amarelo. O velho ipê cobriu com seu manto dourado o jovem casal e serviu assim, de testemunha para um enlace doloroso, porém eterno.

Dizem que o ipê, a partir daquele dia, foi secando, ficando triste…até que morreu de vez e foi retirado. Durante muitas décadas, era visto um pedaço de terra sem vida e sem qualquer vegetação, do lado esquerdo de quem olha para o rio.

Nos anos, 90, com a reforma do gramado do Bosque da princesa, o local ficou sem a referência da velha história: A Lenda dos Namorados do Bosque.

Fonte:
http://www.pindavale.com.br/historiasecausos/textos.asp?artigo=52

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Arquivado em Causos, Pindamonhangaba

Ribeiro Couto (O bloco das mimosas borboletas)

Foi na véspera do carnaval que encontrei o senhor Brito. Ele esperava o bonde junto ao Hotel Avenida.

– Boa tarde, senhor Brito!

– Boa tarde!

E, como eu parasse para acender um charuto, o senhor Brito, aproximando-se, pediu com humildade:

– O seu fogo, faz favor?

Estava ali há dois minutos, com o cigarro apagado, à espera do bonde e de um conhecido para emprestar-lhe o fogo. O senhor Brito ouviu dizer, ou leu num almanaque, que o banqueiro Laffite obteve o seu primeiro emprego porque o futuro patrão o viu curvar-se para apanhar um simples alfinete. Então faz economias de caixas de fósforos, de cafés, de engraxate. Pode ser que algum capitalista se aperceba disto e o convide para um alto negócio.

Aliás, há uma outra razão para o senhor Brito agir desse modo: possui duas interessantes filhas, as duas com vinte anos e pouco, as duas caríssimas, as duas impondo uma importância social que está em absoluto desacordo com o modesto cargo que o senhor Jocelino de Brito e Sousa ocupa, silenciosamente, no Ministério da Fazenda.

Eram cinco e meia da tarde. Como a multidão nos acotovelasse, convidei o senhor Brito a tomar um aperitivo na Americana. O senhor Brito, aceso o seu cigarro, principiara a lamentar-se; e a conversa, ainda que fastidiosa, excitava a minha curiosidade.

O senhor Brito é dos homens mais notáveis da cidade. Eu é que sei. No entanto, ninguém lhe dá importância. Tem uma obesidade caída, um desânimo balofo, um desacoroçoado jeito de velho funcionário pobre que se desespera em casa com as meninas. As meninas querem vestido, precisam freqüentar a sociedade, consomem-lhe todo o ordenado. Ultimamente, deram para um furor de luxo que não tem medida. E o senhor Brito, triste, cogitativo, anda sempre assim, de fazer dó: os braços cheios de embrulhos, o paletó-saco poeirento, os cabelos grisalhos esvoaçando-lhe pelas orelhas, sob o chapéu de palha encardida.

– Senhor Brito, um vermute.

– Acho bom, doutor, acho bom.

Tem um pormenor impressionante no rosto: as sobrancelhas muito peludas, também grisalhas, como que enfarinhadas de cinza. São agressivas as suas sobrancelhas.

Na pessoa mansa do senhor Brito;esse ponto enérgico é único, isolado. Tirando as sobrancelhas, todo ele é doçura.

A pêndula do bar martelou seis horas. O senhor Brito, que ia engolir o vermute, teve uma indecisão, o cálice suspenso à boca.

Li nos seus olhos inquietos esta frase: “As meninas estão à minha espera” .

Exatamente. O senhor Brito bebeu o gole e disse:

– As meninas estão à minha espera.

Ah, a minha feroz alegria! O senhor Brito é assim: um homem que eu, há tempos, venho surpreendendo, desvendando. Tomando posse da sua individualidade sem resistência. Estou a ponto de “saber” todo o senhor Brito. Há ocasiões em que, encontrando-o, digo para mim mesmo: “Ele vai falar-me de um artigo tremendo que saiu hoje contra o presidente da República na Vanguarda”. É delicioso: o senhor Brito depois de me apertar a mão põe-me a conversar sobre vagas coisas e, de repente, como se obedecesse ao meu comando, pergunta:

– Leu hoje a Vanguarda? Que artigo tremendo! Que horror!

*****

– Tome outro vermute, senhor Brito – sacudiu a cabeça que não. – As meninas devem estar impacientes.
– E como vão elas?

– Assim, assim. O senhor é que não quis mais aparecer? (Ele pergunta isso sem o menor interesse oculto. Sabe perfeitamente que não pretendo casar-me.)

– Muito serviço, não calcula.

– Mas aos domingos, doutor! Uma vez ou outra! Dá-nos sempre muita honra e principalmente muito prazer.

– Obrigadinho, obrigadinho. Hei de aparecer. O senhor sabe que aprecio muito as suas meninas.

– Elas são boazinhas, isso é verdade. Gostam de divertir-se, de dançar, de brincar. Não pensam na vida.

Não pensam na vida! Para os seus olhos de pai essas duas interessantes princesas de arrabalde não pensam na vida. E elas não pensam senão na vida! Tratam exclusivamente de suas preciosas pessoinhas, dos seus preciosos projetos de casamento, do seu precioso luxo que custa as lágrimas secretas do pai desconsolado.

– Faça o favor, beba outro.

Aceita. E expõe o seu caso de hoje, o caso que eu há vinte minutos estou esperando, como um caçador mau, de emboscada:

– Não avalia as dificuldades que passei de ontem para cá! Imagine que era necessário arranjar um conto de réis e eu não encontrava agiota nenhum que me quisesse emprestá-lo. Afinal, sempre convenci o Moraes, aquele da Rua da Misericórdia, que por sinal todos os meses já me rói metade do ordenado. Esta vida, meu caro doutor!

– Sei o que ela é, senhor Brito. Eu também tenho os meus apertos. O vermute o pertubou um pouco, predispondo-o para a confidência. Continuo insinuando a expansão, pelo meu ar atento, pelo meu todo solícito, pelas minhas frases curtas que deixam sempre uma ponta, para o senhor Brito emendá-la com o que tem no íntimo.

– As meninas morreriam de tristeza se eu não conseguisse nada. -Ah!

– O senhor sabe, são moças, querem divertir-se.

– É natural!

– O carnaval faz todo mundo perder a cabeça. O senhor compreende: qual é o pai que numa ocasião destas não fará um sacrifício?

– Justo!

Pedi mais dois vermutes ao garçom.

– Esses empréstimos abalam muito a bolsa de um homem, senhor Brito.

– Um horror. Nem fale.

– Mas obteve, então?

Toma um gole. Chupa os beiços, enxugando-os. E desabafando: – Ah, felizmente!

– Meus parabéns sinceros.

Sorriu, feliz. Seus olhos, debaixo das sobrancelhas crespas e peludas, cintilaram contentes. As filhas morreriam de tristeza se não tivesse arranjado! Tomou outro gole.

Tive uma sensação inefável de haver ganho a tarde.

– Senhor Brito, há de me dar licença…

– Pois não, pois não!

Paguei a despesa, levantei-me. Ele bebeu o resto do cálice e levantou-se também, sobraçando os embrulhos. Senti que ia dizer-me qualquer coisa ainda sobre as meninas, sobre o carnaval, sobre aqueles embrulhos, sobre o empréstimo…

– Elas estão ansiosas. Está vendo isto? São as fantasias que já haviam escolhido na cidade. E caixas de lança-perfume. E confete.

– E serpentinas.

– Tudo!

O senhor Brito, na sua ternura, ter-me-ia abraçado se não foram os embrulhos.

– Não sabe o que é ter duas filhas, dois anjos como eu tenho!

O bonde da Gávea parara para o assalto dos passageiros. O senhor Brito ia precipitar-se, mas uma idéia lhe fuzilou no cérebro:

– Não quer tomar parte do bloco das meninas?

Desta vez o senhor Brito me apanhara de surpresa. Não gostei. Aquilo me escapara.

– Ah, elas organizaram bloco este ano?

– Alugamos um autocaminhão. Elas se lembraram do senhor mas tinham perdido o telefone da sua pensão. E eu ia-me esquecendo, que cabeça! E o Bloco das Mimosas Borboletas. Então, vem?

O bonde partia, campainhando.

– Telefone para lá!

Falou isso correndo, querendo voltar a cabeça para mim e ao mesmo tempo preparar o pulo sobre o estribo. Pulou. Dependurado, com os embrulhos lhe atrapalhando os movimentos, era sublime o senhor Brito. E o bonde virou a esquina da Rua S. José, levando a bondade, a ventura, o êxtase daquele pai. O Moraes, da Rua da Misericórdia, estava na porta da Brahma, torcendo os bigodes.

*****

Devo tomar parte do Bloco das Mimosas Borboletas?

*****

Quarta-feira de Cinzas eu entrava tranqüilamente num café quando o senhor Brito surgiu, súbito. Quase nos abalroamos.

– Oh! senhor Brito! Vamos a um cafezinho?

Estendi-lhe o braço procurando envolvê-lo pelo ombro. Ele tentou esquivar-se, esboçando uma recusa frouxa. Insisti com veemência e ele entrou, afinal, sombrio.

Observei-lhe que o laço da gravata estava desfeito. Teve um gesto nervoso, apalpando o colarinho e o peito da camisa, como se aquilo lhe tivesse feito lembrar qualquer coisa desagradável ou dolorosa.

Tive receio de pensar o que ele iria dizer-me… Aquele desleixo na gravata era significativo. Eu sabia que era Lalá, a mais velha, quem lhe dava o nó. Todas as manhãs. Ele ia dizer… Não, o senhor Brito dessa vez não disse nada.

Então puxei conversa.

– Divertiu-se muito no carnaval?

Deu de ombros, molemente, num desânimo de vida. E, puxando um cigarro de palha do fundo do bolso do paletó, fez-me com os dedos trêmulos o gesto de pedir fósforos.

Minutos escoaram-se. Não tínhamos assunto. Era mais prático nos despedirmos. .

– Bem, senhor Brito, vou aos meus negócios.

Segurou-me pelo braço. Tive um choque. A revelação ia sair. Passaram se ainda uns momentos de silêncio. Perguntou-me, enfim:

– Por que não quis tomar parte no nosso bloco?

– Ora, senhor Brito, eu não sou carnavalesco. Acredite: não saí de casa os três dias.

– Pois lamentei, lamentei muito a sua ausência.

– Ora, por quê, senhor Brito?

– O senhor é um moço sério. Se o senhor tivesse vindo, olharia pelas minhas filhas.

Senti um susto e uma pérfida vontade de rir. Tive a impressão do ridículo e, ao mesmo tempo, de um vago drama palpitante. As sobrancelhas do senhor Brito, um instante fitas em mim, moviam-se agora, acompanhando um tique nervoso de piscar, indício de comoção.

– Muito agradecido pela confiança, senhor Brito. Porém, não sei se sou digno.

– Sei eu, sei eu.

Comecei a ficar impaciente.

– Que houve de extraordinário, senhor Brito?

– Imagine o senhor que ontem, último dia, como estivesse com os meus rins muito doloridos, não pude acompanhar as meninas ao carro. Sabe, os meus rins…

– Sei, senhor Brito.

– O bloco era grande, umas trinta pessoas. Enfim, havia o Gomes, da minha repartição. O Gomes com a senhora. Fiquei tranqüilo por esse lado e confiei-lhe as meninas. Sabe, os rapazes me pareciam distintos, mas nunca é bom confiar demais.

– Claro.

– Pois meu caro, não lhe conto nada; até esta hora as meninas ainda não voltaram.

– Oh, senhor Brito!

– O Gomes está abatido. Diz que não sabe como é que elas lhe escaparam das vistas.

No rosto tranqüilo do senhor Brito, os olhos, sempre doces, faiscaram de dor. As sobrancelhas tremeram-lhe.

– É verdade o que me diz?

– Des-gra-ça-da-men-te!

Caiu-lhe a cabeça sobre o peito, no desconsolo da calamidade. Não tendo o que dizer (e já um pouco arrependido de não haver tomado parte no bloco, mas por motivos inconfessáveis) reuni todas as minhas cóleras contra aquele Gomes:

– Porém, senhor Brito, esse sujeito, esse Gomes, é um patife!

O senhor Brito fez com a cabeça que não, que o Gomes não era um patife. E disse devagar, com tristeza:

– A mulher dele também até agora não chegou em casa. íamos pela” rua cheia de povo barulhento e feliz.

– Senhor Brito, cuidado com esse auto.

Atravessamos.

Eu tentava qualquer coisa em prol daquela dor:

– Sossegue. Elas dormiram com certeza em casa de amigas”.

– Ninguém sabe delas.

– Paciência, senhor Brito, paciência. Talvez já estejam em casa, até.

Barafustamos por um telefone público. Esperamos um momento até que dona Candinha (irmã solteirona e velhusca do senhor Brito, que criara as meninas, sem mãe, desde cedo) atendeu do outro lado do fio.

– Elas já chegaram? – rompeu o senhor Brito, com a voz gritada e comovida, ansioso da resposta.

Largou o fone no gancho, sem ânimo.

– Vamos embora, doutor. Não apareceram! Não há notícias!

E fomos para o Jornal do Brasil. No balcão da gerência o senhor Brito redigiu com letra trêmula o anúncio: “Um conto de réis – Gratifica-se com um conto de réis a quem der notícias positivas sobre o paradeiro de duas moças que anteontem, vestidas à século XVIII, tomaram parte do Bloco das Mimosas Borboletas, da Gávea. Dirigir-se à Rua República de Andorra nº 7”.

O empregado do jornal pegou o anúncio, leu-o, teve um sorriso discreto e fez a conta.

O senhor Brito pagou o anúncio e saímos.

Na rua teve uma idéia repentina:

– É verdade, onde vou buscar outro conto de réis?

E a sua doce pessoa crispou-se de angústia.

*****

Ao nos despedirmos, ele queixou-se de uma dor de cabeça. Parou um momento levando a mão à testa. E, súbito, amontoou-se na calçada. Eu não tivera tempo de ampará-lo. Então, com esforço, suspendi aquela massa pesada. Pessoas que passavam me ajudaram. Estava morto.

Seu cadáver foi no automóvel da Assistência Pública para casa, depois das formalidades legais.

Acompanhei-o.

Dona Candinha estava fazendo o jantar e veio ver quem batia, manca de reumatismo, limpando as mãos no avental. Espantou-se. Atrás dos óculos, os olhos se esbugalhavam, sem compreender. Até que, como que se lembrando, deu um grito:

– As meninas! – e ergueu os braços exclamativos.

– É o senhor Brito, dona Candinha – intervim com calma. – Está doente. Muito doente.

– O Jocelino! Pobre Jocelino! Que foi que aconteceu pro Jocelino? E pôs-se a limpar os olhos com o avental sujo.

*****

Entre as pessoas que velavam o cadáver, Gomes destacava-se pelo seu ar digno de homem ferido no seu amor-próprio. A mulher desaparecera definitivamente. Suspeitava-se de um estudante de Medicina, um certo Aristóteles, sergipano, um dos influentes do bloco.

Havia quem apertasse a mão de Gomes, com comoção, apresentando-lhe condolências. Dava a impressão de um parente. A fuga da mulher estabelecera entre ele e o defunto um laço confuso de família.

Gomes agradecia, com um lenço sempre encostado ao rosto.

*****

Pela madrugada entrou Cotinha, a filha mais moça.

Entrou pé ante pé. Ninguém lhe perguntou donde vinha nem por que vinha. Havia na sala apenas três ou quatro pessoas pobres da vizinhança, além de mim. Todas as demais – Gomes inclusive – se tinham retirado por volta de meia-noite. (Gomes explicou que estava abatido, precisava retirar-se, repousar.) Dona Candinha dormia lá dentro, numa cadeira de balanço da sala de jantar, venci da pelas agitações das últimas quarenta e oito horas.

Cotinha caminhou receosa para o meio da sala e atirou-se sobre o caixão. E chorou, chorou, sacudida, como que se esvaziando a repelões.

Quando acabou de chorar, veio para onde eu estava, toda encolhida como uma criminosa, de olhos inchados e vermelhos. Apertei-lhe a mão que me estendeu e ficamos em silêncio. Depois de uns minutos, como um sentimento surdo e talvez hostil nos impelisse a explicações, perguntei:

– E dona Lalá?

– Não sei. ( Deu de ombros, espichando o beiço num muxoxo contrariado.) Cada uma de nós foi para o seu lado.

Fiquei estarrecido.

– E a senhora do Gomes?

Disse que ignorava também o destino da outra. Formosíssimo! Eis o epílogo do Bloco das Mimosas Borboletas no carnaval de 1922 na muito leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro – pensei com os meus botões.

Depois Cotinha contou que soubera da morte do pai por acaso, porque passara de automóvel pela porta, “com um senhor”… E acrescentou tímida, rompendo o pudor:

– O senhor com quem eu estou.

Tive um baque. Era possível? Um cinismo lavado de lágrimas, assim, era possível?

– Mas dona Cotinha: que bicho mordeu as senhoras, desse modo, de repente? Ficaram doidas?

Sacudiu os ombros, pondo as duas mãos nos olhos, como uma criança e chorando de novo:

– É a vida… Que é que o senhor quer?

As outras pessoas da sala olhavam-nos, a cochichar entre si. Sem dúvida faziam mau juízo. Talvez pensassem até que era eu o comparsa de Cotinha.

Um cheiro de flores pisadas e cera errava, acre. Um sentimento pungente me dominava, abafando uma vaga, uma imprecisa sensação de sarcasmo. As oito velas ardiam silenciosas em torno do caixão do senhor Brito, que tinha um crucifixo de prata à cabeça. Eu não’conseguira ainda, até aquele instante, definir o meu estado de alma. Parecia-me, profanamente, que qualquer coisa de cômico se insinuava por tudo aquilo. Talvez, porém, fosse engano meu, ruindade minha, tendência cruel do meu temperamento. No fundo, eu estava zonzo com o que me rodeava: o senhor Brito, a filha que voltava, as pessoas pobres e imbecis da vizinhança, as oito velas, o cheiro de flores pisadas, a idéia do cavalheiro com quem Cotinha passeara de automóvel, a idéia de Lalá, a idéia de Aristóteles furtando a mulher do Gomes, a lembrança do anúncio que saíra de manhã no Jornal do Brasil, o ridículo do Bloco das Mimosas Borboletas – tudo aquilo ainda não recebera uma forma definitiva no meu espírito.

Cotinha merecia umas bofetadas?

O problema de saber se Cotinha merecia ou não umas bofetadas me invadiu, súbito. Fiquei a remoer essa inspiração, como se ela encerrasse um alto valor poético ou filosófico. Eram quatro da madrugada. Um pessoa levantou-se, em bico de pés. Outra pessoa levantou-se também.

Daí a um quarto de hora Cotinha e eu estávamos sós.

Ficamos nós dois, longo tempo, calados, olhando o senhor Brito. Por duas vezes Cotinha soluçou:

– Coitado do meu paizinho!

Por outras duas vezes suspirou:

– E Lalá que não sabe de nada! Que horror!

Claridades pálidas do dia nascente entraram vagarosas pelas janelas. Um torpor me tomou. Cotinha chorava agora encostada a mim.

O barulho do primeiro bonde, que vinha vindo longe, me ergueu na cadeira. Cotinha encostou a cabeça ao espaldar, fatigada, humilhada, amarrotada, sem valor e sem destino, como uma pobre coisa.

Para vencer o torpor, tomei a deliberação de sair, de andar. Fui olhar então, de perto, o meu defunto amigo; o meu campo de observações e de conquistas psicológicas, o meu infeliz Jocelino de Brito e Sousa. O rosto estava calmo, como a sorrir. As sobrancelhas peludas continuavam agressivas, enérgicas, na fisionomia doce, doce para todo o sempre. Aquela massa humana estava agora liberta de pensar no Moraes da Rua da Misericórdia.

– Dona Cotinha, até logo, à hora do enterro.

Ela veio até a porta da sala, que dava para uma área. Levantei a gola do paletó por causa do frio da madrugada.

Estendi a mão para Cotinha. Encarei-a com piedade e revolta: gordinha, morenota, um leve buço enegrecendo-lhe o lábio superior. E irresponsável, camaradinha, fácil, derrotada nas suas vaidades de princesa de arrabalde por aquele complicado drama de fuga e morte.

Olhando-me a fito, vi nos olhos dela recordação da vida já antiga: o lar do senhor Brito, os domingos de visita ou passeio com outras pessoas que freqüentavam a casa, os projetos ambiciosos de bons casamentos, o luxo, a comodidade quotidiana de uma situação de respeito e prazer. Agora, tudo acabado, para nunca mais!

Desabou a chorar sobre o meu ombro: que era muito infeliz, que ia sofrer muito, que não sabia como perdera a cabeça, que agora estava perdida, que queria morrer também…

Consolei-a como pude, segurando-a pelos pulsos. Dei-lhe o conselho de mandar procurar Lalá (ela devia suspeitar, pelo menos suspeitar onde estivesse a irmã) e despedi-me rápido.

A rua! A rua deserta, vazia, livre, para os meus passos e para o meu rumo! Corri por ali afora, corri para alcançar o bonde e para desentorpecer. E, enquanto corria, levava a sensação de fugir a uma coisa fascinante e ameaçadora, de que eu me libertava enfim… uma coisa suave e horrenda que não poderia mais acontecer na madrugada pura do arrabalde.

Fontes:
} SALES, Herberto (org.). Antologia escolar de contos Brasileiros. 2.ed. SP: Ediouro, 2005.
} Imagem = http://paginas-com-sentimentos.blogspot.com

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Isaque de Borba Corrêa e Mozailton Santos (Lançamento do livro História da Bíblia)

A BÍBLIA certamente é o livro mais vendido no mundo e a sua história ainda não tem uma bibliografia consistente. Nem mesmo na internet encontramos informações confiáveis acerca da história do livro mais importante da humanidade.

Vamos fazer um resumo básico, usando como bibliografia a própria Bíblia. O primeiro fragmento bíblico foi o decálogo, um conjunto de 10 palavras que formavam um código, basicamente uma constituição, mais comumente denominado de dez mandamentos. Israel iria se tornar um país por ordem do próprio Deus. Sendo Deus o próprio autor desse país, não cometeria o erro de faltar com uma constituição.

O Decálogo foi uma constituição tão perfeita que até hoje os países seguem esse exemplo: um código básico, superenxuto, como deve ser toda espinha dorsal legislatória de um país. A criação do Estado de Israel, teve sua bibliografia legislativa superorganizada. A Bíblia é o livro da História de Israel. Ao contrário que muitos pensam Deus deu para Moisés no Monte Horebe, e não no Monte Sinai, duas tábuas contendo uma constituição, também chamada de dez mandamentos, por várias vezes chamado de Livro da aliança ou Livro do Pacto. O Livro da Aliança, o Livro do Pacto, o Livro das Guerras do Senhor e o Livros das Leis, especialmente esse, era os livros sagrados do povo do deserto.

Não confundam os livros sagrados com os livros do pentateuco. Esses são os livros de História do povo de Israel, que nós hoje os temos por sagrados. Eles falam dos livros sagrados do povo de Israel. Deus deu ainda o estatuto e as leis, nada mais, nada menos que códigos legislatórios que fariam o papel de leis complementares ao decálogo, funcionando como espécie de código civil. Mesmo assim, Moisés desceu do Monte Horebe num lugar chamado Sinai, apenas com duas tábuas debaixo do braço. Provavelmente os estatutos e a lei foram escritos bem mais tarde. A lei e os estatutos ficaram na memória de Moisés, para ser escrito tempos depois no Monte Ebal, hoje na cidade de Nablus na Cisjordânia.

Seria essa a famosa torah oral dos judeus? O Livro das Leis, esse mesmo, além de escrito bem depois e bem longe da Península do Sinai, no Ebal, é o mais sagrado dos livros. Também chamado de livro de Moisés ou livro das Leis de Moisés e teve que ser escrito a cal. Essa fase da Bíblia chama-se litófila, por se encontrar ainda escrita em superfícies de pedra. A pedra foi a superfície mais antiga que o homem procurou para escrever, e foi bastante duradoura, considerando que no Brasil, até nos anos 50, do século passado alunos da rede escolar usavam a lousa de pedra como caderno.

A Bíblia tinha que ser escrita em pedra, era a única superfície conhecida. Deus Não poderia dar a Moisés um livro de papel, ou código num CD ROM. Ele o fez no material que o povo conhecia. Tinha que ser escrita em pedra porque tinha que ter caráter definitivo, tinha que durar por gerações e gerações. Outro material que foi o mais usado de todos os tempos foi o barro. Escrever no barro era literalmente uma moleza, porém os livros sagrados não podiam ser escritos nesse material, uma vez que ele contém impurezas tais como fezes e urina de toda sorte de ser vivente.

Não há registro do livro sagrado em ostracas. Muito embora Josué escreveu um livro rapidamente, registrando uma incursão israelita. Não foi um livro sagrado, ordenado por Deus, foi apenas um registro histórico de uma incursão que fez, por isso provavelmente escreveu em tábuas de barro. O barro contém impurezas, por isso os antigos escribas não o usaram como base para receber o texto sagrado. Esse material, posteriormente chamado ostracon ou ostraca, foi usado por muitos e muitos anos, porém para livros laicos e pequenos documentos.

Existem outras fases na escrita, como a fase dos metais. Há referências embora muito pequenas de que fragmentos bíblicos foram escritos em diversos metais ente os quais o chumbo, bronze e ouro. No êxodo há referência de inscrições em ouro; Jó escreve em chumbo e os macabeus escreveram em placas de bronze. Há referência desses materiais na própria Bíblia. O pairo foi o primeiro dos materiais flexíveis a ser usado. No livro deuterocanônico de Tobias, lê-se que ele casou de papiro passado com Sara, num cartório local. Depois veio os pergaminhos. O Apóstolo Paulo percebe a diferença: Diz ele “traga-me os livros e os pergaminhos” .

Que livros? Os laicos evidentemente, e os pergaminhos os livros sagrados, os salmos, a torá, enfim. A Bíblia fala muito que em textos escritos em tábuas, mas que provavelmente não são literalmente tábuas de madeira e sim de argila. A tábua de madeira também não poderia receber o texto do livro sagrado, uma vez que apodrece e o cupim come. Zacarias escreveu o nome do filho provavelmente numa tabuinha de madeira, por se tratar de uma inscrição rápida e não um livro sagrado, ordenado por Deus. Como se fazia então para escrever em tábuas de pedra, sendo que o texto desses livros eram muito grandes, e há referências bíblicas que andavam de um lado para o outro com esses livros.

Não era pequeno o livro, haja vista que o escriba Esdras levou sete dias lendo ao povo, da manhã até o meio-dia. Os antigos escribas faziam uso da escrita consonantal, que eliminava vogais, preposições, espaços, pontuações e tudo mais que poupasse espaço. Isso não é novidade, quem não se lembra do bug do milênio, quando fazíamos de tudo para economizar espaço em computador Por isso, várias traduções, inclusive a Ave Maria, dizem que os dez mandamentos eram apenas dez palavras. O Livro da Aliança, não era tão grande pois cabia dentro da Arca da Aliança. A Bíblia diz que eram folhas de ardósias fatiadas em lâminas de mais ou menos um centímetro de espessura.

Se tinham de ser escritos em pedra – e de forma esculpida, para dar-lhe caráter definitivo – por que o Livro das Leis, escrito no Monte Ebal (Dt 27:2-8), não podia ser gravado na pedra com o uso de instrumentos cortantes? Por que teve de ser escrito em cal, um material extremamente corruptível? Simplesmente para que o povo mantivesse as leis na memória que era a melhor das superfícies para se gravar as leis divinas.

Sabe-se que Moisés recebeu de Deus, no Horebe, e não Sinai, duas tábuas, os estatutos e as leis (Êx 24:12). Qual a diferença entre mandamentos, juízos, preceitos, estatuto e lei, repetidas vezes citadas na Bíblia? Afinal, que diferenças poderia haver entre o Livro do Pacto ou Livro da Aliança, recebido no Sinai, para o das Leis, escrito no Monte Ebal tempos depois e muitos quilômetros adiante? Se a lei foi dada a Moisés, que leis a Bíblia diz que Abraão obedecia? (Gn 26:5) Que leis eram aquelas que Moisés comentou com seu sogro Jetro que ensinava o povo, antes de receber as tábuas no monte? (Êx 18:16)

Enfim, essas e outras centenas de informações no Livro a História da Bíblia de autoria do escritor, historiador. Isaque de Borba Corrêa em parceria com o pastor e teólogo Mozailton dos Santos. Nesse precioso livro você acompanhará toda a trajetória textual, todas os materiais, todas as versões bíblicas, toda a história por que passou a Bíblia, desde o Decálogo, passando pela Septuaginta, Vulgata, tradução de João Ferreira de Almeida para a lingua portuguesa.

Preço:: R$ 19,90

Para comprar o livro entre em http://www.marcadapromessa.org/index.php?pagina=contato&product=LIVRO%20-%20A%20História%20da%20Biblia
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Isaque de Borba Corrêa
Entrevista = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/entrevista-com-isaque-de-borba-corra.html
Sinopse de suas obras = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/isaque-de-borba-corra-sinopses-das.html
Cronica (Diversões Papa-Siri) = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/isaque-de-borba-corra-diverses-papa.html
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Pastor Mozailton dos Santos
Presidente do Ministério Marca da Promessa, atuante na Igreja Razão de Viver, o pastor Mozailton Santos é conferencista. O Pastor Mozailton é Contabilista por profissão, administrador de empresas, graduado em Teologia. Com um ministério em crescimento vem desenvolvendo obras sociais no Brasil e no exterior. É autor dos livros “Em busca do Sonho” e “Seu Tempo não Acabou” bem como vários lançamentos em CD´s e DVD´s.
É presidente da Editora Marca da Promessa, empresa que trabalha para atender o público evangélico, lançando no mercado livros, CD´s e DVD´s. Ministra estudos bíblicos e realiza palestras de motivação e encorajamento.
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Fontes:
=>Isaque de Borba Corrêa.
=> http://www.marcadapromessa.org/

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Trova VIII

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26 de maio de 2009 · 20:23

Claudio Willer (Lançamento do Livro Geração Beat)

Quer saber mais sobre uma das manifestações culturais mais originais do século XX? Leia Geração Beat, livro da Coleção L&PM Pocket Encyclopaedia, a nova série que traz livros de referência com conteúdo acessível, útil e na medida certa. Escrita por Claudio Willer, especialista no tema, tradutor da poesia de Allen Ginsberg, Geração Beat traz as principais informações sobre o revolucionário movimento da vanguarda artística e comportamental norte-americana em 128 páginas de texto claro. Você irá saber como surgiu a expressão “beat generation”; desvendar a origem deste grupo de poetas, escritores e artistas, conhecer seus principais autores, suas obras e aventuras, desde os primórdios do movimento até a chegada da beat ao Brasil.

TRECHOS:
Os beats chegaram a ser acusados de iletrados. Na verdade, são um exemplo de crença extrema na literatura, atribuindo-lhe valor mágico, como modelo de vida e fonte de acontecimentos, e não só de textos. A relação com seu tempo lhes conferiu sentido político. Contribuíram, ao se converterem em expressão de um movimento geracional, para uma abertura, um grau maior de tolerância com a diferença e a exceção, que, ainda hoje, não pode deixar de ser valorizada. […] A eclosão de uma cultura jovem, autônoma, nos anos 60, da qual, por sua extensão e complexidade, acabou ficando uma crônica viciada por estereótipos, não pode ser interpretada como rebelião consentida, nem desqualificada como burguesa, subproduto da prosperidade capitalista e indício de sua decadência. “
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CLAUDIO WILLER é poeta, ensaísta e tradutor. Nasceu em São Paulo, em 1940. Publicações mais recentes: Estra­nhas experiências, poesia (Lamparina, 2004); Volta, narrativa em prosa (Iluminuras, 1966, terceira edição em 2004); Lautréamont – Os cantos de Maldoror, Poesias e cartas – Obra completa (Iluminuras, nova edição em 2005) e Uivo e outros poemas, de Allen Ginsberg (L&PM, nova edição de bolso de 2005). Teve lançado Poemas para leer em voz alta, (Editorial Andrómeda, San Jose, Costa Rica, 2007) e uma série de ensaios sobre poesia surrealista na coletânea Surrealismo (Perspectiva, coleção Signos, 2008). É autor de outros livros de poesia e da coletânea Escritos de Antonin Artaud, esgotados. Seus vínculos são com a criação literária mais rebelde e transgressiva, como aquela ligada ao surrealismo e à geração beat. Doutor em Letras, DLCV-FFLCH-USP, tese em 2008: Um obscuro encanto: Gnose, gnosticismo e a poesia moderna. Co-edita, com Floriano Martins, a revista digital Agulha.
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Mais sobre Claudio Willer em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/cludio-willer-1940.html
Artigo: Brasil e Portugal: nossa língua, nossas literaturas, em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/claudio-willer-brasil-e-portugal-nossa.html

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Fontes:
=> Cláudio Willer, por e-mail.
=> Capa do Livro = L&PM

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Raul Pompéia (Caricaturas Reais: Estou Roubado!)

Estou roubado! exclamou o Tancredo num dia de expansões.

Ele tinha expansões. Era do seu caráter exibir-se de vez em quando voltado ao avesso. Punha na rua todas as franquezas. Franquezas ou fraquezas, como queiram, porque no caso vertente Tancredo era franco a respeito de si próprio.

Há no Norte o costume grotesco de andarem os cafajestes, durante o entrudo, com os paletós virados, mostrando o forro e as costuras, por causa do polvilho que se arremessa aos transeuntes. Tancredo fazia uma cousa assim, mais ou menos. Quando estava de lua, lá saía… Todas essas intimidades que o recato encobre, todo esse estofo que forma o avesso das aparências sociais, ele punha à mostra. Inventava, no gênero cômico, o extremo oposto de Tartufo. Exibia desabridamente o forro de si mesmo.

Alguns dias depois de casado encontra-se ele com o primeiro conhecido. Era por um dia dos tais. Falam do consórcio.

Estou roubado! bradou Tancredo.

– Pois esse casamento não era o teu sonho de ventura?!

– Ah! meu amigo. Enganei-me redondamente… Sabes o meu gênio… Eu sonhava um amor de fogo. Chamas, chamas, chamas, um amor vulcânico, feito de incêndio e lava, um inferno de amor que me calcinasse o peito… Imagina lá que me saiu uma esposa fria!… Fria, meu amigo!… Estou casado com o polo Norte em pessoa!… Lembras-te do Capitão Hatteras de Júlio Verne?…Minha mulher é aquilo… Ora só a mim sucederia uma destas… Casado com um iceberg!

– Pois não a conhecias?

– Ora, qual! ver, amar, casar, foi o que fiz…

“Sonhava uma mulher ardente, com pólvora nas veias, capaz de voar pelos ares ao fogo da minha paixão. Qual explosão nem nada!… Aos meus afagos, boceja! Desarma os meus carinhos com uma frieza revoltante… Não sei a que expediente recorrer…

– Mas a tua esposa não te ama?

– Eu lá sei!… As mulheres frias amam alguém neste mundo? O que afianço é que a minha cara-metade me congela… Não sei como, a estas horas, não estou sorvete, exposto aos rigores daquele inverno!… Inverno, meu bom amigo, inverno para mim que sonhava um matrimônio de primaveras e verões. Quem diria! quando eu me inflamava ao fogo daquele olhar… que naquele olhar não havia fogo! Tanto viço, tanta mocidade! e uma frieza tamanha.

Ao vê-la, eu acreditava na embriaguez do amor, na febre do sentimento, no vinho de Hebe e nos seus efeitos. Qual vinho de Hebe! Puro Fritz, Mack & C. Ainda em cima, frappé!…

“Estou roubado! roubado nas minhas ilusões!… Queria uma mulher… E o senhor meu sogro serviu-me uma cajuada! Ora, cajuadas tenho eu no Leite Borges!… Banhos frios, de igreja… quando tinha o meu chuveiro!…

– Homem, Tancredo, não acredito muito nessa história de mulheres de gelo… A questão é achar-se a corda sensível…

– Qual corda sensível!… Minha mulher não tem corda sensível!…

Fontes:
Biblioteca Virtual.
Imagem = http://studionq6.wordpress.com

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Prêmio Portugal Telecom divulga os 50 livros selecionados

O prêmio Portugal Telecom divulgou nesta quarta-feira os 50 livros selecionados para a próxima fase da premiação. Veja a lista completa:

· “Pássaros de Voo Curto”, Alcione Araújo
· “Circenses”, Alkmar Santos
· “Como se Caísse Devagar”, Annita Costa Malufe
· “Ontem Não Te Vi em Babilônia”, António Lobo Antunes
· “Noite Nula”, Carlos Felipe Moisés
· “Flores Azuis”, Carola Saavedra
· “Poemas da Recordação e Outros Movimentos”, Conceição Evaristo
· “O Conto do Amor”, Contardo Calligaris
· “O Maníaco do Olho Verde”, Dalton Trevisan
· “Cordilheira”, Daniel Galera
· “Cinemateca Eucanaã”, Ferraz
· “Retrato Desnatural”, Evando Nascimento
· “Canalha!”, Fabrício Carpinejar
· “Marcelino”, Godofredo de Oliveira Neto
· “Aprender a Rezar na Era da Técnica”, Gonçalo Tavares
· “A Filha do Escritor”, Gustavo Bernardo
· “Ravenalas”, Horácio Costa
· “A Eternidade e o Desejo”, Inês Pedrosa
· “O Livro das Emoções”, João Almino
· “Acenos e Afagos”, João Gilberto Noll
· “Cemitério de Pianos”, José Luís Peixoto
· “Lisbon Blues”, José Luiz Tavares
· “A Viagem do Elefante”, José Saramago
· “Memórias de um Intelectual Comunista”, Leandro Konder
· “A Arte de Produzir Efeito Sem Causa”, Lourenço Mutarelli
· “O Osso Côncavo e Outros Poemas”, Luís Carlos Patraquim
· “A Casa da Minha Infância”, Luis Nassif
· “O Livro das Impossibilidades”, Luiz Ruffato
· “Contos Eróticos”, Luiz Vilela
· “Memórias Inventadas – A Terceira Infância”, Manoel de Barros
· “Rasif”, Marcelino Freire
· “Animais em Extinção”, Marcelo Mirisola
· “O Livro dos Nomes”, Maria Esther Maciel
· “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”, Mia Couto
· “A Primeira Mulher”, Miguel Sanches Neto
· “Rio das Flores”, Miguel Sousa Tavares
· “Órfãos do Eldorado”, Milton Hatoum
· “Manual da Paixão Solitária”, Moacyr Scliar
· “Ó”, Nuno Ramos
· “Cinco Lugares da Fúria”, Pádua Fernandes
· “A Fábrica do Feminino”, Paula Glenadel
· “Predadores”, Pepetela
· “Chocolate Amargo”, Renata Pallottini
· “Todos os Cachorros são Azuis”, Rodrigo de Souza Leão
· “Galiléia”, Ronaldo Correia de Brito
· “De Paixões e de Vampiros”, Ruy Espinheira Filho
· “Jornada com Rupert”, Salim Miguel
· “Heranças”, Silviano Santiago
· “O Livro Amarelo do Terminal”, Vanessa Barbara
· “Satolep”, Vitor Ramil

Fontes:
Reportagem da Folha de S.Paulo , recolhida pela escritora Neida Rocha.

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James Joyce (Arábia)

A Rua North Richmond, uma rua sem saída, era muito tranqüila, exceto na hora em que a Christian Brother’s School liberava os alunos. Uma casa de dois andares, desabitada e isolada de ambos os lados, bloqueava-lhe uma das extremidades. As outras residências, cônscias das vidas decentes que abrigavam, fitavam-se com imperturbáveis fachadas escuras.

O antigo inquilino de nossa casa, um sacerdote, havia morrido na sala dos fundos. Nos cômodos longamente fechados flutuava um odor de mofo e o quarto de despejo, atrás da cozinha, estava abarrotado de papéis velhos. Entre eles encontrei algumas brochuras com as páginas úmidas e onduladas: O Abade, de

Walter Scott, O Devoto Comungante e as Memórias de Vidocq. Gostei mais deste último por causa de suas folhas amareladas. O quintal abandonado, atrás da casa, tinha no centro uma macieira e alguns arbustos esparsos, sob um dos quais encontrei a bomba enferrujada da bicicleta do antigo morador. Tinha sido um padre muito piedoso e, no testamento, deixara todo seu dinheiro para instituições de caridade e a mobília da casa para a irmã.

Ao chegarem os curtos dias de inverno, o crepúsculo caía antes que tivéssemos terminado o jantar. Quando saíamos à rua, as casas se encontravam mergulhadas na sombra. O pedaço de céu sobre nós era de um violeta cambiante, contra o qual os postes erguiam a pálida luz de suas lanternas. Aguilhoados pelo vento gélido, brincávamos até nos esbrasearmos e nossos gritos ecoavam na rua silenciosa. O curso dos brinquedos conduzia-nos às vielas escuras e lamacentas atrás de nossas casas, onde desafiávamos os rudes moradores dos barracos, aventurando-nos até os portões de quintais sombrios e úmidos, impregnados do cheiro fétido das fossas, ou aproximando-nos de estábulos escuros e odorosos, onde, às vezes, um cocheiro escovava e lustrava seu cavalo ou fazia tilintar os arreios de fivelas metálicas. Ao retornarmos à nossa rua, a luz das cozinhas projetava-se através das janelas, nos pequenos terraços. Se percebíamos meu tio virando a esquina, ocultávamo-nos num lugar escuro até termos certeza de que entrara em casa. E se a irmã de Mangan vinha à porta chamá-lo para o chá, continuávamos escondidos, observando-a perscrutar a rua, para ver se desistia. Se não tornava a entrar, deixávamos o esconderijo e, resignadamente, dirigíamo-nos à escada da casa de Mangan, no alto da qual ela nos esperava. A silhueta de seu corpo recortava-se na luz da porta entreaberta. Mangan relutava sempre antes de obedecer e eu ficava junto à balaustrada, contemplando-a. O vestido rodava quando ela movia o corpo e a macia trança de seus cabelos saltava de um ombro para outro.

Todas as manhãs, sentava-me no assoalho da sala da frente para vigiar a porta da sua casa. Levantava a cortina apenas alguns centímetros a fim de que ninguém pudesse me descobrir. Meu coração disparava ao vê-la surgir à porta. Corria para o vestíbulo, apanhava meus livros e seguia-a. Conservava sua figura morena sempre à vista e, ao nos aproximarmos do ponto em que nossos caminhos divergiam, apressava o andar e passava à sua frente. Isto repetia-se todas as manhãs. Nunca havia falado com ela, a não ser algumas frases ocasionais e, no entanto, para o meu sangue inebriado seu nome era um apelo irresistível.

Sua imagem acompanhava-me mesmo nos lugares menos românticos. Nas noites de sábado, quando minha tia ia fazer compras no mercado, eu a acompanhava para ajudar com os pacotes. Caminhávamos pelas ruas iluminadas, acotovelando-nos com os bêbados e as mulheres que pechinchavam, em meio às imprecações dos trabalhadores, aos gritos dos garotos que montavam guarda às barricas cheias de cabeças de porco e à voz fanhosa dos cantores de rua, que interpretavam uma canção popular sobre O’Donovan Rossa ou uma balada a respeito dos problemas do país. Todos esses ruídos convergiam numa única sensação vital para mim: imaginava conduzir meu cálice incólume, através de uma multidão, de inimigos. Certos momentos, seu nome brotava-me dos lábios em estranhas preces e rogos que eu mesmo não compreendia. Meus olhos enchiam-se de lágrimas (não saberia dizer a razão) e, às vezes, uma torrente parecia transbordar meu coração e inundar-me o peito. Pouco me preocupava o futuro. Não sabia se falaria ou não com ela e, se o fizesse, de que modo revelaria minha tímida adoração. Meu corpo, porém, era uma harpa cujas cordas vibravam às suas palavras e gestos.

Certa noite, fui à sala dos fundos onde o padre havia morrido. Era uma noite chuvosa e a casa estava em completo silêncio. Através de uma vidraça quebrada, eu ouvia a chuva bater contra a terra, as finas e incessantes agulhas de água tamborilando nos canteiros encharcados. Bem longe, brilhava uma luz ou janela iluminada. Agradava-me enxergar tão pouco. Os meus sentidos todos pareciam embotar-se e, a ponto de desfalecer, apertei as mãos até meus braços começarem a tremer, murmurando: Ó amor! Ó amor!

Afinal, ela falou comigo. Às suas primeiras frases, fiquei tão encabulado que não soube o que responder. Perguntou-me se eu pretendia ir ao Arábia. Não me recordo se respondi ou não. Ela disse que adoraria ir, pois devia ser uma esplêndida quermesse.

— E por que não vai? — perguntei.

Enquanto falava, ela fazia girar um bracelete de prata. Não poderia ir porque seu colégio faria retiro naquela semana. Nesse momento, seu irmão e dois outros meninos brigavam por causa dos bonés e encontrava-me sozinho junto à balaustrada. Ela se apoiara numa das barras e inclinava o corpo em minha direção. A luz do poste diante de nossas casas roçava a curva nívea de seu pescoço, inflamando-lhe os cabelos. Alcançava, mais embaixo, sua mão sobre a grade e revelava, ao tocar-lhe o vestido, a ponta do saiote que se deixava entrever em sua lânguida postura.

— Você é que devia ir — afirmou ela.

— Se eu for — prometi — trarei uma lembrança para você.

Acordado ou sonhando que loucas e intermináveis fantasias consumiram meus pensamentos a partir dessa noite! Queria suprimir os fastidiosos dias de espera. Os deveres da escola irritavam-me. À noite, no quarto, durante o dia, na aula, sua imagem interpunha-se entre meus olhos e a página que me esforçava em ler. No silêncio em que minha alma vagava luxuriosamente, as sílabas da palavra Arábia atiravam-me num encanto oriental. Pedi permissão para ir à quermesse no sábado à noite. Minha tia surpreendeu-se e disse esperar não se tratasse de uma reunião da franco-maçonaria. Na aula, quase não respondia às questões. De amável, o olhar do professor tornava-se severo. “Espero que não esteja ficando preguiçoso”, disse ele. Não conseguia, ordenar meus pensamentos errantes. Quase não tinha paciência para suportar os deveres cotidianos que, interpondo-se entre mim e meu desejo, pareciam brinquedos de criança, brinquedos desagradáveis e monótonos.

Na manhã de sábado lembrei a meu tio que desejava ir à quermesse. Se atarefava-se junto ao porta-chapéus, procurando a escova e respondeu rispidamente:

— Já sei menino, já sei.

Como ele se encontrava no vestíbulo, não pude ir à sala da frente postar-me à janela. Senti que o mau humor imperava na casa e fui desanimado para a escola. Fazia um frio implacável e meu coração já se mostrava receoso. Meu tio não havia chegado, quando voltei para o jantar. Ainda era cedo, Sentei-me e fiquei olhando para o relógio, mas seu tique-taque acabou por me irritar e sai da sala. Subi a escada e ganhei o andar superior da casa. Os cômodos frios, desertos e escuros aliviaram-me a tensão. Atravessei-os cantando. Da janela da frente, vi meus companheiros brincando na rua lá embaixo. Seus gritos chegavam-me amortecidos e confusos. Apertando a testa contra o vidro gélido, olhei para a casa de tijolos escuros em que ela morava. Devo ter ficado, ali quase uma hora, vendo apenas, retida na memória, sua imagem num vestido marrom, tocada de leve pela luz na curva do pescoço, na mão sobre a grade, na barra do vestido.

Ao descer, encontrei a senhora Mercer sentada junto à lareira. Era uma velha mexeriqueira, viúva de um usurário, que colecionava selos usados com um objetivo piedoso qualquer. Tive de suportar sua tagarelice durante o chá. O lanche prolongou-se por mais de uma hora e meu tio não chegava. A senhora Mercer levantou-se para ir embora. Sentia não poder esperar mais, disse ela, mas passava das oito e não gostava de estar fora de casa até muito tarde, pois o frio fazia-lhe mal. Quando saiu, comecei a andar pela sala com os punhos cerrados.

— Talvez tenha de desistir da quermesse por esta noite de Nosso Senhor — prenunciou minha tia.

Às nove horas, ouvi o ruído da chave de meu tio na porta de entrada. Escutei-o resmungar e o porta-chapéus balançar ao peso do seu casaco. Sabia interpretar esses sinais. Na metade do jantar, pedi-lhe que me desse o dinheiro para ir à quermesse. Ele havia esquecido.

— Todo mundo já está na cama e no segundo sono — disse ele.

Não ri. Minha tia interveio enérgica:

— Por que não dá logo o dinheiro e o deixa ir? Já o fez esperar muito tempo.

Meu tio declarou sentir muito ter se esquecido. Disse que acreditava no velho ditado: “Só trabalho e nenhum prazer é que faz de Jack um triste rapaz”. Indagou-me aonde ia e quando tornei a explicar, perguntou-me se conhecia O Adeus do Árabe ao seu Corcel. Quando eu saía pela cozinha, ele começava a recitar os primeiros versos do poema para minha tia.

Apertando na mão o florim que recebera, desci a rua Buckingham. As calçadas iluminadas e repletas de compradores que deixavam as lojas deram novo alento ao propósito de minha viagem. Acomodei-me num vagão de terceira classe no trem deserto. Após insuportável demora, o trem se moveu vagarosamente. Arrastou-se entre casas em ruínas e sobre o rio cintilante. Na estação de Westland Row, a multidão comprimiu-se contra as portas do vagão, mas os fiscais fizeram-na recuar, dizendo que aquele era um trem especial para a quermesse. Permaneci sozinho no vagão. Minutos depois o trem parou diante de uma plataforma improvisada. Ao descer, vi no mostrador iluminado de um relógio que faltavam dez minutos para as dez. Diante de mim estava o imenso edifício, ostentando o mágico nome.

Não encontrei nenhum guichê de seis pence e, com medo de que a quermesse fosse fechar, passei rapidamente por uma das borboletas, pagando um xelim ao porteiro de ar fatigado.

Ingressei num vasto saguão, circundado à meia altura por uma galeria. Quase todas as barracas estavam fechadas e parte do saguão achava-se às escuras. Reinava ali o silêncio de um templo vazio. Caminhei timidamente para o centro do edifício. Algumas pessoas estavam reunidas diante das barracas ainda abertas. À frente de uma cortina, sobre a qual se desenhava em lâmpadas coloridas o nome Café Chantant, dois homens contavam dinheiro numa bandeja. Eu ouvia o tilintar das moedas caindo.

Recordando com dificuldade o motivo que me trouxera, aproximei-me de uma das barracas e examinei alguns vasos de porcelana e aparelhos de chá ornados de flores. Na porta da barraca uma jovem conversava e ria com dois rapazes. Notei-lhes o sotaque britânico e ouvi imprecisamente o que diziam:

— Ó, eu nunca disse isso!

— Ó, disse sim!

— Não disse!

— Ela não disse?

— Sim, eu ouvi.

— Ó, que mentiroso!

Percebendo minha presença, a jovem aproximou-se e perguntou-me se desejava comprar alguma coisa. O tom de sua voz não era encorajador. Parecia ter falado comigo por obrigação. Olhei humildemente para dois grandes jarros que, como sentinelas orientais, postavam-se à sombria entrada da barraca e murmurei:

— Não, obrigado.

A jovem mudou a posição de um dos vasos e retornou aos rapazes. Voltaram à discussão anterior. A jovem olhou-me uma ou duas vezes por sobre o ombro. Embora soubesse que era uma atitude inútil, permaneci algum tempo diante da barraca, para acentuar a impressão de que estava realmente interessado naqueles objetos. Finalmente, voltei-me e caminhei devagar para o meio do saguão. Soltava as moedas dentro do bolso, fazendo-as bater uma na outra. No fundo da galeria, alguém gritou que a luz fora desligada. A parte superior do saguão estava agora completamente apagada.

Fitando a escuridão, eu me vi como uma criatura tangida e ludibriada por quimeras. Meus olhos queimavam de angústia e ódio.

Fontes:
JOYCE, James. Dublinenses. SP: Biblioteca Folha, 2003. (Tradução de Hamilton Trevisan).

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I Expozine de Itu (SP) foi um Sucesso!

A Biblioteca Comunitária Waldir de Souza Lima em Itu – SP, foi o espaço da I Expozine de Itu (Exposição de Fanzines). O evento que aconteceu no último dia 24 de maio (sábado) foi um grande sucesso, pois foram várias as atividades e atraiu um grande público interessado nesse movimento, que já existe há décadas. Vários fanzineiros estiveram presentes no evento, mas o principal destaque foi a presença do cartunista e roteirista paulista Júlio Maga. Além da oficina de fanzines coordenada por Paulo Ernesto, teve também uma sensacional palestra com o Professor da USP, Gazy Andraus e exposição de fanzines de várias partes do país. Na ocasião foi aberto um espaço na biblioteca com o nome de Gibiteca Moacir Torres, uma homenagem feita pelos organizadores ao cartunista Indaiatubano. Agradecimentos especiais a Paulo Ernesto Aranha e José Renato Galvão pelo importante evento e também pela grande homenagem

Veja mais sobre o evento em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/ponto-de-leitura-de-itu-realiza-amanha.html

Fonte:
Biblioteca Comunitária Waldir de Souza Lima

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José Renato M. Galvão (Mas afinal o que é “Fanzine?”)

Em cerca de um mês de divulgação do evento, temos nos deparado com muitas pessoas perguntando: “o que é na verdade um FANZINE? Já ouvi falar nessa palavra mas até hoje não sei o que significa.“

Não foram poucas as pessoas que fizeram esse questionamento e na minha opinião isso se explica facilmente: pelo simples fato de que o FANZINE, ou ZINE, como carinhosamente é chamado pelos seus fazedores, é uma publicação independente que praticamente não conta com nenhuma divulgação além da que é feita pelos seus editores e amantes do gênero.

A literatura sobre o tema é escassa, iremos apresentar alguns livros na EXPOZINE, mas na verdade o material bibliográfico para estudo dos ZINES acabam sendo as próprias publicações.

A mídia gorda (como escreve Mylton Severiano) não tem nenhum interesse em propagar a cultura dos ZINES, afinal pela sua própria essência o ZINE é a anti-imprensa corporativa, empresarial, cartelista, comercial, banal, corrupta, sensacionalista e golpista.

Os ZINES assumem-se como imprensa parcial, ou seja, deixam bem claro que são publicações de fãs e amantes de uma ou várias manifestações culturais. A própria origem da palavra vem dos termos ingleses FAN(FANATIC = fã) e ZINE (MAGAZINE = revista). Não buscam a tão valorizada imparcialidade ou neutralidade da imprensa, que via de regra esconde uma posição bem definida em prol das elites midiáticas que comandam o país, vide Globo, Veja, Época, Folha, Estadão, Band, Record e outras.

O FANZINE segue o conceito do-it-yourself (faça você mesmo) propagado pelo movimento punk na década de 1970. É algo que incentiva a criatividade e insere grande quantidade de indivíduos, principalmente jovens, no processo de disseminação da informação e da cultura. É um exercício de democracia, cidadania e liberdade de expressão.

Infelizmente o fator econômico é o maior percalço para os editores, impedindo grandes tiragens, o que torna essas publicações conhecidas somente na sua região ou município e ainda assim apenas entre o público fiel à temática proposta.

Entretanto os zineiros, com sua grande capacidade de comunicação e articulação, promovem uma extensa rede alternativa de contatos e divulgação, antecipando o conceito de links utilizado pela web. Dificilmente se encontra um zine que não tenha uma seção dedicada à divulgação dos amigos.

Talvez esse seja o maior diferencial dos FANZINES para com a imprensa comercial: a cooperação, a camaradagem, a amizade, ao invés da competição, individualismo e egoísmo tão presentes na mídia corporativista. Mesmo no caso dos ZINES que são vendidos, seus editores sempre encontram um jeitinho para descolar um exemplar para quem não tem grana no momento, muitas vezes cobrindo até os custos de postagem.

Podemos fazer uma analogia dos ZINES com relação á mídia gorda. É como se compararmos um mercado de bairro ou uma venda a uma rede de hipermercados. No primeiro caso a relação é mais humana e cordial, sabemos quem é o dono do comércio e negociamos diretamente com ele; no segundo caso a relação é impessoal, geralmente feita com uma máquina ou com uma pessoa que age como máquina.

Outra característica importante dos ZINES é sua diversidade. Chega mesmo a ser um trabalho artesanal, onde o editor domina todas (ou quase todas) as etapas do processo de produção. Podemos afirmar até que é uma atividade desalienante, se analisarmos pela ótica marxista. É uma explosão de tamanhos, formatos e cores (e preços também…). É uma atividade que visa o prazer em primeiro lugar; o lucro, se vier, é consequência.

Nos anos 1970 e 80 a maior parte das publicações independentes utilizava a máquina de escrever e o mimeógrafo para sua confecção; atualmente utiliza-se a internet, a editoração eletrônica, a reprografia e a impressão a laser e off-set. Mas o mais admirável é sabermos que a qualquer momento podemos ver um ZINE no formato mais artesanal e utópico possível. Frequentemente somos surpreendidos com a criatividade de inventores que insistem em ser independentes, alternativos e LIVRES, investindo tempo e dinheiro nessa atividade genial e maravilhosa de montar um FANZINE.

Esses editores talvez nem saibam mas acabam invertendo e subvertendo a principal equação do capitalismo moderno, na qual TEMPO = DINHEIRO.

Fontes:
=> Artigo de José Renato M. Galvão, da Biblioteca Comunitária Waldir de Souza Lima, em 08/05/2009. Disponível em http://bibliotecacomunitaria.wordpress.com/2009/05/08/1ª-expozine-de-itu-mas-afinal-o-que-e-fanzine/
=> Imagem = montagem de José Feldman

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João Guimarães Rosa (Sagarana) (Parte II)


Artigo do prof. Teotônio Marques Filhos
Parte I = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/joao-guimaraes-rosa-sagarana-parte-i.html
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5. Técnica Narrativa

Com relação à técnica narrativa de Guimarães Rosa, empregada em Sagarana, vamos destacar alguns itens:

A) Sintaxe Pontilhista

De um modo geral, as descrições de Guimarães (principalmente as descrições) são entrecortadas por frases curtas e rápidas, dando especial atenção à frase nominal. Trata-se de uma sintaxe telegráfica, ou, na expressão de David Hayman, “uma espécie de estenografia literária”.

Destaquemos aqui um exemplo:
Uma porteira. Mais porteira. Os currais. Vultos de vacas, debandando. A varanda grande. Luzes. Chegamos. Apear”. (182).

A passagem acima é de “Minha Gente” e exemplifica, com clareza, essa sintaxe pontilhista ou telegráfica, freqüente no estilo de Guimarães. É como se o escritor estivesse tomando nota para redigir depois.

Outro exemplo expressivo é este de “Conversa de Bois”, onde a repetição do verbo “passar” no pretérito perfeito, e depois o uso do verbo sumir, sugere a distância em que foram ficando os carreiros que encontram Seo Agenor Soronho:
Passam. Passaram. Sumiram. O carro aqui rechina mais forte, outra vez” (292).

B) História Entrecortada

Trata-se de um aspecto do estilo de Guimarães decorrente da sua espantosa capacidade de fabulação de que já tratamos em item anterior. Tal técnica parece conferir maior espontaneidade e autenticidade à oralidade que perpassa os seus casos. Um bom exemplo é aquele de “O Burrinho Pedrês”, onde Raymundão, ao mesmo tempo que vai tangendo as reses, conta para Badu, outro vaqueiro, a história trágica do boi Calundu. Volta e meia, Raymundão entrecorta o caso, para cuidar do rebanho ou de uma rês que quer fugir.

C) Reticências

As reticências denotam interrupção do pensamento ou hesitação em enunciá-lo. É recurso muito usado em Sagarana, o que confere ao texto maior autenticidade e expressividade oral. Vejamos um exemplo de “Volta do Marido Pródigo”, na cena final em que o Major Anacleto, chefe político do interior, ficou sem saber o que fazer e o que falar diante das ilustres personalidades que o visitaram inesperadamente.

“- Ah, que honra, mas que minha honra, senhor Doutor Secretário do Interior… Entrar nesta cafua, que menos merece e mais recebe… Esteja à vontade! Se execute! Aqui o senhor é vós… Já jantaram/ ô diacho… Um instantinho, senhor Doutor, se abanquem… Aqui dentro, mando eu – com suas licenças -: mando o Governo se sentar… P’ra um repouso, o café, um licor… O mano Laudônio vai relatar! Ah, mas Suas Excelências fizeram boa viagem?…” (113 e 114).

Também, para interromper e continuar o fio de uma história Guimarães usa as reticências.

Estrutura do Livro

Sagarana (composto de saga + rana) é um livro constituído de nove contos. Muito deles, entretanto, fogem às características do conto, apresentando estrutura ora do romance (cf. “O Burrinho Pedrês”), ora da novela (cf. “A Volta do Marido Pródigo)”.

A Seguir, vamos fazer a apresentação do enredo de cada um deles, comentando o seu conteúdo temático.

1. “O Burrinho Pedrês”

O burrinho Sete-de-Ouros, decrépito, torna-se uma cavalgadura de emergência para um dos vaqueiros do Major Saulo, os quais tinham que transportar uma boiada (quatrocentos e oitenta reses) até uma cidade, donde deverá ser transportada por trem.

Durante a viagem chove muito. Os vaqueiros relatam casos do seu mundo: o caso do boi Calundu que, inexplicavelmente, mata Vadico, filho do Seu Neco Borges; e o caso de Leôncio Madureira, homem herodes, que vendia o gado e depois mandava cercar os boiadeiros na estrada, para matar e tornar a tomar os bois – A conseqüência dessas malvadezas foi que, “quando ele morreu, e os parentes estavam fazendo quarto ao corpo, as vacas de leite começaram a berrar feio, de repente, no curral. Coisa que o garrote preto urrava:

– Madurêra!… Madurêra!…

E as vacas respondiam, caminhando:

– Foi p’r’os infernos!… Foi pr’r’os infernos…!” (pág. 44)

Chegam ao destino. Põem a boiada no trem e retornam sob o comando de Francolim, posto o major ter permanecido na cidade. Uma tragédia paira sobre as cabeças: Silvino quer matar Badu; a escuridão trevosa envolve a noite; a enchente embarga a travessia. Os vaqueiros enfrentam as trevas, com exceção de João Manico e Juca, sendo tragados pela fúria das águas daquela noite sinistra.

Apenas de salvam o Francolim e Badu, o primeiro agarrado à cauda de Sete-de-Ouros, o segundo à crina do prestimoso burrinho que, alquebrado, decrépito, desacreditado, salvara duas vidas humanas.

Em “O Burrinho Pedrês”, primeiro dos nove contos, Guimarães procura mostrar, tendo como pano de fundo o mundo dos vaqueiros, que todos têm a sua hora e sua vez de ser útil. É o caso do burrinho Sete-de-Ouros: “a gente segue a esperteza mansa do bicho, a sua finura de instinto e inteligência que o faz poupar-se, furtar-se a choques e maus pisos e, por fim, orientar-se e salvar-se numa cheia onde os cavalos afogam, carregando um bêbado às costas e ainda outro náufrago enclavinhado no rabo” – ressalta Oscar Lopes.

E observe-se que tudo é colocado como coisa do Destino, acontecida por acaso, dentro do espaço de um dia:

Mas nada disso vale fala, porque a estória de um burrinho, como a história de um homem grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida. E a existência de Sete-de-Ouros cresceu toda em algumas horas – seis da manhã à meia-noite – nos meados do mês de janeiro de um ano de grandes chuvas, no vale do Rio das Velhas, no centro de Minas Gerais.” (pág. 4).

E veja-se que as outras histórias contadas no decorrer do conto estão também neste sentido: os caprichos inexplicáveis do Destino que esmaga o homem.

Dentro desse Fatalismo sobressai a hora e vez de Sete-de-Ouros, apenas um burro.

2. A Volta do Marido Prodígio

O marido pródigo é Lalino Salãthiel – Eulálio de Souza Salãthiel, por completo. É homem de muito riso, de muita graça e pouco trabalho:

Mulatinho levado! Entendo um assim, por ser divertido. E não é de adulador, mais sei que não é covarde. Agrada a gente, porque é alegre e quer ver todo-o-mundo alegre, perto de si. Isso, que remoça. Isso é reger o viver.” (pág. 78).

Mas o que o Lalino queria mesmo era (des)venturar por este mundo, pelo Rio de Janeiro. Deixou a mulher, Maria Rita, entregue (ou vendida) ao Ramiro, um espanhol que há muito a perseguia. Lalino foi. O espanhol ficou. Maria Rita chorou e… depois se acomodou ao espanhol.

No Rio, o marido pródigo logo se enfara da beleza e das beldades: volta o marido pródigo:

“- Quero só ver a cara daquela gente, quando eles me enxergarem!…” (87)

Espanto pasmagórico. Olhos que se arregalam e enregelam. Lalino, o que vendera a mulher, voltara.

Entra na política do Major Anacleto. Faz o diabo. Tudo dentro dos conformes e da paz. Lalino tinha tino e tirocínio. Tinha diplomacia, sim senhor, tinha: “E falando nisso, que magnífico, o senhor Eulálio! Divertira-os! o Major sabia escolher os seus homens. Sim, em tudo o Major estava de parabéns…” (114) – é elogio graúdo. De altas personalidades. Gente do governo.

Final feliz.

Maria Rita volta. O Major aceita. O dia afoita. Falece a (des)ventura. De Lalino. De Maria Rita: “Então, o Major voltou a aparecer na varanda, seguro e satisfeito, como quem cresce e acontece, colaborando, sem o saber, com a direção escondida-de-todas-as­-coisas-que-devem-depressa-acontecer”. (115).

As eleições estavam ganhas com a volta do marido pródigo: “no brejo – friíssimo e em festa – os sapos continuavam a exultar” (116).

– “A Volta do Marido Pródigo” apresenta também, de forma picaresca, os caprichos do Destino: Lalino, o marido pródigo, dá voltas e desvoltas pela vida, e acaba tudo bem. Com a mulher. Com a política. Consigo mesmo:

No alto, com broto de brilhos e asterismos tremidos, o jogo de destinos esteve completo. Então, o Major voltou a aparecer na varanda, seguro e satisfeito, como quem cresce e acontece, colaborando, sem o saber, com a direção-escondida-de-todas-as-coisas-que-devem-depressa-acontecer.” (pág. 115). O que tem que acontecer, acontece.

3. “Sarapalha

A ação de “Sarapalha” se desenvolve sobre um monte de ruínas causadas pela maleita: “Ela veio de longe (…) matando muita gente” (117).

E o resultado da calamidade foi a morte e tristeza dos moradores: “os primeiros para o cemitério, os outros por aí afora, por este mundão de Deus” (117).

Numa fazenda em ruínas, “perto do vau da Sarapalha”, Primo Ribeiro, ora em diálogo, ora em monólogo, vai reconstituindo, alquebrado e decrépito pela maleita, a sua história ao Primo Argemiro, uma das poucas pessoas que lhe restaram. Trágica e triste história a do Primo Ribeiro: Luisa, a sua mulher, fugira com outro, deixando-o só com sua maleita: “- P’ra que é que há-de haver mulher no mundo, meu Deus?…” (130) – pondera Primo Argemiro.

Mas ao saber que o Primo Argemiro pretendia-lhe a mulher também, Primo Ribeiro enxota-o da sua presença, e Argemiro dos Anjos sai por aí, perambulando por entre malei­tas e belezas, buscando um lugar para cair e morrer:

“- Mas, meu Deus, como isto é bonito! Que lugar bonito p’ra gente deitar no chão e se acabar” (137).

– “Sarapalha” é de linha trágica, o que contrasta com o conto anterior. Mostra não só um mundo em ruínas, ainda fumegando os efeitos da Malária, como a infidelidade feminina com o conceito de honra do sertanejo. São dois mundos em ruínas: a população vitimada pela maleita e o primo Ribeiro sucumbido pela mulher infiel: “a maleita era uma mulher de muita lindeza” (132)

4. O Duelo

O duelo, que não houve propriamente, foi entre Turíbio Todo e Cassiano Gomes. Motivo d’honra: Turíbio encontra, certa vez, voltando a casa “sem contra-aviso”, a mulher “em pleno adultério” com o Cassiano Gomes. O marido chifrado não fez nada. Preferiu agir traiçoeiramente e assim procurou dar finalmência ao desonrador, “baleando-o bem na nuca.”

Quanto à esposa, Dona Silvana, o narrador escreve irônica e humoristicamente:

Nem por sonhos pensou em exterminar a esposa (Dona Silvana tinha grandes olhos bonitos, de cabra tonta), porque era um cavalheiro, incapaz da covardia de maltratar uma senhora, e porque basta, de sobra, o sangue de uma criatura, para lavar, enxaguar e enxugar a honra mais exigente.” (pág. 142)

Mas enganara-se o Turíbio Todo: “eliminara não o Cassiano Gomes, mas sim o Levindo Gomes, irmão daquele”. Foi exatamente esse engano “que veio pôr dois bons sujeitos, pacatíssimos e pacíficos, num jogo dos demônios, numa comprida complicação”.

Trava-se um comprido duelo: Turíbio fugindo e o outro atrás. E nessa desavença passaram-se muitos meses: “E continuou o longo duelo, e com isso já durava cinco ou cinco meses e meio a correria, monótona e sem desfecho” (148).

Mas, “porque um homem é um homem e não é de ferro, e o seu vício cardíaco começara a dar sinal de si”, Cassiano Gomes voltou para o sossego do arraial e da mulher do Turíbio. Agrava-se o seu mal quando viajava para capturar o assassino que fora para São Paulo. Acaba morrendo nas boas amizades de um tal Antônio, apelidado de Timpim e Vinte-e-Um, “p’r’a-mór-de que nem que a minha mãe teve vinte e um filhos, e eu fui o derradeiro…” (159)

Sabedor da morte do Cassiano, volta, saudoso, Turíbio, todo civilizado e cheio de noves-fora. Espera-o, um pouco além da estação férrea, a garrucha do Timpim. Vinte-e-Um chamado:

“- Seu Turíbio! Se apeie e reza, que agora eu vou lhe matar!” (167)

E mata.

A causa do “duelo” foi também a infidelidade amorosa cuja honra o marido queria lavar com sangue (“se o sangue lavasse alguma coisa neste mundo…”). Aqui também entra um pouco de Fatalismo: Voltas e desvoltas e o marido, que matara a pessoa errada, acaba sendo morto por um sujeitinho “caguincho”, incapaz de matar uma galinha: todos têm a sua hora e a sua vez.

Outra temática desenvolvida no conto é a saga dos valentões.

5. Minha gente

A técnica narrativa de “Minha Gente” é a primeira pessoa.

Ao longo do caminho, até a fazenda do tio Emilio, o narrador se perde em descrições várias do mundo que o cerca, ao mesmo tempo que joga xadrez com Santana. São guiados pelo José Malvino, vaqueiro do tio Emilio.

Chegam.

Na fazenda, no convívio de sua gente, o tio Emilio e a prima Maria Irma, o narrador vai contando pormenores da política do tio Emilio, ao mesmo tempo que desenvolve o seu romance-melhor dito idílio – com Maria Irma.

No decorrer dos seus passeios na fazenda, demonstra uma grande admiração pelo homem do campo:

“- Mas, como é que você pode saber isso tudo, José?” (177)

Mas, misturado com a política e com a natureza, o conto concentra-se mesmo é no romance dos dois primos: Maria Irma cada vez mais arredia e arrisca, o narrador cada vez mais apaixonado.

Como em “A Volta do Marido Pródigo”, o desfecho de “Minha Gente” é um autêntico “happy end”: o tio Emílio ganha a política e o destino se incumbe de casar o primo com Armanda, noiva de Ramiro, que, por sua vez, casa-se com Maria lima:

E foi assim que fiquei noivo de Armanda, com quem me casei, no mês de maio, ainda antes do matrimônio da minha prima Maria Irma com o moço Ramiro Gouvêia, dos Gouvêias da fazenda da Brejaúba, no Todo-Fim-E-Bom.” (pág. 219)

“Minha Gente” apresenta uma temática semelhante à de “A Volta do Marido Pródigo”: tudo acaba bem, apesar das voltas que o Destino dá.

Muitas temáticas são desenvolvidas:

a) a saga da política no interior (tio Emilio);
b) a honra sertaneja (morte do Bento Porfírio);
c) os caprichos do Destino (casamento de Armanda com o narrador).

Aliás, esse último aspecto é desenvolvido também num conhecido poema de Drummond:

João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para a tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história
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continua = última parte
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Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/sagarana

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Herberto Sales (A Emboscada)

Os dois homens começaram a descer a encosta. O velho Patuá vinha na frente. Era um cabra de ombros estreitos, grande bigode e pernas em arco, muito firmes ainda para a sua idade. O negro Guido seguia-o de perto, sustendo na mão esquerda a capanga de munição. Na semiobscuridade da madrugada, o vale esboçava amplos paredões hirtos, encaixotando funebremente o rio. Os dois homens saltavam de uma pedra para a outra, desciam pelos lajedões talhados quase a pique, subiam por íngremes atalhos, e logo reapareciam atrás de uma touça de malva ou de velame, com uma agilidade de cabritos monteses. Agora, porém, tinham eles conseguido alcançar um trecho melhor do caminho, e andavam num passo regular, encolhidos nos capotes surrados.

O ar era frio e úmido.

– Será que ele passa hoje? – perguntou Guido.

– Tem de passar – respondeu o outro homem. – Não é possível que o santo dele seja tão forte.

– Olhe que já faz dois dias que nós esperamos por ele…

– É assim mesmo. Tem emboscadas que dão muito trabalho. Você ainda não viu nada.

– De qualquer maneira, confesso que isso já está me amolando disse o outro.

O velho Patuá sacou do bolso do paletó de brim mescla um pedaço de fumo de corda e, com uma dentada, arrancou um naco para mascar. Era um antigo hábito seu, do qual trazia mascas nos longos caninos encardidos.

– Quanto mais se você tivesse ajudado a gente a matar o Major Cavalcanti! – disse.

– O que foi que teve?

– Nós esperamos por ele na emboscada oito dias seguidos.

– Oito dias? Ah, eu não era capaz de ter tanta paciência. Juro. – Será que nunca lhe aconteceu uma coisa dessas?

– A mim? Deus me livre!

Andando sempre, os dois homens contornaram uma grande rocha, e atravessaram em seguida uma moita de capim-gordura. O negro Guido olhou: amanhecia. A aurora barrava o horizonte de vermelho, e os píncaros lembravam massas carbonizadas em meio a um espantoso incêndio. Então o velho Patuá, que usava chapéu de couro e trazia as calças arregaçadas, disse de repente:

– Pois pode preparar o dedo, companheiro, que de hoje ele não passa. – Como é que você pode saber disso? – indagou o outro homem, meio intrigado.

– Como eu posso saber? Bem… Isso não lhe interessa. Sobre certas coisas é melhor a gente não fazer perguntas.

O negro era muito supersticioso e revelava uma espécie de místico respeito pelo seu companheiro. Disse com hesitação:

Eu l’iempre ouvi dizer que você era um mestre em rezas bravas…

Na verdade, eu estou aqui faz somente um mês. Mas em minha terra me contaram muitos casos que aconteceram com você.

– Não lhe disseram que eu tinha parte com o diabo? – perguntou sardonicamente o velho.

E o outro, olhando-o de lado:

– Você sabe que o povo fala muita coisa… Ouvi dizer que você tinha reza para amarrar rastro, e até para fazer uma pessoa desaparecer. O velho Patuá assumiu um ar de mistério:

– Você fala demais, Guido.

– Eu não falei por mal… – disse o outro homem, arrancando uma haste de capim com larga mão de palma musculosa. – Se você não gosta de perguntas, acabou-se. Eu só quero é que ele não deixe passar hoje.

– Pois fique calado e espere.

Os dois homens subiram uma rampa, entraram por um atalho, e pararam defronte de uma pequena caverna. Em tomo a vegetação era rude e agressiva. Instalaram-se atrás de uma pedra, como já vinham fazendo havia dois dias, e o velho Patuá observou:

– Este lugar é o melhor possível. Daqui a gente pode atirar nele à vontade.

Estavam instalados na crista de um precipício que dominava a estrada íngreme e pedregosa da serra. O rio escachoava adiante, no fundo do vale rasgado entre selvagens e imponentes escarpas. No céu, um tom róseo substituía agora o vermelho sangüíneo de antes. Pássaros-pretos cantavam.

– Quer fazer uma combinação, Patuá? – perguntou o negro Guido.

– Qual é?

– Como você tem melhor pontaria, atira na cabeça dele.

– E você?

– Bem… Eu atiro nas costas. É mais fácil.

O velho Patuá teve um risinho sarcástico:

– Não pensei que você fosse tão nervoso, Guido.

O outro homem guardou silêncio, demonstrando não ter gostado da observação do companheiro. De repente, atentando na pedra que ficava à entrada da caverna, foi empolgado pela certeza de estar bem protegido. “Caso ele reaja” – pensou – “toda a vantagem é minha, pois estou numa boa trincheira.” Depois desembainhou a sua longa e afiada faca de dez polegadas e começou a cortar fumo para um cigarro.

Nisso o velho Patuá levantou-se (tinha uma expressão cruel e concentrada) para inspecionar mais uma vez o local. Completando de maneira magnífica as virtudes do esconderijo, alastrava-se por toda a crista um imbezeiro, ocultando inteiramente a entrada da caverna. Olhando através da folhagem, que descia em cortina, o velho Patuá viu a estrada coberta de seixos, àquela hora deserta, por onde o homem teria de passar.

– Vai ser uma pontaria bonita – disse. – Ele não vai nem gemer. O chão da caverna era coberto de capim – tufos verdes, amarela dos, macios – e o velho Patuá sentou-se. Depois pegou o clavinote e o pôs sobre as pernas, retirando da capanga a munição para a carga.

– Agora vou carregar, Guido. E você vai ficar de vigia – disse. Sentado como estou, não posso enxergar a estrada. A pedra não deixa. Ficando de joelhos, você domina a estrada toda. É só um instante, Guido. Eu carrego a arma depressa.

– Está certo – concordou o outro homem.

– Está enxergando bem? – perguntou ainda o velho.

– Estou.

De joelhos como se achava, Guido dominava realmente toda a estrada. A pedra lhe dava na altura do peito, e as folhas do imbezeiro ocultavam-lhe a cabeça. Nessa posição, acendeu um cigarro, tendo o cuidado de soltar as baforadas para dentro da caverna, o que fez por duas vezes. Mas, logo depois, atinando com a inconveniência de estar fumando ali, pois a fumaça poderia denunciar sua presença no local, apagou imediatamente o cigarro, esmagando-o na ponta de uma pedra. Depois soprou com força, para expelir o resto de fumaça que tinha na boca.

– Cadê a rolimã? – perguntou o velho Patuá.

– Você vai carregar com ela? – disse Guido, sem desviar os olhos da estrada.

– Vou. Você não quer que eu atire na cabeça dele? Portanto, vou precisar de uma carga possante. E ande depressa. Porque antes das sete horas ele deve estar passando por aqui.

Guido revolveu a capanga para procurar a rolimã, que, em sua terra, lhe dera um ferreiro que trabalhara numa garagem. Seus dedos tocaram em cartuchos de pólvora, barbantes, buchas, latas de chumbo meão e espoletas, e trouxeram afinal a esfera de aço que devia servir de bala. Tinha ela um brilho frio e sólido, e era do tamanho de um caroço de pitanga.

– Tome – disse, passando-a ao companheiro.

O velho Patuá tomou a rolimã entre os dedos e a examinou por um momento, como se estivesse avaliando o estrago que ela iria produzir na cabeça do homem a ser morto. Com ela carregou a arma, juntando boa dose de pólvora e algum chumbo grosso. Depois socou a bucha e colocou a espoleta.

– Pronto? – perguntou Guido.

– Pronto – respondeu o velho, limpando nas calças a mão suja de pólvora.

E depois de mais uma vez examinar a arma:

– Agora você carregue a sua, que eu fico de vigia.

Mais que depressa, o negro Guido trocou de lugar com o companheiro e tratou de carregar o seu clavinote. Notando, porém, ao retirar a munição da capanga, que a carga talvez não ficasse bastante forte, perguntou ao velho:

– Você não tem aí um chumbo mais grosso do que este meu?

– Tenho – respondeu o outro homem. – Tenho este chumbo cabeça-de-macaco, que serve bem; é chumbo para matar onça. Tome.

E passou a lata de chumbo ao negro.

– Mas eu acho bom você botar estes pregos também – acrescentou. – Reforça mais.

O negro Guido recebeu o chumbo e os pregos, e socou, bem socada, a carga do seu clavinote.

– Não bote chumbo demais não – observou o velho Patuá.

– Você está pilheriando? – respondeu Guido, guardando na capanga o pedaço de chifre que lhe servia de depósito de pólvora.

– Pilheriando?

– Sim, companheiro. Será que você acha que eu não sei carregar uma arma?

– Estou avisando por avisar.

– Fique sossegado. A carga foi bem calculada.

O velho Patuá voltou-se rapidamente para o companheiro e, vendo que este já havia carregado a arma, disse:

– Bem. Passe o resto de meu chumbo para cá. E agora fique aqui junto de mim.

O negro devolveu o chumbo restante, que o velho guardou apressadamente na capanga e entrincheirou-se atrás da pedra.

– Eu não estou enxergando bem daqui, não – disse, espiando por entre as folhas do imbezeiro. – Acho melhor eu ficar atrás da ponta da pedra.

– Então, fique – concordou o outro homem. – E você já sabe: só atire quando eu mandar.

– Está certo – respondeu Guido. – Mas eu acho que a gente só deve atirar quando ele entrar naquela curva.

E com o dedo apontou o local.

Era o trecho mais estratégico da estrada, porque ali a vítima poderia ser colhida pelas costas.

– O tiro vai ser seguro – garantiu Guido.

O velho Patuá parecia não estar disposto a aceitar nenhuma sugestão do companheiro. Como jagunço que tomara parte em várias emboscadas, tinha, de resto, as suas vaidades. Respondeu secamente:

– Deixe isso comigo. Na hora de atirar eu lhe digo.

Entretanto, o negro Guido não deixou de mudar de posição, colocando-se atrás da ponta da pedra. O velho Patuá continuou ajoelhado na parte mais alta da caverna, sobre tufos de capim, apoiando o clavinote contra a pedra. O lugar que escolhera proporcionava uma visibilidade perfeita.

– Eu dava tudo para tomar uma cachaça agora – confessou Guido.

– É. Mas a garrafa esvaziou desde ontem – respondeu o velho Patuá. – Não tem mais nem um pingo.
– Se ele não tivesse se atrasado ~ disse o outro homem – eu não estava agora com a garganta seca. Nós trouxemos bastante cachaça.

No fundo, também o velho Patuá sentia falta da bebida. Entretanto, mordaz, com o intuito de rebaixar o companheiro, perguntou:

– Será que você precisa beber para criar coragem?

Mas já o negro Guido não o escutava:

– Está ouvindo, Patuá? Está ouvindo?

O outro homem estava ouvindo. E identificou o ruído como sendo o dos cascos de um animal que vinha subindo a serra.

– É. Talvez seja ele – disse. – Vamos nos preparar para fazer fogo.

Os dois clavinotes estavam apontados em direção à estrada. Os canos tinham sido apoiados sobre a pedra, e os dois homens se entreolharam. A essa altura, já o sol faiscava nos lajeados, e o ar, embora frio, era reconfortante e seco. Um sabiá veio pousar perto da caverna, mas logo esvoaçou, ao pressentir os dois homens. Houve em seguida um rumor de folhas, provocado por uma lagartixa em fuga.

– Já vem bem perto – disse o negro Guido, com o dedo no gatilho da arma.

O tropel fazia-se ouvir cada vez mais próximo. De repente, surgiu, no topo do atalho, a cabeça de um cavalo. O velho Patuá estava calmo, ao passo que o outro dava visíveis mostras de excitação. À vista da cabeça do cavalo, seus lábios chegaram mesmo a embranquecer, como se uma sede atroz o tivesse assaltado.

– Será ele mesmo? – perguntou.

Foi quando o cavaleiro apareceu. Subia a estrada descuidado, assobiando. Guido logo reconheceu o fazendeiro Pedro Neves. Então, o que havia de incerteza no seu espírito transformou-se imediatamente numa sensação de alívio, marcada a um só tempo de medo e crueldade. Apontou a arma, fazendo mira, sempre com o dedo no gatilho. Viu o homem parar de assobiar, enxugar o suor do rosto, com um lenço que de novo guardou no bolso, e acender o cigarro.

Foi quando o velho Patuá comandou:

– Fogo!

O negro procurava fazer um bom alvo, na pontaria contra o paletó de brim cáqui, onde havia manchas de suor.

– Fogo! – repetiu o velho Patuá num tom de irritação.

E, com o clavinote apontado para a nuca do homem, apertou o gatilho. O negro Guido acompanhou-o. Dois tiros estrondaram, ao mesmo tempo que a caverna se enchia de fumaça. Como se uma invisível mão os enxotasse, os pássaros voaram. Um desabrido tropel foi então ouvido: era o cavalo do fazendeiro, que fugia com os arreios vazios. Espantado, corria doidamente estrada abaixo – as caçambas batendo como sinos. Como sinos roucos. Estranhamente roucos.

Fonte:
SALES, Herberto (org.). Antologia escolar de contos Brasileiros. 2.ed. SP: Ediouro, 2005.

Capa do Livro = Foto de José Feldman.

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Dicionário do Folclore (Letra L)

LABATUT. É um monstro que tem forma humana e que vive na região do Apodi, fronteira do Ceará com o Rio Grande do Norte. É um bicho pior que o lobisomem, pior que a caipora e o cão coxo. Ele mora no fim do mundo e, todas as noites, percorre a cidade procurando o que comer. Seus pés são redondos, as mãos são compridas, os cabelos são longos e assanhados, seu corpo é cabeludo, só tem um olho na testa e seus dentes são como os do elefante. O nome do monstro é uma lembrança das violências e brutalidades do General Pedro Labatut, que esteve no Ceará (1832-1833) para combater a insurreição de Joaquim Pinto Madeira, e que terminou se rendendo com 1690 homens em armas. O monstro Labatut preferia comer as crianças por terem a carne mais mole.

LADAINHAS. São orações de Nossa Senhora, do Sagrado Coração de Jesus e de todos os Santos, rezadas durante as novenas e os terços.

LAGO ENCANTADO DO GRONGONZO. O morro do Grongonzo fica situado no município de São Bento, Pernambuco. No morro, que é arredondado, diz a lenda que aparece e desaparece, sem deixar vestígios, um grande lago que guarda, no fundo de suas águas, riquezas incalculáveis. Quem viu o lago uma vez não verá mais.

LAMA-DE-POTE. É o lodo formado nas paredes do lado de fora dos potes e das quartinhas (bilhas) de barro. Misturado com cinza e suco de limão é um remédio popular bastante usado pelas pessoas que estão com papeira (cachumba).

LAMPIÃO. Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, nasceu em Floresta do Navio, Pernambuco, no dia 4 de junho de 1898. Com três anos de escola aprendeu a ler e escrever. Antes de tornar-se assassino, com 17 anos de idade, Lampião era vaqueiro, amansador de cavalos e burros. Nas horas vagas, fazia obras de couro (selas, arreios, etc.) e tocava sanfona de oito baixos. Quando seu pai faleceu, Lampião já havia assassinado algumas pessoas e assaltado muitas fazendas e pequenas cidades. Lampião não entrou no cangaço por vingança. Conhecedor da região, Lampião sabia se esconder, em companhia de seu bando, das forças policiais de quatro Estados que andavam à sua procura, combatendo-o em batalhas das quais ele conseguia sempre escapar. Ninguém sabe quantas pessoas Lampião matou. Considerado violento, sádico, estuprador, incendiário, Lampião escreveu uma das páginas mais sangrentas da história dos sertões nordestinos. Rezava, tocava sanfona, gostava de ler e de ser fotografado, fazia versos, era temido e respeitado durante os anos que dominou o sertão. Apesar de cego de um olho (leucoma), tinha uma boa pontaria para matar os soldados que lhe davam combate. Depois de muitas lutas, cercos, fugas, Lampião foi abatido com um tiro de fuzil, na cabeça, pelo soldado Antônio Honorato da Silva, da Força Policial Alagoana, sob o comando do Capitão João Bezerra da Silva, que era pernambucano. Maria Bonita, que era sua amante e vivia no grupo, caiu morta ao seu lado, em companhia de mais nove cangaceiros. Com a morte de Lampião, a paz recomeçou a reinar nos sertões nordestinos. Veja COITEIROS, XAXADO.

LAPINHA. É o nome que o povo dá ao pastoril, sem a inclusão de danças e cantos estranhos aos assuntos natalinos, substituídos pela manjedoura, o menino Jesus, Nossa Senhora, São José e os Reis Magos com seus presentes, bem como os animais, em forma de pequenas imagens dos santos e miniatura de animais da manjedoura. Na Noite de Reis, retiradas as imagens dos santos e as estátuas dos animais, a lapinha é queimada. Veja PASTORIL e QUEIMA.

LARANJINHA. 1. Cachaça em cuja garrafa são colocados pedaços de laranja; 2. Também era, nos carnavais antigos, bolas de cera cheias de água perfumada, que eram jogadas nos foliões, também conhecida como lima-de-cheiro ou limão-de-cheiro dos carnavais cariocas. A laranjinha desapareceu depois que surgiu o lança-perfume.

LARANJO. O laranjo é como se chama, no interior da Bahia, Pernambuco e Piauí, o homem ruivo de olhos azuis. Talvez seja o resultado do casamento de brasileiros com holandeses e franceses, quando andaram pela região.

LAURA DELLA MONICA nasceu no dia 21 de novembro de 1922, na cidade de São Paulo, SP. Licenciada em Música – pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (1947), em Pedagogia – pela Faculdade de Educação e Ciências Humanas “Prof. Laerte de Carvalho” (1978) e em Educação Artística – pela Faculdade de Ciências e Letras de Araras – SP (1980), Pós-Graduação, em nível de Especialização em Percepção Musical – pela Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro (1972), em Didática do Ensino Superior – pela Faculdade São Judas Tadeu, em Museologia – pelo Instituto de Museologia de São Paulo e Pós-Graduação em nível de Mestrado – pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (1992), Pós-Graduação em nível de Doutorado – curso de Ciências da Comunicação – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, além de vários outros cursos, seminários e jornadas sobre Folclore, Turismo, Lazer, etc., e estágios em diversas entidades culturais, Laura Della Mônica que muito tem divulgado o Folclore brasileiro nos países que tem visitado tomando parte em congressos e seminários além de vários ensaios publicados em revistas especializadas e muitos artigos na imprensa brasileira, nos deu Folclore paulista (1965), Rosa Amarela (1967), Manual do Folclore (1976), Folclore brasileiro (1976), Acorda povo! (1988), Festas populares (1991), Folclore e taologia (1992), A influência indígena na formação cultural brasileira (1993), A influência francesa no cancioneiro infantil do Brasil (1994) e Os três santos do mês de junho (1995) e outros.

LAVAGEM-DE-IGREJA. Dizem os historiadores que a lavagem das igrejas é uma tradição que tem mais de duzentos anos e consiste na promessa que as pessoas fazem de varrer, lavar e enfeitar as igrejas. É uma tradição que vem dos tempos imperiais, quando uma princesa varria a Igreja de Petrópolis, como uma simples empregada. Em Salvador é que a tradição se mantém viva até hoje. A lavagem da Igreja do Senhor do Bonfim na quinta-feira de oitava não é de origem africana, de vez que já existia em Portugal. Quem introduziu a lavagem da igreja do Senhor do Bonfim foi um português que combateu na Guerra do Paraguai e fez uma promessa de lavar o átrio da referida igreja se voltasse vivo. Hoje, entretanto, a cerimônia se transformou numa festa tradicional.

LAVANDEIRA. É um pássaro de cor branco-creme com asas pretas, também conhecida como lavandeira de nossa senhora. Quem matar uma lavandeira ofende Nossa Senhora porque a ave ajudou a lavar as roupinhas do Menino Jesus.

LAZARINA. A lazarina é uma espingarda de carregar pela boca, usando chumbo fino e médio, muito amiga dos homens do campo que, aos domingos, saem para caçar. Seu nome teve origem em 1651, quando o milanês Lázaro Caminazzo começou a fabricar essas espingardas que ganharam seu nome.

LÉGUA-DE-BEIÇO. Para o nosso matuto, acostumado a andar a pé, todo lugar fica perto. Quando perguntado onde fica a fazenda ou sítio de um agricultor, ele, estendendo o lábio inferior, diz: – “É ali…”. Acontece que o sítio ou fazenda ficam a algumas léguas de distância. Daí a expressão légua-de-beiço, geralmente léguas muito grandes, muito compridas.

LENÇO. É muito comum presentear uma pessoa com uma caixa de lenços. Mas o povo acredita que não é bom receber lenços de presente porque eles chamam lágrimas, isto é, fazem com que morra alguém da família. Quando uma pessoa recebe lenços de presente é bom dar logo outro presente à pessoa que lhe deu; assim fazendo, nada acontecerá.

LENDA. A lenda é um episódio heróico ou sentimental com elemento maravilhoso ou sobre-humano, transmitida na tradição oral popular, conservadas as quatro características do conto popular: ambigüidade, persistência, oralidade e anonimato. Muitas são as lendas existentes no Brasil e em todos os países do mundo: a lenda da Mãe-D’água, a lenda de Santo Antônio, a lenda do Barba-Ruiva.

LEONARDO ANTÔNIO DANTAS SILVA nasceu em 1945, na cidade do Recife, PE. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Católica de Pernambuco (1969), dedicou-se, desde jovem, ao jornalismo, tendo começado na revisão e posteriormente exercido as funções de redator do Jornal do Commercio (1965-1975) e do Diario de Pernambuco (1974-1988). Diretor do Departamento Estadual de Cultura (1975-1979), criador da Fundação de Cultura Cidade do Recife (1979-1983), Diretor de Assuntos Culturais da Fundarpe (1983-1987), atualmente exerce as funções de Diretor da Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco. Além de produtor fonográfico e animador cultural, tem publicado inúmeros ensaios e artigos, bem como vários livros dentre os quais destacamos Bandeira de Pernambuco (1972), Recife: uma História de Quatro Séculos (1975), Pequeno Calendário Histórico-Cultural de Pernambuco (1976), Ritmos e Danças-frevo (1977), Cancioneiro Pernambucano (1978), O Piano em Pernambuco (1987), Alguns Documentos para a História da Escravidão (1988), A Imprensa e Abolição (1988), A Abolição em Pernambuco (1988), Estudos sobre a Escravidão Negra 2v. (1988), Nabuco e a República (1990) e A República em Pernambuco (1990), Blocos carnavalescos do Recife (1998) e Bandas musicais de Pernambuco (1998).

LIMÃO. O limão, com que se faz uma deliciosa limonada, muito aconselhável aos que moram nos lugares de clima quente, também afasta os malefícios. Quando a pessoa vai viajar de navio ou de avião, conduzir um limão no bolso ou na bolsa faz com que a pessoa não enjoe. O sumo do limão é um poderoso contraveneno. Na culinária, é bom espremer limão, principalmente em carne de porco. Depois de uma feijoada bem pesada, nada como um cálice de batida-de-limão, feita com água de coco, para equilibrar o estômago.

LÍNGUA. Estirar a língua em quase todos os países do mundo é um insulto. Mas no Tibet é a maneira mais educada de se saudar uma pessoa. Os meninos gostam de estirar a língua, quando estão brabos.

LITERATURA ORAL. A literatura oral é a literatura falada, como a estória, a lenda, as adivinhações, os provérbios, as parlendas, as frases-feitas, os ditos, os trava-línguas, etc., diferente da literatura escrita que compreende o romance, o conto, a crônica, a poesia, etc.

LOBISOMEM. O lobisomem é um mito universal. A imaginação do povo retrata o lobisomem assim: é um homem pálido, magro, de orelhas compridas e nariz levantado. Como é que surge o lobisomem? Nasce o lobisomem quando o filho é resultado de um incesto. É o filho que nasceu de um casal que teve sete filhas. Quando chega aos treze anos, numa terça ou quinta-feira, sai à noite e, quando encontra um lugar onde um jumento se espojou, começa o fado. Daí por diante, todas as terças e sextas-feiras, de meia-noite às duas horas, o lobisomem tem que fazer sua corrida, visitando sete cemitérios, sete partidas do mundo, sete oiteiros, sete encruzilhadas e, ao regressar ao lugar onde o jumento se esponjou, readquire a forma humana. Quem ferir o lobisomem, quebra-lhe o fado; mas a pessoa não deve se sujar com seu sangue porque, se assim acontecer, também se tornará lobisomem. Para desencantar um lobisomem basta feri-lo ou usar uma bala untada com cera de vela acesa durante três missas de domingo ou na Missa do Galo, rezada na meia-noite de Natal.

LONGUINHO. É um santo popular do Nordeste. Quando uma pessoa perde alguma coisa, faz uma promessa a São Longuinho, rezando, assim: “Meu São Longuinho, se eu achar o que eu perdi, dou três saltos, três gritos e três assobios”. Achando a coisa perdida a pessoa paga a promessa feita, dando três pulos, três gritos e três assobios.

LORDE. A palavra lord em inglês significa senhor e o vocábulo se popularizou com o intercâmbio comercial do Brasil com a Inglaterra, começado em 1810. Ainda hoje o povo usa este termo quando acha que uma pessoa está alinhada, bem vestida. A pessoa está, assim, lorde.

LOURENÇO. Lourenço foi um santo que morreu queimado vivo numa grelha, por perseguição do Imperador Valeriano, em Roma, no século I I I . O povo diz que São Lourenço é o guardião dos ventos, governador dos ventos. Quando os meninos nordestinos querem soltar papagaio (pipa) e não tem vento, eles costumam gritar: – “São Lourenço, São Lourenço! Abra a porta do vento!” E o vento num instante chega, fazendo com que os papagaios ganhem as alturas.

LOUVA-A-DEUS. É um pequeno inseto também conhecido por põe-mesa. Parecido com um grilo muito magro, traz sempre as mãos postas, juntas, os joelhos dobrados e os olhos voltados para o céu, como se estivesse rezando, razão pela qual é chamado louva-a-deus.

LUA. A Lua é considerada como a mãe das plantas, presidindo seu crescimento. O povo crê que cabelo cortado em noite de Lua Nova cresce rápido e afina. Se a mulher grávida dormir banhada pela claridade da Lua, o filho nasce débil mental, aluado. É bom mostrar dinheiro à Lua Nova para que ele se multiplique, cresça. Nas noites de Lua, as mães embalam seus filhos cantando: – “A bênção, Dindinha Lua,/Me dê pão com farinha,/ Para eu dar à minha galinha,/ Que está presa na cozinha!/ Xô, galinha! Vai pra tua camarinha!”. A Lua tem muito significado para as pessoas que se amam. É nas noites de Lua Cheia que são feitas as serenatas, as serestas, ao som de violões e clarinetes, quando os rapazes enaltecem a beleza da mulher amada, declarando seu amor. O cancioneiro popular é rico tendo a Lua como tema, principalmente valsas. A Lua sempre foi e continuará sendo a inspiração dos poetas, nos seus sonetos e poemas.

LUÍS DA CÂMARA CASCUDO nasceu em 1898, na cidade do Natal, RN. Começou a estudar medicina em Salvador, mas teve que desistir em virtude das dificuldades financeiras de sua família. Estreou no jornalismo aos vinte anos de idade, publicando seus primeiros artigos em A IMPRENSA, jornal de propriedade de seu pai. Concluiu o curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife em 1928. Publicou seu primeiro livro aos vinte e três anos, Alma Patrícia, reunindo artigos sobre escritores de sua terra. Professor de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito, e de Etnologia Geral da Faculdade de Filosofia do Natal, Cascudo foi um homem culto e simples, havendo publicado mais de cem livros e ninguém sabe quantos artigos em jornais e revistas nacionais e internacionais. Considerado por suas pesquisas, seu saber e seus trabalhos na área de sua predileção como o Papa do Folclore Brasileiro, publicou dentre outros os seguintes livros: Vaqueiros e Cantadores (1952), Geografia do Mito Brasileiro (1947), Literatura Oral (1952), Dicionário do Folclore Brasileiro (1954), Geografia do Brasil Holandês (1956), Jangada (1957), A Vaquejada Nordestina (1974), Antologia da Alimentação no Brasil (1977). Faleceu na cidade do Natal, onde viveu toda a sua vida no seio de seu povo, que ele tanto amou, em 1986.

LUMINÁRIAS. Os indígenas brasileiros descobriram o fogo friccionando, pacientemente, uma haste de madeira, seca, na cavidade de um tronco de árvore. Logo que esse atrito continuado produzia chama, fogueiras eram feitas para adorar seus deuses, moquear a carne da caça abatida, proteger a taba dos animais ferozes e iluminar suas noites. Já os colonizadores sabiam dominar o fogo e fabricavam suas luminárias de pequenas panelas de barro contendo azeite de mamona, de coco ou de baleia, com uma torcida de algodão e começaram a ser usadas no Brasil a partir do século XVI, recomendadas por Cartas Régias. O querosene só apareceu em 1850. Somente depois de 1870 é que os candeeiros passaram a iluminar as casas, e as cidades tiveram suas ruas iluminadas por lampiões. Algum tempo depois começaram a chegar da Europa bonitos candeeiros de vidro, coloridos com flores e pássaros, de diversos tamanhos, com mangas medidas por linhas, enfeitando as salas dos senhores de engenho, dos comerciantes e das famílias abastadas. Os funileiros da zona rural, aproveitando as latas de manteiga, de compotas, de óleo lubrificante e de outros produtos industrializados, começaram a fabricar seus fifós, de mesa ou de parede, ainda hoje usados nas casas humildes. As famílias ricas iluminavam suas salas com artísticos lustres de cristal a carboreto, novidade trazida para o Nordeste pelos trens da Great Western. Ainda hoje vamos encontrar no interior, durante as festas de Natal, de Ano Novo, de Reis ou da padroeira do lugar, toscos bicos de carboreto iluminando os taboleiros de confeito, mata-fome ou cocada e as toldas de sorvete raspa-raspa. Os velhos funileiros do interior, no seu artesanato, matam a saudade do tempo passado fazendo seus fifós até mesmo de lâmpadas elétricas inutilizadas.

LUNÁRIO PERPÉTUO. Durante cerca de duzentos anos o Lunário Perpétuo foi o livro mais lido do Nordeste brasileiro. Nele, as pessoas encontravam as informações mais diferentes como horóscopos, remédios populares, fazes da lua, o tempo certo de serem plantados o milho, o feijão, etc. A primeira edição do livro data de 1703, feita pela casa de Miguel Menescal, em Lisboa. Hoje o Lunário é uma preciosidade só encontrada na biblioteca dos estudiosos ou bibliófilos.

LUNDU. Conhecido também como lundum, landu, londu, o lundu foi uma música e dança trazidas pelos escravos africanos. Outros gêneros musicais surgiram do lundu, como aconteceu com a chula, o tango brasileiro e o fado. Era um bailado muito erótico.

LUZ. A luz, combatendo a escuridão noturna, afugenta os fantasmas, as almas penadas, o espírito dos mortos recentes que ainda acham que estão vivos. É crença do povo que criança pagã, mulher de resguardo, doente grave, não devem dormir no escuro. O diabo, os morcegos e as feras noturnas não gostam e têm medo da luz.

LUZIA. Santa Luzia nasceu (281) e faleceu (304) em Siracusa. Foi perseguida pelo Imperador romano Diocesano que mandou arrancar seus olhos, colocando-os numa bandeja e enviando de presente, a quem havia elogiado sua beleza. No dia de Santa Luzia, comemorado no dia 13 de dezembro, não se caça, não se pesca, não se costura. Quando cai um argueiro no olho de uma pessoa, o melhor remédio que o povo usa é recitar, esfregando o dedo no olho, dizendo as seguintes palavras: – “Corre, corre, cavaleiro,/ Vai à porta de São Pedro,/ Dizer a Santa Luzia/ Que me dê uma pontinha do lenço/ Pra tirar esse argueiro!”. A Experiência de Santa Luzia, pra saber se o inverno vai ser bom, é feita da seguinte maneira: Colocam-se doze pedras de sal enfileiradas, no sereno. Cada pedra representa um mês do ano. No dia seguinte, as pedras que estiverem derretidas são os meses de chuva e as outras, que não se derreteram, são os meses secos, sem chuva. Luzia também era o nome que o povo dava ao Partido Liberal no Segundo Império, depois que Caxias derrotou a insurreição em Minas Gerais. Depois da Revolução Praieira de 1848, os liberais pernambucanos eram conhecidos por Luzias.
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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

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Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras linguas) Letra G-H


Genus irritabile vatum

Latim – Raça irritadiça dos poetas. É como Horácio traduz a idéia de que poetas e escritores são temperamentais.


Gloria Patri

Latim – Glória ao Pai. Relativo apalavras iniciais do versículo que se canta ou reza no fim dos salmos e de outras orações da Igreja.

Gloriae et virtutis invidia est comes

Latim – A inveja é a companheira da glória e da virtude. A inveja procura destruir a virtude e o mérito alheio.

God save the king ou the queen
Inglês – Deus salve o rei (ou) a rainha. Frase inicial do hino nacional inglês.

Gold point
Inglês – Ponto de ouro. Situação cambial equilibrada nos países de moeda-ouro.

Graecum est, non legitur
Latim – É grego, não se lê. Axioma medieval que mostra o desprestígio do grego entre os eruditos.

Grammatici certant
Latim – Os gramáticos discutem. Empregada para significar que uma questão não se resolverá facilmente.

Grande mortalis aevi spatium

Latim – Grande espaço da vida de um mortal. Assim descreve Tácito os quinze anos em que reinou Domiciano.

Grand-prix
Francês – Grande prêmio. Diz-se do maior prêmio concedido em exposições, concursos, corridas etc.

Gratia argumentandi
Latim – Pelo prazer de argumentar. Emprega-se quando se quer usar um argumento do adversário considerado inconsistente.

Gratis pro Deo
Latim – De graça, para Deus. Sem remuneração.

Gravis testis
Latim – Testemunha grave. Testemunha digna; testemunha de peso.

Graviter facere
Latim – Agir com prudência, com moderação, com gravidade.

Grosso modo
Latim – De modo geral. Por alto, sem penetrar no âmago da questão.

Gutta cavat lapidem
Latim – A gota de água cava a pedra. Traduz a idéia do provérbio: Água mole em pedra dura tanto dá até que fura.

Habeas corpus
Latim – Direito = Que tenhas o corpo. Meio extraordinário de garantir e proteger com presteza todo aquele que sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de qualquer autoridade legítima.

Habemus confitentem reum
Latim – Temos o réu que se confessa. Frase da oração em que Cícero defende Ligário, partidário de Pompeu.

Habent sua fata libelli
Latim – Os livros têm o seu destino. Aforismo de Terenciano Mauro, cuja obra permaneceu obscura durante muito tempo.

Happy end
Inglês – Fim feliz. Indica o desfecho feliz nas peças teatrais e cinematográficas.

Hasta la vista
Espanhol – Até a vista.

Hic et nunc
Latim – Aqui e agora. Imediatamente; neste instante.

High fidelity
Inglês – Alta fidelidade. Alta qualidade, grande pureza de som obtida nos aparelhos eletrônicos.

Hic jacet
Latim – Aqui jaz. Expressão consagrada nas inscrições de lápides mortuárias.

Hic jacet lepus
Latim – Aqui está a lebre; esta é a dificuldade.

Hoc caverat mens provida Reguli
Latim – A mente previdente de Régulo previra isto. Aplica-se nos casos em que alguém diz ter previsto um acontecimento depois dele realizado.

Hoc erat in votis
Latim – Isto estava nos votos. Aplica-se quando se obtém algo muito desejado.

Hoc opus, hic labor est
Latim – Aí é que está a dificuldade. Sentença de Virgílio que se aplica no sentido literal.

Hoc volo, sic jubeo; sit pro ratione voluntas
Latim – Quero isto, ordeno isto, que a vontade sirva de razão. Frase de Juvenal que condena a arbitrariedade.

Hodie mihi, cras tibi
Latim – Hoje para mim, amanhã para ti. Usada nas inscrições tumulares e quando se deseja o mesmo mal a quem o causou.

Home fleet

Inglês – Esquadra da casa. Nome que se dá à Armada Inglesa, referindo à parte dela que permanece na Grã-Bretanha.

Homo faber
Latim – O homem artífice. Locução empregada por Henri Bergson para designar o homem primitivo ante a necessidade de forjar ele próprio os utensílios indispensáveis à manutenção da vida.

Homo homini lupus
Latim – O homem é lobo para o homem. Pensamento de Plauto, aceito por alguns e praticado por muitos.

Homo sapiens
Latim – O homem sábio. 1 Nome da espécie homem na nomenclatura de Lineu. 2 Expressão usada por Henri Bergson para indicar o homem, único animal inteligente em face aos demais.

Homo sum et nihil humani a me alienum
Latim – Sou homem e nada do que é humano me é estranho. Terêncio advoga a solidariedade humana.

Honni soit qui mal y pense
Francês – Envergonhe-se quem pensar mal disto. Divisa da ordem da jarreteira na Inglaterra.

Honoris causa
Latim – Por causa da honra. Título honorífico concedido a pessoas ilustres.

Honos alit artes
Latim – A honra alimenta as artes. Máxima de Cícero que explica a necessidade de aplausos como incentivo aos artistas.

Horresco referens
Latim – Tremo ao referir. Palavras de Enéias ao narrar o episódio da morte de Laocoonte.

Horribile dictu
Latim – Horrível de se dizer. Locução interjetiva.

Hors ligne

Francês – Fora da linha; bem acima do normal.

Hospes hostis
Latim – Estrangeiro, inimigo. Máxima antiga que traduz o sentimento de desconfiança e hostilidade para com os estrangeiros.
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As outras letras:
LETRA A
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA B
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_07.html
LETRA C
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_21.html
LETRA D
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA E
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_28.html
LETRA F
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html


Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=gramatica/docs/expressoeslatinas

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Trova VII

Montagem em cima de imagem do blog http://blogmaria.blogspot.com

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Miriam Panighel Carvalho (O Poeta)

Assim como o ator interpreta
uma peça com emoção,
assim também verseja o poeta
que escreve com seu coração.

Faz poemas com sentimento
A emoção não consegue ocultar
Não tem hora, não tem momento
Para o bardo o amor decantar

O poeta jamais “faz de conta”
Ele conta e -ah! – como encanta!
Abre a alma e jamais desaponta
Não escreve – o vate – ele canta.

De espírito super sensível
Na verdade é incompreendido
Mas nos olhos deixa visível
Vestígios de um amor perdido…
—–

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Lygia Fagundes Telles (As Cerejas)

Aquela gente teria mesmo existido? Madrinha tecendo a cortina de crochê com um anjinho a esvoaçar por entre rosas, a pobre Madrinha sempre afobada, piscando os olhinhos estrábicos, vocês não viram onde deixei meus óculos? A preta Dionísia a bater as claras de ovos em ponto de neve, a voz ácida contrastando com a doçura dos cremes, esta receita é nova… Tia Olívia enfastiada e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, fico exausta no calor… Marcelo muito louro – por que não me lembro da voz dele? – agarrado à crina do cavalo, agarrado à cabeleira de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã. Você levou as velas à tia Olívia? , perguntou Madrinha lá embaixo. O relâmpago apagou-se. E no escuro que se fez, veio como resposta o ruído das cerejas se despencando no chão.

A casa em meio do arvoredo, o rio, as tardes como que suspensas na poeira do ar – desapareceu tudo sem deixar vestígios. Ficaram as cerejas, só elas resistiram com sua vermelhidão de loucura. Basta abrir a gaveta: algumas foram roídas por alguma barata e nessas o algodão estoura, empelotado, não, tia Olívia, não eram de cera, eram de algodão suas cerejas vermelhas.

Ela chegou inesperadamente. Um cavaleiro trouxe o recado do chefe da estação pedindo a charrete para a visita que acabara de desembarcar.

– É Olívia! – exclamou Madrinha. – É a prima! Alberto escreveu dizendo que ela viria, mas não disse quando, ficou de avisar. Eu ia mudar as cortinas, bordar umas fronhas e agora!… Justo Olívia. Vocês não podem fazer idéia, ela é de tanto luxo e a casa aqui é tão simples, não estou preparada, meus céus! O que é que eu faço, Dionísia, me diga agora o que é que eu faço!
Dionísia folheava tranqüilamente um livro de receitas. Tirou um lápis da carapinha tosada e marcou a página com uma cruz.

– Como se já não bastasse esse menino que também chegou sem aviso…

O menino era Marcelo. Tinha apenas dois anos mais do que eu mas era tão alto e parecia tão adulto com suas belas roupas de montaria, que tive vontade de entrar debaixo do armário quando o vi pela primeira vez.

– Um calor na viagem! – gemeu tia Olívia em meio de uma onda de perfumes e malas. – E quem é este rapazinho?

– Pois este é o Marcelo, filho do Romeu – disse Madrinha. – Você não se lembra do Romeu? Primo-irmão do Alberto…

Tia Olívia desprendeu do chapeuzinho preto dois grandes alfinetes de pérola em formado de pêra. O galho de cerejas estremeceu no vértice do decote da blusa transparente. Desabotoou o casaco.

– Ah, minha querida, Alberto tem tantos parentes, uma família enorme! Imagine se vou me lembrar de todos com esta minha memória. Ele veio passar as férias aqui?
Por um breve instante Marcelo deteve em tia Olívia o olhar frio. Chegou a esboçar um sorriso, aquele mesmo sorriso que tivera quando Madrinha, na sua ingênua excitação, nos apresentou a ambos, pronto, Marcelo, aí está sua priminha, agora vocês poderão brincar juntos . Ele então apertou um pouco os olhos. E sorriu.

– Não estranhe, Olívia, que ele é por demais arisco – segredou Madrinha ao ver que Marcelo saía abruptamente da sala. – Se trocou comigo meia dúzia de palavras, foi muito. Aliás, toda a gente de Romeu é assim mesmo, são todos muito esquisitos. Esquisitíssimos!

Tia Olívia ajeitou com as mãos em concha o farto coque preso na nuca. Umedeceu os lábios com a ponta da língua.

– Tem charme…

Aproximei-me fascinada. Nunca tinha visto ninguém como tia Olívia, ninguém com aqueles olhos pintados de verde e com aquele decote assim fundo.

– É de cera? – perguntei tocando-lhe uma das cerejas.

Ela acariciou-me a cabeça com um gesto distraído. Senti bem de perto seu perfume.

– Acho que sim, querida. Por quê? Você nunca viu cerejas?

– Só na folhinha.

Ela teve um risinho cascateante. No rosto muito branco a boca parecia um largo talho aberto, com o mesmo brilho das cerejas.

– Na Europa são tão carnudas, tão frescas.

Marcelo também tinha estado na Europa com o avô. Seria isso? Seria isso que os fazia infinitamente superiores a nós? Pareciam feitos de outra carne e pertencer a um outro mundo tão acima do nosso, ah! como éramos pobres e feios. Diante de Marcelo e tia Olívia, só diante dos dois é que eu pude avaliar como éramos pequenos: eu, de unhas roídas e vestidos feitos por Dionísia, vestidos que pareciam as camisolas das bonecas de jornal que Simão recortava com a tesoura do jardim. Madrinha, completamente estrábica e tonta em meio das suas rendas e crochês. Dionísia, tão preta quanto enfatuada com as tais receitas secretas.

– Não quero é dar trabalho – murmurou tia Olívia dirigindo-se ao quarto. Falava devagar, andava devagar. Sua voz foi se afastando com a mansidão de um gato subindo a escada. – Cansei-me muito, querida. Preciso apenas de um pouco de sossego…

Agora só se ouvia a voz de Madrinha que tagarelava sem parar: a chácara era modesta, modestíssima, mas ela haveria de gostar, por que não? O clima era uma maravilha e o pomar nessa época do ano estava coalhado de mangas. Ela não gostava de mangas? Não?… Tinha também bons cavalos se quisesse montar, Marcelo poderia acompanhá-la, era um ótimo cavaleiro, vivia galopando dia e noite. Ah, o médico proibira? Bem, os passeios a pé também eram lindos, havia no fim do caminho dos bambus um lugar ideal para piqueniques, ela não achava graça num piquenique?
Fui para a varanda e fiquei vendo as estrelas por entre a folhagem da paineira. Tia Olívia devia estar sorrindo, a umedecer com a ponta da língua os lábios brilhantes. Na Europa eram tão carnudas… Na Europa.

Abri a caixa de sabonete escondida sob o tufo de samambaia. O escorpião foi saindo penosamente de dentro. Deixei-o caminhar um bom pedaço e só quando ele atingiu o centro da varanda é que me decidi a despejar a gasolina. Acendi o fósforo. As chamas azuis subiram num círculo fechado. O escorpião rodou sobre si mesmo, erguendo-se nas patas traseiras, procurando uma saída. A cauda contraiu-se desesperadamente. Encolheu-se. Investiu e recuou em meio das chamas que se apertavam mais.

– Será que você não se envergonha de fazer uma maldade dessas?

Voltei-me. Marcelo cravou em mim o olhar feroz. Em seguida, avançando para o fogo, esmagou o escorpião no tacão da bota.

– Diz que ele se suicida, Marcelo…

– Era capaz mesmo quando descobrisse que o mundo está cheio de gente como você.

Tive vontade de atirar-lhe a gasolina na cara. Tapei o vidro.

– E não adianta ficar furiosa, vamos, olhe para mim! Sua boba. Pare de chorar e prometa que não vai mais judiar dos bichos.

Encarei-o. Através das lágrimas ele pareceu-me naquele instante tão belo quanto um deus, um deus de cabelos dourados e botas, todo banhado de luar. Fechei os olhos. Já não me envergonhava das lágrimas, já não me envergonhava de mais nada. Um dia ele iria embora do mesmo modo imprevisto como chegara, um dia ele sairia sem se despedir e desapareceria para sempre. Mas isso também já não tinha importância. Marcelo, Marcelo! chamei. E só meu coração ouviu.

Quando ele me tomou pelo braço e entrou comigo na sala, parecia completamente esquecido do escorpião e do meu pranto. Voltou-lhe o sorriso.

– Então é essa a famosa tia Olívia? Ah, ah, ah.

Enxuguei depressa os olhos na barra da saia.

– Ela é bonita, não?

Ele bocejou.

– Usa um perfume muito forte. E aquele galho de cerejas dependurado no peito. Tão vulgar.

– Vulgar?

Fiquei chocada. E contestei mas em meio da paixão com que a defendi, senti uma obscura alegria ao perceber que estava sendo derrotada.

– E, além do mais, não é meu tipo – concluiu ele voltando o olhar indiferente para o trabalho de crochê que Madrinha deixara desdobrado na cadeira. Apontou para o anjinho esvoaçando entre grinaldas. – Um anjinho cego.

– Por que cego? – protestou Madrinha descendo a escada. Foi nessa noite que perdeu os óculos. – Cada idéia, Marcelo!

Ele debruçara-se na janela e parecia agora pensar em outra coisa.

– Tem dois buracos em lugar dos olhos.

– Mas crochê é assim mesmo, menino! No lugar de cada olho deve ficar uma casa vazia – esclareceu ela sem muita convicção. Examinou o trabalho. E voltou-se nervosamente para mim. – Por que não vai buscar o dominó para vocês jogarem uma partida? E vê se encontra meus óculos que deixei por aí.

Quando voltei com o dominó, Marcelo já não estava na sala. Fiz um castelo com as pedras. E soprei-o com força. Perdia-o sempre, sempre. Passava as manhãs galopando como louco. Almoçava rapidamente e mal terminava o almoço, fechava-se no quarto e só reaparecia no lanche, pronto para sair outra vez. Restava-me correr ao alpendre para vê-lo seguir em direção à estrada, cavalo e cavaleiro tão colados um ao outro que pareciam formar um corpo só.

Como um só corpo os dois tombaram no divã, tão rápido o relâmpago e tão longa a imagem, ele tão grande, tão poderoso, com aquela mesma expressão com que galopava como que agarrado à crina do cavalo, arfando doloridamente na reta final.

Foram dias de calor atroz os que antecederam à tempestade. A ansiedade estava no ar. Dionísia ficou mais casmurra. Madrinha ficou mais falante, procurando disfarçadamente os óculos nas latas de biscoitos ou nos potes de folhagens, esgotada a busca em gavetas e armários. Marcelo pareceu-me mais esquivo, mais crispado. Só tia Olívia continuava igual, sonolenta e lânguida no seu negligê branco. Estendia-se na rede. Desatava a cabeleira. E com um movimento brando ia se abanando com a ventarola. Às vezes vinha com as cerejas que se esparramavam no colo polvilhado de talco. Uma ou outra cereja resvalava por entre o rego dos seios e era então engolida pelo decote.

– Sofro tanto com o calor…

Madrinha tentava animá-la.

– Chovendo, Olívia, chovendo você verá como vai refrescar.

Ela sorria umedecendo os lábios com a ponta da língua.

– Você acha que vai chover?

– Mas claro, as nuvens estão baixando, a chuva já está aí. E vai ser um temporal daqueles, só tenho medo é que apanhe esse menino lá fora. Você já viu menino mais esquisito, Olívia? Tão fechado, não? E sempre com aquele arzinho de desprezo.

– É da idade, querida. É da idade.

– Parecido com o pai. Romeu também tinha essa mesma mania com cavalo.

– Ele monta tão bem. Tão elegante.

Defendia-o sempre enquanto ele a atacava, mordaz, implacável: É afetada, esnobe. E como representa, parece que está sempre no palco . Eu contestava, mas de tal forma que o incitava a prosseguir atacando.

Lembro-me de que as primeiras gotas de chuva caíram ao entardecer, mas a tempestade continuava ainda em suspenso, fazendo com que o jantar se desenrolasse numa atmosfera abafada. Densa. Pretextando dor de cabeça, tia Olívia recolheu-se mais cedo. Marcelo, silencioso como de costume, comeu de cabeça baixa. Duas vezes deixou cair o garfo.

– Vou ler um pouco – despediu-se assim que nos levantamos.

Fui com Madrinha para a saleta. Um raio estalou de repente. Como se esperasse por esse sinal, a casa ficou completamente às escuras enquanto a tempestade desabava.

– Queimou o fusível! – gemeu Madrinha. – Vai, filha, vai depressa buscar o maço de velas, mas leva primeiro ao quarto de tia Olívia. E fósforos, não esqueça os fósforos!
Subi a escada. A escuridão era tão viscosa, que se eu estendesse a mão poderia senti-la amoitada como um bicho por entre os degraus. Tentei acender a vela mas o vento me envolveu. Escancarou-se a porta do quarto. E em meio do relâmpago que rasgou a treva, vi os dois corpos completamente azuis, tombando enlaçados no divã.

Afastei-me cambaleando. Agora as cerejas se despencavam sonoras como enormes bagos de chuva caindo de uma goteira. Fechei os olhos. Mas a casa continuava a rodopiar desgrenhada e lívida com os dois corpos rolando na ventania.

– Levou as velas para a tia Olívia? – perguntou Madrinha.

Desabei num canto, fugindo da luz do castiçal aceso em cima da mesa.

– Ninguém respondeu, ela deve estar dormindo.

– E Marcelo?

– Não sei, deve estar dormindo também.

Madrinha aproximou-se com o castiçal.

– Mas que é que você tem, menina? Está doente? Não está com febre? Hem?! Sua testa está queimando… Dionísia, traga uma aspirina, esta menina está com um febrão, olha aí!

Até hoje não sei quantos dias me debati esbraseada, a cara vermelha, os olhos vermelhos, escondendo-me debaixo das cobertas para não ver por entre clarões de fogo milhares de cerejas e escorpiões em brasa, estourando no chão.

– Foi um sarampo tão forte – disse Madrinha ao entrar certa manhã no quarto. – E como você chorava, dava pena ver como você chorava! Nunca vi um sarampo doer tanto assim.

Sentei-me na cama e fiquei olhando uma borboleta branca pousada no pote de avencas da janela. Voltei-me em seguida para o céu limpo. Havia um passarinho cantando na paineira. Madrinha então disse:

– Marcelo foi-se embora ontem à noite, quando vi, já estava de mala pronta, sabe como ele é. Veio até aqui se despedir, mas você estava dormindo tão profundamente.

Dois dias depois, tia Olívia partia também. Trazia o costume preto e o chapeuzinho com os alfinetes de pérola espetados no feltro. Na blusa branca, bem no vértice do decote, o galho de cerejas.

Sentou-se na beirada da minha cama.

– Que susto você nos deu, querida – começou com sua voz pesada. – Pensei que fosse alguma doença grave. Agora está boazinha, não está?

Prendi a respiração para não sentir seu perfume.

– Estou.

– Ótimo! Não te beijo porque ainda não tive sarampo – disse ela calçando as luvas. Riu o risinho cascateante. – E tem graça eu pegar nesta altura doença de criança?

Cravei o olhar nas cerejas que se entrechocavam sonoras, rindo também entre os seios. Ela desprendeu-as rapidamente.

– Já vi que você gosta, pronto, uma lembrança minha.

– Mas ficam tão lindas aí – lamentou Madrinha. – Ela nem vai poder usar, bobagem, Olívia, leve suas cerejas!

– Comprarei outras.

Durante o dia seu perfume ainda pairou pelo quarto. Ao anoitecer, Dionísia abriu as janelas. E só ficou o perfume delicado da noite.

– Tão encantadora a Olívia – suspirou Madrinha sentando-se ao meu lado com sua cesta de costura. – Vou sentir falta dela, um encanto de criatura. O mesmo já não posso dizer daquele menino. Romeu também era assim mesmo, o filho saiu igual. E só às voltas com cavalos, montando em pêlo, feito índio. Eu quase tinha um enfarte quando via ele galopar.

Exatamente um ano depois ela repetiria, num outro tom, esse mesmo comentário ao receber a carta onde Romeu comunicava que Marcelo tinha morrido de uma queda de cavalo.

– Anjinho cego, que idéia! – prosseguiu ela desdobrando o crochê nos joelhos. – Já estou com saudades de Olívia, mas dele?

Sorriu alisando o crochê com as pontas dos dedos. Tinha encontrado os óculos.

Fonte:
TELLES, Lygia Fagundes. As Cerejas. Ed. Atual, 1993.

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Arquivado em A Escritora com a Palavra

João Guimarães Rosa (Sagarana) (Parte I)

Artigo do prof. Teotônio Marques Filhos
Artigo em 3 partes.

Localização da obra no estilo de época

Publicado em 1946, Wilson Martins coloca Sagarana como uma das três grandes estréias da prosa de ficção pós-modernista ou, como querem outros, neomodernista.

Para a crítica, o Pós-Modernismo representa o incontido desejo de superar as formas modernistas em busca, principalmente, de originalidade e expressividade, não só no concernente à linguagem, onde se explora a sua plumagem e o seu canto, para usar as mesmas expressões de Guimarães Rosa, como também a ânsia do universal. Deste modo, procurando transcender o estritamente regional, o escritor pós-modernista parte sempre de um plano vertical para, assim, chegar a uma dimensão metafísica, universal do homem.

Embora seja o livro de estréia de Guimarães Rosa, não é difícil ver em Sagarana esses elementos inovadores que caracterizam o Pós-Modernismo. Com efeito, a pesquisa lingüística e a ânsia do metafísico – que superam o estritamento local e regional – têm sido uma das grandes características pós-modernistas, e aqui, especialmente, de Guimarães Rosa. Entretanto, esses elementos apenas vislumbram em Sagarana, despontando intensa e desconcertantemente no monumental romance – Grande Sertão: Veredas (1956). Diríamos que Sagarana foi uma espécie de rascunho que Guimarães Rosa usou para a elaboração de Grande Sertão: Veredas. Na comparação não vai nenhuma subestimação do primeiro livro de Guimarães que, pelo fato de ter sido rascunho, não deixa de ser obra-prima. É a velha história de Adão e Eva que se repete aqui: toda obra-prima tem um rascunho. No caso, o rascunho seria o velho Adão; a obra-prima, a femininíssima Eva… Quem é que vai negar uma coisa desta, minha gente, quem?!

Como sugere o título, Sagarana é uma coletânea de contos estruturados a partir de uma visão moderna dessa espécie literária, pois, embora apresentem os seus elementos tradicionais, os contos de Guimarães Rosa são portadores de “um sopro renovador”, como observa o crítico Massaud Moisés: “Numa linguagem mesclada de tipismos mineiros, eruditismos e arcaísmos, traz para a literatura regionalista um sopro renovador, um senti­do de epicidade e profundo conhecimento da alma humana, que fazem dele, desde logo, um escritor de lugar definitivamente marcado” (Massaud Moisés).

Como já ressaltamos atrás, Guimarães Rosa foi um dos primeiros entre nós que logrou captar o mundo regional através de um prisma universal: a sua obra veio concretizar a nova dimensão que o regionalismo estava esperando: a dimensão do espírito e do mistério das coisas.

Dono de um estilo pessoalíssimo, onde sobressaem os elementos melopéicos das palavras, os contos de Sagarana, fogem, muitas vezes, àquela estrutura que apontamos no início.

Estilo de Guimarães Rosa em Sagarana

Com relação ao estilo de Guimarães Rosa em Sagarana, muita coisa tem-se que falar. Pelo menos cinco características sobressaem na sua maneira de ver o mundo, no seu modo de escrever. Abaixo vamos relacionar essas características:

1) Linguagem

Quanto à linguagem, Augusto de Campos observa que “embora revele um notável e incomum domínio artesanal, a linguagem de Guimarães Rosa também não se confunde com a dos estilistas da língua. O seu palavreado diferente não é constituído propriamente de vocábulos “difíceis” ou desusados, como no caso de Euclides da Cunha ou Coelho Neto, mas de recriações e invenções forjadas a partir das virtualidades do idioma, que levam o leitor a constantes descobertas.” Vejamos, abaixo, os principais aspectos:

Criação de vocábulos

É o que podemos chamar de neologismos onde sobressaem composições e derivações novas, além “de novos tipos de construção frasal”, ditos “neologismos sintáticos”, segundo Mattoso Câmara.

Vamos arrolar aqui alguns exemplos de neologismos vocabulares:

a) derivação prefixal. Um dos prefixos mais usados é ainda dês-: desfeliz, desinquieto, desenxergar, etc. sempre em sentido negativo ou como mero reforço, dado e desgaste do prefixo existente, como é o caso de desinfeliz ou mesmo desinquieto.

b) derivação sufixal. É outro processo formador de vocábulos novos bastante usado no livro e que funciona como expressivo recurso estilístico, principalmente em se tratando de linguagem popular. Entre outros exemplos, mencionemos o caso de: vaqueirama, assinzinho, coisama, pensação, cigarrar, rapaziar, quilometrosa, maismente, saudadear, pererecar, etc.

As vezes o sufixo é usado mesmo em palavras que não o comportam, como é o caso, já citado, de maismente, assinzinho, arranjeizinho (cf. “Arranjeizinho lá um lugar de guarda-civil”, Sag. 82) e amormeuzinho que aparece no conto “São Marcos”.

Registre-se ainda o expressivo verbo pernilongar, que aparece no conto ‘São Marcos”.

c) derivação parassintética. Consiste no uso de prefixo e sufixo ao mesmo tempo. Não é muito freqüente em Sagarana, mas mesmo assim podemos anotar alguns exemplos: avoamento, esmoralizado, desbriado, amaleitado, etc.

d) abreviação. Na abreviação, registre-se o caso de estranja (cf. “você não tem vergonha de trabalhar p’ra esses gringos, p’ra uns estranjas, gente atoa?” — Sag. 89), além de largo uso da síncope, como é o caso de corgo em vez de córrego, p’ra em vez de para, e muitos outros casos que refletem a nossa língua popular. Veja-se ainda vam’bora para “vamos embora” e ixa para “virgem” (como interjeição).

e) composição aglutinada. Consiste na junção de dois vocábulos de modo que percam a sua individualidade fônica. É o caso de, entre outros: passopreto (pássaro + preto), milmalditas (mil + malditas), suaviloqüência (suave + eloqüência), destamanho (deste + tamanho), membora (me + embora), santiaméin (santo + amém) e o curioso nomopadrofilhospritossantamêin (em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém) que sugere a rapidez com que Nhô Augusto fez o sinal da cruz, naquelas circunstâncias em que se achava (cf. Sag. 362).

É curioso também o dei’stá (deixa + está) de largo uso no interior.

f) composição justaposta. Consiste na união de dois ou mais vocábulos em que se mantém a integridade fônica de ambos. Como exemplo, anote-se: hoje-em-dia, mulheres-a­toa, todo-o-mundo e aqueles vocábulos formados pela introspecção bovina de “Conversa de Bois” como: “boi-grande-que-berra-feio-e-carrega-uma-cabeça-na-cacunda (para marruás, touro) e homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta (para o homem que guia os bois e leva o ferrão).

Arcaísmos

Como sabemos, arcaísmos são “vocábulos, formas ou construções frasais que saíram do uso na língua corrente”. Evidentemente, os arcaísmos de Sagarana foram usados por Guimarães Rosa para fins estilísticos, com a intenção de estabelecer coerência entre forma e conteúdo. Com efeito, o arcaísmo em Sagarana é um reflexo da linguagem popular, visto que a língua do interior, afastada do contato com a civilização, é estática, conservando muitos vocábulos do português arcaico. Entre outros, anotemos aqui alguns exemplos: riba (cf. por riba do monte), banda (em lugar de lado), vigiar (em vez de olhar), quentar (em vez de esquentar) e uma enfiada de verbos com prótese de um a, outrora bastante em voga em nossa língua e que ainda existe na fala do nosso homem do interior: agarantir, alembrar, alumiar, amostrar, arreconhecer, arrenegar, arresolver, arresponder, arresistir, aclivertir, etc.

Erudismo

Escrever com erudismo é um fato que a crítica reconhece no estilo de Guimarães Rosa. É o que ocorre sempre quando é o escritor que narra, quando não pretende registrar modismos regionais ou a linguagem popular. Nesse sentido nos parecem válidos os contos “São Marcos” e “Minha Gente”, principalmente este último, donde extraímos este exemplo:

Eu tinha cochilado na rede, depois de um almoço gostoso e pesado, enquanto Tio Emílio, na espreguiçadeira, lia sua pilha de jornais de uma semana. A varanda era uma praia de ilha, ao mar da chuva. Meu espírito fumaceou, por ares de minha só pos-se — e fui, por inglas de Inglaterra, e marcas de Dinamarcas, e landas de Holanda e Irlanda. Subi à visão de deusas, lentas apsaras de sabor de pétalas, lindas todas: Dária, da Circássia; Ragna de Aase; e Gúdrun, a de olhar cor dos fiordes; e Vivian, violeta; e Érika, sílfide loira; e Varvára, a de belos feros olhos verdes; e a princesa Vladislava, císnea e junoniana; e a princesinha Berengária, que vinha, sutil, ao meu encontro, no alternar esvoaçante dos tornozelos preciosos…” (pág. 197).

Figuras

Aqui sobressaem pelo menos três figuras importantes:

a) Metáfora. Consiste numa transposição do sentido de um vocábulo por se tornar opaco ou gasto o existente. Como ressalta Oscar Lopes, as metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético radical: o efeito de ressaca do significado novo sobre o significado corrente. Anote-se: “De noite, saiu uma lua rodo-leira, que alumiava até passeio de pulga no chão” (26); em vez de dizer que a lua era cheia e brilhava intensamente; “Cor do céu que vem chuva” (24) para indicar uma cor que é mais que o castanho ou baio; “Estou como ovo depois de dúzia” (32) para dizer que está sobrando; “em mão de vaqueiro com dez anos de lida nos currais do sertão” (36) para dizer que o vaqueiro era experiente; “Só de vez em quando é que um quer me saudar com a mão canhota” (40) para indicar que, vez por outra, surgiam ingratidões, ou coisa semelhante; “aproveitava para encher, mais um trecho, a infinda lingüiça da vida” (49) para indicar que ia levando a vida de qualquer jeito; “Durou o prazo de se capar um gato” (98), para dizer que a ação foi rápida; e aquele “arquipélago de reses” (172) para indicar ajuntamentos de reses aqui e ali. E assim muitas outras.

b) Anacoluto. “Chama-se anacoluto ou frase quebrada àquela em que a uma palavra ou locução, apresentada inicialmente, se segue uma construção oracional em que essa palavra ou locução não se integra.” A definição é de Mattoso Câmara (cf. Dicionário de Filologia e Gramática), que acrescenta: “Na língua oral coloquial o anacoluto é um processo freqüente de construção de frase”. E o que se pode ver em Sagarana, visto que uma das principais características de Guimarães é exatamente a estilização da sintaxe popular. Veja-se esse exemplo: “Que há? O senhor sabe que, a mim, eu gosto de estimar e respeitar os meus amigos, e, grande principalmente, as suas famílias excelentíssimas…” (82); ou aquela passagem de “Conversa de Bois”, onde o escritor procura expressar a angústia e inquietude do menino Tiãozinho através de um mundo de reticências e frases entrecortadas que avolumam na sua cabeça e dão prova do seu apavoramento diante da mor­te de seu Agenor Soronho (vide pág. 317-318).

c) Silepse. A silepse é uma concordância ideológica. Quer dizer, é uma concordância que se faz com a idéia e não com o termo expresso. É o caso do coletivo com o verbo no plural que ocorre várias vezes em Sagarana. “Eu acho que a boiada vai bem, sêo Major. Não vão dar muito trabalho, porque estão bem gordos” (20) “Ele é de uma turma de gente sem-que-fazer, que comeram carne e beberam cachaça na frente da igreja, em sexta-feira da Paixão, só p’ra pirraçar o padre e experimentar a paciência de Deus...” (256).

Trata-se, igualmente, de uma concordância bem popular.

Musicalidade

Trata-se de uma das características mais presentes e individualizadoras de Guimarães Rosa, que dão um caráter nitidamente poético à sua prosa. É o que o escritor chama de “plumagem e canto das palavras”. Com efeito, amiúde Guimarães apela para os aspectos auditivos (“canto”) e visuais (“plumagem”), fazendo uma verdadeira orquestração sonora com as palavras. Isso sobressai principalmente em “O Burrinho Pedrês” e “São Marcos” onde, nesse último, há uma verdadeira saraivada de luz e cores de início (aspecto visual-plumagem das palavras), para ceder lugar aos sons e ao ritmo (canto das palavras), depois que fica cego. É curioso ver-se o conto neste sentido.

Entre outros recursos melopéicos, ressaltam-se:

a) Rimas. É um recurso bastante explorado em Sagarana e expressa, mais uma vez, a natureza popular da linguagem rosiana. Vejam-se esses exemplos: “por amos e anos” (3); “boi sanga sapiranga” (6); “veio apropinquando, brando” (10); “suspiro de vaca não arranca estaca” (17), “e as vagas de dorsos, das vacas e touros” (23): “Quem não trabuca não manduca” (72); “Você é tudo, bigodudo” (89); “ó Vitalina, engambela ela” (111); “papo de mola, quando anda pede esmola” (139); “Pega à unha, joão-da-cunha” (147).

Sensível ao poder fônico dos vocábulos, diz o Prof. Wilton Cardoso, Guimarães Rosa se deixa entregar a combinações léxicas, cujo fim é sem dúvida explorar o seu manancial sonoro”. Na prática desse recurso, “se algumas vezes pretende ilustrar conteúdo semântico, à maneira onomatopaica, em outros casos dá à nota sonora valor próprio e exclusivo, já que não se relaciona com o contexto.”

b) Ritmo. É outro elemento poético que se pode constatar em Sagarana. Principal­mente em “O Burrinho Pedrês”, onde a disposição das palavras parece acompanhar as marchas e contra-marchas do rebanho que começa a trotar em passos cadentes:

Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combuscos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cornetos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros… E os tocos da testa do mocho macheado, e as cuarmas antigas do boi cornalão…” (pág. 22).

Move-se o rebanho lentamente e o ritmo pentassilábico acompanha-lhes a marcha cadente e uniforme.

As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão…” (pág. 23).

c) Aliteração. Consiste numa “repetição de dado fonema, numa frase, em vocábulos seguidos, próximos, distantes e simetricamente dispostos” (Mattoso Câmara). É recurso que serve para intensificação do ritmo, conferindo-lhe expressiva harmonia imitativa, como é o caso ainda da boiada anterior onde a mansietude do ritmo pentassilábico “é aparente ou provisória, observa o prof. Wilton Cardoso, porque a rês brava pula e volteia na ponta da vara e comunica calor à centopéia ondulante, que começa a acelerar-se.” É o que parece expressar as aliterações em medida trissilábica da passagem abaixo: “Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando.. . Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito… Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...” (pág. 23).

Outros exemplos de aliterações são: “três trons de trovões” (18); “bebedérrimo, Badu” (49); “que vinha vivendo o visto mas vivando estrelas” (235); etc.

d) Onomatopéia. É outro recurso melopéico, de larga tonalidade, que Guimarães explora em Sagarana. Consiste em “procurar reproduzir determinado ruído, constituindo-se com os fonemas da língua, que pelo efeito acústico, dão melhor impressão desse ruído” (Mattoso Câmara). Entre outros, citemos: “A boiada entra no beco – Tchou! Tchou! Tchou!… (48) para tanger o gado; “lho… lho… lho… – vão, devagar, as braçadas de Sete-de-Ouros” (66), para o burrinho atravessando o rio; “-Prrr-tic-tic-tic!” para chamar galinha; “i-tchungs”-tchungou uma piabinha” (242), para o movimento da piaba, etc.

Concluindo, podemos afirmar com Pedro Xisto que “os vocábulos do nosso romancista-poeta não se restringem a contar uma história. Eles têm, ainda, o que contar de si próprios. Eles são mais do que signos abstratos e indiferentes. Eles integram a coisa, participando, concretamente, das vivências.”

Assim, em Guimarães Rosa, “não é a linguagem que se acomoda à realidade, mas a realidade que se transforma em linguagem”.

2. Fabulação

É outra característica de Guimarães Rosa que sobressai em Sagarana: o seu extraordinário poder de fabulação. Suas narrativas, repletas de incidentes, casos fantásticos e imaginários, contém às vezes mais de uma “estória” dentro da “estória”. É o que se pode notar, principalmente, em “O Burrinho Pedrês”, onde, dentro da “estória” de Sete-de-Ouros podemos surpreender e anotar outros casos que os vaqueiros vão relatando no decorrer da viagem.

Outros exemplos neste sentido são: “Minha Gente” que inicialmente se perde em descrições paisagísticas (outra grande qualidade de Guimarães), para depois se concentrar na história propriamente, por sua vez, mesclada de outros casos; “Corpo Fechado”, cuja “estória” começa propriamente no final, com Manual Fulô contando outros casos para o doutor; “Conversa de Bois”, que é entrecortada também por outros casos, etc.

De um modo geral, entretanto, esses casos secundários são postos em função do principal: têm a finalidade de comprovar ou preparar terreno para a história principal.

3. Personagens

De um modo geral os personagens de Sagarana estão ligados à paisagem mineira, à vida das fazendas, à saga dos vaqueiros e dos criadores de gado – mundo da infância e mocidade de Guimarães Rosa.

Seus personagens são admiravelmente delineados e caracterizados não apenas externamente, mas com uma rara penetração da psicologia do homem rústico. Suas descrições, atestam um conhecimento minucioso de gentes, plantas e bichos em contacto com o ambiente sertanejo”. (Augusto de Campos).

Entre outras personagens que sobressaem nos contos de Sagarana, podemos relacionar aqui Nhô Augusto, de “A Hora e Vez de Augusto Matraga”; Latino Salãthiel, de “A Volta do Marido Pródigo”; Maria lima, de “Minha Gente”; Manuel Fulô, de “Corpo Fechado”; Turíbio Todo, de “Duelo”, além do burrinho Sete-de-Ouros, de “O Burrinho Pedrês” e aquele fantástico boi Rodapião, de “Conversa de Bois”, onde Guimarães se revela também profundo conhecedor da “psicologia” bovina.

4. Provérbios e Quadras

É outra característica do estilo rosiano que evidencia um gosto bem popular: o gosto por ditados e provérbios, além das quadrinhas que harmonizam as noites sertanejas, sob um céu palpitante de luar e de estrelas que pululam encantadas dos sons gotejantes das melodias populares. Mundo de fantasia e poesia que já começa a crepuscular para dar lugar aos sons trepidantes e fumegantes das guitarras desconcertantes que infestam e empestam este soberbo século XX de maravilhas fatais!

Dos primeiros, anote-se: “não é nas pintas da vaca que se mede o leite e a espuma” (18); “Suspiro de vaca não arranca estaca!” (17), “para bezerro mal desmamado, cauda de vaca é maminha” (34); “Sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão” (319), e muitas outras.

Das segundas (quadrinhas), entre as muitas que o livro oferece, citemos:

O Curvelo vale um conto,
Cordisburgo um conto e cem.
Mas as Lages não têm preço,
Porque lá mora o meu bem
…” (pág. 22)
————————-

continua…

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Sófocles (496 a.C. – 406 a.C.)

Sófocles foi um dramaturgo grego, um dos mais importantes escritores de tragédia ao lado de Ésquilo e Eurípedes. Suas peças retratam personagens nobres e da realeza. Filho de um rico mercador, nasceu em Colono, perto de Atenas, na época do governo de Péricles, o apogeu da cultura helênica.

Escreveu em grego 123 peças para a competição dramática anual das festas dionisíacas e obteve 24 vitórias, constando que a primeira vitória foi aos 18 anos (468 a. C.), sendo este o marco inicial de uma carreira de sucesso. Apenas sete “sobrevivem” até os dias de hoje, e também trabalhou como ator.

Dedicou parte de sua vida às atividades atléticas, à música, à política, ao militarismo e à vida religiosa (foi sacerdote do herói-curador Amino). Considerado o continuador da obra de Ésquilo, Com apenas 16 anos de idade Sófocles estava pronto para competir com os dramaturgos já experientes, e ganhou o 1º prêmio que também era concorrido por Ésquilo. Ele sempre interpretava suas próprias peças. Foi sacerdote ordenado, ligado ao serviço de dois heróis locais, Arconte e Esculápio; o deus da Medicina. Dirigiu o departamento do Tesouro, que controlava os fundos da Confederação de Delfos.

Em suas tragédias, mostra dois tipos de sofrimento: o que decorre do excesso de paixão e o que é conseqüência de um acontecimento acidental (destino). Concentrava em suas obras a ação em um só personagem destacando o seu caráter e os traços de sua personalidade. Reduziu a importância do coro no teatro grego, relegando-o ao papel de observador do drama que se desenrola à sua frente. Também aperfeiçoou a cenografia e aumentou o número de elementos do coro de 12 para 15, porém esse número pode variar de acordo com o poeta que define a tragédia. Sua concepção teatral foi inovadora e elevou o número de atores de dois para três.

Teve dois filhos: Lofon de sua esposa Nicostrata e Ariston, de sua concubina Teoris de Scione.
Suas peças “sobreviventes” são:
Ájax
Antígona
As Traquínias
Édipo Rei
Electra
Filoctetes
Édipo em Colono

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_3169.html
http://pt.shvoong.com/books/biography/1776689-s%C3%B3focles/
Imagem = http://www.filosofix.com.br/

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Sófocles (Édipo Rei)

Composta por Sófocles, em data ignorada, e particularmente admirada por Aristóteles, esta obra-prima da tragédia grega, ilustra a impotência humana diante do destino.

Édipo é filho de Laio, rei de Tebas, e da rainha Jocasta. Nos antecedentes dessa história, o Oráculo anuncia a Laio que, por causa da maldição dos Labdácidas, se este viesse a ter um filho com Jocasta, esse filho o mataria. Laio, com temor de que a profecia do Oráculo se realizasse, ordena Jocasta a entregar seu filho a um pastor da região. Amarra, fura-lhe os pés e o abandona no monte Citerón para sua vida ser ceifada. Mas, o pastor, com piedade, entrega-o a Pólibo, rei de Coritos. Pólibo e sua mulher Meréope criam-no como um filho.

A estória começa quando Édipo, príncipe de Corinto, é insultado por um bêbado, que o acusa de ser filho ilegítimo do Rei Políbios. Embora Políbios procure tranqüilizar Édipo, o príncipe, perturbado, recorre ao Oráculo de Píton, mais tarde conhecido como Delfos.

O oráculo evita responder à sua dúvida, mas dá a terrível informação de que Édipo está destinado a matar o pai e casar-se com a mãe.

O Oráculo apenas revela que Édipo mataria seu próprio pai e casaria com sua própria mãe. Desesperado e crendo que Pólibo e Meréope eram seus pais verdadeiros, Édipo resolve abandonar Corintos para nunca mais regressar. É nessa mesma época que a cidade de Tebas está sendo atacada pela Esfinge, devorando os cidadão tebanos, pois eram incapazes de decifrar o enigma proposto pela Esfinge. Ao passar por Tebas, numa encruzilhada de três caminhos, Em uma encruzilhada, Édipo depara-se com uma carruagem. À frente vem o arauto, que ordena rudemente a Édipo que se afaste e tenta empurrá-lo para fora da estrada. O príncipe começa uma briga e termina matando todo mundo que nela se envolve. Para sua desgraça, um dos homens que vinha na carruagem era seu pai verdadeiro, o rei Laios de Tebas. Ao chegar na cidade de Tebas, Édipo consegue decifrar o enigma da Esfinge, libertando a cidade do flagelo e acaba sendo proclamado o rei de Tebas, casando-se com a viúva de Laio, a rainha Jocasta, sua mãe verdadeira.

Assim, a profecia se tornou realidade: Édipo matou o próprio pai e se casou com a própria mãe.

Anos se passam e Édipo reina como um verdadeiro soberano e tem vários filhos com Jocasta, mas a cidade passa por momentos difíceis e a população pede ajuda ao rei. Os deuses enviam uma peste a cidade de Tebas, pois os homens estavam desobedecendo ao Oráculo. Édipo, preocupado com a situação envia seu cunhado, Creonte, ao Oráculo de Delfos para saber qual era a causa da peste que assolava a cidade de Tebas. A resposta do Óráculo foi que a cidade estava naquela situação por causa da morte de Laio e que para solucionar o problema o assassino deveria ser descoberto e punido. Porém, Édipo não sabe que Laio era seu pai e que o tinha matado na encruzilhada. Então manda seu cunhado Creonte buscar o adivinho Tirésias, que com medo de revelar que era Édipo o assassino, resiste em responder.

Depois de ser muito insultado por Édipo, chamado de traidor da cidade, Tirésias não hesita em revelar quem é o verdadeiro assassino. O assassino era o próprio Édipo. Édipo não crê nisso, mas acredita que Creonte e Tirésias estão armando. Assim, Édipo de investigador se torna investigado e vai em busca de assassino de Laio. Ao longo da tragédia, Édipo descobre que Pólibo e Meréope não eram seus pais e que seu verdadeiro pai era Laio e sua verdadeira mãe era Jocasta. Jocasta suicída-se assim que descobre. Não suportando a verdade de ser um assassino e um parrecida Édipo fura os próprios olhos para não ver sua dura realidade.

Foi daí que veio seu nome: “oidípous” significa “pé inflamado”.
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Um clássico da literatura ocidental, esta peça de Sófocles é considerada uma das mais perfeitas tragédias da Grécia Antiga.

Fonte:
www.E-Book-Gratuito.Blogspot.Com

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Luiz Eduardo Caminha (Liberdade, Liberdade!)

Imagem do filme Sonho de Liberdade
Um caniço na beira do lago, uma voz no deserto, um uivo na escuridão, sei lá, não importa. Não me curvo com o vento, o deserto não me cala (mesmo que ninguém me ouça!), as trevas não me amedrontam. Então: brademos!!!

Liberdade, liberdade!

Não me ponhas normas,
Preceitos, nem regra.
Depois de tanta refrega,
Não hei de obedecer!

Não me imponhas grades,
Grilhões, nem cadeia.
Depois de tanta peleia,
Não hei de me prender!

Não me coloques canga
Ferros, nem algema.
Depois de tanta pena,
Não hei de fenecer!

Não me cales, enfim,
Nem queiras qu’eu fique mudo.
O que sobra do meu mundo imundo,
É o meu jeito de dizer!

Liberdade, liberdade,
Ainda que seja tarde.
Ainda que duvidoso,
O porvir, o alvorecer!

Minha voz é filha do silêncio,
Minha escrita, enteada do vento,
Minha vida é um curso d’água,
Minha vocação, um oceano!

(Florianópolis , Ratones, 03.05.2009)

Fonte:
Colaboração do autor.

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Bandeira Tribuzi (Vôo Poético)

ITINERÁRIO DO CORPO

A Afonso Felix de Sousa

I

O pequeno lugar predestinado:
cama – lençóis, colchão e travesseiro:
objetos banais pousados sobre
a armação de madeira para dois.

Pequeno apartamento de cidade!
Pequenos corpos e cansados despem-se,
despem roupas, sapatos, conveniências
à pequenina luz que afaga as coisas.

Estão nus, lado a lado, sobre o leito
e se entrelaçam para desafogo
de raivas, lutas, ilusões, sentidos.

Talvez não saibam
por que assim se prendem,
Já cantam sino pelo novo filho!

II

Entre o campo de neve a vida fende-se
barbaramente, para dar passagem
à colheita que vem sem estações:
bicho da terra que se chama homem.

Nove meses guardado e construído
com silêncio, carne, sangue e esperança,
ei-lo que rasga o ovo e se apresenta
disforme, placentário, precioso.

Ela está como o campo após a ceifa.
De seus peitos já mana o claro líquido
onde a vida se côa como um filtro.

Olha o pequeno corpo que se deita
a seu lado, entre o sonho e a realidade,
e, brandamente, diz apenas: – Filho!

III

Infância triste, tempo de castigos
e doces ilusões mas sem brinquedo
que teus olhos encontram nas vitrines
e tua débil mão jamais alcança.

Porém o corpo vai rompendo elástico
pesar do tempo amargo em que floriste.
Teus olhos já se pousam sobre a vida
embora ignorando-lhe a inocência.

Assim, surgindo vens dos alimentos,
cuidados e remédios e o alicerce
da sapiência que são letra e número.

Assim te formas resumido corpo
que será de homem e continuará
brincando em nova trágica maneira.

IV

Resides entre o sonho e coisas ásperas,
a confusão do trágico e a rosa,
a escola, o emprego, o livro clandestino,
a refeição modesta, o sono limitado.

Teu corpo é apenas máquina de sexo
e coração: toda a razão de ser
está na amada, amada inconsistente:
olhos, cabelos, seios, agressivos

somente, mas tu a colocas lá
bem no centro do mundo e lhe declamas
baladas, vossos corpos se aproximam.

Entre comícios, agressões, revoltas,
pressa, atenção, estudo, devaneio,
estás defronte ao mundo e interrogas.

V

A resposta és tu mesmo: corpo de homem,
o sentimento e pensamento de homem,
passo seguro de homem, ombros de homem,
boca, face, palavra e gestos de homem.

O que sabes do mundo! Gestos mágicos
te multiplicam ao calor dos corpos.
Uma coragem funda, o olhar sábio,
avanças com o tempo e o constróis.

A noite existe – não a das carícias,
de sono leve, corpos repousando –
noite pesando sobre cada coisa.

Avanças bloqueado pela Noite
(há muitos, muitos corpos avançando)
e teus passos vão dar na madrugada.

VI

És fogo que se apaga lentamente.
Folhas que vão tombando despem a árvore.
Árvore a quem a seiva foi faltando,
tua missão se acaba e envelheces.

Teus olhos já cansados de aprender
formas, gestos e a grande cor do mundo.
Tua boca já cansada de alimentos,
de beijos, de palavras, de protesto.

Outros vêm substituir tua coragem
com novos braços para a mesma luta,
e passos fortes para o mesmo fim.

Tua hora vem chegando necessária.
O corpo se dissipa. Tua passagem
não terá vermes para devorá-la.
==============================

CONCLUSÃO PARA CONSOLO

Bicho da terra estás apenas morto.
Já a terra de que és bicho te recobre
e uma pequena flor acena, leve,
um pequenino adeus sobre teu túmulo.

Tua mulher jamais esquecerá
tua sólida figura. Nem teus filhos
que em si a reproduzem e prosseguem
tua presença em gestos e palavras.

O tempo que rompeu teu rude corpo
como inverno passando sobre o campo,
não cortou a semente indispensável.

Ele mesmo será propício à nova
árvore forte que sustem o mundo
e reverdece o chão da vida mágica.
Lamentação do quase ex-príncipe

Menino sou do tempo que se acaba
e, consequentemente, sou aquele
para quem tudo que de novo venha
recorda o anterior que mais amava.

Sou filho do ruído das palavras
de que abusava para, sem sentido,
me ver de cores vivas revestido.
Não ter lugar real facilitava

o meu estar entre diversas forças,
neutro. Menos a idéia que o proveito
exerci. Filho do tempo e inculpável,

sempre exaltei gratuitas circunstâncias.
Não sei se me defendo, se me odeio,
se iludo o meu saber-me e odiar-me.
============================

PAISAGEM

Eis aqui um cão
e defronte um homem:
ambos o pão
da fome comem.
Olha o cão a vida
triste das pedras
(coitado do cão
que não pasta ervas)
e por fim já morde
o osso das trevas.

Olha a vida o homem
com saudade amarga.
Os olhos do homem
já não olham nada.
Só, em seus ouvidos
de carne fanada,
teimam os latidos
da morte e do nada.
=============================

A MESA

A mesa tem somente o que precisa
para estar, circundada de cadeiras,
fazendo parte da vida familiar
entre alimentos, flores e conversa.

Escura mesa gravemente muda
que, parecendo alheia a quanto a cerca,
encerra no silêncio toda a ciência
da idade desdobrando gerações.

olho de cerne, comovido e frio!
indiferente coração parado
entre o grito infantil e o olhar cansado.

Mistério de madeira rodeado
por cadeiras, lembranças, utensílios,
e um leve odor de tempo alimentício.
=======================

ORDEM DO DIA

Há que remover a neve desta folha de papel!

Breve escutaremos o motor dos sentimentos
enchendo a manhã com sua algazarra. Eis a máquina se
movimentando! Da esquerda para a direita vão surgindo
os sulcos onde caem as sementes
da Emoção.

Na vasta planície
desvirginada
germina já o pólen da lírica.

Um vento de humana condição
(oh arte, coisa social!) faz voar até tuas mãos
esta lavoura mental.
Como bom descendente de um povo de camponeses
medes o rigor da semeadura,
sonhas as chuvas na raiz, o futuro pão…
Pão sonoro!

De repente,
as aves da poesia, que se alimentavam no campo semeado, rompem vôo para o céu de tua inteligência
e desfecham seu canto
maravilhoso contra tua surpresa.

Teu coração é a corda do violino!
Eis a geração do poema:
sua mecânica, seu plantio,
sua colheita.
Estás diante de uma safra eterna!
===========================

O HOMEM EM PELE E OSSO

A pele é superfície,
os ossos são entranha.
A pele é o que se vê,
os ossos o que escapa.
A pele é uma casca,
os ossos uma safra.
A pele é entrega,
o osso é arma.
A pele é palma,
o osso é clava.
A pele é a pintura,
os ossos são a casa.
A pele é o acidente,
o osso o permanente.
A pele são as nuvens,
os ossos são a água.
A pele são os musgos,
os ossos são as montanhas.
A pele é o agora,
os ossos são milênios.
A pele é um orvalho,
os ossos são invernos.
==================================

ROMANCEIRO DA CIDADE DE SÃO LUÍS

Pré-história

Na solidão do chão sem tempo
há uma ilha de expectativa,
entre dois rios, como braços,
suavemente recolhida.
Verdes copas e o vento nelas
e os cachos das frutas nativas
e as alvas coxas de suas praias
ao sol do trópico estendidas.

Vizinho o mar com sua espuma,
seu horizonte imaculado,
com sua raiva e sua ânsia,
com seu verde pulmão salgado,
misturando sua maresia
com o acre cheio do mato.
Vizinho o mar com seu mistério
e o além por ser desvendado.

o mar de onde, por milênios,
tudo que vem é rumor longo,
surdo ou cavo, manso ou severo,
cantochão grave, som redondo

contra pedras, conchas, areias,
interminável apelo em som do
horizonte que não revela
o mistério profundo e abscôndito.
=================================

IMAGEM

Vista do mar, a cidade,
subindo suas ladeiras,
parece humilde presépio
levantado por mãos puras:
nimbada de claridade,
ponteia velhos telhados
com as torres das igrejas
e altas copas de palmeiras.
Seus dois rios, como braços
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem
flui a música do tempo,
cresce o musgo dos telhados
e a umidade das paredes
escorre pelos sobrados
o amargo sal dos invernos.
Tudo é doce e até parece
que vemos só o animado
contorno de iluminura
e não a realidade:
vista do mar, a cidade
parece humilde presépio
levantado por mãos puras
e em sua simplicidade
esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.
========================

POEMA

Um cão ladrou
na noite obscura
tremores frios
de inanição
A mulher magra
esperou cansada
que a carne exausta
fosse chamariz
Poucos sexos jovens
se investigaram
muitos não conseguiram
fugir à frustração
Alguns descansaram
outros se diluíram
o caixote de lixo
esperou esperou
]Depois rompeu
a madrugada.
===============================

SONETO DO VIETNÃ

A bomba de napalm está fritando
a carne espedaçada no sudoeste.
Relincham os canhões e aves uivando
sobrevoam os pântanos da peste.

A morte cultivada, amontoando
vai cadáveres bons para a manchete:
é a vida, a leste e a oeste prosperando
no negócio da morte que floresce.

E quantos mais prodígios desabrocham,
quando o século atinge o último quarto
na véspera intranquila desse parto

do futuro obscuro, a que se imolam
a puta de Saigon, amarga e nua,
e o astronauta pisando o chão da lua!
=========================

CONSUMO & DOR (fragmentos)

Como é bela
a favela
Azul e amarela;
que ruído
colorido
da bala no ouvido;
que floração
de gozo-ação
na prostituição;
que doçura
na cobertura
de jornal em noite pura;
que inaudita
arquitetura
da palafita;
que aconchego
de sossego
do desemprego;
como consola
a esmola…!

Quem é este pobre
animal que pasta
apenas angústia
e paz recusada?
Quem é este pobre
bicho cuja erva
que rói é um veneno
em que se alimenta?
Quem é este ser
já tão diferente
de quanto seria
se fosse existente

Ó pergunta vã
que ninguém responde:

é o filho da manhã
padecendo a noite,

é a vida florindo
sua própria morte.
====================

OS TELHADOS

Sobre este campo vermelho
que o tempo pasta,
o passado é lento rebanho
retouçando nuvens brancas.

Andorinhas seculares
ondeiam no verão supremo
e o musgo denuncia aos ares
que o tempo se fez eterno

Torna viagem

Parasse o rio onde foi fonte,
ficasse a fonte onde foi nuvem,
voltasse o mar onde foi rio
para que o rio fosse chuva…

Assim esta rosa de outono
que já vai sendo minha vida,
seria folha, caule, seiva
e raiz da infância perdida!
=============================

INEVITÁVEL

Insaciavelmente ela te espera
carnívora em seu furor uterino.
Movida pela fome de pantera
vigia teus descuidos de menino.

De numerosas tramas tece a espera
e os becos sem saída do destino
e em seu macio pêlo esconde a fera,
a fúria, o enredo e o negro desatino.

Sempre atenta te espreita desarmado,
pronta a te desferir garra ferina
para sorver-te a vida àquela hora

insuspeita, fatal e inevitada.
Pois, se lhe foges, ela te fascina
E, se te entregas, ela te devora.
============================

A PORTA ESTREITA

Entre estar vivo e a morte
um interstício apenas, porém se
do próprio sono limitado ao permanente
é tão profundo o limiar de incógnita!

Como saber no emaranhado
de voz, silêncio, gesto e rigidez,
o tempo inicial da irreversível
ausência e o derradeiro arfar do peito?

Como saber onde começa o adeus,
onde parou o olhar, onde os ouvidos
desceram véus imateriais ou quando

os sentidos, ornados de indiferença,
caminham já na outra margem frios
a este rumor de vida que não cessa?
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Bandeira Tribuzi (2 Fevereiro 1927- 8 Setembro 1977)

Bandeira Tribuzi, pseudônimo de José Tribuzi Pinheiro Gomes, (São Luís, Maranhão, 2 de fevereiro de 1927 — 8 de setembro de 1977) foi um poeta brasileiro.

José Tribuzi Pinheiro Gomes, que usaria o nome literário de Bandeira Tribuzi, nasceu em São Luís do Maranhão no dia 2 de fevereiro de 1927. Filho de Joaquim Pinheiro Ferreira Gomes, comerciante português, e Amélia Tribuzi Pinheiro Gomes, brasileira descendente de italianos. Aos cinco anos de idade seguiu com os pais para Portugal. Pela vontade paterna seria um frade franciscano e para satisfazê-lo, apesar de não ter vocação sacerdotal, permaneceu nos educandários religiosos até a conclusão do Seminário Maior. Estudou nas cidades de Porto, Aveiro e Coimbra. Nessa última, em sua famosa Universidade, dedicou-se às Ciências Econômicas e Filosóficas.

Retornou a São Luís, em 1946, passando a exercer intensa atividade intelectual, sendo considerado por muitos o divulgador do modernismo no Maranhão. Trouxera da Europa um acentuado sotaque português e a leitura de Fernando Pessoa, José Régio, Mário de Sá Carneiro, García Lorca… A admiração pelo poeta Manuel Bandeira o levou a antepor o “Bandeira” ao sobrenome Tribuzi para formar o pseudônimo.

Casou-se, em 1949, com D. Maria dos Santos Pinheiro Gomes.

Foi poeta, novelista, romancista, dramaturgo, compositor (com 93 composições musicadas, incluindo o hino oficial da cidade de São Luís), ensaísta, crítico literário, historiador e professor. Trabalhou como jornalista em diversos órgãos de imprensa, criou a revista Ilha e dirigiu vários jornais, como o Jornal do Povo e O Estado do Maranhão. Foi funcionário público, na condição de economista e Chefe de Relações Públicas do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, e também Diretor do Banco do Estado do Maranhão. Tornou-se uma das figuras mais destacadas do planejamento econômico estadual, redigindo planos de governo e assessorando governadores. Representou o Maranhão no V Encontro Nacional de Secretários de Planejamento, em Porto Alegre, em 1973.

Sua estréia em livro foi em 1947 com a coletânea de poemas Alguma existência, edição do Autor, seguindo-se Rosa da esperança, Guerra e paz, Safra, Sonetos, Pele & osso, Breve memorial do longo tempo e, em edições póstumas, Poesias completas, de 1979, incluindo vários inéditos, Tropicália consumo & dor, de 1985 e Obra poética, de 2002.

Em maio de 1977, foi-lhe prestada, em comemoração ao seu cinqüentenário, uma homenagem da intelectualidade brasileira, em São Luís, da qual participaram figuras proeminentes da literatura, da sociedade e da política, em que se destacavam Ferreira Gullar, Odylo Costa, filho, Jorge Amado, Josué Montello e José Sarney, entre outros.

Bandeira Tribuzi morreu poucos meses depois, em São Luís, a 8 de setembro de 1977.

Ao mesmo tempo que soube ser o intérprete das grandes angústias humanas no ritmo de seus poemas, Tribuzi foi a voz de seu povo e de sua província, com um modo de ser genuinamente maranhense.

Já acentuei que não devemos confundir, nos escritores da província, os provincianos e os provinciais. Os primeiros só existem em função da província, ao passo que os segundos têm a dimensão universal embora vivam na Província, e a cantem, e a celebrem, e nela reconheçam o recanto do mundo que não trocariam por nenhum outro.

Tribuzi é bem o poeta provincial por excelência, como Gonçalves Dias na Canção do exílio. Sua obra é uma convergência de problemas e sentimentos universais, a que o poeta empresta a beleza do seu canto. Creio que, sob esse aspecto, ninguém mais representativo do que ele, no quadro geral da poesia maranhense contemporânea.”
(Josué Montello. “O legado literário de Bandeira Tribuzi”. In: Tribuzi, Bandeira. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1979.)

Obras do autor

Alguma existência (1948)
Rosa da Esperança (1950)
Safra (1960)
Sonetos (1962)
Pele & Osso (1970)
Poesias Completas (1979)

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br
http://www.redutoliterario.hpg.ig.com.br/poesia/tribuzi.htm

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Graciliano Ramos (A Safra de Tatus)

— Como foi aquele negócio dos tatus que a senhora principiou a semana passada, minha madrinha? Perguntou Das Dores.

O rumor dos bilros esmoreceu e Cesária levantou os óculos para a afilhada:

— Tatus? Que invenção é essa, menina? Quem falou em tatu?

— A senhora, minha madrinha, respondeu a benzedeira de quebranto. Uns tatus que apareceram lá na fazenda no tempo da riqueza, da lordeza. Como foi?

Cesária encostou a almofada de renda à parede, guardou os óculos no caritó, acendeu o cachimbo de barro ao candeeiro, chupou o canudo de taquari:

— Ah! Os tatus. Nem me lembrava. Conte a história dos tatus, Alexandre.

— Eu? Exclamou o dono da casa, surpreendido, erguendo-se da rede. Quem deu seu nó que o desate. Você tem cada uma!

Dirigiu-se ao copiar e ficou algum tempo olhando a lua.

— Se os senhores pedirem, ele conta, murmurou Cesária aos visitantes. Aperte com ele, seu Libório.

Ao cabo de cinco minutos Alexandre voltou desanuviado, pediu o cachimbo a mulher, regalou-se com duas tragadas:

— Ora muito bem.

Restituiu o cachimbo a Cesária e foi sentar-se na rede.

Mestre Gaudêncio curandeiro, seu Libório cantador, o cego preto Firmino e Das Dores exigiram a história dos tatus, que saiu deste modo.

— Saberão vossemecês que este caso estava completamente esquecido. Cesária tem o mau costume de sapecar umas perguntas em cima da gente, de supetão. Às vezes não sei
onde ela quer chegar. Os senhores compreendem. Um sujeito como eu, passado pelos corrimboques do diabo, deve ter muitas coisas no quengo. Mas essas coisas atrapalham-se: não há memória que segure tudo quanto uma pessoa vê e ouve na vida. Estou errado?

— Está certo, respondeu mestre Gaudêncio. Seu Alexandre fala direitinho um missionário.

— Muito agradecido, prosseguiu o narrador. Isso é bondade. Pois a história de Cesária puxou tinha-se esvaído sem deixar mossa no meu juízo. Só depois de tomar um deforete pude recordar-me dela. Vou dizer o que se deu. Faz vinte e cinco anos. Hem, Cesária? Quase vinte e cinco anos. Como o tempo caminha depressa! Parece que foi ontem. Eu ainda não tinha entrado forte na criação de boi, que me rendeu uma fortuna, já sabem. Ganhava bastante e vivia sem cuidado, na graça de Deus, mas as minhas transações voavam baixo, as arcas não estavam cheias de patacões de ouro e rolos de notas. Comparado ao que fiz depois, aquilo era pinto. Um dia Cesária me perguntou:
— Xandu, porque é que você não aproveita a vazante do açude com uma plantação de mandioca?”
— “Han? Disse eu distraído, sem notar o propósito da mulher. Que plantação?” E ela, interesseira e sabia, a criatura mais arranjada que Nosso Senhor Jesus Cristo botou no mundo:
— “Farinha está pela hora da morte, Xandu. Viaja cinqüenta léguas para chegar aqui, a cuia por cinco mil-réis. Se você fizesse uma plantação de mandioca na vazante do açude, tínhamos farinha de graça.”
— “É exato, gritei. Parece que é bom. Vou pensar nisso.” E pensei. Ou antes, não pensei. O conselho era tão razoável que, por mais que eu saltasse para um lado e para outro, acabava sempre naquilo: não havia nada melhor que uma plantação de mandioca, porque estávamos em tempo de seca braba, a comida vinha de longe e custava os olhos da cara. Íamos ter farinha a dar com o pau. Sem dúvida. E plantei mandioca. Endireitei as cercas, enchi a vazante de mandioca. Cinco mil pés, não, catorze mil pés ou mais. No fim havia trinta mil pés. Nem um canto desocupado. Todos os pedaços de maniva que peguei foram metidos debaixo do chão.
— “Estamos ricos, imaginei. Quantas cuias de farinha darão trinta mil pés de mandioca? Era uma conta que eu não sabia fazer, e acho que ninguém sabe, porque a terra é vária, às vezes rende muito, outras vezes rende pouco, e se o verão apertar, não rende nada. Esses trinta mil pés não renderam, isto é, não renderam mandioca. Renderam coisa diferente, uma esquisitice, pois, se plantamos maniva, não podemos esperar de modo nenhum apanhar cabaças ou abóboras, não é verdade? Só podemos esperar mandioca, que isto é a lei de Deus. A gata dá gato, a vaca dá bezerro e a maniva dá mandioca, sempre foi assim. Mas este mundo, meus amigos, está cheio de trapalhadas e complicações. Atiramos num bicho, matamos outro. E Sinha Terta, que mora aqui perto, na ribanceira, escura e casada com homem escuro, teve esta semana um filhinho de cabelo cor de fogo e olho azul. Há quem diga que sinha Terta não seja séria? Não há. Sinha Terta é um espelho. E por estas redondezas não existe vivente de olho azul e cabelo vermelho. Boto a mão no fogo por sinha Terta e sou capaz de jurar que o menino é do marido dela. Vossemecês estão-se rindo? Não se riam não, meus amigos. Na vida há muito surpresa, e Deus Nosso Senhor tem esses caprichos. Sinha Terta é mulher direita. E as manivas que plantei não deram mandioca. Seu Firmino esta aí fala não fala, com a pergunta na boca, não é seu Firmino? Tenha paciência e escute o resto. Ninguém ignora que plantação em vazante não precisa de inverno. Vieram umas chuvinhas e a roça ficou uma beleza, não havia coisa parecida por aquelas beiradas.
— “Valha-me Deus, Cesária, desabafei. Onde vamos guardar tanta farinha?” — mas estava escrito que não íamos arrumar nem uma prensa. Quando foi chegando o tempo da arranca, as plantas começaram a murchar. Supus que a lagarta estivesse dando nelas. Engano. Procurei, procurei, e não descobri lagarta.
— “Santa Maria! cismei. A terra é boa, aparece chuva, a lavoura vai para diante e depois desanda. Não entendo. Aqui há feitiço.” Passei uns dias acuado, remexendo os miolos e não achei explicação. Tomei aquilo como castigo de Deus, para desconto dos meus pecados. O que é certo, é que a praga continuou: no fim de S. João todas as folhas tinham caído, só restava uma garrancheira preta.
— “Caiporismo, disse comigo. Estamos sem sorte. Vamos ver se conseguimos levar ao fogo uma fornada.” Encangalhei um animal, pendurei os caçuás nos cabeçotes, marchei para a vazante. Arranquei um pau de mandioca, e o meu espanto não foi deste mundo. Esperava tamboeira choca, mas, acreditem vossemecês, encontrei uma raiz enorme, pesada, que se pôs a bulir. A bulir, sim senhor. Meti-lhe o facão. Estava oca, só tinha casca. E, por baixo da casca, um tatu-bola enrolado. Arranquei outra vara seca: peguei o segundo tatu. Para encurtar razões, digo aos amigos que passei quinze dias desenterrando tatus. Os caçuás enchiam-se, o cavalo emagreceu de tanto caminhar e Cesária chamou as vizinhas para salgar aquela carne toda. Apanhei uns quarenta milheiros de tatus, porque nos pés de mandioca fornidos moravam às vezes casais, e nos que tinham muitas raízes acomodavam-se famílias inteiras. Bem. O preço do charque na cidade baixou, mas ainda assim apurei alguns contos de réis, muito mais que se tivesse vendido farinha. A princípio não atinei com a causa daquele despotismo e pensei num milagre. É o que sempre faço: quando ignoro a razão das coisas, fecho os olhos e aceito a vontade de Nosso Senhor, especialmente se há vantagem. Mas a curiosidade nunca desaparece do espírito da gente. Passado um mês, comecei a matutar, a falar sozinho, e perdi o sono. Afinal agarrei um cavador, desci a vazante, esburaquei tudo aquilo. Achei a terra favada, como um formigueiro.

E adivinhei por que motivo a bicharia tinha entupido a minha roça. Fora dali o chão era pedra, cascalho duro que só dava coroa-defrade, quipá e mandacaru. Comida nenhuma. Certamente um tatu daquelas bandas cavou passagem para a beira do açude, topou uma raiz de mandioca e resolveu estabelecer-se nela. Explorou os arredores, viu outras raízes, voltou, avisou os amigos e parentes, que se mudaram. Julgo que não ficou um tatu na caatinga. Com a chegada deles as folhas da plantação murcharam, empreteceram e caíram. Estarei errado, seu Firmino? Pode ser que esteja, mas parece que foi o que se deu.

Fontes:
http://www.alfredo-braga.pro.br/biblioteca/asafradetatus.html
Imagem = http:// www.klickeducacao.com.br

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