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Hermoclydes S. Franco (Livro de Trovas e Poesias)

Hoje fiquei sabendo que o poeta e trovador Hermoclydes S. Franco faleceu ontem no Rio de Janeiro. Mais uma grande perda para o meio literário brasileiro.
Como amigo e irmão das letras, senti que devia fazer algo para homenagear este grande trovador, deixando gravado os seus textos nas páginas da história da literatura brasileira, por isso abaixo pode-se ler , baixar ou imprimir o Livro de Trovas e Poesias dele.
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Augusto dos Anjos (Livro de Poesias)


CONTRASTES

A antítese do novo e do absoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

Às alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!…

DEBAIXO DO TAMARINDO

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilissimos trabalhos!

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!

DECADÊNCIA

Iguais ás linhas perpendiculares
Caíram, como cruéis e hórridas hastas,
Nas suas 33 vértebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!

A frialdade dos círculos polares,
Em sucessivas atuações nefastas,
Penetrara-lhe os próprios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!

Como quem quebra o objeto mais querido
E começa a apanhar piedosamente
Todas as microscópicas partículas,

Ele hoje vê que, após tudo perdido,
Só lhe restam agora o ultimo dente
E a armação funerária das clavículas!

IDEALISMO

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
– Alavanca desviada do seu fulcro –

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

IDEALIZAÇÃO

Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
– Homens que a herança de ímpetos impuros
Tomara etnicamente irracionais!

Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão…

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!

O LÁZARO DA PÁTRIA

Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de úlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tórax a pressão medonha
Do bruto embate férreo das tenazes.

Mostra aos montes e aos rígidos rochedos
A hedionda elefantíase dos dedos…
Há um cansaço no Cosmos… Anoitece.

Riem as meretrizes no Cassino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

O MARTÍRIO

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
E como o paralítico que, á mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem á boca uma palavra!

PSICOLOGIA

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Fonte:
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Editora Martin Claret, 2001.

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Carolina Ramos (Lançamento do Livro de Poesias "Destino")

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Fonte:
A Poetisa

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Nilton Bobato (Livro de Poesias)


TESTAMENTO

Quando eu morrer
não chore, sorria!
Quando eu morrer
não reze, cante!
Quando eu morrer
não compre um caixão
com flores
não encomende um terno
sem cor
não pinte minhas unhas

No dia da minha morte
faça uma festa
Neste dia terei amado
a noite toda
Terei abraçado e beijado
meus filhos

Quando minha morte vier
quero estar empinando pipas
no gramadão
Neste dia quero ter
suado a camisa
jogando futebol

No dia de minha morte
escreverei poemas e contos
revelarei ao mundo
todo o amor que senti
e os sonhos que realizei
até o dia que minha morte chegou

Quando este dia acontecer
estarei reunido com
meus mais queridos
amigos
Tomarei cerveja
e acenderei um
cigarro
esperando
na varanda
de minha casa
no crepúsculo
de uma tarde
ensolarada

LIMITE

Hoje passei dos limites
Hoje mesmo
Perdi o controle
Perdi a paciência
Hoje mesmo
Não suportei o faltar
de consciência
Não suportei o falar
para as paredes

Ando tão bruto
Insensível
Impaciente…
Tenho vontade
de chorar

EVOLUÇÃO

Olho em volta.
O que vejo?
Fujo. Corro.
Tenho medo.
Assusto-me…
Escondo-me…

Troquei a indignação
pelo horror.
Substituí a revolta
pelo nojo.

Olho em volta.
Trêmulo. Assustado.
O que vejo?
Um menino,
sujo, …, fedorento, …,
se aproxima, …

ROTINA

As mesmas histórias se repetem
Como um livro não escrito
Ou um poema repetido
Insistentemente

A tempestade pinta nosso céu de negro
O granizo cai sobre nossas cabeças
O vendaval arranca nossas árvores
Impiedosamente

O mato continua a crescer no quintal
As frutas apodrecem nos galhos
As flores murcham no jardim
Rotineiramente

Amarramos nossas mãos para não desatar os nós
Fazemos de conta que não vemos os sinais
Tapamos os ouvidos para os ruídos
Repetidamente

Neste semestre tudo igual outra vez
O amor é superado pela estupidez
Os mentirosos se julgam vitoriosos

Procuro a receita
Um dia ditada por Renato
Dou voltas na quadra
Quase sem destino
Mas tento estancar o sangue
E olho para as flores murchas
Grito por uma nova primavera
Que é preciso ter esperanças
Ver a água límpida azul
No fundo do poço
Sorrindo

CONVERSA DE UMA MANHÃ

Eu direi para você
Outros já escreveram disso
Você já falou disso
Mas não se importe
Venha falar de seus amigos
E de seus inimigos
Venha brincar de sorrir e pular
Correr
Olhar o sol se pondo
Admirar o sol nascendo
Deixa eu repetir as mesmas coisas
Talvez até colocar uma bola vermelha
No nariz
Não estarei só
Olhe em meus olhos
Veja as nuvens por detrás das montanhas
Você prefere não acreditar
Mas existem riachos
Estradas de chão
Janelas para olharmos
Ver através das grades
Vamos pular carnaval
Sem noção de samba
Cantar uma música
Sem qualquer afinação
Salte os buracos das calçadas
Esburacadas
Aceite o risco de tropeçar
Não se prenda
Atravessaremos a ponte
É só olhar o horizonte
Está ali tão próximo
Quem diz que não dá
Eu estava em casa só
Foi você que começou
Agora não me venha
Com estas conversas
Há brilho no sol
E você prometeu sorrir
Então me dê um sorriso de bom dia.

EMBALANDO

Caminho e ouço sua voz
Todo cambia el momento
Ouvir o canto que se foi
Como el mosquito en la piedra
Mas ficou a voz
Como el amor con sus esmeros
Puro y sincero
Vá Mercedes, espalhar seu canto
Derramar sua voz em outras plagas
Vá brotando e vá brotando
Pois flores e sementes nascerão
Frutos ficarão
No canto
Na voz
Na mente
No sonho
Que todos um dia sonhamos
Vá Mercedes, espelhe seu canto
Mesmo quando no haja nada cerca o lejos
Continue oferecendo seu coração
Continue hablando por la vida
Hablando de cambiar esta nuestra casa
Cambiarla por cambiar no más
Vá Mercedes, esparrame seu canto
Sua voz continua aqui
Suas cinzas embalarão novas esperanças
Sua suavidade rebelde continuará
Embalando…
Embalando…
Embalando…
Vá Mercedes…

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Laeticia Jensen Eble (Livro de Poesias)

A DIALÉTICA DO MUNDO ME ABRAÇA

A dialética do mundo me abraça.
Não alcanço a razão do dia,
nem o mistério da noite.

Do pó da criação ao pó que na terra deitará
tudo se transforma e se justifica.
Somos um só corpo a respirar
o breve sopro da existência eterna.
Só o destino nos une ao futuro.
E nosso destino é viver o presente,
síntese do que foi e do que será.

A escuridão e a luz movem,
como alavancas indissociáveis,
esse imenso ser em contínuo duelo.
O preto e o branco
O quente e o frio
O mais e o menos
O céu e a terra
O tudo e o nada
O som e o silêncio
O nascer e morrer
Olhar e não ver
Estar e não ser
São instâncias da mesma realidade.
A harmonia se impõe na superação dos limites.

A DÚVIDA

Caminho diariamente
Percorro as estradas gélidas
do deserto escaldante da dúvida
pincelando a vida
de erros e acertos
noites e oásis
frustrações e delírios
e dúvidas
A cada suspiro de alívio
uma nova dúvida
A cada projeto
A cada desafio
A cada sol
A cada lua
A cada pausa
A cada recomeço
Lá está escondida,
enterrada,
disfarçada:
a dúvida
Nada é absoluto.
Nada?

A ESPERANÇA É…

A esperança é um fio
É um tesouro na areia
É um alvo pequeno
É o som da sereia
É um pote de ouro
no fim do arco-íris.
É o colo de Deus
dizendo: – Vem!
A esperança não teme,
não pede favor,
não escolhe o dono,
não cobra valor.
A esperança é …
simplesmente existe.
É oferta e entrega,
pra quem preencher
uma só condição:
Um peito aberto
do tamanho certo
para ela brincar.

ANCESTRAIS

Nada em mim é inédito.
Nada se criou do nada,
Nem tampouco tive escolha.
Me surpreendo
vivendo experiências já vividas,
amando de um jeito já amado,
falando palavras já ditas.
Meu corpo conta uma história viva
escrita por muitos autores.
Do capítulo da minha vida
eu sou a última frase
E ao vazio após o ponto
Medito.
Olho para trás…
Se não me é dado escrever
Eu canto
Meu refúgio é a voz
Ah, voz
Avós.

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU

A poesia almeja ser
música no ritmo?
pintura na imagem?
escultura na forma?
O poeta perde-se
entre o que é ou não é
e o que quer ser
Maestro ou concerto?
Pintor ou pintura?
Escultor ou escultura?
Profeta ou profecia?
Deus ou criação?

Algumas palavras
nunca precisam ser ditas
Alguns poemas
nunca ser pronunciados
Os olhos a lamber, a beijar, a sugar
certos versos embebidos
de puro sentir
No silêncio se aprofunda
o abismo
entre poema e leitor
Nele epicamente se ergue
a ponte divina da salvação, etérea
construída palmo a palmo, arquitetonicamente,
sofregamente,
de palavras escolhidas
e colhidas ao vento
para unir inabalável
e por todo o sempre
o coração do poeta
ao coração do leitor.

HOJE QUERO A ÁGUA BATENDO EM MEU ROSTO

Hoje quero a água batendo em meu rosto
como uma benção
Quero as brumas envolvendo meus cabelos
como uma prece
Quero a carícia da terra em meus pés caminhando
como um lamento
De tudo que não fiz
de tudo que não disse
de tudo que não quis.
Quero fazer parte do todo
para me desfazer em nada.
Preciso de um recanto
de um conselho
de um silêncio amigo
Não sei onde ando
com quem ando
onde quero ir.
Só sei que preciso chegar
mas não querem me esperar
Choro sozinha esquecida
na solidão de minhas mãos
que me acodem a secar as lágrimas
Suspiros são como gritos agora
É tudo que emito
Ahhh…
Que saudade do tempo
em que eu não sabia
o que era viver
A felicidade era tão simples
Tão fácil de ser alcançada
Agora sigo meu destino
cansada de andar
Para cada vez mais longe.

NAVEGAR É PRECISO?

Dantes, das naus do caos
redes de ferro e fogo
dominaram-nos, converteram-nos
Hoje, redes virtuais
pendem de embarcações
que nunca tocaram o mar maculado
A epopéia se refaz
E nós, excluídos.

– Digite sua senha

Ao povo não guia a bússola vil dos argonautas
Continuamos selvagens – aborígines
miséria que abastece e entorna a taça daquele que ri
A mão calejada colhe o aroma do seu perfume,
corta na própria carne o cerne do seu assento
Globalização – traição!
Escavação das trevas.

– Digite sua senha

A fé anima a febre
desse povo que agoniza
Tupã nos salve!
Rogai às aves que aqui gorjeiam
acordem-nos desse sono hipnótico
E se revele aos nossos olhos a riqueza
Desfrutemos do legítimo direito
de abastecer nossos próprios cálices
De onde só entornavam lágrimas,
já pode verter dignidade.

– Senha inválida
Tente novamente
mais tarde.

Este poema foi premiado com o 2º lugar pelo II Prêmio SESC de Poesia,
no DF em 2003
—–

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João Felinto Neto (Livro de Poesias)


ÚNICO MOTIVO

Te amo
Em teus ouvidos,
Pelas horas de silêncio.
Te amo
Pelo tempo
Que ainda é pouco para te amar.
Te amo
Pelo ar
Que no arfar
Mal o respiro.
Te amo
Pelo único motivo
Que é para sempre
Te amar.

SEPARADOS

Quando eu era uma criança,
Media a distância
Ao meu futuro esperado.
Hoje, vejo o meu passado
Na lembrança
E é bem maior a distância
Que nos mantêm separados.

BOQUIABERTO

Na cidade de minha morada,
Sempre estou boquiaberto.
As pessoas não levam a sério,
As leis sancionadas.
O pedestre confunde a calçada
Com o meio da rua;
Ainda usa e abusa
Dessa prática arriscada.
O semáforo já não vale nada,
Sendo verde, vermelho ou amarelo
É invenção descartada.
O pedestre que morre na faixa
É chamado de cego.
Considera-se certo,
O suborno ao guarda.
Contramão se tornou mão usada.
Proibido parada
É onde para o esperto.
Nesse trânsito caótico, o remédio
É ser muito discreto
E fingir não ter mérito,
Nem vergonha na cara.

AINDA ESTOU VIVO

Ainda estou vivo,
percebo isso
em meus pulsos.

Ainda estou vivo,
assim percebo
pelos meus gemidos.

Ainda estou vivo,
percebo isso
nos meus próprios gritos.

Ainda estou vivo,
isso eu percebo
por minha exaustão.

Ainda estou vivo,
é percebível
pelo meu silêncio.

Ainda estou vivo,
percebo e sinto
o meu coração.

Estou vivo, não vivo em vão.

FIO DA MEADA

Se o amor é uma palavra abstrata,
por que a dor
é tão física?
Por que a carne
é tão fraca?
Entre nós,
impressões desfeitas.
Entre outros,
o fio da meada.

EMBARCAÇÕES

Pontos retratados
sobre um lençol de espumas,
que o lápis do tempo
redesenhando,
rascunha;
e tornam-se figuras,
contornadas pela realidade,
embarcações.

PERFIL

Tocasse a vida
com sua mão
em uma tinta turva,
e contornasse em sinuosa
curva,
uma forma definida,
traços que marcam uma silhueta:
Testa, nariz,
lábios e queixo,
olho e orelha,
restauraria seu perfil.
Lábios calados,
olho vazio,
nariz sangrando,
testa febril,
queixo quebrado
e orelha de abano.

VEGETAL

No espaldar da cadeira
encosto minhas costas curvadas,
que sob o peso do tempo
sente o abreviamento
de uma vida inteira.

Silencio-me no esquecimento,
com exceção dos gemidos.
Expio uma oculta dimensão.
Passado e presente,
passando à frente,
à minha mão.

No esforço de manter-me vivo,
acumulo os anos
sobre meus ombros.
Meus ossos, fragmentados pelo peso,
aprisionam-me.
Vegetal ilhado por sonhos
e lembranças de ontem.

FANTASIA OU LOUCURA

A ilusão caminha solta pela rua,
onde as calçadas são de pedra de sabão.
Os transeuntes são apenas esculturas
que se derretem sob a chuva
numa eterna ilusão.

Rente aos telhados passa, a luminosa lua,
transformada numa bolha de sabão.
Há dentro dela, uma bela dama nua
que na sua face oculta,
amarga desilusão.

Observando esta cena, continua
extasiada com sua imaginação,
a inusitada e sombria figura.
Será fantasia ou loucura,
essa alucinação?

GRAVETOS

De cabeça baixa,
a fraca luz me ilumina.
Os meus próprios versos
são gravetos que atiçam o fogo
que clareia a minha alma.
Nada se compara
aos ruídos noturnos,
nem mesmo o inconfundível crepitar
dos meus versos
em brasa.
Fecho-os num livro
e percebo as chamas
que queimam suas capas.
Gravetos,
não são cavacos soltos,
são um feixe inteiro
de poemas toscos.

SONETO DA INIQUIDADE

Eu não dividi águas;
nem multipliquei comida.
Não sigo mandamentos
de uma lei prescrita.

Se eu usei provérbios
para falar da vida,
não vejo condenados,
vejo apenas vítimas.

Em meu barco à deriva,
há homens imortais
da terra prometida.

Dos homens imortais,
havia apenas ossos,
quando aportei no cais.

ESCALADA

Todas as razões são impostas,
se alguém não gosta,
é apenas mais um louco.
Algumas montanhas são rochosas,
outras são de ouro.
Nada impede a escalada
simplesmente pela conquista;
a visão apaixonada
até se perder de vista.
A vitória de um tolo.
A tolice de um morto.
As razões, ninguém explica.

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Marilda de Almeida (Livro de Poesias)



VIAJANTE DO TEMPO



Viajante sou, no tempo e no espaço,

Procuro nas incontidas idas e vindas,

O calor humano, o sabor da vida,

A maciez do abraço apertado,

O carinho dado, mas a mim negado.

Em meus devaneios procuro o amor,

A paixão que arrebata e acalma,

No desejo ardente, pela vida e pelo viver.

Nas cores de um arco-íris depois das chuvas,

Busco no brilho dos céus, que refletem nos meus olhos, a saudade dos teus.

O brilho da alegria, do olhar e do toque.

Não me permito a dor, em meu ser, em meu querer.

Os sonhos e as ilusões são a minha esperança.

Não quero silenciar minha alma viajante,

Só irei parar no tempo e no espaço,

Quando os ponteiros do relógio marcar minha hora,

De partida ou encontro com o meu Eu, com a minha felicidade.

Viajante sou, com desejos e tentações ,

Mas não quero deixar nenhuma página em branco,

Por tudo que a vida me deu, e que Deus me permitiu viver.

Encontros e desencontros; caminhos e descaminhos;

amores e desamores; alegrias, tristezas e solidão.

E no espelho de minha alma, continuo viajante solitário,

Sigo meu caminho, sem hora marcada para chegar ou partir.

Sigo apenas como um viajante nômade,

Perdido no tempo e no espaço.

SENTIR O AMOR!

É ter o mundo aos nossos pés.

Ter um olhar atrevido, lépido,

faceiro, traquino.

Na mão… uma flor e na boca

Um silêncio que fala.

Ingênuo, às vezes criança.

Mas, está vivo a cada instante,

O coração pulsa flamejante.

Tem na alegria o sentido da vida.

É ser um sonhador, ir até os céus ,

E falar com Deus.

Trazer no olhar, as estrelas,

Fazer da lua sua eterna paixão.

De um breve momento, um reflexo,

Cristalizar uma gota de lágrima,

Para eternizar o sentimento.

É ter asas e poder subir aos cumes,

Cantar o amor em prosa e verso.

É perdoar, caminhar lado a lado,

Ter abraços para se entregar, mesmo

contra a própria razão.

Pois a razão… o amor desconhece.

Sentir o amor, é ter o elixir da vida.

E não poder confessar, sentir o perfume

que brota, no coração quando

ao seu lado estou, ávida

dos carinhos de suas mãos.

DESCOMPASSO DE UMA VIDA.

Invadiu minha alma rompendo saudades,

Sonhos, desejos, acalentando verdades,

Meu coração bateu descompassado,

Pensei ter encontrado meu bem.

Aos sons de harpas desafinei meu compasso,

Acordei em mim o desejo de amar,

Meu corpo cambaleou no caminhar,

Quando ao teu encontro segui passo a passo.

Levitei até as estrelas,

Busquei encher de brilho nossas vidas

E o meu olhar, para te entregar,

E entre abraços me fazer amada.

Mas o tempo mostrou-me quão tola fui,

Meus pensamentos serviram-me de armadilha,

Para ludibriar meus devaneios,

Emudeci minhas lágrimas.

Deixei-te partir e o pranto

Não deixei rolar pela face,

Pois quero a calma da madrugada,

Para minha harpa poder afinar,

E na minha vida um suave canto entoar.

COMO FÊNIX…

Sou como fênix, que ressurjo das cinzas…

Em uníssono a voz de minh’alma clama pela vida.

A paixão escondida, renasce em meus sonhos,

Inquieta, querendo explodir no peito.

Sinto falta de um bem querer, de carinho, abraço,

do dormir agarradinho e de um perfume que inebria.

Mas que pena, onde está você, que não me vê…

Calada, deparo-me guardando o melhor de mim,

Meu sorriso, o brilho do olhar, minha alegria, somente

por te amar.

Uma dor singra no vazio, por onde anda você, que não me vê…

Levo-me à exaustão, pensamentos fervilhando,

Queimando a minha alma, incendiando meu ser.

E como fênix, acredito no milagre, na renovação.

Quem sabe, com o sol reluzindo sobre o verde dos campos,

E o vento soprando em meu rosto, trazendo a esperança

de que tudo pode renascer

Nossos olhares se encontrarão para que o amor flua numa chama ardente,

Milagre de uma vida.

SE QUISERES…

Se quiseres ver-me sofrer, perder o encanto rouba o brilho das

estrelas, apaga a luz do luar.

Tira de mim o sol que aquece meu corpo e minh’alma.

Arranca dos lábios da criança o sorriso e a alegria que

encanta com sua inocência.

Se quiseres ver-me sofrer, destrói a natureza, mata os

pássaros que cantam em minha janela.

Polui as águas dos rios que matam minha sede

e nas tardes de verão, banho meu corpo para renovar as energias.

Se quiseres ver-me sofrer, polua o ar que respiro,

enche meus pulmões com os gases e fuligens que

saem pelas chaminés de suas fábricas.

Se quiseres ver-me sofrer tira de mim a alegria do sorrir,

do abraço amigo que acalma minhas dores.

Se quiseres mesmo ver-me sofrer, parte na calada da noite,

em silêncio, deixando apenas o perfume suave

das madrugadas, para o meu amanhecer.

Mas se quiseres ver-me feliz, suplica a Deus que

transforme meus sonhos em realidade,

transforme o coração do homem que destrói o mundo,

pede a Ele que acabe com a violência, com as tragédias e as dores

que assolam o nosso planeta.

Fonte:

ORSIOLLI, Sonia Maria Grando; FERNANDES, Dorival C. SCARPA; Maria Antônia Canavezi; JULIO, Sandra M. (organizadores). 1a. Coletânea Teia dos Amigos 2008. Itu,SP: Ottoni, 2008.

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Carlos Drummond de Andrade (Livro de Poesias)



REMISSÃO



Tua memória, pasto de poesia,

tua poesia, pasto dos vulgares,

vão se engastando numa coisa fria

a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,

se esse travo de angústia nos cantares,

se o que dorme na base da elegia

vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves

e te forçou ao exílio das palavras,

senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves

ou longas, que sutil interpretavas,

se evapora no fundo do teu ser?

RETORNO

Meu ser em mim palpita como fora

do chumbo da atmosfera constritora.

Meu ser palpita em mim tal qual se fora

a mesma hora de abril, tornada agora.

Que face antiga já se não descora

lendo a efígie do corvo na da aurora?

Que aura mansa e feliz dança e redoura

meu existir, de morte imorredoura?

Sou eu nos meus vinte aons de lavoura

de sucos agressivos, qe elabora

uma alquimia severa, a cada hora.

Sou eu ardendo em mim, sou eu embora

não me conheça mais na minha flora

que, fauna, me devora quanto é pura.

RESÍDUO

De tudo ficou um pouco

Do meu medo. Do teu asco.

Dos gritos gagos. Da rosa

ficou um pouco

Ficou um pouco de luz

captada no chapéu.

Nos olhos do rufião

de ternura ficou um pouco

(muito pouco).

Pouco ficou deste pó

de que teu branco sapato

se cobriu. Ficaram poucas

roupas, poucos véus rotos

pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco.

Da ponte bombardeada,

de duas folhas de grama,

do maço

– vazio – de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.

Fica um pouco de teu queixo

no queixo de tua filha.

De teu áspero silêncio

um pouco ficou, um pouco

nos muros zangados,

nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo

no pires de porcelana,

dragão partido, flor branca,

ficou um pouco

de ruga na vossa testa,

retrato.

Se de tudo fica um pouco,

mas por que não ficaria

um pouco de mim? no trem

que leva ao norte, no barco,

nos anúncios de jornal,

um pouco de mim em Londres,

um pouco de mim algures?

na consoante?

no poço?

Um pouco fica oscilando

na embocadura dos rios

e os peixes não o evitam,

um pouco: não está nos livros.

De tudo fica um pouco.

Não muito: de uma torneira

pinga esta gota absurda,

meio sal e meio álcool,

salta esta perna de rã,

este vidro de relógio

partido em mil esperanças,

este pescoço de cisne,

este segredo infantil…

De tudo ficou um pouco:

de mim; de ti; de Abelardo.

Cabelo na minha manga,

de tudo ficou um pouco;

vento nas orelhas minhas,

simplório arroto, gemido

de víscera inconformada,

e minúsculos artefatos:

campânula, alvéolo, cápsula

de revólver… de aspirina.

De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.

Oh abre os vidros de loção

e abafa

o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,

e sob as ondas ritmadas

e sob as nuvens e os ventos

e sob as pontes e sob os túneis

e sob as labaredas e sob o sarcasmo

e sob a gosma e sob o vômito

e sob o soluço, o cárcere, o esquecido

e sob os espetáculos e sob a morte escarlate

e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes

e sob tu mesmo e sob teus pés já duros

e sob os gonzos da família e da classe,

fica sempre um pouco de tudo.

Às vezes um botão. Às vezes um rato.

ROMARIA

A Milton Campos

Os romeiros sobem a ladeira

cheia de espinhos, cheia de pedras,

sobem a ladeira que leva a Deus

e vão deixando culpas no caminho.

Os sinos tocam, chamam os romeiros:

Vinde lavar os vossos pecados.

Já estamos puros, sino, obrigados,

mas trazemos flores, prendas e rezas.

No alto do morro chega a procissão.

Um leproso de opa empunha o estandarte.

As coxas das romeiras brincam no vento.

Os homens cantam, cantam sem parar.

Jesus no lenho expira magoado.

Faz tanto calor, há tanta algazarra.

Nos olhos do santo há sangue que escorre.

Ninguém não percebe, o dia é de festa

No adro da igreja há pinga, café,

imagens, fenômenos, baralhos, cigarros

e um sol imenso que lambuza de ouro

o pó das feridas e o pó das muletas.

Meu Bom Jesus que tudo podeis,

humildemente te peço uma graça.

Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,

do amor que eu tenho e que ninguém me tem.

Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,

muito dinheiro para eu comprar

aquilo que é caro mas é gostoso

e na minha terra ninguém não possui.

Jesus meu Deus pregado na cruz,

me dá coragem pra eu matar

um que me amola de dia e de noite

e diz gracinhas a minha mulher.

Jesus Jesus piedade de mim.

Ladrão eu sou mas não sou ruim não.

Por que me perseguem não posso dizer.

Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.

Os romeiros pedem com os olhos,

pedem com a boca, pedem com as mãos.

Jesus já cansado de tanto pedido

dorme sonhando com outra humanidade.

ROSA ROSAE

Rosa

e todas as rimas

Rosa

e os perfumes todos

Rosa

no florindo espelho

Rosa

na brancura branca

Rosa

no carmim da hora

Rosa

no brinco e pulseira

Rosa

no deslumbramento

Rosa

no distanciamento

Rosa

no que não foi escrito

Rosa

no que deixou de ser dito

Rosa

pétala a pétala

despetalirosada



SEGREDO

A poesia é incomunicável.

Fique torto no seu canto.

Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio

ao alcance do nosso corpo.

É a revolução? o amor?

Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.

O mar transborda de peixes.

Há homens que andam no mar

como se andassem na rua.

Não conte.

Suponha que um anjo de fogo

varresse a face da terra

e os homens sacrificados

pedissem perdão.

Não peça.



SENTIMENTO DO MUNDO

Tenho apenas duas mãos

e o sentimento do mundo,

mas estou cheio de escravos,

minhas lembranças escorrem

e o corpo transige

na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu

estará morto e saqueado,

eu mesmo estarei morto,

morto meu desejo, morto

o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram

que havia uma guerra

e era necessário

trazer fogo e alimento.

Sinto-me disperso,

anterior a fronteiras,

humildemente vos peço

que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,

eu ficarei sozinho

desfiando a recordação

do sineiro, da viúva e do microscopista

que habitavam a barraca

e não foram encontrados

ao amanhecer esse amanhecer

mais noite que a noite.

SINAL DE APITO

Um silvo breve: Atenção, siga.

Dois silvos breves: Pare.

Um silvo breve à noite: Acenda a lanterna.

Um silvo longo: Diminua a marcha.

Um silvo longo e breve: Motoristas a postos.

……..(A este sinal todos os motoristas tomam

………lugar nos seus veículos para movimentá-los

………imediatamente.)

SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA



Perdi o bonde e a esperança.

Volto pálido para a casa.

A rua é inútil e nenhum auto

passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta

em que os caminhos se fundem.

Todos eles conduzem ao

princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo

ou se é alguém que se diverte

por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim

Entretanto há muito tempo

nós gritamos: sim! ao eterno.

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Américo Facó (Livro de Poesias)


NOTURNO

Quando jamais na ausência escura,
Na imensa noite sem memória,
Há de repetir-se a aventura
Da antiga floresta ilusória?
Dormência lunar vaga e pura,
Flores, folhas, troncos, raízes,
Revivas de extinto mistério…
Quando na tépida espessura
Há de tornar o sono aéreo,
Os límpidos sonhos felizes?

Mimar de múrmura magia!
Remansear de sombra fremente!
Magia e sombra pesam onde
Se ouvia a voz de um deus presente…
De ouvir a terra estremecia,
O céu profundo se acendia,
Noturnamente, brandamente!
Depois… Depois a voz sombria
Se velou na treva, que a esconde,
Atrás do universo silente.

Ó tempo em flor e folha, menos
Amarga fora esta lembrança,
O mais sutil de teus venenos,
Se cansasse do que não cansa…
Lembrança! filtro acerbo e quente,
Que eu bebo, e quero mais! – espelho,
Mágico espelho contemplado,
Miragem de cristal vermelho
Que fixa o tempo eternamente,
E faz presente do passado!

Imagem nunca mais perdida,
Surta na sombra, que demora!
Noturno ardor, boca de aurora
Que oferta a fruta apetecida!
Forma de si mesma despida,
Imagem sempre a mesma – embora
Paire suspensa além da vida,
Penso que a vejo viva agora,
Não porque a veja revivida,
Só por sonhá-la a igual de outrora.

Sonho! É sonho, minha alma! Vede
O avito engano em que se agita
Para matar a própria sede,
Aumentando a própria desdita…
É sonho! Traz no riso mudo
Certeza e dádiva de tudo…
Sonho!… E sonho, por ele a nua
Negra floresta reverdece;
Por ele, outra vez, no ar flutua
A Presença, que não esquece.

Odor e flor a terra, estuante,
Trescala, arrouba-se no espaço,
Esto que impele ansiosa amante
A procurar no ansiado abraço,
Maviosa vertigem do instante,
A unidade do ser disperso;
E o deus aspira a morna essência
Por que se desvela, diverso,
Múltiplo e solto na consciência
Predestinada do universo.

De novo a Lua, mãe propícia,
Derrama o leite de seu seio;
A vida, a vida esponsalícia,
Vibra total no que era alheio!
Desce de novo a claridade
Por nova confusa carícia,
Enquanto o gesto de bondade
Da vestal dourada derrama
Em lábios eleitos a flama
Da mais que perfeita delícia.

Delícia eterna sempre nova!
Porque a merece a alma sincera
Nem se teme do mal que prova
Nem teme a dor que desespera…
Respiro da noite sonora,
Cujo segredo o dia ignora!
Repouso ao fim de escusas trilhas!
Recompensa de estranho rito,
Maravilha das maravilhas,
Dom do Infinito, – indefinito!

Em teu limiar, porta secreta,
Onde a imensidade começa,
Ressoa a resposta completa,
Murmúrio florido em promessa…
Livre, – livre da aérea bruma
Por que o mistério azul inquieta,
Cria o sonho de si a suma
Graça, a ingênua suma surpresa,
A novidade que perfuma
Esta promessa de beleza.

Fecham-se os braços sobre a escolha
Sem nome, nata do desejo;
De flor a flor, de folha a folha,
A selva salva o suave ensejo,
Encontro prometido e lento,
Ou sonho ou destino, composto
Em um só beijo, – claro intento,
Um mel de música no gosto,
Rosto abismado em outro rosto,
Forma prima de pensamento.

Eu beijo o beijo e abraço o abraço,
Meu raro instante luminoso,
Que se exclui do tempo e do espaço
Na eternidade de um regaço,
A dar-me sem medir seu gozo…
Mago instante que não refaço!
Divino instante que me adverte!
Fugiu-me cedo…
– Onde ir a esmo,
Alma ferida, corpo inerte,
Buscar a ilusão de mim mesmo?

AR DA FLORESTA NOTURNA

Sumida sombra, secreta espessura,
– A noite em meio, ou lembrança do dia,
Selva! selva abismal do tempo, escura,
Onde a força renasce, que não dura,
E fulge a imagem, forma fugidia:

Selva – assombro, sombrio fundo emerso!
Ardor indene, força fria e mansa!
Ventre que gera a suma do universo!
– Tornas o sonho múltiplo, diverso,
O tempo em sonho tornas, sem mudança.

Ou tempo ou sonho, em teu seio, sozinha,
Perdeu-se uma alma, e sozinha consulta
A sombra e, sombra ela mesma, caminha…
Acaso busca, alma enganosa e minha,
Atrás da sombra a maior sombra oculta.

Eu mesmo, o mesmo, bebo neste engano,
E outro, que sou, indago, diferente,
Se a aparência me engana, ou se me engano,
Ao pensar dispartir-me ao desengano
Que faz sentir mais grave o que se sente.

Perdidos evos, quem vos acha o traço?
Existe um norte onde não adivinho?
Qual nume ou nome procuro de espaço?
Importa apenas o gesto que faço?
– No chão noturno escondeu-se o caminho.

Muda-se o mudo momento em surpresa,
Ambíguo pasmo, ao vir de outro momento…
Jamais se muda a sutil incerteza,
Jamais! jamais! – porta de ouro defesa
Da Fábula, que alerta um mundo isento.

O perpassar de uma sombra ligeira
Corta a noite, vai onde a noite a some…
Assim perpassa a doce mensageira
Saudade, que não sinta quem não queira,
E a noite acorda a música de um nome!

Talvez de novo a dileta presença,
Atando enleios de amorosa trama,
Ora tornasse, eterna amante infensa,
Para fugir quando menos se pensa…
E volta, e parte, e quer, e ilude, e chama!

E chama! E vem de novo, como vinha,
A meu desejo, adorada visita,
Perdida para sempre, e mais vizinha,
A minha toda bela, a minha minha;
Meu bem! meu mal! minha amante infinita!

Ela, e não ela, imagem dela ainda,
Certeza dela, e divina conquista,
Veste as rosas da noite, e vem, bem-vinda…
Florido engano! E o doce engano finda,
E se deflora sobre a imagem vista.

Bem longe estais, meus tesouros de outrora,
– Carícias de sol, palores de lua,
Cúmplice olhar ofertando o que implora,
Vermelho riso esparzido na aurora
Da paisagem de linho branca e nua!

Nomais a mim, nomais de mim suponho
Rever-me a ver renovar-se de opressa
Pena de amor um tumulto risonho!
Na sombra a Sombra desfez-se… Foi sonho,
Mal acabou… – Novo sonho começa.

Como se aspira a presença ignorada
De uma flor – pura flama de mil vidas,
Que tanto mais esparsa mais agrada,
Aqui se ouve o silêncio… Ó tudo! ó nada!
Silêncio – voz de harmonias perdidas!

Silêncio – trama infinita do instante!
No afastamento, onde a memória alcança,
Move-se imensa tua vaga, avante,
Inunda, vai, sorve a noite de amante,
Até morrer na inconcessa lembrança…

Lembrança inútil, silêncio indiviso!
Espelho de arremedos e de mágoas!
Sepultou-se na treva um paraíso,
Entre águas negras… Treva! nem me aviso
Do espírito que voga sobre as águas.

Luz, mas luz presa no abismo indistinto,
O pensamento furta-me o que penso,
Outro abismo… Atro abismo! – E cedo! e sinto,
Imagem dupla de mim mesmo, o instinto,
Meu ser de treva entre dois caos suspenso.

A mão de leve se alonga, palpita,
Procede lenta no ar soturno e quedo,
Procura… – Que procura a mão aflita?
Quem guarda a sombra assombrosa onde habita
O instante, imoto, eviterno segredo?

Não sou? não fui? – A unânime verdade
Se faz ínvio jardim de ausência pura;
E no aroma selvagem que as invade,
Gêmeas fatais, a noite e a soledade
Respiram sós de impossível doçura…

Respira livre a noite sem destino,
Sem limite… Respira, ignota e calma,
Respira sobre um delírio divino,
Transmuta-se em temor quando imagino,
E a magia do Sol me extingue na alma!

Recresce o caos… Onde a purpúrea argila
Se turba, tombam as rosas que dantes
Frescas sangravam da manhã tranquila…
E tomba a flor de sonho, que cintila,
– Ouro sutil das estrelas distantes!

Eu cego! Eu só! E a negra plenitude
No ausente espaço urde a surpresa enorme
De um mundo esconso, ermo, repulso, rude…
Não mente a noite, a mente não se ilude,
É teu, minha alma, este mundo que dorme.

É tua a noite, a voragem secreta,
Fora do tempo, alheia ao tempo insonte,
E as aves torvas do fundo sem meta,
– Lascívias idas, que a palavra inquieta,
Imagens, nuvens de inviso horizonte:

É tua a soledade em que te apagas,
Imane mar de morte sonolento…
E elas revoam de inauditas plagas,
Informes, – formas dissolutas, vagas,
Flutuantes entre a noite e o pensamento.

Meu pensamento – minha noite escura!
Desejos, iras, penas, alegrias,
Foram de novo insuspeita amargura
Se foram mais que a sombra, que perdura
No abismo das memórias erradias…

Dormi, lembradas iras! Dormi, penas,
Desejos baldos que nunca dormistes!
As alegrias passaram apenas
Como as furtivas mágoas mais serenas…

Dormi, sombras! Dormi, fantasmas tristes!

Fonte:
FACÓ. Américo. Poesia Perdida. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1951.

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Gildo de Freitas (Livro de Poesias)


FÁBRICA DE SEMENTES DE CEBOLA DE UGO DE FREITAS
(para seu primo Ugo de Freitas)

Meu amigo agricultor
Do clima frio e quente
Pra ti que planta cebola
Te indico esta semente
Porque ele já têm dado
Resultado prea muita gente
Comprem de Ugo de Freitas
Gaúcho honesto e decente

Garanto que o vendedor
Deixa o comprador contente
Foi lá no Herval do Sul
Que nasceu este vivente
Plantador e fazendeiro
É um grosso inteligente
Até garanto por ele
Porque é Freitas e meu parente

Quando plantares de novo
Pois nem esquente a cabeça
E nem aceite a semente
Que um outro lhe ofereça
É melhor ficar rezando
Que Ugo de Freitas apareça
Porque aquela é ó plantar
E depois esperar que cresça

SAUDADE DOS PAGOS

Eu quando vim lá da minha terra
Eu deixei por lá muita recordação
O meu cavalo, por nome Esperança
Que era toda minha estimação
Deixei também um apero completo
Que dava inveja no próprio patrão
Um par de rédeas de couro de pardo
Mala de ponche e dois pelegão

Deixei até uma lavoura plantada
Já tinha dado a primeira capina
Eu deixei tudo, e não quis mais nada
Porque criei raiva de uma china
Eu deixei tudo, mas porém não ligo
Sei que não volto mais pro meu rincão
Tando distante não tem perigo
Que a china abrande o meu coração

Eu trouxe um laço de couro de pardo
Foi que restou da minha profissão
Num entrevero de china bonita
Eu quero dar uma demonstração
Eu qualquer dia eu tomo umas canha
Garro meu laço e caio na farra
Marco a china que tenha picanha
E dou-lhe um pealo velho de cucharra

Eu sou gaúcho, que acompanhei
Todas as voltas que o mundo requer
Meus interesses eu abandonei
E deixei meus pago por causa e mulher
Eu quero dar mai um tiros de laço
Pra ver as volta que meu laço faz
Depois então, eu descanso meu braço
E me assossego, e não pealo mais

MEU CONSELHO

Menina escute estes versos
Neste momento preciso
Da maneira que tu pensas
Terás grandes prejuízo
Tu és muito voluntária
E leviana de juízo
Pode as tristezas do mundo
Acabar com teu sorriso

Nóis os dois batemo um papo
Mais ou menos meia hora
E depois me despedi
De você e fui embora
E tu andas te gavando
Que o Gildo te namora
Passando um fio lá pra casa
Xingando a minha senhora
-Tà loquinha viu, taí o compromisso

Você não faça bobagem
Escuta o que o Gildo diz
Procura um menino novo
Para te fazer feliz
Para minha mulher no mundo
Esta que eu tanto quis
Tu és muito pouca cousa
Pra destruir a matriz
-E aí não dá é querer derrubar uma muralha a sôco

Eu confesso que já tive
Certas camangas por fora
Quando era um homem mais novo
Não com a velhice de agora
E a minha companheira
Me estima e me adora
Não é por causa de ti
Que eu vou mandar ela embora
-Perde essa esperança, não te enche mulher velha

LEVANTE OS OLHOS MENINA

Menina quando eu te vi eu compreendi a tua vida
E notei no teu olhar que tu vive aborrecida
Tu deste algum passo errado hoje vive constrangida
Porém agora é preciso você sentar o juízo
Não viver desiludida

Eu vou te dar um conselho como é que a gente faz
Não vá atrás de promessas de conversas de rapaz
Tu precisa um casamento pra dar prazer pra os teus pais
Menina tu te domina levante os olhos menina
E não procure errar mais

Tu procuras compreender tudo o que o meus verso diz
Ti confessa lá contido de fato este erro eu fiz
Deus te ouve a confissão porque é nosso juiz
Toma isto como prece tu vai ver como aparece
Quem te faça ser feliz

Porém agora é preciso você não fazer loucura
Porque a tristeza só leva a gente pra sepultura
Levante os olhos menina tenha consciência pura
Se livre da vida baixa porque na vida se acha
Aquilo que se procura

INFÂNCIA POBRE

-Eu fui um menino pobre, vivi jogado ao relento
Nos dias de inverno forte foi grande meu sofrimento
Maloca de papelão era ali a nossa fazenda
Esse trecho eu não esqueço por ser um triste começo
De um grande padecimento. E por princípio tiveram uma decaída
Por ciúme de amores caíram na bebida
E até nossa casinha, que por desgraça foi vendida
Botaram fora o dinheiro e ficamos no desespero
Sem a casa e sem comida

E foi assim minha gente que eu neste mundo nasci
Redobrou meu sofrimento depois que meus pais perdi
Se não fosse o meu padrinho que eu mais tarde descobri
Era certo que eu morria porque eu não resistia
Mais do que eu resisti

Eu hoje fui pra conversa de quem conhece a matéria
Minha mãe casou direito era uma senhora séria
O papai trabalhador que não gozava uma féria
Depois de um triste abandono, que nem cachorro sem dono
Morreram os dois na miséria

Eu hoje, graças a Deus, sou a mim que me governo
Só não desfrutei carinho nem paterno, nem materno
Se eu fosse enfraquecido que nem o moço moderno
Dominado pelo fumo eu jamais achava o rumo
Nem saía do inferno

Pra criança sem morada sempre existe um forrinho
Se dá uma roupa usada, uma calça, um sapatinho
Eu falo porque já fui um menino pobrezinho
Filho de um pobre casal sem apoio, sem moral
Sem fortuna e sem carinho

TRISTE PASSADO

Quem tu eras e hoje quem és
Quem te viu conforme eu te vi
Cercadinha de bons coronéis
Que brigavam por causa de ti
No salão aonde tu dançava
Sempre foste a mais preferida
E aquele que tu desprezava
Ele muito sofreu por ti nesta vida

Ah! O orgulho te estraga
Neste mundo se faz
E aqui mesmo se paga.

Muitos deles deixaram a família
Arrodiados de teus falsos carinhos
Hoje vivem assim que nem tu
Tristonho no mundo e sofrendo sozinho
E aquele das horas tristozas
Casou por contrato e desfruta do carinho
E vive nadando em vasos de rosas
Enquanto tu cruzas na estrada de espinho

Ah! O orgulho te estraga
Neste mundo se faz
E aqui mesmo se paga.

Cadê a beleza que tinhas no rosto
E o sorriso que tinhas na bocaLink
Trocou tudo por tanto desgosto
E vive na rua assim como louca
Trocaste a alegria por tanta tristeza
E ele a tristeza por tanta alegria
E não lhe fez falta a tua beleza
Ele é muito feliz sem a tua companhia

Ah! O orgulho te estraga
Neste mundo se faz
E aqui mesmo se paga

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Leandro Haddad (Livro de Poesias)


BENVINDO

Seja benvindo.
Apenas benvindo.
Você e sua agonia colorida
E sua simpatia aguada,
E sua melodia aflita.
Estive pensando bem,
Não me fale em experiências…
Todas acabam no fundo da lagoa,
E no fundo dos arquivos do pensamento.

VAGANTE

Sozinho,
sou uma figura pálida
sentada num banco de praça
sombra distante
que alimenta pássaros,
adivinha o clima
e polui os dias.

AS CONSTRUÇÕES DO MAR

Erguem-se as cidades no oceano
Por entre torres de esmeralda,
E por entre o verde do novo horizonte.

Que se abram os portais
E a torrente nos arraste
Ao mais profundo econderijo.

EFEITO COLATERAL

Matchu-Pichu foi uma realidade
Tinha colinas verdejantes
E ventos aromáticos.
Efeito colateral
Arrastando-se
Arrastando-se
Pelo chão.
A barganha macrobiótica
Na salada de ferragens
Gotejando.
Mas o exército de formigas
Devorava a plantação.
Efeito colateral
Nos arroubos feministas
No pó mágico do celacanto
Na mariposa prometida
Nos olhos verdes da mãe-d’água
Onde a metamorfose acontece
E a cauda da sereia encanta.
Porcos paridos!
Esculpidos no frenesi.
Efeito colateral
É mais que um simples sim
Ou uma dor de cabeça matinal
É o desencanto explodindo no céu
É o grito do vento enfermo.
No fim de cada arco-íris
Existe um pote de mel.

CLÍMAX CLIMATOLÓGICO

Falo de climas…
E de climátério.
De ponto crítico da vida humana
Tão climatizada.
Sem dúvida, climatizar é preciso…
Pois climas são importantes.
Sempre me deparo com eles.
Sejam climas ardentes, glaciais,
Marítimos ou tropicais.
Atinjo dados climatológicos…
No grau máximo do clímax.

SHAMPOO DE SOLIDÃO

Tudo solidão
O mal ronda, tão só como pode.
Como dizem…continue dançando.
Mas tudo continua bem só.
Tão amarelo…
Eu quero te dar os parabéns
por tudo não rolar por terra,
não leve a mal
se falta açúcar no café.
Essa sucessão
de não se fazer nada,
nem se fazer pouco,
sempre tão imerso nos pensamentos…

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Daladier da Silva Carlos (Livro de Poesias)


ACELERADA MEMÓRIA

Ah, meu rapaz, já foste esbelto, um belo tipo, com certeza,
Quando atiravas ao rosto da vida tua impetuosa mocidade,
Agindo com deliberada força, portando corpo indomável.
Tudo teu cheirava a novo, pois eras único com teus sonhos,
Então te permitias, sem inútil culpa, ao prazer solitário,
Isto, com certeza, aliviava a carga dos teus fluxos.

As sensações impudicas, tu as levava muito a sério,
Porque te acreditavas um amante quase perfeito,
Na juventude, ao te esgotares, sem medo algum,
Levando ao dia seguinte o ardor que o vigor te oferecia,
Logo te mantinhas pronto para a lida mundana,
Mesmo à custa do esquecido cansaço.

Mas a manhã se fez tarde e o destino te cobriu de nuvens,
A massa líquida desabou sobre a casa dos teus anseios.
Agora, tu não rompes mais com garbo as alegres vigílias,
Mas já o sono tornou-se para ti um apegado companheiro,
Transformou o teu desejo e mandou-o para um ponto distante,
Muito longe das aventuras com que enfrentavas o olhar da noite.

A tua percepção da fêmea agora é um projeto que te agrava,
Aprofunda as marcas do teu tempo na acelerada memória,
Condiciona toda a saudade a instantes tão-somente curtos,
Traz, aos bocadinhos, as imagens delicadas dos devaneios.
Estás velho, meu rapaz, afinal, isto é o que posso te dizer,
Porém, se quiseres, a vida poderá estar apenas começando.

SONETO DO ROMANCE ETERNO

O desejo com que te busco logo vem
E na angústia de amar espatifei a taça.
Sou ruminante do que a memória retém.
Guardo, dos teus lábios, o gosto que ameaça.

Não bebo do vinho, por pura sobriedade.
Preparei, para ler teus versos, o melhor momento,
Ancorando os sonhos aos pés da eternidade,
Antes mesmo de beijar o menor fragmento.

Teus receios nunca me provocam chaça,
Porque sou leve e lento para entender
As cores do teu romance em devassa.

Quanto mais tenho a ti em pessoa,
Para a ternura que as palavras resumem,
Concluo, enfim, jamais ter te amado à-toa.

JEJUM E FOME

Minhas palavras não parecem felizes,
Porque elas escondem o qwue penso.
A lógica que opero é muito fragmentária,
Logo se instala o desacordo,
Revelado entre mim e os amassados sentimentos.

Vou juntando pedaços de tudo,
Para montar um planetário de visibilidades
E ver todas as coisas por todos os ângulos.
Não posso apresentar meus poemas em casa vazia,
Mesmo desconfiando estar entortando versos.

Preciso que a boa sorte fique ao meu lado.
Um pouco de si e ela será bem-vinda,
Mas tenho a intuição dos concretos limites.
O meu relento é o lugar das tantas vozes,
Quando, nele, jejuo parecendo que estou com fome.

NO BICO DA CHALEIRA

Minha vontade é de parir poemas com o coração
E fechar a boca para não cuspir,
Sobre o prato, o elogio desviado de mim,
Porque nunca trabalhei para ser simples.

Se sabiamente dissesse todas as coisas com paixão,
O mal por si teria sido menor à minha conta.
Faria caso, de primeira, de soletrar as pausas,
Corrigir a apressada fala e evitar morder a língua.

Os atos que confiro são os meus focos de resistência,
Algo parecido a teias pendendo do teto
Ou a fragmentos do universo das palavras vãs.

Ainda não conheci a Pasárgada, de Bandeira,
Ora, meus versos lembram nuvens pequeninas,
Espirais de fumaça no bico da chaleira.

Fonte:
texto enviado por Poetas del Mundo

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Mario Quintana (Livro de Poesias)


DOS MILAGRES

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…
Nem mudar água pura em vinho tinto…
Milagre é acreditarem nisso tudo!

DA INQUIETA ESPERANÇA

Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu… quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.

SE EU FOSSE UM PADRE

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
… a um belo poema ainda que de Deus se aparte
um belo poema sempre leva a Deus!

BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…

OBSESSÃO DO MAR OCEANO

Vou andando feliz pelas ruas sem nome…
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano…
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas… e moças nas janelas
Com brincos e pulseiras de coral…
Búzios calçando portas… caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos…
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su’alma perdida e vaga na neblina…
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos…
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas…
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

O MAPA

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…

(E nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…

Ha tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Ha tanta moca bonita
Nas ruas que não andei
(E ha uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso…

ESPELHO

Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (…)
Parece meu velho pai – que já morreu! (…)
Nosso olhar duro interroga:
“O que fizeste de mim?” Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga… Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste…”

A RUA DOS CATAVENTOS

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

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Tânia Tomé (Livro de Poesias)


MOÇAMBIQUE

Quando me sento descalça
sobre o sapato do menino pobre
que me enche o pé
muito mais que outro qualquer
me lembro que existir
não é sozinha
é com toda gente.
E me lembro
que tenho de embebedar-me de ti
Moçambique
Porque tenho saudades de mim

SONS EM UNÍSSONO

A mão que me lê
ganha no espelho
a pupila
de uma luz imensa
no fundo da concha.

É o que se me vê(m) além
da cotilédone da pele:
sons ruidosos
em uníssono.

SERMENTE

E se Paul Celan
me entrasse
aqui, no futuro verso
eu seria a flor
tu serias a morte
e não te escreveria
neste desejo
incerto
de morrer-te
como murcha a flor
para ser semente

SE O MEU PESCADOR PESCASSE

Se o meu pescador me pescasse
pelo arpão me agarrasse os versos
um a um, sem pressa
a melhor palavra do mar…

Mas em que lugar da asa
a palavra poderia ser mais bela?
Com que cheiro? Com que sabor?
Onde seria o lugar do sol
Com que cor? Com que brilho?

E sei que hei de escolher
depressa mas devagar
a palavra mais carnuda para comer
E vou comer intensamente
Com toda forca dos meus (d)entes
na ponta dos dedos
as palavras que não me calo
E um peixe com asas
Há de nascer
E há de pescar-me no alto
o pescador
Espero

ENCANTOEMA

Pois ha urna verdade,
é a verdade do poema.
Urna verdade que não existe
e que não importa.
O que importa és tu
e és tu que existes
no peixe que sonhas.

ENCANTAMENTE

Uma confusão de dedos
procurando as mãos
da menina
— Onde estão, mãe,
as minhas asinhas da loucura?

A PALAVRA

A palavra quer deitar-se
sozinha, reflexa
contemplar devagar
o sol morre ao silêncio
Não há pressa, não há medo
A palavra quer morrer
quantas vezes for preciso

SONHO

Inspirada num poema que de igual forma me caracteriza de poeta amigo CAVALAIRE (Adilson Pinto).
Não tenho medo de assumir quem sou, uma eterna sonhadora que luta por aquilo em que acredita. (Tânia Tomé)

Eu tenho um sonho,
e dentro dele milhares
de sonhos possiveis…
em que acredito,
quase sempre
na plenitude
como na forma
em que respiro.

AMOR

Meu poema infinito
Tu escreves-me tão bem
esse amor todo nos teus dedos
escrevives-me exactamente
como me sonhei

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Eugénio de Andrade (Livro de Poesias)

A BOCA

A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?)
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.

Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser
se a luz é tanta,
como se pode morrer?

ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor…
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

AS AMORAS

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

AS PALAVRAS

São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

POEMA À MÃE

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos…

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
“Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal…”

Mas – tu sabes! – a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu…

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas…

Boa noite. Eu vou com as aves!

QUASE NADA

O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

HAVIA UMA PALAVRA

Havia
uma palavra
no escuro.
Minúscula.Ignorada.
Martelava no escuro.
Martelava
no chão da água.
Do fundo do tempo,
martelava.
contra o muro.
Uma palavra.
No escuro.
Que me chamava.
de Matéria Solar.

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Celina Figueiredo (Livro de Poesias)

A FLOR

Diante de mim a tela
que branca espera
da vida o retrato.
Das trêmulas mãos
o pincel escapa.
Lágrimas amargas
de dor e saudade
no espaço brotam
e no quadro vazio
com graça e magia
uma flor desabrocha.

ABANDONO

No borbulhar da taça de champagne
a solidão mergulha,
transborda o líquido
que derrama espumante
na branca toalha de linho.

Os olhos já vermelhos
sentem seu próprio sangue
a se esvair.

Sem consolo,
sem amigos,
Só.

À VIRGEM

Sonhei um dia
entregar-me a ti
e teu altar
adornar com brancas flores
colhidas no jardim
do meu amor.

Meu coração
guardarias junto a ti,
com teu manto
envolverias minha fronte,
em resposta
à promessa
que te fiz.

………………………………………..

No mundo louco
o meu sonho
se desfez.
Em teu altar nunca mais
flores depus.
A teus pés ,
só pode agora repousar
o coração perjuro
e tão magoado
da filha ingrata
que a promessa não cumpriu.

Mas tu, ó Virgem,
saberás compreender-me
e, bem sei, um dia
hás de acolher-me
e em teu regaço
embalar-me
para sempre.

ALMA DESNUDA

Quero agora
cantar amores,
chorar saudades,
beijar o vento,
abraçar o sol,
suspirar à aurora.

Chorar
não consigo.
Cantar
não posso.

Sou rio
sem vida,
sem margem florida,
sem brisa da tarde,
sem clarão da lua,
sem arrebol.

Sou alma perdida,
imagem nua
a vagar sem rumo
na noite escura.

APELO

Força que anima
meu viver sem vida,
doce miragem
a embalar meus sonhos,
deixa ao menos
eu seguir teus passos
e, na poeira que teus pés levantam,
sufocar o pranto de esperança,
matar para sempre esta paixão.

BUSCA INCESSANTE

Qual Ismália enlouquecida
vejo uma lua no céu,
vejo outra lua no mar.

Dividida vivendo,
não sou exceção.
Do universo binário,
da unidade de Deus,
sou parcela integrante.
Ser em conflito,
alma barroca,
de um lado a outro
tentando em vão
a mim mesma encontrar.

CHUVA

Nuvens negras
prenúncio de chuva…
Chuva que lava as folhas,
que molha o solo,
que leva o sonho…

Chuva que cai,
lava minh’alma,
leva pra longe
os sonhos passados,
as mágoas presentes,
e , no vasto oceano,
os deixa rolar..

FANTASIAS

Sobre o casario adormecido
O luar derrama lágrimas de prata.
No telhado, a silhueta de uma gato vadio
Completa a magia da noite.

Da matéria o espírito liberto
Em leve vôo foge
Na busca perene do amor.

Sonhos…
Ilusão…
Fantasias…
Madrugada de lua cheia…

IMAGENS DA VIDA

No adro de velha igreja
Já quase toda em ruínas
Crianças despreocupadas
Brincam a colher boninas.

Cuidadosamente tecem
As mãozinhas delicadas
Guirlandas de sonho e festa
Com as florinhas tosadas.

Da vida no seu verdor
Não pensavam as meninas
Nas coroas coloridas,
Roxas, brancas, sulferinas,
Que um dia ornariam
Sua eterna moradia.

NOITES DO PASSADO

Frias noites do passado,
fino nevoeiro envolve os corpos,
chamas da adolescência aquecem a alma…

Cruzam-se discretos os olhares,
disparam corações enamorados,
ao suave despertar do amor!…

Perdidas no tempo as noites frias…

No coração, soa o sino da saudade…
––––––––––––
Fontes:
Cultura Livre.
Recanto das Letras.

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Vicente de Carvalho (Livro de Poesias)

INTEIRAMENTE LOUCO

Senhora minha, pois que tão senhora
Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo
Que sorrindo negais quanto, gemendo,
Amor com os olhos rasos d’água implora.

Meu coração, coitado, não ignora
Que num sonho bem vão todo o dispendo
E é sem destino que assim vai correndo
Cansadamente pela vida afora.

Dizeis do meu amor que é coisa absurda,
E ele, teimando, faz ouvido mouco;
Nem há razão que o desvaneça ou aturda.

Não o escutais? Nem ele a vós tampouco.
Que, se sois surda, inteiramente surda,
Amor é louco, inteiramente louco.

DONA FLOR

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante…
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
— Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…

VELHO TEMA

I

Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos

II

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
— Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: — risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece; eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.

III

Belas, airosas, pálidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
São rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidão de almas cativas.

Têm a alvura do mármore; lascivas
Formas; os lábios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pálidas, altivas…

Por quê? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo às que são mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher amada.

IV

Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas e verdades que sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

V

Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amor e de pecado;
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo
Esse amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito”.

Assim penso, assim quero, assim me engano
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

A FLOR E A FONTE

“Deixa-me, fonte!” Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

“Deixa-me, deixa-me, fonte!
” Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte…
“Não me leves para o mar”.

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

“Ai, balanços do meu galho,
“Balanços do berço meu;
“Ai, claras gotas de orvalho
“Caídas do azul do céu!…

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.

“Adeus, sombra das ramadas,
“Cantigas do rouxinol;
“Ai, festa das madrugadas,
“Doçuras do pôr do sol;

“Carícia das brisas leves
“Que abrem rasgões de luar…
“Fonte, fonte, não me leves,
“Não me leves para o mar!…

” As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor…

PALAVRAS AO MAR

Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, à sombra
Das palmeiras que arfando se debruçam
Na beirada das ondas – a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.

Quando eu nasci, raiava
O claro mês das garças forasteiras:
Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
Nadando em luz na oscilação das ondas,
Desenrolava a primavera de ouro;
E as leves garças, como olhas soltas
Num leve sopro de aura dispersadas,
Vinham do azul do céu turbilhonando
Pousar o vôo à tona das espumas…

É o tempo em que adormeces
Ao sol que abrasa: a cólera espumante,
Que estoura e brame sacudindo os ares,
Não os saco de mais, nem brame e estoura;
Apenas se ouve, tímido e plangente,
O teu murmúrio; e pelo alvor das praias,
Langue, numa carícia de amoroso,
As largas ondas marulhando estendes…

Ah! vem daí por certo
A voz que escuto em mim, trêmula e triste,
Este marulho que me canta na alma,
E que a alma jorra desmaiado em versos;
De ti, de tu unicamente, aquela
Canção de amor sentida e murmurante
Que eu vim cantando, sem saber se a ouvia,
Pela manhã de sol dos meus vinte anos.

O velho condenado,ao cárcere
das rochas que te cingem!
Em vão levantas para o céu distante
Os borrifos das ondas desgrenhadas.
Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
Palpitante de estrelas quando é noite,
Paira, longínquo e indiferente, acima
Da tua solidão, dos teus clamores…

Condenado e insubmisso
Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
Uma alma sobre a qual o céu resplende
– Longínquo céu – de um esplendor distante.
Debalde, o mar que em ondas te arrepelas,
Meu tumultuoso coração revolto
Levanta para o céu como borrifos,
Toda a poeira de ouro dos meus sonhos.

Sei que a ventura existe,
Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa.
Como dentro da noite amortalhado
Vês longe o claro bando das estrelas;
Em vão tento alcançá-la, e as curtas asas
Da alma entreabrindo, subo por instantes…
O mar! A minha vida é como as praias,
E o sonho morre como as ondas voltam!

Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias!
Tigre de que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
Escondido, fantástico, atirando
Pela sombra das noites sem estrelas
A blasfêmia colérica das ondas…

Também eu ergo às vezes
Imprecações, clamores e blasfêmias
Contra essa mão desconhecida e vaga
Que traçou meu destino… Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angústia do meu sonho inútil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
E, dando as asas, não permite o vôo!

Ah! cavassem-te embora
O túmulo em que vives – entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
Entre as nuas areias que te cingem…
Mas fosses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaço,
E não pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu túmulo!

Fosse tu como um lago,
Como um lago perdido entre as montanhas:
Por só paisagem – áridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte…
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sobre ti de lado a lado
Todo o universo deslumbrante – perto
Do teu desejo e além do teu alcance!

Nem visses nem sentisses
A tua solidão, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
– Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que já brota desfolhada…

Mar, belo mar selvagem!
O olhar que te olha só te vê rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fímbria de irisada espuma…
Eu adivinho mais: eu sinto… ou sonho
Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.

Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!… A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
De tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!

Ninguém entenda, embora,
Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidão nas praias,
Que sai da minha solidão na vida…
Que importa? Vibre no ar, acode os ecos
E embale-nos a nós que o murmuramos…
Versos, marulho! Amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!

NO TEU ANIVERSÁRIO

No lar cercam-te vozes d´alegria
em bando, em nuvens doiro, mariposas
que o teu olhar atrai. Canções e rosas
sob os teus pés desfolham-se à porfia.

A noite, alva corbelha de mimosas
sobre ti volta o arcanjo da poesia.
Nublam-te o sono as ondas vaporosas
do turib´lo do amor, como de dia.

Vives feliz no angélico ambiente
de fortuna, feliz. Mas considera,
que em um pobre, misérrimo, eu doente,

eu vibraria a lira, se pudera
vibrar a lira frágil e inocente
a bruta e hedionda garra duma fera.

SAUDADE

Belos amores perdidos,
Muito fiz eu com perder-vos;
Deixar-vos, sim: esquecer-vos
Fôra de mais, não o fiz.

Tudo se arranca do seio,
— Amor, desejo, esperança…
Só não se arranca a lembrança
De quando se foi feliz.

Roseira cheia de rosas,
Roseira cheia de espinhos,
Que eu deixei pelos caminhos,
Aberta em flor, e a perdi:

Por me não perder, perdi-te;
Mas mal posso assegurar-me
— Com te perder e ganhar-me
Se ganhei, ou se perdi…

Fonte:
Antonio Miranda
Academia Brasileira de Letras
Blog dos Poetas.

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Alonso Rocha (Livro de Poesias)

SONETO À LUA CHEIA

Lua de celofane – lua amarga,
a mensagem de amor que hoje me trazes
rasga no coração como tenazes,
essa dor que se alarga, que se alarga.

Lua de gesso estéril, em tua carga,
por não me decifrar, tu te comprazes,
em ver que eu sou, em tons tristes, lilases,
jogral de um circo azul, na noite larga.

De sofrer já cansei, mas dizes: – “Ama!”
e tua luz – espelho onde me encanto –
na ante-manhã deserta, se derrama.

Porém não creio mais no teu milagre;
– quem teve tanto amor, odeia tanto;
eu que fui vinho agora sou vinagre.

SONETO À MESMA FLOR

Quando moço roubei na madrugada
do seio de uma flor recém-aberta
uma gota de orvalho e como oferta
a deixei em teus lábios, abrigada.

Hoje, quando recordo (Oh! Doce Amada!)
esse tempo de arroubo e descoberta
uma saudade, trêmula, desperta
e vem sangrar-me com a sua espada.

Iguais a flor, também envelhecemos
mas ao despetalar ainda trazemos
almas unidas, mãos entrelaçadas,

porque do amor a essência mais preciosa
( assim como o perfume de uma rosa)
permanece nas pétalas secadas.

SONETO À JOVEM ESPOSA

Hoje eu te trago, em minhas mãos, guardada,
a gota d’água – a pérola serena –
que eu roubei de uma pálida açucena
recém-aberta pela madrugada.

Louco poeta que sou! (Oh! Doce Amada!)
Em trazer-te essa dádiva pequena.
Culpa as estrelas, culpa a cantilena
do vento. E em nossa alcova penumbrada

dormes. E nem percebes no teu sono
que em teus lábios, fechados, abandono
a lágrima de luz – um mundo pleno.

Não despertes, ririas certamente
se me visses beijando, ingenuamente,
tua boca molhada de sereno.

POEMA DO ULTIMO INSTANTE

( ao poeta José Guilherme, onde estiver)

.
Havia o sonhador
a mesa e os seus convivas.
O pão infermentado
fragmentado
e o vinho das angústias.
– Senhor! Afasta o cálice ( câncer sobre a carne)
e a cruz dos sem-perdão.
Deixa-me (ainda) repartir os peixes
e os lírios de teus campos
– dízimo deste encanto
lobo que me devora.
Atira sobre o poema o círculo perfeito
e os dados da palavra.
Derrama a chuva
tua lança e os teus cravos
na terra que semeio.
Assim falava o Poeta
enquanto o sol e outros deuses (os mortos esquecidos)
com essência de mirra em seus turíbulos
já perfumavam a pedra
– altar para o seu corpo.

MINHA PRECE
POR MEU FILHO NO DIA DA SUA MORTE
(… para Ronaldo Alonso)

Ele era um pássaro, Senhor,
cujas asas feriste antes do vôo.
Ele era fonte
e sufocaste o canto em sua garganta
e pouca além da lágrima e do riso
– como apelo ou mensagem –
lhe deixaste.
Ele era frágil, Senhor,
e lhe enevoaste o entendimento
e com agudos espinhos o pregaste
tantos anos no seu leito.
Até seus olhos, Senhor,
– inquietos peixinhos coloridos –
aprisionaste
no reduzido aquário do seu quarto.
Mas eu te louvo, Senhor,
por Tua bondade
quando lhe ensinaste a gritar a palavra “mãe”
– única de sua boca –
como sinal de angústia e como hino de amor.
Hoje, Dá-me a beber, Senhor,
o Vinho de Tua Paz
na mesma taça de fel e sofrimento
com que o premiaste,
para que eu possa de joelhos
celebrar contigo
um retorno de um anjo ao Teu reinado!

BREVE TEMPO

Se me queres amar ama-me nesta hora
enquanto fruto dando-te a semente.
Se te apraz me louvar louva-me agora
quando do teu louvor vivo carente.

Aprende a te doar antes que a aurora
mude nas cores cinza do poente.
Se precisas chorar debruça e chora
hoje que o meu regaço é doce e quente.

A vida é breve dança sobre arame.
Sorve teu cálice antes que derrame
ninho vazio que o vento derrubou.

Porque quando eu cair num dia incerto
parado o coração o olhar deserto
nem mesmo eu saberei que já não sou.

NO ESPELHO

Da armadura do medo me desnudo
o estandarte na mão, a flor no peito
e enfrento, temerário, o cristal vivo
de tua face – espelho onde me busco.

Sou dócil ao teu poder e mel e seiva
da boca se derramam em doce riso,
como a rasgar a carne me entretenho
para me alimentar de encantamento.

Entrego-te meu rosto e o desfiguras
e a máscara real pesada tomba
– envelhecido pó – na tua lâmina.

E na visão da imagem refletida
em desespero e espanto me descubro
na placenta da morte prisioneiro.

Fontes:
Portal dos Sonhos e das Poesias
http://www.sarahmrodrigues.com/luau/prece_alonso.htm
http://covadospoetas.blogspot.com/2011/02/alonso-rocha-o-principe-dos-poetas.html

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Mariinha Mota (Livro de Poesias)

ESTE NOSSO AMOR

Então, fiz desse amor que me inspiraste um dia,
a escada que Jacó, em sonhos, viu surgir;
e que não tinha fim, ligando a Terra fria,
aos céus de luz e paz, de sonhos a luzir.

Sinto que desse afeto imenso e tão sublime,
só compreendemos nós a única razão…
É um verdadeiro amor, ternura que redime.
Estejas longe ou perto és minha adoração.

Pensando só em ti componho os meus poemas,
que traduzem pureza e confiança supremas,
e partem de minha alma como um longo grito.

Sou feliz por te amar. Todo o meu pensamento
quer fruir desse amor, que é paz e que é tormento,
e buscar para nós as luzes do infinito.

ESSE TEU OLHAR

Esse teu olhar tão terno que eu reclamo,
desejando que seja todo meu,
é uma jóia tão rara! Eu o proclamo
ser presente do Céu que Deus me deu.

Ao império desse olhar, enlanguecida,
encontro mil belezas de mil mundos,
pois ele transformou a minha vida
com um amor dos mais nobres e profundos.

Esses olhos bondosos que eu venero,
que admiro com alma e tanto quero,
só me ensejam momentos de venturas.

Teu pulcro olhar, que tanta luz encerra,
são dois faróis guiando-me na Terra,
envolvendo-me em ondas de ternuras!

SOMENTE EU

Esta ansiedade enorme, este fascínio louco
que eu desperto em teu ser – e disto estou consciente –
não nasceu nesta vida. Um milênio é bem pouco
para consolidar esta atração fremente.

Não é só, pois, biológico, este ardor supremo
quando nós pressentimos um do outro a presença.
Nosso amor transcendeu o encantamento extremo
e ele é para nós a luz de toda a crença.

Neste mundo, ninguém, por mais força que faça
desunirá nossa alma no tempo que passa
já que este nosso amor é feito de arrebol.

Só eu posso estancar a tua sede de afeto.
Só eu posso acalmar teu coração inquieto.
Sei que sou, somente eu, o teu dia de sol.

VATE GLORIOSO

Viveu na Terra um sonho eterno de beleza
que palpitava, sempre, em todo o seu espírito,
nas sínteses de amor da humana natureza,
anelava buscar as luzes do infinito.

Um saltério divino, cérebro fecundo,
ornou a “Flor do Lácio” com acordes supremos,
deixando-nos, também, um conceito profundo:
“Amar ainda mais a terra em que nascemos.”

Príncipe dos Poetas, nobre brasileiro,
há cem anos fulgiu na Pátria do Cruzeiro,
alcançando, entre nós, merecido destaque.

Esse que tanto amou a língua portuguesa,
cantando-a em seus versos de nímia beleza,
é Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac!

ASCESE

Vim, através do todo de elementos,
dos eternos princípios embrionários,
saltando das matérias cósmicas…
Produto telúrico do mundo,
gérmen fui em expedições grandevas,
até ganhar na solidão da Terra
o princípio de impulsos e instintos
com a face de gorila.
Pensei, senti, chorei. Mas, ai!
A dor terrível lavrando esta minha alma,
laboriosa operária iluminando a evolução dos evos,
no emaranhado das lutas cognitivas.
Doridas algemas torturam a mente,
penumbra terrena nas grades do horror.
Surgiu o remorso!
Simbiose do mal, de dor e tristeza.
Hoje, sinto o Além dentro do meu ser.
Sou um vulcão de emoções!
Quanta melodia na mente!
Quero ser perfume.
Quero ser essência rara no Espaço infinito.

PIQUETE

Piquete, tua natureza
é poema de singeleza,
ornamentada de flores,
embalsamada de olores,
que tais encantos resume,
cheios de luz e perfume!

Piquete, sempre eu quisera,
em perene primavera,
unir-te toda à poesia
e à linda polifonia.
És do Brasil um florão
que merece saudação

Fonte:
http://mariinhamotapoeta.blogspot.com/

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Inoema Nunes Jahnke (Livro de Poesias)

IMORTAL

Procuro uma canção
Em que meu amor se reconheça,
Apenas uma melodia
Capaz de alegrar o dia,
Fácil de cantarolar
Como é amar,
Um solo de violão
Que bata na batida do coração,
Que pra se reconhecer
Não tenha que prestar atenção,
Onde até os desatentos
Possam sentir a alegria do amor,
Amor imortal como a vida,
Que renasce a cada batida.

CORAÇÃO GUERREIRO

Na tua ira recai impiedosa maldade
Dissoluto do amor guerreiro,
Esgotado, vencido…
Se faz pesado o fardo
De amar sem ser notado,
Amor só de um lado,
Amor renegado,
Guerreiro vencido em batalha,
Surrado, abatido, cansado,
Desmorona em meu peito
Acalenta em meu seio
Retorna a mim
Coração guerreiro,
Tua luta é minha luta,
Tuas dores são minhas lágrimas,
Tua saudade é minha agonia,
Tua história é minha vida,
Teu desespero é minha salvação,
Pois retorna à Deus
O coração que amou,
E a alma que sofreu
Só aprendeu.

CORPO E ALMA

Sou como um belo jardim de flores do campo
Cercado por uma bela cerca de madeira
Toda pintada de branco…

No jardim à vida tem razão pra existir
Pra alegrar os olhos de quem o refletir,
Das margaridas o perfume, impossível confundir
Que mesmo longe dali é capaz de se sentir.

A cerca é a moldura de paisagem tão serena
Contida em seu jardim…
A alma dentro de mim.

Um dia, toda amadeira perecerá
Por mais cuidado que se tenha
Por melhor que seja a lenha,
Um dia se extinguirá.

O jardim não mais contido
Pela cerca de madeira,
Lançará ao vento seu pólen
Fecundará outra terra,
-Viverá em outro jardim-

A moldura será outra
Branca, amarela, vermelha
Outra, bela cerca de madeira!

Que emoldura o jardim
Que hoje…
Desabrocha dentro de mim

ESPERANÇA

Eu sou o sorriso sincero,
Sou o medo na solidão,
Sou a dúvida sussurrada,
E a resposta encontrada,
Sou a saída, e a chegada,
Na mesma estrada,
Sou a luz na escuridão,
A ternura no coração,
Sou o sorriso da criança,
Eu sou…A própria esperança.

SAUDADE

Se do nada uma lágrima
Rolar no seu rosto…
Não tente entender,
Se mesmo, sem você querer,
Outra lágrima teimar
Em embaçar teu sorriso…
Não procure nem tente entender,
Com certeza e teu coração,
Com vontade de me ver.

REFÚGIO

Só estou, e só fico
A solidão é meu refúgio,
Meu instante de meditação,
De escutar meu coração,
No silêncio mudo
Transcendo o mundo,
Em absoluta união
Numa contemplação,
Que foge a qualquer compreensão.

LASCIVA

Sou madrugada que chora sozinha,
Chuva que se perde em poças
E escorre pelos bueiros
A despertar a madrugada…
Em teus olhos vejo-me refletida
Ofuscada na retina do teu olho
Feito água na poça d’água
Escorrendo no teu corpo…
As linhas que traçam teu rosto
Revelam um sorriso jocoso,
Talvez, teus braços sejam o bueiro
Que desnuda minha alma
E recebe o meu corpo…

Ali, meu corpo se acalma
Repousando no teu peito
Feito rio e leito…

JANELA DA EMOÇÃO

Beijar eu já beijei
Alguns morrerão na boca
Outros queimarão em vão,
Já dei beijos de despedida
Que marcaram minha vida,
Beijar eu já beijei
Alguns mornos, mas, nunca frios
Uns deram tremedeira, outros arrepio,
…O beijo que não esqueço
Deu choque na janela da emoção
E trancou o amor dentro do meu coração!

É PRECISO

É preciso que a saudade machuque de verdade,
Que leve ao vento as lágrimas
Envoltas em pensamentos,

É preciso, que a ausência seja sentida…doída
Que se relembre a partida
E se anseie o retorno,

É preciso sentir a inquietude do desejo
Que não cessa e arranca o sossego,

A vida assim, jamais cansa…
Renova-se na esperança!

COMPAIXÃO PELA VIDA

Do nada uma freada,
Uma trombada…
E num segundo
Tudo se apaga.

Bebida, velocidade…
Imprudência, fatalidade…
Culpados e inocentes
Vidas perdidas simplesmente.

Acabou a vida promissora,
Acabou o futuro brilhante,
Mais um na estatística
Desta tragédia constante.

Partisse uma família,
Acabou a alegria,
Acabou o sorriso do pai…
Acabou o sorriso da filha.

Acabou mais uma vida,
Desperdiçada nas estradas,
Acabou!… E não se faz nada?
Acabou, acabou, acabou…

Choram os pais…
Choram os filhos,
Choram os amores…
Choram as dores,
Choram os amigos…
Choram comigo!

O FIM

Percebo o fim; mas tenho medo,

É tão triste!… A idéia assusta,
É minha a culpa!… Sua?
Não importa!…
São tantos beijos
Tantos anos,
Tanta vida jogada fora…
Vira um nada, um passado,
Chorar não adianta,
Mas como não chorar,
Lutar pra que,
Contra o que?
O tempo ninguém para, nada muda…
Mas eu sinto!… Pressinto o inevitável,
Então, porque não ter
A mesma intensidade,
A mesma força,
E eis minha esperança,
Que o inevitável fim…
Seja pra você, e pra mim.
==========================

Sobre a Poetisa

Inoema Nunes Jahnke (1971)
Inoema Nunes Jahnke gaúcha de Pelotas, nasceu no dia dezesseis de agosto em 1971, empresária na área de software atualmente reside em Cachoeirinha, Rio grande do Sul, esposa e mãe, a escritora dedica boa parte do tempo à poesia, em 2008 publicou seu primeiro livro”Imortal”, em 2009 publicou o segundo, autora de poesias consagradas como “Orgulho gaúcho” e “Compaixão pela vida”, acredita no amor e no poder da poesia de emocionar e inspirar os corações!

Fontes:
http://inoemaescritora.blogspot.com/
http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/
http://www.artistasgauchos.com.br/

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Oswaldo Antônio Begiato (Livro de Poesias)

ANTEONTEM

Anteontem,
pé ante pé,
caminhei com anteolhos
por conta de uma antepaixão
que me veio de anteparo,
antepondo um dilema:
– Antes tarde do que nunca.

Diante de tudo isso
e ante minha descoberta,
fiz-me, antequanto,
ente e rente,
como dantes no quartel d’Abrantes.

PRESUNÇÃO

Há no Universo estrelas tolas.

Uma não suporta
a luz da outra.

Elas amam a escuridão;
sabem que sem escuridão
sequer vida teriam.

Não queiram me dar notoriedade.

Nasci no fundo do mar
com o destino de ser ostra.
Vivo da iridescência do nácar.

Meu cenário é a escuridão,
mas jamais serei estrela.

Não terei luz para iluminar tua passagem,
mas te fornecerei pérolas
para que tu sejas a luz no meio da festa.

DERMO-ÓTICA

Hoje estou feliz como nunca estive antes.

Sinto minhas alamedas cheias de bonanças,
Meus canteiros revirados pelo cuidado alheio,
Meus vácuos encurtados pela presença da verdade.

Sinto minhas sombras povoando os relógios de sol,
Minhas distâncias sendo medidas pelos sextantes.

Apesar de tudo, de todos.
Apesar de nada, de cada.
Apesar de pouco, de louco.

É que hoje você está mais radiante do que uma chuva de meteoros,
E suas mãos puderam me ler do princípio ao fim.

RESSURGIMENTO

Ganhei uma rosa
Leve como uma forma,
Breve como uma linha,
Fina como a esperança,
Bela como o mármore,
Donzela como a aurora,
Champanhe como o arroubo.

Ganhei uma rosa
Feita de brisa lenta,
Assim, como um alívio;
Feita de folhas virgens
Assim, como uma viagem.

Ganhei uma rosa
Feita de muitos versos,
Versos de plenos anversos.

Ganhei uma rosa. De ti.

POEMA RICO

Gostaria que abundantes me fossem
as palavras.
Mas elas me fogem
se fazem magras,
raquíticas,
e parcas.
(Me deixam mudo
diante desta mulher.)

Gostaria que intensos me fossem
os diamantes.
Mas tenho apenas uns cristais
que se quebram quando meu olhar
os toca sem sentido.
(Me deixam pobre
diante desta mulher.)

Mas tenho dentro de mim um coração,
que mesmo mudo,
bate enlouquecido
e como uma ostra vaidosa,
cria com o seu bater doído
a pérola mais linda
que já se viu.
(Me deixa como jóia rara
diante desta mulher.)

Me deixa como poeta
diante desta mulher.

REINÍCIO

Como me pediste, farei restauro de tuas obras-primas,
As que o tempo deteriorou por tua falta de cuidado,
E nada cobrarei de ti por isso. Nem um centavo.

Uma condição imponho. Peço que não me cobres
Os olhos tristes que querias ver no meu rosto,
Retrato que são do pouco-caso que me fizeste.

Estão a sete chaves no vácuo de meu desprezo.
Não os darei a ti. Juro que não. Nem que supliques.

SONETINHO BESTA

Correndo, vim aqui lhe mostrar encabulado,
Um sonetinho besta que fiz para você, às pressas,
Com palavras que encontrei, ontem à noite,
Presas por um fio na saudade que me exauria.

Fí-lo por ouvir seu canto no canto escuro do palco,
Por ver o brilho de seus olhos iluminando tudo,
Sem que me visse. Sei que anda zangada
Com o ciúme enlouquecido que sinto de sua voz.

Mas vim mesmo porque queria que soubesse
Que ando seduzido pelo seu canto de cigarra
Dando alívio às minhas noites solitárias de boemia;

E que quero ser, eternamente grato por sê-lo,
A formiga que sustenta com alegria pródiga
As suas fantasias de menina fugaz e volúvel.

CANTIGA DE NATAL

Quando o natal vem chegando
meus vácuos, prole da infância,
se enchem de Avenida Paulista,
de formas e lâmpadas surreais,
de presépios sobre-humanos,
de presentes multiangulares,
de Boas Festas de Assis Valente…

Todo ano, no mês de dezembro,
com as preces cheias de vitrines
e de dúvidas sobre um céu ouvidor,
desperta em mim a criança viva
que nunca fui. Que nunca vi.

Fonte:
http://oabegiato-poesias.blogspot.com/

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Roberto Pinheiro Acruche (Meus Poemas n. 6)

ESPELHO MEU

Olho o meu rosto refletido no espelho
e pergunto: Quem é você?
-Já vi você antes!… No entanto esqueci-me de perguntar quem é você!
Mas agora, vejo-lhe aparentemente diferente;
o que lhe fez mudar?
-O tempo, o vento, os dias, as noites, os sonhos, as fantasias, os amores, as paixões, as desilusões?
Quem fez estas rugas em seu rosto,
este semblante cansado?
Onde estão o sorriso e o brilho dos seus olhos?
Diga-me, quem é você?
Abra a sua alma, exponha, escancara, mostra o que tem por dentro.
Diga-me, o que fazes aqui?
Por que vieste?
Pra onde irás?
Sem respostas, afastei-me do espelho!

A NATUREZA

Mares, rios, lagos, montanhas,
árvores, animais…
Um conjunto de forças ativas
em todo o universo.
Um fenômeno energético
de potência descomunal.
Maravilha paisagística,
multicolorida,
ricamente pluralizada
capaz de produzir efeitos visuais
extraordinários,
indescritíveis pela palavra humana.
Agente da vida e ocasionadora
da morte.
Alegre, radiante, albina,
esplêndida, fulgurante…
DIVINA!

APÊLO

Mestre, não me abandone,
como preciso de Ti.
Não me deixes tão sozinho,
não me esqueça aqui…

Segure a minha mão,
quero andar com firmeza.
Entre no meu coração,
tire de mim a tristeza.

Quando meu dia chegar,
permita agora rogar,
tenha de mim compaixão…
Acolha a minha alma,
perdoa-me por vacilar,
doa-me a salvação.

DESEJO

Hoje senti uma vontade enorme
de falar com Deus!
Queria lhe dizer algo especial,
algo maravilhoso e não banal.

Pensei escrever um poema,
mas qual seria o tema?

Pensei escrever sobre a minha vida…
Mas o que interessaria a Deus
se a minha própria história está esquecida…

Falar do futuro, coisas do mundo,
do céu, da terra, do mar…
Mas o que falar?

Acabei por perceber
que falar com Deus
não basta querer.
Nem necessariamente soltar a voz
ou mesmo escrever…

Para falar com Deus
basta lhe entregar a alma,
lhe abrir o coração…
Ainda que em total silêncio!

PASSARADA

Gorjeia Passarada,
acorda a minh’alma
com o seu cantar.
Faça vibrar o meu coração
com a sonoridade do seu canto;
traduza a letra dessa melodia
de beleza incomparável;
quero entender a sua canção
e também poder cantar.
Gorjeia Passarada,
deixa a minh’alma encantada
com essa alvorada sonora
que traduz nessa hora
a melodia inigualável
que surge do seu cântico.
Gorjeia passarada…

Fonte:
O Autor

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Héber Sales (Livro de Poesias)

A FELICIDADE

é tão delicado
quanto cuidar de um pedaço de céu

estar de acordo com o ar
o fogo
a água da estação

e não tocar a terra
com ambição

A COLHEITA

guardar a palavra
que apenas a brisa conhece

ser por montanhas apascentado

quando a fruta madura estiver
um vale
sem esforço algum
a recolherá

LIVRE

o céu e a terra
não riem
não choram
com a chegada e a partida
de cada estação:

ser triste ou feliz
é pequeno demais

BOA SORTE

Já é outono por aqui. O céu
está a todo tempo encoberto.
Tem chovido muito. A casa
a praia andam cheias de sono
e à noite há sempre as pessoas
que buscam em vão as estrelas.

Mas eu hoje cedo, bem de manhã
acordei com a algazarra dos cães.
Lá fora os jasmins floresciam
a lembrança de outra estação.

O SENTIDO

Há rastros do silêncio
nas palavras, eu sinto
o predador informe
que nos respira –

uma selvageria me percorre.

Eu adivinho o êxtase
da refrega, o verso
que me acomete de vertigens

o olhar imponderável
da mais antiga fera.

* Releitura do poema publicado na Diversos Afins de novembro/2007.

O VELHO LIMOEIRO

À chuva bastou apenas
cuidar de um verde para a manhã.
O dia está de ave desde o arrebol.

O palavrário eu pus no quarador
para ver se pega cor de riso.
As horas, para ensaiar felicidade.

Em dias assim, o velho limoeiro
se toma um pouco mais de azul
acaba arremedando estrelas.
———-

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Roberto Pinheiro Acruche (Livro de Poesias)

A SAUDADE

Saudade… Qual é a sua cor?
Por que estou sentindo-a
tão junto a mim e não consigo vê-la?
Não me atormente ainda mais
com este silêncio,
além desta dor que me rasga o peito.

Porque você não aparece
e desvenda logo esse mistério?
Você sabe onde me encontrar!

Vou estar nos mesmos lugares,
sentado na areia olhando o mar
ou nos mesmos bares
consumindo a noite.

E se acaso não me encontrares
pergunte pra solidão…
Somente ela saberá dizer
o meu paradeiro.
Mas não demore mais;
faça antes da tristeza
me levar por inteiro!…

ARCA DOS SONHOS

As horas passam
e eu me curvo diante
do tempo
que também passa… Que passa!…
E eu preso na arca dos sonhos,
fantasiando a vida.
Quando acordar
desta aspiração
liberto do devaneio,
quem sabe ainda haverá tempo
para realizar os sonhos?
E se não houver tempo
e se não realizar meus sonhos,
valeu à pena ter sonhado!

ESPERA

Estou a sua espera,
carregado de desejos,
de uma nostalgia que enlouquece,
que explode dentro de mim,
que me faz lembrar do seu cheiro,
da sua boca sufocando-me de beijos,
dos seus gemidos,
da sua entrega louca,
desvairada e sem pudor.

LUZ DA VIDA

Em qualquer lugar que estiver nesta terra, há alguém com um olhar fixo, afetuoso, mágico direcionado para você…
Com um olhar puro, especial, muito especial, de um coração que só pulsa o amor…
Um olhar de alguém que é justo, com a inspiração de amar de modo pleno sem ajuizamentos, sem distinção.
Este olhar brilha mais que a luz do sol, tem a dimensão maior que o das estrelas de primeira grandeza, tem um alcance infinito.
Este olhar rompe os dias, vara as noites é a luz da vida.
Qualquer que seja o momento, em qualquer situação: de amor, paz, união ou perdão… Este olhar está reto, preciso em sua direção.

VIOLEIRO APAIXONADO

Sob a luz de um lampião
colocado sobre uma mesa
de madeira nobre,
porém pequena,
onde também tinha um ramo de flor,
ouvia cantigas de amor
de um violeiro solitário
exaltando sua paixão.
Sentado num banquinho humilde
que ficava no canto da sala,
dedilhava sua viola
sonorizando a noite
escura lá fora
onde os pirilampos
faziam refletir sua luminosidade
num pisca-pisca ritmado
como se acompanhasse a melodia
do violeiro apaixonado
que não tirava da imaginação
a sua cabocla
a mais bonita daquela região.
Morena de olhos negros,
cabelos longos, caídos pelos ombros,
corpo fascinante,
cheiroso como a flor do campo;
lábios sedutores…
O solitário violeiro morria de amores;
sonhava abraçar aquela trigueira
rolar com ela na esteira
esbanjar todo o anseio
tocar em seus seios
fazê-la sentir no peito
todo o efeito
que jorrava de seu coração.
A moreninha linda e faceira,
lá distante,
em seu casebre
não escutava
quando o violeiro cantava
e a viola chorava
com os versos entoados:
“Vem morena, vem agora,
não resisto à solidão!
Eu canto e a viola chora
vem me dar seu coração…”
“Vem morena, não demora,
vem me dar seu coração
eu canto e a viola chora
não resisto a solidão.”

MEU ESPELHO

Meu espelho, revelador!…
Arca de memórias,
juiz implacável do presente,
profeta mudo do futuro,
confessionário e principal consultor.
Sorrindo diante de ti
relembro os meus dias de infância
gesticulando e fazendo caretas…
Na vaidade da adolescência e juventude
extraindo acnes, penteando os cabelos,
raspando os primeiros fios de barba
experimentando roupas…
Quanto desvelo com a aparência!
Tudo sem perceber as transformações naturais
provocadas pela maturidade,
fator imposto pela idade,
pelo tempo, senhor de cada momento,
fosse ele, alegre, feliz, triste ou sofrido.
Agora, diante de ti,
mesmo estando a sorrir
estou subordinado às mutações…
Uma ruga que antes não existia,
hoje habita e marca a minha fisionomia…
Os cabelos longos, fortes, cheios,
que exigiam tantos cuidados,
apenas uns poucos ainda existem,
presentemente esbranquiçados
e jogados um tanto para os lados.
No entanto, o que mais me revela e me assusta,
não é a modificação irreversível, progressiva e bruta,
não são os momentos felizes ou tristes do passado;
nem o que fiz de certo ou errado;
não são os tempos perdidos, desiludidos…
Não são os ideais que não puderam ser alcançados;
ainda que me deixem entristecido.
Muito menos, por tanto haver me empenhado
e me obrigado a compromissos…
Nada disso!
Mesmo que tenham me abalado, também não são
as paixões e os amores fracassados…
Não é o futuro das minhas obras e conquistas;
não é a aparência de um homem cansado
desestabilizado, desalinhado,
vivido, sofrido,
nem sempre barbeado… Definhando!…
O que verdadeiramente me revela e me assusta
é o presente!… Esse presente
sem prorrogação, motivação,
sem meios de recuperação
para a efetivação de tantos sonhos
que ainda vivo sonhando.

Fontes:
– O Autor
http://robertoacruche.blogspot.com
Imagem = montagem por José Feldman

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Glória Marreiros (Livro de Poesias)

Pintura de J. P. Martins Barata
E DEPOIS DO AMANHÃ?

E depois do amanhã, que se aproxima
em laudes que transmitem minhas rezas,
talvez que eu veja estrelas sempre acesas
na extrema-unção do brilho que me anima…

E seja um campo santo, noutro clima,
onde as palavras se ouçam, sempre ilesas,
e com sons que tilintam sobre as mesas
que citam o sabor da minha rima.

Há esperança, incerteza, no futuro
do meu sonho, que aspira por ser puro
nas cores dum matiz que esmoreceu…

há-de fazer-se luz na minha treva
e o céu dirá ao sol para que escreva
que, depois do amanhã, existo Eu!
==============

POEMA DOS SONHOS

Olhando o teu rosto, senti que veneras
o sonho perfeito da vida que tenho.
Comandas minha alma, contigo sustenho
os tons anilados que inventam quimeras.

Tapaste os meus seios com mãos de outras eras,
beijaste os meus lábios com força e empenho,
com âmbar e tinta fizeste o desenho
que embala meu corpo com mil primaveras.

E trazes nas veias poder, sedução,
a raça dum povo que tem coração
e crê que a esperança jamais é perdida.

Eu vi que tu eras o elo perfeito
que abraça este rio que corre em teu peito,
poema dos sonhos, que são minha vida!
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DIGNO EXEMPLO
Dedicado aos meus AMIGOS: Drª Maria José Fraqueza e Sr. Rui Fraqueza nas suas Bodas de Ouro. (24 de Janeiro de 2010)

Venero o vosso exemplo, a vossa luz,
e sinto-me pequena, ante a grandeza
do vosso imenso amor e da pureza
que faz lembrar a paz que há em Jesus.

Foi há cinquenta anos. Faz-se jus
à Zezinha e ao Rui que, com firmeza,
puseram suas vidas sobre a mesa,
onde um círio aceso inda reluz.

O céu desceu à terra neste dia,
com lírios de louvor e de magia
e os anjos ajoelham com fervor.

Desfolho o vosso livro, onde contemplo
o sonho de seguir o vosso exemplo,
mas não sei se consigo tanto amor!…
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SONHANDO NATAL

Criança parida do ventre que tenho
tu guardas no peito pedaços de amor,
canções de luar desprovidas de cor,
e beijos que falam na dor que sustenho..

Suplicas Natal com ternura e empenho;
e queres de mim o poder do calor
que exala esperança, emitindo o fulgor
da chama atiçada p’la cruz do meu lenho.

Se um dia soubesses o quanto te amei…
as lágrimas soltas, tombadas, sem lei,
caindo no rosto, formando um caudal…

Dirias: que mãe é ter sempre um sacrário
aberto ao amor, desfiado em rosário,
com filhos lá dentro, sonhando Natal.
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TESTAMENTO

Minha alma morreu. E deixou-me sem trono.
Não teve suspiros de alguém a chorar,
coberta com laivos da luz do luar,
e ungida com óleos das chuvas de Outono.

Eu vi-a partir nas memórias dum sono
profundo e submerso em procelas de mar,
sedenta do fogo que emerge dum lar
que faz da paixão meretriz, sem ter dono.

Agora, sozinha, no átrio do espanto,
apenas matéria me envolve este pranto
que agita pedaços de amor e tormento.

Eu fui ao notário, que às vezes me acalma,
fiel dos haveres que tinha minha alma,
mas ele me disse: Não há testamento!
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ÚLTIMO SONETO

Não forces o soneto, a emoção.
Deixa que saia livre, em fantasia.
A espera, lentamente, o acaricia
como à mais rara flor, ‘inda em botão.

Deixa nascer o sol da inspiração,
abre as asas da alma, em euforia,
e voa sobre o céu que te inebria,
depois, deixa falar o coração.

Teu último soneto será mar
e terra sobre a luz do teu olhar,
no fogo que, em mim, nunca esmoreceu.

Falará de amor, ódio, de vaidade,
da dor e sofrimento que te invade,
no fim, fala da escrava que sou eu!
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A CASA

Desmoronou-se, em dor, aquela casa
que parecia ser antiga e forte.
Agora, ali, prostrada à sua sorte
agoniza no gelo onde se abrasa…

Quem passa não se importa que ela jaza
por terra, espezinhada pela morte.
Ninguém recorda a linha do seu porte,
deixá-la, assim, tombada em campa rasa.

Dos alicerces gritam vozes de alma,
em febril tempestade que se acalma,
querem saber do corpo que era seu.

Agora está no chão, eu sempre soube
que era frágil, erguida só de adobe,
a casa… sombra e cinza que sou eu.
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CONCLUSÃO

Eu procurei o mundo, ao desvario,
na ânsia de encontrá-lo num poema.
Queria que ele fosse a vida, o tema,
a correr no meu peito, como um rio.

Queria-o majestoso, amplo de brio,
anunciando a luz, clara e suprema,
duma paz duradoira, aonde o lema
fosse amor, saciando o meu vazio.

Nesta minha procura desmedida,
teci sonhos e ninhos sobre a vida,
para amparar a dor, em manhã calma…

Mas quando o sol se fez uma ilusão,
cheguei, por fim, à dúctil conclusão
que o mundo trago-o eu dentro da alma!

Fonte:
Varanda das Estrelícias

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Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Livro de Poesias)

MORADA

Deixa-me te amar de qualquer jeito;
Arranca, pois, de mim, esta vontade,
Esmaga para sempre esta saudade
Que amarga como fel dentro do peito…

Faze, então, de mim brisa serena
Roçando o teu corpo levemente,
Deixando que este amor tão de repente
Mostre que a loucura vale a pena.

Arranca-me dos lábios o doce mel,
A seiva que alimenta este prazer
E faze-me sentir subindo ao céu!

Não me deixes vagando, assim, ao léu,
Mostra-me com malícia o que é viver,
Descerra do teu corpo a veste, o véu…
Quero hospedar-me todinho em você!
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FONTE DE DESEJOS

Vejo em você a fonte dos meus desejos.
O oásis que me abriga,
A brisa que me sopra a vida,
A água que me mata a sede,
A boca que me enche a boca
De sutis e delicados beijos.

Vejo em você a imensidão do mar,
A única estrela a brilhar,
O campo repleto de flor.
Vejo em você a vida,
A vida que me dá vida,
Que por triste ironia,
É só sonho e fantasia,
Fonte de ilusão perdida,
Que quase me mata de amor…
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SONHO II

Calo-me no teu colo quente,
Conto estrelas lá no céu,
Deixo brincar docemente
Sonhos que vagam ao léu.

Vaga sonho pela vida,
Deixa o amor aportar,
Sê o ninho e a guarida
Dos sonhos que vêm do mar.

Traze a brisa nos teus braços
Com a luz deste luar
E depois num longo abraço
Vamos matar a saudade
E morrer de tanto amar…
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PRESA

Quero ser a sua presa,
Enroscar-me em sua teia
Sem reação ou defesa,
Ser manjar em sua mesa,
Deixar sugar o meu sangue
Até secar minha veia…

Quero ser seu alimento,
Provisão de cada dia,
Ser o seu pão, seu sustento,
E depois do acalento,
Ser sua noite de orgia.
Eu quero ser o seu vinho,
O cálice que inebria.
Ser madrugada, seu dia,
Ser seu parceiro no ninho.
Quero ser a sinfonia
Mais suave e maviosa,
Ser seu verso e sua prosa
Seu delírio e fantasia…
Quero ser a sua rima,
Sua trova e sextilha,
Sua estrada, sua trilha,
Seu fogo ardente, seu climax.
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TEU SORRISO

Esse teu sorriso me arrebata,
enche-me de prazer – faz lembrar a minha infância,
põe-me a recordar, com ingênua graça,
dias felizes, quando era criança.

Teu jeitinho de sorrir me contagia,
alegra meu coração, purifica a minh’ alma…
até hoje não sei como vivia
sem esse sorriso – bálsamo que me acalma.

Guarda–o contigo, com muito amor,
e por onde quer que andes, vá distribuindo,
lança–o como lança a semente o lavrador,
deixe quem colher, retribuir sorrindo.

Continua, no entanto, a distribuir em maior porção,
a todas as crianças que encontrares no mundo,
pois sinto que esta é a maior razão,
deste teu sorriso terno e tão profundo.

Quanto a mim, considera-me também pirralho,
dá–me o teu sorriso em igual porção,
faze-me feliz, como faz o orvalho,
espalhando gotas de sorriso pelo chão.
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PONTO

O ponto que se ponteia
Na ponta de um ponto só
Não firma o laço da peia
Nem ata o laço do nó.

Passarinho que não trina
Fica triste sem cantar,
Mulher de cintura fina
Faz qualquer homem sonhar.

A lixa que vira lixo
Não serve mais pra lixar,
Burro velho sem rabicho,
Mulher feia sem capricho,
Corre o risco de empacar.
Benzedor que benze bem
Cura espinhela caída
Mas não cobra um só vintém
Pelo bem que faz na vida…

Tronco que vira tronqueira
Não deixa ninguém passar,
Cria vinda de parteira
Já nasce querendo andar.

E eu fico aqui matutando,
Louquinho para encontrar
Um final para os meus versos
Que não sei arrematar.
=====

Fonte:
Colaboração do Poeta.

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Ivy Menon (Livro de Poesias)

AUSÊNCIA

Não. Não penso em homens.
Meu corpo esvaziou-se de sonhos.
As madrugadas insones lembram-me nomes.
Como quando se caminha de noite
e se distancia das luzes até que, antes da curva da estrada,
elas se tornem apenas vaga-lumes tontos no horizonte.

Não. Não há o que me console, lá atrás.
Não é possível, gritando nomes,
resgatar a alma que se desgarrou de mim.
E vaga-lumes fogem da alva.

INVERNO

as Sibipirunas choram
escorrem
folhas secas
nas calçadas

não compreendem suas dores
a nudez dos galhos
a mudez
da sombra rala

os meninos riem
sujos de barro
abrem caminho para as flores

A BOCA NUA

Tua boca lua cheia de polpa
Doce, gosto de cidreira melódica
escorrida de acordes Sabiá-laranjeira
Acorda, noite sempre é dia ávido de rir
lábios dançam sorrisos, vestem linho carmesim
e pérolas, estrelas, colares em mim.
Saliva, sal, cortinas de seda que se me abrem,
derramam-se meus seios nus em ti.

O POEMA

O Poema jorra pétalas brancas
Rosas brancas, pálidas de espanto
ao vento, asas arremessadas, livres
pelo ar.

O Poema surpreendente doçura
mistura mel e terra, fruta-do-conde
Laranja craveira, sorva gomo a gomo

O Poema brota morno, doido
aos borbotões as lágrimas de gozo
inundam as mãos, ávidas mãos.

SUPRA-SUMO

vejo-me pequena menina favelada
em eternas cavalgadas pelo mamonais
verdes madrigais, eu e eles, nativos

acho que brotei da terra…terra vermelha
tão vermelha quanto o nariz dos italianos
que também brotaram dali.

e meus ramos, ervas daninhas
subindo livres,alegremente livres
no rumo da galharia
em direção ao céu, tão meu
tão brejeiro, próximo
sobrenatural

lembro-me crescendo meio
meio empertigada
com raízes incrustadas nas montanhas de pós-de-serra
creio que vim da terra com seus trigais amarelos
tão amarelos quanto os dentes dos italianos
com seus fumos-de-corda que também se fixaram ali.
e os meus cachos lisos e frescos
ganharam espaço, alçaram vôo
soltos no céu tão italiano, surreal.
enxergo-me mulher
meio arteira, meio inteira
nas incansáveis caminhadas
pelo teu corpo nu – e marrom –
tão marrom – e nu – quanto os italianos
que mudaram de cor quando perderam o tempo
e misturaram-se à terra dali
e meus rumos, incertos, sem prumos
cavalgam trigais verde-amarelos
e intimido-os se fixo em mim o infinito

de resto:
para o teu grito
o meu urro
para o teu resumo
o meu supra-sumo!

SILÊNCIO

o poema do descanso
faz cafuné
e dá colo
e nina
e põe na cama
é leve e cândido
e breve
e nem tem rima
o poema do descanso
só abraça
e silencia

BORBOLETA

rasga a casca,
crisálida, abre-se
e, só asas,
abraça o céu…

DISTRAÇÃO

bem-te-vi
pensa que não te vi?
descuide-me
eu me distraí
e seduziste-me a bermuda amarela…

URBANA

a borboleta passeia
plana
planeja
pousa
e rouba a cena

FELICIDADE

Foco
Foca
Bola no nariz
Que felicidade
É coisa de criança
E palhaços

MARIA

– maria, desce daí
maria pequena
maria menina
você vai cair!

uma voz que grita
eita voz que clama!
uma voz que zanga
voz que quer ser gente
menina que não quer crescer!

e a primavera não chega
e o inverno não passa
e esta vida rápida
me arrasta
e balança minha maria

sou eu mesma, a maria
e morro a cada dia

essa vida
sacode minhas tranças
balança minhas redes
quebra-me os galhos
despedaça-me em retalhos
corta-me os atalhos

– suba não, maria.
que subida é risco
– também é riso –
é perigo
rio em topo de montanha

sou maria
sou estranha
perco os sentidos
não temo quedas
foram tantas
foram tamanhas

dói muito ser maria
quero ser promovida
a Clarice.

MENINO

– vive menino!
e o menino ri
samba no sapato
grandemaior que o pé…

– anda menino!
e o menino corre
voa vira bala
ladeira abaixo…

– ri menino!
e o menino deita-e-rola
e amolece
e gargalha
e o nariz escorre…

– fala menino!
e o menino cala
emudece
empaca
faz pirraça…

– come menino!
e o menino cospe
faz pouco
vomita no prato
raso de refeição…

– cresce menino!
e o menino chora
esbraveja
sapateia
esperneia…
mas obedece…
cresce
e… morre o menino!

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Carlos Felipe Moisés (Livro de Poesias)

GRAMÁTICA

1. Fonética

Datilo
grafo
meu espasmo rude
em teu peito
e os dedos cravam
entre a bilabial
e a sibilante
o Ó
inaudível.

2. Vogais

Adiar
odiar
ode e ar.
As vogais se espalham
no céu da boca
e o sopro adiado
imobiliza
a língua
em forma de U.

3. Morfologia

Mastigo
um naco de sombra
e um assombro
de sílabas mudas
escorre dos dentes
entre os escombros
da memória calcinada.

4. Etimologia

Saber de cor
a água
a cor da pele
cada anseio
que a língua
recolhe.
Saber de cor
o coração.

5. Pontuação

Fotograma
atrás de fotograma
teu rosto
é a prolongada pausa
impressa na retina
entre parênteses
do travesseiro.

6. Linguagem figurada

Tropel de trapos
lençol amarfanhado
a convulsão
de umas sílabas rebeldes
desarrumando a cama
& a folha em branco:
o peito de quem ama.

7. Conjugação

Eu me arquipélago
tu te maravilhas
ele se istma
nós nos montanhamos
vós vos espraiais
eles se eclipsam.

DEVOLUÇÃO

A noite veio, dispersou meu corpo,
e os ventos me passearam pelo campo.
Ah minha carne misturada à terra,
meus ossos desmanchando-se no frio
secular dos rios que me despejam
envolto em musgo e lama contra as pedras.
Meus olhos desmoronam-se no verde
e a paisagem traspassa-me as retinas.
Meus dedos carcomidos se desfazem
pelos vãos das folhas, de volta ao pó.
De minha boca inútil nascem rosas
brancas, Eu chovo, eu vicejo, eu me planto,
e um dia eu vou brotar por entre as pedras
frias, mais puro, transformado em verde.

RETRATO

Ah quem viu? Quem vê?
Onde se esconde a pátina invisível
que cobrindo está
eu sei
estas palavras
estas mãos
o sono
e quando olho é brisa?
O mundo exíguo aumenta
no soluço reticente.
Ponte rio estrada
o céu a casa
e o corpo descontente.
Mulher? Criança? Não foi.
É o sol
que lentamente se levanta
e grava a solitária imagem
em pálpebras reclusas.
Absurdo, o amor desliza.
Oferta sonho recusa
repto sudário:
o amor é vário
e as vozes obtusas.
Foi? Não foi?
Palácio ou cornamusa
o mundo nítido é fatal ausência.
O céu — destino
a intenção — certeza
e a incerteza se desnuda
na moldura breve do meu riso.

AS FORMAS DO BRANCO

Caminho pela neve
e o mundo principia neste branco.
Tenho a verdade, sonho breve,
branco retido no branco.

Girassol amanhecido longe,
a verdade apareceu-me nesse branco.
Tempo devorado como carne, corpo ferido,
vermelho sobre o branco.

Os pássaros nascem nas nuvens,
azul distante.
Tinha a verdade, perdi-a:
branco escondido no branco.

FOLHA SOBRE FOLHA

Folha sobre folha
verde sobre cinza sobre folha
vento sobre folha
lento pobre manto cobre tanta
folha sobre folha.

O tempo se acumula,
quando sobre nunca,
até que o passado ressurja inteiro,
coberto de folhas,
memória liberta de si mesma.

CARREGO AS ESTAÇÕES

Carrego as estações comigo
e tenho as mãos cansadas.
(No bolso esquerdo um riacho murmura.)
Ali, onde pequenas pedras se acumulam,
uma canção exala seu vapor,
depois se perde.

Jardins de primavera circulam no meu corpo,
um céu de ouro verte seu perfume
e um vento ignorado agita suas asas.
Pasto de segredos,
mescla de memória e desejo,
meu corpo caminha com a chuva
(carrego as estações comigo),
à procura do sonho de uma nuvem fria.

Tantas folhas trago nos braços
que um pássaro, solidário, se oferece
para carregar as estações comigo.
Do peito aberto os meus jardins se vão
e o pássaro me ajuda (memória
e desejo) a semear meu corpo.

Ali planto meus braços,
debaixo daquelas árvores meus olhos ficam,
os pés, roídos pela terra, penduro numa árvore
e o tronco multiplico em cem pedaços –
lá vai, junto com as pedras,
no bojo do riacho antigo.

E pois que carrego as estações comigo,
os lábios deixo além, no descampado,
e peço ao pássaro que pelos cabelos atire
o que sobrou de mim
àquele mar onde me espera a memória
(e o desejo) do tempo em que não soube
carregar as estações comigo.

CAVALO ALADO

Foi como ervas e arrancaram-no.
Hoje pasta absorto em campo sombrio
(perdido vôo, exílio nefasto) e
lambe cicatrizes de ferida nenhuma.

Às vezes relincha, reclina
o dorso à procura de um rasto,
resto de fome clandestina,
mas não rasteja: ergue a fronte
e sopra dardos de fogo no horizonte.

O pouco do nada que lhe coube
é muito. O peito chora sem lágrimas
enquanto a cauda e a mansa crina
ondulam (brisa leve, pranto
alheio), rolando nas dunas
e nas ervas que foi, entre urzes.

Arrancaram-no mal raiou a madrugada.
Hoje pasta absorto entre sombras,
se alimenta da noite e sabe
que eterno dura. Mais nada.

MINOTAURO

Abrasado em sonho, uma vez foi rei
de um reino sem refúgio nem fronteira.
Reinou além do seu país e sua grei,
enquanto ruminava a hora derradeira.

Seu coração de lava incendiou
a memória de dálias e jacintos
e o segredo que o vento lhe negou
se converteu em treva e labirinto.

Estrelas e nuvens teve a seus pés
(o sonho azul de toda criatura)
e tudo recusou. Um trono fez
do nada em que abrigou sua loucura.

Hoje devora gafanhotos e o mel
destila do seu flanco sem idade.
Reino em ruínas, seu manto é o céu,
onde pasta serena majestade.

A PAIXÃO SEGUNDO CAMÕES

Transforma-se o amador em coisa alguma,
sem dolo, sem virtude, sem razão.
Por muito amar, dispersa o coração
e rói daquilo que é a alma nenhuma.

As esperanças perde, uma a uma,
de decifrar o rosto da paixão.
Sem rumo, ilhado entre o sim e o não,
perde-se no amor de um mar sem espuma.

Transforma-se o amador em coisa errante,
atira ao vento um grito enrouquecido,
buscando encontrar-se na coisa amada.

A pele rota, o gesto vacilante,
transforma-se, de amar como um perdido,
em sombra de si mesmo, ausência, nada.

FAUSTO

O dedo em riste
aponta o horizonte
e o ódio persiste
no rosto bifronte.

Morde e remorde
a própria língua,
mal ouve o acorde
esvaído à míngua.

A sanha incontida
arde e devora,
em dura lida,
o peito que chora.

O próprio sangue
escorre, incapaz
de aplacar, exangue,
a sede voraz.

O acorde a cantar.
O corpo é uma chama
e espalha no ar
o ódio que ama.
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Fonte:
Jornal de Poesia.

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