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Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel) (Sonetos Escolhidos 5)

NÓS E O PLANETA

Nascemos num oceano de incertezas,
São vidas sobre vidas, muitas vidas.
Que no combate até desconhecemos
Se são amigos nossos ou inimigos.

A ciência desvenda-nos perigos
De vírus a bactérias, faz vacinas
Contra os males fatais que nos imolam,
Pois somos nós os monstros. E sorrimos.

Também, com relação ao universo,
Somos futuros vírus já dispersos,
Na Terra, onde seremos os seus réus.

Fazemos, desta casa azul, um lixo…
Pensando (ou sem pensar) que com tudo isto
Estamos, corpo e alma, indo pro céu.

JANEIRO

Janeiro, enfim, colhe a primeira folha
Já pelas frinchas da manhã que vem,
Não sabe o que virá, não tem escolha,
Dirá amanhã: a morte, o mal, o bem…

Não olha, com olhos doces, para trás,
Nem sequer se arrepende de algum erro.
Mas vai, segue, danado como um perro,
Puxando o ano em tudo quanto faz.

Na alvorada, sozinho, só consigo,
Sem fama ou gloriolas pra contar,
Nascido forte, enfrentará o perigo.

Mas agora, na calma de quem ama,
Vendo, do dia, a clara, a acesa chama,
Confia e toca as bolas pra rolar.

GÊMEOS

Razão e sentimento – a contradança,
da natureza, em seio feminino,
onde nascem saber, suor, destino,
vida, tristeza, glória… o que se alcança.

Porém, se um prato pende da balança,
se pesa mais razão que sentimento,
de Deus se quebra todo o pensamento
e o homem perde o estribo da esperança.

Sem os tons, sem o ritmo dessa dança,
é quando a vida se transforma, ou cansa,
é quando a dor é luto… E morre a paz.

Inseparáveis dons, duplas crianças
gêmeas no corpo, na alma e nas heranças,
se se separam, morrem. Nunca mais!

CONTRA A TEORIA

Meus mestres do fazer por sentimento
me põem guardas contra as teorias,
de religiões, partidos, guerras frias,
quentes, mornas, e deuses…Que tormento!

Lendo o verbo, seus versos em poemas,
vindos de longe mas chegados cedo,
sem ter medo de ser, para que medo?
Humanidade, amor são nossos temas!

No mundo velho, o tudo é o tecer novo,
o melhor vem de nós e vem do povo,
porque, dizendo assim é que não minto.

E eu, sem acreditar em tanto aleijo,
descreio nas verdades que não vejo,
confio ao coração o que amo e sinto.

A VOZ DO FETO

Mamãe querida, tenha fé em Deus,
Não tome esse remédio que envenena,
Ainda sou pessoinha tão pequena,
Não me troque por vãos prazeres seus.

Respeite: a minha vida é sua vida,
Você pode ser boa e dar carinho,
Quando aí eu chegar com meu chorinho
Você se sentirá bem comovida.

Quando eu nascer serei a recompensa.
Ai, sou pequeno! E como defender-me?
Posso saber por que em mim não pensa?

Quero dormir, não ser expulso agora,
Não me possua qual se fosse um verme.
Só Deus nos diga: “Já chegou a hora!”

SUTILEZAS DO PRETO

Ninguém falou nem me escreveu ainda
do preto – as sutilezas e o sentido.
Serão verbais por existir o branco?
Ou o homem-natureza contradiz-se?

Da beleza e fealdade, qual o espírito?
A luz que vem do sol nos ilumina
O dia. E, à noite, então, por que esconder,
Dentro do escuro, as curvas e as esquinas?

Ser linhas sem contorno? Nesta vida,
Só existe a luz porque dois olhos temos,,
Assim, as manchas negras nunca vistas.

Furos de negro, atrás dos olhos, vejam
O que há no mundo que nós nem sonhamos,
E o que perdemos na hora de nascer.

A LÍNGUA

A língua portuguesa que falamos
palmilhou, no Brasil, ínvios caminhos,
ganhando mais bondades e carinhos,
debaixo deste sol que muito amamos.

Junto à mãe preta e junto à índia em flor,
o português saudoso em seu transporte,
aqui chegado do hemisfério norte,
pega brilho na voz, nos olhos, cor.

Selvagem, forte, dúctil, na verdade,
rica e serena, triste na saudade,
franca nas decisões, porém com calma.

A língua portuguesa é, docemente,
a minha voz (e a de milhões de gente)
como parte profunda de minh’alma.

A COISA BRABA

Quando acordo e me vejo pelo espelho
do meu quarto, a janela inda fechada,
nada do que já fui, nada do velho
me vem à frente. Onde perdi a estrada?

Sinto-me preso a um mundo que desaba,
sem graça, sem amor, sem segurança.
Não sei de onde é que vem a coisa braba,
se é por defeito meu, se é por vingança.

Tudo foge de mim. Onde está o homem?
O tórax sufocado pelo abdômen
e é tudo que me sobra do “eu” aflito.

Tento entender meus males, fecho o senho,
mas não sei por que diabos me contenho,
sem forças de gritar…Retenho o grito.

SONETOS BRANCOS (1)

Andei por outros ritmos altos, brancos,
No tempo em que as palavras me mordiam,
Porém se foram com meus devaneios…
E a vida me agarrou pelos cabelos.

Por rosto e carne, amor fui e voltei
Ao pecado do amor, na escuridão
Dos dias claros, fosse maio ou agosto,
Fosse praia ou inverno, vento ou calma.

O amor negou-me. Mas por que negar
Tranquilidade, o bom humor, a luz
Para vencer o que outros já venceram?

E eu reneguei-o então, só por vaidade,
Fui sozinho e mais triste que sozinho,
E me fiz, me desfiz em toda parte.

SONETOS BRANCOS (2)

Se sofri, se gozei, ninguém me aborda,
Que ninguém quer saber do amor alheio,
Nem do sabor dos beijos que, não dados,
Foram belas fatias noutros beijos.

O que vale é o desejo mais intenso,
Ou a paixão invisível que nos cega.
Que o mundo diga: “amigo, tu és tolo”,

Ninguém quer ter a morte sem peleja.
Das faltas, a lembrança viva e forte,
De vez em quando, rompe meus lençóis,

De verdade ou na pura indiferença.
Tantas vezes no sonho é que se vive,
Inventa e reinventa o ser feliz,
Mesmo depois de estarmos acordados.

SONETOS BRANCOS (3)

Branco é o linho e branca é a pureza,
E se eu sou branco, as cores não me atingem,
Negra, amarela, verde… No meu baile,
Todas dançam com a mesma sutileza.

Por dançar mal, conheço, sou levado,
No vai-e-vem das buscas atrasadas.
Quantas vezes não minto, contrariando,
Porque, no descansar, o gozo é ver-se!

Nada melhor que um riso feiticeiro,
Mesmo sem ter certeza pra onde vai…
Que alegria a pesar-lhe na cabeça!

Melhor nem pensar nisto e antegozar
O céu do amor num leito quente e fofo
Pondo alvorada em seus amanheceres.

Fonte:
O Autor

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Alfredo Santos Mendes (Livro de Sonetos) II


HALLOWEEN

É noite de Halloween, o medo impera.
Há muita bruxa à solta em cada esquina.
No seu modo ancestral, fica à bolina.
Seu rosto de menina esconde a fera!

Tendo a presa na mão, tudo se altera…
Deixa cair seus ares de menina.
Se metamorfoseia de felina…
E aos poucos nosso corpo dilacera!

O meu, foi sendo aos poucos desmembrado.
Meu coração ficara aprisionado,
Àquela feiticeira alucinada!

Passado o Halloween fui surpreso.
Aquela bruxa má, à qual fui preso,
Era a mais deslumbrante e linda fada!

HERESIA

Talvez minha garganta revoltada.
Espinhosa ficasse, e enrouquecesse.
Ou para meu castigo enlouquecesse,
Por a manter tão muda, tão calada!

Quero falar, a voz sai embargada,
Como se algum mal eu lhe fizesse.
Eu juro que não fiz, e isso acontece.
Minhas cordas vocais fiquem paradas!

Eu preciso gritar minha revolta,
Engolir todo o mal que não tem volta,
E na glote se encontra aprisionado!

Eu quero ler a minha poesia.
Limpar do meu passado, a heresia,
Engolir as tristezas do meu fado!

   IGUALDADE

Indiferente ao credo à própria raça,
O ser humano nasce, modo igual.
A sua formação conceptual,
É dádiva de Deus, divina graça!

Não traz no nascimento uma mordaça.
Um sórdido ferrete, ou um sinal!
É apenas um ser, e tal e qual,
Igual a qualquer ser que nos enlaça!

O seu direito à vida, ao mundo, enfim!
Ao colo maternal, ao frenesim,
É ganho mal acaba de nascer!

E toda a dignidade adquirida,
Só deverá um dia ser perdida…
No dia em que seu corpo fenecer!

MADRE TERESA DE CALCUTÁ

Partiste para junto do Senhor,
Após Tê-lo servido humildemente.
Fizeste uma vida de indigente!
Teu património era: muito amor!

Do amargo, conheceste o mau sabor.
O sofrimento atroz de tanta gente.
Nunca viraste o rosto a um doente,
Enquanto não sanasses sua dor!

E ficou Calcutá, inda mais pobre,
Perdeu a sua filha! A mais nobre:
Na virtude, no amor e na grandeza!

Ficou uma lacuna neste mundo!
Aquele amor que davas, tão profundo…
Ninguém esquecerá, MADRE TERESA!

MÁSCARA

Por que se escondem vós, forças do mal?
Abandonai de vez vosso covil!
Por que escondeis o vosso rosto vil,
atrás de um rosto puro, angelical?

Já chega de prosápia assaz banal,
de tanto fingimento, vão, servil!
Há muito conhecemos vosso ardil,
p’ra  tudo conseguirem no final!

Pois mal se apanham donos do poder…
Só querem seus discursos esquecer,
e não cumprir promessas propaladas!

E enquanto o Zé povinho vai sofrendo,
vós, tubarões, os bolsos vão enchendo,
sem nenhum preconceito, às descaradas!

MÚSICA DIVINA

É música divina o chilrear,
De uma ave que voa, solta ao vento!
É música divina, doce alento…
Se alguém nos diz baixinho: eu vou te amar!

É música divina o sussurrar,
Que o mar provoca em cada movimento.
Divina melodia, o açoitamento;
Que a onda nos difunde, ao se espraiar!

É música divina, quando o amor,
É cântico divino, sedutor;
Lembrando Pierrot e Columbina!

Até o próprio vento em noite escura,
Sibilando estridente na lonjura…
Nada mais é, que música divina!

O DILEMA

A concepção da vida, é um poema…
Que se compõe, sem nunca se escrever!
É um bailado a dois, que irá fazer,
Um musical de amor…um sonho…um tema!

Um tema transformado num dilema,
Que terão de enfrentar, de resolver!
Mais uma personagem vai haver,
Há que pôr no guião, mais uma cena!

Um corpo de mulher em movimento.
Um cântico de amor. Um nascimento.
Actores desempenhando um novo lema!

Vai ter mais um compasso, a melodia.
Vai ter mais uma estrofe, a poesia.
Mas tem final feliz, este dilema!

O EMBRIÃO

Mãe! Por que não me deixas ver teu mundo?
Por que acabas assim com minha vida?
Por que será que estás tão decidida,
a praticar tal acto tão imundo!

Mãe! Eu não sou um ser nauseabundo!
Não sou uma doença contraída!
Faço parte de ti, fui concebida!
Sou vida no teu útero fecundo!

Não queiras destruir-me por favor!
Não transformes em ódio, aquele amor,
do momento da minha concepção!

Eu sei que não pensavas conceber…
Mas, por favor mãe, deixa-me nascer,
eu sou um ser humano em formação!

O MEU DIÁRIO

Peguei no meu diário envelhecido,
um velho confidente meu amigo!
Que eu fiz das suas folhas meu abrigo…
Meu fiel conselheiro enternecido!

No diário se encontra redigido:
O meu sentir. A dor que não mitigo,
que vive aboletada e não consigo,
retirar do meu peito tão sofrido!

Suas capas afago com amor!
Elimino alguns fungos de bolor,
que o tempo e a idade provocaram!

Há manchas; caracteres indefinidos!
São sinais indeléveis produzidos,
p’las lágrimas, que os olhos derramaram!

O PALCO DA VIDA

Peguei no meu viver, pus nos dois pratos…
Da balança que pesa a minha vida.
Ficou a baloiçar, enlouquecida,
Perante a imensidão de tantos factos!

Desesperei. Quis ver quais os relatos,
Que a deixaram assim, enfurecida!
Teria ela ficado ressentida…
P’lo turbilhão perverso, dos meus actos?

Eu fui mais um actor que desfilou!
Que fez o seu papel, representou!
Que foi palhaço. Herói. E foi guerreiro!

Se errei alguma vez no meu percurso.
Por certo não havia outro recurso,
Terão de condenar, o mundo inteiro!

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro. Portal CEN 

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Alfredo Santos Mendes (Livro de Sonetos)

PLAGIADORES

Há poetas que sabem enganar.
Pois nasceram eternos fingidores!
E fingem serem grandes escritores,
Mas palavras de outros, vão buscar!

Já dissera Pessoa, a versejar:
Que chegava a fingir que suas dores,
Das quais ia sentindo seus horrores,
Eram dores, que fingia acreditar!

Por isso muita gente anda a fingir,
Que escreve nos poemas seu sentir,
E orgulhoso os lê, à descarada!

O seu fingir é forte, tem poder!
Que consegue a si próprio fazer crer,
Que não é poesia plagiada!

A MEIA LARANJA

Senti meu coração alvoraçado,
Bater desordenado no meu peito.
Impávido fiquei! Fiquei sem jeito!
Que raio o pôs assim em tal estado?

Olhei em meu redor, desconfiado.
Senti-me desolado, contrafeito!
Por não compreender, a causa efeito,
Que o pusera a bater descontrolado!

Tive depois, a estranha sensação.
Que me tinham aberto o coração,
E dentro dele, alguém se aboletava!

Aos poucos o meu ser se aquietou.
Pois percebeu, que o ser, que se alojou…
Era a meia laranja que faltava!

ADEUS JUVENTUDE

Depois da juventude ultrapassada,
a vida passa a ter outro sentido.
E todo o aprendizado adquirido,
Será o nosso guia de jornada!

Teremos pela frente, tudo ou nada.
Qual deles será de nós, o nosso adido?
Será que ficaremos no olvido?
Nossa porta estará sempre fechada?

Há que sorrir em cada despertar.
E nunca esquecer de comentar:
que há mais um dia todas as manhãs!

E quando já passados muitos anos,
não devemos chorar os desenganos,
mas olhar com orgulho nossas cãs!

AGRADECIMENTO

Eu agradeço a Deus tanta ventura,
que orna a minha vida, o meu caminho!
Não deixar que em meus pés, um só espinho,
os façam fraquejar pela tortura!

Enfeitar os meus dias, de ternura,
rechear minhas horas de carinho!
Nunca deixar, que ficasse sozinho,
em triste solidão, torpe amargura!

Obrigado meu Deus, pelos amigos,
que me abraçam, me livram dos perigos,
e que por Ti, estão ao meu dispor!

A todos que me dão tanta amizade,
eu desejo a maior felicidade,
muitas graças de Deus, e muito amor!

AMAR O PRÓXIMO

Amar sem condição, amar somente!
Abrir o coração ao semelhante.
Fazer do nosso amor, uma constante,
E nas horas amargas, ‘star presente!

Amar sem condição, devotamente.
Amar só por amar, ser tolerante.
Com o próximo, não ser arrogante,
P’ra com seus impropérios, indulgente!

Tratemos toda a gente tal e qual.
Com a mesma ternura, e modo igual,
Como gostamos nós de ser tratados!

Se estendermos a todos nossas mãos!
E fizermos vivência como irmãos!
Por certo nós seremos mais amados!

CANÇÃO NAVEGANTE

Compus uma canção, lancei ao mar!
Pedi-lhe humildemente que a levasse!
E em caso de procela a amparasse,
Para nenhuma estrofe se afundar!

Às estrelas pedi para a guiar,
Ao luar que o seu rumo iluminasse.
A Neptuno roguei, que não deixasse,
De a um porto seguro a acompanhar!

Eu sei que alguém espera esta canção.
Terá seu peito arfando de emoção,
P’ra ouvir a melodia, e seu cantar!

Meus versos, um a um recolherá!
Seu peito generoso se abrirá,
Para nele a canção se aboletar!

CORAÇÃO AMANTE

Fui fazer um electrocardiograma.
Quis o meu coração compreender!
Saber se ele alterou o seu bater,
Quando se apercebeu quanto te ama!

Teria lá ficado a dita chama,
A crepitar no peito, sem se ver,
E ficará teimosamente arder…
Numa severidade desumana?

As agulhas da máquina vibraram.
Nas folhas de papel elas deixaram,
Um tracejado torto, transversal!

Diz o cardiologista, meio sem jeito:
Você tem a pular dentro do peito.
Um coração amante sem igual!

DEUS QUEIRA

Ficar sem ti, amor, será meu fim.
Não irei suportar tua partida.
És um órgão vital na minha vida…
És um gene que faz parte de mim!

És parte do meu corpo…tu és, enfim,
A fonte alimentar mais requerida.
Não podes fraquejar, sê aguerrida…
Não aceites a morte e o seu afim!

Não permitas que ceifem teu viver.
Minha vida darei para te ter,
Sempre juntinha a mim, à minha beira!

Mas se eu te vir partir para o além,
Mais nada neste mundo me detém,
Breve irei ter contigo, assim Deus queira

DIREITOS HUMANOS

Cortaram meu cordão umbilical!
Fiquei um ser liberto nesse dia!
Foi como receber a alforria…
O ter deixado o ventre maternal!

A vida não seria mais igual!
O conforto uterino acabaria!
Seria mais um ser que enfrentaria…
A crueza de um mundo desigual!

Iria ser exposto à crueldade!
Teria de enfrentar a sociedade,
Aonde proliferam seres ufanos!

Teria no futuro, de gritar:
A todo aquele que gosta de humilhar.
Senhor, respeite os direitos humanos!

  FLOR SEM PECADO

Queria ser teu par, na dança ardente.
Ser chama que desperta tua alma.
Serpentear teu corpo em doce calma,
E beijar tua boca, avidamente!

Quero ouvir-te dizer em voz plangente:
Devora meus desejos, me acalma.
Aperta-me em teus braços, me espalma…
Seremos sintonia eloquente!

Eu ficarei braseiro nos teus braços.
Resistirei a todos os cansaços,
Em apagar o fogo que te envolve!

Teu corpo junto ao meu, jamais se inflama.
Não vai haver por certo alguma chama,
Pois teu beijo de amor, tudo resolve!

FRENESI

Semicerrei os olhos p’ra não ver,
A luz que teu olhar irradiava.
Eu receei o brilho que emanava,
E o frenesi que via, transparecer!

Teu corpo sedutor me fez tremer,
Pois tua formosura me ofuscava.
O teu porte de deusa dominava…
Ali fiquei refém do teu poder!

Miríades de estrelas te envolviam.
Meus lacrimantes olhos não te viam…
Perante o esplendor do teu olhar!

Cerrei de novo os olhos p’ra não ver!
Chorei por teu amor não poder ter,
Ceguinho por amor irei ficar!

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro. Portal CEN 

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Vinicius de Moraes (Soneto do Amigo)

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17 de julho de 2013 · 13:19

Raquel Ordones (Saudade é o que fica)

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16 de julho de 2013 · 13:30

Olegário Mariano (Cristais Poéticos)

O ENAMORADO DAS ROSAS

Toda manhã, ao sol, cabelo ao vento,
Ouvindo a água da fonte que murmura,
Rego as minhas roseiras com ternura,
Que água lhes dando, dou-lhes força e alento.

Cada um tem um suave movimento
Quando a chamar minha atenção procura
E mal desabrochada na espessura,
Manda-me um gesto de agradecimento.

Se cultivei amores às mancheias,
Culpa não cabe às minhas mãos piedosas
Que eles passassem para mãos alheias.

Hoje, esquecendo ingratidões mesquinhas,
Alimento a ilusão de que essas rosas,
Ao menos essas rosas, sejam minhas.

      A VELHA MANGUEIRA

No pátio da senzala que a corrida
Do tempo mau de assombrações povoa,
Uma velha mangueira, comovida,
Deita no chão maldito a sombra boa.

Tinir de ferros, música dorida,
Vago maracatu no espaço ecoa…
Ela, presa às raízes, toda a vida,
Seu cativeiro, em flores, abençoa…

Rondam na noite espectros infelizes
Que lhe atiram, dos galhos às raízes,
Em blasfêmias de dor, golpes violentos.

E, quando os ventos rugem nos espaços,
Os seus galhos se torcem como braços
De escravos vergastados pelos ventos.

ARCO-ÍRIS

Choveu tanto esta tarde
Que as árvores estão pingando de contentes.
As crianças pobres, em grande alarde,
Molham os pés nas poças reluzentes.

A alegria da luz ainda não veio toda.
Mas há raios de sol brincando nos rosais.
As crianças cantam fazendo roda,
Fazendo roda como os tangarás:

“Chuva com sol!
Casa a raposa com o rouxinol.”
De repente, no céu desfraldado em bandeira,

Quase ao alcance da nossa mão,
O Arco-da-Velha abre na tarde brasileira
A cauda em sete cores, de pavão.

CASTELOS NA AREIA

— Que iluminura é aquela, fugidia,
Que o poente à beira-mar beija e incendeia?
— É apenas a criação da fantasia: —
São castelos na areia.

Andam, tontas de sol, brincando as crianças
Como abelhas que voaram da colmeia.
Erguem torreões fictícios de esperanças…
São castelos na areia.

Ao canto de um jardim adormecido:
“Por que não crês no afeto que me enleia?
E as palavras que eu disse ao teu ouvido?”
— São castelos na areia.

E o tempo vai tecendo, da desgraça,
Na roca do destino, a eterna teia.
— “E os beijos que trocamos?” — Tudo passa,
São castelos na areia.

Coração! Por que bates com ansiedade?
Que dor é a grande dor que te golpeia?
Ouve as palavras da Fatalidade:
Ventura, Amor, Sonho, Felicidade,
São castelos na areia.

CIGARRA

Figurinha de outono!
Teu vulto é leve, é sensitivo,
Um misto de andorinha e bogari.
Num triste acento de abandono,
A tua voz lembra o motivo
De uma canção que um dia ouvi.

 Quando te expões ao sol, o sol te impele
Para o rumor, para o bulício e tu, sorrindo,
Vibras como uma corda de guitarra…
É que o sol, quando queima a tua pele,
Dá-te o grande desejo boêmio e lindo
De ser flor, de ser pássaro ou cigarra

Cigarra cor de mel. Extraordinária!
Cigarra! Quem me dera
Que eu fosse um velho cedro adusto e bronco,
E tu, nessa alegria tumultuária,
Viesses pousar sobre o meu tronco
Ainda tonta do sol da primavera.

 Terias glórias vegetais sendo vivente.
Mas um dia de lívidos palores,
Tu, cigarra, que vieste não sei donde,

Morrerias de fome lentamente
No teu leito de liquens e de flores
No aconchego sutil da minha fronde.

 E eu, na dor de perder-te, no abandono,
Sem ter roubado dessa mocidade,
Do teu corpo de flor um perfume sequer,
Morreria de tédio e de saudade…
Figurinha de Outono!
Cigarra que o destino fez mulher!

DE PAPO PRO Á

I

Não quero outra vida
Pescando no rio
De jereré
Tenho peixe bom…
Tem siri-patola
De dá com o pé

Quando no terreiro
Faz noite de luá
E vem a saudade
Me atormentá
Eu me vingo dela
Tocando viola
De papo pro á

II

Se compro na feira
Feijão rapadura
Pra que trabaiá
Eu gosto do rancho
O home não deve
Se amofiná
Estribilho

DO MEU TEMPO…

Quando eu era menino e tinha cheia
A alma de sonhos bons e, fugidio,
Como a abelha que voa da colmeia,
Andava a errar do canavial bravio;

Quando em noites de junho o luar macio
Punha um lençol de rendas sobre a areia,
Tiritava de medo ouvindo o pio
Da coruja mais lúgubre da aldeia.

Feliz! Bendita essa primeira idade!
Andava como quem anda sonhando
De olhos abertos, com a felicidade.

Dormia tarde e enquanto eu não dormia,
Mamãe rezava o padre-nosso e quando
Me mandava rezar, eu não sabia.

O MEU RETRATO

Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.

Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.

Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.

E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.

 O FLIRT

Retirei um breve instante
Das minhas cogitações,
Para falar-vos do Flirt,
A epidemia elegante
Dos salões.

 Nasce de um sorriso mudo,
De um quase nada que, enfim
Vale tudo
Para elas e para mim.

 O Flirt. Haverá no mundo
Quem não sinta essa embriaguez
De um momento, de um segundo,
De quinze dias, de um mês?

Ele é efêmero e fortuito,
Vale pouco ou vale muito,
Conforme o Diabo o compôs.
É um simples curto-circuito
Entre dois.

Uma carícia inflamável
Doidinha por incendiar,
Um micróbio insuportável
Que vai de olhar para olhar.

 Ou antes: um precipício
Que a gente olha sem pavor.
O divino instante, o início
Do êxtase imenso do amor.

 Um galanteio, uma frase
Intencional
Que sendo frívola, é quase
Um madrigal.

 A mão que outra mão afaga,
O pé que pisa outro pé.
Carícia lânguida e vaga…
Só quem ama e quem divaga
Pode saber o que isto é.

 A orquestra soluça um tango:
Dois. Ela folle, ele fou.
Flor de Tango. — A flor de Tango,
Diz ele baixinho, és tu.

 E assim vai num tal crescendo,
Que ela se debate em vão.
Parece que está morrendo
Nos braços do cidadão.

 Quando passa o áureo momento,
Vem a tragédia em três atos.
Três atos
Com um epílogo. Depois,
Um noivado, um casamento,
Um bruto arrependimento
E ao fim divórcio entre os dois.

Fonte:
Jornal de Poesia

Academia Brasileira de Letras

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Cláudia Dimer (Eu Quis Ver Deus)

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12 de maio de 2013 · 22:44

Cláudia Dimer (Não Serei Fim)

Fonte:
Facebook

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Luis Vaz de Camões (Caravela da Poesia XXVII)

Sonetos
(foi mantida a grafia original)

024

Está se a Primavera trasladando
em vossa vista deleitosa e honesta;
nas lindas faces, olhos, boca e testa,
boninas, lírios, rosas debuxando.

De sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta
que o monte, o campo, o rio e a floresta
se estão de vós, Senhora, namorando.

Se agora não quereis que quem vos ama
possa colher o fruito destas flores,
perderão toda a graça vossos olhos.

Porque pouco aproveita, linda Dama,
que semeasse Amor em vós amores,
se vossa condição produze abrolhos.

125

Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tê-lo dentro nesta alma só procuro.

De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.

A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, só para meu amor é sempre Maio.

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidão tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.

109

Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tão confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta: —Quando?
—Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado
que o passado, por ledo, estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta é mais que os erros?

111

Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tão doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
não valiam mil glórias um tormento.

Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhüa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.

Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tão contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:

em troco do qual bem só me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me à memória o bem passado.

065

O Ferido sem ter cura perecia
o forte e duro Télefo temido,
por aquele que n’água foi metido,
a quem ferro nenhum cortar podia.

Ao Apolíneo Oráculo pedia
conselho para ser restituído;
respondeu que tornasse a ser ferido
por quem o já ferira, e sararia.

Assi, Senhora, quer minha ventura
que, ferido de ver vos, claramente
com vos tornar a ver Amor me cura.

Mas é tão doce vossa fermosura,
que fico como hidrópico doente,
que co beber lhe cresce mor secura.

091

Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, não quereis:
tanto gosto levais de minha pena!

066

Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tão ilícito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.

Mas os olhos pintaram tão a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razão, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.

Ó Hipólito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que não sabia ter nenhum respeito:

em mim vingou o amor teu casto peito;
mas está desse agravo tão vingado,
que se arrepende já do que tem feito.

087

Foi já num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana üa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crê que há de durar!

Quem já se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razão tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
não o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranhará o costumado.

126

Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!

Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por não dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.

Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto, em cujo sentimento
a memória não faz senão matar-me ,

que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?

Fonte:
CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos. A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro . Texto-base digitalizado por: FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt) IBL – Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)
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Luis Vaz de Camões (Caravela da Poesia XXVI)

Sonetos
(foi mantida a grafia original)

082

Doces lembranças da passada glória,
que me tirou Fortuna roubadora,
deixai me repousar em paz ü’hora,
que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho n’alma larga história
deste passado bem que nunca fora;
ou fora, e não passara; mas já agora
em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, mouro d’esquecido,
de quem sempre devera ser lembrado,
se lhe lembrara estado tão contente.

Oh! quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera me lograr do bem passado,
se conhecer soubera o mal presente.

154
Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama à memória,
ficou por luz do tempo a larga história
dos feitos em que mais se assinalaram.

Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada üa tão notória,
vencera a menor delas a mor glória
que eles em tantos anos alcançaram.

A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vários caminhos,
estátuas levantando no seu Templo.

Vós, honra portuguesa e dos Coutinhos,
ilustre Dom João, com melhor nome
a vós encheis de glória e a nós de exemplo.

146

El vaso reluciente y cristalino,
de Ángeles agua clara y olorosa,
de blancas e da ornado y fresca rosa
ligado con cabellos de oro fino;

bien claro parecía el don divino
labrado por la mano artificiosa
de aquella blanca Ninfa, graciosa
más que el rubio lucero matutino.

Nel vaso vuestro cuerpo se afigura,
raxado de los blandos miembros bellos,
y en el agua vuestra ánima pura;

la seda es la blancura, e los cabellos
son las prisiones, y la ligadura
con que mi libertad fue asida dellos.

072

Em fermosa Leteia se confia,
por onde vaïdade tanta alcança,
que, tornada em soberba a confiança,
com os deuses celestes competia.

Porque não fosse avante esta ousadia
(que nascem muitos erros da tardança),
em efeito puseram a vingança,
que tamanha doudice merecia.

Mas Oleno, perdido por Leteia,
não lhe sofrendo Amor que suportasse
castigo duro tanta fermosura,

quis padecer em si a pena alheia;
mas, porque a morte Amor não apartasse,
ambos tornados são em pedra dura.

149

[À morte de D. António de Noronha]
Em flor vos arrancou, de então crecida
(Ah! senhor dom António!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.

üa só razão tenho conhecida
com que tamanha mágoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que não podíeis ter mais larga a vida.

Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.

E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mãos do fero Marte,
na memória das gentes vivereis.

085

Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor não quer cordeiros, nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.

Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
só por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu já’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.

124
Enquanto Febo os montes acendia
do Céu com luminosa claridade,
por evitar do ócio a castidade
na caça o tempo Délia despendia.

Vénus, que então de furto descendia,
por cativar de Anquises a vontade,
vendo Diana em tanta honestidade,
quase zombando dela, lhe dizia:

-Tu vás com tuas redes na espessura
os fugitivos cervos enredando,
mas as minhas enredam o sentido.

—Melhor é (respondia a deusa pura)
nas redes leves cervos ir tomando
que tomar-te a ti nelas teu marido.

001

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tão diversos,

verdades puras são, e não defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!

108

Erros meus, má fortuna, amor ardente
em minha perdição se conjuraram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava o amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
a grande dor das cousas que passaram,
que as magoadas iras me ensinaram
a nao querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
dei causa que a Fortuna castigasse
as minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse que fartasse
este meu duro génio de vinganças!

155
Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e não em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;

animo da cobiça baixa isento,
dino por isso só de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;

gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continência,
obra por certo rara de natura:

estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homérica eloquência,
jazem debaixo desta sepultura

014

Está o lascivo e doce passarinho
com o biquinho as penas ordenando;
o verso sem medida, alegre e brando,
espedindo no rústico raminho;

o cruel caçador (que do caminho
se vem calado e manso desviando)
na pronta vista a seta endireitando,
lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Dest’ arte o coração, que livre andava,
(posto que já de longe destinado)
onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,
para que me tomasse descuidado,
em vossos claros olhos escondido.

Fonte:
CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos. A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro . Texto-base digitalizado por: FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt) IBL – Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)
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Luis Vaz de Camões (Caravela da Poesia XXIII)

Sonetos
(foi mantida a grafia original)

051

Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influíam
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:

— Ditoso seja o dia e hora, quando
tão delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!

Assi cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tão ligeira que quase era invisível.

Converteu se me em noite o claro dia;
e, se algüa esperança me ficou,
será de maior mal, se for possível.

041

Aquela fera humana que enriquece
sua presuntuosa tirania
destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando crece;

Se nela o Céu mostrou (como parece)
quanto mostrar ao mundo pretendia,
porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte s’enobrece?

Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer me e cativar me:
fazei disto no mundo larga história.

Que, por mais que vos veja maltratar me,
já me fico logrando desta glória
de ver que tendes tanta de matar me.

098
Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por üa breve e súbita mudança,
contrária a sua honra e qualidade

(venceu à fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),

de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.

[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memória larga vida!

091

Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, não quereis:
tanto gosto levais de minha pena!

116

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farão? Quem mo diria?
Se porventura estarão em mim cuidando?

Se terão na memória, como ou quando
deles me vim tão longe de alegria?
Ou s’estarão aquele alegre dia
que torne a vê-los, n’alma figurando?

Se contarão as horas e os momentos?
Se acharão num momento muitos anos?
Se falarão co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausência, tão doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!

038

Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruto debuxando;

que, pois me emprestas doce e idóneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glória,

se não te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memória.

160

À sepultura de del-Rei dom João Terceiro
Quem jaz no grão sepulcro, que descreve
tão ilustres sinais no forte escudo?
– Ninguém; que nisso, enfim, se toma tudo
mas foi quem tudo pôde e tudo teve.

Foi Rei?- Fez tudo quanto a Rei se deve;
pôs na guerra e na paz devido estudo;
mas quão pesado foi ao Mouro rudo
tanto lhe seja agora a terra leve.

Alexandre será?- Ninguém se engane;
que sustentar, mais que adquirir se estima.
– Será Adriano, grão senhor do mundo?

Mais observante foi da Lei de cima.
– E Numa?- Numa, não; mas é Joane:
de Portugal terceiro, sem segundo.

096

Bem sei, Amor, que é certo o que receio;
mas tu, porque com isso mais te apuras,
de manhoso mo negas, e mo juras
no teu dourado arco; e eu to creio.

A mão tenho metida no teu seio,
e não vejo meus danos às escuras;
e tu contudo tanto me asseguras,
que me digo que minto, e que me enleio.

Não somente consinto neste engano,
mas inda to agradeço, e a mim me nego
tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh! poderoso mal a que me entrego!
Que, no meio do justo desengano,
me possa inda cegar um Moço cego!

003

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n’alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

120

Cá nesta Babilónia, donde mana
matéria a quanto mal o mundo cria;
cá onde o puro Amor não tem valia,
que a Mãe, que manda mais, tudo profana;

cá, onde o mal se afina, e o bem se dana,
e pode mais que a honra a tirania;
cá, onde a errada e cega Monarquia
cuida que um nome vão a desengana;

cá, neste labirinto, onde a nobreza
com esforço e saber pedindo vão
às portas da cobiça e da vileza;

cá neste escuro caos de confusão,
cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!

103

Cantando estava um dia bem seguro quando,
passando, Sílvio me dizia
(Sílvio, pastor antigo, que sabia
pelo canto das aves o futuro):

—Méris, quando quiser o fado escuro,
oprimir-te virão em um só dia
dous lobos; logo a voz e a melodia
te fugirão, e o som suave e puro.

Bem foi assi: porque um me degolou
quanto gado vacum pastava e tinha,
de que grandes soldadas esperava;

E outro por meu dano me matou
a cordeira gentil que eu tanto amava,
perpétua saudade da alma minha!

086

Cara minha inimiga, em cuja mão
pôs meus contentamentos a ventura,
faltou te a ti na terra sepultura,
porque me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
a tua peregrina fermosura;
mas, enquanto me a mim a vida dura,
sempre viva em minh’alma te acharão.

E se meus rudos versos podem tanto
que possam prometer te longa história
daquele amor tão puro e verdadeiro,

celebrada serás sempre em meu canto;
porque enquanto no mundo houver memória,
será minha escritura teu letreiro.

159

Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?

Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tão fermosos!

Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?

Mas o mundo não era dino dela,
por isso mais na terra não esteve;
ao Céu subiu, que já “se” lhe devia.

097

Com grandes esperanças já cantei,
com que os deuses no Olimpo conquistara;
depois vim a chorar porque cantara
e agora choro já porque chorei.

Se cuido nas passadas que já dei,
custa me esta lembrança só tão cara
que a dor de ver as mágoas que passara
tenho pola mor mágoa que passei.

Pois logo, se está claro que um tormento
dá causa que outro n’alma se acrescente,
já nunca posso ter contentamento.

Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?

Fonte:
CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos. A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro . Texto-base digitalizado por: FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt) IBL – Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)

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Ernâni Rosas (Sonetos Escolhidos)

SALOMÉ

Ó Bailarina, oh! mariposa inquieta!
Aljofrada da gema de uma tarde.
És nume, Salomé, ágil goleta…
dentre o incenso da sombra que oura e arde…

Espectro errante de um cometa absorto
após a bacanal “saturniana”!…
(onde os nardos têm ócio do “Mar-Morto”!)
e ergue-se a lua irial, sibariana…

Chovem do céu os raios da nova aurora
sobre seu corpo d’âmbar colmado
da via Láctea que su’alma olora…

Numa auréola de Luz e alegoria
Esvaindo-Te em Sonho musicado,
para a glória do “Mal” que a irradia…

HORA DA INSÔNIA
Noite sem termo! A Lua erra em delírio,
Balbucío palavras sem querer…
Cismo no olor vernal d’alma de um lírio,
E sou memória d’algo a transcender…

Sofro-lhe a ausência. A carne é meu martírio,
Ressurjo… Amo a visão do meu Não-Ser!
Todo meu corpo é amorfa névoa–círio…
Volúpia de um perfume a se perder.

Cismo na errante estrela, que deslumbra
O vaso de teu ser dentre o relento
Num murmúrio de fonte que ressumbra!

Sou o olfato! Amo as horas de um jardim…
Sou uma vaga sonora em pensamento:
Eflúvio lirial que vens a mim!…

 RIMAS À LUA:

Dorme em lascivo leito, reclinada…
Repontando de Astros e fogueiras,
Ateias a coivara prateada
Dos caminhos desertos, pegureira…

Lua! Da meia noite, solitária,
Urna errante p’la nave do infinito…
Cravas o lácteo incêndio funerária,
Às montanhas geladas de granito…

Peregrinando em tua marcha hiante
E exausta de fadiga em água amara
Buscas o mar, o oceano o teu amante…

Artista, cuja tela, ao ver-Te aclara!
N’esse sonambulismo inebriante…
Em suas vagas verdes Te enlaçara…

LÚCIFER

No espelho encantado do destino
Mais de uma vez me vi transfigurado:
As horas tinham timbre cristalino
E erravam opalizadas no passado…

Não me fato de olha-las, no mistério
Tênues e loiras como a corda flébil
Do violino outonal do poente aéreo,
Que amortece em lilás num corpo débil…

Não me farto de olhar, erro inconsciente…
O solo é de diamante e o espaço um astro…
Vivem mármores d’alma no poente!

Foge-me a luz e se antecipam as horas,
No lago azul há cisnes de alabastro,
E o espelho em que me vi é tudo auroras!…

PERDI-ME… TODA UMA ÂNSIA…

“Perdi-me… toda uma ânsia me revela
sombra de Luz em corpo de olor vago,
a saudade é um passado que cinzela
em presente, a legenda desse orago”.

“Errasse em densa noite de beleza,
pisasse incerto, um falso solo de umbra…
sonho-me Orfeu… o Luar, que me deslumbra…
é marulho de luz na profundeza!…”

Toda a alma do azul esvai-se em lua…
nimba-lhe a face um crepe de Elegia…
É alvor do dia numa rosa nua,

que as minhas mãos cruéis sonham colher…
mas ao tocar desfolha-se mais fria,
que a sombra de meus dedos a tremer…

O SONHO-INTERIOR

O Sonho-Interior que renasceste
era o Poema dum Lírio do Deserto,
o vinho de Outras-Almas que bebeste
fatalizou o meu destino incerto…

Depois por Ti em Sombras de degredo
encerrei a minha alma desolada,
tive a tua visão crepusculada
na Beleza fugaz do meu segredo…

Perdeu-se-me ao Sol-Pôr teu rastro amado!
qual Cipreste, no Poente agonizado, —
na demência autunal duma Alameda…

Velaram-se Sudários teus Espelhos…
ante o cerrar do teu Olhar de seda,
que era um descer de lua em cedros velhos

DEPOIS DE TE SONHAR…

Depois de Te sonhar Mistério ido
e .seguir-Te e ouvir-Te em Hora leda,
de vesti teu Ser a raios de Astro e Olvido,
de Antigüidade o teu perfil de Moeda.

Parei depois de haver corrido tanto
e amado e urdido Horas de Sonho-Asa?
constelada de azul fulgor de brasa
por Tardes enlaivadas de quebranto…

Sonho em Cristal teu corpo de Champagne?
mansa luz que morrendo sem alarde,
não há sol de crepúsculo, que a estranhe…

Acordas do teu Sono, para Mim!
nos meus olhos à sombra, para a Tarde…
por que surges em Sonhos num jardim?

NOITE DE VALPURGIS

Náufrago brigue do Éter e do Sonho,
Derramando um clarão tíbio e suicida…
O sol acena um áureo Adeus à Vida
E doura a imensa estrada ante-sonho!

Âmbito argivo em mármore de estranha
Visão de torres e cruzes brancas,
Onde passaram adejos de asas francas
Das aves, se o Luar neva à montanha…

Gotas nitentes pela luz douradas
São pérolas que um mar verteu um dia,
Junto às areias gris das alvoradas!

Exaurindo-se à Luz dentre a agonia,
Difunde-se qual tule em nuvem alada…
Para voar a tua fantasia!…

PENUMBRA DO LUAR

Noite de lua e noveiro, argente
Difunde-se o luar pela folhagem…
Com a mesma languidez vaga e dormente
Da chuva, quando cai sobre a ramagem…

Como a música ao longe e som dolente
Recorda todo esse abandono… E a aragem
Que passa, agita o olor suave e florente
Vindo das messes, da vernal paisagem…

E o luar cresce através de ermo arvoredo,
Noite chuvosa e triste a Lua ateia…
Fluida névoa de luz… Sonho… Segredo…

Ao ressurgir das coisas na saudade
Que o silêncio evocou… E à luz ondeia
Erra na morta e fria claridade…

SONETO

Vai alta a lua lírica e silente,
Toda paisagem em sonho se embebeu!
Narra a si-mesmo o eco, vagamente…
Paira a auréola da luz dentre os céus…

Parece madrugada! Um galo canta…
Uivam de tédio os cães, não chega o dia!
[pois] se o Luar turvou minha alegria…
E a noite toda de uma mágoa santa!

Outono! Vão-se as horas… E lacrimosa
É tão triste a vereda e a própria casa…
Traz saudades da vida religiosa!

Cada vez mais o luar neva e cintila…
Seixos em pranto à flux o areal abrasa,
E a água por ser ceguinha erra e vacila…

CREPÚSCULO

 Toda existência, é ocasional regresso…
Ali, a sombra do homem é grave e austera,
recai a tarde em cisma, à noute o espera
sossega a ceifa célere dos músculos…

É efêmero o viver do caminheiro
falsa visão do sonho p´la atmosfera
na demência da enxada do coveiro
que enterra as ruínas, mais as primaveras!…

Vida e ânsia vibrando num só verso
no transporte da serra ao éter puro,
é contato genial com o Universo…

Bruxuleia a minguar em céu escuro,
porque não crê, ficando submerso…
entre o oceano e o Nirvana do futuro!…

CONVALESCENTE

Convalesço dos males da Quimera
partindo sempre de um desejo rude,
a malograda sorte da galera
que aportar com delírio nunca pude…

Do amor, nada pretendo com veemência
pela vida misérrima que arrasto!
Eu sinto o frágil coração tão gasto
às futuras e rudes penitências…

Desconheço o rigor dessa ironia
Quando o sol tomba na água e eril centelha
sem n´a apagar em fulva alegoria…

Amo a noute, amo o espelho do Universo
nunca a chaga de um Deus que se avermelha
no sangue que palpita no meu verso!…

VISÃO

Agoirenta visão da luz gelada!
Que mistério possui tua Presença?
Quando desces à terra anuviada,
Vais a Jesus, a Deus pedir licença!…

E arrebatas as almas desgraçadas
às geenas do Mal, como sentença!
e a mim, me levarás pela alvorada
de tuas vestes lúgubres – e descrença!…

Louca hiena da fé bebes-me a vida,
na fria tentação do teu segredo!
no Tântalo falaz, como bebida…

Cerras-me os olhos, gelam-me teus dedos…
arrebatas-me o corpo a vão degredo
num só beijo de morte apetecida!…

A MORTE

 Sou dos ventres a lúbrica bacante,
a pantera em meus ócios de veludo:
fascino os corações, que enervante,
no languir dos aromas, sobretudo…

Serei do teu Amor, homem, o quebranto,
talvez, a morte em minha garra adunca,
sou bizarra no amor, não vejo nunca:
o que possa na dor causar espanto!

Venho meu corpo à alambra do oriente,
Lascivo riso exóticos perfumes…
Encarno a mancenilha em forma ingente!

Sou a sombra do Amor luxuriante.,
Inebrio as cabeças dos amantes…
Nunca amei, nem de mim não tive ciúmes!

Fontes:
Apostila 7 de Simbolismo – Literatura Brasileira, in http://www.jayrus.art.br
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/ernani_rosas.html

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Luis Vaz de Camões (Caravela da Poesia XXII)

Sonetos

136
A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me está (se não te vejo) magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.

114

Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.

Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então nü’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.

Ah! quanto milhor fora não vos ver,
gostos, que assi passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:

sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.

101

Ah! minha Dinamene! Assi deixaste
quem não deixara nunca de querer-te?
Ah! Ninfa! Já não posso ver-te,
tão asinha esta vida desprezaste!

Como já para sempre te apartaste
de quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te,
que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura morte
me deixou, que tão cedo o negro manto
em teus olhos deitado consentiste!

Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!
Que pena sentirei, que valha tanto,
que inda tenho por pouco o viver triste?

013

Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frescas águas de cristal,
que em vós os debuxais ao natural,
discorrendo da altura dos rochedos;

Silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual,
sabei que, sem licença de meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,
não me alegrem verduras deleitosas,
nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
regando-vos com lágrimas saudosas,
e nascerão saudades de meu bem.

080

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer te
algüa causa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver te,
quão cedo de meus olhos te levou.

083

Amor, co’a esperança já perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.

Que queres mais de mim, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de forçar me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.

Vês aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:

nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda não estás de mim vingado,
contenta te com as lágrimas que choro.

005

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

042

Amor, que o gesto humano n’alma escreve,
vivas faíscas me mostrou um dia,
donde um puro cristal se derretia
por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
por se certificar do que ali via,
foi convertida em fonte, que fazia
a dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor que brandura de vontade
causa o primeiro efeito; o pensamento
endoudece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera num momento,
de lágrimas de honesta piedade
lágrimas de imortal contentamento.

058

A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contr’ ele espada fera,
e co’ Tempo, que tudo desbarata.

Duas contrárias, que üa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
üa é Razão contra a Fortuna austera,
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.

Mas mostre a sua imperial potência
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;

porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da Ausência,
do Tempo, da Razão e da Fortuna.

068

Apartava se Nise de Montano,
em cuja alma partindo se ficava;
que o pastor na memória a debuxava,
por poder sustentar se deste engano.

Pelas praias do Índico Oceano
sobre o curvo cajado s’encostava,
e os olhos pelas águas alongava,
que pouco se doíam de seu dano.

Pois com tamanha mágoa e saudade
(dezia) quis deixar me a que eu adoro,
por testemunhas tomo Céu e estrelas.

Mas se em vós, ondas, mora piedade,
levai também as lágrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!

Fontes:

  • CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos. A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro . Texto-base digitalizado por: FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt) IBL – Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)
  • Imagem formatada com imagem obtida na internet, sem identificação do autor.

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Alberto Figueiredo Pimentel (Desânimo)

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12 de março de 2013 · 16:32

Elisa Barreto (Sonetos Escolhidos)

Fonte: Libreria Fogola Pisa
“VELHAS FOTOGRAFIAS”

Velhas fotografias, amarelas,
lembram vidas da vida que passou.
São guardiãs fiéis, são sentinelas,
que a arte no papel eternizou.

Guardam características singelas
de épocas que a evolução tragou.
Na estrutura da vida são janelas
que o palácio do tempo conservou.

Olham-me da parede, penduradas,
como a indagar-me, muito admiradas,
por que eu as fito tão frequentemente . . .

È que as fotografias tomam vida
e a alma de alguém, quando nos foi querida,
nelas palpita misteriosamente.

“OS TEUS OLHOS NEGROS”

Teus olhos de grafite são pequenos
mas nele cabe em plena intensidade
todo o matiz suave, os tons amenos
do colorido espelho da saudade.

São plácidos, tranquilos e serenos
e emitem tanta luminosidade
que me fazem pensar: são dois acenos
para a luz imortal da eternidade.

Bendigo nos teus olhos minha vida
por me dar a ventura indescritível
de sentir a beleza em toda a essência

e louvar, num soneto, comovida,
o êxtase que torna imperecível
a sublimada glória da existência.

“COLIBRI”

Por entre margaridas e agapantos
e hortênsias e junquilhos rosa-amor.
ligeiro, mas sereno e sem espantos,
voeja o colibri de flor em flor.

Nas asas tem feitiços, tem quebrantos;
em vários tons de azul esplende a cor
e vai, beijando dálias e rodantos,
sem mágoas, sem tristezas e sem dor.

Que ave delicada e pegureira!
Tão lépida a voar na claridade
do éter que se evola da Natura,

é a doce precursora, a mensageira
de tudo o que traduz felicidade
e indica o Paraíso à criatura!
–––––––

Elisa nasceu na cidade de Santos, Estado de São Paulo. Jornalista, poeta.
Homenagens:
“Concurso Internacional de Poesia”,
Academia Teresopolitana de Letras;
Troféu “Colombina”
e Taça “Bernardo Pedroso”, Casa do Poeta de São Paulo .

Livros:
Turbilhão de Emoções, 1961; Catedral de Lágrimas, 1964;
Pequena Antologia, 1965; Outros Poemas,1969 .

Fonte:
http://cantoepalavras.blogspot.com.br/2009/06/072-os-eternos-momentos-de-poetas-e.html

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 21

Edgard Rezende
Sem indicações biográficas.

” ÊXTASE “

Se eu pudesse falar, eu te diria
entre outras coisas, que te adoro tanto,
que são teus olhos todo o meu encanto,
a beleza, o clarão do próprio dia;

que és no meu céu a nuvem de alegria
a força animadora do meu canto,
a luz que as minhas noites alumia,
o lenço que me enxuga o eterno pranto !

Se eu pudesse falar (vencido o medo
e, certo, nos teus olhos de veludo
lendo que para tal não era cedo)

muito mais te diria, talvez tudo:
– se não me transformasse num rochedo,
– se te fitando eu não ficasse mudo…
===========

Edison Moreira
(Édison Crisóstomo Moreira)
(São Francisco da Glória/MG, 1919)

” SONETO I “

Chega-me, às vezes, o pressentimento
de que em função de algum encontro existo,
e é para mim o encontro já previsto,
mais que um encontro: um reconhecimento.

Do promontório de mim mesmo assisto
na madrugada de outro nascimento,
aproximar-se alguém que reconquisto
pelo infinito mar do esquecimento

Eu venho pressentindo de era em era
que esse alguém que me busca e em cuja espera
a vida de meu ser se concentrou,

será na doce condição de esposa,
o retorno feliz de alguma cousa
que há milênios de mim se separou.

” SONETO II “

Bem sei que existes – rosa prometida
que na existência me completará.
Não prolongues a espera aborrecida,
se um dia tens de vir, que venhas já.

Na poesia, no luar, na luz, na vida;
no azul do céu, n’água do mar – sei lá! –  
aonde mais te busquei, desconhecida,
que a noite densa me iluminará..

Por que não vens? Meu coração te espera,
tenho sede de amor e de carinho  
e já partiu de novo a primavera.

Entra bem de mansinho à minha porta,
antes que meu amor pelo caminho
tombe esquecido como folha morta.

” SONETO IX “

O amor, quando tocado de amargura,
pela ausência do clima que o comporte,
desce ao fundo do ser e lá perdura
adormecido – mas intenso e forte.

Fecha em si tal reserva de ternura,
tal poder de renúncia, de tal sorte
que ao se evadir da vida que o enclausura
se expande, às vezes, para além da morte.

Malgrado a sua própria contingência
e a areia movediça da alma humana,
nos escuros subsolos da consciência

– como um veio sonoro e transparente,
ele – através do tempo – corre, mana
tranqüilo e oculto – mas eternamente…
================

Edson Pinheiro
Sem Dados Biográficos

” SONETO “
(composto com versos de 14 sonetos de Olavo Bilac)

Tinhas o coração ermo e fechado:
a teus pés como pássaro ferido,
passo a passo a seguir teu vulto amado,
assim por largo tempo andei perdido.

Hermann que cisma, pálido, embebido,
buscando a extinta chama do passado,
hoje quero em teus braços acolhido,
ter nos braços teu corpo delicado.

Inda hoje, o livro do passado abrindo,
aqui demore o olhar, vendo e medindo
o ermo de um bosque tenebroso e frio;

piedoso céu, que a minha dor sentiste!
Meu coração que palpitava triste
possa dormir sereno como o rio…
===============

Eduardo Nazareno
(Eduardo Pedro Nazareno de Souza)
(Niterói/RJ, 1880 )

” ASPIRAÇÃO “

Possa um dia cantar o teu passado,
como cantei, outrora, o teu futuro;
ver-te sempre através daquele puro
prisma por que te via no noivado.

Se pela vida incerta eu me aventuro
com ar assim tranqüilo e confiado,
é que por este excelso amor levado,
sinto o caminho agora mais seguro.

Esperanças me impelem para a frente,
ambições me conduzem na torrente,
por mim desfilam mágicas visões.

Mas tu ficas em todas as mudanças:
és a maior das minhas esperanças
é a mais pura das minhas ambições.
================

Elmo Elton
(Vitória/ES, 15 fevereiro 1925 – 24 janeiro 1988)

” VOSSAS MÃOS “

   Vossas mãos de alabastro, ágeis e puras,
são para mim objetos de respeito:
– delas, em prece, todo bem que aceito
concede á minha vida mais venturas.

Vossas mãos, – delicadas esculturas,
em nada mostram o menor defeito,
e, unidas, lembram um jasmim perfeito
sempre cheio de aromas e canduras…

Vendo-as assim, tão leves como um sonho,
temo beijá-las, pois até suponho
ser um crime cruel, – e sem perdão

macular, com a volúpia de meu beijo,
umas sagradas mãos que apenas vejo
voltadas para Deus, em oração…
==================

Elóra Possolo
(Rio de Janeiro,1905)

” PARASSE O TEMPO “

Parasse o tempo, as horas! Não andasse
o sol! E não houvesse oriente, poente.
E não morresse a flor que feliz nasce
e abre a corola ao dia, alegremente.

Não seguisse o seu curso, estacionasse
o rio. Fosse tudo permanente.
Parasse a terra! E sempre a mesma face
oferecesse ao sol, eternamente.

Parasse a vida, mas parasse agora
neste momento, em que – divina aurora –
o teu viril desejo impera e quer,

e em que eu, pequena coisa tremulante,
a este teu beijo sôfrego de amante
meu frágil corpo, entrego, de mulher!
=====================

Emilio Kemp
(Niterói/RJ, 9 outubro 1874 – Porto Alegre, 9 outubro 1955)

” ROMPIMENTO “

Já que é preciso haver um rompimento
acabe o nosso amor, acabe tudo…
E eu, perturbado, inconsolável, mudo,
retorne à solidão e ao sofrimento.

De mim não ouvirás nem um lamento
pois de sofrer, meu peito ficou mudo.
Nem um gemido, nem um ai! Contudo
te seguirá meu triste pensamento…

Que desgraçado que me vejo agora!
Quem me ampara? Quem esta mágoa sabe
acalmar? Quem me cura esta ferida?

Para teu próprio alívio, – ó alma, chora!
E assim, por entre lágrimas, acabe
o romance melhor da minha vida!
================

Enedina Chiesa Beltrame
(Santa Maria/RS, 19 maio 1922)

” CONFISSÃO “

Amo-te! Que bem que esta sinceridade me faz!
Poder dizer-te assim, que te amo!
Com que ternura penso sempre em ti,
com quanto amor o teu amor reclamo!

Vejo-te sempre! Estás no meu café, nos discos
que ouço, estás em toda parte onde estou
– tudo me fala de ti, tudo ao redor
de mim me faz lembrar-te!

O sol queima-me as faces – são teus beijos
que eu sinto, são teus braços, são teus olhos,
– me envolvem transbordantes de desejos!

Amo-te! Com violência e embriaguez,
com carinho, com ciúme, com volúpia,
amo-te, como se ama uma só vez!

” FEITIÇO “

O que me prende a ti é um sortilégio
um feitiço cruel que me atormenta,
é fragor de tambores que me excita,
é canção de ninar que me acalenta.

É uma força inaudita e poderosa
que me arrasta sem tréguas aos teus braço,
e transforma teu ser no paraíso
para onde convergem os meus passos.

Nem que eu queira esquecer-te, nem que eu queira
deixar de te querer, são para ti
as ilusões da minha vida inteira . . .

Hei de te amar, até quedar exangue,
de tal maneira estás na minha carne,
de tal maneira vives no meu sangue!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Claudia Dimer (A Morte da Natureza)

Imagem formatada obtida no facebook da poetisa

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Raquel Ordones (Outros Oceanos)

Imagem com soneto obtido no facebook da autora

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Gregório de Matos (Sonetos Dispersos)

SONETO I

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco c’os demais, que só, sisudo.

SONETO II

(A uma dama dormindo junto a uma fonte.)

À margem de uma fonte, que corria,
Lira doce dos pássaros cantores
A bela ocasião das minhas dores
Dormindo estava ao despertar do dia.

Mas como dorme Sílvia, não vestia
O céu seus horizontes de mil cores;
Dominava o silêncio entre as flores,
Calava o mar, e rio não se ouvia,

Não dão o parabém à nova Aurora
Flores canoras, pássaros fragrantes,
Nem seu âmbar respira a rica Flora.

Porém abrindo Sílvia os dois diamantes,
Tudo a Sílvia festeja, tudo adora
Aves cheirosas, flores ressonantes.

SONETO III

(Descreve um horroroso dia de trovões)
                    Na confusão do mais horrendo dia,
                    Painel da noite em tempestade brava,
                    O fogo com o ar se embaraçava
                    Da terra e água o ser se confundia.

                    Bramava o mar, o vento embravecia
                    Em noite o dia enfim se equivocava,
                    E com estrondo horrível, que assombrava,
                    A terra se abalava e estremecia.

                    Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
                    Cá desde o centro aos altos obeliscos
                    Houve temor nas nuvens, e penedos.

                    Pois dava o Céu ameaçando riscos
                    Com assombros, com pasmos, e com medos
                    Relâmpagos, trovões, raios, coriscos

SONETO IV

(Continua o poeta em louvor a soledade vituperando a corte)

                    Ditoso aquele, e bem-aventurado,
                    Que longe, e apartado das demandas,
                    Não vê nos tribunais as apelandas
                    Que à vida dão fastio, e dão enfado.

                    Ditoso, quem povoa o despovoado,
                    E dormindo o seu sono entre as holandas
                    Acorda ao doce som, e às vozes brandas
                    Do tenro passarinho enamorado.

                    Se estando eu lá na Corte tão seguro
                    Do néscio impertinente, que porfia,
                    A deixei por um mal, que era futuro;

                    Como estaria vendo na Bahia,
                    Que das Cortes do mundo é vil monturo,
                    O roubo, a injustiça, a tirania?

SONETO V

(Conselhos a qualquer tolo para parecer fidalgo, rico e discreto)

                    Bote a sua casaca de veludo,
                    E seja capitão sequer dois dias,   
                    Converse à porta de Domingos Dias,   
                    Que pega fidalguia mais que tudo.   

                    Seja um magano, um pícaro, um cornudo,
                    Vá a palácio, e após das cortesias   
                    Perca quanto ganhar nas mercancias,
                    E em que perca o alheio, esteja mudo.   

                    Sempre se ande na caça e montaria,   
                    Dê nova solução, novo epíteto,   
                    E diga-o, sem propósito, à porfia;   

                    Quem em dizendo: “facção, pretexto, efecto”.
                    Será no entendimento da Bahia
                    Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.

SONETO VI

(Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia)

                    A cada canto um grande conselheiro,
                    Que nos quer governar cabana e vinha;
                    Não sabem governar sua cozinha,
                    E podem governar o mundo inteiro.

                    Em cada porta um bem freqüente olheiro,
                    Que a vida do vizinho e da vizinha
                    Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
                    Para o levar à praça e ao terreiro.

                    Muitos mulatos desavergonhados,
                    Trazidos sob os pés os homens nobres,
                    Posta nas palmas toda a picardia,

                    Estupendas usuras nos mercados,
                    Todos os que não furtam muito pobres:
                    E eis aqui a cidade da Bahia.

SONETO VII

Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.

Na quinta torce agora a porca o rabo:
A sexta vá também desta maneira,
na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.

Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.

Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.

SONETO VIII

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

SONETO IX

Anjo no nome, Angélica na cara
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo sois dos meus altares
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda

Fonte:

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 20

Dilamar Machado
(Dilamar Valls Machado)
(São Luiz Gonzaga/RS, 27 outubro 1935 – Porto Alegre/RS, 27 agosto 2001)

” ROSA DE MAIO “

Rosa de Maio, linda flor de outono,
jóia escondida num jardim divino,
tu, que és a doce flor de meu destino
e a imagem santa que me enfeita o sono,

dá que esse olhar ardente e peregrino
de um país tão distante, cor de outono,
agora que me deixas no abandono
acalme a dor a que me predestino,

pois, já se uniram, para mágoa minha
o minha flor de Maio, em cruel engenho
que o destino criou pra meu sofrer,

esta paixão ardente que ainda tinha,
a incerteza mesquinha que hoje tenho
e a saudade cruel que eu hei de ter.
––––––––––

Dionísio Vilarinho,
(Amarante/PI, 1921 – Alegrete/RS, 1947).

” DESENLACE “

Foste sincera em revelar, querida,
que não me queres mais. Muito obrigado:
já não serás por mim mais iludida,
já não serei por ti mais enganado.

Eu também já vivia amargurado
de suportar essa paixão fingida,
sabendo que não era mais amado
e que não eras mais a preferida.

Hoje, quebrando os derradeiros elos
que te traziam presa aos meus desejos,
que me traziam preso aos teus anelos,

troquemos, sem tristeza, o último adeus:
tu, sem saudade alguma dos meus beijos,
eu, sem pensar sequer nos beijos teus…

” REGRESSO “

– Voltaste? É tarde, mas, entra no entanto…
já não encontrarás do mesmo jeito
aquele amor que escarneceste tanto
por outro amor, dos sonhos teus eleito.

O tempo, a dor e o corrosivo efeito
da saudade, das mágoas e do pranto,
fizeram da alameda do meu peito
um fúnebre e tristonho campo santo.

Quando partiste, bela, há tantos anos,
nunca pensei que havias de voltar
assim cheia de mágoa e desenganos…

Regressaste, contudo, ao ninho agreste . . .
E eu já não tenho mais para te dar
senão os desenganos que me deste…
==================

Djalma de Andrade
(Congonhas do Campo/MG, 3 dezembro 1893 – Belo Horizonte/MG, 13 maio 1975)

” GLORIOSA “

Há mulheres que vencem pela graça,
vencem, dominam de uma tal maneira,
que o coração viril, por mais que faça,
nunca mais tem a liberdade inteira.

Em outras, a ternura nos enlaça,
uma ternura doce e verdadeira:
são corações de arminho, almas sem jaça,
de sombra acolhedora e hospitaleira.

Eu sei que as há, bem vejo claro e exulto,
mas não me ofusca a forte claridade,
mas não lhes rendo meu fervor, meu culto,

pois nenhuma, por certo, se avizinha,
na graça, na ternura, na bondade,
daquela que nasceu para ser minha.
================

Domingos Carvalho da Silva
(Vila Nova de Gaia/ Portugal, 21 junho 1915 – São Paulo/SP, 2004)

” NÁUFRAGOS “

Somos dois sobre um mar de misteriosas
praias de sonho e vagas florescendo
em algas. Deliramos percorrendo
dias ébrios de luz e tenebrosas

noites de desespero. Vejo rosas
em torno de tuas ancas. Vão crescendo
pássaros em teus seios. Sobre o horrendo
e frio abismo, estrelas-mariposas

procuram os teus olhos. Pirilampos
se apagam no horizonte ou no infinito.
As artérias cavalgam hipocampos

no mar. Cinjo teu corpo, enfim, e o Norte
e o Sul do mundo ouvem teu nome. E um grito
de espasmo ecoa entre o prazer e a morte.

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Anibal Beça (Livro de Sonetos II)


PRÓLOGO

 Cavo a cova como um cavalo os cascos cava
 se no cavá-lo invoca a fúria de ferir
 E tanto mais se cava que a alma não se lava
 e as águas já me levam léguas a fingir

 Cava costura cavo à cava enviesada
 e o talhe tinge a sombra em descaída pena
 Nessa escritura a sina foge desgarrada
 e o corte torce a mão e a garra do poema

 E dono não sou mais senão o torto artífice
 dessas linhas traçadas a dois e por um
 E assim me assino esse uno e esse outro Majnun
 que por louca paixão da noite é seu partícipe

 mesmo sem Laila veste a dor e se vislumbra
 nos lobos do deserto donos da penumbra

TOADA PARA SOLO DE OCARINA

 Fio tênue do céu em claridade
 tece esse manto gris meu agasalho
 colhido pelos muros da cidade:
 mucosa verde musgo que se espalha

 como tapete denso em chão de jade
 Meus pés de crivo cravam esse atalho
 riscando seu grafite no mar que arde
 o fogo-de-santelmo em céu talhado

 Nesse caminho caio em minha sina
 caio no mar que lava essa lavoura
 num barco ébrio que sempre desafina

 E colho o sal da noite a lua moura
 crescente luz de foice me assassina
 e me morro no haxixe com Rimbaud

SONETO PARA EUGÊNIA

 O tempo que te alonga todo dia
 é duração que colhes na paisagem,
 tão distante e tão perto em ventania,
 sitiando limites na viagem.

 Desse mar que se afasta em maresia
 o vago em teu olhar se faz aragem
 nas vagas que se vão em vaga via
 vigia de teus pés no vão das margens.

 E o fio da teia vai fugindo fosco,
 irreparável névoa pressentida
 nos livros que não leste, nesses poucos

 momentos que sobravam da medida.
 Angústia de ponteiros, sol deposto,
 no tédio das desoras foge a vida.

 Vida que bem mereces por inteiro,
 e é pouca a que te dou de companheiro.

CHUVA DE FOGO

 Meus olhos vão seguindo incendiados
 a chama da leveza nesta dança,
 que mostra velho sonho acalentado
 de ver a bailarina que me alcança

 os sentidos em febre, inebriados,
 cativos do delírio e dessa trança.
 É sonho, eu sei. E chega enevoado
 na mantilha macia da lembrança:

 o palco antigo, as luzes da ribalta,
 renascença da graça do seu corpo,
 balé de sedução, mar que me falta

 para o mergulho calmo de um amante,
 que se sabe maduro de esperar
 essa viva paixão e seu levante.

SONETO DA SENTIDA SOLIDÃO

 A falta é complemento da saudade,
 servida em larga ausência nos ponteiros,
 bandeja dos segundos que se evade,
 em pasto das desoras, sorrateira.

 Estar é seduzir sem muito alarde,
 no avaro aqui agora companheiro,
 o porto da atenção que se me guarde
 o ser presente da sanha viageira.

 Partir é sentimento de voltar,
 liberta, eu sei, no vento e seu afoite,
 navega a sina em rasa preamar;

 ela, essa ausente, é dona e meu açoite,
 no seu impulso presto em navegar,
 vai se enfunando em névoa pela noite.

OLHAR

 As grades que me prendem são teus olhos,
 aquática prisão, cela telúrica,
 liana que me enrosca e me desfolha
 no tronco tosco dessa árvore lúbrica.

 No sol de Gláucia apenas me recolho
 e, sendo assim, o sido se faz público
 num pelourinho aberto com seus folhos
 zurzindo seu chicote em gestos lúdicos.

 Perau de feras, circo de centelha
 regendo as águas tépidas de escamas
 no fogo da (a)ventura da parelha.

 Tudo em suor e sal o amor proclama:
 No mar do teu olhar a onda se espelha
 na chama que me queima e que te inflama.

Fonte:

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 19

José Corrêa da Silva Júnior
(Pilar/ AL, 22 janeiro 1893 –  Santos/SP, 9 setembro 1972).

” PUDOR “

Ama-me assim, sem ânsias nem clamores,
sem amostras no olhar de coisa alguma,
num silêncio feliz, num gesto, em suma,
furtivo às aparências exteriores.

Deixa que o teu amor a paz resuma
essas noites propícias aos amores,
em que os gritos das luzes e das cores
ficam velados através da bruma.

Ama-me assim, como se as nossas vidas
duas árvores fossem diferentes,
por desiguais radículas nutridas…

E como se a alegria que abafamos
amargasse nos frutos renascentes
e entristecesse os pássaros nos ramos. . .
===========

Corrégio de Castro
(sem dados biográficos)

” FLOR DO HELIANTO (GIRASSOL) “

Conheces, certo, aquela flor dourada
que volta a face para o sol nascente
e, tendo a face para o sol voltada,
constante o segue, desde a aurora ao poente.

E já notaste que, se anuviada
a esfera de turquesa não consente
se perceba o astro louro, a flor amada
mesmo sem vê-lo, segue o sol ausente?

Também minha alma é como a flor do helianto.
Desde o instante feliz em que te vi
como tocada de um suave encanto,

– não sei que força estranha que senti –
pois em riso ela esteja, esteja em pranto,
trago-a sempre voltada para ti!
============

Cruz e Souza
João da Cruz e Souza,
(Florianópolis/SC, 24 novembro 1862 – Antonio Carlos/MG, 19 março 1898)

” CORPO “
VII

Pompas e pompas, pompas soberanas
Majestade serene da escultura
A chama da suprema formosura,
A opulência das púrpuras romanas.

As formas imortais, claras e ufanas,
Da graça grega, da beleza pura,
Resplendem na arcangélica brancura
Desse teu corpo de emoções profanas.

Cantam as infinitas nostalgias,
Os mistérios do Amor, melancolias,
Todo o perfume de eras apagadas…

E as águias da paixão, brancas, radiantes,
Voam, revoam, de asas palpitantes,
No esplendor do teu corpo arrebatadas!

ENCLAUSURADA

Ó Monja dos estranhos sacrifícios.
Meu amor imortal! Ave de garras
e asas gloriosas, triunfais, bizarras,
alquebradas ao peso dos cilícios.

Reclusa flor que os mais revéis flagícios
abalaram com as trágicas fanfarras,
quando em formas exóticas de jarras
teu corpo tinha a embriaguez dos vícios.

Para onde foste, ó graça das mulheres,
graça viçosa dos vergéis de Ceres,
sem que o meu pensamento te persiga?!

Por onde eternamente enclausuraste
aquela ideal delicadeza de haste,
de esbelta e fina ateniense antiga?!

” MAGNÓLIA DOS TRÓPICOS “
                                                 À Araújo Figueredo

Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ó magnólia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenúfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.

O teu colo pagão de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.

Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso através a límpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;

Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.
=================

Cruz Oliveira
(Júlio Auto da Cruz Oliveira)
(Maceió/ AL, 5 dezembro 1880 – ????)

” OLHOS “

Olhos! Tantos amei quantos me abandonaram. . .
Tantos cobri de bens, de inefáveis ternuras,
quantos me querem mal, que em lugar me deixaram
de minhas ilusões, desilusões bem duras.

E dizer que os perdoei: que mau grado amarguras
de que venho de encher dias que se passaram,
só lhes desejo o bem das carícias mais puras
– que hoje me apraz perdoar os que me não perdoaram!

E isso me cura um pouco esse desgosto imenso
de amá-los, esse tédio, a fartura, o cansaço
da vida; e me dá mesmo um prazer quando penso

nas vezes em que a sós eles se consideram
e me admiram mais, pelo bem que lhes faço,
do que eles pelo mal que sempre me fizeram.
===========

Cynthia Castello Branco
(sem dados biográficos)

” PROFANAÇÃO “

Tenho-lhe um ódio quase extravagante
depois de havê-lo amado com loucura…
As vezes penso que se o amor não dura,
tece correntes, mesmo agonizante!

Sinto-me escrava dele e a cada instante
pergunto-me a razão desta clausura! . . .
Talvez porque nascendo é uma ventura,
o amor que morre é sempre vigilante.

Quero afastar os laços que me prendem
ao meu destino, assim como se eu fora
este chão que ele pisa . . . E, entretanto,

garras do Tempo sobre mim se estendem
e é uma vertigem doida, embriagadora,
odiá-lo assim depois de amá-lo tanto!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 18

Corrêa de Araujo
(Raimundo Correa de Araújo)
(Pedreiras/MA, 29 maio 1885 – São Luis/MA, 24 agosto 1951)

” AQUELES OLHOS “

Ela olhou e passou, graciosa e bela.
Passou… e foi-se para sempre, embora
brilhe em meu coração, desde tal hora,
ditosa, a doce luz dos olhos dela…

Estrela que no azul cintila e mora,
viu-a o Poeta e emocionou-se ao vê-la;
e amou a estrela doidamente, e a Estrela
fugiu, fulgindo, pelos céus afora…

Desde então, muitos anos já passaram;
talvez haja fechado – a garra adunca
da morte, – os olhos que me deslumbraram..

Neste vale de lágrimas e abrolhos,
viva cem anos, não verei mais nunca
olhos tão lindos como aqueles olhos!

DENTRO DO ABISMO

Morria… O abismo embaixo, esboroadas
Fauces horríveis para o espaço abria,
E eu suspenso no vácuo, as mãos pousadas
Nas margens negras, já sem fé morria.

Sei que caí mas que, ao cair, sagradas
Mãos me ampararam na voragem fria;
E, ao despertar, Alguém d’asas doiradas,
Alguém que eu amo, junto a mim sorria.

Eras tu! Amparaste-me a fugiste:
E eis-me de novo cheio de desditas!
E eis-me de novo desvairado e triste!

E clamo e gemo… que cruel contraste!
És tu agora que me precipitas
No meu abismo donde me tiraste!

NA ARENA

Sou cavalheiro e menestrel, chorosas,
Notas desfiro no arrabil das dores;
Brando a lança de lendas luminosas
E a guitarra imortal dos trovadores.

Buscando justas e buscando amores,
Vêm-me em sonhos todas as formosas,
Com uma harpa de pétalas de flores,
Com uma espada de jasmins e rosas.

Seguirei combatendo destemido,
E quando um dia em chagas escarlates
Entre agonias eu tombar vencido,

Oh! bando loiro em sonhos absorto!
Ponde este gládio tosco dos combates
Na tumba azul do cavalheiro morto.
============

Fernando Torquato Oliveira 
(Rio de Janeiro/GB, 1913 ).

 CERTEZA 

Hás de ser minha, sinto que estás perto,
como alguém que procura, a cada passo
ser a presença que faltou no espaço,
ou ganhar vida em sentimento incerto.

Não procuro caminhos, nem desfaço
a sombra momentânea, e nem desperto
a poesia latente onde, por certo
vibrarás – sensualíssimo compasso.

Porque despontarás a qualquer hora
vinda do azul cruzado pelos mastros
onde a espuma dos sonhos se demora,

ou virás silenciosa, sob os astros,
um momento talvez antes da aurora
quando o amor busca o amor quase de rastros.

MARINHA

Daquele dia breve, inesperado,
recordo a areia, o finar, a vastidão,
gravados com requintes de artesão
no reverso do mundo iluminado.

Recordo o pormenor de uma canção,
gente no dorso liquido, boleado,
o teu nudismo quase consumado,
o zumbido difuso da extensão…

Vagas avultam, prontas ao massacre,
e vagas de cristal… tocando, algumas,
teus pés de unhas polidas, cor de lacre.

Recordo o fundo azul, teu corpo, brumas,
o cheiro, mais sabor, mesclado de acre,
do “champanhe” espoucante das espumas.

MUNDO

Estás ausente. Pela porta aberta
vê-se, lá fora, a trilha luminosa
dos teus pés delicados, que se foram
em busca cie utensílios ou de plantas

Na mesa tosca, longe do papel
um lápis guarda versos na grafita;
há novelos de lã pelo silêncio
com que teces amor para agasalhos.

Delineiam-se frutas saborosas,
descansam porcelanas na penumbra
onde adejam lembranças dos teus gestos.

Nas folhagens cativas, mas felizes,
paira um rumor de pétalas cumprindo
a receita singela de uma flor.

SOLIDÃO

Gosto da solidão, mas por egoísmo.
Piso as estradas ermas, onde a vida
é sincera, nostálgica, esquecida,
entregue ao seu tranqüilo fatalismo.

Posso pensar em ti longe da lida
e do fragor amorfo do realismo.
Minha paixão procura a cor do abismo,
colho temas na estrada impercorrida.

Não há ninguém no azul desses momentos.
Águas mansas, talvez… E a reticência
das coisas vagas, sem delineamentos.

Envolve-me a poesia. Na inclemência
das distâncias, dos rumos, e dos ventos,
paira, como um perfume, a tua ausência. . .

VORAGEM

Recordei-me de ti naquele instante.
No silêncio, entre os riscos dos bambus,
havia um plano de águas, onde a luz
batia quase oblíqua, cintilante.

junto da relva, em movimentos nus,
singela flor da margem, vacilante,
refletia-se inteira, sem cambiante,
sobre os tons a pincel, argênteos… crus.

A lâmina, entretanto, foi quebrada
por algo que não vi, e a flor singela
fugiu na agitação da água nublada.

Sumiste certo dia, muito bela,
entre as ondas concêntricas,
levada por uma tempestade igual aquela.

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Maria Nascimento Santos Carvalho (Sonetos Escolhidos)

DESABAFO

No meu semblante há traços de cansaço,
 e, em minha voz, vestígios de tristeza,
 porque jungida às rédeas do fracasso,
 não conservei a luz da glória, acesa.

 E sempre pela vida em descompasso,
 lutando contra o vírus da incerteza,
 faço, da tênue força, força de aço,
 e do ataque, minha arma de defesa.

 Este cansaço que em meu rosto aflora,
 não é moléstia que surgiu agora,
 vem desde os magros tempos de criança.

 E a tristeza que a minha voz embarga,
 foi me tornando, aos poucos, mais amarga,
 e cada dia mais sem esperança.

E-MAIL

Deletei muitas coisas que me disse,
 digitadas em seu computador;
 assim que descobri que era tolice
 guardar frases bonitas, sem amor.

 Temendo que a memória me traísse,
 deixei à vista as que me causam dor
 para que, nunca mais eu me iludisse
 e, em vão, corresse o risco de me expor…

 Deletei muita coisa e, na verdade,
 não pude deletar toda a saudade
 que salvei num arquivo do meu peito…

 Pois quanto mais tentava deletar,
 mais vinha uma mensagem me avisar
 que deletar saudades… não tem jeito…

CARÊNCIA

Pensei fosse te amar sem pedir nada,
 sem te causar qualquer constrangimento,
 mas a cruz deste amor é tão pesada,
 que desestruturou meu pensamento…
 
 Tentei até domar meu sentimento,
 para não me sentir sempre culpada ;
 porém o que excedeu em sofrimento,
 não me deixou te amar sem pedir nada…
 
 Talvez me falte orgulho e até juízo,
 mas, de tudo o que tens e que eu preciso
 para viver feliz, é bem pouquinho :
   

bastará que me fales de saudade,
 que me dês uma prova de amizade,
 e um milésimo só do teu carinho!…

CONTRADIÇÃO
Hoje, mais uma vez, desesperada
 por ser injustamente preterida,
 vejo que já nasci predestinada
 a amar sem nunca ser correspondida…

 Mas o que me dói mais, na despedida,
 é saber que fui sempre desprezada
 porque foste o anjo bom da minha vida
 e eu, da tua, jamais pude ser nada.

 Se me pudesse ver da eternidade,
 chorando de tristeza e de saudade
 pelo amor que no tempo se perdeu,

 Carlos Drummond de Andrade me diria:
 “E agora”, como vais viver Maria
 sem o José que achavas que era teu?!

FANTASIA
Meu sonho era fazer versos um dia…
 E, quando, às vezes, triste me encontrava,
 fingia que chorava de alegria,
 quando era de tristeza que eu chorava!

 E percebi que até numa poesia,
 que entre lágrimas tristes me brotava,
 como um divino toque de magia,
 mesmo sofrendo, assim me reanimava!

 Foi tudo em vão, porque, fazendo versos,
 eu nem notei que os meus sonhos dispersos
 transcendiam meu mundo pequenino.

 E, na angústia de quem sempre sofreu,
 então, pergunto a Deus por que me deu
 um sonho bem maior que o meu Destino…

SÚPLICA
Jurei não lhe falar mais de ternura,
 nem dar sinais de angústia nem de dor,
 mas sinto as cicatrizes da censura
 bem menos doloridas que as do amor…

 Assim, movida pela desventura,
 vivendo um sentimento embriagador,
 tento afogar meu sonho na amargura,
 e volto a lhe falar do meu amor.

 Deixe que eu ame intensa e livremente,
 sem censurar o meu comportamento,
 sem ter pena das penas que padeço.

 que eu sofro, por você, conscientemente,
 e, por maior que seja o meu tormento,
 estou sofrendo menos que mereço…

NUNCA MAIS
Não sei de onde é que vem tanta ansiedade
 e essa angústia que me comprime o peito,
 torturando, porque, na realidade,
 nem de pensar em ti, tenho o direito.

 E, como todo o ser mais que imperfeito,
 que não doma os caprichos da vontade,
 eu luto, mas sequer encontro um jeito
 de me livrar das garras da saudade…

 Bem sei que não entrei na tua vida,
 e, mesmo tendo sido preterida,
 meu amor floresceu, criou raiz…

 Mas fui punida com severidade,
 porque deixaste em mim tanta saudade
 que nunca mais eu pude ser feliz!

SEMENTE DA VIDA
 
Tento sondar as leis da Natureza
 e vejo, sob as luzes da razão,
 que os genes da virtude ou da vileza
 são nossos, desde a nossa formação.
   
 Malgrado eu tenha uns gestos de grandeza,
 sou só um ser a mais na multidão;
 grão de areia enfrentando a correnteza:
 – semente do pecado e do perdão …

  Mas minha formação embrionária
 proporcionou – me a força necessária
 para desafiar o que vier …
 
 E eu agradeço a Deus, enternecida,
 e à semente do amor que se fez vida
 e trouxe ao mundo mais uma mulher !

LIÇÕES DA VIDA 

Tenho aprendido todas as lições
 que a vida, mestra justa, tem me dado,
 e encontro a cada dia mais razões
 para ver com orgulho o meu passado…

 O que era de melhor foi decorado
 e esquecidos os traumas das paixões …
 e a cada novo amigo conquistado
 reforço o meu celeiro de emoções.

 Sei medir a extensão dos meus defeitos,
 e não incluo ter nos meus direitos
 amigos que só tenham qualidades…

 Com isto tenho justas recompensas,
 porque sei respeitar as diferenças,
 aceitando as benesses e as maldades.

Fontes:
http://www.sardenbergpoesias.com.br/poesias_amigos.htm
http://www.marianascimento.net/pages/sonetos.htm

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 17

Colombina 
Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein
(São Paulo/SP, 26 maio 1882 – São Paulo/SP, 14 março 1963)

” AQUELE QUE PASSOU “

Vinhas ao meu encontro. E nos olhos trazias
como num livro aberto, o meu destino escrito;
e desde então pensar em ti, noites e dias,
foi toda a minha glória e todo o meu delito.

Para te acariciar, com minhas mãos tão frias,
ao sol eu fui pedir o seu calor bendito.
E até para sofrer porque não me querias
quis ter um coração maior que o Infinito.

Vinhas ao meu encontro . . . em teus olhos de lenda
o destino traçara, à guisa de legenda,
a minha história triste, insípida, banal;

sem lances de paixão, sem gritos, sem violências;
apenas o teu nome, algumas reticências…
uma interrogação e este ponto final!

” BACANTE “

Ergue nas mãos a taça transbordante
do vinho capitoso; em desalinho,
desata a cabeleira luxuriante
sobre o seu corpo nu, de rosa e arminho.

Um perfume oriental, sensualizante,
vai-se impregnando no ar, devagarinho . . .
E, lasciva e pagã, dança a bacante
embriagada de música e de vinho!

Torcendo os rins em lânguidos meneios
derrama sobre os pequeninos seios
a sua taça de cristal boêmia.

E há na volúpia estranha dos seus passos
e nas serpentes brancas dos seus braços
a eterna sedução da eterna fêmea!

” EPISÓDIO “

O reflexo do ocaso ensangüentado
dourava ainda aquele fim de dia . . .
De um frasco de cristal, mal arrolhado,
um cálido perfume se esvaía…

Junto ao teu corpo nu, convulsionado,
que de desejo e de volúpia ardia,
o meu corpo, nessa hora de pecado,
uma ânfora de gozo parecia.

Na quietude da tarde agonizante
um beijo prolongado, delirante,
a flama da paixão veio acender…

E toda a minha feminilidade
era uma taça de sensualidade
transbordante de vida e de prazer!

” ESSE AMOR “
                            
Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua…
Cada dia é maior, é mais forte, e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.

Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol – cada carícia tua!
E em meu verso integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua . . .

Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.

Tardas… Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!

” PASSIONAL “
                             
Voltaste. – E a tua voz novamente modula
o ritmo do meu ser pela sua euforia:
a carícia sensual das tuas mãos açula
em flamas o vulcão que dentro em mim ardia.

Beijas a minha boca… E agora, em nós, a gula
despertada parece uma fera bravia
que, liberta afinal do grilhão que a jugula,
seus recalques de fome e de sede sacia…

Em meu sangue palpita e em tuas veias canta
o desejo da carne, e a tudo mais suplanta
o seu hino imortal de beleza e de vida.

Novamente, a paixão nos arrasta e nos cega,
para que sintas teu meu corpo que se entrega
e eu te acredite meu, sendo por ti possuída.
============

Corina Ferreira Rebuá
(Rio de Janeiro/GB, 1900)

” QUE INSÔNIA “

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,   
soa. Há passos na rua… E a ronda passa . . .

Não consigo dormir. Como demora
esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
chove. Há passos na rua… E a ronda passa . . .

Dormes? Não creio. Eu sei que estás velando,
porque eu pressinto que, de quando em quando,
vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas. Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua… E a ronda passa..’.

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Mário A. J. Zamataro (Carrinheiro – Ingenuidade)

Parque Tanguá (Curitiba)

CARRINHEIRO

Lá fora a chuva fina turva a luz
e molha o palco aberto onde se faz 
da hora a velha sina que conduz 
quem olha a rua incerta e o chão voraz. 

Um vulto esconde o rosto em breu capuz 
enquanto a chuva insiste em ser tenaz… 
Avulta em mim desgosto que traduz 
em pranto a chuva triste e pertinaz. 

Estia enfim e o vulto se levanta 
e leva o seu carrinho em contramão 
na via onde um insulto o desencanta 

e faz brotar nos olhos a explosão 
que torna a raiva insana e a dor maior 
na lágrima, na chuva e no suor.

INGENUIDADE 

 Quero ter a minha voz
 pra dizer abertamente
 que uma farsa aperta os nós
 e disfarça impunemente!

 E direi como é feroz,
 como faz tranquilamente
 o papel doce de algoz
 e se crê ser inocente.

 Usa a lei como sofisma,
 tem acordo com a ilusão
 pra fazer cavilação.

 Quer impor sempre o seu prisma
 e não vê nisso maldade,
 deve ser ingenuidade!

Fontes:

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 16

Ciro Costa
(Limeira/SP, 18 março 1879 –  Rio de Janeiro, 22 maio 1937).

” ROSAS “

Beijo-te as lindas mãos com que me feres.
As lindas mãos com que me feres, beijo.
Entre os desejos meus eu só desejo
ter a vaga ilusão de que me queres.

E é só. E é tudo. Entanto, se puderes
arme com um sorriso o meu cortejo.
Já não me iludo ao ver-te qual te vejo
uma mulher como as demais mulheres.

Ao teu jugo, ai de mim! estou sujeito.
Se há goivos que vicejam no meu peito
vivo contigo, amor, em pensamento.

Toda mulher é rosa – aroma e espinho.
Todo homem é um farrapo solto ao vento
mas, ai dele! sem rosas no caminho . . .
–––––-

Ciro Vieira da Cunha
(São Paulo/SP, 1 junho 1897 – Rio de Janeiro, 26 junho 1976)

” SAUDADE “

Saudade! teu olhar longo e macio
derramando doçura em meu olhar…
Um bocado de sol sentindo frio
uma estrela vestida de luar…

Saudade! pobre beijo fugidio
que eu tanto quis e não cheguei a dar. . .
A mansidão inédita de um rio
na volúpia satânica do mar…

Saudade! o nosso amor… o teu afago…
O meu carinho… o teu olhar tão lindo…
Um pedaço de céu dentro de um lago…

Saudade! um lenço branco me acenando…
Uma vontade de chorar sorrindo,
uma vontade de sorrir chorando…
============

Cláudio Manuel da Costa
(Ribeirão do Carmo (atual Mariana)/MG, 5 junho 1729 – Vila Rica/MG, 4 julho 1789)

” SONETO XXXI “

Estes os olhos são da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta região se vê banhada;

Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alívios ao mal, que estou gemendo:

Mas ah delírio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
==================

Cleómenes Campos, 
(Maroim/SE, 10 agosto 1895 –  São Paulo, 30 abril 1968)

” COR CORDIUM “

Quando eu morrer, procura uma árvore florida,
e cava-lhe no tronco, amada, o meu caixão:
quero que ai repouse o meu corpo sem vida,
longe do humano olhar, dentro da solidão.

Cante-me o réquiem triste a voz da água perdida…
Reze por mim o vento a sua alta oração…
E seja-me o silêncio a lápide escolhida:
– que vale, neste mundo, a maior inscrição?

E, um dia, quando tu, minha doce Querida,
fores ver-me (talvez o tronco esteja são);
para que aches, sem custo, a árvore preferida,

farei cair da altura um fruto em tua mão,
fruto que, ao te roçar a palma comovida,
irá tomando a forma e a cor de um coração…

CORAÇÃO DISTANTE

Eu bem sei que a tua alma está longe da minha,
tão longe que talvez não a possa alcançar:
vela que mal se vê na amplitude marinha,
dando mais a impressão de um reflexo de luar.

Contudo, muita vez, ela se me avizinha,
que a esperança é também uma brisa de mar.
E a alegria, que em tua ausência já nem vinha,
para te receber, não sai do meu olhar.

Não percebes, porém, a minha angústia imensa.
Prefiro o teu desprezo à tua indiferença;
à tua polidez, prefiro o teu rancor!

Teu coração distante, é inútil, pois não ama,
se o inferno ele não é – porque lhe falta a chama,
o céu não pode ser – porque lhe falta o amor!
=======================

Clóvis Ramos
(Clóvis Pereira Ramos)
(Forte Tabatinga/AM, 20 novembro 1922 )

” BEIJO DE SAL “

Marinheiro, parti para longa viagem
e em demanda me pus de longínquo país.
Tinha os olhos de mar perdidos na paisagem,
pelos portos amei as mulheres que eu quis.

Praia branca de luar, sonhadora paragem
onde a nau ancorei – seios brancos de liz.
No meu peito ficou – ilusória miragem!
um nome de mulher, amarga cicatriz.

Por onde naveguei tive-a no pensamento.
Em vão quero apagar sua imagem fatal,
rosto de maresia, alma aérea de vento.

Em vão tento esquecer sua boca sensual,
que teima em me lembrar, momento por momento,
o seu amor de espuma, o seu beijo de sal!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Antonio Roberto Fernandes (Poemas Escolhidos)

NOSSAS MÃOS

As tuas mãos tão belas, tão formosas.
 As tuas mãos afeitas aos carinhos.
 As minhas mãos tão feias, tão nervosas.
 As minhas mãos expostas aos espinhos.

As tuas mãos me tocam por piedade.
 As minhas mãos te afagam, mas com medo.
 As tuas mãos são mãos pra eternidade.
 As minhas mãos são mãos de morrer cedo.

As tuas mãos nas minhas, que contraste!
 Mas se não fossem elas, que desastre,
 nem sei das minhas mãos o que seria! 

Por isso às tuas mãos eu agradeço
 o carinho que eu sei que não mereço
 e que em outras mãos não acharia!…

LADAINHA

Olhai pra mim, mulher da minha vida!
 Senhora dos meus sonhos, me escutai!
 Minh’ alma já não sabe aonde vai,
 neste vale de lágrimas perdida.

Com a luz de vossos olhos me mostrai
 um caminho, uma chance, uma saída,
 Senhora finalmente aparecida,
 meus negros horizontes clareai.

Não tenho vocação para o martírio,
 perdão se é heresia o meu delírio
 mas nestes lábios que têm fogo e mel.

Arrebatai-me agora, ao gozo eterno
 para que eu – que já conheço o inferno –
 possa, convosco, conhecer o céu!.…

FELICIDADE

Quando “eu era feliz e não sabia”,
 – como diz o poeta, na canção – 
 aos meus desejos, sempre, com ironia,
 o meu destino respondia: não. 

 E tudo o que eu sonhava, a cada dia,
 sempre ficava além da minha mão.
 Se era feliz quem tinha o que queria
 eu nunca pude ser feliz, então.

 Hoje, afogado na realidade,
 relembro a minha infância, com saudade,
 não por ter sido um tempo em que eu sonhei, 

 mas porque, ainda envolto em fantasia,
 eu não era feliz e não sabia,
 como hoje não sou…mas hoje eu sei.

OS PRATOS DE VOVÓ

A minha avó guardava, com alegria,
 muitos pratos, lindíssimos, de louça
 que ganhou de presente, quando moça,
 e que esperava usar – quem sabe? – um dia.

 Mas a vida passando tão insossa
 e nada de importante acontecia
 e ninguém pra jantar aparecia
 que compensasse abrir o guarda-louça.

 Vovó morreu. Dos pratos coloridos
 que hoje estão quebrados e perdidos
 ela jamais usou sequer um só.

Assim também meus sonhos, tão guardados,
 terão, por nunca serem realizados,
 o mesmo fim dos pratos de vovó.

POEMA DA MINHA TERNURA

A minha amada é pura como o orvalho
 que beija as flores pela madrugada.
 As suas mãos são feitas de veludo.
 Juntinho dela sou maior que tudo
 e longe dela sou menor que nada

 A minha amada mostra nos olhinhos
 a luminosidade da manhã.
 A sua voz perfuma a natureza.
 Juntinho dela a vida é uma certeza
 e longe dela uma esperança vã.

 A minha amada tem nos lábios rubros
 uma doçura sem definição.
 Ao seu sorriso desabrocham flores.
 Juntinho dela o mundo é luz e cores
 e longe dela negra solidão.

 A minha amada fala tão bonito
 que até me surpreende, até me assusta.
 Tem das rainhas o semblante e a graça.
 Juntinho dela como o tempo passa
 e longe dela como o tempo custa.

 A minha amada é minha há  mil milênios
 e eu dela sempre fui, antes de mim.
 O nosso amor respira eternidade.
 Juntinho dela é pouco a imensidade
 e longe dela o nada não tem fim. 

 A minha amada é pura como o orvalho
 que beija as flores pela madrugada,
 As suas mãos são feitas de veludo.
 Juntinho dela sou maior que tudo
 e longe dela sou menor que nada.

EMOÇÃO

Quando não há mais nada a ser falado,
 quando os olhares não se cruzam mais,
 é hora de se ver que há algo errado
 nos relacionamentos conjugais.

 Já não importa aí quem é culpado,
 nada resolvem cenas passionais
 nem simpatias contra o mau-olhado
 ou conselheiros matrimoniais. 

 É o fim. Pronto. Acabou. Não tem mais jeito.
 Se, de emoção, um dia ardeu o peito
 que dela reste uma lembrança boa.

 Não se deve é fechar-se numa esfera,
 sem ver que pode estar à nossa espera
 outra emoção no olhar de outra pessoa.

AINDA

Espero que você me ame ainda
 no dia em que bater à sua porta
 e lhe dizer que, agora, só me importa
 livrar-me, enfim, desta saudade infinda.

 E ver no seu olhar que me conforta
 e ouvir de sua boca doce e linda
 que esta minha presença foi bem-vinda,
 que sua casa ainda me comporta.

 Aí, então, num demorado beijo,
 terei pena de quem tem por desejo
 conquistar o dinheiro, a sorte, a fama,

 Pois nada terá tal encantamento
 do que, depois de tanto sofrimento,
 ouvir você dizer que ainda me ama.

RISCO E PETISCO

Minha avó sempre falava:
 – Só petisca quem arrisca.
 E eu, de inicio, perguntava:
 – Vovó, o que é petisca? 

 Ela, então, me respondia:
 – Petisca é de petiscar,
 conseguir alguma coisa
 que se sonhava ganhar. 

 E pra isso precisamos
 arriscar nosso pescoço,
 se não outros comem carne
 e nós roemos o osso.

 O mundo tem muita gente
 e a vida é um constante risco
 pra quem quer chegar na frente
 e conseguir um petisco.

 E o que seria um petisco?
 – Petisco é uma coisa boa,
 um filezinho de peixe,
 um lombinho de leitoa…

 Também pode ser um prêmio,
 pode ser até um beijo
 de alguém por quem se soluça
 e se mata de desejo.

 Vovó sabia das coisas,
 mas as coisas também mudam
 e as suas filosofias
 agora não mais me ajudam,

 pois o petisco que eu busco
 – com tanto risco a buscá-lo –
 não é lombinho de porco
 e nem filé de robalo,

 nem licor de jenipapo,
 nem goiabada ou chuvisco,
 é o petisco mais gostoso
 que compensa qualquer risco.

 Mais que lucro, mais que prêmio,
 é sentir, na ânsia louca,
 o sabor salgado e doce
 que mora na tua boca.

SEM MEDIDA

Quem diz que ama muito ou pouco, mente
 ou não conhece o amor, na realidade,
 pois não se mede o amor em quantidade,
 se ama ou não se ama, simplesmente.

Quem ama, embora sonhe com a eternidade,
 ainda assim não sonha o suficiente
 e em nada modifica o amor que se sente,
 seja na dor ou na felicidade.

Não há um meio olhar ou um meio beijo.
 Ninguém tem dez por cento de um desejo
 nem existe carícia desmedida.

 E o amor, sem ter tamanho, é tão profundo
 que podemos achá-lo num segundo
 ou procurá-lo, em vão, por toda vida.

Fonte:
Site Alma de Poeta (Antonio Manoel Abreu Sardenberg). Poesias de Amigos.

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José Antonio Jacob (Sonetos Escolhidos)

SONETO PARA UMA AQUARELA
(ou a princesa e o sapo)

Na desbotada folha do papel
 Luiza vai compondo o meu destino,
 De início ela pintou um lindo céu
 Acima dos meus sonhos de menino.

 Depois foi desenhando: um carrossel,
 Uma quermesse, uma igrejinha e um sino.
 E, ao lado de um castelo pequenino,
 Uma princesa e um sapo num corcel.

 Em derredor, nos campos, se depara,
 Lírios-do-vale, margaridas, dálias.
 Uma aquarela de paisagem rara.

 Ó doce Luiza, ó flor que me ampara!
 Por que sua princesa usa sandálias
 E o feio sapo tem a minha cara?!…

DE VOLTA AOS QUINTAIS

Mesmo corrido o tempo guardo apreço
 Aos meus passos cansados, desiguais,
 Que sempre me levaram sem tropeço
 Ao refúgio da infância dos quintais.

 Nada mudou! De longe reconheço
 A confraria alegre dos pardais
 E as mesmas roupas claras nos varais:
 Nunca tirei daqui meu endereço!

 Apenas me ausentei de casa cedo,
 Qual criança que se afasta do folguedo
 Para mais tarde aconchegá-lo a si.

 Eu sou esse menino arrependido
 E quero o meu brinquedo envelhecido
 Para brincar no tempo que perdi!

ELOGIO À DOR DO DESAMOR

I

Ainda que até o amor você me roube
 (Pode roubar-me sem abrir a porta)
 Rogarei que outro amor maior me arroube,
 Pois só o amor meu coração conforta.

 Ora, que triste, a noite é quase morta!
 E o meu beijo em seus lábios nunca coube,
 Eu amo a dor e a dor não me suporta
 Porque eu já morri e você não soube.

 O meu amor que o seu amor espalma,
 Em troca de ter-me arrebatado a alma,
 Haverá de avivar as suas dores.

 Que vibre no seu peito outros amores!
 Você feriu-me a vida e dou-lhe flores…
 E morro sem você na noite calma.

  II

Que doce olhar… e a vida é tão pequena!
 O mundo é triste sem seu doce olhar…
 Para mim seu olhar é uma novena
 Que acompanho de longe sem rezar.

 Amo-a tanto e ela sabe que me amar
 É dor, tristeza, mágoa, perda e pena,
 Por isto ela não me ama e me condena
 A entrar no céu e não poder ficar.

 Que coisa triste, que desesperança!
 Ponho em seus olhos meu olhar que clama
 E ela olha-me inocente feito criança.

 Adeus! (meu breve adeus é o de quem ama)
 Deixo-lhe meu sorriso de lembrança,
 Pois tenho de ir que a minha dor me chama.

III
  
Não me diga adeus que ainda é cedo amor,
 Antes sorria para que eu não chore
 E deixe que entre nós tudo demore,
 Até a despedida e o desamor.

 Eu sei que você sabe a minha dor,
 (E haja em mim mais angústia que lhe implore)
 Essa dor que os meus olhos descolore
 Haverá de ficar se você for.

 Não faça assim amor, não me entristeça,
 Se for para você se despedir
 Tomara que amanhã não amanheça!

 Nada acontece quando Deus não quer,
 E eu peço a Deus para você não ir
 Nem me dizer adeus… Se Deus quiser!

IV

Enquanto, em seu olhar, o amor se cala,
 Se Deus quiser você verá que aqui
 No meu olhar é o coração que fala:
 – É a minha alma que nele lhe sorri!

 Eu tive tanto tempo para amá-la,
 Os dias todos em que não morri,
 E amei a solidão na minha sala
 Nos mesmos dias em que não vivi.

 Eu não a vejo na minha saudade,
 E o que os seus olhos podem me dizer
 Sua saudade ingênua não me diz.

 Que seu olhar se cale de verdade!
 Mas se a verdade é o que me faz sofrer
 Dê-me a mentira para eu ser feliz.

O VENDEDOR DE BONEQUINHOS

De manhãzinha, à beira da calçada,
 Diariamente a corda eu estendia,
 E pendurava nela uma braçada
 De bonequinhos feios que eu vendia.

 Eram polichinelos que eu fazia
 De trança de algodão, mal desfiada…
 No pano das feições não conseguia
 Puxar-lhes traços de melhor fachada.

 Ao desbotar o azul, no fim do dia,
 Quando eu os desatava dos alinhos
 Desse varal de cordeação brilhante,

 Esses desengonçados bonequinhos
 Desciam-me nas mãos com alegria
 E me davam abraços de barbante.

A DOR DO VINHO

Lembras-te tu do vinho da ilusão,
 Que, entre olhares confusos de fumaças,
 Bebemos devagar em nossas taças
 E que nos deu delírios de paixão?

 Bem me lembro dos risos nas vidraças
 E da música suave no salão,
 E que ninguém mais nos prestava graças
 Quando toquei de leve a tua mão.

 E enquanto te fiz tratos de carinho
 E amei teus olhos grandes e indecisos,
 Fitaste-me a sorrir em desvario…

 E zonzo, para o sempre, fui sozinho,
 Levando na lembrança os teus sorrisos
 E o coração no peito mais vazio…

VERSOS DE AMOR

Ó alma solitária, outrora envaidecida,
 Que dirás aos teus olhos, nesta noite morta,
 Ao veres tua vida triste e desflorida,
 Se o desespero vier te aferrolhar a porta?
  
 – Aqui jaz a pessoa que ninguém suporta!
 (Mal ouvirás o som da tua voz ferida)
 E escreverás no espelho, com a letra torta,
 A derradeira frase de repúdio à vida.
  
 Caso vieres, Senhora, sofrer a inquietação,
 Da incômoda lembrança, dos doces sinais,
 Que o passado feliz deixa no coração…
  
 Lembres que teu futuro não existe mais,
 Que estás vivendo a última recordação
 Nestes versos de amor de quem te amou demais…

Fontes:

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Humberto Rodrigues Neto /SP (Sonetos Avulsos I)

SAUDADE
(a minha esposa, in memoriam)

 Teu desencarne fez-me descontente,
 com a alma e o coração sempre em quebranto;
 do nosso lar foi embora o antigo encanto
 que tu levaste assim… tão de repente!

 Do alto onde estás podes sentir o quanto
 por ti pranteio ao te sentir ausente,
 e nada existe que tão fortemente
 me incline à solidão e ao desencanto!

 Não mais teus lábios, nem os teus abraços
 tentei buscar noutros alheios braços,
 preso à paixão que só por ti nutria!

 E hoje vergado a esta infelicidade,
 a Dor se fez a esposa do meu dia,
 e à noite faço amor com a Saudade!

 AGORA…

 Agora que o meu sonho está desfeito,
 e enfim sepultos os meus ideais;
 agora que, ao invés de madrigais,
 choram dobres de réquiens no meu peito;

 agora que me foge até o direito
 de imaginar-te em sonhos irreais;
 agora que ilusões não me vêm mais
 ao coração magoado e insatisfeito;

 que eu siga só, o meu trágico caminho,
 onde da sorte a aguda e acerba foice
 ceifou-me as dádivas do teu carinho;

 que por ti meu coração não mais baloice…
 ah… deixa-me esquecer-te, aqui sozinho,
 soprando o pó de um grande amor que foi-se!

 MIGALHAS

 Que mais desejas, afinal, que eu faça
 pra ter por meu o que de ti não tenho,
 se já cansado estou de tanto empenho
 de haurir de ti a mais suprema graça?

 Há quanto tempo mendigando eu venho
 um pouco mais que esta ventura escassa!
 Do amor apenas pingos pões-me à taça
 que eu sorvo ao jugo de pesado lenho!

 Somente a um outro, nas liriais toalhas
 da mesa de Eros serves tua paixão,
 mesa em que, pródiga, teus bens espalhas!

 E ali enjeitado, a farejar o chão,
 o meu amor vive a lamber migalhas
 que tu lhe atiras qual se fora a um cão!

MÃE!

Tu foste, mãe, na treva a claridade,
 na dor meu riso e na tormenta o norte,
 a doce companheira e a consorte
 das minhas horas de infelicidade!

 Que anjo não foste, toda vez que a sorte
 não me sorriu! E com que imensidade
 de amor, desvelo e angelical bondade
 tu me ensinaste a ser paciente e forte!

 E hoje a alegria anda a sorrir nos ares…
 é o “Dia das Mães” numa porção de lares
 e eu vou fingindo que inda o comemoro!

 Finjo, mãezinha, até que em doce jeito
 vens doer tão tristemente no meu peito,
 que eu cerro os olhos, pendo a fronte… E choro!

O AMANHÃ

 Acreditemos, poetas, no amanhã
 que está chegando após tardia demora,
 quando todos os seres, de alma sã,
 serão mais puros do que são agora.

 Se unirmos forças nesse nobre afã,
 todos os vícios hão de ir embora;
 e a idéia de uma sociedade irmã
 propaguemos, ó vates, mundo afora!

 Ter nalma o brilho que arde nas estrelas
 não são lucubrações de mero acaso
 e até na Terra é fácil concebê-las.

 Se à perfeição nós, vates, dermos azo
 no céu seremos endeusados pelas
 argivas nove musas do Parnaso!

RESGATE DAS CORES

 Aquarelas do amor há, que descoram
 se expostas a um desejo insatisfeito.
 Se presas a um anseio contrafeito,
 em vez de rir todas as cores choram!

 Janelas fecham-se e jardins desfloram,
 vazios de flores no deserto leito,
 qual se chorassem o ideal desfeito
 em findas ilusões que se evaporam!

 Talvez por força de fatais adágios
 jamais os tons da cor e da emoção
 conservam para sempre iguais estágios.

 Mas reverte o sol de um sim a situação:
 ordena lave a chuva os maus presságios,
 e em riso e cores ri-se o coração!

CILADAS DA VIDA

 Ao marulho das vagas que separam
 este imenso Brasil de Portugal,
 dois seres, num destino desigual,
 em dois sonetos seu amor declaram.

 Se amam demais, porém seria fatal
 o malogro dos bens com que sonharam;
 talvez nem um, nem outro cogitaram
 de não chegar tal sonho a um bom final.

 Ah… quanto almejariam, pessoalmente,
 trocar um beijo apenas, frente a frente,
 pra consumar o amor que hoje os seduz!

 Porém, a sorte, alheia a tais instantes,
 coloca o Atlântico entre os dois amantes
 e os crucifica sobre a mesma cruz!

TÉDIO

 A mesma dor, o mesmo nada em tudo,
 uma ânsia funda de morrer, chorar;
 na alma engasgado um sentimento mudo,
 e em tudo o nada de um vazio lunar…

 A fronte baixa… nas feições o agudo
 vinco das rugas, a testemunhar
 que o sofrimento anda afinal desnudo
 na dor que franze-me o semblante e o olhar…

 olhar há tanto, acostumado ao pranto,
 e à dor há tanto tempo acostumado,
 que nem teus nãos me causam medo ou espanto!

 E já nem sei, a este martírio atado,
 se o que mais dói é ter te amado tanto,
 ou se dói mais o não ter sido amado!

Fontes:

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 15

Castro Alves
Antonio Frederico de Castro Alves.
(Cachoeira/BA, 14 março 1847 –  Salvador/BA, 6 julho 1871)

” BARBORA “

Erguendo o cálice que o Xerez perfuma,
loura a trança, alastrando-lhe os joelhos,
dentes níveos em lábios tão vermelhos,
como boiando em purpurina espuma;

um dorso de Walkíria . . . alvo, de bruma,
pequenos pés sob infantis artelhos,
olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
mas como eles também sem chama alguma;

garganta de um palor alabastrino,
que harmonias, e música respira . . .
No lábio – um beijo. . . no beijar – um hino;

harpa eólia, a esperar que o vento a fira,
– um pedaço de mármore divino . . .
É o retrato de Barbora – a Hetaíra.

” DULCE  “
                                                           
Se houvesse ainda talismã bendito
que desse ao pântano – a corrente pura,
musgo – ao rochedo, festa – à sepultura,
das águias negras – harmonia ao grito…

Se alguém pudesse ao infeliz precito
dar lugar no banquete da ventura…
E trocar-lhe o velar da insônia escura
no poema dos beijos – infinito…

Certo . . . serias tu, donzela casta,
quem me tomasse em meio do Calvário
a cruz de angústias que o meu ser arrasta! . . .

Mas se tudo recusa-me o fadário,
na hora de expirar, ó Dulce, basta
morrer beijando a cruz do teu rosário.

” SONETO A NOBREZA D’ALMA “
                                                           
Aqui, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.

Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!

Repara como o povo te festeja…
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!

Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
“Das almas grandes a nobreza é esta.”
===========

Castro Menezes
Álvaro de Sá Castro Menezes
(Niterói/RJ, 3 junho 1883 –  Rio de Janeiro/GB, 7 março 1920)

” MUSA PAGÃ “

Junto à herma de um fauno irônico e lascivo
erguida entre mirtais, num bosque silencioso,
certa vez te detive o passo alado e esquivo
e apertei contra mim teu corpo voluptuoso.

Tive a impressão de ser um semideus cativo.
Foi um beijo sensual, um frêmito de gozo . . .
Mas nunca mais senti o aroma quente e ativo
dessa flor, que é teu corpo olímpico e formoso.

Vendo-te hoje passar como uma estátua fria
de Penélope fiel, de novo a fantasia
daquela hora pagã eu rememoro e avivo.

E és sempre, para mim, a ninfa esquiva e linda,
a ninfa que enlacei, numa loucura infinda,
junto à herma de um fauno irônico e lascivo…

” SONETO À CARMEN “

Carmen, sou eu… Aqui me tens, bem perto
de ti, fiel ao doce amor antigo,
casto eflúvio do céu que anda comigo,
única luz no meu destino incerto.

Aqui me tens, em pranto, a sós contigo,
lembrando o nosso lar, hoje deserto ….
Lar feliz, sonho bom de que desperto
para cobrir de rosas teu jazigo…

Junto da tua humilde sepultura,
ajoelho-me, sentindo que na altura,
sob os olhos de Deus leve revoas.

Tua imagem. piedosa. me aparece…
Moves; os lábios numa eterna prece
e me estendes as mãos, e me perdoas…
==============

Cecília Meireles
Cecilia Meireles Grilo
(Rio de Janeiro/GB, 7 novembro 1901 – Rio de Janeiro/RJ, 9 novembro 1964)

” A INOMINÁVEL “

Leve… – Pluma . . . Surdina… Aroma… Graça…
Qualquer coisa infinita… Amor… Pureza…
Cabelo em sombra, olhar ausente, passa
como a bruma que vai na aragem prêsa . . .

Silenciosa, imprecisa, etérea taça
em que adormece o luar… Delicadeza…
Não se diz… Não se exprime… Não se traça. . .
Fluído… Poesia… Névoa… Flor… Beleza…

Passa. . . – É um morrer de lírios. . . Olhos quase
fechados… Noite… Sono… O gesto é gaze
a estender-se, a alegrar-se… E enquanto vão

fugindo os passos teus, visão perdida,
chovem rosas e estrelas pela vida…
Silêncio! Divindade! Iniciação!
========

Celso Pinheiro
(Barras/PI, 24 novembro 1887 – Teresina/PI, 29 junho 1950)

” FLOR INCÓGNITA “

Por essas tardes doces de novenas,
tive um sonho de todo imaginário:
fazer das minhas rimas um rosário
para ofertar-te, irmã das açucenas!

Tu, que és a inveja viva das morenas
e a pérola gentil do meu rimário
guardá-lo-ias, como um relicário,
no teu seio de arminhos e de penas. . .

E se fosses ao templo, como agora,
às tuas orações de tanto enlevo,
bendiria este amor Nossa Senhora. . .

Meu Deus, como seríamos felizes!
Tu rezando os Sonetos que te escrevo,
eu rezando as palavras que me dizes…
============

Celso Vieira
Celso Vieira de Matos Melo Pereira
(Garanhuns/PE, 12 janeiro 1878 – Rio de Janeiro, 19 dezembro 1954).

” PLAGON “

Glória imortal da helena fantasia,
maravilha da Forma encantadora!
Não seria mais bela, nem seria
mais orgulhosa se uma Deusa fora.

Ei-la que passa: rútila, irradia
dos seus cabelos a alvorada loura;
ao vê-la, a gente evoca a sinfonia   
do mar da Jônia à Vênus tentadora.

Ei-la que passa: tudo se ilumina
à luz de seus olhares; tudo exalta
seu porte, ao som de sua voz divina . . .

E os anjos voam no infinito ao vê-la,
pois desejam saber se acaso falta
no cortejo da noite alguma estrela!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 14

Carlos Porto Carreiro

(Carlos da Costa Ferreira Porto Carreiro)
(Recife/PE,24 setembro 1865 – Rio de Janeiro/GB, 11 janeiro 1932)

” CINZAS “

Cinzas… Poeira que ardeu, que arrefece e que esfria…
Cinzas… Que em tênue bloco um milagre sustenta,
e o vento desmorona e rola em tropelia
e anônimas desfaz na terra pardacenta…

Restos do que brilhou da vida na tormenta:
cinzas, que sois como eu, labareda vazia,
guardais no corpo inane do que ardia,
mas no âmago gelado a morte se apascenta.

Cinzas… Nesse conjunto em que esta alma se espelha
vejo a ruína do fogo, a escória da centelha
o cadáver da luz que o vento leva a esmo.

E eu, neste coração que em cinzas se esboroa,
– cinzas das ilusões – sinto levado, à toa,
o cadáver do amor que jaz dentro de mim mesmo…
–––––––––-
Carmen Cinira
(Cinira do Carmo Bordini Cardoso)
(Rio de Janeiro/GB, 16 julho 1905 – Rio de Janeiro/GB, 30 agosto 1933)

” DESASSOMBRAMENTO “

Que me aguarde, por pena, o mais triste dos fados,
e clamores hostis me sigam pela vida,
que floresçam vulcões nos montes sossegados
e trema de revolta a Terra adormecida . . .

Que se ergam contra mim os seres indignados
como um quadro dantesco em fúria desmedida,
e que, na própria altura, os astros deslocados
rolem numa sinistra e tremenda descida . . .

Hei de ser tua um dia e ofertar-te, sem pejo,
vibrante, ébria de amor, à chama de teu beijo,
esta alma virginal que há tanto assim te espera . . .

E então hei de sentir vaidosa, intensamente,
desabrochar em mim, num delírio crescente,
o instinto de mulher em ânsias de pantera!
HOLOCAUSTO


Punge-me uma ânsia sobrenatural,
ânsia de Perfeição e de Impossível
de quem tenta galgar o próprio ideal,
uma grande montanha inacessível…

Baldado esforço! Luta desigual!
– pois esquecendo tão mesquinho nível
tenho em meus pobres olhos de mortal
visões de um deus romântico e invencível. . .

Sonho, loucura ou não, dele me ufano!
Entanto, porque és frágil e és humano
tu, que eu amo, com cego, imenso ardor,

porque sem ti todo o universo é nada,
– eu sou como uma escrava revoltada
da gloriosa mentira deste amor!

INCANSÁVEL

Velho sonho de amor que me fascina,
causa das mágoas que me têm pungido
e que, entanto, conservo na retina
como a fonte dum bem inatingido…

Flama velada, cântico em surdina
de um’alma triste, um coração ferido,
nem pode haver linguagem que defina
o que eu tenho, em silêncio, padecido!

Mas, ainda que mal recompensado
meu amor há de sempre desculpar-te
humilde, carinhoso, devotado. . .

Bendito seja o dia em que te vi,
pois não há maior glória do que amar-te
nem melhor gozo que sofrer por ti!
=================
Carvalho Júnior
(Francisco Antonio Carvalho Júnior)
(Rio de Janeiro/GB, 11 março 1855 – Rio de Janeiro/GB, 3 maio 1879)

” NÊMESIS “

Há nesse olhar translúcido e magnético
a mágica atração de um precipício;
bem como no teu rir nervoso cético,
as argentinas vibrações do vício.

No andar, no gesto mórbido spleenético
tens não sei quê de nobre e de patrício,
e um som de voz metálico, frenético,
como o tinir dos ferros de um suplício.

És o arcanjo funesto do pecado,
e de teu lábio morno, avermelhado,
como um vampiro lúbrico, infernal,

sugo o veneno amargo da ironia,
o satânico fel da hipocondria
numa volúpia estranha e sensual.
===============

Cassiano Ricardo
(Cassiano Ricardo Leite)
(São José dos Campos/SP, 26 julho 1895 – Rio de Janeiro/RJ, 14 janeiro 1974)

” SONETO DA AUSENTE “

É impossível que, na furtiva claridade,
que te visita sem estrela nem lua
não percebas o reflexo da lâmpada
com que te procuro pelas ruas da noite.

É impossível que, quando choras, não vejas
que uma das tuas lágrimas é minha.
É impossível que com o teu corpo de água jovem,
não adivinhes toda a minha sede.

É impossível não sintas que a rosa
desfolhada a teus pés, ainda há um minuto,
foi jogada por mim com a mão do vento.

É impossível não saibas que o pássaro,
caído em teu quarto por um vão da janela,
era um recado do meu pensamento.
Fonte:
– J.G . de Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Hegel Pontes (Álbum de Trovas e Sonetos)

Hegel Pontes (Monte Santo de Minas/MG, 05 de dezembro de 1932 – Juiz de Fora/MG, 15 de novembro de 2012)

TROVAS

A honra é a imagem casta
 dentro do espelho do Bem:
 – Se a gente dele se afasta
 ela se afasta também…

A lágrima comovida
 que vem de dentro de nós,
 é uma palavra sofrida
 que chega aos olhos sem voz.

A quiromante não lia,
 ao fazer a predição,
 que o destino me daria
 justamente a sua mão.

A voz dos ventos distantes,
 dentro das conchas do mar,
 são preces de navegantes,
 que não puderam voltar.

Cidade Poema, eu queria,
 já que a fonte não se esgota,
 beber o encanto e a poesia
 que até de seu nome brota. 

Com que ironia o destino
 pode este quadro pintar:
 De um lado, um lar sem menino;
 de outro, um menino sem lar.

Conversas de marinheiro
 ouço nas conchas do mar.
 São almas de jangadeiros
 Que não puderam voltar.

Depois da falsa meiguice
 e dos falsos beijos seus,
 “Adeus”; sem graça, ela disse,
 e eu disse: – Graças a Deus!

É noite em nossa favela
e o vento, em leve rumor,
apaga a chama da vela
e acende a chama do amor.

Felicidade, és somente
 meu horizonte fugaz:
 quando dou um passo à frente
 dás um passo para trás…

Jogou, perdeu, e hoje sabe,
 vivendo um natal sombrio,
 que a consciência não cabe
 num sapatinho vazio.

Não julgues pelo semblante
 A honra alheia, meu filho:
 – Na lua, a face brilhante
 oculta a face sem brilho!

Nesta noite nordestina,
quando o luar me arrebata,
é lindo ver toda salina,
banhada de prata

No beco dos infelizes,
 se houver saída, me aponte:
 – quem vive sob as marquises
 não vê céu nem horizonte…

O cego, na estrada escura,
 vai tateando… e sua mão
 parece que faz ternura
 na face da escuridão!

O drama da despedida
 foi termos, ambos, notado
 tua lágrima fingida
 e o meu sorriso forçado…

O sino é um ser sem razão,
 que não tem razão de ser:
 quando pára um coração,
 ele começa a bater…

Partiste e chovia tanto!…
mas entendi na saudade
que a leve gota de um pranto
molha mais que tempestade.

– Pescadores, foi milagre!
E o fanfarrão se gabava:
Só a foto do meu bagre
Mais de dez quilos pesava

Quando a vejo sobre o monte,
 qual pipa vagando ao léu,
 pego a linha do horizonte
 e empino a lua no céu!

SONETOS

A ALMA DA PEDRA
  
Longa pesquisa. E o mestre hindu descobre
que existe uma fadiga nos metais;
que o descanso renova, do ouro ao cobre,
o reino singular dos minerais.
Eu também sinto que a matéria encobre
estranhas vibrações emocionais.
É que a pedra tem alma, simples, nobre,
sonhando evoluções espirituais.
E a alma da pedra imovel é a energia
que evolui, na ilusória letargia,
entre seres gigantes e pigmeus.
E sonha, nos milênios que a consomem,
ser um cacto que sonha ser um homem,
ser um homem que sonha ser um Deus.
AMOR ADOLESCENTE
Esta noite, meu bem, foi tão comprida
e tão sem graça foi a madrugada,
que eu senti que você é minha vida
e a vida sem você não vale nada.
Mas é tarde demais. A despedida
é como a pedra que já foi lançada:
mesmo partindo da pessoa amada,
nunca mais poderá ser recolhida.
Tudo acabado: os sonhos que sonhei,
seu amor, seu carinho e seu desvelo…
E esta noite, meu bem, foi tão comprida,
que dei graças a Deus quando acordei
e percebi, após o pesadelo,
que entre nós dois nunca houve despedida.

DEVANEIO

È noite de natal, estou sozinho
E escuto ela chegando passo a passo;
Entra no quarto e agora, de mansinho,
Afaga minha fonte e meu cansaço.

Ela fala das flores do caminho,
E ainda sem notar meu embaraço,
Fala de velhos sonhos, de carinho,
De um beijo antigo, de um antigo abraço.

E por falar comigo desse jeito,
Vai removendo amargas cicatrizes
E arrancando lembranças do meu peito.

Eu ouço e peço: “Cala-te saudade,
Não se deve dizer aos infelizes
Que algum dia existiu felicidade”.

DUAS CHAMAS

Qual monge recolhido em sua cela,
Rezando a derradeira Ave-Maria,
Estava só e apenas uma vela
Velava a minha noite de agonia.

Eu contemplava a ardente sentinela
Que em vigília também se consumia,
E percebia uma oração singela,
No declínio da chama fugidia…

…Agora é madrugada e, por um fio,
Duas chamas de vida em decadência
Vacilam e se apagam no vazio.

E apenas uma, ao fim da claridade,
Caindo no vazio da existência,
Ressurge no esplendor da eternidade.

ESTRELA DA MANHÃ
Estrela da manhã que resplandece
no céu espiritual de minha vida,
vislumbro em seu olhar a mesma prece
que envolve ao longe a solitária ermida.
Brilha no azul. Porém quando escurece,
não passa de uma lágrima perdida
na imensidão da noite que aparece,
de estrelas fulgurantes, revestida.
E, levando meus sonhos noite afora,
eu posso vê-la ainda ao sol nascente,
quando as estrelas todas vão embora.
Pois só você, estrela entristecida,
não tem repouso e brilha suavemente
no céu espiritual de minha vida.
SÃO FIDÉLIS

De São Fidélis guardo a ressonância
 De pássaros cantando nas capoeiras;
 No olhar conservo as flores das primeiras
 Primaveras perdidas na distância…

 Toucou-me um dia a incontrolável ânsia
 De procurar caminho e abrir porteiras,
 Deixando para trás velhas mangueiras
 Que encheram de doçura a minha infância.

 Comércio, indústria, o campo verde, o açude…
 Cidade Poema, te esquecer não pude,
 Porque, mesmo partindo da cidade,

 Como carro-de-boi que geme e chora,
 Eu vou levando pela vida afora
 A colheita indelével da saudade!

SÃO FIDÉLIS II

Cidade poema, tu não és somente
 Um recanto de esplêndida beleza,
 Fruto de tua rica natureza
 E também do labor de tua gente.

 Não é apenas a visão presente
 De tudo que compõe tua grandeza:
 Jardins e monumentos, e a surpresa
 Que a cada passo o visitante sente…

 São Fidélis, tu és a extraordinária
 Imagem da Matriz bicentenária,
 Testemunha de sua trajetória.

 Ela é o ontem que acena ao amanhã
 E que se eleva como guardiã
 De tua longa e luminosa história.

SONETO VERDE

“O Paraibuna, rio singular 
Que vai passando mas não vai embora 
É testemunha mais que milenar 
Da mata do Krambeck em Juiz de Fora 

E diz que a mata é dona do lugar, 
Porque usucapiu a fauna e a flora 
E tudo que devemos preservar 
Desde ontem, hoje e séculos afora 

A mata é o grito verde permanente 
Da natureza em prol do meio-ambiente, 
O bem maior que a humanidade tem.

A mata é vida e em nome da harmonia 
A poetisa Clevane já dizia: 
Quem mata a mata morrerá também.”
Fontes:
Alguns sonetos foram enviados pelo poeta mineiro Luciano Brandão

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 13

Caio de Mello Franco
(Montevidéu/Uruguai, 3 maio 1896 Registrado no Consulado Brasileiro –
Paris/ França, 18 setembro 1955)

” O EVANGELHO DA VELHICE “

Quando a velhice te bater à porta
queres ouvir nosso Evangelho? Escuta,
abre de manso e, trêmula perscruta
aquela face que a tristeza corta.

Olha-a de frente. E uma alegria morta
verás em cada sulco que a labuta
deixou fundo ficar na insana luta
que não nos confortou, nem nos conforta.

Enxugarás o pranto resignado
e ficarás pungentemente orando,
de mãos postas, a olhar para o Passado…

E assim, velhinha e triste e eu triste a velho,
viveremos tremendo, mas rezando
a saudade sem fim, deste Evangelho.

” O FAUNO “

No meu plinto de pedra, o olhar vazio,
a alma vazia, no jardim deserto,
sonho encolhido de tristeza e frio,
ouvindo a fonte que murmura perto.

As vezes penso: este meu fado incerto
mudou-se em gloria, fez-se amor! – Sorrio…
Depois, o tempo passa . . . E eis-me desperto
do meu longo e profundo desvario . . .

E súbito, em minha’alma primitiva
antes tranqüila e agora turva, a chama
de um desejo fugaz, crepita, viva…

Em meu corpo de pedra anseio e arquejo. . .
Sinto que em torno a natureza me ama
e atiro ao vento o meu primeiro beijo.
============

Carlos Augusto Ferreira 
(Porto Alegre/RS, 4 outubro 1844 – Campinas/SP, 12 fevereiro 1913)

” IDÍLIO “

Vamos, amor, por esses campos fora,
asas abrindo à doce luz da vida,
ouvir a terna, a meiga, a apetecida
canção que entoa a terra à deusa Aurora.

Vamos, que é tempo. A natureza inflora
montes, vales, vergéis, e embevecida
treme de amor a rosa. Ouves, querida,
a ave que canta? a viração que chora?

Vês? Que alegre amnhã, Todo o arvoredo
tão fresco e bom! O alegre passaredo
enche a selva de mágico rumor…

Pois cantemos também, vamos risonhos
haurir a vida em turbilhões de sonhos,
asas abrindo ao quente sol do amor! . . .
===================

Carlos Drummond de Andrade
(Itabira/MG, 31 outubro 1902 – Rio de Janeiro/RJ, 17 agosto 1987)

” ENTRE O SER E AS COISAS “

Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e a rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que a de natureza corrosiva.

N’água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas a mais nuas.

E nem os elementos encantados
sabem do amor que o punge e que e, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.

” FRAGA E SOMBRA FRAGA E SOMBRA “

A sombra azul da tarde nos confrange.
Baixa, severa, a luz crepuscular.
Um sino toca, e não saber quem tange
é como se este som nascesse do ar.

Música breve, noite longa. O alfanje
que sono e sonho ceifa devagar
mal se desenha, fino ante a falange
das nuvens esquecidas de passar.

Os dois apenas, entre céu e terra,
sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente a abstrata serra.

E calcamos em nós, sob o profundo
instinto de existir, outra mais pura   
vontade de anular a criatura.

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Sonetos Dispersos 1

Gustavo Teixeira
(1881/1937)
Casa Paterna

Da velha casa em que a manhã da vida
passei – conservo uma lembrança exata:
antes de eu vir ao mundo foi erguida
perto da serra, quase ao pé da mata.

Dá para o sul a frente enegrecida;
ao lado, para um poente de escarlata,
janelas donde, na estação florida,
se aspira o cheiro dos jasmins de prata.

Perto, o bambual em cujo seio amigo
cantam graúnas, e o pomar antigo
com melros, tiés e gurundis em bando.

O ribeirão, o cafezal, a horta…
Ah! que saudade o coração me corta
do lar querido que deixei chorando!
– – –

Luís Caetano Pereira Guimarães Júnior
(1845/1898),
Visita à Casa Paterna

Como a ave que volta ao ninho antigo
depois de um longo e tenebroso inverno,
eu quis também rever o lar paterno,
o meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
o fantasma talvez do amor materno,
tomou-me as mãos, – olhou-me, grave e terno,
e, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala… (Oh! se me lembro! e quanto!)
em que da luz noturna à claridade
minhas irmãs e minha mãe… O pranto

jorrou-me em ondas… Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
chorava em cada canto uma saudade.
– – –
Elizabeth Barrett Browning 

(1806/1861)
Soneto

Ama-me por amor do amor somente,
não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
o seu sorriso, o modo de falar
honesto e brando. Amo-a porque se sente

minha alma em comunhão constantemente
com a sua.” Porque pode mudar
isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
de tuas mãos enxuga, pois se em mim
secar, por teu conforto, esta vontade

de chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me pelo amor do amor, e assim
me hás de querer por toda a eternidade.
– – –

Darly O. Barros / SP
Celagem

Meu estro se extasia, ao ver o ocaso
vermelhecer, à curva descendente
do sol: são seis e vinte e é, sem atraso,
que ele boceja e some, no ocidente…

Meus dedos fremem, não por mero acaso:
há que selar o vôo mais recente,
os frêmitos e arroubos do parnaso,
ao mergulhar as asas no poente;

e, então, a gotejar vermelho e rosa
– colhidos na viagem espantosa,
realizada às fímbrias do cariz, –

vê-lo embebendo a pena em mil rubores
e, num papel, eternizando as cores
do sol poente, em glorioso bis…
– – –

Raimundo da Mota Azevedo Correia
(1860/1911),
A Cavalgada

A lua banha a solitária estrada…
Silêncio!… Mas além, confuso e brando,
o som longínquo vem-se aproximando
do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando
o remanso da noite embalsamada…

E o bosque estala, move-se, estremece…
Da cavalgada o estrépito que aumenta
perde-se após no centro da montanha…

E o silêncio outra vez soturno desce…
E límpida, sem mácula, alvacenta,
a lua a estrada solitária banha…
– – –

Sebastião Alício Sundfeld,
Saudade em Tarde de Chuva

Nessa tarde chuvosa, meio acinzentada,
vou na infância buscar a emoção fugidia.
Encosto-me à janela, como antes fazia,
para espiar na rua as águas da enxurrada.

Ronda-me conhecida sensação passada…
O vidro da vidraça é uma carícia fria!
Aqueço-me, porém, no afago que existia
naquele alegre tempo de criança amada.

Tarde de chuva, tarde de história tristonha,
a relembrar da vida um tempo muito antigo,
que mais parece ser a história de quem sonha.

Sou menino outra vez, na magia de agora,
ao pressentir mamãe a contemplar comigo
a chuva derramando saudades lá fora.
– – –

Athayr Cagnin
Cavalheiro

Graças a Deus, ela voltou! Sozinho,
eu já não suportava os dias meus.
Aves, cantai! Abre-se um novo ninho!
Tristezas, meu tormento amargo, adeus!

Ela voltou. Enfeita-se o caminho
por onde passam os pezinhos seus.
Vem para mim. Espera-a o meu carinho.
Ela voltou, por fim… graças a Deus!

Juntos, quem o diria, novamente!
Eu e ela. Nós dois… quem o diria?
Juntos de novo como antigamente!

Voltou. Abrem-se flores. Tons irreais
dão novo colorido ao velho dia.
Um amor que ressurge. Um poeta a mais.
– – –

Luís Vaz de Camões (c. 1517/1580),
“O fogo que na branda cera ardia”

O fogo que na branda cera ardia,
vendo o rosto gentil que eu na alma vejo,
se acendeu de outro fogo do desejo,
por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dois ardores se incendia,
da grande impaciência fez despejo,
e, remetendo com furor sobejo,
vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama, que se atreve
a apagar seus ardores e tormentos
na vista a quem o sol temores deve!

Namoram-se, senhora, os elementos
de vós, e queima o fogo aquela neve
que queima corações e pensamentos.
– – –

Leonilda Hilgenberg Justus / PR
Vazios

Certo dia, em floresta perfumada,
dois pássaros falavam seriamente:
– Ai, amigo… a minha alma está agoniada
ante as ações dos que se dizem gente…

– Eu, também (fala o outro da galhada).
Mudei-me já três vezes, num repente!
Homens em ambição descontrolada,
arrasaram meus lares, friamente!

Bem logo, onde árvores e claros rios,
delícias para amar, viver, cantar,
veremos só vazios… só vazios…

E daí… – continua mais baixinho… –
ninguém terá ninguém por quem chorar…
sem vida alguma, e até sem passarinho…
– – –

João Henrique da Silva
Extremos

Andavam pela rua avô e neto,
apoiados em mútua confiança,
dividindo entre si, o mesmo afeto.
Eram dois velhos, ou duas crianças.

Neto querido, com avô dileto,
um dando ao outro inteira segurança
através de palavras simples mansas
vindas, ora do avô; ora do neto.

Fiquei admirado, olhando a esmo.
Depois, me perguntei a mim mesmo:
– Qual é o velho, qual é a criança?

Quando eu olhei para eles novamente,
já iam de mãos dadas bem distantes.
Era o adeus apoiado na esperança.
– – –

Raimundo da Mota Azevedo Correia
(1860-1911)
Anoitecer

Esbraseia o Ocidente na agonia
o sol… Aves, em bandos destacados,
por céus de ouro e de púrpura raiados,
fogem… Fecha-se a pálpebra do dia…

Delineiam-se, além, da serrania
os vértices de chama aureolados.
Em tudo, em torno, esbatem derramados,
uns tons suaves de melancolia…

Um mundo de vapores no ar flutua…
Como uma informe nódoa, avulta e cresce
a sombra, à proporção que a luz recua…

A natureza apática esmaece…
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
surge trêmula, trêmula… Anoitece.
– – –

Josué Anacleto Vieira
Meu Cajueiro

Foi da semente que brotou viçoso,
meu cajueiro amigo do cerrado;
no chão fecundo seu feliz repouso,
na imensidão do campo desbravado.

Foi na floresta que cresceu frondoso,
sob a magia do céu azulado;
lá, onde corre manso o Rio Formoso,
fonte da vida como no passado.

Essa distância que afastou nós dois,
parece até que me feriu depois,
da nostalgia que meu peito invade.

Vejo o orvalho das folhas deslizando,
a se espalhar no chão de vez em quando
como se fossem gotas de saudade.

Fontes:
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 08 – AGOSTO 2000
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 07 – JULHO 2000
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 06 – JUNHO 2000
Seleções em Folha. Ano 4, Nº 09 – SETEMBRO 2000

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 12

Benedita de Melo 
(Vicença/ PE, 1906 – Rio de Janeiro, 1991)

” CONFUSÃO “
Pretendeste deixar-me… Que loucura!
Acaso pode a luz deixar o dia ?. . .
E o ser deixar a forma, poderia? . . .
E pode o fel deixar sua amargura? . . .

Vivemos separados, de mistura,
o meu ser no teu ser em harmonia…
Se tu me abandonasses, criatura,
de ti, em ti, já nada restaria.

Não me deixaste a mim, deixaste a casa.
Temo-nos desenhados na alma em brasa.
Somos um coração íntegro e nu.

Não podias deixar-me… que no mundo,
de tal sorte contigo me confundo,
que nem sei se eu sou eu, ou se eu sou tu.

” MUITO OBRIGADA “

Muito obrigada pelo bem de outrora
que me faz recordar-te no presente,
muito obrigada pelo mal de agora
que me ensinou a amar-te tanto, ausente..

Muito obrigada porque de hora em hora
mentiste um pouco mais, sinceramente;
porque sabes mentir para quem chora,
porque mentindo me fizeste crente.

Muito obrigada pela falsidade
que me veio acordar o instinto inerte
contra os espinhos da infidelidade. . .

Muito obrigada porque posso ver-te
dentro do negro mundo da saudade
que eu não teria nunca, sem perder-te.

” VERGONHA “

– “Menina!” — disse alguém, no grande instante
em que era dividido em dois um ser. . .
E essa palavra, pelo mundo avante,
foi o meu Santo orgulho de viver…

Ser menina. Ser moça. Ser constante.
Ser caráter. Ser honra. Ser dever.
Por mais tropeços que encontrasse adiante,
nunca me entristeci de ser mulher.

Mas veio o amor. Veio a traição ferina
e todo o orgulho meu de ser menina,
roubou-o a sorte malfadada a crua.

E veio a dor. E veio a mágoa, o tédio…
E a vergonha escaldante e sem remédio
de ter sido mulher para ser tua.
–––––––––––

Benedito Nogueira Tapeti
(Benedito Francisco Nogueira Tapeti)
(Oeiras/PI, 30 dezembro 1890 – Oeiras/PI, 18 janeiro1918)

” CAMONEANO “

Eu sei, Senhora, que vos não mereço
e que, por vossa graça e formosura,
vós podeis cobiçar mais alto preço
do que minha afeição simples e pura.

Mas se eu vivo por vós, e não me esqueço
de toda a vossa angélica doçura,
é porque, no desterro em que padeço,
somente em vos lembrar tenho ventura.

Meu destino, por serdes vós quem sois,
põe tamanha distancia entre nós dois,
que me mata a esperança e a paz de outrora.

Mercê, porém, de vós, de vosso nome,
e gozo a dor que aos poucos me consome;
tanto me apraz sofrer por vós, Senhora.
–––––––––––––––

Benjamim Silva
(Cachoeiro do Itapemirim/ES, 20 julho 1886 – Rio de Janeiro, 10 junho 1954)

” ROMPIMENTO “

Entre nós dois está tudo acabado.
Está tudo acabado entre nós dois:
tu partirás agora para um lado,
para outro lado eu partirei depois.

Que desse nosso amor desventurado
a que um destino mau se contrapôs,
nada fique que o faça relembrado
que tudo, enfim, desapareça, pois!

As nossas camas, da última à primeira;
as flores a os retratos que guardamos;
queimemos tudo numa só fogueira!

Destruídas todas as recordações,
só nos resta – de tudo que trocamos
queimar também os nossos corações!
–––––––––––––––-

Bento Ernesto Junior
(Itapecerica/MG, 25 agosto 1866 – São João Del Rey/MG, 9 janeiro 1943)

” SONETO “

A vida, meu amor, que hoje passamos
só pode ser com lágrimas descrita,
tão grande a dor que o peito nos habita,
tão amargo este fel que hoje provamos.

Tão nublados de lágrimas levamos
os olhos, sob o peso da desdita,
que tudo que ante nos vive a palpita,
tudo inundado em lágrimas julgamos.

E todo esse lutuoso mar de pranto,
que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
nasce de havermos nos amado tanto!

Porém, embora, a amar tanto soframos,
cada vez mais, amada, nos queremos,
cada vez mais, querida, nos amamos.
––––––––––––

Bernardo de Oliveira
(Irmão do poeta Alberto de Oliveira)
(Saquarema/RJ, 1861 – 1943)

” ESTRELA MATUTINA “

Negros olhos belíssimos, rasgados,
como os das águias, vivos, penetrantes,
na paz – serenos, meigos, – mas, irados,
podem fundir rochedos e diamantes.

Também negros cabelos ondeantes;
boca pequena, lábios nacarados;
alvos dentes; de mármore talhados
os braços são, e os seios, ofegantes.

E o corpo inteiro; as faces purpurinas.
É uma formosa matutina estrela,
fulgurando entre as névoas matutinas.

E’ uma deusa de Rubens sobre a tela,
tem a morte e o amor sob as retinas . . .
E eu tenho a vida nos olhares dela!
––––––––––––––––-

Bonfim Sobrinho
(José da Silva Bonfim Sobrinho)
(Fortaleza/CE, 19 março 1875 – 22 junho 1900).

” NOIVADO FÚNEBRE “

Negra tristeza meu semblante encova
ó noiva amada, lírio meu fanado.
Por que não vamos na mudez da cova
em círios celebrar nosso noivado?

Nos sete palmos desse leito amado,
ao frio bom de uma volúpia nova
há de embalar o nosso amor gelado
o coveiro a cantar magoada trova.

E os nossos corpos gélidos, inermes,
em demorados e famintos beijos
serão depois roídos pelos vermes…

E do leito final que nos encerra
em plantas brotarão nossos desejos
e o nosso amor, em flores, sobre a terra.Fonte:
– J.G . de Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Vasco Mouzinho de Quebedo (Poesia sem Fronteiras)

SONETO I

Ao Duque

A glória do edifício, o louvor alto
Do que a última mão lhe põe, se dobra
Em desgraça daquele, e mágoa da obra,
Que no melhor lhe foi escasso e falto.

Este de letras, com que ao Céu me exalto
E que em mim vossa mão levanta e obra,
Se sua perfeição por vós não cobra,
A todos causa mágoa e sobressalto.

Já que os andames da esperança minha
Não há quem desarmá-los hoje possa,
Fazei com que este meu trabalho monte.

Vós sereis minha glória, eu glória vossa,
Ficando à vista as que eu já n’alma tinha,
Vossas armas reais em minha fronte.

SONETO II

A D. Manuel de Lencastre.

Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.

Ali não teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha árvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.

Trabalha o Céu em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fúria imensa
Cada hora espero pela derradeira.

Onde me acolherei que alguém me valha?
A vós, a quem não quer fazer ofensa
O Céu, nem pode a terra, inda que queira.

SONETO III

A D. Fernão Martins Mascarenhas quando o fizeram Bispo.

Espanta crecer tanto o Crocodilo
Só por seu acanhado nascimento,
Que se maior nascera, mais isento
Estivera d’espanto o pátrio Nilo.

Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical novo ornamento,
Pois no ventre o imortal merecimento
Vo-lo talhou, para despois visti-lo.

Tardou, mas veio, que a quem mais merece
Muito mais tarde vir o prémio é certo,
E sempre tarda, inda que venha cedo.

Os Céus, que do primeiro estão mais perto,
Mais devagar se movem; quem soubesse
Trás d’aquele segredo, este segredo?

SONETO IV

Ao Reitor António de Mendonça.

Neste árduo labirinto onde me guio,
Sem esperança algua de saída,
Mostrai, senhor, o fio à minha vida,
Pois está minha vida já no fio.

Incertos passos, hórrido desvio,
Medonhos ares, confusão crescida
Ma trazem com temor desfalecida,
E dela já de todo desconfio.

A vós só tem minha esperança morta,
Se morta pode ser ua esperança
Que vos tem vivo, e largos anos tenha.

Se espera mal, e ser queimada importa
Por crer mais do que pode e cá se alcança,
O fogo ponde, que eu lhe ajunto a lenha.

SONETO V

Qual Hércules estrela já mudado,
Que quando se quer pôr ao tempo certo,
Cabeça e corpo todo já coberto,
Fica só pelos pés dependurado,

Tal c’ua grave dor, grave cuidado
Que o coração me tem de todo aberto,
Perdida a razão já, de meu fim perto
Me vejo agora em semelhante estado.

Mas ai! paixão penosa, que além passas,
Que este, enfim, não é sempre no Céu visto,
Ainda que dos pés se ponha tarde.

E tu, como meu mal e morte traças,
És qual a mão do filho de Calisto,
Que em todo [o] tempo ao mar cintila e arde.

SONETO VI

Qual naufragante mísero que cai
Da rota barca no soberbo pego,
E, lidando c’os braços sem sossego,
A cada onda receia que desmaie,

Tal, sem ter já lugar onde se espraie
Neste mar de meu mal, cansado e cego
Ando, aqui desfaleço, ali me anego,
E a cada encontro seu [a] alma me sai.

Em meio de mil barcas clamo, e brado:
“Me lancem por piedade um cabo forte!”,
Mas a ninguém magoa meu cuidado.

Ah, não queirais que vida tal se corte
Que se vida me dais, ganhais dobrado,
Livrando muitas vidas de ua morte.

SONETO VII

No Rio Eufrate[s], ua erva, ou flor se cria
Que c’o Sol sobre as águas aparece,
E dentro se recolhe e se entristece
Quando no largo mar se esconde o dia.

À vista de meu Sol ledo me via
Fora do rio, que dos olhos crece;
Agora que meu Sol não me amanhece,
Entre lágrimas vivo em noite fria.

Mas desta flor o triste estado é breve,
Trás noite manhã tem; ai de quem chora
Contando noites, sem que um dia conte.

O Sol já por milagre quedo esteve:
Também parou meu Sol, mas parou fora,
Para noite sem fim de meu Horizonte.

SONETO VIII

Da virtude que move os Céus depende
Todo o bem, toda a glória e ser da terra,
E se u’hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.

Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu’hora Amor dela o desterra,
Que glória mais que vida ou ser pretende.

Mas nem há-de faltar essa virtude
Se não c’o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.

Então para que nunca mais se mude,
Se mudará, e mudar-se Amor nessa hora,
Será para outro Amor que sempre dura.
Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=39

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Wagner Rodrigues (Sonetos Escolhidos)

Sem Cais

Neste dia em que meu coração
Aflito, pulsa a dor duma saudade
Rasga no meu peito triste uma vontade
De escrever mil sonetos de paixão!

Quem me dera tamanha inspiração
Capaz de atenuar minha soledade
Esse vazio da fatalidade
Que é te ter como minha adoração!

Mas não consigo nem um só soneto!
Apenas um composto sem quarteto
Feito somente com as iniciais

De DOIS portos que num oceano agitado
Deixaram o barco do Amor naufragado
A poucos metros de UM porto sem cais!

O Vírus do Amor

Disse um dia alguém que o vírus do Amor
– Este, que reside em tese no Beijo –
É a mutação sublime do Desejo
Que antes de ser Desejo foi Calor…

Disse um dia alguém que o vírus do Amor
– Este, que se propaga no cortejo –
No início ele era apenas um Ensejo…
Mas hoje faz deste homem um trovador!

Venha menina, e beije-me em ternura
Faz-me contaminado com esta cura
Faz-me acamado de tanta alegria!

Venha menina que em meu quarto assoma
Quero desfrutar de cada sintoma
Desse vírus que alguém me falou um dia!

Menina dos Olhos

Mas quem és tu!? Como ousas me perscrutar
desta forma? Não é possível crer!
Eu estou assombrado com este poder
Que consegue tão fácil me decifrar!

Incrível quando falas sem titubear
Daquilo que ninguém te fez conhecer…
Sinceramente não posso compreender
Tão singela maneira de sondar!

Como podes ler o meu coração?
Hei de descobrir o seu grande arcano…
– Eu também quero ler teu coração!

Lance de novo o teu olhar, menina
Inda quero usar deste teu plano
Que tão incrivelmente me fascina!

Soneto

O Tempo… Quão refém dele me sinto
Quando vejo que chances preciosas
Passaram e murcharam como rosas…
Flores jogadas num jardim extinto!

Devorou-me este Tempo tão faminto!
Tragou as minhas árvores frondosas
Deixou-me só lembranças vaporosas…
O Tempo… Quão refém dele me sinto!

Triste e impassível com o passar dos anos
Vejo a morte de todos os meus planos
Que agonizaram nas rugas da face…

Em cada movimento do relógio
Eu leio com terror o necrológio
De um Sonho que morreu e não renasce!

Tesouro

Eu levava comigo, bem guardada
A jóia mais bonita deste mundo
Que perdida no mar, bem lá no fundo
Estava pelas rochas ofuscada…

E para ter a jóia cobiçada
Impelido por um querer profundo
Eu mergulhei no mar de um estranho mundo
E enfrentei a torrente mais gelada…

E na fúria de um cristão contra um mouro
Bravamente fiz o que foi preciso
Para conquistar meu grande tesouro…

Mas a Vida atacou-me sem aviso
E fez-me pobre ao levar o meu ouro
E fez-me triste ao levar teu sorriso!

Ode a Tristeza

Tão triste! Mas se no mundo a Tristeza,
tivesse formas assim tão divinas,
glorificar a Dor seria a sina
de todo homem que se curva à Beleza!

Se a Dor é assim, a Dor é a Princesa,
que ao se mostrar num pranto de menina,
faz ver que não há nada que defina
com exatidão tamanha realeza!

Teu olhar, umedecido pelo orvalho
(de um coração aflito e em retalho)
é a coisa mais singela que eu já vi!

E se a Tristeza fosse algo de valor,
esta jóia que escorre em ti, meu amor,
é mais valiosa que a prata, o ouro, e o rubi!

Despedida

Tu, que pensas mais em ti do que em mim
(E tenta convencer-me do contrário)
Não te importas com a dor do meu calvário
Só se importas se pra ti eu digo “sim”.

Veja! Por muito tempo eu rastejo assim
Ajoelhado em teu próprio santuário
Como se eu fosse um fiel sectário
Da seita que crias-te só pra mim.

E assim, fraco, carente de mim mesmo
Fico a andar pela minha vida a esmo
Enquanto vou na estrada da sua vida

Mas agora, temendo a derrocada
Eu vou precisar sair da sua estrada…
Fica em versos a minha despedida!

Na Estrada…

Na estrada que serpenteia o deserto
Que simboliza o coração humano
Lá vai o solitário com o arcano
Que o faz viajar para um rumo incerto!

Ele vai sozinho, sem ninguém por perto
Andando sem rumo, destino, ou plano
Levando o segredo que o torna insano
E buscando AQUILO que está encoberto!

E ele segue… Tal qual Dean, tal qual Sal
Ora sendo bom, ora sendo mau
Num misto de fantasia e loucura…

E arfando nesta estrada de ilusão
Ele oscila entre a orgia e a solidão
Na ávida sede de achar a cura!

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=70&x=18&y=5

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 11

Barreto Filho (“Barretinho”)
José Barreto Filho
Aracaju/SE, 27 janeiro 1908 – 17 dezembro 1983)
sobrinho do poeta Tobias Barreto.

” SONETO “

Ama na vida tudo o que puderes:
a garça, o mar, o cisne de alva pluma…
Vive do amor de todas as mulheres
que hás de morrer do fero amor de alguma.

Perdoa sempre… Esfolha de uma em uma
as pétalas fatais dos malmequeres,
deixando, assim, que a vida se resuma
no brilho do destino que tiveres.

A vida é um galho cujos dons se almejam,
árvore boa que eu, cantando, exalto,
coroada de frutos e de ninhos.

Recolhe os frutos que mais perto estejam.
Para alcançares o que vês mais alto,
hás de ferir a mão pelos espinhos.
==================
Bastos Portela
[Gentil Bastos Portela]
(Recife/PE, 1894 – ?)

” JÓIA FALSA “

Amor…Mas, ora o amor! O amor, na vida,
não é, de certo, esta perfídia…Não!
– Primeiro, uma palavra enternecida;
depois, um beijo: após, uma traição…

…Não te digas, porém, arrependida,
nem me prometas mais o teu perdão!
Pois se foste, por vezes, iludida,
também me envenenaste o coração…

Não houve afeto entre nós dois… Havia
um doce enlevo, uma ilusão de amor,
– e um pouco de maldade e de ironia…

Enganei-me. Inda bem que o reconheço…
– És uma simples jóia sem valor,
e eu te comprei pelo mais alto preço!
===============
Bastos Tigre
[Manuel Bastos Tigre]
(Recife/PE, 12 março 1882 – Rio de Janeiro, 2 agosto 1957)

” IMUTÁBILIS AMOR “

Amor é sempre amor por mais que viva.
Será maior, menor, mas sempre amor;
não muda a sua essência primitiva,
embora mude a forma ou mude a côr.

Se nas reações da química afetiva
pode haver mais calor, menos calor,
de nada nem se acresce nem se priva
a incorpórea molécula do amor.

Não muda o que era amor para amizade;
– porque apresente a prata áureo fulgor
vai que, de ouro, ela seja variedade ?

Fanada a flor, é sempre a mesma flor,
murche de velho, em lama se degrade,
se avilte em sangue… amor é sempre amor!

” DEFINIÇÃO “

Amor é mal, é mal que não tem cura;
mas, sendo mal, sofre-lo nos faz bem . . .
Chora o amante, se o amor lhe dá ventura,
e ri da dor, se dele a dor lhe vem.

O amor é vida e leva a sepultura;
é doce filtro, o amor, e fel contém.
É luz, mas, entretanto, em noite escura
vive, às cegas, o alguém que ama outro alguém.

O amor é cego, e vê todo o invisível;
sendo imutável, quase sempre é vário,
é deus, e faz de um Santo um pecador !

Fraco a indefeso, é força irresistível;
sendo, pois, a si próprio tão contrário,
quem é que pode definir o amor?
=============
Beatrix dos Reis Carvalho
(Rio de Janeiro/GB)
sem dados biográficos.

” CONTRIÇÃO “

Meu Deus, eu sei. Eu sei, não merecia
esse bem que me das em profusão.
Sofrer é justo como a luz do dia,
mas ser feliz é prêmio, é galardão!

Quase me acostumara à tirania
da vida que castiga sem razão.
E, para mim, o amor como eu queria
era uma estrela, longe, na amplidão;

nao devia existir e, se existisse,
querê-la era loucura, era tolice,
que as estrelas não vem a nossa mão. . .

Meu Deus! Puseste a estrela em meu caminho!
Por esse amor que é todo o meu carinho,
perdão se duvidei, perdão, perdão!
===============
Belmiro Braga
[Belmiro Belarmino de Barros Braga]
(Vargem Grande/MG, 7 janeiro 1872 – Juiz de Fora/MG, 31 março 1937)

” DESPEDIDA “

E partes amanhã! . . . E, triste, eu penso
no que há de ser de mim, meu doce encanto . . .
E sinto os olhos úmidos de pranto
e na alma a angústia de um pesar imenso . . .

Eu tenho agora o coração suspenso,
nos lábios a mudez, no olhar o espanto:
– feiticeira, puseste-me quebranto,
tu és dona de mim, eu te pertenço. . .

E partes amanhã, meu bem querido,
sem que eu possa, ditoso e comovido,
beijar a tua fronte e os olhos teus. . .

Sem que eu possa, feliz, numa ânsia louca,
com meus lábios gravar na tua boca
as cinco letras da palavra – Adeus! . . .

” DE DUAS, UMA ! “

Eu por uma mulher pensando vivo,
por mim outra mulher vive pensando;
aquela de mim sempre se esquivando,
esta sempre a buscar-me, e eu sempre esquivo…

E o amor, contraditório e miserando,
de eu morrer e matar, sendo o motivo,
nem desta pelo amor me faz cativo,
nem daquela me torna o amor mais brando.

Se devo por fim ao meu desgosto,
que me importa que o mundo ande composto
de bem-me-queres e de mal-me-queres? . . .

É necessário, pois, que o Amor me acuda:
– de duas, uma! O coração me muda,
ou muda os corações dessas mulheres!
Fonte:
– J.G . de Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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Cristina Pires (Sonetos Escolhidos)

SILÊNCIOS QUE PERDURAM

 Serás tu, Tempo, responsável pelo uso
 Dos mares e das naus perdidas nas rotas
 Dos céus gastos p’las asas das gaivotas
 Que rondam o patamar de um olhar difuso?

 Serás tu, Tempo, o guardião das imortais
 Trocas de frases silenciosas e das rondas
 Dos desejos que pululam em tíbias ondas?
 Gastaram-se as janelas, e os véus orientais

 Que estas mãos tanto amarrotaram…figurantes
 De um cenário de passos e risos vagantes!
 Gastaram-se, para sempre, as rocas e os fusos

 Que urdiam colchas em lentas e suaves gavotas.
 Só os muros, forrados com ais poliglotas,
 Ó Tempo, não se usam c’os silêncios reclusos…

EFÉMERO

 Ilusões! Ilusões e desencantos!
 Ouropéis… consciências ressequidas
 Nas ruelas das lágrimas pungidas
 P’la Essência nefanda de alguns cantos.

 Céus! Glória! Entoam mudos os santos
 Do vale Azul da alma, que com bridas
 De algodão chafurdam às escondidas
 Nas promessas olvidadas nos prantos.

 Almos encantos! Queixumes opacos
 Em esquifes sublimes de uns patacos,
 Purgam no fel de ventos subalternos.

 Vai! Adentra, sem dó, no prazer rubro
 E sepulta, na Terra, esse delubro,
 Dos pórticos de ferro e dos Infernos!

GEADAS DE INVERNO

 Por entre as frestas, cinzeladas na janela
 do meu singelo olhar, perdido num vão,
 Assisto a duelos, entre o Sol e o Deus Trovão,
 Nos frios lençóis dum leito ornado de procela.

 Glaciais rajadas, vêm num ímpeto selvagem,
 Fustigar, calmamente, o fraco Sol restante
 nos poiais azuis celestes, do árido semblante,
 Que me ofertaste, gentilhomem, com friagem.

 Se o Vento, cruel, não permite um fim feliz,
 Nem deixa entrar as réstias finais dum dia claro,
 Que seque já a Primavera…, e a cicatriz

 Que tu deixaste, em geadas, e extinguiste, assim,
 as altaneiras chamas, fósseis dum amparo
 num Inverno conjugal; num leito de marfim!

NOITES DE ÂMBAR E D’ARGENTO

 Folheio, em um resumo, as belas noites quentes; 
 As noites salpicadas de âmbar e de argento, 
 Que iluminavam paixões, em quartos crescentes, 
 Com brilhos intensos, levados pelo vento… 

 Foram tão breves as insónias no teu corpo; 
 Nos braços teus…, relíquias dum tempo voraz! 
 Amante fui, amante sou, e serei porto 
 Dos teus passados! Já passados, fica a paz… 

 Relembro, hoje, os teus cabelos já nevados 
 No frio do Inverno cruel; os lençóis enrugados; 
 A minha pele de tons cor de rosa murcha… 

 Agora, não sei dormitar só e ao relento; 
 É, pois, nos braços teus, que morre o sofrimento 
 Do corpo meu, que pelo teu, tanto estrebucha…

XV – REMINISCÊNCIAS DESSE BEIJO 

 Ah ! Aprazíveis eram aqueles momentos, 
 Quando, eufórica, ficava à tua espera 
 À janela, vestida de carmim e hera, 
 Flutuava nas alamedas do firmamento. 

 Ah ! Que ainda hoje rememoro esse beijo, 
 Que de tão incendiário, desbastava o pranto, 
 Quando me banhava sob o nenúfar branco, 
 Na noite…, sob o luar prateado de desejo, 

 E hoje figuram as marcas do resguardo, 
 Nas folhas dos álamos…, nas horas do aguardo 
 Onde deixei solitário e virgem, o carme. 

 Hoje, trajo-me tão só de velhas lembranças… 
 Enterradas no peito ficam as tuas danças, 
 Daquele incendiário beijo pleno de charme.

XIV – BEIJOS LÍRICOS 

 Quando, eufórica, ficava à tua espera, 
 À janela via as andorinhas passar… 
 Vestidas de gala voando no versejar, 
 Voam, como eu voo, nas esquinas da primavera ! 

 Ficam os tempos, vão-se as cálidas vontades, 
 De abraçar o tempo fútil, desperdiçado 
 Em retóricas infecundas do passado, 
 Que só voltam nas asas livres das saudades ! 

 Ah ! Quem me dera viver a vida outra vez, 
 Lutar arduamente contra esta timidez, 
 E deixar de enaltecer tantos sofrimentos ! 

 Cortar as asas do abutre venenoso, 
 Morrer no antídoto do beijo amoroso… 
 Ah ! Aprazíveis eram aqueles momentos !

XII – BEIJO DO PECADO 

 Flutuava nas alamedas do firmamento, 
 De mãos dadas com a cupidez e o pecado. 
 Que mais me dá se me ofertam o mau olhado 
 Se é o teu beijo que me invade o pensamento ? 

 Permaneçam com o meu corpo!… Tanto dá ! 
 Essa não é essa a minha maior preocupação. 
 Que deixem a minha alma viver na monção… 
 Modesta moradia que a Terra engolirá. 

 Para ver-te chegar vestido de canela, 
 Nem os ventos me arredarão desta janela, 
 Nem os Diabos afastarão esta quimera, 

 Recolher esses teus doces lábios nos meus. 
 Impávida vejo-os passar esses ateus, 
 À janela, vestida de carmim e hera.

VII – BEIJO PROFANO 

 E hoje figuram as marcas do resguardo, 
 Nos rostos carcomidos pela vil demência, 
 De pensar que cada beijo alimenta a ausência, 
 Da liaça que preserva cada novo fardo. 

 Assim fui ! Demente ! Ávida de prazer ! 
 Febre delirante…, obcecação pelo achaque. 
 Fui larápia e profana. Ah ! Ignorei o vate. 
 Choro os pesares sem saber o que fazer. 

 Ilumina-me neste empedrado caminho, 
 Deus das Trevas, cede-me as hastes do azevinho, 
 Sucumbirei aos castigos por tanto vicejo. 

 Saberei reprimir esta minha avareza, 
 Quando adormeço nua no seio da natureza, 
 Na noite…, sob o luar prateado de desejo !

IV – BEIJO SALGADO 

 Hoje trajo-me tão só de velhas lembranças, 
 Como um ancião soneto que resiste ao tempo, 
 Em cadência, ritmo da dança do lamento, 
 Nas harpas suaves, acordes e ressonâncias. 

 Salteador implacável foste dos meus véus, 
 Trovador de lira, cancioneiro do luar, 
 Amo da lisonja, ático do meu pecar. 
 Excomungada serei dos valentes céus, 

 Se enxugar o sabor a sal do meu caminho. 
 Ébria solitária, cálice em desalinho, 
 Recuso veementemente a oferenda alarde. 

 Ao lado do orvalho do cardo das saudades, 
 Encaro o maligno Deus das Tempestades, 
 Onde deixei solitário e virgem, o carme !

Fonte:

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 9

Aristheu Bulhões
(Maceió/AL, 8 junho 1909 – 31 outubro 2000)

” AMOR PROIBIDO “

“Crescei, multiplicai” – disse o Senhor
mas a sua palavra o mundo olvida,
porque na Terra, justamente o amor
converteu-se na coisa mais proibida.

Ama o sol, ama a planta, o inseto, a flor,
amam todos os seres que tem vida,
é uma aurora de afeto embriagador
a própria natureza colorida.

Somente ao homem se proscreve o culto
da amizade sem mácula e defeito,
que não tem ambição e afronta o insulto.

Bem mais humano é o animal bravio
que extravasa a ternura do seu peito
quando a força do amor explode em cio!
===========

Arthur Azevedo
Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo,
(São Luís/MA, 07 julho 1855 – Rio de Janeiro, 22 outubro 1908)

” ARRUFOS “
                                                         
Não há no mundo quem amantes visse
Que se quisessem como nos queremos…
Um dia, uma questiúncula tivemos
Por um simples capricho, uma tolice.

— “Acabemos com isto!”, ela me disse,
E eu respondi-lhe assim — “Pois acabemos!”
E fiz o que se faz em tais extremos:
Tomei do meu chapéu com fanfarrice.

E, tendo um gesto de desdém profundo,
Saí cantarolando… (Está bem visto
Que a forma, aí, contrafazia o fundo).

Escreveu-me… Voltei. Nem Deus, nem Cristo,
Nem minha mãe, volvendo agora ao mundo,
Eram capazes de acabar com isto!

” TRANSEAT  “
                                                        
Tu és dona de mim, tu me pertences,
E, neste delicioso cativeiro,
Não queres crer que, ingrato e bandoleiro,
Possa eu noutra pensar, ou noutro penses…

Doce cuidado meu, não te convences
De que tudo na terra é passageiro,
Frívolo, fútil, rápido, ligeiro…
E a pertinácia do erro teu não vences!

Num belo dia – has de tu veres – desaba
Esta velha afeição, funda e comprida,
Que tanta gente nos inveja e gaba…

Choras? Para que lágrimas, querida?
Naturalmente o amor também se acaba,
Como tudo se acaba nesta vida.

” VEM… “

Escrúpulos?… Escrúpulos!… Tolices!
Corre aos meus braços! Vem! Não tenhas pejo!
Traze teu beijo ao encontro do meu beijo,
e deixa-os lá dizer que isto é doidice!

Não esperes o gelo da velhice,
não sufoques o lúbrico desejo
que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?… Farias mal… Quem disse?

Ora o dever! – o coração não deve!
A amor, se é verdadeiro, não ultraja
nem mancha a fama embora alva de neve.

Vem!… Que o teu sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve,
e outra vida melhor talvez não haja!
==============

Assis Garrido
(Francisco de Assis Garrido)
(São Luiz/MA, 14 agosto 1899 – 1969)

” VÊNUS “

Deusa, a teus pés a flor das minhas crenças, ponho!
Mulher, eu te procuro, eu te amo, eu te desejo!
Para a tua nudez, — a gaze do meu Sonho,
para a tua volúpia, o fogo do meu beijo.

Divina e humana, impura e casta, o olhar tristonho,
cabelos soltos, corpo nu, como eu te vejo,
dás-me todo o calor dos versos que componho
e enches-me de alegria a vida que pelejo.

Glória a ti, que, do Amor, cantaste, aos evos, o hino,
que surgiste do mar, branca, leve, radiante,
para a herança pagã do meu sangue latino!

Glória a ti, que ficaste, à alma dos homens, presa,
para a celebração rubra da carne estuante
e a régia orquestração da Forma e da Beleza!
=================

Augusto de Lima 
((Nova Lima, então Congonhas de Sabará, 5 de abril de 1859 — Rio de Janeiro, 22 de abril de 1934)

” ALMAS PARALELAS “
                   
Alma irmã de minh’alma, espelho vivo
de outro espelho fiel, que te retrata;
alma de luz serena e intemerata,
cujo influxo de amor me tem cativo!

Bem sinto que em mim vives e em ti vivo;
no entanto (e eis o desgosto que me mata! )
de amor a doce vaga me arrebata,
e não posso atingir teu vulto esquivo.

O mesmo curso têm nossos destinos,
do gozo, o mel; da dor, os desatinos,
a um nada inspiram, sem que o outro inspirem;

mas, triste some! Ó bela entre as mais belas!
Eles São como duas paralelas:
– próximos correm, sem jamais se unirem!
================

Augusto dos Anjos
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos
(Engenho Pau D’Arco/PB, atualmente Município de Sapé, 20 abril 1884 –  Leopoldina/MG, 12 novembro 1914)

 ” IDEALISMO “

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo
O amor na Humanidade é uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 8

Ângelo de Sousa
(Santos/SP, 8 dezembro 1871 – São Paulo/SP, 4 outubro 1901)

” BOCA INFERNAL “

Bipartido morango, os lábios frescos
de um rubro de framboesa machucada!
Há, nessa boca fina, e delicada
curvatura de raros arabescos.

Os prazeres vivazes e grotescos
– licenciosa volúpia exagerada! –
foram todos pousar, em revoada,
nesse ninho de gozos sultanescos.

Deixem-me, pois, viver a vida amante
a beijar uma tão divina boca
toda ambrosia, feita de desejos;

e enquanto eu sonho assim, a fulgurante
boca pequena a minha prendo, louca,   
numa valsa fantástica de beijos!
===================

Anna Amélia
(Anna Amélia Queiroz Carneiro de Mendonça)
(Rio de Janeiro/GB, 27 agosto 1896 – Rio de Janeiro, 31 março 1971).

” MAL DE AMOR “

Toda pena de amor, por mais que doa,
no próprio amor encontra recompensa.
As lágrimas que causa a indiferença,
seca-as depressa uma palavra boa.

A mão que fere, o ferro que agrilhoa,
obstáculos não são que amor não vença.
Amor transforma em luz a treva densa.
Por um sorriso amor tudo perdoa.

Ai de quem muito amar não sendo amado,
e depois de sofrer tanta amargura,
pela mão que o feriu não for curado.

Noutra parte há de em vão buscar ventura.
Fica-lhe o coração despedaçado,
que o mal de amor só nesse amor tem cura.
===================

Anthero Bloem
Anthero Augusto de Albuquerque Bloem
Campinas/SP, 7 fevereiro 1878 – Rio de Janeiro/GB, 23 outubro 1919)

” CRISTO DE MARFIM “

Quando depões sabre o teu Cristo Amado,
esse Cristo que pende de teu peito,
ungido de ternura e de respeito,
um beijo de teu lábio imaculado,

eu, sacrílego, sinto-me levado
– ou seja por inveja, ou por despeito –
a arrebatar o Cristo de teu peito
e em teu peito morrer crucificado . . .

Mas, quando vejo de teu lábio crente
cair sobre o Jesus a prece ardente,
talvez por nosso amor, talvez por mim,

ardo na chama intensa dos desejos
de arrependido, sufocar meus beijos
nesse teu alvo Cristo de Marfim . . .
==================

Antonio Braga   
(S. João da Barra/RJ, 1898 – ?)

” CARRO DE BOIS… “

A pensar neste amor, nesta tarde cinzenta,
tão distante de ti – primavera gloriosa –
paira o meu triste olhar pela estrada poeirenta,
onde um carro de bois segue em marcha morosa.

Rola o carro a gemer nessa música lenta
que me faz recordar tanta coisa saudosa!
Velho carro de bois! O seu gemer aumenta
esta ânsia que me põe toda a alma dolorosa.

Eu invejo, afinal, esse carro gemente,
que parece ter alma e parece que sente
a tristeza do amor que palpita em nós dois…    

Coração! Coração! A saudade é infinita.
E não podes gritar como esse carro grita,
e não podes gemer qual o carro de bois! . . .
================

Antonio Lôbo 
(Antônio Francisco Leal Lôbo)
(São Luiz/MA, 4 julho 1870 – São Luiz/MA, 24 junho 1916)

” IMUTÁVEL “
Decerto estranharás que nos meus versos,
nestas quadras de amor que vou rimando,
nunca o teu nome passe, perfumando
os meus pobres vocábulos dispersos.

E quedarás talvez, triste, pensando,
– os negros olhos em pesar imersos –
que os meus afetos de hoje são diversos
desses que outrora eu te contei, cantando.

E, no entanto, este amor, velado, embora,
é ainda o mesmo que ele foi outrora,
da mesma forma ainda o meu astro anima.

Que eu oculte o teu nome, nada prova,
porque estás toda, inteira, em cada trova
e vives palpitando em cada rima.
=========================

Antonio Zoppi
(Americana/SP, 12 setembro 1923 – 16 julho 2010)

” AGRADECIMENTOS “

Hoje eu regresso à minha vida antiga,
despreocupado com o meu futuro.
E embora vendo meu presente escuro,
olho o passada e me conformo, amiga.

A vida é assim: nos dá, depois castiga…
E quando lembro aquele amor tão puro
que dediquei a um coração perjuro,
aumenta a mágoa que meu peito abriga.

Porém, não ligo, sou indiferente.
A própria dor vai ensinando a gente
a não chorar o que já se perdeu.

Pois ao contrário de ficar sentido
estou feliz, e muito agradecido,
pela saudade que você me deu…
=================

Apollo Martins

” ALMA CRUENTA”

Vinte e seis anos só… Tão pouca idade,
tão pouca idade e tantos desenganos…
Como me fere fundo uma saudade!
Como me causam, suas garras, danos!

Não tive infância, em minha mocidade
cercado fui de afetos desumanos
de mim, sempre fugia a alacridade,
possua a fé e a crença dos profanos!

E, como um bardo sonhador, eu sigo
sentindo que a meus ombros um castigo
muito maior que o de Jesus me pesa…

E tu, visão formosa, loura e santa,
se passares por mim – de leve, canta…
Se pensares em mim – baixinho, reza…
=====================

Aracy Dantas de Gusmão
(Porto Alegre/RS, 26 novembro 1886 – Rio de Janeiro, ???)

” NÓS DOIS “

Tu és a força, eu a fragilidade.
Tu tens cérebro, e eu tenho coração…
A tua vida pautas na vontade,
e a minha vida toda é uma ilusão.

Tens a lei do trabalho e da igualdade,
exaltas tudo quanto é nobre e são,
e eu fiz a minha gloria da humildade
de viver sob o jugo dessa mão.

Tu tens o olhar dominador, profundo,
eu tenho o olhar mais triste que há no mundo,
cheio sempre das sombras do sol-por…

Eu e tu. . . Tão diversos! Mas, no entanto,
como é que nos queremos tanto e tanto
se eu sou tão fraca e tu tão forte, amor?

” O SHEIK “

Foste rei de uma tribo – e eu fui, de certo,
a tua predileta companheira,
aquela que, a sorrir, seguiu de perto
a tua vida nômade e altaneira.

O teu rosto moreno é um livro aberto:
– vejo os leques rendados da palmeira,
o oásis a sorrir para o deserto,
e a tenda pequenina e hospitaleira.

Teus olhos – cor da treva e do pecado –
fazem meu coração descompassado
mil romances esplêndidos sonhar…

E em teu vulto sorrindo a minha frente
vejo a Arábia, o deserto, a noite ardente,
e a glória de ser livre para amar!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 7

Amadeu Amaral
(Amadeu Amaral Ataliba Arruda Leite Penteado)
(Capivari/SP, 6 de novembro 1875 – São Paulo/SP, 24 de outubro de 1929)

” SONETO “

Tudo isto há de passar, de certo, muito em breve…
Branca névoa sutil, ir-se-á quando o sol nasça;
branco sonho de amor, passará, como passa
ondas em fúria uma garça de neve.

Passará dentro em pouco, imitando a fumaça
que se evola e se esvai nas curvas que descreve.
Fumaça de ilusão, força é que o vento a leve,
força é que o vento a leve, e disperse, e desfaça.

Que importa! Uma ilusão que nos alegra e afaga
há de ser sempre assim, no mar bravo da vida,
como a espuma que fulge e morre sobre a vaga.

Esta me há de fugir esta que hoje me inflama!
E antes vê-la fugir como uma luz perdida
que possuí-la na mão como um pouco de lama . . .

” SONHOS DE AMOR …”
   
Sonhos, sonhos de amor… Enganosa miragem
do deserto. . . fulgor de insidiosa lagoa
a sorrir e a tremer sob a fresca ramagem,
na aparência feliz da água límpida e boa…

Castelo de fumaça a embalar-se na aragem
e que de brusco rola e no azul se esboroa . . .
Rútila espumarada oceânica . . . paisagem
que vista ao longe encanta e que de perto enjoa.

Borboletas ao sol… íngreme e dura serra,
que na luz do horizonte afunda as amplas cristas,
lembrando uma região de paz dentro da terra . . .

Paisagem, borboleta, águas, espumaradas!
Ilusório clarão das cousas entrevistas!
Passageiro esplendor.
=============

Amélia de Oliveira   
(Niterói/RJ, 1868 – 1945 )
Noiva de Bilac, para quem fez este soneto, após o rompimento do noivado, imposto por seu irmão mais velho, José Mariano de Oliveira.

” PRECE “

Não te peço a ventura desejada
nem os sonhos que outrora tu me deste,
nem a santa alegria que puseste
nessa doce esperança já passada.

O futuro de amor que prometeste
não te peço! Minha alma angustiada
já não te pede, de impossível, nada,
já não te lembra aquilo que esqueceste!

Nesta mágoa sorvida ocultamente,
nesta saudade atroz que me deixaste,
neste pranto que choro ainda por ti

nada te peço! Nada! Tão somente
peço-te agora a paz que me roubaste,
peço-te agora a vida que perdi!

SONETO *

Noite fechada! O espaço inteiramente
 É trevas, Que tristeza encerra esta hora
 Em que tudo é silêncio e a alma que chora
 Abafa as vozes do sofrer latente!

 Mas um canto vibrou, longe, plangente…
 Quem é que a solidão perturba agora?
 OH! Quem se atreve pela noite afora
 Um grito desferir, lugubremente?

 É, porventura, uma alma forasteira,
 Que vagueia, sozinha na espessura
 Da noite, procurando a companheira?

 Não… Talvez seja a gargalhada insana
 De alguma ave de agouro que procura
 Escarnecer da dor da vida humana!
=============

Amélia Tomas
(Cantagalo/RJ, 1897 – 1992)

” SONETO ANÔNIMO “

Vem de longe este amor. Me nasceu um dia,
em que, no teu olhar, pousando o olhar tristonho
vi, entre o ouro do teu, que harmoniosa subia,
a estranha procissão das estrelas do Sonho.

Desde então foi assim, de porfia em porfia,
eu, buscando esconder num presságio risonho,
tudo quanto em tua alma em livro aberto eu lia,
tudo quanto em minha alma, ora morrer, suponho.

Mas em vão. Ele surge intempestivamente
ao clarão de teu nome, iluminando um poema
de uma página morta, em que o enredo se trunca.

E volta a florescer, em primavera ardente,
tão vivo, tão real, bradando em voz suprema,
que este é o amor imortal que não se esquece nunca!

” SONETO DE OUTONO “

Aproxima-te, Amor, antes que inteiramente
se afunde, noite a dentro, esta tarde que cai.
Vem olhar de bem perto a glória desse poente
que, irisado de luz, agoniza num ai.

Vem bem depressa, Amor! Meu coração contente,
o rumor de teus pés, – que a esmagar folhas vai, –
num grande, estranho, inquieto anseio, já pressente
deslumbrado, no fim da tarde que se esvai!

Aproxima-te mais, antes que a noite desça. . .
Vê – o sol vai fugindo e em mim paira o receio,
de que ele, ao despedir seu ultimo lampejo,

não veja junto a mim tua amada cabeça,
para no fim da tarde emocional que veio
poder iluminar nosso primeiro beijo!

AMOR **

Outr’ora eu te buscava na confiança 
De achar em ti, Amor, o bem superno, 
E o jovem coração, todo esperança, 
Por que te cria um deus, julgou-te eterno.

Mas, de mudança andar para mudança, 
De um inferno rolar para outro inferno, 
Descrente acreditei que tudo alcança 
Quem te pode evitar, veneno interno. 

Hoje, que empós do Ideal, de tal maneira,
Que mais parece célere corrida, 
Vou na insânia infeliz desta canseira,

Eu te olho e te abençôo agradecida, 
Como a ilusão melhor, mais verdadeira, 
Entre as fugazes ilusões da vida …

PARÁFRASE DE UM PENSAMENTO DE TSÁO CHANG LIANG **

Noite amena, aproxima-te quietinha, 
Vem a meu quarto ouvir o meu pedido: 
Estou triste, calada anda a voz minha, 
Não há canto que agrade a meu ouvido. 

Noite serena, outr’ora, alegre, eu vinha 
Implorar-te que o ouro mais polido 
Das estrelas que, em véus, teu seio aninha, 
Jorrasses no meu verso comovido. 

Hoje, noite querida, eu não te imploro 
O sono de meus olhos, nem te exoro 
Dar repouso sereno aos meus cansaços. 

Peço-te apenas isso: O’ noite! Escuta! 
— Sossega o coração que sofre e luta 
Adormece-o, cantando nos teus braços!

PANTEISMO **

Vem abrir para o sol os teus olhos contentes 
Diante da natureza e, em profano ritual, 
Alma! às árvores conta a estranha ânsia que sentes 
Em cada ondulação de cada vegetal! 

Onde um rumor de vento entre as folhas pressentes, 
Ouves um coração que te segreda e é tal 
A alta repercussão dessas forças latentes, 
Que vês na árvore um templo e na folha um missal. 

Talvez, há muito tempo, em séculos distantes, 
Por capricho de um deus foste árvore; de então 
Guardaste a compreensão dos galhos soluçantes…

E de transmigração para transmigração, 
No teu sangue ainda flui, em átomos errantes, 
A angústia vegetal que há no teu coração …


Fontes:
– J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963
* – Amélia de Oliveira: Soneto. Disponível em Antonio Miranda 
** – Amélia Tomas: Amor; Panteismo e Paráfrase de um Pensamento de Tsáo Chang Liang. Disponível em Antonio Miranda 

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 6

Aluízio de Azevedo
( Aluízio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo)
(São Luis/MA, 14 de abril de 1857 – Buenos Aires/Argentina, 21 de janeiro de 1913)

” POBRE AMOR “

Calcula, minha amiga, que tortura!
Amo-to muito e muito, e, todavia,   
preferira morrer a ver-te um dia
merecer o labéu de esposa impura!   

Que te não enterneça esta loucura,
que te não mova nunca esta agonia,
que eu muito sofra porque és casta e pura,
que, se o não foras, quanto eu sofreria!

Ah! Quanto eu sofreria se alegrasses
com teus beijos de amor, meus lábios tristes,
com teus beijos de amor, as minhas faces!

Persiste na moral em que persistes.
Ah! Quanto eu sofreria se pecasses,
mas quanto sofro mais porque resistes!
==========================

Alvarenga Peixoto,
( Ignacio Jose de Alvarenga Peixoto)
(Rio de Janeiro/GB, 1744 – Ambaca/Angola, 1793 )

ESTELA E NIZE “

Eu vi a Linda Estela, e namorado
fiz logo eterno voto de querê-la;
mas vi depois a Nize, e a achei tão bela
que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se neste estado
não posso distinguir Nize de Estela?
Se Nize vir aqui, mono por ela;
se Estela agora vir, fico abrasado.

Mas, ah! que aquela me despreza amante,
pois sabe que estou preso em outros braços,
e esta não me quer por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços;
ou faz de dois semblantes um semblante,
ou divide o meu peito em dois pedaços!
=========================

Alvares de Azevedo
(Manuel Antonio Alvares de Azevedo)
São Paulo/SP, 12 de setembro de 1831 – Rio de Janeiro/GB, 25 de abril de 1852 )

” SONETO PÁLIDA LUZ “
                                  
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
sobre o leito de flores reclinada,
como a lua por noite embalsamada,
entre as nuvens do amor ela dormia.

Era a virgem do mar! na escuma fria
pela maré das águas embalada…
Era um anjo, entre nuvens de alvorada,
que, em sonhos, se banhava e se esquecia.

Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos, as pálpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
=================

Alvaro Moreira
(Alvaro Maria da Soledade Pinto da Fonseca Velhinho Rodrigues Moreira da Silva),
(Porto Alegre/ RS, 23 de novembro de 1888 – Rio de Janeiro/RJ, 21 de setembro de 1964)

” AO AMOR “

Meu tio-avô Manuel morreu de amor
em Póvoa de Varzim, num dia antigo.
Eu quero bem a todos os parentes,
mas é desse Manuel que sou amigo.

Foi o sincero da família. Por
destino, vocação, prêmio, ou castigo,
os bons Moreiras, nós tão diferentes,
somos iguais no amor. Sei por que digo.

Apenas não morremos. Continuamos
com o desejo que fica na saudade,
com o sorriso que fica em cada dor.

Arvores velhas, e de flor nos ramos,
vamos amando para a eternidade,
e o último amor ainda é o primeiro amor …
=======================
Alves Júnior (1904/1944)
(José Alves Júnior)
(Juiz de Fora/MG, 11 de março de 1904 – Belo Horizontes/MG, 04 de março de 1944)

” LONGE DA VISTA “

Para dar um consolo, um lenitivo
a esta saudade que me traz penando,
a distância em que vives e em que vivo
eu costumo vencer, de quando em quando.

Vou visitar-te. E volto, pensativo,
pensando mais em ti e mais te amando,
e inutilmente busco, em vão, motivo
para a dor desta ausência ir abrandando.

Sempre que volto, meu amor, eu vejo
que a cada vez maior esse desejo
de ter-te sempre junto a mim… E em vão

busco ocultar a dor que me contrista:
– quanto mais longe estas de minha vista
mais perto ficas do meu coração!

” MIRAGEM “

A mulher que há de vir para ser minha
será diversa das demais mulheres:
– há de ser nobre como uma rainha,
– há de ser pura como os malmequeres…

Hão de entoar-lhe os sinos, misereres,
quando ela entrar na igreja! E ela sozinha,
valerá mais que todas as mulheres
porque será unicamente minha…

Hei de exaltar-lhe a graça e a formosura!
Hão de invejá-la as flores mais amadas
e as estrelas mais rútilas da Altura…

E ela será na vida transitória,
consolo as minhas ilusões fanadas,
suprema inspiração de minha glória !

Fonte:
J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 5

Alexandre Fernandes          
(Alexandre José de Seixas Fernandes)
(Rio Grande/RS, 24 de julho de 1863 – Salvador/Bahia – 30 de março de 1907 )

” CORAÇÃO DE MULHER “

Vira o rosto se eu passo; e entretanto,
seu olhar a seguir meu vulto fica.
Que me estima, de certo não indica,
porque parece que me odeia tanto!

Se um dia não me vê, ligeiro espanto
quando me avista o seu olhar explica;
e, nessa alternativa, mortifica
minha alma, escravizada a seu encanto.

As vezes, eu também, rapidamente,
volto meu rosto, finjo, indiferente,
nem pensar que ela vive neste mundo.

Mas, vejo, de revés, que ela me segue,
que o seu olhar ansioso me persegue …
Coração de mulher, como és profundo!
=====================

Alphonsus de Guimaraens
Afonso Henriques da Costa Guimarães
(Ouro Preto/MG, 24 de julho de 1870 – Mariana/MG, 15 de julho de 1921 )

” AO POENTE “
            
Ficávamos sonhando horas inteiras,
com os olhos cheios de visões piedosas:
éramos duas virginais palmeiras,
abrindo ao céu as palmas silenciosas.

As nossas almas, brancas, forasteiras,
no éter sublime alavam-se radiosas,
ao redor de nós dois, quantas roseiras…
O áureo poente coroava-nos de rosas.

Era um arpejo de harpa todo o espaço;
mirava-a longamente, traço a traço,
no seu fulgor de arcanjo proibido.

Surgia a lua, além, toda de cera …
Ai como suave então me parecera
a voz do amor que eu nunca tinha ouvido.

” SONETO “
                                                           
Encontrei-te. Era o mês… Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois… depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia… Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?

” SONETO XIX “
                                                           
Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão — “Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria.. .
” E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos…
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — “Por que não vieram juntos?”
====================

Alphonsus de Guimarães Filho
(Afonso Henriques de Guimarães Filho)
(Mariana/MG, 3 de junho de 1918 – Rio de Janeiro/RJ – 28 de agosto de 2008)

“SONETOS DA AUSÊNCIA XII “
                                                        
Não te desejo mais pela amargura
nem pelas alegrias inconstantes:
quero beijar nas tuas mãos distantes
o amor que me alivia e transfigura.

Quero, sonhando a adolescência pura
no teu corpo febril, das mãos amantes,
colher nos ventos tudo quanto dantes
ambicionara em sedes de loucura.

Quero o teu riso, o teu silêncio, a graça
do teu vestido ao vento, o andar sereno
de ave marinha pelas madrugadas.

Quero colher em ti o que não passa
e pulsa em mim como o teu leve aceno
na distância impossível das estradas.

“SONETOS DA AUSÊNCIA XLII “
                                                           
O doce amor. As doces mãos da amada.
Seu corpo branco como luz macia
e a matinal pureza. e a graça e a fria
carícia da leve madrugada…

A rua humilde. A paz desta pousada.
A trepadeira, o alpendre… E, todo dia,
os risos das crianças, a alegria
descendo, clara, sobre a minha estrada.

Depois, a noite os sonhos dominando,
vozes veladas… Confissões a medo…
Gestos de quem parou na despedida

e há de ficar, por seu pesar, chorando,
vivendo o adeus que é como o seu segredo,
o adeus que encerra em si a própria vida.

Fonte:
J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 4

Antônio Mariano Alberto de Oliveira
(Palmital de Saquarema/ RJ, 28 de Abril de 1857 – Niterói/RJ, 19 de Janeiro de 1937 )

” PRIMEIRO CANTO “
( Soneto III  )
                                                           

Que ânsia de amar, E tudo me ensina;
a fecunda lição decoro atento,
já com liames de fogo ao pensamento
incoercível desejo ata e domina.

Em vão procuro espairecer ao vento,
olhando o céu, os morros, a campina,
escalda-me o coração coo em tormento.

E à noite, ai! com em mal sofreado anseio,
por ela, a ainda velada, a misteriosa
mulher, que nem conheço, aflito chamo!

E sorrindo-me, ardente e vaporosa
sinto-a vir (vem em sonho) une-me ao seio,
junta o rosto ao meu rosto e diz-me: eu te amo!

” ALMA EM FLOR “
( Soneto IV )
        
Vem! Se ao meu peito alguém colasse o ouvido,
isto ouviria então como uma prece
lá sussurrando : – sonho meu querido,
vem! abre as alas! mostra-te, aparece!

Queima-me a fronte, a vista se amortece,
aflui-me o sangue ao cérebro incendido.
Oh! vem! não tardes, que me desfalece
o coração gemido por gemido.

Vem, que eu não posso mais. Olha, o que vejo
em derredor de mim, é tudo afeto,
amor, núpcias, carícia, enlace, beijo . . .

Paira por tudo uma volúpia infinda
une-se flor a flor, inseto a inseto . . .
E eu até quando hei de esperar ainda?

” EXCELSITUDE “
                                                           
Chegaste onde chegar nem pode o pensamento.
Eu que te vi partir, eu me deixei sozinho
ficar, amando ainda este chão de caminho,
onde há a pedra, onde há a serpe, o tojo, a chuva e o vento.

Prenda-me agora, mais que a terra, o firmamento;
o que inda há por sofrer, sofra, a falar baixinho
com as estrelas; rasteje humilhado e mesquinho
aos pés de cada altar; só meu gozo e alimento

seja o coração; deserte o mundo; ermado e triste,
viva só para a Fé, e ai! só para a Saudade;
nunca me hei de elevar à altura a que subiste!

Nunca mais te hei de ver! Entre nós ambos corre,
a extremar-te de mim, a tua eternidade,
a extremar-me de ti, tudo o que é humano e morre.
===============

Alberto Ruiz
Soneto retirado a coletânea: “O amor, na Poesia Brasileira”, de Olegário Mariano. 
Sem indicações biográficas.

” DESENGANO “

Eu bem sei que este amor não foi mais do que um sonho,
sonho que se desfez como as nuvens ao vento.
Amor que só me trouxe um viver enfadonho,
alto preço a que pago a ilusão de um momento.. .

E nem, por meu pesar, me vale o esquecimento:
o remédio melhor ao mal a que me exponho.
Vejo continuamente o seu olhar tristonho
dentro do meu olhar e do meu pensamento.

Ah! não sossega mais esta minha alma inquieta,
cheia de tédio e de descrenças já repleta. . .
Um desengano a mais a entristecer-me a vida…

E por que não sofrer? Vê-la e depois de vê-la,
em êxtase adorá-la e traze-la escondida
dentro do coração para depois perdê-la. . .
==============

Alceu de Freitas Wamosy
(1Uruguaiana/RS, 14 de fevereiro de 1895 – Livramento/RS, 13 de setembro de 1923)


 ” DUAS ALMAS “
                                                A Coelho da Costa

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada…

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua…
Hás de levar contigo uma saudade minha…

” ÚLTIMA PÁGINA “

Todo este grande amor que nasceu em segredo,
e cresceu e floriu na humildade mais pura,
teve o encanto pueril desses contos de enredo
quase ingênuo, onde a graça ao candor se mistura.

Entrou nos nossos corações como a brancura
de uma réstia de luar numa alcova entra a medo.
Nunca teve esse fogo intenso de loucura,
que há em todo amor que nasce tarde e morre cedo.

E quando ele aflorou tímido e pequenino,
como uma estrela azul no meu, no teu destino,
não sei que estranha voz ao coração me disse,

que este amor suave e bom, de pureza e lealdade,
sendo o primeiro amor da tua meninice,
era o último amor da minha mocidade.

Fonte:
J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 3

Affonso Montenegro Louzada
(Rio de Janeiro/GB, 1904 – ?)

” DE ARVERS “
Guardo na alma um recôndito segredo:
este amor que surgiu tão de repente –
como um sonho sonhado quase a medo
e quem o despertou nem o pressente.
Ao vê-la, no silencio imenso e tredo,
eu sinto que ela me olha indiferente
e, assim irei para o último degredo –
sem que ela o saiba, amando-a loucamente.
Essa que é o próprio amor que tudo vence,
vai pela vida tão serena e pura –
meus gemidos talvez nunca ouvirá.
E fiel ao seu amor que a outro pertence,
ainda lendo os meus versos, porventura,
dirá consigo mesma: – Quem será?
” FATALIDADE “
Sonhei, amei, pela existência afora,
na dourada ilusão da primavera
e muito mais sonhara, se pudera
e mais amara, permitido fora.
Sonhei, amei, cantei, sabendo embora
que pelo mundo imenso da quimera
a treva do horizonte se apodera
e o perfume das flores se evapora.
Afinal, pelo abismo em que resvalo,
talvez o desengano foi meu prêmio
e quem fora capaz de desejá-lo?!
No desengano imenso que me inquieta,
eu vou vivendo ao léu, como um boêmio
e vou sonhando sempre, como um poeta.
” MAL DE AMOR “
Ha tanto amor que é falso, que é perjuro,
que mente e engana traiçoeiramente –
que, sempre cauteloso, enfim procuro
fugir do mal que sofre toda gente.
Mas, pobre coração que se faz duro!
Só para não sentir a dor pungente
de uma desilusão, mais me torturo
evitando esse amor que ilude e mente.
Antes sofrer, portanto, o mal que, eterno,
mata depois de todas as torturas
onde a traição tão facilmente medra.
Embora queime tanto ou mais que o inferno –
antes a dor de todas as criaturas,
que ter no peito um coração de pedra.
================
Agrippino Grieco  
(Paraíba do Sul/RJ, 15 de outubro de 1888 – Rio de Janeiro/RJ, 25 de agosto de 1973 )

” COPO DE CRISTAL “
Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo estirado na rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,
esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos, e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco a dor da sede.
Contam-me que esse copo pertencera
outrora a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele muita vez bebera.
E ainda hoje a extravagar – cabeça louca ! –
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca…
===============
Alberto de Magalhães Hecksher                      
(Rio de Janeiro/GB, 1916 – Rio de Janeiro/RJ, 6 de fevereiro de 1950)

” Mais Tarde… “
Eu penso às vezes que algum dia, certo,
quando mais tarde andarmos pela vida,
com passo incerto e tendo a voz sumida,
um do outro havemos de passar bem perto !…
E há de pousar a tua vista erguida
em meu olhar parado… E se ora acerto
nosso passado há de ficar desperto
mesmo que passes despercebida !…
E hão de se ver nos últimos arrancos
nossas ruínas cada qual maior,
todas floridas de cabelos brancos !…
E tal se dando embora não mereças,
– que eu não te veja então será melhor…
E é bem melhor que não me reconheças !…
Fonte:
J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 2

Adelmar Tavares da Silva Cavalcanti
“Principe dos Trovadores Brasileiros”
(Recife/PE, 16 de fevereiro de 1888 – Rio de Janeiro/RJ, 20 de junho de 1963)

” PARA O MEU PERDÃO “
Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
querer-te mal com fúria e com rancor,
mal sabes tu como, em segredo, te amo
o vulto pensativo e sofredor.
Quem vê o fel que em cólera derramo
no ódio que punge desesperador,
mal sabe que, se a sós me encontro,
chamo por teu amor com o mais profundo amor…
Mal sabes que se acaso, novamente,
buscasses o calor do velho ninho
de onde um capricho te fizera ausente,
eu, esquecendo a tua ingratidão,
juncaria de rosas o caminho
em que voltasses para o meu perdão . . .
” UMA RAINHA E UM POETA “
E todo o teu amor comedimento,
calma que raciocina bem segura.
E eu, – não sei se ventura, ou desventura
sofreguidão, sou arrebatamento.
Pesas os gestos, medes o momento
em que olhes com carinho, ou com secura
E eu, prisioneiro da paixão mais pura,
sou como a folha com que brinca o vento …
Amas como as Rainhas, Soberanas,
que receiam da Corte as vis intrigas,
e o boquejar de indiscrições profanes,
e eu, desprezando cortes e traidores,
como as cigarras, abro-me em cantigas,
e clamo, aos céus e terras, meus amores …
===================
Afonso Felix de Souza
(Jaraguá/GO, 5 de julho de 1925  – Rio de Janeiro/RJ, 7 de setembro de 2002)

” SONETOS DO AMANTE  II “
Eternizar o amor que fora eterno
embora só vivesse dois instantes:
um quando o céu me alcançou – a um céu sem antes;
depois, ao acender em mim o inferno;
banida do presente, em lago terno
voltes a me banhar e desencantes
o mar  que clama em vão, de ondas cortantes
partindo do meu ser, banhado o eterno.
Eternizar o amor  de um só momento
e quanto mais perde-lo, mais ganhá-lo.
e quanto mais ganhá-lo, mais alento
trazer no que recordo e no que falo,
para que possa, em febre e sem sentimento
em mármore e sem saudade, eternizá-lo.
” SONETOS ELEMENTARES “
Dentro de mim a música e da amada
olhos e gestos. O âmago da noite
esconde prantos, poderosos risos
inundam as paredes do invisível.
Sou eu – do mundo em roda enfim liberto,
as mãos sem tato, o espaço sem limites.
Anterior a mim, livre de sombras
das mulheres que amei, livre de mim.
E sinto que sou eu. Vejo no espelho
do meu passado os sonhos decepados,
coração e sentidos entre cárceres.
Livres no espaço sem manhãs e noites,
nossas almas se fundem no silêncio
onde do amor as músicas germinan-se.
=============
Afonso Lopes de Almeida
(Guanabara/RJ, 1888 – Rio de Janeiro/RJ, 1953)

” MALDIÇÃO “
Maldita sejas tu, mulher querida
Tu, que ao repouso antigo me tiraste
e a minha alma de ingênuo deslumbraste
com o falso brilho de uma nova vida!
Maldita seja a boca apetecida
onde a sede de amor me saciaste,
taça em que de teus beijos me ofertaste
a capitosa e pérfida bebida!
Maldito seja o amor em que me enlaço
consciente, abandonando o meu descanso
minha antiga ventura, e minha paz!
Malditas, as palavras que disseste!
Maldito, o longo beijo que me deste
e este pungente gozo que me dás!
Fonte:
J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. 1a ed. 1963

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J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 1

Abgar de Castro Araújo Renault
(Barbacena MG, 15 de abril de 1901 – Rio de Janeiro RJ, 31 de dezembro 1995)

    ” ENCANTAMENTO “
Ante o deslumbramento do teu vulto,
sou ferido de atônita surpresa
e vejo que uma auréola de beleza
dissolve em luar a treva em que me oculto.
Estás em cada reza do meu culto,
sonhas na minha lânguida tristeza
e, disperso por toda a natureza,
paira o deslumbramento do teu vulto.
E’ tua vida minha própria vida
e trago em mim tua alma adormecida . . .
mas, num mistério surdo que me assombra,
tu és, as minhas mãos, vaga, fugace,
como um sonho que nunca se sonhasse
ou como a sombra vã de uma outra sombra…
==================
Abílio Chrisóstomo de Carvalho                 
(Vitória, Espirito Santo. 22 de fevereiro de 1916 – Rio de Janeiro/RJ, 8 de outubro de 1977)

” TUAS MÃOS “
Mãos frágeis, mãos divinas, mãos pequenas,
leves, espirituais e perfumadas,
cujas unhas são pérolas morenas
nos escrínios dos dedos engastadas.
Mãos que são duas silabas amenas
no poema dos teus braços enfeixadas;
que, estando acima das visões terrenas,
jamais serão por outras igualadas.
Mãos que ostentam, nas formas delicadas
todo o encanto das noites enluaradas
na linda terra que te viu nascer…
E para eu ser feliz basta somente
beijar teus dedos demoradamente
e sob o afago dessas mãos morrer!
==================
Adaucto Gondim
(Pedra Branca, CE. 17 de janeiro de 1913 – Fortaleza, CE, 12 de setembro de 1980)

 ” INGENUIDADE “
Faz, hoje, vários dias que o correio
não traz noticias dela para mim.
Alice me esqueceu, por isso, eu creio
que o nosso amor vai terminar, enfim.
Suas cartas antigas eu releio.
O amor de uma mulher é sempre assim:
falsas promessas, juras de permeio,
e a gente espera até que chegue o fim.
O coração de Alice, eu já sabia
que, empedernido, é como a lousa fria:
não sente e nem palpita de emoção…
O culpado fui eu, fui eu somente,
que sabendo de tudo, ingenuamente,
amei uma mulher sem coração!
==================
Adelino Fontoura  Chaves
(Axixá, Maranhão, 30 de março de 1859 – Lisboa, Portugal, 2 de maio de 1884.

” ATRAÇÃO E REPULSÃO “
– Eu nada mais sonhava nem queria
que de ti não viesse ou não falasse;
e como a ti te amei, que alguém me amasse
coisa incrível até me parecia.
Uma estrela mais lúcida eu não via
que nesta vida os passos me guiasse,
e tinha fé, cuidando que encontrasse
após tanta amargura, uma alegria.
Mas tão cedo extinguiste este risonho,
este encantado, deleitoso engano,
que o bem que achar supus já não suponho.
Vejo enfim, que és um peito desumano;
se fui, té junto a ti de sonho em sonho,
voltei de desengano em desengano.
” CELESTE “
É tão divina a angélica aparência
e a graça que ilumina o rosto dela,
que eu concebera o tipo da inocência
nessa criança imaculada e bela.
Peregrina do céu, pálida estrela
exilada da etérea transparência,
sua origem não pode ser aquela
da nossa triste e mísera existência.
Tem a celeste e ingênua formosura,
e a luminosa aureola sacrossanta
duma visão do céu, cândida e pura.
E quando os olhos para o céu levanta
inundados da mística doçura,
nem parece mulher – parece santa.
Fonte:
J.G . de  Araujo Jorge . “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou” – 1a ed. 1963

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Ialmar Pio Schneider (Efemérides Poética: Novembro)


Nota: Na formatação da imagem onde está Eça de Queiro, leia Queiróz – 
perdoe a falha, 
José Feldman

SONETO A GONÇALVES DIAS 
Falecimento do poeta em 3.11.1864- In Memoriam –
Poeta das palmeiras e também 
dos indígenas, com força genial, 
cantou grandes amores que ninguém 
houvera feito assim sentimental… 
Lendo seus versos a saudade vem 
me visitar de modo especial, 
da minha terra que palmeiras tem 
onde o sabiá modula sem igual. 
Gonçalves Dias, vate da natura, 
és um astro que em nosso céu fulgura, 
com tuas mais românticas poesias… 
Soubeste transmitir a inspiração 
que as Musas te trouxeram na soidão 
do mundo ideal das alegorias !
SONETO A CARLOS MAGALHÃES DE AZEREDO 
– Falecimento do poeta em 4.11.1963 aos 91 anos. – In Memoriam -. 
Quando leio sonetos dos poetas, 
velhos românticos de antigamente, 
sinto quão suas musas são diletas 
nos versos que escreveram docemente… 
Poesias inspiradas e discretas, 
mas também outras, de romance ardente, 
que tudo dizem, atingindo as metas 
que se propunham, na paixão ingente. 
Leio Carlos Magalhães de Azeredo, 
o seu ´´Verão e Outono´´, em que demoro, 
curtindo um verso no final do enredo 
em que ele escreve: ´´Doce e amargo encanto ! 
São tuas próprias lágrimas que choro !´´ 
E aprendo, então, como é tão forte o pranto…
A RUI BARBOSA 
Nascimento do escritor Rui Barbosa em 5.11.1849 – In Memoriam –
Rui Barbosa 
Literato 
Foi de fato 
Rei da Prosa. 
Escritor 
Mui correto 
Tão dileto 
Prosador. 
Assombrou 
C´o saber 
Tão profundo… 
Pois honrou 
Seu dever 
Neste mundo.
SONETO ALEXANDRINO A AMADEU AMARAL 
Nascimento do poeta Amadeu Amaral em 6.11.1875 – In Memoriam –
“Rios”, “Sonhos de Amor”, e “A um Adolescente”, 
são sonetos de escol que leio comovido, 
porque me fazem bem neste dia envolvente 
pela nublada luz do céu escurecido… 
E fico a meditar, trazendo para a mente, 
os poemas “A Estátua e a Rosa”, em sublime sentido; 
“Prece da Tarde”, quando exsurge a voz do crente 
como um sopro de amor no caminho escolhido… 
Estou perante o mestre Amadeu Amaral, 
cujos versos serão sempre muito admirados, 
como régio cultor da nobre poesia… 
Além do mais, ficou sendo vate Imortal, 
pois eleito ele foi por membros consagrados 
de nossa Brasileira Excelsa Academia !
SONETO A FÉLIX ARVERS 
Falecimento do poeta francês Félix Arvers em 7.11.1850 –  In Memoriam –
Quem num soneto soube engendrar um mistério, 
para cantar o amor resguardado em segredo, 
que o fizesse sofrer um tormento tão sério, 
sem conseguir lhe dar um venturoso enredo?! 
Romântico poeta, empunhando o saltério 
da inspiração febril de timidez e medo, 
passou por este Mundo, adotando o critério 
de não se declarar porque seria alpedo… 
Pois aquela que amava, ao dever sempre presa, 
prosseguia ao seu lado, ostentando a beleza 
que Deus lhe deu e vai cumprindo seu mister… 
porque vivendo com tamanha seriedade, 
há de permanecer por toda Eternidade, 
na poesia qual a misteriosa mulher !
SONETO PARA CECÍLIA MEIRELES 
Nascimento da poeta em 7.11.1901 – In Memoriam –
Procuro viajar nestes poemas 
que me emocionam tanto e permaneço 
conhecendo em mais variados temas, 
a vida alegre ou triste em que padeço… 
Procurei fazer versos, de tropeço 
em tropeço, p´ra resolver problemas 
que enfrentei no viver, desde o começo, 
quando me apareciam os dilemas. 
Um dia encontrei doce poesia 
melancólica, plena de ternura, 
mas também sempre límpida e correta. 
São horas de tristeza e nostalgia 
que me suscitam a feliz candura, 
de Cecília Meireles, a poeta !
SONETO A ARTHUR RIMBAUD 
Falecimento do poeta francês em 10.11.1891 – In Memoriam –
Jovem poeta que parou bem cedo 
de fazer versos plenos de emoção… 
Soneto de “Vogais” em cujo enredo 
cada uma tem a significação. 
Sua obra não foi simples arremedo 
de alguém que pensa apenas na ilusão; 
não se sabe do enigma nem do medo 
de a poesia dar continuação… 
O certo é que depois, quando indagado 
se era parente de Rimbaud, dizia: 
“Eu nunca ouvi falar !” E assim calado 
continuou pelo resta da vida, só, 
com sua nova e vã filosofia 
em que se sabe que seremos pó !
SONETO A AUGUSTO DOS ANJOS 
Falecimento do poeta em 12.11.1914 – In Memoriam –
Leio seus versos de poeta ousado, 
e me comovo com a verve forte, 
que se deprime qual um condenado, 
a cada instante lamentando a sorte. 
Mas foi um grande, embora desgraçado, 
sem ter um lenitivo que o conforte, 
em cada verso um passo encaminhado 
rumo ao destino que o esperava: a morte ! 
E sendo um vândalo destruidor, 
andou por ´´templos claros e risonhos´´, 
como num pesadelo com pavor… 
Então, num ímpeto de iconoclastas, 
´´quebrou a imagem dos seus próprios sonhos´´, 
´´erguendo os gládios e brandindo as hastas´´!
SONETO A JOSÉ SARAMAGO 
Nascimento do escritor em 16.11.1922 – In Memoriam –
Nobre escritor, poeta e romancista, 
em cujas páginas busquei seguir 
seu ideal de enfático humanista, 
pelo qual labutava a refletir. 
Com o Chico Buarque, na entrevista 
que dava ao Jô Soares, fez sentir 
a sua indignação de socialista, 
ao perguntar: Por quê? Ao assistir 
aos acampados da Reforma Agrária, 
que sob à lona preta sem conforto, 
sonhavam com um pedaço deste chão 
pra formar uma gleba societária. 
E assim, permanecendo mais absorto, 
era o retrato da desilusão !
SONETO A CRUZ E SOUSA 
Nascimento do poeta em 24.11.1861 – In Memoriam –
Poeta das Visões e dos Mistérios, 
Evocando outros mundos de Quimera 
Onde devem viver seres etéreos 
Que por aqui passaram n´outra Era… 
São espíritos cuja Vida austera 
Atravessaram cá momentos sérios, 
Sem conhecer a eterna Primavera, 
Hoje ouvindo dos Anjos os saltérios… 
São as almas que o Vate Cruz e Sousa 
Evocava em seus versos: “ais perdidos 
Das primitivas legiões humanas?!” 
Lembramos que sua alma ora repousa 
Por Mundos para nós desconhecidos, 
Mas plenos de canções… louvor… hosanas…
APÓS LER CRIME DO PADRE AMARO DE EÇA DE QUEIROZ 
Nascimento do escritor em 25.11.1845 – In Memoriam –
Uma história de amor que nos surpreende, 
libélulo ao celibato imposto, 
lança no espírito feroz desgosto 
que por maior esforço não se entende. 
São os mistérios que jamais se aprende: 
uma existência trágica ao sol-posto 
penetra o cérebro e no próprio rosto 
dá contrações de nervos e se estende. 
O mundo estupefato ao Padre Amaro 
lançará seu desprezo inconformado, 
pois mesmo que procure achar amparo 
na vã filosofia de um idílio, 
surgirão tão fatal como o pecado 
a pobre Amélia morta e morto o filho…
SONETO  A GREGÓRIO DE MATOS
Falecimento do poeta em 26-11-1696 – In Memoriam –
Gregório de Matos – Boca do Inferno, 
assim o apelidou o poviléu, 
apesar de às vezes ser mui terno 
e descantar também bênçãos do céu… 
Na Bahia causavam escarcéu, 
suas notas satíricas e hodierno, 
se despertou talvez algum labéu, 
há de ficar seu estro sempiterno… 
Vejo que a data do seu nascimento, 
será sete de abril?! ou vinte e três, 
ou vinte de dezembro?! Não é certa… 
Mas sei que foi poeta de talento, 
e tudo o que escreveu, e disse, e fez, 
mostra a coragem de sua alma aberta…
Fontes:
Colaboração do poeta
Imagem = montagem por J. Feldman

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