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Trova Ecológica 55 – Prof. Garcia (RN)

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30 de novembro de 2011 · 19:45

A. A. de Assis (Lançamento da Revista Virtual Trovia n. 144 – dezembro de 2011)

Jogos Forais de Porto Alegre – 2011
Flávio Stefani e Maurício Friedrich

Trovadores de Balneário Camboriú

INESQUECÍVEIS

Na conquista de troféus,
um só quero merecer:
chegar às portas dos céus
e a mão de Deus me acolher.
Aurolina de Castro

Gostar de ti, quem não há de?
Inspiras tal simpatia,
que a gente sente saudade
se deixa de ver-te um dia.
Colombina

Meus irmãos, tenham piedade
do infeliz que, sem talento,
na muleta da vaidade
tem seu único sustento.
Ernesto Machado

Miséria de pão maltrata…
Mas quanta gente, Senhor,
sabeis que morre ou se mata
quando há miséria de amor!
Lilinha Fernandes

Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto !…
Luiz Otávio

Senhor, escuta os cicios
dos excluídos, sem teto…
Troca seus ninhos vazios
por ninhos cheios de afeto!
Milton Nunes Loureiro

Parabéns, presidente Luiz Carlos Abritta.
A trova e os trovadores esperam muito de você.

BRINCANTES

Vendia colchões… vendia,
porque em nova “profissão”
ganha mais grana hoje dia
usando o mesmo colchão…
Darly O. Barros – SP

Eu vivo numa sinuca
por causa de uma vizinha:
ela desarma a arapuca
sempre que eu solto a rolinha…
Divenei Boseli – SP

O pobre do pipoqueiro
não escapa da fofoca:
faz pipoca o dia inteiro,
mas, de noite, só… “pipoca”…
Izo Goldman – SP

Ao homem muito ciumento
há um dilema que emperreia:
ou esquece o casamento,
ou casa com mulher feia!
Josa Jásper – RJ

– Preciso falar contigo…
E eu, que o conheço tão bem,
lhe disse: – Prezado amigo,
vamos falar mal de quem?…
José Fabiano – MG

Sobre o colo da visita
pula logo a cadelinha
e a visita, mesmo aflita,
tem que dizer: – Que gracinha!…
Marina Bruna – SP

Enquanto conta lorota
cantando as gatas na rua,
em casa vira chacota,
por não dar conta da sua…
Osvaldo Reis – PR

A pulga e o “pulgo” a brigar…
Foi enorme a confusão!
A pulga deixou o lar
e… foi morar noutro cão!
Renato Alves – RJ

LÍRICAS E FILOSÓFICAS

No meio da multidão,
pode ocorrer-lhe o imprevisto:
alguém, que lhe estenda a mão,
ser de novo Jesus Cristo.
A. A. de Assis – PR

Nossa cultura se entende
nas lições que eu mesmo tive;
o saber a gente aprende,
a cultura a gente vive.
Ademar Macedo – RN

Eu vi crianças brincando
junto de lindas roseiras
como aves cantarolando
nos ninhos todas faceiras
Agostinho Rodrigues – RJ

São Paulo tem tanta rua
bem difícil de encontrar,
mas sempre descubro a tua,
onde iremos nos amar!
Alberto Paco – PR

Este amor que é meu tormento
bate em casa abandonada;
responde, na voz do vento,
somente o eco – mais nada!
Amaryllis Schloenbach – SP

Sem fazer-me de rogada,
só persiste uma verdade:
a trova em mim fez pousada,
trazendo a felicidade.
Andréa Motta – PR

Tudo em ti pede carinho,
pela graça que tu és…
– Amo o teu corpo inteirinho,
beijável da testa aos pés!
Bruno Pedina Torres – RJ

No amor o tempo se gasta
com medidas desiguais:
se estás longe, ele se arrasta;
se perto, corre demais”
Carolina Ramos – SP

Eu queria ser feliz,
Deus me deu sabedoria;
era simples aprendiz,
virei mestre da alegria.
Carmem Pio – RS

Enganar que sou feliz
é coisa inútil, porque
meu sorriso triste diz
quanto sofro por você!
Conceição de Assis – MG

Um coração que se isola
cava a própria solidão
e não há melhor escola
que o convívio com o irmão.
Dáguima de Oliveira – MG

Tua amizade é tão bela
que confrange o coração.
Por isso me lembro dela
no momento da oração!
Diamantino Ferreira – RJ

Poeta mantém acesa
a chama do amor fecundo,
minimizando a tristeza
e as dores cruéis do mundo.
Djalma Motta – RN

Procure espalhar, na vida,
alegria em sua estrada,
que a alegria dividida
é sempre multiplicada!
Domitilla B. Beltrame – SP

A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica…
Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Eu não preciso de ajuda!
Quem essa frase repisa,
meu amigo, não se iluda,
é o que dela mais precisa…
Élbea Priscila – SP

Abra a porta, deixe a luz
resgatar seu coração.
Vá sem medo, faça jus
a viver nova paixão.
Eliana Jimenez – SC

Quatro fases diferentes
tem a lua num mês só;
pois até os sorridentes
têm seus momentos-jiló.
Eliana Palma – PR

Feito internauta voraz,
tu clicas minha paixão,
e eu não sou sequer capaz
de deletar a intenção!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Gerador de paz e calma,
que dispensa cerimônia,
o livro é o jantar da alma
nas noites claras de insônia.
Flavio Stefani – RS

Ao longo deste ano distribuímos trovas à mão-cheia.
Ajudamos o mundo a sonhar, pensar, sorrir. Missão cumprida.

Toda tarde o passarinho
bate as asas, quando canta.
Quanto mais longe do ninho,
mais afinada a garganta!
Francisco Garcia – RN

Espremam o coração
deste vate trovador,
e vocês conhecerão
o doce suco do amor!
Francisco Macedo – RN

Os sonhos da mocidade
são diferentes dos meus…
O jovem quer liberdade
e eu quero estar preso a Deus!
Francisco José Pessoa – CE

Um mundo melhor… queria,
para deixar aos meus netos,
onde imperasse a alegria
numa transfusão de afetos!
Gislaine Canales – SC

Nesta terra que volteia
sob ditames divinos,
somos meros grãos de areia,
transitórios inquilinos.
Humberto Del Maestro – ES

A velhice, meu irmão,
não é uma questão de idade.
É quando vai-se a ilusão
e vem chegando a saudade.
Jaime Pina da Silveira – SP

A falsa humildade é feia,
raramente é uma façanha;
geralmente é um grão de areia
se dizendo uma montanha.
J.B. Xavier – SP

Transformou nosso destino
uma pequena criança,
pois junto a Jesus menino
nasceu no mundo a esperança!
Jeanette De Cnop – PR

Grato por sua amizade,
pelo incentivo e carinho;
ter amigo é, na verdade,
jamais caminhar sozinho.
Jessé Nascimento – RJ

Na saliência do seu ventre
quanta promessa…esperança…
Que a luz do amor se concentre
na vida dessa criança!
João B. X. Oliveira – SP

Os meus versos se calaram,
à saudade sucumbi;
minhas lágrimas secaram
de tanto chorar por ti…
João Costa – RJ

Ontem… florestas… encanto…
flores a desabrochar.
Hoje… pinheiros em pranto,
grito parado no ar!
José Feldman – PR

Depois que ela me deixou,
foi pra longe e não mais veio;
a saudade atravessou
meu coração pelo meio!
José Lucas de Barros – RN

O mar sempre nos ensina
o valor da pequenez;
na areia que se ilumina
deu ao grão a polidez.
José Marins – PR

Alma serena… e que abriga
velho sonho que vagueia…
parece varanda antiga,
onde a saudade passeia!
José Messias Braz – MG

A idade, a chegar de manso,
respeitando o meu cansaço,
põe cadeiras de balanço
nas tardes por onde eu passo!
José Ouverney – SP

Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós…
A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.
José Valdez – SP

Enquanto a chuva, lá fora,
escorre pela vidraça,
choro meu pranto que, embora
passando a chuva, não passa.
Laérson Quaresma – SP

Na pouca pressa que tens
de aliviar minha saudade,
enquanto espero e não vens,
transcorre uma eternidade!
Lucília Decarli – PR

Não foi perto, nem distante
o nosso amor ideal;
nasceu da luz de um instante
e se tornou imortal!
Luiz Carlos Abritta – MG

Um abraço a todos os divulgadores de trovas.
Graças a eles os nossos versos rodam mundo.

A cada dia que passa,
muda minha realidade,
meus sonhos viram fumaça,
amores viram saudade.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Zune o vento – na janela…
Zumbe a abelha – no jardim…
Zarpa a nau – rumo à procela…
– Zomba a saudade… de mim!…
Ma. Madalena Ferreira – RJ

A saudade é um bem guardado
que nos volta, de repente,
num presente do passado,
quando o passado é presente.
Maria Nascimento – RJ

Não há fronteira na vida
que separe um grande amor,
quando a ponte foi erguida
pelas mãos do Criador.
Olga Agulhon – PR

Oferecendo a miragem
de uma vida sem escolta
o vício vende passagem
para a viagem sem volta.
Olympio Coutinho – MG

De que estranho ingrediente
será a saudade composta,
que maltrata tanto a gente
e assim mesmo a gente gosta!
Pedro Ornellas – SP

Dos instantes devotados
a cada luta vencida,
todos estão retratados
no painel da minha vida.
Roberto Acruche – RJ

Embora livre, sozinho,
não conheço liberdade…
– Fui presa do teu carinho,
hoje estou preso à saudade!
Rodolpho Abbud – RJ

Prestigie sempre os novos trovadores.
Deles depende muito a trova para ter futuro.

Minha infância – que linguagem!
Se no céu relampejava,
eu sentia, nessa imagem,
que Deus me fotografava!
Roza de Oliveira – PR

Se a realidade me abate,
jamais me dou por vencida:
vou à luta, entro em combate
e, com fé, enfrento a vida!
Thereza Costa Val – MG

Meu coração não se expande.
Chora sozinho e sem queixa…
Sabe quando o amor é grande
pela saudade que deixa.
Therezinha Brisolla – SP

É tão vazia a paisagem,
e nem um vulto se vê…
Mas, sem ver qualquer imagem,
consigo enxergar você!
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Vence valores, de fato,
quando em meio à discussão,
se revolta de imediato,
mas, na ofensa… dá o perdão!!!
Vânia Ennes – PR

Palavras, rica mistura
que o livro sempre nos traz,
em direção à cultura,
com a leveza da paz.
Vidal Idony Stockler – PR

Somos velhos caminhantes…
a doçura nos invade;
namoricos vão distantes,
fica o flerte da saudade!
Wagner Lopes – MG

Sem outra opção que a rotina
de esperar-te sempre em vão,
minhas noites de neblina
só gotejam solidão…
Wanda Mourthé – MG

Nós, os trovadores, felizes somos, e a todos
queremos ver felizes também. Neste Natal e sempre.

Visite e participe da Trova-Legenda de Eliana Jimenez – http://poesiaemtrovas.blogspot.com

Faça uma visitinha aqui → http://aadeassis.blogspot.com/

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 411)

Uma Trova Nacional

Com essa boca molhada
e esse aroma de hortelã,
mal disfarças a noitada,
ao beijar-me de manhã…
–LOURDES PAIVA/SP–

Uma Trova Potiguar

A saudade é um trem alado
que transporta, inconsciente,
a bagagem do passado
para o vagão do presente.
–RENATO CALDAS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 – Rio de Janeiro/RJ
Tema: CONVITE – M/E

O convite amarelado,
que o envelope resguardou,
traz lembranças do passado
que nem o tempo apagou.
–SÔNIA MARIA SOBREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Um sonho que me extasia
e me traz muita esperança,
é ver livros de poesia
nas mãos de toda criança.
–ADEMAR MACEDO/RN–

…E Suas Trovas Ficaram

Buscando a calma na vida,
nos meus roteiros tristonhos,
achei a calma perdida,
perdido em meus próprios sonhos!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

A Luz da Lua Branca.
–MIFORI/SP–

A luz da lua branca me fascina
espreitando nossos beijos.
Sua chuva de prata me alucina
aumentando meus desejos.
Amor! Quando a luz da Lua
em sua janela bater,
lembre-se de que sou só sua
e sua serei até morrer!

Estrofe do Dia

A poesia está na reta
da estrada, em cima da ponte,
está na luz das auroras
que nascem por trás do monte,
está no calor das fráguas
e no soluço das águas
que se despedem da fonte.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Realidade e Sonho
–CONCEIÇÃO A. C. DE ASSIS/MG–

Sonho contigo e penso em casamento,
pois sou “certinha” para uma aventura
e voa o sonho nesse encantamento
pensando num futuro de ternura.

E ponho endeusamento em tua figura,
querendo ser real meu sentimento,
mas esse meu desejo não perdura
se volto à realidade o pensamento.

A vida a dois… Amar … Mas que trabalho!
Fogão e pia; as mãos cheirando a alho…
Camisa limpa, com botões, passada…

Casa arrumada, tudo a tempo e hora…
E a liberdade, nela já não mora…
Melhor sonhar, sonhar não custa nada!

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

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José Zokner (Constatações e Dúvidas)


CONSTATAÇÃO XV

De amor sedento,
Ele, com ar pachorrento,
Pediu ela em casamento.
E já se imaginou com um rebento
Corado, lindo, um portento,
Fruto de um amor puro, isento.
Ela pensou um momento.
Aí, ele, ficou atento
E tomou novo alento
Já que, antes, de tal intento,
Ele recebera um “não” meio lento,
Sob alegação de “palavras ao vento”.
Os minutos da resposta, um tormento
Como uns se sentem em dia cinzento.
E ela: “Sim, meu futuro sargento.
Só que haverá, de lugares, um aumento
Pois minha mãe terá direito a um assento”.
Ele, se sentiu pestilento,
Engulhento,
Enjoamento,
Sonolento,
O corpo todo, suarento,
Nunca sentira tanto sofrimento,
Tanto lamento.
E nunca se sentira tão espoliado,
Tão aviltado,
Desconsolado
Mas, com tanto amor, acabou conformado,
Resignado,
Acomodado.
Coitado!

CONSTATAÇÃO XXI (PARA QUE INIMIGA?)

Depois de fazer,
Com todo prazer,
Para desfazer
Um amorico,
Um namorico
Da melhor amiga
Bolou,
Criou
Um mexerico,
Um futrico,
Um fuxico,
Uma intriga,
Doída como urtiga,
E vibrou
Com a briga
Que disso resultou.

DÚVIDAS CRUCIAIS VIA PSEUDO-HAICAIS

Dúvida I
Foram os nubentes
Que de tanto se beijarem
Ficaram sem dentes ?

Dúvida II
Jogar com determinação
É inclusive segurar
O adversário pelo calção ?

Dúvida III
Linguajar sofisticado
Também é bom pra deixar
O cara enrolado ?

Dúvida IV
Não houve testemunha,
Na queima de arquivo
Como se supunha ?

Dúvida V
Dependendo do lugar,
Você até paga
Para não se incomodar ?

Dúvida VI
Em alto e bom som,
Era ela que dava,
Em casa, o tom ?

Dúvida VII
A gente, pra não ser assaltado,
Deve colocar grades no muro
E viver se sentindo aprisionado ?

Dúvida VIII
Foi um cardápio sofisticado,
No fim de ano, que o deixou,
Na hora do bem-bom, apurado ?

Dúvida IX
Pra ser oposição
Basta ser do contra
Quando der sua opinião ?

Dúvida X
Só porque apareceu um vulto
Estranho na escuridão
Se armou um tumulto ?

Dúvida XI
Por ter um rompante
Ela se pôs a bronquear
A todo instante ?

Dúvida XII
Foi no palanque armado
Que um eleitor gritou algo que
Deixou o político desarmado ?

Dúvida XIII
Ele armou o maior sarilho
Quando ela falou: “quando
Você faz a barba só sai cepilho” ?

Dúvida XIV
Do mineiro, a solidariedade
É só no câncer ou também
Em outra enfermidade ?

Dúvida XV
Diante da conquista
Fracassada, gorada,
Ele fez a pista ?

Dúvida XVI
Colete a prova de bala
Vai virar moda ou é
A necessidade que fala ?

Dúvida XVII
Tuas propostas, porventura,
São sérias, são lérias
Ou são mais uma aventura ?

Dúvida XVIII
A distorção salarial
Não deveria fazer parte
Do Código Penal ?

Dúvida XIX
Quem deu carta branca
Para o meu time do coração
Só jogar na retranca ?

Dúvida XX
Ela fez uma baita fofoca
Por ele não tê-la levado ao motel
E o chamou de nhambibororoca*?

*Nhambibororoca = veado (Mazama gouazoubira) encontrado do Panamá ao Uruguai, semelhante ao veado-mateiro, mas um pouco menor e de pelagem marrom-acinzentada (Houaiss).

Dúvida XXI
Já no começo da disputa foi premonitório
Que o Paraná iria cair pra Segundona regional
Ou foi apenas um maldoso falatório?

Dúvida XXII
Notícia chinfrim
É aquela que diz
Que a crise ta no fim?

Dúvida XXIII
Você acha uma lacuna
Esses políticos todos
Não entrarem numa borduna*?

*Borduna = porrete grosso e pesado (Houaiss).

Dúvida XXIV
Quem entra numa mumunha
Jamais poderia participar,
Em juízo, como testemunha?

Dúvida XXV
Foi o galante pica-pau
Que prometeu à namorada
Um bolo de macacacacau*?

*Macacacacau = substantivo masculino
Rubrica: angiospermas. Árvore de até 10 m (Theobroma microcarpa) da família das esterculiáceas, nativa da Amazônia, de boa madeira, de que se extraem fibras, folhas oblongas, lanceoladas, flores axilares e cápsulas elipsóides e escamosas, com sementes que substituem as do verdadeiro cacau (Houaiss).

Dúvida XXVI
Sentir um forte apego
Por si mesmo é uma solução
Ou um problema do ego?

Fonte:
http://rimasprimas.blogspot.com/
Imagem = Surreal Paradise, por Eclipsy

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Helena Kolody (Viagem no Espelho)


Viagem no Espelho é uma antologia da poetisa Helena Kolody. Talvez para justificar o título, os poemas aparecem em ordem inversa, em sentido anti-horário, iniciando-se pelos mais recentes até chegar aos primeiros. A identificação do estilo e da temática da autora vão sendo assim feitos dop mais depurado ao mais intuitivo inicial, embora se note desde o início a capacidade poética e o cuidado com o texto.

A produção literária da poeta paranaense é uma viagem ao contrário, como se fosse um espelho. Começa com “Reika”, de 1993, e vai até “Paisagem interior”, de 1941. Nessa viagem no tempo, por meio da produção de Helena Kolody, o leitor percebe a depuração do estilo, a constante adaptação da poeta ao momento literário presente, a evolução e o crescimento do ser humano que se revela o eu poético.

Nos poemas do livro Viagem no Espelho os sentimentos de fugacidade, transitoriedade, temporalidade e mutabilidade, bem como de esperança e procura, estão presentes em vários de seus poemas.

Estrutura

Reika – Compõe-se principalmente de haicais (3 versos) e tancas (5 versos), com forte presença da natureza.

Ontem Agora – Miscelânia de poemas curtos (haicais e epigramas) e outros mais longos. Em Nós, lembra Alphonsus de Guimaraens, demonstra ironia em Lição Moderna, Nunca e Sempre trabalha com antítese.

Poesia Mínima – Há muita metapoesia. Comenta a meta linguagem e o poeta inspirado (Dom), trabalha a aliteração (Noturno Urbano) e comenta a impotência da palavra para expressar a poesia. Predominam as formas poéticas breves.

Sempre Palavra – Predomina ideia de fugacidade e efemeridade (tema comum a muitos simbolistas e neo-simbolistas), como bem prova o poema Passado Presente.

Infinito Presente – Percebe-se a depressão pessoal, tristeza e nostalgia (Areia).

Saga – Poemas variados, muitos com versos brancos; linguagem bastante metafórica e impressões intimistas, como no poema título.

Tempo – A temática básica é o tempo, a efemeridade (A Esfera do Tempo). Há também a religiosidade, com temas bíblicos (Sarças Ardentes, Ensinamento) e lirismo intimista (Correnteza).

Trilha Sonora – Cenas da natureza em contraste com a vida urbana (Bucólica e Menino de Arranha-Céu).

Era Espacial – É o progresso tirando a beleza, a graça das coisas (Lua Profanada, Maquinomem).

Vida Breve – Retoma o tema da brevidade… (…somos todos estrangeiros nesta vida), do exílio e da espiritualidade (Eucaristia).

A Sombra no Rio – Sobressai a espiritualidade, o desejo de comunhão com Deus. Há referências a origens eslavas e aos imigrantes, bem como fortes lembranças bucólicas da infância. Dedica também um poema aos seus alunos.

Música Submersa – Muito forte a influência religiosa ucraniana nessa parte. Mais intimista e espiritualista, demonstra humildade e visão de Deus (Fio d’Água). parece crer numa predestinação para a dor (Elegia, Emblema). Presença de poemas mais longos, em contraste com alguns breves.

Paisagem Interior – Chegada ao início da carreira da poeta. Linguagem bem mais metafórica, simbólica. Há transcedentalismo, movimento de ascenção (Araucária), forte sentimento de humildade (Rio de Planície) e reconhecimento de um atavismo ancestral (Atavismo). Nesse livro, a autora ainda está com o temperamento oscilante entre soltar-se e reprimir-se (a natureza selvagem embate-se com a religião e a opressão). O anseio da libertar-se, de fugir é constante (Alma). Fala de amor, paixão, de forma lírica e sentimental. Poemas mais longos nos quais predominam as formas clássicas, de versos regulares.

Poemas retirados da obra:

RESSONÂNCIA
Bate breve o gongo.
Na amplidão do templo ecoa
o som lento e longo.

FLECHA DE SOL
A flecha de sol
pinta estrelas na vidraça.
Despede-se o dia.

NOITE
Luar nos cabelos.
Constelações na memória.
Orvalho no olhar.

SAUDADES
Um sabiá cantou.
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades.

REPUXO ILUMINADO
Em líquidos caules,
irisadas flores d’água
cintilam ao sol.

DEPOIS
Será sempre agora.
Viajarei pelas galáxias
universo afora.

ALQUIMIA
Nas mãos inspiradas
nascem antigas palavras
com novo matiz.

JORNADA
Tão longa a jornada!
E a gente cai, de repente,
No abismo do nada.

SEMPRE MADRUGADA
Para quem viaja ao encontro do sol,
é sempre madrugada.

RETRATO ANTIGO (1988 )
Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?

VOZ DA NOITE (1986)
O sol se apaga.
De mansinho,
a sombra cresce.

A voz da noite
diz, baixinho:
esquece… esquece…

A MIRAGEM NO CAMINHO (1978)
Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.

(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).

DOM
Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.

POESIA MÍNIMA
Pintou estrelas no muro
e teve o céu
ao alcance das mãos.

INFINITO PRESENTE
No movimento veloz
de nossa viagem,
embala-nos a ilusão
da fuga do tempo. Poeira esparsa no vento,
apenas passamos nós.
O tempo é mar que se alarga
num infinito presente.

Fonte:
Colégio Guarulhos. Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/viagem_no_espelho

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Paraná em Trovas Collection – 16 – Mafalda de Sotti Lopes (Irati/PR)

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30 de novembro de 2011 · 18:38

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 15


CORAÇÃO LIVRE

Ao Augusto Rocha

Ah que enfim se rompeu o ergástulo sombrio,
Onde estiveste preso, ó pássaro erradio!

Rompeu-se o espesso véu dessa brutal prisão,
Onde choraste, mas de dor, mas como um cão.

Livre agora, porém, de tudo, sim, de tudo,
A esse cárcere azul, cárcere de veludo,

Mas cárcere cruel, que te fez tanto mal,
Não tornes nunca mais, ó vagabundo ideal.

Não tornes nunca mais, e nunca mais te iludas,
Ao trágico furor dessas cóleras mudas,

A esse nojo, afinal, que tanto ódio te fez,
O incoercível horror banal da fixidez.

Livre. É poder fugir por esse mundo afora…
Quem mais feliz que tu, meu coração, agora?

Livre. O espaço é teu, é teu todo esse ar:
É somente bater as asas e voar…

Segue essa curva azul. É o caminho mais reto,
Ó nômade febril, ó trovador inquieto!

Livre por condição e por índole, tu
Nasceste para ser como um selvagem nu.

Um selvagem, porém, que tem paixão por astros,
Estátuas, capitéis, colunas e alabastros…

Quanto me sinto bem, e como é bom saber
Fugir assim, batendo as asas de prazer!

Ser livre para mim é tudo quanto eu amo:
Não há como poder saltar de ramo em ramo.

Não há gozo melhor, seja lá como for,
Do que esse de voar de uma para outra flor.

Nem orgulho maior e nem glória tamanha
Que o delírio de andar de montanha em montanha!

Olha. Não pares no teu caminho, a não ser
Só para olhar o que for digno de se ver.

O que tiver o dom soberbo de arrancar-te
Numa explosão sincera as lágrimas com arte.

Segue. Na fonte em que beber a ovelha, em paz,
Com as tuas próprias mãos, tu também beberás.

E a árvore sob a qual dormires o teu sono,
Há de dar-te abundante os seus frutos de outono.

E que perfume bom! Que embriaguez assim
Por esse vasto céu, por esse azul sem fim!

O dia é uma canção de luz maravilhosa,
Que se pudesse ouvir cantar por uma rosa…

Segue pois, segue pois, sem saber onde vais…
Nômade, o teu destino é esse e nada mais!

LIED

Ao Júlio Prestes

Num cavalo branco, vales e barrancos,
Caminha p’ras guerras em tempos de paz
Plumas todo verdes, lírios todo brancos…
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro andante (fulgem armaduras!)
Galopa, galopa, sob estrelas más.
Vai correr o Mundo pelas aventuras…
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro fino como um argueiro,
Com espada d’ouro, rico falbalás,
Cabelos ao vento – Palmas! – Cavaleiro!…
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro triste (ceifa a lua nova)
– Que é da sua dama? Que é do seu gilvaz? –
Entra p’los salgueiros caminho da cova…
– Não direi que não vás!
1899

A FOME DE ERISÍCTON

Meu coração é como esse infeliz que um dia
Ceres, p’ra o castigar, deu-lhe fome voraz,
Deu-lhe uma fome tal que quanto mais comia,
Mais queria comer e não ficava em paz.

Era a fome canina, era o horror e a fúria,
De tal maneira que todos os bens vendeu,
E reduzido enfim a uma extrema penúria,
Vendeu o que era seu o que não era seu…

Desesperado até veio a vender a filha
Metra, que era, porém, uma estrela polar,
Tinha a virtude ideal, possuía a maravilha,
O dom de se poder metamorfosear…

Logo, logo que o pai conseguia vendê-la,
Mal se via nas mãos do seu possuidor,
Transformava-se em flor, ou então em cadela,
Em pássaro, em veado, em boi ou em pescador.

Mas a fome cruel daquele esfaimado
Uivava como os cães, os lobos e os chacais,
Nem bem tinha engolido o último bocado,
Sangrando de desejo, ela pedia mais…

Davam-lhe de comer, porém, doentia e louca,
Queria devorar o mundo de uma vez,
O olhar como um demônio, escancarada a boca,
Tomada de um furor bestial de embriaguez.

E tanto desejou, afinal, e tanto ela
Pediu, e soluçou, e ambicionou, e quis,
Que não havendo mais com que satisfazê-la,
Deu em se devorar a si próprio, o infeliz!
Março – 1906

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte II


REDAÇÃO ANULADA

A redação poderá ser anulada, ou receber nota zero, se:

Estiver ilegível.

Fugir do assunto.

For escrita a lápis.

For escrita com rasuras e sem título.

For apresentada sob a forma de verso.

Não obedecer ao espaço e ao número de parágrafos determinados.

Não seguir as instruções relativas ao tema escolhido.

Tiver menos ou mais linhas do que a quantidade preestabelecida.

Contiver cópias das idéias do texto de motivação, quando este for dado.

Contiver elemento que identifique o candidato (como letra de forma ou de imprensa, por exemplo).

APOSTO.

Use o aposto — explicação sobre um termo ou expressão da frase — quando, ao mesmo tempo que caracterizar, você pretender explicar a própria atitude da personagem.

Mariana, enfurecida, arremessou o valioso colar no rio.

A Universidade pública deve ser defendida por todos, ricos ou pobres.

O estudo do Romeno, língua neolatina como o Português, pode ser bastante facilitado com o uso de uma gramática comparativa.

ARGUMENTAR.

Não comece a redação com períodos longos. Exponha logo suas idéias.

Não fundamente seus argumentos com fatos que não sejam de domínio público.

Os argumentos do desenvolvimento da redação devem surpreender o leitor. Suas idéias precisam ser saborosas para atrair sua atenção.

Dê sua opinião, argumentando. Não use expressões como eu acho, eu penso, para mim ou quem sabe, pois denotam imprecisão em suas ponderações. É preciso mostrar conhecimento e domínio sobre o tema que está escrevendo.

ARTIGO, PREPOSIÇÃO: A, À, PARA, PARA A.

A (artigo): Fui a Salvador (fui e voltei logo).

PARA (preposição). Fui para Salvador (fui e vou passar alguns dias ou morar lá).

À (craseado): Fui à fazenda (fui e voltei logo).

PARA A (preposição + artigo): Fui para a fazenda (fui e vou passar alguns dias ou morar lá).

ASPAS.

Vêm entre aspas:

Os estrangeirismos (as palavras estrangeiras): “Pizzaria”, “mobylette”, “show”, “vídeo game”. Observação: Matinê, buate e pingue-pongue, no entanto, não vêm entre aspas, por serem estrangeirismos aportuguesados.

Os apelidos: “Zezinho”, “Juca”, “Nice”.

As citações que não sejam de sua autoria:
Oxalá não se me fechem os olhos sem que o queira Deus”. (Rui Barbosa).

“Se viveres com dignidade, não melhorarás o mundo, mas uma coisa é certa, haverá na terra um canalha a menos” (Confúcio).

Observação: As citações, quando não colocadas entre aspas, constituem plágio, o que é errado e desonesto. Plagiar, segundo o dicionário do Aurélio, é “assinar ou apresentar como seu obra artística ou científica de outrem” (de outro autor).

As gírias. Isto é, as palavras usadas em sentido figurado. A festa foi um “barato” (ótima, “legal”). Não “saquei” (entendi) nada. Aliás, evite usar gírias.

ASPECTO VISUAL.

Qualidade da letra, margem, espaços entre as palavras, legibilidade, limpeza, pontuação, facilidade de leitura, parágrafos (espaços), períodos (se não deixou períodos longos).

ASSÍNDETO.

É a ausência de conjunções coordenativas no período composto.

Cheguei, vi, venci.

O barco veio, chegou, atracou, chegamos.

AVALIAÇÃO.

A autocrítica pode ser essencial quando se deseja melhorar o texto.

Avalie o texto. Verifique se as frases soam bem, se não contêm cacófatos ou rimas. Começou bem a redação e terminou-a melhor ainda?

A avaliação de uma redação segue um critério rigoroso, pois está relacionada à norma culta da língua portuguesa. Além da parte específica de gramática, muitas vezes recorre-se à grafologia para verificar-se o perfil psicológico e pendores vocacionais do candidato à função que pleiteia.

BARBARISMO OU ESTRANGEIRISMO.

É a utilização de palavras ou construções estranhas à língua portuguesa. Evite usá-lo.

Estrangeirismo … Prefira
Show………………………espetáculo
Jeans ……………………..calça de brim

BATE-PAPO.

Evite a projeção de bate-papo, ou seja, escrever com estilo coloquial numa redação.

A Guerra do Iraque foi duramente criticada, vai daí que os americanos tiveram abalado seu conceito de democracia.

A expressão “vai daí que” é da fala coloquial, devendo ser substituída por uma construção mais adequada:

A Guerra do Iraque foi duramente criticada e, em função de sua postura, os americanos tiveram abalado seu conceito de democracia.

Ele repetia tudo o que dizia, que nem um papagaio de madame.

A palavra adequada é como; “que nem” desmerece o texto em que está inserido, a não ser que represente a fala popular da personagem.

BILHETE.

É uma forma de comunicação da língua escrita, bastante simples e breve.

BOM SENSO.

Evite construções complexas. Leia o texto várias vezes para ter certeza de que ficou claro e preciso.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

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Pedro Nogueira (O Trovador em Versos Diversos)


CADA MINUTO DE TODO DIA

Sobre o verde vestido
Eu te falo um outro dia
Vais saber após ter lido
A minha ultima poesia.

Que já estou elaborando
Composta de muita verdade
E todas elas só falando
Sobre essa meiga beldade.

Inclusive o sorriso dela
E os cabelos em desalinho
A cor de neblina fica bem nela
E deixa esse trovador doidinho.

Mas vamos falar outra hora
Qualidades bem detalhadas
De lembranças que vem agora
Daquela fada emcantada.

A regente da singela poesia
Que jorra da minha mente
Cada minuto de todo dia
Visando o eternamente.

ANTES QUE O ASSUNTO TERMINA.

Tomara que ela ouça
Essa vóz tão fraquinha
Do coração que não é de louça
E que acha ela uma gracinha.

Vê se de atenção a ele
Não vais se arrepender
E saiba que o sonho dele
É de bem de pertinho te ver.

Se você achar que deve
Pode lhe perguntar tambem
Pra quem é que ele escreve
E pode ir ainda mais alem.

Encoste ele na parede
Tente tirar dele,mistério
Pergunte sobre o vestido verde
Mas sobre isso fale bem sério.

Com esse coração atrevido
Que faz germinar poesia
De modo ansioso e atrevido
Mas sem nenhuma ironia.

E antes que o assunto acabe
E correndo ele vai embora
Pergunte do sorriso cor de neblina
Por que ele ainda tanto chora

POR ISSO A SAUDADE.

Uma tarde chuvosa
A imaginação voando
Minha alma ansiosa
Noticias esperando.

O corção em brasas
Uma taça de vinho
O pensamento bateu asas
O trovador está sozinho.

As rosas molhadas
Parecem gostando
Sem noite enluarada
Eu acordado sonhando;

Tentando uma trova
Bem diferente agora
Tambem queria uma prova
Que ela lê meu verso que chora.

E ao mesmo tempo sorri
Ao pensar na beldade
Que eu nunca esqueci
Por isso a saudade.

NA MENTE FICOU O RETRATO

Nos campos da minha terra
Eu quero de novo correr
E a chuva branca na serra
Outras vezes eu quero ver.

O cantar de um sabiá
A flor branca da laranjeira
Um perfume que só tem lá
Na terra do Pedro Nogueira.

A DEUS eu sou muito grato
Porque ali foi nascido
O trovador mais pacato
E de coração tão atrevido.

Recordo a bela italianinha
Dela eu gostei de verdade
Belos olhos azuis ela tinha
Até hoje eu tenho saudade.

Na beira do manso regato
Eu ia perseguir borboleta
Na mente ficou o retrato
Da estradinha florida e estreita.

MEU SONHAR E MEU MEDO

O lago mansinho
Um espelho da lua
A flor do caminho
Traz saudade tua.

A noite tão calma
Uma taça de vinho
Pra alegrar a alma
De quem está sozinho.

É alta madrugada
Já vai amanhecer
E a saudade da amada
Me obrigando escrever.

O lindo nome dela
Meu tesouro,o segredo
Razão da poesia singela
Meu sonhar e meu medo.

Assim vai seguindo
O cotidiano da vida
E te percebe sorrindo
A minha alma atrevida.

COMPOR POESIA QUE CHORA

O luar do fim de noite
Misturado com lembrança
E o estalo de um açoite
Fé e muita esperança.

Se torna embriagador
Me faz sair fora do sério
Ai eu me vejo trovador
Querendo desvendar mistério.

Escrevo coisa sem nexo
Tentando me encontrar
No emaranhado complexo
Da despedida do luar.

Me sinto um rouxinol
Admirando um pardal
Tentando prender um raio de sol
No topo de um pedestal.

Já que o luar foi embora
É válido um improviso
Compor poesia que chora
Por um amor que eu preciso.

BUSCANDO A PAZ QUE EU TINHA
.
A madrugada está fria
E a saudade judiando
Vai virando poesia
O meu verso sonhando.

Com a beleza dessa mulher
A ternura do meu amor
Que meu coração tanto quer
Pureza e essencia de flor.

Essa caneta que desliza
Parece ter sentimento
E rabiscar ela precisa
Registrando cada momento.

As batidas de um coração
Que ama dioturnamente
Fazendo da vida a emoção
De arrancar versos da mente.

Como petálas,só pra ela
Sentir a presença minha
Em cada poesia singela
Buscando a paz que u tinha.

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Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 14)


SER O LANTERNA
Lanterna veio do latim lanterna, archote, lampião.
Lanterna também é o último colocado numa competição. A palavra ganhou esse sentido na França.
A mais importante corrida de ciclistas em todo o mundo é promovida pelos franceses: a Volta da França, que dura 22 dias e tem um percurso de aproximadamente 3.400km, passando por várias cidades. A prova é disputada desde 1903* e, pelo menos no início, era cheia de trapaças, com os concorrentes pegando trens, sendo rebocados por carros ou dando outros jeitinhos franceses.
Foi nessa competição que os franceses passaram a chamar o último colocado de lanterne rouge, em associação com as luzes vermelhas que brilham no último vagão das composições ferroviárias, avisando ao mundo que ali acaba um trem.
A expressão, com esse sentido de último competidor, foi parar em Portugal assim mesmo, “lanterna vermelha”, mas no Brasil se reduziu simplesmente a lanterna ou lanterninha.
* Anualmente, é claro (em julho). Ou você estava imaginando um bando de velhinhos pedalando até hoje?

LERO-LERO
Do Qicongo (grupo de línguas faladas no Congo e em Angola) lelu, boca.
É sinônimo de blablablá, que veio do francês blablabla, uma onomatopéia, provavelmente influenciada pelo verbo blaguer, dizer coisas ridículas. O verbo é derivado de blague, farsa, origem de blague em português. O francês blablabla veio depois do inglês blah, que também se usa repetido (blah-blah-blah), com o mesmo sentido de papo enfadonho. Em espanhol, também existe a palavra blablablá. Como se vê, os chatos têm um som universal.
O lero-lero é uma conversa fiada, em que fiada, enganosa, é o particípio do verbo fiar com o sentido de tramar para iludir. Aliás, fiar e tramar são palavras que passaram do mesmo sentido concreto (associadas a fio) para o mesmo sentido abstrato (engendrar para enganar). Fiar veio do latim filare, formado defilu, fio; tramar é derivado de trama, do latim trama, fio, trama.

LHAMA
O gracioso bichinho ganhou esse nome por engano. Quando os invasores espanhóis viram aquele estranho animal na América do Sul, perguntaram aos índios “eComo se ilama?” (Como se
chama?). Os índios não entenderam nada e ficaram repetindo a última palavra da pergunta: “Liama”. Os espanhóis tomaram a perplexidade por resposta e assim batizaram o animal.
Interessante, não? Pois, o prezado leitor acaba de conhecer mais um caso de etimologia fantasiosa que ganhou fama. Infelizmente a verdade é outra, sem a menor graça: o português lhama e o espanhol llama vieram do quíchua (língua indígena dos Andes) ilama, nome dado pelos índios ao animal.
O lhama é uma variante de outra espécie, o guanaco, do espanholguanaco, que veio do quíchuawanáku. O espanhol guanaco também é usado para designar uma pessoa tola, em razão da comovente estupidez do bicho.

FAZER OUVIDOS DE MERCADOR
Mercador veio do latim. mercatore, comerciante. Fazer ouvidos de mercador é fingir que não ouve.
O mercador não escuta nada, só quer mesmo berrar as qualidades e o preço do produto e vender. Uma ligeira variante dessa explicação fala de mercadores agiotas, surdos às súplicas dos devedores.
Há duas outras teorias, pouco prováveis, para a origem da expressão, ambas calcadas em deturpações populares.
A primeira sustenta que mercador seria uma corruptela de “mau credor”.
A segunda, mais inventiva, refere-se ao tempo em que os escravos eram marcados a ferro quente, como as reses. O marcador exercia sua função, indiferente aos gemidos da vítima.
Assim, “fazer ouvidos de marcador” teria sido corrompido pelo uso popular para fazer ouvidos de mercador.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

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Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – VI – o Vestido Maravilhoso

Enquanto a tragédia de Rabicó se desenrolava no camarote do navio afundado, Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher fazendas. Dona Aranha tirou dos seus armários de madrepérola um vestido cor do mar com todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse de alguma cassinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.

— Que maravilha das maravilhas! — exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.

Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor — e cor do mar! Em vez de enfeites conhecidos — rendas, entremeios, fitas, bordados, plisses ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só, mas de todos os peixinhos — os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços — todos, todos!… Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ouvires que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas da sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados no tecido, como os enfeites e aplicações que se usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem n’água. De modo que o vestido variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.

— É a vertigem da beleza! — exclamou dona Aranha sorridente, dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.

Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.

— Não bula! — murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.

O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furta-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes. As algas ondeavam as suas cabeleiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava e dançava que não tinha fim… A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.

— Mas quem é que fabrica esta fazenda, dona Aranha? — perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.

— Este tecido é feito pela fada Miragem — respondeu a costureira.

— E com que a senhora o corta?

— Com a tesoura da Imaginação.

— E com que agulha o cose?

— Com a agulha da Fantasia.

— E com que linha?

— Com a linha do Sonho.

— E… por quanto vende o metro?

Narizinho, já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.

— Cale-se, Emília. Os peixinhos podem assustar-se com as suas asneiras e fugir do vestido.

Nesse instante a porta abriu-se assustadamente e o príncipe apareceu, mais assustado ainda.

— Uma grande desgraça! — foi ele dizendo. — Acaba de chegar uma sardinha mensageira com aviso do senhor Pedrinho, comunicando que o marquês de Rabicó está nas garras dum polvo!…

Narizinho empalideceu de susto e exclamou:

— É preciso salvá-lo, custe o que custar, príncipe! Se Rabicó for comido pelo polvo, vovó vai ficar danada!…

— Já mandei em seu socorro o meu melhor batalhão de couraceiros. Só resta que cheguem a tempo…

— Quem são eles?

— Os caranguejos rajados.

— Mas caranguejo anda tão devagar, príncipe! — murmurou a menina com cara de desconsolo.

— Sim, mas partiram montados em velocíssimos peixes elétricos. Tenho esperança de que tudo acabe bem.

— Os anjos digam amém! — suspirou a menina, ainda com o pensamento no pito que poderia levar de dona Benta.

Emília aproveitou a oportunidade para perguntar ao príncipe que tal achava o figurino que escolhera para o seu vestidinho de cauda.

— Muito bonito — respondeu ele maquinalmente, pensando noutra coisa.

— Pois está às suas ordens — disse amavelmente a boneca.

Narizinho chamou-a de parte e cochichou-lhe ao ouvido:

— Não se meta a conversar com o príncipe. Você diz sempre o que não é para dizer.

Emília amarrou um pequeno burrinho, certa de que era de ciúmes que a menina não queria que ela falasse com o príncipe.
––––––––
Continua… Vem vindo o socorro

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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Trova Ecológica 54 – Wagner Marques Lopes (MG)

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29 de novembro de 2011 · 23:58

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 410)


Uma Trova Nacional

Beija a mãe, filho querido,
convocado para a guerra!
Não há adeus mais doído
em toda a face da Terra!…
–HÉLIO DE CASTRO/PR–

Uma Trova Potiguar

No pôr-do-sol comovente,
que de tristeza me invade,
rezo, enternecidamente,
uma oração de saudade.
–REINALDO AGUIAR/RN–

Uma Trova Premiada

1987 – Resende/RJ
Tema: ABANDONO – M/E

Se vejo um roto menino,
desvalido, pela praça,
no abandono, sem destino,
estranha culpa me abraça.
–JOSUÉ VARGAS FERREIRA/SP–

Uma Trova de Ademar

Quem faz da vida um tatame
e da família um penhor,
não tem ninguém por quem chame
nos seus momentos de dor.
–ADEMAR MACEDO/RN–

…E Suas Trovas Ficaram

Numa calma que revolta,
ele chega, de repente;
e eu aceito a sua volta,
para sofrer novamente…
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ

Simplesmente Poesia

Desejo
–MANOEL RODRIGUES DE LIMA/SP–

Queria muito,
saber tudo sobre as flores.

Saber
sentir seu perfume.

Saber
ver suas cores.

Assim,
saberia qual lhe ofertar.

Estrofe do Dia

Poesia é a minha paz,
meu mundo, meu universo;
um mar de sabedoria
onde eu vivo submerso;
é minha alimentação,
é meu sustento, é meu pão
feito de rima e de verso.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Caminhada do Tempo
–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

Idade dos noventa. Aqui do alto
Faço um apelo ao sonho, à fantasia:
Não me deixe jamais, eu tornaria,
Ao insignificante e triste asfalto.

Para chegar aqui, de salto em salto,
Medindo passos e horas, noite e dia,
A fé me conduziu e mais, diria,
A vontade de ser hino em contralto.

Não me arrependo do que fiz. Se errei,
É que o destino humano marca a lei
Do certo e errado, alvorada a alvorada.

Resta levar o tempo que me sobra,
Seguindo firme, refazendo a obra
Que produzi durante a caminhada.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

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Célio Simões de Souza (A Triste Sorte de um Pinto Pedrês sem Dono)


Moleque do meu tempo, em Óbidos, não dispensava em casa ou na rua uma brincadeira de bola, de pião, jogo de carteira de cigarro, belário, camonha, empinar papagaio ou simplesmente jogar pedra nas frondosas mangueiras que existiam na cidade, que o tempo e o desleixo das administrações foram deixando acabar.

Todo o time da minha faixa etária era por completo integrado nesse fuzuê, cujos mestres perlustravam os bancos das escolas municipais e ali concebiam as brincadeiras, algumas de duvidoso bom gosto, como aquela de jogar bomba de São João, comprada nas barracas dos marreteiros da Praça de Sant’Ana, em cima dos cães vira-latas só para vê-los correr sem rumo, latindo em desespero pelo açoite dos estampidos. Coisa de moleque espora, com certeza…

Vez por outra a adrenalina aumentava. Era quando eu resolvia subir a Serra da Escama para passarinhar lá no alto, inicialmente armado de baladeira e com o passar dos anos, com rifle calibre 22 de repetição e ferrolho na culatra. Perdi a conta das piaçocas abatidas no Lago Pauxis (que me perdoe o IBAMA, na época chamado IBDF), das cobras venenosas ou não que atravessavam o meu caminho e das saborosas “santa cruz”, uma espécie pouco maior que a codorna, que no Nordeste é conhecida como “avoante”, a exemplo daquelas, degustadas nos espetos de improvisadas fogueiras.

Quando não apareciam as minhas imbiaras prediletas, ficava eu sentado em um dos canhões Armstrong lá no alto da serra, desfrutando a bela visão da curva estreita do Rio Amazonas, com os telhados da cidade servindo de pano de fundo ao intenso verde da paisagem, compondo um quadro contraposto, naquilo que os poetas chamam de harmonia dos contrastes, até hoje registrada em minha memória.

Nesse dia não foi diferente. Atravessei a ponte de madeira sobre o Laguinho, inspecionei suas margens atrás de uma que outra piaçoca e, a míngua de pássaros que não pipiras e bem-te-vis, subi a serra pela tortuosa trilha que eu conhecia como a palma da mão. Lá do alto, recuperado o fôlego (ufa!!), fiquei maravilhado com a frondosa mangueira recheada de frutos amarelos, no ponto de serem consumidos. Com a ajuda da faca que sempre portava, deliciei-me com aquela iguaria presenteada pela natureza, o suficiente entretanto para não ser vítima de indigestão.

Tudo parecia estranhamente calmo à minha volta. Aliás, deliciosamente calmo. Um silêncio convidativo me impedia de empreender o caminho de volta, apesar do velho jargão de que “pra baixo todo santo ajuda…”. Demorei-me o que pude, desfrutando daquela paz só encontrável no elevado das montanhas. Quem já esteve nas serras gaúchas, cariocas ou cearenses ou em Campos do Jordão que o diga. Só que tudo tem um limite, a tarde ia se findando – soava a hora do regresso.

Redobrei a cautela por causa das cobras. Já adulto, esse sobrosso levou-me a procurar pelo “mestre” curandeiro Didico Assis, que, após um ritual de iniciação, tornou-me imune a sua peçonha. Isto porque desde criança, sempre tive medo delas. Tanto medo, que quando via uma, preferia matá-la primeiro e depois verificar se era ou não venenosa. Dessa regra não escapavam nem as inofensivas jibóias ou as mal humoradas pepéuas. Cheguei ao sopé do morro sem qualquer atropelo. Bastava agora vencer uma largura de uns duzentos metros, driblando as terríveis touceiras de juquirís e jurubebas, para atingir a cabeceira da ponte. E foi o que fiz, olho pregado no murizal, atento ao menor movimento do capim.

Foi quando ouvi o piado característico e insistente. Apurei o ouvido para vencer o barulho do vento, assim identificando o rumo daquele ruído familiar. A aproximação foi lenta. Ergui com o cano da arma o tufo de capim e para minha surpresa, lá estava um pinto pedrês praticamente saído do ovo, piando de fome ou com saudades da mãe. Fiz uma busca ao redor na tentativa de encontrar a galinha e nada; ele estava mesmo sozinho no meio do mato e com a noite caindo, morreria de fome ou devorado pelas serpentes.

Segurei-o nas mãos colocando-o dentro do bornal que eu trazia atracado no boldrié e assim cheguei em casa com aquela preciosidade, despertando a curiosidade da família, que queria saber onde e como eu conseguira aquele inusitado troféu. Explicações dadas e aceitas, foi o pequeno animal solto em nosso quintal, uma espécie em miniatura de Arca de Noé, onde proliferavam patos, galinhas, galos, porcos e outros bípedes e quadrúpedes, sempre lembrados às vésperas de algum aniversário ou no dia de Natal.

Ocorre que o pinto passou a desfrutar de mordomias. Para início de conversa, comia milho moído na minha mão, pelo menos uma vez ao dia. Eu aparecia no quintal e lá vinha ele atrás de sua porção de comida fosse ou não hora da chepa. Não satisfeito com esse tipo de tratamento diferenciado, deu de andar atrás de mim pela casa e pelo quintal, tal qual um cachorro anda atrás do dono. E de tanto comer na hora ou fora de hora, cresceu precocemente e virou um frangão robusto, enfrentando nosso galo “Argentino” em renhidas disputas pelo escancarado amor das galinhas, que o cortejavam abertamente. Situação complicada essa, que estava a merecer uma solução, que ainda não se poderia vislumbrar qual era.

Nessa época eu tinha uma bicicleta comprada na “Casa Gina”, que ficava bem ao lado da “A Pernambucana” e nela eu fazia miséria nas ladeiras da Cidade Presépio, sempre em alta velocidade. A sucessão de tombos era uma conseqüência natural dessa imprudência; meus braços e pernas viviam permanentemente feridos e quando estavam sarando, outra queda me impunha novas cicatrizes, inclusive no rosto, uma das quais torna até hoje incômoda a prosaica tarefa de fazer a barba. Quando esse fato aconteceu, eu estava me recuperando de uma derrapagem que sofrera na ladeira do mercado, que fez desaparecer a pele do meu joelho direito.

Minha mãe se queixou que uma quantidade exagerada de urubus vivia à espreita em nosso quintal, pousados na cerca de pau-a-pique, esperando a hora de brigar pelos rebotalhos de carne que eram descartados por nossa empregada doméstica, a bondosa Eulália. Um deles, inclusive, de maneira acintosa e precipitada, entrou voando dentro de casa, na tentativa de saciar a fome, quase fazendo minha querida irmã Edna (que tinha medo até dos filmes do Drácula), desmaiar de pavor. Foi a gota d’água! Chegou-me o apelo materno para que eu desse um jeito naquela insustentável situação, de vez que os vizinhos também se queixavam do mesmo abuso da urubusada, mas não tomavam nenhuma iniciativa.

Urubu de Óbidos é igual a urubu do Ver-o-Peso ou de qualquer outra parte. Adora uma bagunça. E com autorização de dona Lady, decidi solucionar aquele aflitivo problema. Combinei com a Eulália que ela me avisaria o dia em que cuidaria da carne, para atrai-los. E assim foi feito. Ela começou seu trabalho como se nada de anormal fosse ocorrer, cantarolando baixinho “Coração de Papel”, música de sua predileção; esgueirei-me por trás de um tambor de água que ficava bem próximo, empunhando o rifle e dali pude enquadrar na alça de mira o urubu mais vistoso e ousado, que vivia aporrinhando a rotina da minha casa.

Não obstante, antes do tiro fatal, senti uma dor lancinante no bendito joelho esfolado, cuja pele eu perdera na ladeira do mercado. Olhei e vi que era o desgraçado do frangão, de quem nem estava lembrando, que pelo vício de andar atrás de mim, dera uma senhora beliscada no ferimento, arrancando parte dele e fazendo o sangue jorrar com abundância, impondo-me uma dor que me fez gritar, para a sorte daquela revoada de corvos que simplesmente bateu asas, sumiu, como que fazendo gozação da minha cara.

A juventude é uma fase de impulsos, por isso julgo dispensável contar os detalhes do final dessa história. O almoço do dia seguinte foi um suculento frango, que eu particularmente comi com um misto de fome e de desforra, porque o ferimento infeccionou (“arruinou”, como diria o mestre Bereco), obrigando-me a recorrer aos inestimáveis serviços da Zuraia, a zelosa enfermeira da Santa Casa de Misericórdia, até sua completa cicatrização.

Jamais senti remorso pelo que fiz, pois o próprio pedrês não soube valorizar as regalias que desfrutou no seu privilegiado espaço. Ademais, faltou-lhe o necessário instinto para assimilar uma lição básica nas regras de sobrevivência no mundo dos animais, isto, sem qualquer eiva de duplo sentido: pinto que trai o dono tem mais é que levar o farelo.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

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Célio Simões de Souza (1947)


Célio Simões de Souza nasceu em Óbidos (PA), em 24.12.1947, único filho homem do fazendeiro, adjunto de promotor e fiscal da SEFA Sr. Francisco Lôbo de Souza e da professora Lady Simões de Souza. É casado com a Pedagoga Fátima Augusta Oliveira Simões, com quem tem três filhos: Célio Augusto, Francisco Cezar e Sérgio Guilherme, todos formados em Direito.

Em sua cidade natal estudou no Grupo Escolar José Veríssimo e integrou a primeira turma do Ginásio São José. Em Belém, foi aluno do “Paes de Carvalho” e da UFPa, onde graduou-se em Direito em Julho/1976.

Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (RJ).

Foi professor-coordenador na primeira Diretoria da Escola Superior de Advocacia e professor-orientador na UNAMA.

Fundou a Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Pará, da qual foi vice-presidente, conselheiro e secretário.

Foi Conselheiro da OAB/PA de 1983 a 1986. Ainda na OAB/PA, fundou e presidiu a Comissão de Prevenção ao Trabalho Escravo.

Foi fundador e conselheiro titular da União dos Juristas Católicos de Belém, tendo recebido do Papa João Paulo II especial benção apostólica pela sua atuação como advogado da população carente.

Fundou também o Centro de Estudos dos Advogados do Banco do Brasil do Pará e Amapá, do qual foi o primeiro Diretor Geral.

Foi nomeado em 12.12.90 para o cargo de Procurador-Chefe da Procuradoria Trabalhista da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de Belém. É membro vitalício fundador do Conselho de Mediação e Arbitragem do Estado do Pará. Integrou banca examinadora de concurso para Juiz Substituto da Justiça do Trabalho da 8.ª Região.

É membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra da qual foi também Consultor Jurídico da Delegacia do Pará.

É ensaísta e poeta, tendo algumas de suas poesias musicadas pelo Des. Vicente Fonseca, seu parceiro musical.

Como cronista recebeu medalha de prata em São Paulo, em concurso de âmbito nacional.

É Comendador da Ordem do Mérito Advocatício e membro titular das seguintes instituições culturais: Instituto dos Advogados do Pará; Academia Paraense de Jornalismo (Cadeira n.º 20); Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cadeira n.º 08) e Academia Artística e Literária de Óbidos (Cadeira n.º 01) que idealizou, fundou e preside.

Possui mais de cem crônicas publicadas e é co-autor do livro “Um Abraço Apertado” editado em 2009. Inserem-se ainda em seu currículo suas atividades como juiz do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PA, juiz arbitral do Conselho de Mediação e Arbitragem do Estado do Pará e juiz do próprio Tribunal Regional Eleitoral que pela segunda vez o condecorou.

Fonte:
O Impacto

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Arquivado em Biografia, Pará

Ialmar Pio Schneider (Soneto após ler Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz)

Uma história de amor que nos surpreende,
libélulo ao celibato imposto,
lança no espírito feroz desgosto
que por maior esforço não se entende.

São os mistérios que jamais se aprende:
uma existência trágica ao sol-posto
penetra o cérebro e no próprio rosto
dá contrações de nervos e se estende.

O mundo estupefato ao Padre Amaro
lançará seu desprezo inconformado,
pois mesmo que procure achar amparo

na vã filosofia de um idílio,
surgirão tão fatal como o pecado
a pobre Amélia morta e morto o filho…

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

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Arquivado em O poeta no papel, Soneto.

III Concurso de Poesia Popular da UBT-Maranguape/2011 (Enviar até 31 de Dezembro)


Promoção: UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES – UBT-MARANGUAPE

REGULAMENTO

1) REQUISITOS:

Cordel, sextilha, septilha, décima, glosa, poesia em trovas, poesia em quadras, acróstico, trovas, haicais, poesia livre ou outro estilo de poesia, inéditos(as), que versem sobre um dos temas a seguir:

a) Fatos pitorescos, interessantes ou hilariantes ocorridos no Município de Maranguape, sobre a fundação do município ou a história de Maranguape;

b) Pessoas importantes, de destaque, populares, curiosas do município de Maranguape ou homenagem a maranguapense ou a família(s) de maranguapense(s), artistas, políticos, empresários, professores, poetas etc;

c) Histórias ocorridas nos bairros, distritos, comunidades ou na cidade de Maranguape, inclusive de eventos no município, histórias ou poesias sobre bairros, distritos, localidades, entidades, órgãos, academias (ACLA-Academia de Ciências, Letras e Artes de Columinjuba), UBT-Maranguape (União Brasileira de Trovadores), festival do humor, empresas, associações, universidades/faculdades ou escolas do município de Maranguape;

d) Histórias, ficção ou sobrenaturais, científicas, folclóricas, esportivas, futebolísticas, de rádio, ambiental, política, religiosa, desfile estudantil, teatro, trilhas na serra, causos em forma de poesia, poesia livre, que tenham menção/relação com o município de Maranguape;

e) Cordel de tema livre ou outro estilo de poesia com tema livre (que não tenha relação/menção ao município de Maranguape) será aceito como participação especial.

2) LIMITES:

No máximo um trabalho por concorrente, de livre escolha do estilo e tema, de qualquer local do país/exterior. O concurso é aberto aos simpatizantes de poesias, poetas/cordelistas e estudantes.

3) ENDEREÇO PARA REMESSA DOS TRABALHOS:

Por e-mail para o endereço eletrônico: ubt.mpe@gmail.com

Quando da remessa deverá ser indicado nome do autor, endereço completo e telefone.

4) PRAZO PARA REMESSA:

Até 31 de dezembro de 2011.

5) CLASSIFICAÇÕES:

5 trabalhos vencedores [1º. a 5º.] /
5 Menções honrosas [6º. a 10º.] /
5 Menções especiais [11º a 15º.].

6) PRÊMIOS:

Troféu para o 1º. colocado geral e diploma para cada um dos classificados.

A premiação está prevista para o dia 11.03.2012, em local a ser confirmado, durante a comemoração do 8º aniversário da UBT-MARANGUAPE.

7) JULGAMENTO:

A UBT-Maranguape formará a comissão julgadora do concurso.

Obs: Serão desclassificados os trabalhos postados após 31.12.2011. Pelas simples remessa do trabalho o(a) concorrente aceita as normas do presente regulamento e autoriza a publicação e divulgação do trabalho selecionado pela UBT-MARANGUAPE através de livros, informativos, na internet e no programa Brasil Trovador pela rádio FM Maranguape 106,3. Os trabalhos não serão devolvidos.

Maranguape, CE, em 18 de julho/2011.
Moreira Lopes / Presidente da UBT-MARANGUAPE e Coordenador do Concurso.

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José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte I


Muitas vezes se tira nota baixa em REDAÇÃO simplesmente porque se comete uma série de erros gramaticais bobos, tolos, inadmissíveis.

A principal finalidade do MANUAL… será contribuir de forma decisiva para que erros dessa natureza não mais sejam repetidos.

É uma obra que se destina a estudantes que estejam fazendo o último ano do curso pré-escolar, cursando os ensinos fundamental e médio, até aqueles que estão se preparando para concurso ou vestibular.

Servirá, portanto, para qualquer membro da família, inclusive para quem já concluiu o curso universitário e queira aprimorar-se na arte de escrever.

“A propósito de sua obra, no momento em que se destina a estudantes (pré-vestibulandos ou concursistas), é ótima. Parabenizo-o pela iniciativa e pelo interesse em construir algo de útil em prol do ensino da redação.”

O comentário acima, sobre o MANUAL DE TÉCNICAS DE REDAÇÃO, foi feito pela professora Maria Afonsina Ferreira, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia—UESB, lotada no Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários da Faculdade de Formação de Professores de Jequié, BA.

ABAIXO-ASSINADO.

É um documento assinado por várias pessoas, que contém pedido, reivindicação ou manifestação de protesto.

ABREVIAÇÕES.

Escreva as palavras por extenso. As abreviações são consideradas incorretas. Portanto, não use abreviações quando no corpo do texto de sua redação.

ERRADO
P/, c/, tá, pra, qdo
CERTO
Para, com, está, para, quando

ERRADO
Prof., edif., pop
CERTO
Professor, edifício, população

ERRADO
Fone, cine
CERTO
Telefone, cinema

ABSURDO.

Use o raciocínio absurdo, a percepção exagerada dos fatos, para sugerir a visão alterada da personagem.

Embriagado, achou que a mulher estava conversando com o amante e atirou no seu próprio cunhado.

Achava que o cãozinho estava silencioso apenas para ludibriá-lo, que preparava um ataque feroz; talvez até saltasse no seu pescoço em um momento de distração.

AÇÃO.

Quando quiser, em narrações, fazer sentir a atenção dada pela personagem às próprias ações, mostre os pormenores da cena.

Colocou cuidadosamente o cristal sobre a mesa, pegando a taça com a ponta dos dedos, pressionando-a levemente, mas com firmeza. Aproximava-a da mesa muito lentamente, quase sem fazer barulho algum ao tocá-la.

Se desejar mostrar ações sucessivas da personagem, efetuadas sem pressa e valorizadas uma a uma, separe-as em períodos diferentes.

Entrou na sala. Caminhou lentamente em direção ao cofre. Observou se o sistema de segurança estava desativado. Tirou o quadro da parede. Passou a girar lentamente o segredo do cofre, escutando atentamente quando daria o estalo que lhe permitiria abri-lo com segurança.

Para construir na narrativa a idéia de rapidez, use períodos curtos. Se buscar transmitir a sensação de um longo tempo transcorrido, use frases extensas.

Correu até o outro lado da rua. Girou a chave na fechadura. Entrou no prédio. Acenou para o porteiro. Entrou no elevador.

Estacionou o carro na frente do prédio, observando se a esposa já havia descido. Abriu a caixa de discos, escolhendo o que faria a mulher lembrar dos tempos de namoro. Reclinou o banco do automóvel, baixando o volume do rádio; pensou que a mulher estava atrasada; devia estar escolhendo seu melhor vestido ou talvez terminando de fazer a maquiagem com o cuidado que a ocasião merecia.

ACENTUAÇÃO.

Verifique sempre a acentuação dos vocábulos.

Procure conhecer as regras de acentuação sem, contudo, decorá-las como papagaio.

Uma técnica de aprendizagem infalível: Estude o assunto, por exemplo, em mais de dois autores, fazendo, depois, os respectivos exercícios. Proceda da mesma forma com os demais assuntos de gramática, que jamais precisará tomar curso de Português desse capítulo.

ALITERAÇÃO.

É a repetição de fonemas-consoantes, que resulta num resultado sonoro específico.

Velho vento vagabundo…

Chove chuva choverando.

Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando.

AMBIGÜIDADE OU ANFIBOLOGIA

Evite frases ambíguas (confusas) ou de duplo sentido. Ocorrem em conseqüência da má pontuação ou da má colocação das palavras.

A ambigüidade deve ser evitada com a utilização de termos que expressem clara e objetivamente o que se pretende mostrar.

FRASES AMBÍGUAS
Alice saiu com sua irmã.
CORRIJA PARA
a irmã dela
OU
a irmã de uma amiga

FRASES AMBÍGUAS
Vi José beijando sua namorada.
CORRIJA PARA
a namorada dele
OU
a namorada de um amigo

FRASES AMBÍGUAS
Um ladrão foi preso em sua casa.
CORRIJA PARA
na casa dele
OU
na casa da vítima

FRASES AMBÍGUAS
João ficou com Mariana em sua casa.
CORRIJA PARA
na casa dela
OU
na casa dele

FRASES AMBÍGUAS
Pintaram o quarto da casa em que durmo.
CORRIJA PARA
no qual durmo
OU
na qual durmo

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

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Paraná em Trovas Collection – 15 – Lúcio da Costa Borges (Morretes/PR)

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29 de novembro de 2011 · 23:09

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 14


A CIGARRA E A ESTRELA

Ao Figueiredo Pimentel

No bosque uma pobre cigarra vivia,
Cantando, a coitada, de noite e de dia.

Cantava tão cheia de um vivo prazer,
Que feliz não sendo, parecia ser.

Cantava tão leve, tão sonoramente,
Que até parecia mais feliz que a gente.

Cantava cantigas do bosque e d’além,
Que um dia aprendera sem saber com quem…

Mas, em certa noite, por desgraça dela,
Tamanha brilhara no céu uma estrela,

Tão grande, tão viva pérola d’Ormuz,
De tamanho brilho, de tamanha luz,

Que tudo que amava, tudo quanto d’antes
Fulgira-lhe aos olhos, como diamantes,

Tudo quanto vira e dera-lhe prazer,
Hoje não olhava, nem queria ver…

Nem aqueles campos onde o olhar se perde,
Nem aquelas folhas, nem aquele verde.

Nem mesmo esses vales, nem os alcantis
Onde a pobre fora d’antes tão feliz.

Foi como um delírio de paixão primeira,
Foi uma loucura, foi uma cegueira…

Dentro desse inseto rude dos pauis,
Houve como um sonho de amplidões azuis…

Foi como se dessa região suprema
Lhe descesse um áureo, régio diadema…

Foi como se um manto de uma maciez
De plumas descesse sobre a sua nudez…

Ficou deslumbrada, ficou de tal jeito
Que mais parecia com um doido perfeito.

Teve tal delírio cego, que apesar
De viver alegre, vivia a chorar.

Ela que era pobre como uma cigarra,
Tocando de noite e de dia a fanfarra,

Ela que não tinha de seu um real,
Que passava fome, que vestia mal,

Daria orgulhosa, para ser querida,
Tudo quanto tinha, coração e vida.

Aqueles castelos, com brasões reais
De orgulhos antigos, que não morrem mais.

E durante a noite pálida, estrelada,
Ambas conversavam, sem dizerem nada.

Conversavam juntas e unidas, assim,
Ambas debruçadas sobre um varandim…

Como se a existência fosse um cisne doce,
E o universo um lago murmurante fosse…

Nem tudo na vida são rosas, porém:
Se há rosas, decerto, logo espinhos vêm…

No meio dos sonhos e da primavera,
O inverno chega, ruge e dilacera…

Aparece o inverno, bem como um leão,
Entre as ovelhinhas brancas da ilusão.

Assim, muitas vezes, tal desesperança
Feria a cigarra com espada e lança,

Que ela até pensava, triste de uma vez,
Fazer o que Safo certo dia fez…

Que suspiros flébeis! Que profunda mágoa!
Os seus grandes olhos enchiam-se d’água.

A ilusão morria triste, sem um ai,
Como a glória morre, como a folha cai.

Realmente, como donde a gente brilha,
Sobre tanta coisa, tanta maravilha,

Poderia um astro ver um fanfarrão,
Que só tinha penas de imaginação?

Quem era esse inseto triste e sem valor
Para ser amado, para ter amor?

Tão cheio que fosse da sua cantiga,
Valia o coitado menos que a formiga,

Porque ao menos esta não tem fome, nem
Frio, nem sede, como aquele tem…

Porém a cigarra, como a alma do povo,
Se chorava agora, ria-se de novo.

Ria-se de tudo, de tudo que não
Fossem as loucuras do seu coração.

Pois sempre lá dentro d’alma de quem sofre,
Guardados no fundo dourado de um cofre,

Há eflúvios tão vagos, horas tão sutis,
Que por mais que a pobre fosse uma infeliz,

Logo que se via como que possuída
Dessa onda nervosa de gozo e de vida,

Tamanha doçura sentia e embriaguez,
Que esquecia tudo, doida de uma vez.

E o estrídulo canto tinha o colorido
De um amor que sabe que é correspondido…

Assim, que importava que essa brisa em vão,
Em vão suspirasse que era uma ilusão?

Que importava a ela que, triste ou risonho,
Tudo quanto via fosse apenas sonho?

No meio das ondas furiosas do mar,
Felizes aqueles que andam a sonhar!

Esse aroma doce, que a deixava langue,
Custava-lhe a vida, custava-lhe o sangue,

Custava-lhe tudo que tinha afinal;
Mas que sonho lindo, que paixão ideal!

Bem compreendia que, passando o outono,
Dormiria logo seu último sono;

Mas que bom ao menos de poder dormir
No meio de puras pérolas d’Ofir…

Via-se torcida dentro de uma grade,
A prisão de ferro chamada ansiedade;

Via-se encerrada dentro do pesar
Como numa torre, sem poder voar;

Porém que loucura mais rara e mais bela
Do que esse delírio de amar uma estrela?

Novembro – 1907

FELICIDADE

Ao Gonzaga Duque

Quem me dera que uma vez, em meu caminho,
Eu enlevado a visse pelo luar,
E tal como se fora um passarinho
Verde, nos verdes ramos a cantar…

Eu deixaria o meu sossego, tudo,
Sairia como um cervo, mais veloz,
Para seguir seus passos de veludo,
Seu rastro, seu perfume, sua voz…

E seguiria, cada vez mais bela,
Por onde quer que fosse, e onde quer,
Cada vez mais enamorado dela,
No encalço dessa flor, dessa mulher…

Embora fossem duros os caminhos,
Com que transporte, com que doce amor,
Eu pensaria que eram só arminhos,
Que eram veludos, que eram como flor…

E que esperança doce, e que esperança,
Nunca teve o mundo encanto igual:
Eu a correr atrás, como criança,
Dessa que corre e foge, por meu mal!

E tal o meu ardor, a minha vida,
Tal o delírio vão, tal o prazer,
Que se mais longa fosse essa corrida,
Mais desejos tivera de correr…

Tão enlevado, pois, tão enlevado,
Que quando desse acordo um dia em mim,
Quando eu olhasse, já tivesse dado
A volta ao mundo, embriagado assim…

Seria uma cidade que eu não vira,
Com tantas torres brancas para o ar,
Cidade d’ouro antiga, de safira
Batida pelos ventos, pelo mar…

Seria um sonho de cair de joelhos,
A soluçar, a soluçar em vão,
Por seus cabelos lindos, por seus olhos,
Por seu perfume, pela sua mão…

Seria um sonho ardente, um sonho lindo,
Nunca mais, nunca mais teria fim
Eu a chamá-la: vem! e ela fugindo,
Eu, doido, doido, ela a chamar por mim…

Eu nunca saberia d’onde ela vinha,
Nem quem era também jamais, e nem
Se era uma pastora ou uma rainha,
Se era uma rosa, um sonho, uma cecém…

Ela seria um astro, a realeza,
A encarnação de tudo que aspirei,
O pão da minha fome de beleza,
O meu orgulho, a púrpura d’um rei…

Tal a beleza, o êxtase, o abandono,
Que tivesse desejos, mas cruéis,
De dar-lhe um reino, pô-la sobre um trono,
E eu assim, desesp’rado, sob seus pés…

Haviam de passar anos e anos,
E sempre, sempre ela a me seduzir,
A embriagar-me sempre com os enganos,
A música de pérolas d’Ofir…

A minha vida toda pouco amena,
Antes fanada como folha vã,
Floresceria mais que uma açucena,
Mais que uma rosa verde da manhã…

No encalço dessa flor, dessa donzela,
O lírio e o vale e o serro e o mar e eu,
Fugiríamos todos atrás dela,
Envolvidos na túnica d’Orfeu.

E que doçura única, que doçura
Feita de manto e púrpuras reais,
E essa paixão, crescendo, e essa loucura
Os braços a estender cada vez mais…

E que delírio vão! e que delírio
De eu a querer, de ansiar por sua nudez,
Como se aquele corpo fosse um lírio,
Que se beijasse todo d’uma vez…

Oh que sorriso leve! que ansiedade!
Todo um furor banal de ser feliz,
De me abraçar contigo, F’licidade,
De te beijar, mulher que me não quis.

Oh que sorriso mágico! que enleio!
Que bom! que bem! nunca pensei, cruel,
Que houvesse assim no mundo tanto anseio,
Reinos tão lindos, doces como mel…

E que florido céu! que ânsia! que vago
Som mavioso! que luar! que flor!
Eu dormiria ao fundo desse lago,
Abraçado contigo, meu amor…

Tudo feneceria, como a estrela,
À luz forte, hiperbólica do sol,
Como fenece uma rainha bela,
Um sonho bom, um lírio, um rouxinol.

Tudo adormeceria o mesmo sono,
Tudo por terra havia de rolar,
Como um fino crepúsculo d’outono,
Como uma torre gótica do luar.

Flores, flores do mal, uma por uma,
E cavaleiro, e dama, e olhos fatais,
Mãos divinas, mãos leves como pluma,
E gestos lindos, gestos imperiais,

Tudo se acabaria, ó luz tranquila,
Ó ilusão dulcíssima! ó ilusão!
E eu sempre com a esperança de possuí-la,
Mas sem tocá-la nem sequer com a mão…

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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José de Alencar (Lucíola)


Análise

Lucíola é o quinto romance de Alencar e o primeiro da trilogia que ele denominou de “perfis de mulheres” (Lucíola, Diva e Senhora). Situa-se entre seus romances urbanos que representam um levantamento da nossa vida burguesa do século passado. A obra, publicada em 1862, é um romance de amor bem ao sabor do Romantismo, muito embora uma ou outra manifestação do estilo Realista aí se faça presente. Trata-se de um romance de “primeira pessoa”, ou seja, o narrador da história é um personagem importante da mesma, Paulo Silva. E ele a narra em cartas dirigidas a uma senhora, G. M. (pseudônimo de Alencar), que as publica em livro com o título de Lucíola. Fixam o Rio de Janeiro da época, com a sua fisionomia burguesa e tradicional, com uma sociedade endinheirada que freqüentava o Teatro Lírico, passeava à tarde na Rua do Ouvidor e à noite no Passeio Público, morava no Flamengo, em Botafogo ou Santa Teresa e era protagonista de dramas de amor que iam do simples namoro à paixão desvairada.

Em todos os romance urbanos, Alencar aborda o amor como tema central. Ou, para ser mais exato, “aborda a situação social e familiar da mulher, em face do casamento e do amor“. Mas o amor como o entendia a mentalidade romântica da época, um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, mas redimindo-se pela própria força acrisoladora de sua intensidade e de sua paixão.

Subjetivismo – O mundo do romântico gira em torno de seu “eu”: do que ele sente, do que ele pensa, do que ele quer. Por isso o poeta e o personagem na ficção romântica estão em contínua desarmonia com os valores e imposições da sociedade e/ou da família.

Em Lucíola encontram-se pelo menos duas grande manifestações desse subjetivismo romântico.

A primeira grande manifestação de subjetivismo está na própria estrutura narrativa do romance. Trata-se de um romance de “primeira pessoa”, em que a história é narrada do ponto de vista de uma só pessoa. No caso, Paulo. Tudo gira em torno do que ele viu, pensou, sentiu junto a Lúcia. Tudo, portanto, muito individual. Já no capítulo I, Paulo esclarece que escreveu essas páginas para se justificar perante uma senhora que estranhou “a minha (dele) excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagância.” Para isso , “escrevi as páginas que lhe envio, as quais a senhora dará um título e o destino que merecerem. É um “perfil de mulher” apenas esboçado.”

A segunda considerável manifestação de subjetivismo está na oposição indivíduo x sociedade. No romance, Paulo e Lúcia ora se insurgem contra as convenções sociais: “Que me importa o que pensam a meu respeito?“, ora satisfazem essas mesmas convenções, embora sempre reafirmando o próprio “eu” e fazendo a sua personalidade.

– “… Há certas vidas que não se pertencem, mas à sociedade onde existem. Tu és um celebridade pela beleza. O público, em troca do favor e admiração e que cerca os sue ídolos, pede-lhes conta de todas as sua ações. Quer saber por que agora andas tão retirada.”

– “Ah! esquecia que uma mulher como eu não se pertence; é uma coisa pública, um carro de praça que não pode recusar quem chega…”

Exaltação do amor – Em Lucíola, a temática central está exatamente na exaltação do amor como força purificadora, capaz de transformar uma prostituta numa amante sincera e fiel.

“- o amor purifica e dá sempre um novo encanto ao prazer. Há’ mulheres que amam toda a vida; e o seu coração, em vez de gastar-se e envelhecer, remoça como natureza quando volta a primavera.”

“Tive força para sacrificar-lhes outrora o meu corpo virgem; hoje depois de cinco anos de infâmia, sinto que não teria a coragem de profanar a castidade de minha alma. Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora., disse Lúcia após sentir a afeição de Paulo.”

E o romance termina com esta patética exaltação do amor, balbuciada por uma prostituta regenerada por esse mesmo amor, momentos antes de sua morte: “Eu te amei desde o momento em que te vi! Eu te amei por séculos nestes poucos dias que passamos juntos na terra. Agora que a minha vida se conta por instantes, amo-te em cada momento por uma existência inteira. Amo-te ao mesmo tempo com todas as afeições que se pode ter neste mundo. Vou te amar enfim por toda a eternidade.”

Amor e morte – O romance é impregnado da idéia de morte pois Lúcia está continuamente a se queixar de uma doença misteriosa que Paulo não compreende nem aceita, supondo-se tratar-se de refinada desculpa para não se entregar a ele sexualmente. Lúcia não acredita nem admite que uma mulher como ela possa usufruir das alegrias e gozos do amor conjugal, dando ao esposo “o mesmo corpo que tantos outros tiveram“. Seria uma profanação do verdadeiro amor. “O amor!… o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe! Mas o verdadeiro amor d’alma.”

Diante, portanto, da impossibilidade de realização de um amor puro, só resta a Lúcia, como personagem de um romance genuinamente romântico, uma saída: a morte. Nem mesmo um filho ela merece, pois seria o fruto de um amor vilipendiado. “Um filho, se Deus mo desse, seria o perdão da minha culpa! Mas sinto que ele não poderia viver no meu seio!” E, numa atitude típica de heroína romântica, Lúcia anseia morrer nos braços do homem amado: “Ainda quando soubesse que morreria nos seus braços… Que morte mais doce podia eu desejar!” “… desejava que fosse possível morrermos assim um no outro… uma só vida extinguindo-se num só corpo!”. E assim se fez. Morreu ao lado do ser amado, dizendo-lhe: “vou te amar enfim por toda a eternidade. (…) Recebe-me… Paulo!

Sentimentalismo melancólico – Em Lucíola um mínimo contratempo é o suficiente para lançar Lúcia ou Paulo na mais profunda tristeza. Numerosas passagens do romance colocam o leitor diante de quadros profundamente melancólicos. Como esta:

Foi terrível. Meu pai, minha mãe, meus manos, todos caíram doentes: só havia em pé minha tia e eu. Uma vizinha que viera acudir-nos, adoecera à noite e não amanheceu. Ninguém mais se animou a fazer-nos companhia. Estávamos na penúria; algum dinheiro que nos tinham emprestado mal chegara para a botica. O médico, que nos fazia a esmola de tratar, dera uma queda de cavalo e estava mal. Para cúmulo de desespero, minha tia uma manhã não se pôde erguer da cama; estava também com a febre. Fiquei só! Uma menina de 14 anos para tratar de seis doentes graves, e achar recursos onde os não havia. Não sei como não enlouqueci.”

E esta outra, onde Lúcia se fez passar por uma amiga morta para aliviar o sofrimento dos pais: “Lúcia morreu tísica; quando veio o médico passar o atestado, troquei os nosso nomes., Meu pai leu no jornal o óbito de sua filha; e muitas vezes o encontrei junto dessa sepultura onde ele ia rezar por mim, e eu pela única amiga que tive neste mundo. Morri pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída.”

Muitas das atitudes tomadas por Paulo ou Lúcia são próprias de pessoas que se deixam guiar pelo sentimento. Esta, por exemplo, esquisita e inexplicável de Lúcia “- Iremos juntos!… murmurou descaindo inerte sobre as almofadas do leito. Sua mãe lhe servirá de túmulo.

Enfim, o romance todo, do início ao fim, está impregnado de uma atmosfera melancólico-sentimental.

Ilogismo – Os paradoxos, o comportamento ora excêntrico ora dúbio de Lúcia, ora virtuoso, ora pecaminoso que vai lançando Paulo numa dúvida angustiante: a própria duplicidade comportamental de Paulo, generoso e mesquinho, compreensivo e intransigente, correto e pilantra; tudo isso dá à intriga do romance um atrativo todo especial que, por sua vez, ora atrai ora aborrece o leitor.

Há ainda outras manifestações de Romantismo no romance, tais como, imaginação e fantasia, culto da natureza, senso do mistério, exagero. Mas são de importância secundária.

Lirismo – Há um lirismo bem bucólico nesta passagem de Lucíola: “Sentamo-nos sobre a relva coberta d flores e à borda de um pequeno tanque natural, cujas águas límpidas espelhavam a doce serenidade do céu azul. Lúcia tirou do bolso seu crochê e o novelo de torçal, e continuou uma gravata que estava fazendo para mim. Enquanto ela trabalhava, eu arrancava as flores silvestres para enfeitar-lhe os cabelos; ou arrastava-me pela relva para beijar-lhe a ponta da botina que aparecia sob a orla do vestido.”

E nesta outra há graça, ternura, sentimento: “Toquei com os lábios a raiz daqueles cabelos sedosos que ondulavam com o sopro de minha respiração. Ana teve um estremecimento íntimo; e banhou-se na onda de púrpura que descendo-lhe da fronte, derramou-se pelas espáduas roseando a branca escumilha.”

Gosto pela descrição – Em Lucíola, de quando em quando aparece a natureza como a aliviar o leitor das tensões dos dramas humanos.

Quanto à descrição dos personagens, Alencar parece se preocupar antes com o aspecto externo para depois chegar ao temperamento. Antes mesmo de o leitor saber quem era ela, já Alencar lhe mostrou o retrato de Lúcia no capítulo II: “Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância. O vestido que o moldava era cinzento com orlas de veludo castanho e dava esquisito realce a um desses rostos suaves, puros e diáfanos, que parecem vão desfazer-se ao menor sopro, como os tênues vapores da alvorada. Ressumbrava na sua muda contemplação doce melancolia e não sei que laivos de tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno na mimosa aparição.” Na passagem seguinte Alencar como que nos conduz do exterior ao interior de Lúcia: “O rosto suave e harmonioso, o colo e as espáduas nuas, nadavam como cisnes naquele mar de leite, que ondeava sobre formas divinas. A expressão angélica de sua fisionomia naquele instante, a atitude modesta e quase íntima, e a singeleza das vestes níveas e transparentes, davam-lhe frescor e viço de infância, que devia influir pensamentos calmos, senão puros.

No que concerne ao vestuário feminino é inegável a influência que Balzac exerceu em Alencar: “Lúcia fitou-se por muito tempo, e chegou-se ao espelho para dar os últimos toques ao seu traje, que se compunha de um vestido escarlate com largos folhos de renda preta, bastante decotado para deixar ver suas belas espáduas, de um filó alvo e transparente que flutuava-lhe pelo seio cingindo o colo, e de uma profusão de brilhantes magníficos capaz de tentar Eva, se ela tivesse resistido ao fruto proibido. Uma grinalda de espigas de trigo, cingia-lhe a fronte e caía sobre os ombros com a vasta madeixa de cabelos, misturando os louros cachos aos negros anéis que brincavam.”

Comparações – As comparações de Alencar, geralmente, referem-se aos personagens, ora em seus detalhes físicos, ora em seus estados de alma, ora em seus atributos morais. O segundo termo da comparação é colhido, na esmagadora maioria das vezes, de elementos da natureza: reino vegetal, animal ou mineral. Uma confirmação do que se disse está neste pequeno trecho: “Como as aves de arribação, que tornando ao ninho abandonado, trazem ainda nas asas o aroma das árvores exóticas em que pousaram nas remotas regiões, Lúcia conservava do mundo a elegância e a distinção que se tinham por assim dizer impresso e gravado na sua pessoa.”

Desarmonias – Em Lucíola, a luxúria do velho Couto, e mais tarde a prática do vício, torcem a personalidade de Lúcia. A forma refinada desse sentimento da discordância é certa preocupação com o desvio do equilíbrio fisiológico ou psíquico. Relembre-se a depravação com que Lúcia se estimula e castiga ao mesmo tempo, e cujo momento culminante é a orgia promovida por Sá – orgia espetacular, com tapetes de pelúcia escarlate, quadros vivos obscenos, flores e meia luz, ultrapassando o realismo qualquer outra cena em nossa literatura séria.

Dentre muitos exemplos que se poderiam dar de “desarmonia” de situações, está o contraste entre Maria da Glória e Lúcia: aquela, pobre, simples, escondida; esta, rica, caprichosa, pública. Mas isso já é um conflito entre o passado e o presente.. Porém, os contrastes mais importantes na técnica narrativa do livro são aqueles relacionados com pessoas e sentimentos. De Paulo e Lúcia, naturalmente.

A mesma Lúcia que compôs recatadamente o roupão ante os olhos ávidos e voluptosos de Paulo que vislumbravam o simples contorno de um seio foi capaz de desfilar nua na ceia em casa do Sá. Ela é assim: contraditória. Ama e odeia. Atira-se ao vício e tende para a virtude, segundo suas próprias palavras: “Eis a minha vida… deixara-me arrastar ao mais profundo abismo da depravação; contudo, quando entrava em mim, na solidão de minha vida íntima, sentia que eu não era uma cortesã como aquelas que me cercavam. Ficaram gravados no meu coração certos germes de virtudes…”

Também Paulo apresenta um comportamento paradoxal. Ora ele deseja violentamente Lúcia ora promete respeitá-la. Ofende-a e pede-lhe perdão; dá-lhe liberdade e a quer só para si; despreza-a e sente dela pungente ciúme; vê nela uma prostituta refinada e uma menina de quinze anos, pura e cândida. Também Paulo é contraditório: vil e magnânimo, como todo bípede implume e social chamado homem.

Técnica narrativa – Lucíola é um romance de primeira pessoa, ou seja, quem narra a história não é Alencar diretamente. Ele o faz por meio de um personagem que viveu os episódios. No caso, esse personagem narrador é Paulo, que em cartas dirigidas a uma senhora (por quem o autor se faz passar) conta uma história de amor acontecida há seis anos entre ele e Lúcia. A senhora reuniu as cartas e delas fez o livro. “Eis o destino que lhes dou; quanto ao título, não me foi difícil achar. O nome da moça, cujo perfil o senhor me desenhou com tanto esmero, lembrou-me o nome de um inseto. “Lucíola” é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?”

No capítulo I, o narrador explica a razão das cartas: “A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias”.

Na estrutura narrativa de Lucíola, portanto, pode-se observar o seguinte:

1. há um autor real, José de Alencar;

2. um autor fictício, a senhora G. M., destinatária das cartas de Paulo.

3. Um narrador, Paulo, com a incumbência e o privilégio de ordenar os fatos, comentá-los e tirar-lhes conclusões.

À medida que transmite os fatos, vai fornecendo ao leitor elementos para a análise de Lúcia e dele mesmo.No romance os fatos são apresentados sob dois pontos de vista, dois ângulos diferentes: o de Paulo/personagem que transmite ao leitor as sensações vividas com Lúcia e o de Paulo/narrador que, por vezes, interrompe a narrativa fazendo reflexões ou dirigindo-se à destinatária de suas cartas.

O enredo abrange um período de aproximadamente seis meses. Foi o que durou o namoro do par romântico. Às vezes, o autor avança a narrativa com soluções bem simples: “Essa vida calma e tranqüila, remanso de uma existência tão agitada, durava cerca de um mês.” Em outras, retarda-a: dedicou três capítulos para a ceia em casa de Sá (capítulos VI, VII e VIII).

Ação – Gira em torno de uma história entre Paulo e Lúcia, com todos os ingredientes de um romance romântico: heróis e vilões, heroínas incompreendidas, virgens pálidas e meigas e cortesãs depravadas, a morte como única saída para um amor verdadeiro porém impossível, etc.

Em Lucíola, o núcleo central da narrativa se concentra em Paulo e Lúcia, ora como duas individualidades com passado e presente próprios, ora como o “par romântico”. E se concentra com tal intensidade, (afinal o narrador é exatamente Paulo – o herói, o mocinho – que ama a Lúcia – a heroína) que os episódios envolvendo os demais personagens ficam totalmente ofuscados.

Tempo -1855 – “A primeira vez que vim ao Rio de Janeiro foi em 1855“. Numa leitura atenta, o leitor percebe no livro o Rio de Janeiro da época de D. Pedro II, com seus salões, sua burguesia, suas vitrinas chiques na Rua do Ouvidor com mercadorias elegantes vindas de Paris ou Londres, seus tílburis, seu vestuário, etc.

Como tempo narrativo, ele é eminentemente “cronológico”. Ou seja, em Lucíola os acontecimentos se sucedem numa ordem quase normal, com uma seqüência natural de horas, dias, meses, anos. Só há um momento em que o fluxo narrativo retroage: quando Lúcia narra a Paulo seu passado. (Cap. XVIII e XIX). E em dois momentos ele avança: o capítulo I e o finalzinho do último revelam o estado de alma de Paulo seis anos após a morte de sua querida Lúcia: “Terminei ontem este manuscrito, que lhe envio ainda úmido de minhas lágrimas. (…) Hás seis anos que ela me deixou; mas eu recebi a sua alma, que me acompanhará eternamente.”

Lugar – O cenário onde se desenrola a ação é o Rio de Janeiro. Há referências de seus bairros (Santa Teresa), ruas (das Mangueiras), população, festas (a da Glória), teatros, lojas elegantes, etc.

É curiosa a relação entre os locais e o comportamento amoroso-sexual de Paulo e Lúcia, agindo aqueles no sentido de aproximação ou afastamento, de maior ou menor realização do casal. O quarto de Lúcia é um local de luxúria: “… e fazendo correr com um movimento brusco a cortina de seda, desvendou de repente uma alcova elegante e primorosamente ornada.” Das várias vezes que eles se uniram sexualmente neste luxuoso aposento, nenhuma, parece, satisfez de fato o casal. A primeira delas terminou assim: “Ao delírio sucedera prostração absoluta, orgasmo da constituição violentamente abalada. Vendo então este corpo inerte e pasmo, com os olhos vítreos e as mãos crispadas, tive dó.”

O segundo encontro já foi totalmente diferente, em local e desfecho. Foi nos jardins da casa do Dr. Sá, onde Lúcia desfilara nua perante os convidados. O cenário é bem ao gosto do romantismo: a natureza. O leito é bucólico: “Fomos através das árvores até um berço de relva coberto por espesso dossel de jasmineiros em flor. Lúcia está vibrando: “- Sim! Esqueça tudo, e nem se lembre que já me visse! Seja agora a primeira vez!… Os beijos que lhe guardei, ninguém os teve nunca! Esse , acredite, são puros!” E o clímax foi aquele que só um par enamorado consegue haurir do sexo: “Não fui eu que possuí essa mulher; e sim ela que me possuiu todo, e tanto, que não me resta daquela noite mais do que uma longa sensação de imenso deleite, na qual me sentia afogar num mar de volúpia.”

Quando Lúcia passou a morar numa casa pequena e pobre, em Santa Teresa, em companhia de sua irmã Ana, menina inocente, não mais houve união carnal entre eles. É que os dois já estavam unidos por um amor espiritual. Uma afeição muito pura unia aquelas duas almas. E tanto a simplicidade do local que “lembra o espaço feliz de sua infância em São Domingos” quanto a inocência da menina não comportava mais a depravação do sexo. O seu beijo quase de irmã apenas de longe em longe bafejava-me a fronte.”

Personagens – Em Lucíola uma personagem apresenta grande complexidade psicológica, a par do idealismo romântico com que foi concebida:

Lúcia – Sua principal característica é a contradição. Como cortesã era a mais depravada. Basta que se lembre da orgia romana em casa de Sá. No entanto, a prostituição era-lhe um tormento constante, já que não se entregava totalmente a ela. E os atos libidinosos constituíam para ela verdadeira autopunição aliada à angustiante sentimento de culpa. Coexistem nela duas pessoas: Maria da Glória, a menina inocente e simples, e Lúcia, a cortesã sedutora e caprichosa. No livro, sobressai a Lúcia, Lúcifer, onde aparece 348 vezes contra 10 vezes como Maria da Glória, anjo. Tal disparidade realça o motivo do romance: à proporção que Lúcia vai amando e sendo amada por Paulo, ela vai assumindo a Maria da Glória, sua verdadeira personalidade. E reencontra assim, através dele, a dignidade e inocência perdidas. Pode-se expressar essa duplicidade da seguinte maneira:
Lúcia, mulher, depravação, luxúria, sentimento de culpa, prostituição, caprichosa, excêntrica, rejeita o amor, demônio.

Maria da Graça, menina, pureza, ingenuidade, dignidade, inocência, simples, meiga, tende para o amor, anjo. Perdida a virgindade física, Lúcia, por meio da compreensão e amor de Paulo, tende para a virgindade do espírito. “Elas não sabem, como tu, que eu tenho outra virgindade, a virgindade do coração!” Para isso renuncia a qualquer amor sensual. Mesmo ao de Paulo, de quem fora amante e a quem passou a negar um simples beijo. Depois que ela o conheceu, não se entregou a nenhum outro homem. É por isso que não cria no amor de Margarida, de A Dama das Camélias, porque ela não negou ao seu amado Armando o corpo que tantos já haviam comprado.

E Lúcia recupera aos 19 anos a Maria da Glória que perdera aos 14. “Nada perturbava a serenidade de Lúcia. Parecia realmente que sua alma cândida, muito tempo adormecida na crisálida, acordara por fim, e continuara a mocidade interrompida por um longo e profundo letargo. (…) Ninguém diria que essa moça vivera algum tempo numa sociedade livre.

Mas essa transformação completa custou-lhe penosos sacrifícios e sobretudo muita incompreensão inicial por parte de Paulo. “Incompreensível mulher! (…) Compreendo hoje as rápidas transições que se operavam nessa mulher; mas naquela ocasião, como podia adivinhar a causa ignota que transfigurava de repente a cortesã depravada na menina ingênua, ou na amante apaixonada!”

Seus traços físicos: cabelos e olhos pretos, a pele pálida. Sua expressão, contudo, lembra ao leitor sua dualidade de caráter: o olhar ora é “eloqüente, raio voluptuoso”, ora é límpido, raio de luz de sua alma”. É bem o ideal de beleza romântica, “com sua virgindade de alma tão pura e tão absoluta, que a não tisnaram os pecados do corpo. Por isso, mesmo nas horas em que mais lhe esplende a glória de cortesã, o romancista a veste simbolicamente de branco.”

Se algum leitor não entender bem a complexidade da personagem Lúcia, como o fez Paulo no início do romance, não é de se estranhar, pois afinal ela mesma se auto-definiu: “É difícil conhecer-me; mais difícil do que pensa. Eu mesma, sei o que às vezes se passa em mim? Não repare nestas esquisitices!”

Paulo – É um provinciano de Pernambuco, 25 anos, que veio tentar se estabelecer no Rio de Janeiro. O romance não esclarece se ele é ou não formado. Sugere apenas. É o narrador da história e como tal faz desviar a atenção do leitor para Lúcia e outros aspectos, não revelando certas informações suas. Os detalhes físico, por exemplo. Coisa, aliás, rara em José de Alencar, tratando-se de personagem central.

Traçando o perfil de Lúcia, ele acaba por revelar também os eu: espírito observador e sensível, foi o único a compreender o estranho caráter de Lúcia. Seu temperamento é reservado sem ser tímido: “… é hábito meu, desde que entrei no mundo, não admitir os estranhos à intimidade de minha vida, ainda mesmo quando se trata de objetos sem conseqüência. Só dispo a minha alma entre amigos”. E como ele não possui reais amigos no Rio, nuances de sua personalidade conhecem-se por deduções .

Suas reações psicológicas são expressas em suas reflexões: “Que miserável animalidade havia em mim naquela noite! Quando essa pobre mulher atingia o sublime do heroísmo e da abnegação, eu descia até a estupidez e à brutalidade!” Ou nessa: “Não conheço mais estúpido animal do que seja o bípede implume e social, que chamam homem civilizado.”

A sua caminhada em direção ao amor pela heroína foi lenta. No início, o que o impelia para ela era atração sexual. Paulo, então, não a entende e transmite ao leitor suas incertezas e desconfianças. “Se eu amasse essa mulher… mas tinha apenas sede de prazer; fazia dessa moça uma idéia talvez falsa… ” Tais desconfianças, por vezes, eram-lhe inoculadas pela sociedade através de alguns representantes – Dr. Sá, Sr. Couto, Cunha. “Cunha tinha razão, pensei eu; a cupidez e a avareza são as molas ocultas que movem este belo autômato de carne.” E chega mesmo a ser violento e sádico com ela. Isto se deduz de várias passagens, como: “Esta noite a senhora não se pertence: é um objeto, um bem do homem que a vestiu, que a enfeitou e cobriu de jóias, para mostrar ao público a sua riqueza e generosidade.” Outras vezes, sentiu foi dó: “Sentia profunda compaixão por essa mulher. O seu pranto me enterneceu; chorei com ela.” Houve um período em que a afeição de ambos se arrefeceu. Paulo já a admira e dedica-lhe grande respeito e amizade: “Entramos então numa nova fase de nossa mútua existência, fase original e curiosa que me faria rir quinze dias antes. Com efeito, quem poderia julgar possível uma amizade fraternal e pura entre duas criaturas que meses antes trocavam as mais ardentes expansões da sensualidade?” Para no final devotar-lhe sincero amor a ponto de vibrar com um possível filho de ambos: ” –Um filho! Mas é um novo laço e mais forte que nos prende um ao outro. Serás mãe, minha querida Maria?

É um ingênuo personagem romântico. Apesar de se declarar pobre e até se vexar por isso, vive byronicamente, de sonhos, de amor.

Os demais personagens são secundários face aos dois protagonistas.

Dr. Sá e Cunha – Amigos de Paulo, sendo aquele desde a infância. Encarnam a moral burguesa e suas máscaras: austera com os outros, benigna consigo. Não possuem personalidade bem delineada no livro. Ambos vêem em Lúcia apenas a prostituta.

Couto e Rochina – O primeiro é um velho dado a jovem galante. Encarna a obsessão sexual e a velhice. Representa a sociedade que explora e corrompe. Foi quem aproveitou a necessidade e inocência de Lúcia. O segundo é um jovem de 17 anos, tez amarrotada, profundas olheiras, velho prematuro. Libertino precoce. Eles aparecem assim no romance: “O contraste do vício que apresentavam aqueles dois indivíduos: o velho galanteador, fazendo-se criança com receio de que o supusessem caduco; e o moço devasso, esforçando-se por parecer decrépito, para que não o tratassem de menino; essa antítese vivia devia oferece ao espectador cenas grotescas.”

Laura e Nina – São meretrizes, como Lúcia, mas sem sua duplicidade de caráter. Não são capazes de “descer tão baixo” porém, não possuem a “nobreza e altivez” da protagonista.

Jesuína e Jacinto – Aquela, é mulher de 50 anos, seca e já encarquilhada. Foi quem recolheu Lúcia quando seu pai a expulsou de casa e a iniciou na prostituição. Este, é um homem de 45 anos, e “vive da prostituição das mulheres pobres e da devassidão dos homens ricos“. Por seu intermédio Lúcia vendia as jóias ricas que ganhava e enviava o dinheiro à família pobre. É quem mantém a ligação misteriosa no livro, entre Lúcia e Ana. Enfim, é quem cuida dos negócios dela.

Ana – É a irmã de Lúcia, que a fez educar num colégio até os doze anos como se fosse sua filha. “Era o retrato de Lúcia, com a única diferença de ter uns longos e de louro cinzento nos cabelos anelados. Ana já conhecia a irmã e a amava ignorando os laços de sangue que existiam entre ambas.” Lúcia tenta casá-la com Paulo para ser uma espécie de perpetuação e concretização de seu amor por ele: “Ana te darias os castos prazeres que não posso dar-te; e recebendo-os dela, ainda os receberias de mim. Que podia eu mais desejar neste mundo?

Problemática apresentada – Paulo quer Lúcia, mas ele possui impedimento de aproximação; Lúcia quer Paulo, mas também possui impedimentos. É fácil, agora, entender como se arma o conflito do romance:
Paulo x Lúcia – Há motivos de aproximação e de afastamento entre ambos. E do jogo aproximação-afastamento. Chegamos a uma composição final. A composição é desejada por ambos, mas é preciso que antes muitas arestas sejam aparadas. Não é graciosamente que o ser humano se completa a se acha, mas através de muita luta e muito erro (penitência para superação dos defeitos).

Esta colocação do foco narrativo do romance vem confirmar idéias anteriores, onde se mostrou que a história de Paulo e Lúcia está vazada de situações desarmônicas. Tais situações podem ser melhor entendidas quando sintetizadas em algumas oposições que parecem predominar na obra como idéias centrais. Tais como:

O desnível da situação social – Em Lucíola os conflitos das personagens e entre personagens são determinados pelo confronto do indivíduo com essa sociedade.Há um desnível enorme entre a situação social de Paulo e Lúcia. Esta é prostituta e como tal é vista e rejeitada por todos, inclusive por Paulo, no início. Trata-se de um impedimento sério na aproximação de ambos. Tão sério que acaba por impedir a concretização social (casamento, geração de filhos) do amor do casal. Lúcia errou e deve pagar por isso perante a sociedade. As convenções da moralidade burguesa e da Escola Romântica assim o exigem. O casamento com final feliz do romance romântico não se realiza. Lúcia deve morrer.

Uma das problemáticas centrais levantadas no livro, parece, portanto, esta: a imposição das convenções sociais, criando obstáculos ao par amoroso, sacrificando-lhe a realização de um amor que não se adequava aos seus padrões rigorosos, se bem que por vezes hipocritamente condescendentes.

O conflito entre o bem e o mal – Das muitas oposições enfocadas no livro, esta é a mais importante, agindo como base do enredo e do foco narrativo. Trata-se de um tendência própria do Romantismo que se traduz na “desarmonia” de situações e sentimentos.

Há uma dualidade no caráter de Lúcia: de um lado a mulher, meretriz, depravada, desprezada pela sociedade, encarnacão do MAL; de outro, a menina inocente que ainda teima em substituir nela por mais terríveis que tenham sido os imperativos do vício naquela alma. É a permanência do BEM. “Havia no meu coração certos germes de virtude que eu não podia arrancar, e que ainda nos excessos do vício não me deixavam cometer uma ação vil.” E durante todo o tempo, pretende o autor convencer o leitor da “criatura angélica” que habita o corpo da pecadora, da “mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma”. E é essa Lúcia de “coração virgem”, purificada, que renasce nos últimos capítulos graças ao amor de Paulo.

A vitória do amor – E chega-se, afinal, à temática básica de Lucíola. A intriga é calcada em assunto romântico: A situação social da mulher em face do amor. Do “amor” como o concebe o Romantismo: sublimado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos, que está acima dos fatores sócio-econômicos, que triunfa apesar das convenções sociais.

Em Lucíola, o triunfo do amor não foi na linha do final feliz. Lúcia passará por um processo de transformação, ou renascimento, que fará desabrochar a adolescente pura e ingênua que fora um dia, ao mesmo tempo que irá eliminando a cortesã impudica. E a protagonista alcança, portanto, a purificação através do amor espiritual, que não pode ser contaminado e profanado pela mais leve sombra de desejo físico. É a vitória do amor, numa outra perspectiva. É a temática central do romance: o amor como força regeneradora.

O romance, na sua intriga e temática, bem como no posicionamento das personagens, pode ser visualizado graficamente assim: na busca mútua de Lúcia e Paulo, há personagens que se posicionam como obstáculos, no sentido de impedir o surgimento do amor dos dois: Couto, Sá, Cunha, Rochinha. Outros são basicamente neutros: Jesuína, Jacinto, Laura e Nina. E há uma, Ana, que se coloca no sentido de aproximar o par romântico, a tal ponto de, conforme o desejo de Lúcia, ser um símbolo de perpetuação, na terra, do amor do casal.

Enredo

Paulo Silva, o personagem-narrador, é um rapaz de 25 anos, pernambucano, recém-chegado ao Rio de Janeiro, em 1855, com a intenção de aí se estabelecer.

No dia mesmo de sua chegada à corte (Rio de Janeiro), após o jantar, sai em companhia de um amigo para conhecer a cidade. Na rua das Mangueiras vê passar em um carro uma jovem muito bela. Um imprevisto faz parar o carro, dando a Paulo a oportunidade de repará-la melhor. Dia após, em companhia de outro amigo, o Dr. Sá, Paulo participa da festa de N. Senhora da Glória, quando lhe aparece a linda moça. Informando-se do amigo, fica sabendo tratar-se de Lúcia, a prostituta mais bela, requintada e disputada da cidade. Mas ele se impressiona com a “expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher revelam a cortesã franca e impudente.”

Mais ou menos um mês após sua chegada, Paulo vai à procura de Lúcia, levado, é claro pelo desejo de possuir aquela linda mulher. Após longa e agradável conversa, acaba se surpreendendo com o “casto e ingênuo perfume que respirava de toda a sua pessoa“. A um mínimo lance de seus seios, “ela se enrubesceu como uma menina e fechou o roupão” discretamente. E ele, que fora quente de desejos, agora, na rua, se acha ridículo por não haver ousado mais. Além do que, o Dr. Sá lhe confirmara que “Lúcia é a mais alegre companheira que pode haver para uma noite, ou mesmo alguns dias de extravagância.”

No dia seguinte Paulo está de volta à casa da heroína. Ao seu primeiro ataque, Lúcia se opõe com duas lágrima nos olhos. Supondo ser fingimento, mostra-se aborrecido e ela reage atirando-se completamente nua em seus braços, já que era isso que Paulo queria. Mas no auge do prazer do sexo, Paulo percebe algo diferente nas carícias de Lúcia: mesmo no clímax do gozo, parece que ela sofria. Sente, na hora, um imenso dó, ao que ela corresponde cinicamente: “- Que importa? Contanto que tenha gozado de minha mocidade! De que serve a velhice às mulheres como eu?” Ele quer pagar-lhe, ela rejeita com um meigo aperto de mão. E ele retira-se realmente confuso com “a singularidade daquela cortesã, que ora levava a impudência até o cinismo, ora esquecia-se do seu papel no simples e modesto recato de uma senhora”.

E as informações que lhe chegam a seu respeito são as piores. O Cunha diz que ela é “a mais bonita mulher do Rio e também a mais caprichosa e excêntrica. Ninguém a compreende. “Nunca fica muito tempo com o mesmo amante, “pois não admite que ninguém adquira direitos sobre ela.” Além do mais, é avarenta. Vende tudo o que ganha. Até roupas. Para Paulo, no entanto, ela parece ser ao contrário de tudo isso. Afinal, ela finge para ele ou já o ama? Paulo fica em dúvida atroz.

Por aqueles dias, numa ceia em casa do Sá, com pessoas (Lúcia, Paulo, Sr. Couto, Laura, Nina, Rochinha, etc…) maldosamente convidadas para transformar a ceia em bacanal, Lúcia desfila toda nua, imitando as poses lascivas dos quadros que estavam nas paredes, ante os olhares voluptuosos dos presentes. Depois, em lágrimas, nos jardins da casa, ela se explica a Paulo. Fez aquilo por desespero, pois ele havia zombado dela momentos antes: “se o Senhor não zombasse de mim, não o teria feito por coisa alguma deste mundo…”E depois porque teria sido uma decepção total, afinal o que Sá pretendia era mostrar a seu amigo Paulo quem era Lúcia. “Não foi para isso que se deu essa ceia?! – explicou Lúcia. E os dois se amaram profundamente, lá mesmo no jardim, á luz da lua, até de madrugada.

Decorridos alguns dias, Paulo de certo modo passa a morar com Lúcia, e, apesar das prevenções e restrições, mais e mais se liga a ela por afeto. Lúcia, por sua vez, já ama Paulo e se entrega e ele como a um dono e senhor. Há momentos de atritos entre ambos. Passageiros, e todos causados pelo egoísmo e incompreensão de Paulo que não entende as profundas transformações que o seu afeto operou nela. E a tal ponto , que ela não suportaria mais a idéia de se lhe entregar na cama, pois sente por ele um amor muito puro e profundo. E ele, levado mais por desejo que por afeto, não consegue aceitar esse comportamento sublime.

As más línguas já comentam que Paulo, além de viver à custa de Lúcia, ainda a proíbe de freqüentar a sociedade. Lúcia que já então procurava viver mais retraída dispõe-se a voltar à vida mundana apenas para salvar-lhe a reputação. Mas Paulo – complicado, sádico, estúpido e chato – não compreende.

Lúcia já não vibra como outrora. Mesmo quando excitada por Paulo. É a doença que já se faz sentir. Paulo não entende essa frieza e por vezes se exaspera. Ela sofre calada pois reconhece que “o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe!”. O grande sentimento que os unia, arrefece, dando lugar a uma amizade simplesmente.

O comportamento de Lúcia é cada vez mais sublime e heróico. Já não existe mais nada da antiga cortesã. E Paulo, por fim, entende essa nobreza de caráter e compreende o porquê das suas recusas. Ela lhe recusava o corpo porque o amava em espírito. E também porque já está doente. Paulo promete respeitá-la de ora em diante.

Lúcia um dia lhe revela todo o seu passado. Chamava-se Maria da Glória. Era uma menina feliz de 14 anos e morava com os pais, quando, em 1850, sobreveio a terrível febre amarela. Seus pais, os três irmãos, uma tia caíram de cama, Ela ficou só. No auge do desespero, resolveu pedir ajuda a um vizinho rico, Sr. Couto, que em troca de algumas moedas de ouro tirou-lhe a inocência. “o dinheiro ganho com a minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança.” Seu pai, porém, sabendo da origem do dinheiro, e supondo ter a filha um amante, a expulsou de casa. Sozinha, sem ter aonde ir, foi acolhida por uma mulher, Jesuína, que, quinze dias depois, à conduziu à prostituição, estipulando pela beleza de seu corpo um alto preço. O dinheiro, ela o usava para cuidar do que restava da família: “e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã”.

Uma colega de infortúnio foi morar com ela. Chamava-se Lúcia. Tornaram-se amigas. Lúcia morreu pouco depois. No atestado de óbito, a heroína fez constar que a falecida se chamava Maria da Glória, adotando para si o nome da amiga morta. “Morri pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída.” E todo dinheiro que ganhava, destinava-o à preparação de um dote para sua irmã, Ana, a qual passou a manter num colégio interno depois da morte dos pais.

Agora Paulo compreende ainda melhor as atitudes misteriosas e contraditórias que Lúcia tomava como cortesã. É que esse gênero de vida lhe parecia sórdido e abjeto. Ela suportava como a um martírio, uma autopunição, uma maneira de reparar o seu pecado. Conhecido se passado heróico, ele passa a sentir por Lúcia uma grande ternura e um amor sincero.

Seguem-se dias tranqüilos. Lúcia muda-se para uma casinha modesta e Ana mora com ela. “isto não pode durar muito! É impossível!” É o pressentimento da morte. Lúcia tenta convencer Paulo a se casar com Ana, que já o ama também. Seria uma maneira de perpetuar o amor de ambos, já que ela se julga indigna do puro amor conjugal. Paulo rejeita com veemência em nome do amor que não sente por Ana.

Lúcia aborta o filho que esperava de Paulo. Ela se recusa a tomar remédio para expelir o feto morto, dizendo “Sua mãe lhe servirá de túmulo”. E já no leito de morte, recebe o juramento de Paulo prometendo-lhe cuidar de Ana como sua filha. E morre docemente nos braços de seu amado, indo amá-lo por toda a eternidade.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/l/luciola

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Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 13)


GARIBAR

Preparar um carro superfialmente para vender por bom preço. É uma lixadinha aqui, uma pinturinha ali, uma ajeitadinha no motor e um brilho no capricho. Aí é só esperar o comprador, de preferência míope e meio surdo.
A palavra veio de Guariba, um paulista cuja especialidade era transformar calhambeques em automóveis de boa aparência.

IMUNDO
Assim como incapaz é quem não é capaz e infiel é quem não é fiel, imundo é quem não é mundo. Mundo, como adjetivo (em desuso), significa limpo: “naquela casa há gente munda e imunda”. Bonito, não? E está em “Os lusíadas”: “Debaixo deste círculo, onde as mundas / Almas divinas gozam” (X, 85).
A palavra latina mundu sofreu praticamente a mesma evolução semântica do seu correspondente grego kásmos (origem de cosmos). Inicialmente mundu significava arca, mais especificamente a arca em que os casados levavam seu enxoval. Depois, mundu ganhou o sentido abrangente de toalete, adornos femininos que se harmonizam.
Mundu também virou adjetivo, com o sentido de elegante, próprio, limpo, e originou as seguintes palavras latinas:
(a) mundare, limpar, purificar, de onde veio o português mondar, limpar de ervas daninhas e, por extensão, rever e corrigir um texto;
(b) munditia, limpeza, asseio, que deu em português mundícia (ou mundície), limpeza, esmero; de munditia se formou, com o prefixo de negação in-, immunditia, de onde veio o português imundícia (também, mais comumente, grafado imundície);
(c) immundu (in-, não + mundu, limpo), origem do português imundo.
Finalmente, mundu chegou ao sentido de universo, mas, na terminologia religiosa, mundu indicava o mundo terrestre (em oposição ao céu), com a conotação pejorativa de profano. E, assim, com esse sentido restritivo, originou mundanu daí mundano. Os franceses chamam o diabo de “l”esprit immonde”. Em português, imundo tem, além de sujo, o sentido moral de torpe, indecente. Voltando ao grego, kósmos significa não só universo, como também adorno, enfeite e originou kosmetikós, relativo ao adorno, origem do português cosmético.

IRMÃ- PAULA
E a pessoa extremamente generosa, desprendida. Sim, existiu de fato uma irmã Paula no Brasil. Era uma freira, de nacionalidade francesa, da Congregação das Irmãs de São Vicente de Paulo de Gysegem. Seu nome de batismo era Antoinette Vincent. Faleceu, no Rio de Janeiro, em 1945 e ficou famosa por suas inúmeras obras de caridade.

JOÃO -DE -BARRO
O nome científico da ave é furnarius rufus, forneiro ruivo, por sua cor e pelo seu ninho – uma obra maravilhosa -, que se parece com um forno de barro e, até hoje, é a última palavra na tecnologia da nidificação.
No Brasil, também se chama forneiro, assim como no espanhol (hornero) e no francês (fournier); em inglês, é ovenbird (de oven, forno + bird, pássaro).
O pássaro, além de sua justíssima fama de trabalhador, é o símbolo da fidelidade. Dizem que o joão-de-barro nunca se separa da sua amada e, se a ingrata foge com outro ou morre primeiro, ele tapa a abertura do ninho e fica solitário o resto da vida. O pássaro foi eleito a ave nacional da Argentina. Pela fidelidade?! – estranhará com razão o leitor; não, pela obra.
Em mais ou menos cinco dias, o casal, no período da reprodução, constrói sua casa, com barro úmido, palha e esterco, sempre com a abertura voltada para o lado contrário do vento (segundo alguns biólogos, é o resultado de uma informação herdada geneticamente). O local escolhido para a construção pode ser uma árvore ou, perigosamente, um poste de energia elétrica (como você já deve ter visto nas estradas). Perigosamente porque com freqüência o pássaro limpa o bico nos isoladores instalados nesses postes e é fulminado, provocando, além de uma viúva, o desligamento da rede (é a causa de mais de 10% dos desligamentos em algumas regiões do Brasil).
Por que joão-de-barro e não reinaldo-de-barro ou márcio-debarro? Porque João é um nome muito comum, tanto que a fêmea dele é chamada maria-de-barro e não irene-de-barro ou biancade-barro.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

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Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – V – Apuros do Marquês


Enquanto Narizinho e Emília eram conduzidas à casa de dona Aranha, Pedrinho, o Visconde e Rabicó tomavam a direção da Floresta Vermelha — a mais linda mata de coral do reino.

— Deve ser lá que moram os polvos — disse Pedrinho. – Quero ver se levo um, para assustar tia Nastácia no sítio.

O Visconde ia abrindo a boca para dar sua opinião sobre os polvos, quando um grito agudo o interrompeu. Era Rabicó. Ao passar perto dum ouriço do mar, o bobinho julgou que fosse coisa de comer e nhoc! Agora berrava com desespero, com o ouriço espetado na boca. Pedrinho correu em seu socorro e só a muito custo pôde livrá-lo do terrível bicho.

— Bem feito! — advertiu. — Quem manda ser tão guloso? Comporte-se como o Visconde que nada acontecerá.

Rabicó respondeu soluçando e ainda com uma lágrima pendurada dos olhos:

— É muito fácil ser bem comportado quando não se tem estômago. Mas eu tenho um estômago que vale por dois. Por mais que coma, estou sempre com fome — e hoje ainda nem almocei…

Pedrinho teve dó dele.

— Pois coma o brinco, e contente-se com isso porque não há mais nada por enquanto.

Sem esperar segunda ordem, Rabicó devorou o brinco de amendoim com casca e tudo. Não perdeu um farelinho! Depois lambeu os beiços, cheio de saudade do outro amendoim, espatifado pela pelotada de Pedrinho. Foram andando. Súbito divisaram ao longe um vulto negro.

— Quem será? — indagou o menino firmando a vista.

— Deve ser um gigantesco polvo — sugeriu o Visconde.

— Polvo o seu nariz. Onde já se viu polvo com mastros? É navio e muito bom navio.

De fato era um navio naufragado — um enorme navio de três mastros, já meio enterrado na areia. Correram todos para lá; e como vissem um rombo no casco, entraram por ele. Puderam assim percorrer o navio inteirinho — os camarotes, os salões, o tombadilho. Rabicó separou-se dos companheiros para descobrir onde era a cozinha, na esperança de encontrar algum resto de comida. De repente gritou, muito alegre:

— Achei uma linda raiz de mandioca! Venham ver!…

Pedrinho e o Visconde foram ver, mas viram coisa muito diferente. Viram Rabicó ferrar o dente na tal raiz de mandioca e viram a raiz mover-se como cobra, enlear-se nele e arrastá-lo para o fundo de um camarote.

— Que será isto? — murmurou Pedrinho aproximando-se na ponta do pé, com o bodoque armado. Espiou. Era um polvo! Estava o pobre marquês nos braços dum enorme polvo, que o olhava muito admirado, como se jamais houvera visto leitão com laço de fita na cauda. — É o que pensei — cochichou o menino para o Visconde. — Rabicó mordeu no tentáculo deste monstro pensando ser mandioca. E agora está perdido!…

— Pelotada nele! — sugeriu o sábio.

— Não adianta — respondeu Pedrinho coçando a cabeça, sem saber o que fazer. Nisto teve uma idéia. – Senhorita — disse a uma sardinha que também estava assistindo ao espetáculo. — Faça-me o favor de ir correndo ao palácio dizer ao príncipe que o marquês está nas garras dum polvo. Ele que mande ajuda com a maior urgência!…

Ia a sardinha dando uma rabanada para partir, quando o Visconde a segurou pela caudinha.

— Senhorita, poderá acaso dizer-me qual é o seu nome científico?

Não sendo uma sardinha culta, julgou ela que o Visconde estivesse caçoando e ofendeu-se.

— Malcriado! Não se enxerga? — retrucou botando-lhe a língua.

E lá se foi em direção ao palácio, toda empinadinha para trás, a resmungar contra o “estafermo”. O Visconde, muito desapontado, ficou a refletir consigo que era uma pena serem totalmente analfabetos os habitantes daquele reino.
––––––––
Continua… O vestido maravilhoso

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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Trova 212 – A. A. de Assis (Maringá/PR)

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28 de novembro de 2011 · 23:34

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 409)

A “PEDRA DA CAVEIRA” EM PASSA E FICA/RN
Uma Trova Nacional

Cuidado com a falsa imagem.
Beleza é vago argumento:
plantas de linda folhagem
na raiz tem seu sustento!
–ELIANA PALMA/PR–

Uma Trova Potiguar

Eu sinto a força da vida
e a mão divina de Deus,
em cada manhã florida,
na aurora… dos versos meus!
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2005 – Belém/PA
Tema: DELÍRIO – M/E

Nesta fria madrugada,
num delírio sem limite,
beijei a boca deixada
lá no espelho da suíte!
–ANTONIO COLAVITE/SP–

Uma Trova de Ademar

Gentileza recebida,
mesmo aquelas mais banais;
não dura por toda vida…
Mas nos faz feliz demais!
–ADEMAR MACEDO/RN–

…E Suas Trovas Ficaram

Rosto tranquilo, sereno…
E, em sua fingida calma,
esconde todo o veneno
que destila dentro da alma…
ABIGAIL RIZZINI/RN–

Simplesmente Poesia

Cruviana Sertaneja
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Ah cruviana…
Descobri-a numa noite da minha adolescência
no alpendre da casa grande de Coroas Limpas
na minha Santana do Matos.
Tremia feito “vara verde”
Não, não era o frio!
Era o medo de não saber se tu cruviana,
Seria uma onça ou uma alma penada.
E pela manhã fui dicionarisar o meu medo…
Beleza!
A grande descoberta!
CRUVIANA = É a Deusa do vento, a mulher do alvorecer.
Chega em tornado, acordam os trabalhadores das fazendas
e os envia fora para o trabalho. …
Meu Deus, que alivio!
E o alpendre da velha casa de Coroas Limpas,
ganhava um “dormidor”
para curtir a cruviana de cada emadrugadecer!

Estrofe do Dia

Tenho pena de quem fuma nesse mundo
carregando para o corpo uma doença,
desde cedo pagando uma sentença
mergulhando de vez em poço fundo,
caminhando para ser um moribundo,
o pulmão transformado numa tela,
se prepare pra ver acesa a vela
pois a vida perdeu a qualidade;
eu fumando o cigarro da saudade
e a fumaça escrevendo o nome dela.
–HUGO ARAUJO/PE–

Soneto do Dia

Memória
–PROF. GARCIA/RN–

Esta dor que me fere e me magoa,
quando lembro da minha mocidade,
pouco me importa que ela tanto doa,
se doendo, não cura esta saudade.

Melancolicamente eu vou lembrando,
de saudade em saudade eu vou vivendo,
mas não posso esquecer, de quando em quando,
que em teus braços aos poucos vou morrendo.

Nesta luta sem trégua, em desatino,
eu me agarro nas rédeas do destino
dos arquivos ingratos da velhice;

mas não posso esquecer que fui criança,
guardarei para sempre na lembrança
a saudade feliz da meninice!

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

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Lausimar Laus (O Guarda-Roupa Alemão)


O guarda-roupa alemão, segundo romance de Lausimar Laus, publicado em 1970, a autora reconstitui parte da história da cidade de Blumenau, colonizada por imigrantes alemães, valorizando os conflitos culturais e identitários pertinentes aos deslocamentos espaciais e culturais dessa população.

O romance narra, em dois cenários diferentes, Blumenau e Itajaí, a vida dos imigrantes em Santa Catarina. Pelo ponto de vista de Homig, a história da família Ziegel e, através dela, a da imigração alemã no Vale do Itajaí. Quilômetros abaixo, na barra do rio, e pela perspectiva da professora Lula, a da imigração açoriana. A imigração alemã é, no entanto, o ponto central do livro.

Lausimar Laus preocupou-se em registrar as influências culturais trazidas pelos alemães (Goethe, Heine, Verlaine), assim como o folclore catarinense presente na região.

O romance O guarda-roupa alemão é em si mesmo a voz desta cultura híbrida na busca da identidade cultural. Identidade esta que abriga intersecções relativas ao gênero, ao lugar e à experiência. A voz de Lausimar é única na representação de um contexto determinado social e culturalmente, marcado pela feminilidade e suas relações ideológicas e de poder.

Constantemente aparecem as canções dos canoeiros e o modo de falar catarinense (obrados, trasantonte, constipação). Homig representa essa mistura cultural, a qual se constituiu na soma de diferenças. O processo de construção dessa cultura híbrida, seus confrontos identitários serão uma das direções de leitura do romance, desenvolvidas ao longo desse trabalho.

A obra dá destaque às tensões do Estado Novo com a perseguição aos alemães, o medo daí decorrente, as humilhações impostas a um dos protagonistas, o velho Werther no final da guerra: Uma avalanche de gente reunida na praça. Banda de música e tudo (…), vinha o velho Werther com um saco pendurado no pescoço, com a cara de Hitler desenhada em cima. Na praça, (…), mais morto do que vivo, foi sentado numa cadeira de barbeiro (…) e obrigado a beber óleo de carro.

Lausimar mescla, de maneira prazerosa, o cômico, o trágico, o poético. Além disso, seu trabalho com a linguagem é cuidadoso e detalhado. Com Lula nos vem o linguajar de origem açoriana, seus termos característicos, o emprego do “tu”, ainda usado, com o verbo na segunda pessoa, apenas no litoral catarinense e no cearense, justamente onde os açorianos se fixaram.

Do núcleo alemão, os termos que se usam em Santa Catarina, as gozações feitas com os sermões do padre, obrigado a falar português de repente, no período getulista, e mais as idéias nazistas e não-nazistas, as perseguições políticas, o amor realizado e aquele que não se encontra, porque procurado onde não pode estar, como na história de Menininha.

O texto é narrado inicialmente por Homig, o último descendente da família Ziegel e que tinha o dever de abrir a gaveta do guarda-roupa onde estava guardado um segredo de família. O guarda-roupa é a peça que acompanhou as quatro gerações da família. Sentado à sua frente, Homig reconstitui a história destas gerações.

Lausimar Laus deixa claro, em carta para um amigo, que tudo o que escreve vem de suas vivências e, de forma bastante explícita, comenta sobre o guarda-roupa e sua relação com esta peça fundamental dentro do seu romance:

O guarda-roupa era um móvel que havia em casa de minha avó Maria Amélia Stuart, mãe de minha mãe, que se casara com um norueguês. Era, de fato, um móvel alemão, quase até o teto, que me fazia, quando criança, pensar muito nele. Tinha milhões de coisas antigas dentro dele e até figurinos do século XVIII. A minha imaginação maquinava sempre. Pra mim ele não era um móvel. Era gente, porque eu sempre falava muito sozinha, como se houvesse gente a minha volta, quando criança.

O romance de Lausimar Laus retoma parte da história da cidade de Blumenau, colonizada por alemães a partir de 1850, preocupando-se com o registro de fatos históricos reais relativos ao contexto social e político dos primeiros cem anos da cidade. Esse período compreende a chegada dos alemães pioneiros, os quais deviam expulsar os índios e demarcar as terras, até a época da nacionalização imposta por Getúlio Vargas, quando a comunidade de origem alemã sofre grandes repressões. Além da preocupação com a realidade histórica, a autora explora, com muita propriedade, os conflitos culturais e identitários relativos à experiência da imigração, quando duas ou mais culturas devem conviver com suas diferenças e, a partir daí, estabelecer uma nova ordem simbólica para suas referências. Esses conflitos culturais incluem questões relativas à nação, à raça e ao gênero.

O registro dos acontecimentos históricos na narrativa é uma preocupação constante da autora. As enchentes de 1880 e de 1911, as primeiras fábricas da região, Hering e Kormann, a política regional e nacional e suas personalidades, Vitor Konder, a Guerra do Paraguai, a Segunda Guerra Mundial e, principalmente, o período de nacionalização imposto por Getúlio Vargas constroem o cenário do romance.

Foco narrativo

O tempo da narrativa não segue a cronologia e avança de acordo com o fluxo descontínuo do pensamento do personagem, assim como os vários pontos de vistas que se misturam em uma espécie de fusão de terceira e primeira pessoas. Partes são narradas em primeira pessoa pelo próprio Homig e outras extraídas do diário de sua tia Hilda e de seu avô Klaus, de onde partem os pontos de vista de sua avó Sacramento e da professora Lula.

A narração da terceira pessoa onisciente é feita com maior presença nas descrições de Homig e de seus sentimentos neste dia de reflexão sobre sua história de vida. Por isso, pode-se pensar em um mais um ponto de vista, o do Guarda-roupa alemão, já que este recebe um tratamento humanizador na narrativa de Homig e, estando um à frente do outro, as considerações parecem ser feitas a partir do olhar do próprio guarda-roupa. Homig, o sensível. Chapéu meio desabado na testa. A calça de veludo surrada, puxando mais para o cinza. Houve tempo em que era azul.

Personagens

As mulheres são as personagens centrais de todas as histórias lembradas por Homig. Sua bisavó Ethel, a Grossmutter, e sua avó índia, Sacramento são suas maiores referências, pois foi criado por elas. Sua mãe morreu moça, numa epidemia da gripe espanhola, e seu pai na Segunda Guerra Mundial. São estas duas personalidades contraditórias que marcam a vida de Homig, percorrendo toda a narrativa. Ethel é caracterizada pela típica alemã, trabalhadora, saudosa de sua pátria, impondo sempre a disciplina e a ordem da casa. Porém, por trás da rigidez com os outros e, principalmente, consigo mesma, havia uma mulher sonhadora, ligada à arte e à liberdade. Homig encontra em umas das gavetas do guarda-roupa desenhos de sua bisavó e entende que sua vida dura de colona destruiu muitos de seus sonhos. No meio dos desenhos, uma foto:

Mas como a bisavó fora bonita! Puxa vida! Até que aquele cabelo complicado, com uma grande igrette na cabeça, lhe dava uma graça estupenda. A legenda diz que ela nascera em Paris, de pais alemães e era autora de composições, onde se harmonizavam cores de extrema suavidade.

Tà certo. E a gente nunca soube da genialidade da Grossmutter. Pelo menos vó Sacramento só contava sobre aquela mulher forte como granito. Era lidando. Plantando flores, mas também plantando aipim. O morango. Cavando a terra. O avental sempre muito branco, rodeado de bordado inglês. Pesadona. Vermelha. Dando ordens. Organizando as festas da colônia. Aconselhando o marido. Nunca em jeito macio. Ás vezes, quando o velho Ziegel lhe fazia que não com a cabeça, ou resmungando, contra suas intenções, ela levantava a testa e dizia alto:

– “Mann, ajuda-me. Eu me esforço demais. Quebro todos os atalhos para não encontrar comigo mesma. Porque o dia em que eu encontrar comigo, não sei mesmo o que acontecerá. (pág. 32)

Sacramento é a figura da avó carinhosa, compreensiva e religiosa, com quem Homig tem grande afinidade. Sua adaptação à idéia de casamento e aos costumes alemães, assim como sua iniciação sexual são narrados através do diário de Klaus. Sua ingenuidade e meiguice marcam todos os episódios em que está envolvida, e estes são os sentimentos lembrados por Homig. Ele que ouvia suas histórias enquanto contava as “preguinhas” de seu rosto.

Hilda é a filha mais nova de Ethel, uma figura rapidamente caracterizada no romance, mas com uma personalidade marcante. Amante da liberdade e desprendida de qualquer preconceito. Suas atitudes chocam a todos: Pegava o cavalo bravo no mato, tirava a roupa toda, montava nua em pêlo e cavalgava a vontade. O falatório da vizinhança (p. 6). Em seu diário estão suas indagações sobre a vida e os códigos que a regem, acreditando na natureza das coisas e dos sentimentos como obras de Deus, então, não podem ser pecados. Todos acham que foi para Alemanha, segundo ordens de sua mãe, mas seu verdadeiro destino só é revelado no final do romance.

Grande parte da narrativa é construída a partir do ponto de vista de Lula, uma professora brasileira, vinda de Itajaí, para ministrar aulas de português em uma escola pública. Sua figura é mencionada, inicialmente, no diário de Klaus, mas através de sua mente uma história à parte é contada, a dos brasileiros, descendentes de açorianos, de espanhóis, vindos de Itajaí, de Florianópolis. Estes que chegam a Blumenau na tentativa de uma vida melhor. Lula mora na casa de uma tia, Maria Clara, junto com duas primas, Cidinha e Dora.Viveu dificuldades econômicas em Itajaí, junto à sua avó e seus irmãos, os quais ainda são sua grande preocupação. Através de seu ponto de vista dois importantes episódios são narrados: a enchente de 1911 e o caso de menininha. Desde as notícias da enchente, até a chegada das águas, o abandono das casas e o refúgio das pessoas para o convento das irmãs, o local mais alto da cidade, são vividos pela narração de Lula.

Menininha é filha adotiva de seu Tibúrcio e dona Tita, casal amigo de Itajaí, favorecido economicamente. Foi criada com muito zelo e rigidez pelos pais, os quais não a deixavam sair sozinha de casa, nem ter muitas amizades. Por causa de uma hérnia, seu Tibúrcio deve ser operado e deixa a filha aos cuidados de Dona Maria Clara, única pessoa em quem confia para isso. Menininha, porém, é muito bonita e apaixonada pela vida e esta é a primeira oportunidade para viver suas aventuras longe da prisão de sua casa. Lula descobre seus encontros, às escondidas, com um homem casado, seu Ataliba, foguista do “vaporzinho” Blumenau. Menininha faz revelações de suas experiências homossexuais para Lula, a qual, muitas vezes, sentiu-se atraída por sua beleza. Enfim, Menininha acaba trabalhando como “china” em Itajaí, casa-se, mas nunca se desliga de suas atividades.

Homig, personagem-narrador, o homem que constrói toda a história da família a partir de lembranças que se cruzam no tempo, num tempo que cruza fronteiras constantemente, é resultado da cultura híbrida que se constitui na soma de distintas partes: a língua alemã (dentro de casa), a língua portuguesa (na escola), a língua francesa (da avó indígena). Em uma cena do romance, Homig se encontra na rua tentando afirmar-se como brasileiro diante uma situação que exigia esse tipo de comportamento. Em casa, no entanto, apesar da mãe dirigir-se a ele em língua portuguesa, todas as referências são da cultura alemã.

Temática

O romance aborda várias temáticas sobre a colonização alemã na região de Blumenau. A demarcação de terras e o confronto com os índios são acontecimentos narrados pelo avô Klaus, o qual mostra respeito pela cultura nativa e acaba apaixonando-se por uma indiazinha de doze anos criada por freiras francesas. Sacramento é a vó índia de Homig, representante da simplicidade e religiosidade, por quem ele tem muito carinho e só lembranças ternas. As dificuldades enfrentadas por Sacramento quanto à compreensão da língua, à adaptação aos novos costumes e, principalmente, quanto à rejeição por parte de Ethel, mãe de Klaus, que não aceitava o casamento do filho com uma “bugra”, estão também registradas no diário do avô.

O rigoroso trabalho no campo e com as coisas da casa aparece constantemente na narrativa, mostrando, mais especificamente, a dedicação das mulheres à organização familiar, à educação dos filhos e à manutenção da cultura germânica, pela qual têm tanto orgulho. As descrições das casas, dos jardins, das vestimentas e da própria cidade, demonstram que os imigrantes viveram muitos anos em um núcleo germânico fechado e que recebiam pouca interferência de fora.

Abordagens como racismo, choque entre culturas distintas, o amor dos imigrantes pela pátria distante, assim como a assimilação de diferentes culturas pelas novas gerações, estão registradas na narrativa. Muitos desses conflitos são apresentados através de cenas que chegam ao cômico, construindo uma caricatura do imigrante alemão. É o exemplo da tia de Homig, Herna, a qual, necessitando uma transfusão de sangue, tem como único doador compatível o mulato Praxedes, tripulante do “vaporzinho” Blumenau. Herna, alemã nacionalista, entusiasta da “Nova ordem” proposta por Hitler, não aceitava misturar seu sangue com o de um mulato brasileiro: “Brasileiro tem sífilis…”. O doutor Büchmann, ginecologista conceituado e conhecido por sua personalidade autoritária, acaba usando da força física para realizar tal transfusão, inclusive com as enfermeiras, as quais recebiam caneladas, quando não faziam como foi mandado. Para complicar a situação, o voluntário a salvar a vida da alemã, em meio a tantos xingamentos, acaba desistindo da ação por achar um desrespeito à sua raça:

Sabe o que mais, seu dotô? Eu vou mais é m’imbora. Deixa esse diabo morrê de uma vez…fico dês das 6 da manhã im jejum pra sarvá uma merda dessas e ela ainda me chama de sifílico?… O Dr. Büchmann, vermelho como um pimentão, os dentes cerrados, a boca aberta, agarrou o mulato, deu um safanão, jogou-o na cama e disse com todas as suas forças e todos os seus erres: “Fai a merrrdaaa!”. O Praxedes, de mulato que era, passou a meio desbotado…(p. 153)

Enredo

Lausimar Laus conta, através de uma linguagem simples, descontraída e, muitas vezes, carregada de um grande senso de humor, a história de quatro gerações de uma família de imigrantes alemães, os Ziegel, colonizadores da cidade de Blumenau. A família Ziegel é o centro da narrativa, porém várias outras histórias familiares cruzam-se entre si, tecendo, assim, um painel dos primeiros cem anos da cidade de Blumenau. A autora faz referências desde a chegada dos alemães, por volta de 1850, aos conflitos e ao extermínio dos índios daquela região, até a segunda guerra e o período de nacionalização imposta por Getúlio por volta de 1940.

A história é contada, inicialmente, por Homig, um homem de sessenta anos, solteiro, doente do coração. Sua sensibilidade aguçada alerta que sua vida está chegando ao fim, assim como a história de sua família, já que é o último descendente dos Ziegel. Na casa onde viveu toda sua infância, sentado em frente ao guarda-roupa alemão, Homig revive várias histórias de sua família na colônia de Blumenau. O guarda-roupa é uma peça que veio da Alemanha há cem anos com seus bisavós, Ervin Ziegel e Ethel Moltke, e acompanhou todas as gerações da família, sempre no mesmo lugar, guardando documentos importantes, enxovais e segredos.

Homig tem a incumbência de abrir uma gaveta do guarda-roupa, a qual foi trancada por sua bisavó ao falecer, contendo um segredo que só deveria ser revelado ao último Ziegel vivo. É chegada a hora de abrir a gaveta, pois a casa onde viveu toda sua infância foi vendida, encerrando o ciclo de sua família. Na verdade, havia mais um primo que ainda estava vivo, Ralf. Dez anos mais velho que Homig, chegou da Alemanha já adulto e formado e, por isso, viveu apenas parte da história dos Ziegel em Blumenau. A atitude de abrir a gaveta é hesitada várias vezes e Homig leva um dia inteiro para se decidir enquanto, em frente ao guarda-roupa, as lembranças de vida lhe vêm à cabeça. É Ralf quem o ajuda abrir a gaveta e quem, afinal, descobre o segredo da família, pois Homig já bastante debilitado física e emocionalmente, é levado para o hospital.

Fonte:
Passeiweb

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Lausimar Laus (1916 – 1979)


Lausimar Maria Laus nasceu na cidade de Itajaí, SC no dia 16 de abril de 1916. Filha de Pedro Paulo Laus – oficial da marinha mercante condecorado por participar das duas Grandes Guerras Mundiais – e, Maria Stuart Laus – professora do ensino elementar. Foi casada duas vezes, sendo que ficou viúva do oficial do exército Sílvio Conti Filho.

Teve dois filhos: Gualberto e Eli. Em muitos documentos Lausimar Maria Laus é citada pelos nomes Lausimar Laus Gomes e Lausimar Laus Conti. Contudo, adotou o nome artístico de LAUSIMAR LAUS.

Lausimar estudou na Primeira Escola Mista da Barra do Rio e depois se transferiu para o Grupo Escolar Victor Meirelles. Na década de trinta seguiu para Florianópolis onde a cinco de dezembro de 1936 se formou normalista pelo Instituto de Educação. Ato contínuo, Lausimar se transferiu para o Rio de Janeiro, onde iniciou vitoriosa carreira como escritora, educadora e jornalista

No Rio de Janeiro Lausimar trabalhou no Ministério da Educação e Saúde e ingressou no magistério público no ano de 1944. Foi também no Rio de Janeiro que publicou seus primeiros versos no ano de 1942, com o título de CONFIDÊNCIAS.

Em 1948 publicou seu primeiro livro de contos direcionados ao público infantil: HISTÓRIAS DO MUNDO AZUL.

Em 1952 Lausimar ganhou o segundo lugar no concurso da Academia Brasileira de Letras, categoria teses. Como prêmio publicou em 1953 o livro: O ROMANCE REGIONALISTA BRASILEIRO.

Na década de cinquenta intensificou suas atividades no campo da literatura e jornalismo.

Em 1953 publicou BRINCANDO NO OLIMPO e em 1958 publicou o livro de contos FEL DA TERRA. Nesta época colaborou com vários jornais e revistas literárias modernistas, inclusive com o afamado grupo literário de Florianópolis, o GRUPO SUL.

Osvaldo Ferreira de Melo no livro Introdução à História da Literatura Catarinense inclui Lausimar como uma “agregada” aos modernistas do Grupo Sul: “Da geração modernista ou dela próximos, mas sem se terem integrado diretamente aos movimentos de renovação temos:[…] Zedar Perfeito da Silva (história, ficção), Nereu Corrêa (crítica)[…] Lausimar Laus (ficção)”. Junto com Meyer Filho – integrante direto do Grupo Sul, todos estes intelectuais mantiveram ligação histórica com a cidade de Itajaí.

Nas décadas de sessenta e setenta Lausimar Laus promoveu diversas viagens de estudo ao exterior e consolidou sua carreira no magistério superior.

Em 1962 recebeu credencial da revista Manchete para uma série de reportagens na Alemanha e em l965 publicou pela Editora Pongetti (a mesma que publicou diversos livros do poeta Marcos José Konder Reis) o livro sobre observações de viagem e crônicas, intitulado EUROPA SEM COMPLEXOS.

Em 1966 (a exemplo de Silveira Júnior) a convite do governo americano passou três meses em viagem de estudos nos EUA, onde fez observações sobre o sistema educacional daquele país. Em seguida, viajou a estudo para a Espanha e diversos países europeus, publicando uma série de reportagens intitulada NA ROTA DO VASTO MUNDO.

No final da década de setenta chegou a visitar o Japão e muitos outros países asiáticos e europeus. Em 1970 publicou seu primeiro romance, intitulado de TEMPO PERMITIDO, prefaciado por Rachel de Queiroz e editado pelo Instituto Nacional do Livro em parceira com a Editora Americana. Em 1975 publicou pelo Instituto Nacional do Livro e Editora Pallas a sua obra de maior sucesso: O GUARDA-ROUPA ALEMÃO.

Em 1976 recebeu o prêmio Odorico Mendes da Academia Brasileira de letras pela melhor tradução do ano em língua portuguesa para o livro de Alain Robbe-Grillet intitulado PROJETO PARA UMA REVOLUÇÃO EM NOVA YORK

Já no ano seguinte, tendo Afrânio Coutinho como orientador, defendeu dissertação com o título de O MISTÉRIO DO HOMEM NA OBRA DE DRUMMOND, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (publicado em 1978).

Ainda em 1977 recebe do Jornal de Santa Catarina o Troféu Barriga-Verde por sua contribuição na divulgação da literatura catarinense.

Publicou também o ensaio A PRESENÇA CULTURAL DA ALEMANHA NO BRASIL.

Lausimar contribuiu com a revista Manchete e chegou a ocupar a segunda página da revista O CRUZEIRO com suas crônicas. Publicou em O Globo, Diário de Notícias, Correio da Manhã, Jornal do Commércio, Jornal do Brasil (suplemento do livro), O Estado de Minas Gerais (Suplemento Literário), Correio do Povo (Caderno de Sábado), Revista Presença, O Estado de São Paulo (Suplemento Literário) e Jornal do Povo (hebdomadário itajaiense).

Na área musical teve vários poemas seus musicados por Aristides M. Borges e gravados com o selo da RCA/VICTOR. A música que obteve maior sucesso foi gravada com o título: TENHO PENSADO TANTO EM TI.

No setor acadêmico, Lausimar se licenciou em letras clássicas pela Faculdade de Letras da Universidade Santa Úrsula. Titulou-se mestre em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora pela Faculdade de Letras da Universidade de Madri. Exerceu por muitos anos o magistério superior na Universidade Federal Fluminense, em especial como professora de literatura alemã.

Lausimar Laus morreu aos 63 anos de idade, em sua residência (rua Aristides Espíndola, 106, Leblon – RJ), vítima de infarto fulminante, no dia três de outubro de 1979. Lausimar foi sepultada no Rio de Janeiro no Cemitério São Francisco Xavier, bairro do Caju.

Fonte:
http://pt.scribd.com/doc/57492836/O-Guarda-Roupas-Alemao

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Orlando Mendes (Poemas Avulsos)


UNIFORME DE POETA

Ajustei minha cabeleira longa,
coloquei-lhe ao de cima meu
chapéu de coco em fibra sintética,
sacudi a densa poeira das asas encardidas
e, dependurada a lira a tiracolo,
saio para a rua
em grande uniforme de poeta.
Tremei guardas-marinhas,
alferes do activo em
situação de disponibilidade:
meu ridículo hoje suplanta
o vosso e nele se enleia e perturba
o suspiro longo das meninas
romântico-calculistas.

JUVENTUDE

É no tempo dos explícitos cantares
à luz do dia e na escuridão da noite
até uma explosiva prova de acção.

É o tempo das dúvidas inconfessáveis
os cigarros ardendo e o café já frio
e o rosto impassível atrás do jornal
contra a devassa de anônimos vigilantes.

É o tempo dos assaltos ao trânsito
imaginando as máscaras arrancadas
e a beleza de a riqueza como seriam
se não coexistissem incólumes com
ignorância e miséria e violência.

É o tempo da solidão entre as gentes
e de solitário sentir a multidão na savana.

É o tempo de não ter fé e crer ainda
na dádiva total por um beijo de amor
e pela sinceridade dum aperto de mão.

É também o tempo de receber-transmitir
uma secreta raiva chamada esperança.

Tempo que o pudor adulto faz caducar.

EXORTAÇÃO

“Jovem, se tens exercícios de literatura
escritos há mais de um mês, destrói-os.
Rasga-os ou queima-os de preferência
(consta ser universalmente mais ortodoxo)
e se a chama te chamuscar unhas e pele
e as sujar a cinza, não queixes a dor
e lava-te. Destrói-os. Guarda-os todavia
fiéis na memória, palavra por palavra,
para que possas transmiti-los a um amigo
quando depois do venal acto de amor
forem também vender a irresistível suspeita
da tua voz trémula e dos teus outros actos.
Mas não deixes de escrever. Peço-te que não.”

DEDICATÓRIA

Aos poetas que pensam e dizem versos
mas não os sabem escrever
e por isso anónimos lhes chamam.
Nas rochas corroídas pelo sal de outros mares
navegados para implantar espada cruz e poder
nas rochas onde o luar desnuda o silêncio
pulsando canções da noite assim povoada
e que o sol inflama e semeia
sobre as efémeras gostas de cacimba
renovadas com cintilações das estrelas,
aí eu gravarei seus nomes.
E os amantes pressentindo
os hão-de perguntar e saudar.

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Arquivado em Moçambique, O poeta no papel, Poemas

Orlando Mendes (1916-1990)

Escritor moçambicano, Orlando Marques de Almeida Mendes nasceu a 4 de Agosto de 1916, na ilha de Moçambique.

Licenciou-se em Ciências Biológicas pela Universidade de Coimbra, onde foi assistente e onde se revelou poeta e prosador.

Pertenceu aos quadros dos Serviços de Agricultura, foi fitopatologista e Funcionário do Ministério da Saúde.

Profundamente influenciado pelo neo-realismo português, o poeta, romancista, dramaturgo, crítico literário, colaborou em diversos jornais moçambicanos e estrangeiros e produziu uma vasta obra literária, como
Trajectória (1940),
Portagem .(1966),
Um minuto de Silêncio (1970),
A Fome das Larvas (1975),
Papá Operário mais Seis Histórias (1983),
Sobre Literatura Moçambicana (1982), entre outros.

Recebeu o prêmio Fialho de Almeida , o dos Jogos Florais da Universidade de Coimbra (1946) e o primeiro Prêmio de Poesia no concurso literário da Câmara Municipal de Lourenço Marques.

Em 1990, Orlando Mendes faleceu em Maputo.

Fonte:
Antonio Miranda

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Trova-Legenda (13 Novembro)

TROVADOR!!!!
Acesse http://poesiaemtrovas.com.br, e envie uma trova para Eliana Ruiz Jimenez : elianarjz@gmail.com .
Toda semana uma trova-legenda (imagem) nova.

Trovas de 13 de Novembro
Tantas e tantas estrelas,
e a lua ao meio, a luar…
Criou-as Deus para vê-las
fazer a gente sonhar!
A. A. DE ASSIS/PR

Capaz de nos encantar,
a lua, mais do que bela
parece que vai entrar
pelos vãos dessa janela…
ADEMAR MACEDO/RN

Silenciosas madrugadas
vendo transcender a lua…
Estrelas enciumadas
vendo a minha amada nua!
AGOSTINHO RODRIGUES/RJ

Vai alta a noite sombria;
então se escuta um suspiro!
O que é que a Lua alumia?
Cenas de amor… ou um vampiro?
ALBERTO PACO MARINGÁ/ PR

Madrugada… Céu escampo,
lua cheia, solidão…
Cada estrela é um pirilampo
boiando na imensidão.
ANTONIO JURACI SIQUEIRA/PA

Pela janela indiscreta,
ante uma cena de amor,
a lua, sem ser poeta,
tenta um poema compor!
CAROLINA RAMOS/SP

Um convite a céu aberto
na janela da saudade
e a lua que viu de perto
nosso amor da mocidade.
DÁGUIMA VERÔNICA DE OLIVEIRA/MG

Zangada e, sem perdoar-me,
por não ter lhe dado trela,
a lua foi fazer charme
no beiral de outra janela…
DARLY O.BARROS/SP

A Lua, no céu, brilhava,
como um astro entre as estrelas,
e eu , feliz , as contemplava,
contente por poder vê-las!
DELCY CANALLES/RS

Noite quente, lua cheia,
é receita milenar:
– Paixão louca que incendeia
os casais sob o luar.
ELIANA JIMENEZ/SC

Nascedouro de certezas
e ninho de inspiração,
a lua afasta as tristezas,
pondo paz no coração.
FLÁVIO ROBERTO STEFANI/RS

Contemplo à noite, à janela…
e entre as estrelas e a lua,
eu sinto o perfume dela
que no meu quarto flutua.
FRANCISCO MACEDO/RN

Como posso concebê-la,
ó legenda que falseia…
eu nunca ví tanta estrêla
em noite de lua cheia!
FRANCISCO PESSOA/CE

A Lua, do céu princesa,
entre as estrelas, vagando,
mostrando a sua beleza,
vai a todos conquistando!
GISLAINE CANALES/SC

A noite é perfeita e bela,
a lua encanta e seduz,
tecendo em nossa janela
uma cortina de luz.
JOÃO COSTA/RJ

Pela janela da rua,
entram a noite e o luar.
Quanta coisa vê a lua,
sem que algo possa falar…
JOSÉ FABIANO/MG

Era uma noite estrelada,
quando o meu amor partiu,
e mirando a madrugada,
vejo o sonho que ruiu.
JOSÉ FELDMAN/PR

Ousada, a Lua assistia
pelas frestas da janela,
nossos corpos, na euforia,
rindo sob os raios dela!
LISETE JOHNSON/RS

Deus criou no céu estrelas
que brilham na escuridão,
para que o poeta, ao vê-las,
estimule a inspiração.
MARINA VALENTE /SP

O tamanho do universo
não cabe em minha janela,
mas entra em pequeno verso,
quando estou de sentinela.
MÁRIO A. J. ZAMATARO/PR

Numa noite de verão,
vendo um céu tão estrelado,
sinto o prazer e a emoção,
de quem está apaixonado.
MIFORI/SP

Há pouco, pela vidraça,
eu vi o sol se deitar…
De pronto, cheia de graça,
a lua pôs-se a reinar!
NEIVA FERNANDES/RJ

Canta o galo…Nasce o dia!
do chão da praça o sem nome
recolhe a moradia
para lutar contra a fome.
NILTON MANOEL/SP

Eu tenho inveja da lua
que, entrando pela janela,
cobre minha amada nua
e ilumina o corpo dela.
OLYMPIO COUTINHO/BH

A lua clara, tão doce,
na noite da cor de breu…
Lembra uma Luz que apagou-se,
que há dois mil anos morreu!!!
PROF. GARCIA/RN

– Magias de Hollywood!…
Às janelas, venham vê-las:
que a Lua cesse… Ou se mude,
deixando o brilho às estrelas!…
WAGNER MARQUES LOPES/MG

Fonte:
http://poesiaemtrovas.blogspot.com

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Murilo Rubião (A Armadilha)


Alexandre Saldanha Ribeiro. Desprezou o elevador e seguiu pela escada, apesar da volumosa mala que carregava e do número de andares a serem vencidos. Dez.

Não demonstrava pressa, porém o seu rosto denunciava a segurança de uma resolução irrevogável. Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor, onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos ladrilhos. Todas as salas encontravam-se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que indicasse presença humana.

Parou diante do último escritório e perdeu algum tempo lendo uma frase, escrita a lápis, na parede. Em seguida passou a mala para a mão esquerda e com a direita experimentou a maçaneta, que custou a girar, como se há muito não fosse utilizada. Mesmo assim não conseguiu franquear a porta, cujo madeiramento empenara. Teve que usar o ombro para forçá-la. E o fez com tamanha violência que ela veio abaixo ruidosamente. Não se impressionou. Estava muito seguro de si para dar importância ao barulho que antecedera a sua entrada numa saleta escura, recendendo a mofo. Percorreu com os olhos os móveis, as paredes. Contrariado, deixou escapar uma praga. Quis voltar ao corredor, a fim de recomeçar a busca, quando deu com um biombo. Afastou-o para o lado e encontrou uma porta semicerrada. Empurrou-a. Ia colocar a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de uma mesa empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno, apontava-lhe um revólver. Conservando a arma na direção do intruso, ordenou-lhe que não se afastasse.

Também a Alexandre não interessava fugir, porque jamais perderia a oportunidade daquele encontro. A sensação de medo fora passageira e logo substituída por outra mais intensa, ao fitar os olhos do velho. Deles emergia uma penosa tonalidade azul.

Naquela sala tudo respirava bolor, denotava extremo desmazelo, inclusive as esgarçadas roupas do seu solitário ocupante:

— Estava à sua espera — disse, com uma voz macia. Alexandre não deu mostras de ter ouvido, fascinado com o olhar do seu interlocutor. Lembrava-lhe a viagem que fizera pelo mar, algumas palavras duras, num vão de escada.

O outro teve que insistir:

— Afinal, você veio.

Subtraído bruscamente às recordações, ele fez um esforço violento para não demonstrar espanto:

— Ah, esperava-me? — Não aguardou resposta e prosseguiu exaltado, como se de repente viesse à tona uma irritação antiga: — Impossível! Nunca você poderia calcular que eu chegaria hoje, se acabo de desembarcar e ninguém está informado da minha presença na cidade! Você é um farsante, mau farsante. Certamente aplicou sua velha técnica e pôs espias no meu encalço. De outro modo seria difícil descobrir, pois vivo viajando, mudando de lugar e nome.

— Não sabia das suas viagens nem dos seus disfarces.

— Então, como fez para adivinhar a data da minha chegada?

— Nada adivinhei. Apenas esperava a sua vinda. Há dois anos, nesta cadeira, na mesma posição em que me encontro, aguardava-o certo de que você viria.

Por instantes, calaram-se. Preparavam-se para golpes mais fundos ou para desvendar o jogo em que se empenhavam.

Alexandre pensou em tomar a iniciativa do ataque, convencido de que somente assim poderia desfazer a placidez do adversário. Este, entretanto, percebeu-lhe a intenção e antecipou-se:

— Antes que me dirija outras perguntas — e sei que tem muitas a fazer-me — quero saber o que aconteceu com Ema.

— Nada — respondeu, procurando dar à voz um tom despreocupado.

— Nada?

Alexandre percebeu a ironia e seus olhos encheram-se de ódio e humilhação. Tentou revidar com um palavrão. Todavia, a firmeza e a tranqüilidade que iam no rosto do outro venceram-no.

— Abandonou-me — deixou escapar, constrangido pela vergonha. E numa tentativa inútil de demonstrar um resto de altivez, acrescentou: — Disso você não sabia!

Um leve clarão passou pelo olhar do homem idoso:

— Calculava, porém desejava ter certeza.

Começava a escurecer. Um silêncio pesado separava-os e ambos volveram para certas reminiscências que, mesmo contra a vontade deles, sempre os ligariam.
O velho guardou a arma. Dos seus lábios desaparecera o sorriso irônico que conservara durante todo o diálogo. Acendeu um cigarro e pensou em formular uma pergunta que, depois, ele julgaria, desnecessária. Alexandre impediu que a fizesse.

Gesticulando, nervoso, aproximara-se da mesa:

— Seu caduco, não tem medo que eu aproveite a ocasião para matá-lo. Quero ver sua coragem, agora, sem o revólver.

— Não, além de desarmado, você não veio aqui para matar-me.

— O que está esperando, então?! — gritou Alexandre. — Mate-me logo!

— Não posso.

— Não pode ou não quer?

— Estou impedido de fazê-lo. Para evitar essa tentação, após tão longa espera, descarreguei toda a carga da arma no teto da sala.

Alexandre olhou para cima e viu o forro crivado de balas. Ficou confuso. Aos poucos, refazendo-se da surpresa, abandonou-se ao desespero. Correu para uma das janelas e tentou atirar-se através dela. Não a atravessou. Bateu com a cabeça numa fina malha metálica e caiu desmaiado no chão.

Ao levantar-se, viu que o velho acabara de fechar a porta e, por baixo dela, iria jogar a chave.

Lançou-se na direção dele, disposto a impedi-lo. Era tarde. O outro já concluíra seu intento e divertia-se com o pânico que se apossara do adversário:

— Eu esperava que você tentaria o suicídio e tomei precaução de colocar telas de aço nas janelas.

A fúria de Alexandre chegara ao auge:

— Arrombarei a porta. Jamais me prenderão aqui!

— Inútil. Se tivesse reparado nela, saberia que também é de aço. Troquei a antiga por esta.

— Gritarei, berrarei!

— Não lhe acudirão. Ninguém mais vem a este prédio. Despedi os empregados, despejei os inquilinos.

E concluiu, a voz baixa, como se falasse apenas para si mesmo:

— Aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos.

Fonte:
“Para Gostar de Ler — Vol. 9 — Contos”, Editora Ática — São Paulo, 1984, pág. 17.

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Preservação de Livros (Parte 5, final)


2.7 ACABAMENTO DOS CORTES DO LIVRO

Prensar o livro entre duas tábuas na mesa e lixar os cortes do livro até torna-los em linha reta.

2.8 CONFECÇÃO DA CAPA ·

Quando a capa do livro está em bom estado deve-se aproveitá-la, reforçando-a com uma cartolina. Molda-se a cartolina no livro colocando-a em seguida na capa original.

Quando a capa original não está em condições de ser aproveitada deve ser confeccionada uma capa com cartolina americana.

Molda-se a cartolina no livro cortando duas partes iguais (frente e verso), – neste caso será confeccionado apenas a capa com a lombada já pronta;

Fazer um vinco de 2 cm da lombada para o meio do livro e colar apenas a parte do vinco ao livro. Repetir o procedimento com o outro lado (verso).

CONCLUSÃO

Este trabalho foi elaborado objetivando orientar quanto às atividades ligadas à reparação e conservação de livros pertencentes a acervos de bibliotecas. No entanto, o restauro utilizado em obras bibliográficas que exigem maior conhecimento e cuidado, por se tratarem de obras raras e/ou documentos de cunho histórico, só deve ser executado por especialistas com aprimoramento técnico.

ANEXO 1

INSTRUÇÕES PARA PREPARO, MISTURA E DILUIÇÃO DE COLAS:

CARBOX METIL CELULOSE (CMC)

É um adesivo neutro, sua natureza é de celulose modificada, encontrado como pó branco que ao ser dissolvido forma um gel transparente. Usado como encolante e consolidante em conservação ­ restauração de documentos, fotografias, faceamentos e velaturas.

Procedimento:

– Colocar 1 litro de água morna deionizada, destilada ou filtrada em recipiente de plástico ou vidro;

– Acrescentar aos poucos um copinho (cafezinho) como medida padrão de Metil Celulose;

– Bater na batedeira;

– Deixar descansar mais ou menos 2 horas, até que a mistura esteja com aparência homogênea e gelatinosa;

– Bater novamente na batedeira;

– A viscosidade do adesivo pode variar conforme a necessidade do uso, acrescentando-se mais água.

– Guardar na geladeira em vidro com tampa.

MISTURA DE PVA E CARBOX METIL CELULOSE (CMC):

Esta mistura é usada para remendos, colar folhas de guarda, colar dorso e outras aplicações. O seu uso permite que o papel seja descolado, quando necessário apenas usando a umidade.

Procedimento:

– Colocar em um recipiente partes iguais de cola PVA (cascorez) e Carbox Metil Celulose (50% x 50%) ou duas partes de PVA para uma parte de metilcelulose.

– Misturar bem e deixar no ponto da consistência de um iogurte;

– Se a mistura estiver muito espessa, acrescentar mais água para dissolve-la.
––––––
Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

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Paraná em Trovas Collection – 14 – Lucilia Trindade Decarli (Bandeirantes/PR)

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28 de novembro de 2011 · 21:34

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 13

ESPERANÇA

Entre o Ódio e o Amor, eu vivo a debater-me.
Quando não sangra o Amor, não ruge o Amor, porém,
Quando aos pés me não calca o Ódio, como um verme,
É o Tédio quem me vê com os olhos do desdém.

E oh! das mãos desse fauno cúpido, eu inerme,
Tal que se fosse uma donzela, uma cecém,
Sentindo que me vão ferir, que vão perder-me,
Tento escapar… Em vão! O monstro me detém…

Tudo, tudo me causa horror. A vida, enfim,
Como um castelo desabou neste momento…
Mas, ah! que uma mulher passa a roçar por mim…

E eu esquecido já do mal que ela me fez,
Vendo-a sorrir, assim, mais leve do que o vento
Atrás dela saí correndo, inda uma vez!

BRUXA

Ao Pereira da Silva

Veio uma bruxa um dia, e eu,
Que nesse tempo era menino,
Mostrei-lhe a mão: a bruxa leu
Linha por linha o meu destino…

Leu tudo, leu, e após, os olhos
Cerrando, exclama: é singular!
Que destino cheio de escolhos,
Altos e baixos, como o mar!

É singular, a bruxa diz,
É singular; mas, ó criança,
Espera e crê. Serás feliz,
Muito feliz! Tem esperança!

Olhei a terra, o abismo, a estrela,
A noite imensa, infindos céus:
“Será mais bela, inda mais bela
Tua sorte, crê! Serás um deus!”

Os anos têm-se sucedido
Numerosíssimos, porém,
Cada vez mais surpreendido,
Espero o bem e é o mal que vem.

Anos têm vindo de permeio,
Quem fui, decerto, já não sou;
Às vezes quase que não creio
No que essa bruxa me contou…

Tudo uma triste mascarada,
Tudo ilusão, tudo quimera;
E pois que já não creio em nada,
Meu coração por que é que espera?

Que mais espera esse infeliz,
Que inda lhe possa dar prazer,
Se tudo, tudo quanto quis,
Completamente, hoje não quer?

Não sei. Porém basta lá fora
Vibrar um hino, que sei eu!
Para que logo exclame: é a hora,
É a hora ideal, que floresceu!

E doido, atrás dessa esperança,
Ei-lo a correr: pois apesar
De conhecer que não a alcança,
Quer ver se a pode inda alcançar…

CAVALEIRO

Por esses campos, ligeiro,
Como a luz e o pensamento,
Vem correndo um cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento…

Nem à beira do barranco
Nem do abismo se detém
Aquele cavalo branco
Que a todo galope vem.

Ouvindo o doido tropel,
Param as águas do rio:
“Donde vem esse corcel,
E o cavaleiro sombrio?”

A brisa flébil, a brisa
A vê-lo correr: “Olhai,
Não vê onde o cavalo pisa,
Nem p’r’onde o cavalo vai!”

Não ouve a dor, nem o choro,
Nem a tristeza, que sei
Dentro da púrpura e do ouro
Do seu orgulho de rei.

A galope, pela estrada
É como um cego afinal,
Não vê nada, não vê nada,
Nem o bem e nem o mal.

Ao pé dessa natureza,
Debaixo daqueles céus,
Passa como a realeza,
Como um raio, como um deus!

Tudo para ele é um desejo
Que arde e cintila no espaço
Como o relampo d’um beijo,
Como o fulgor d’um abraço.

Doidamente, doidamente,
No meio de temporais,
Em doido corcel ardente
Galopa cada vez mais.

Galopa. Quase se perde
O sinistro domador,
Por entre a folhagem verde,
Por sobre os campos em flor…

Galopa em tal alvoroço
E tamanho orgulho tem,
Que nessa corrida o moço
Não ouve e não vê ninguém…

Corre, corre mais ligeiro
Do que a luz e o pensamento,
Dia e noite, o cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento…

A túnica que ele veste,
A túnica aurilavrada,
Tem a cor azul-celeste,
Os frisos da madrugada.

Mas olhe, da mesma seda
Vestido um dia andei eu;
E pois que lhe não suceda
O que a mim me sucedeu!

VERSOS PARA EMBARCAR

Ao Virgílio Várzea

Tudo, tudo vai mal, e tudo é uma viela,
E um beco escuro, e um charco imundo, e um triste horror;
Pois que bom de embarcar, um dia, a toda vela,
E fugir, e fugir, seja para onde for.

Não há como embarcar. A vida é um navio
Doido, a querer partir, mordendo o pé do cais,
Velas estão a encher, sopra o nordeste frio,
Quando é que partes, ó navio, quando sais?

Não há como embarcar. Do alto d’uma equipagem
Ver o mundo! correr o mundo! viajar…
Poder dizer que foi a Vida uma viagem,
Que começou no mar, que se acabou no mar…

Não há como embarcar. É d’um furor tamanho,
É d’um delírio tal que, embora nunca mais
Se tenha de voltar – como um punhal d’antanho,
A esperança reluz, apenas embarcais…

Não há como embarcar. Furiosos d’insônia,
Enervados de dor, que ânsia d’ir para além,
Ó tísicos, morrer aos pés de Babilônia,
Nos muros de Siquém ou de Jerusalém?

Não há como embarcar. Para onde quer que seja,
Para o desterro, mil perigos através,
Quando os míseros vão, é como olhos d’inveja
Que eu os vejo partir, de corrente nos pés…

Sempre que avisto o mar com as ondas inquietas,
Sempre que o vejo assim, não sei por que será,
Mas tenho as ambições mais doidas, mais secretas,
Loucuras de poder inda fugir p’ra lá.

À mercê e ao furor das ondas e dos ventos,
Havia de correr o mar que não tem fim,
Como Ulisses; porém, ó trágicos momentos,
Sem ter uma mulher que chorasse por mim!

De pé no tombadilho, em frente, à minha vista,
Eu veria passar o que não vi jamais,
A não ser através dos meus sonhos d’artista:
– Encarnações febris, diademas imperiais…

E cegueira ideal e vã de quem se esconde,
E loucura de quem fugiu d’uma prisão,
E doido, sem saber de nada, nem para onde,
A correr, a correr atrás d’uma ilusão!

Ó terras de mistério, ó terras de mantilha,
Ó terras onde o céu é como a flor-de-lis,
Quem me dera dormir, folha de mancenilha,
Debaixo de teu manto azul d’imperatriz!

Reinos antigos, ó paisagem de romance,
Como uma rosa que fenece num jardim,
Ah que bom! ah que bom! de vê-los de relance,
Com castelos feudais, com torres de marfim!

Rainhas como flor, graciosas donzelas,
Com gestos e com voz que me causam prazer,
Como seria bom que, ansiando para vê-las,
Eu as vendo uma vez, não as tornasse a ver…

Eu não sei, eu não sei para onde fugiria,
Eu não sei, eu não sei o que ia ser de mim,
Quem me dera, porém, que logo fosse o dia
De poder embarcar e de fugir daqui!

Quem dera que fosse hoje! E enquanto a nau sulcasse
De proceloso mar entre uivos e baldões,
Eu poder, sem terror, olhando face a face
O abismo, descrever as minhas impressões!

É bem possível que eu, arriscando na sorte,
Notasse que por fim só me saía o azar,
E o diabo, e tudo, e o mais, e tudo, e a própria morte,
E ainda tudo; porém, que ânsia de viajar!
Outubro – 1903

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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Francisco de Morais Mendes (O Homem que Recolhia o Tempo)


Numa velha sacola de feira, ele recolhia o tempo deixado pelos outros. Como fazia isso, não se sabe. Para ele, homem solitário, que vivia entre a casa e o serviço, a palavra “repartição” não designava apenas o local de trabalho. Cabia-lhe, como servidor público, cuidar das horas, repartir o tempo entre os colegas. Havia quinze anos executava com diligência a mesma tarefa: zelar pelo ponto, abonar as faltas justificadas, converter o excedente de horas em pagamento. O tempo era público.

Contudo, sofria de um mal sem remédio. Pressentia o correr dos dias, dos meses, dos anos, como uma subtração da vida. O tempo escapava-lhe enquanto acumulavam-se coisas por fazer. A perda do tempo é individual, lamentava.

À noite, em casa, recostado à velha poltrona de couro, sentia o peso de dois mil livros não lidos. E lia metodicamente. Olhando à esquerda, um infatigável atlas oferecia-lhe países por visitar. E ele mal saíra da cidade. À direita, centenas de obras aguardavam releitura.

Pensando constantemente no tempo, observava que boa parte do que se fala contém essa palavra vaga, sem peso, sem consistência. Certo dia, num corredor da repartição, ouviu de uma grávida que faltavam quatro meses para o bebê nascer. Então ocorreu-lhe que, durante a gravidez, ela deixava sem uso um outro tempo. O que primeiro pareceu-lhe uma brincadeira, uma anedota, tomou a forma de idéia. Depois de algumas noites em que se pegava pensando na grávida, supondo que estivesse assaltado por uma paixão em todos os sentidos inoportuna, o assunto passou de idéia a teoria. Não era a grávida que o atormentava. Era o tempo.

Formulou, então, a teoria dos tempos laterais, que correm simultaneamente na vida das pessoas. Pela última vez voltou a pensar na grávida, para explicar a si mesmo sua teoria. A vida segue num tempo que ele, como todo mundo, chamava de normal, mas qualquer alteração ou acidente põe em funcionamento um tempo dos que correm lateralmente àquele, que ele chamava de tempo outro. Durante o período da gravidez, tomado como uma alteração, o tempo normal continua a passar, mas em desuso, um cão sem dono vagando por aí.

Durante alguns dias, observou o que classificou de amostras da sua teoria. Há um tempo largado aqui fora pelas pessoas que baixam ao hospital. Há um tempo de ócio enquanto trabalham. Esse tempo ocioso fica com unhas e engrenagens à espreita, aguardando que a pessoa deixe o trabalho; acompanha-a até o ponto do ônibus, e enquanto, após um banho quente, a pessoa decide se liga a tevê ou coloca um disco para tocar, ele está pronto para seguir. Em outra circunstância, enquanto a pessoa mergulha a atenção no noticiário do rádio, fica desocupado o tempo da distração. Nenhum deles deixa de correr.

Certa noite, acomodado na poltrona, voltou a refletir. Era preciso recolher o cão sem dono. A outro, não iria fazer falta. A ele, o livraria da aflição.

Na manhã seguinte, mexendo no quarto de coisas abandonadas, encontrou a sacola que passou a carregar. Das grávidas, subtraía o tempo da não gravidez. Dos colegiais em algazarra à saída da escola, recolhia variadas espécies de tempo. Do sujeito que lia no ônibus, tomava o tempo de olhar pela janela. O mais surpreendente eram aquelas pessoas que parecem pensar em coisa alguma, absolutamente desligadas. Dessas, fluíam, ou melhor, jorravam tempos em profusão. E recolhia, recolhia, recolhia.

Voltara a ler sem ansiedade, sabendo que acumulava considerável reserva de tempo. Em pelo menos um momento, levantou os olhos do livro e pensou na imortalidade. Deu um breve sorriso, sem precisar recorrer ao espelho para encontrar o que supunha um rosto rejuvenescido. Voltou a concentrar-se na leitura. O tempo, agora, não passava; vinha até ele. O cão encontrara o dono.

Certa manhã, depois de ler no jornal sobre um sujeito condenado a muitos anos de prisão, foi tomado de grande ansiedade. Ocupado em juntar os tempos dispersos no presente, não lhe ocorrera tocar num tempo futuro. Nem sequer havia pensado nisso. No entanto, vislumbrava que aquele tempo podia ser recolhido de uma única vez. Tenho que capturar o tempo que ele deixa aqui fora, mas onde estará?, pensou, quase faltando-lhe o ar. Saindo às pressas com a sacola, sem saber exatamente onde buscar aquela fatia esplêndida de tempo, distraiu-se numa travessia e, atropelado por um caminhão de mudanças, teve morte instantânea.

Corroída pelo tempo e pelo uso, ficou a sacola jogada num canto da rua. Os que olhavam em seu interior, de algum modo sabiam que vazia não estava; era um engano dos olhos. Afastavam-se ao sentir uma espécie de sufocação. A que não sabiam nomear.
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Francisco de Morais Mendes é jornalista e escritor. Publicou os livros de contos “Escreva, querida” (Mazza Edições, 1996) e “A razão selvagem” (Ciência do Acidente, 2003). Vencedor dos prêmios “Guimarães Rosa”, do governo do Estado de Minas Gerais, “Cidade de Belo Horizonte”, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, e “Luiz Vilela”, da Fundação Cultural de Ituiutaba.

Fonte:
Letras e Ponto!

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Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 12)


GALHOFA
Do espanhol gallofa, migalha ou pão dado como esmola. Gailofa foi formado de uma expressão latina criada nos conventos medievais: gaili offa, bocado de peregrino. Offa era uma pequena bola de massa ou de carne;gallus, gaulês (cidadão de um povo celta que habitava a Gália, antigo país situado no território atual da França), ganhou o sentido de peregrino porque a maioria dos peregrinos de Compostela eram gauleses.
Em português, o significado inicial de galhofa, manifestação alegre e ruidosa (depois virou sinônimo de deboche e de vida vadia), se originou da algazarra feita pelos pedintes, às portas dos conventos, esperando agalli offa, o alimento a ser distribuído.

GARDENAL
Gardenal é o nome comercial da substância fenobarbital, usada como anticonvulsionante e sedativa.
A marca surgiu em 1920 no laboratório Rhône-Poulenc, que já vinha fabricando, com muito sucesso comercial, vários tranqüilizantes, cujos nomes sempre terminavam em -nal, como foi o caso do famoso Véronal (cujo nome veio da cidade de Verona, onde foi descoberto).
Quando o Gardenal já estava pronto para ser comercializado, um diretor da Rhône-Poulenc reuniu os empregados e pediu que eles apresentassem sugestões para batizar o novo produto. Finalizando, recomendou: “Surtout, gardez -nal!” (“Principalmente, não se esqueçam da terminação -nal”). Um dos empregados, achando que o chefe já fazia uma sugestão, exclamou: “Gardenal, por que não?”. Pronto, o nome já estava dado involuntariamente. Caso típico de problema que já vem com a solução embutida.

GOL DE PLACA
A palavra gol veio do inglês goal, objetivo, mas nenhuma torcida inglesa grita “Goal!” quando seu time marca um tento. Eles urram alguma coisa que, segundo os antropólogos, fica entre o “oh!” de surpresa de um lorde e o “erghflk” do homem de Neandertal. E a expressão gol de placa?
Rio de Janeiro, estádio do Maracanã, 5 de março de 1961, Torneio Rio-São Paulo, o Santos de Pelé jogava contra o Fluminense de Castilho. Aos 41 minutos do segundo tempo, o Santos vence por 1×0 quando Pelé domina a bola na meia-lua da sua área, lá atrás, na defesa. Ele levanta a cabeça e parte para o gol adversário. Passa por um, dois, três, quatro, cinco, seis adversários e toca a bola para os fundos da rede de Castilho.
Uma das testemunhas do memorável gol foi o então jovem cronista esportivo e hoje famoso colunista de economia Joelmir Beting, que voltou para São Paulo e sugeriu que seu jornal, “O Esporte”, mandasse fazer uma placa de bronze que eternizasse o extraordinário lance de Pelé.
A sugestão foi aceita, Joelmir encomendou a placa, pagou e não foi ressarcido até hoje. No domingo seguinte, a placa foi afixada no saguão do Maracanã e descerrada pelo próprio Pelé, com barbante e toalha de banho servindo de cortininha. Surgia a expressão gol de placa. Mais tarde, Joelmir, um craque da palavra, diria: “Nunca fiz um gol de placa, mas fiz a
placa do gol”.

GROGUE
Do inglês grog.
No século XVII, quando havia uma grande demanda por açúcar na Europa, os países de clima tropical e solo fértil descobriram que dispunham de uma grande fortuna em potencial: um ambiente natural perfeito para o cultivo da cana-de-açúcar.
Aí por volta de 1650, em Barbados (Pequenas Antilhas, América Central), cana dava mais que chuchu na serra. Alguém ali teve a idéia de aproveitar, de alguma forma, o resíduo que ficava depois da produção do açúcar, o melaço. Com tempo e melaço de sobra, o gênio pensou, pensou e resolveu destilar a substância. O resultado encantou o mundo: rum.
A bebida emigrou de Barbados e virou uma sensação na Europa do século seguinte, na população civil e militar. Os marinheiros ingleses tinham direito a uma quota diária de rum (o costume permaneceu até 1970).
O rum, mais forte que o brandy, provocava um porre devastador, desses de fazer general bater continência para porteiro de hotel.
Em 1740, o almirante inglês Edward Vernon baixou uma ordem: o rum para os marinheiros de seu navio deveria ser diluído em água para evitar bebedeiras a bordo. Estava inventado o aquarrum, cujo mercado ficou restrito à gente das embarcações do Sr. Vernon. E lá se iam seus marinheiros, sóbrios e diarréicos, singrando os mares do mundo. O almirante tinha o apelido de “Old Grog”, em alusão à sua habitual capa de gorgorão – em inglês grogram, do francês gros grain, tecido grosseiro. Os marinheiros, revoltados com aquela ordem de seu comandante, decidiram ridicularizá-lo usando seu apelido para batizar o rum aguado de grog. E o marinheiro que, mesmo assim, conseguia ficar bêbado com alguns litros
daquilo era chamado de groggy.
Em português, grogue, além de ser uma bebida alcoólica (rum, aguardente…) diluída em água quente com açúcar e casca de limão, também é sinônimo de atordoado.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

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Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – IV – A chegada


Rodeado de toda a corte e de enorme multidão de povo do mar, veio o príncipe receber a menina. Assim que ela apeou do coche, todos bateram palmas, deram vivas e soltaram peixes fosforescentes, que eram os foguetes lá deles. O príncipe abraçou a sua noiva, nada podendo dizer de tanta comoção que sentia. Beijou-lhe a ponta dos dedos e subiu com ela as escadarias do palácio.

— Deve estar muito cansada — disse o peixinho por fim, depois que recobrou a voz. — Vou levá-la aos aposentos nupciais, onde tudo é pérola e coral.

— Que bonito! — exclamou Narizinho. — E os outros para onde vão?

— Tenho também maravilhosos aposentos para os outros. O Visconde irá para o quarto das algas; o marquês, para o quarto dos corais vermelhos.

Narizinho interrompeu-o com uma risada.

— O senhor príncipe não conhece o gosto dos meus companheiros. O Visconde, que é um sábio, só quer saber de livros. Basta enfiá-lo numa estante. E para o marquês, nada melhor do que um chiqueirinho com três grandes abóboras do mar dentro.

— E o senhor Pedro?

— Esse é deixar solto por aí, com o bodoque. Não mexam com Pedrinho, que ele dana. Emília fica comigo.

— Julguei que a senhora marquesa de Rabicó fosse ficar no chiqueiro do senhor marquês…

A menina achou muita graça naquela idéia.

— Emília é uma emproada, príncipe, que não dá confiança ao marido. Casou-se só por casar, pelo título, e se encontrar por aqui algum duque, é bem capaz de divorciar-se do marquês. A menos que não queira casar-se com o Visconde, concluiu com malícia, voltando-se para a boneca.

Emília replicou sem demora, fazendo a sua célebre carinha de pouco caso:

— “Animal” não casa com “vegetal”… O príncipe ia se retirando para que a menina pudesse descansar à vontade, quando Pedrinho apareceu no quarto.

— E agora, príncipe, que é que vamos fazer agora? – indagou ele.

— Descansar da viagem — respondeu Escamado.

— E se fizéssemos de conta que já estamos descansados?

— Nesse caso, eu os convidaria para a festa de recepção na sala do trono.

— Como é essa festa, príncipe?

— Oh, muito linda! Começa com um bonito discurso oficial; depois, outro discurso…

— Pare, príncipe! Chega de discursos. Prefiro dar um passeio pelo fundo do mar, e Narizinho com certeza prefere ir tratar dos seus vestidos.

— É verdade! — acudiu a menina. — Preciso chegar à casa de dona Aranha Costureira para combinar com ela o meu vestido de casamento e um de cauda bem comprida para a marquesa. Não podemos aparecer na corte nestes trajes, não acha, Emília?

— Pois decerto. Basta a triste figura que fiz da primeira vez em que aqui estive. Em fralda de camisa, lembra-se?…
––––––––
Continua… Apuros do Marquês

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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Trova Ecológica 53 – Marina Bruna (SP)

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27 de novembro de 2011 · 19:45

Francisco José Pessoa (Mucuripe)


São 4:30 horas…o sol bocejando se espreguiça com um ar de quem está indisposto para a lida. O mar do Mucuripe espelha aquele parto divino.

Sob sinais de cruz e Ave-Marias mal recitadas, após uma última cusparada em terra, que traz o ranço do fumo mastigado, sai o jangadeiro a peitar pequenas ondas que teimam uma após outra roçar-se nas areias mornas daquela praia já cantada e encantada em prosa e verso.

O destino, como todo destino que se preza, só Deus sabe…

Na proa viaja a incerteza da volta, quando o pensamento do caboclo de tez queimada se volta para a terra e vê o acenamento do filho único escanchado no colo da mãe que ora em silencio, entregando a Deus o leme daquela teimosa e valente embarcação.

Acompanhando o caminhar do sol, sentindo-o no mudar da própria sombra que se desenha no terreiro do quintal de casa, a mulher do jangadeiro rastreia entre pensamentos sãos e orações a frágil jangada domada por um braço forte.

Depois que o sol se põe a pino e inicia seu caminho de descanso pro lado de cá da terra, a mulher esperançosa espera o marido que cedo partiu, apruma o olhar pra risca, e o pensar pra bem longe… lá pra trás dela.

Tinge-se o céu de vermelho pálido. O sol, acanhado, com cara de sono, deixa uns poucos rastros de sua luz como para que alumiar o caminho daquela jangada teimosa que, de volta, roça o peito na areia da praia encantada trazendo consigo o destino incerto da partida.

Corpos se entrelaçam à beira-mar. O chapéu do pescador sai-lhe da cabeça num respeitoso agradecimento a Deus. A pescaria rendeu e o pirão escaldado espera o cangulo para a alegria dos dois.

De braços dados, o casal segue no rumo da tapera onde o filho dorme a sono solto. A espera foi cansativa.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.arantur.com.br

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A. A. de Assis (Status puxa Status)


Um ilustre da cidade, tentando explicar na roda de amigos sua preocupação constante em bem-vestir-se, bem-morar e bem-rodar, quase chega a convencer os demais sobre as razões de ser ele assim. Não é que encontre prazer na esnobação, mas o contexto profissional assim exige.

Poderia levar uma vida mais simples, utilizar automóvel menor e menos bebedor de combustível, morar numa casa que não exigisse tantos cuidados e tantos empregados, vestir roupas comuns, frequentar menos as reuniões sociais e políticas. Isso tem hora que enche, diz ele. Mas não consegue viver modestamente. Sua posição impõe esmeros especiais.

Dá para entender que posar de bacana é imperativo de certos ramos de negócio. Faz parte do ofício. Quanto mais esnoba, mais impressiona. Quanto mais impressiona, mais portas consegue abrir. Quanto mais portas consegue abrir, mais dinheiro ganha.

Não é culpa dele, insiste. É do contexto. Seu ramo baseia-se no “ter”. E para “ter mais” é preciso fazer de conta que já tem mais do que o necessário.

Se ele estacionar em frente ao escritório de um cliente caixa alta num carrinho classe média, talvez nem seja recebido. Chegando num carrão e vestindo terno com gravata e colete, o rosto vistoso, perfumado, o grande cliente vem pessoalmente abrir-lhe a porta, sente-se homenageado com a sua presença, e fecha o negócio na hora. Coisas da vida.

Status puxa status. O mundo é assim, o homem é assim, e não será ele quem vai mudar. Seu papel é realizar bons negócios, não discutir costumes. Se é preciso rodar num carrão, ele roda. Se é preciso vestir ternos caros, ele veste. Para ele não se trata de vaidade, trata-se de investimento.

Os amigos contra-argumentam sugerindo que tudo isso é muito falso. Mas o distinto não está a fim de discutir filosofias. Realista por fora e por dentro, lembra que “ostentação é ferramenta de trabalho”, especialmente para quem lida com clientela abonada. Optar pela simplicidade seria arriscar-se a perder excelentes oportunidades.E como é domingo, e o bate-papo é num botequim, o “esnobador por dever de ofício” esquece as etiquetas, deixa de lado o costumeiro uísque, e manda vir uma pinguinha das boas, com pastel de carne seca.

Fonte:
A..A. de Assis. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.
Também disponível assim como muitos outros textos no blog do Assis em Vida, Verso e Prosa. http://aadeassis.blogspot.com/p/contos-e-cronicas.html

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Prof. Garcia (Livro de Trovas)

A dor que se intensifica
e amedronta os dias meus,
é pensar na dor que fica
depois da palavra adeus!

A existência é dividida
em dois extremos da idade:
um, alvorada da vida,
outro, arrebol de saudade!

A insensatez, na verdade,
separou nossos lençóis;
e agora a dor da saudade
dói muito mais entre nós!

A musa chega e me inspira,
num delírio encantador…
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!

A natureza resiste,
mas a tristeza do monte,
é enxugar o pranto triste
dos olhos tristes da fonte!

As cordas desafinadas
e esta voz chegando ao fim!…
São mimos das madrugadas
guardados dentro de mim!

Cadeira velha!…Esquecida,
sem dono e sem mais ninguém…
Só a saudade atrevida
reclama a ausência de alguém!

De volta ao lar que eu não via,
desde a minha mocidade…
Enquanto a emoção crescia,
crescia a dor da saudade!

Esta aliança que um dia,
já guardou nossos segredos;
hoje guarda a nostalgia
das digitais de outros dedos!

Esta dor que em mim persiste
e não me deixa dormir!…
é “aquela” lembrança triste
do que deixou de existir!

Este amor que em mim fervilha,
quando estamos sempre a sós…
se for bem feita a partilha,
será eterno entre nós!

Eu me curvo ante os conselhos
que recebo todo dia,
quando dobro os meus joelhos
aos pés da Virgem Maria!

Mãe preta! teu negro seio
deu-me o mais puro sabor;
nele eu bebi sem receio
a eternidade do amor!

Minha renúncia…Quem sabe…
não seja a chave secreta,
de tudo quanto só cabe
na inspiração de um poeta!

Morre a tarde!…E ao fim do dia,
na imagem do sol poente,
há tintas de nostalgia
do fim da tarde da gente!

Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós…
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!

Ó cigarra destemida
o seu disfarce me encanta,
por não ter nada na vida
e ser feliz quando canta!

O que me faz tua ausência,
é causar-me pranto e dor.
Mas no amor há tanta essência,
que sou escravo do amor!

Pelas manhãs vou buscando
minha esperança perdida…
Há sempre um sonho vagando
nas alvoradas da vida!

Porteira velha, o gemido
desta dor que te corrói…
é o teu passado esquecido
que em teu presente inda dói!

Prazer é sentir os dedos
de nossas mãos artesãs
pintando os lindos segredos
das auroras das manhãs!

Quando a minha fé se esmera,
penso que tudo se alcança.
Por longa que seja a espera,
não perco nunca a esperança!

Quando a tarde veste o manto,
torna escura a luz do dia…
Saudade dói outro tanto
do tanto que já doía!

Quase seca…E a fonte insiste
em seu lamento de dor!
É o canto ficando triste
e a fonte jorrando amor!

Rasga o manto que te cobre,
mostra teu riso e esplendor.
Pois, a cortina mais nobre
não cobre um riso de amor!

Revendo entulhos e tacos,
na tapera dos meus sonhos,
chorei por ver tantos cacos
dos meus dias mais risonhos!

Sempre sozinha, aos farrapos,
mas de rosário na mão…
A fé tecida entre os trapos,
remendava a solidão!

Sinalizando o caminho,
do nauta na escuridão;
o farol velho, sozinho
é fantasma e solidão!

Solar dos dias risonhos,
morada da flor da idade!…
Foste o berço dos meus sonhos,
és meus sonhos de saudade!

Só o inverno enxuga o pranto
de uma seca no sertão…
pois, com chuva, em cada canto,
brota uma vida no chão!

Teu amor que me enternece,
que acaba todo meu pranto,
da sobra faço uma prece,
e ainda sobra outro tanto.

Toda tarde o passarinho
bate as asas, quando canta.
Quanto mais longe do ninho,
mais afinada a garganta!

Uma lágrima de orvalho
ao sol, mudando de cor,
depois que beijava o galho,
caía beijando a flor!

Velho sino, és sentinela,
a repetir sem maldade…
a dor da saudade dela,
na dor de minha saudade!

Fonte:
Trovas enviadas por Luis Carlos Simões Neto (PB)

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Prof. Garcia (27 Novembro 1946)


Francisco Garcia de Araújo (Prof. Garcia), filho de Lucas Araújo e de Helena Garcia de Araújo, nasceu na fazenda Acari, no Município de Malta-PB, em 27.11.1946.

Em 07.07.1959, foi para Caicó-RN na companhia do tio José Lucas de Barros, onde reside até hoje.

Licenciado em Letras, Bacharel em Direito pela UFPB e Pós-graduado em Teologia e Éticas Especiais, poeta, escritor e compositor, publicou em 1974 o livro TROVAS QUE SONHEI CANTAR.

Foi Bancário, Vereador e Secretário Municipal em Caicó-RN.

Lecionou Português, Francês, Inglês e Espanhol.

Presidente do Clube dos Trovadores do Seridó (CTS) e Delegado da UBT em Caicó-RN.

É sócio efetivo da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte e da União Brasileira de Trovadores, Sessão de Natal-RN.

Possui várias premiações em concursos de trovas e outras modalidades poéticas no Brasil e em Portugal.

Em vinte e seis anos de Radioamadorismo, já fez mais de 53 mil contatos internacionais, tendo colaborado em situações extremas para salvar vidas humanas.

Fonte:
Portal CEN

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Ademar Macedo (Homenagem ao Prof.. Garcia pela sua Data Natalícia)

ARGENTINA

Felicidades Francisco!
En este precioso dia.
Va mi beso en un ventisco
compartiendo tu alegria.
–LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI

CEARÁ

Garcia, meu professor,
rogo a Deus como ninguém,
que vivas, meu trovador,
bem mais que Matusalém!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA-

MINAS GERAIS

De muita festa e alegria
é de domingo o cenário,
pois nosso amigo Garcia
tem o seu aniversário!
–ALMIRA GUARACY REBÊLO–

Não podia ser diverso
a sina do bom Garcia:
o seu nome é quase um verso
e faz rima com poesia.
–OLYMPIO COUTINHO–

PARANÁ

Grande data para a Trova
é este alegre e belo dia.
Faz-se um brinde à idade nova
do amigo e mestre Garcia!
–A. A. DE ASSIS–

Importante é este dia
no Rio Grande do Norte.
Nasceu Professor Garcia,
poeta de grande porte!
–ALBERTO PACO–

Parabéns, nobre Garcia,
neste teu aniversário,
e que o bem da poesia
o conduza ao centenário!
–NEI GARCEZ–

RIO DE JANEIRO

Nas contas do meu rosário,
– onde guardo as amizades,
achei teu aniversário,
cheio de felicidades!….
–DIAMANTINO FERREIRA–

Para o Professor Garcia
uma abraço bem apertado,
desejando que o seu dia
seja muito abençoado.
–ESTER FIGUEIREDO–

Parabéns, caro colega,
grande Professor Garcia,
que a Rosa da Trova rega
com talento e simpatia!
–RENATO ALVES–

RIO GRANDE DO NORTE

Nasceu pra ser Trovador!
– Muitas rimas tem Garcia.
Todas nascidas do amor,
mas, uma é rica… Poesia!
–FRANCISCO MACEDO–

Meu Pai (Feliz Aniversário!!!)
–MARA MELINNI–

Pai, és meu farol, o meu guia
quando a estrada é longa e escura…
És a mão que me sustenta
se uma dor me desventura…
E, quando estou em perigo,
pelos teus passos, eu sigo
porque a trilha é mais segura.

Tantos anos, e eu me lembro
do teu colo e teu abraço…
da menina que brincava,
seguindo o pai, passo a passo…
Eu cresci, mas a lembrança
permanece na esperança
dos versos que agora eu faço.

Foram anos tão felizes
e, apesar de algum tormento,
juntos, sempre superamos
a dor de qualquer lamento,
Da nossa fé, todo dia,
Deus fez brotar como guia,
o melhor ensinamento.

Teu rosto jovem, eu lembro,
de uma aparência distinta…
E os cabelos sem as cores
que o tempo retrata e pinta…
Mas o grisalho que cresce,
e o branco que prevalece,
foi de Deus, a cor da tinta.

Ah, meu Pai, quantas lições
eu tenho que agradecer…
As mais simples que aprendi
enfeitam todo o meu ser…
Nenhuma tem mais valor
do que o exemplo de amor
que tu tens a oferecer!

RIO GRANDE DO SUL

A meu grande irmão Garcia,
neste seu aniversário
mando a alma em poesia,
como fora um relicário!
OLGA MARIA DIAS FERREIRA–

SANTA CATARINA

Grande mestre trovador,
parabéns pelo teu dia.
De Amizade és professor:
– Felicidades Garcia!!!
–ELIANA JIMENEZ–

Ao meu amigo Garcia,
desejo felicidade,
neste dia, que é seu dia,
mando um “beso” de amizade!
GISLAINE CANALES–

SÃO PAULO

Ao Mestre dos Trovadores,
grande Professor Garcia,
vão todos nossos louvores,
em especial no Seu Dia!
AMILTON MACIEL–

No correr do calendário,
tão cheio de vai-e-vens,
neste seu aniversário
tenha os nossos parabéns !!!
–COLAVITE E ROSELI–

Além de mestre, um poeta!..
esse é o professor Garcia!..
– que esteja sempre completa
sua taça de alegria!
–HÉRON PATRÍCIO–

Um ano a mais… uma festa!
Dentre as mensagens que tens,
na minha que é a mais modesta,
vai “um mar”… de Parabéns!
–DOROTHY JANSSON MORETTI–

Este professor louvado
ao bem-querer nos conduz…
E, seu verbo abençoado
surge em rajadas de luz !
–JOSÉ VALDEZ–


Fonte:
Textos recebidos e organizados por Ademar Macedo

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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 408) – Aniversário do Prof. Garcia

Uma Trova Nacional

Franciscos são pregadores
de lumes e boas novas…
Alguns, da fé, são pastores,
outros, pastoreiam Trovas.
–LISETE JOHNSON/RS –

Uma Trova Potiguar

27 de Novembro
é de festa, de alegria!
Pois é o natalício, lembro,
do nosso mestre Garcia.
–ROSA REGIS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 – Intersedes/RJ
Tema: IMAGEM – M/H

Morre a tarde!…E ao fim do dia,
na imagem do Sol poente,
há tintas de nostalgia
do fim da tarde da gente!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova de Ademar

Para o Professor Garcia
fiz em verso um dossiê;
para dizer neste dia…
Meus Parabéns Pra Você!!!
–ADEMAR MACEDO/RN–

…E Suas Trovas Ficaram

As coisas simples, modestas,
encerram saber profundo.
Nasceu, sem plumas e festas,
O Maior Homem do mundo!
–LUCY SOTHER ROCHA/MG–

Simplesmente Poesia

Parabéns ao Trovador!!!…
–ADEMAR MACEDO/RN–

Peço a Deus que me dê inspiração
pra que eu possa através desta poesia
mandar meus parabéns de coração
ao Professor e Trovador Garcia.
E em versos escrever na sua lousa
os parabéns também de sua esposa
a quem ele devota seus louvores;
e para este nosso irmão que tanto brilha
eu mando os parabéns de cada filha,
e um abraço de todos Trovadores!

Estrofe do Dia

Pra cantar, hoje tenho bom motivo:
vejo abertas as portas da poesia
na passagem dos anos de Garcia,
um poeta espontâneo e criativo…
Numa trova que passa por seu crivo,
ninguém mais acrescenta correção;
tem o dom de escrever e a inspiração
que desceram das mãos do Criador;
tem a lira de exímio trovador
e a beleza de um grande coração!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Soneto ao Professor Garcia
–DELCY CANALLES/RS–

Mês de novembro – Mostra o Calendário
que o dia vinte e sete é especial.
Nessa data, festeja o aniversário
um “vate-trovador” fenomenal!

É o “Professor Garcia”- biliardário
de inspiração, que o torna sem igual,
poeta de valor – humanitário,
parceiro disputado no virtual!

Tem filhas lindas: Ava, Eva e Mara,
e uma esposa querida – joia rara,
rainha desse lar, cheio de amor!

Por teu trabalho! Pelo que tu vales,
te abraça, com carinho, esta Canalles,
festejando o teu dia, professor!!!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

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Affonso Romano de Sant’Anna (O Cronista é um Escritor Crônico)


O primeiro texto que publiquei em jornal foi uma crônica. Devia ter eu lá uns 16 ou 17 anos. E aí fui tomando gosto. Dos jornais de Juiz de Fora, passei para os jornais e revistas de Belo Horizonte e depois para a imprensa do Rio e São Paulo. Fiz de tudo (ou quase tudo) em jornal: de repórter policial a crítico literário. Mas foi somente quando me chamaram para substituir Drummond no Jornal do Brasil, em 1984, que passei a fazer crônica sistematicamente. Virei um escritor crônico.

O que é um cronista?

Luís Fernando Veríssimo diz que o cronista é como uma galinha, bota seu ovo regularmente. Carlos Eduardo Novaes diz que crônicas são como laranjas, podem ser doces ou azedas e ser consumidas em gomos ou pedaços, na poltrona de casa ou espremidas na sala de aula.

Já andei dizendo que o cronista é um estilita. Não confundam, por enquanto, com estilista. Estilita era o santo que ficava anos e anos em cima de uma coluna, no deserto, meditando e pregando. São Simeão passou trinta anos assim, exposto ao sol e à chuva. Claro que de tanto purificar seu estilo diariamente o cronista estilita acaba virando um estilista.

O cronista é isso: fica pregando lá em cima de sua coluna no jornal. Por isto, há uma certa confusão entre colunista e cronista, assim como há outra confusão entre articulista e cronista. O articulista escreve textos expositivos e defende temas e idéias. O cronista é o mais livre dos redatores de um jornal. Ele pode ser subjetivo. Pode (e deve) falar na primeira pessoa sem envergonhar-se. Seu “eu”, como o do poeta, é um eu de utilidade pública.

Que tipo de crônica escrevo? De vários tipos. Conto casos, faço descrições, anoto momentos líricos, faço críticas sociais. Uma das funções da crônica é interferir no cotidiano. Claro que essas que interferem mais cruamente em assuntos momentosos tendem a perder sua atualidade quando publicadas em livro. Não tem importância. O cronista é crônico, ligado ao tempo, deve estar encharcado, doente de seu tempo e ao mesmo tempo pairar acima dele.

Fonte:
http://www.releituras.com/arsant_ocronista.asp

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Bruna Luizi Coletti (O Último Salto)


Ela fechou os olhos e ergueu os braços para o céu cinza, esperando a chuva chegar. Ficou daquele jeito por exatamente 3 minutos até sentir a primeira gota, e sorriu. Continuou sorrindo enquanto as gotas finas engrossavam, ensopando os cachos leves de seu cabelo e seu vestido azul. Tentou abrir os olhos, mas as gotas de chuva escorriam pelo seu rosto e caiam salgadas nos olhos, fazendo arder. Abaixou os braços para limpar o sal das gotas. Quando abriu os olhos, parecia que o céu tinha decido até ali junto com a chuva. Olhou pra baixo e fitou as ondas agitadas. Ela também estava agitada. Era tudo cinza e pesado a sua volta. O céu estava cinza e pesado, a chuva começava a ficar pesada, assim como seus cabelos encharcados e seu vestido azul. Pensou ter ouvido alguém gritar seu nome na tempestade, mas sabia que não. Ninguém poderia ter seguido ela até ali. Aspirou o ar bem fundo até inundar seus pulmões de ar. O cheiro da água salgada e chuva era delicioso. Soltou o ar e aspirou novamente. Ia sentir falta do cheiro salobre de mar. Soltou e aspirou mais uma vez, na esperança de prender aquele cheiro lá dentro.

Ouviu seu nome no vento mais uma vez. Não era sua imaginação. Olhou para trás e viu um borrão de luz em meio a torrente de água que caia do céu. Talvez alguém a tivesse seguido. O vento rugia em seus ouvidos, e a confusão de sons era grande.

Aspirou uma última vez, o máximo que pode, e saltou. Foi contra o impulso de fechar os olhos. Queria assistir os 20 metros da queda.

Segurou as barras do vestido que teimavam em subir com o vento.

A pele ficou dormente quando mergulhou nas águas geladas do oceano. Pelo frio e pela força do impacto. Com o choque acabou aspirando muita água salgada que ardeu na garganta. Já não via muita coisa lá em baixo. A água espumava ao seu redor, e os olhos também ardiam. No último segundo sentiu medo. Quis nadar de volta à superfície, quis viver.

Uma onda desavisada a arremessou contra o penhasco, e ela não viu mais nada.

Em questão de segundos a chuva lá em cima cessou, o ventou parou de rugir e as ondas se acalmaram. A natureza do penhasco fez seu minuto de silencio.

Lá de cima se via apenas o vestido azul entre as ondas vermelhas de sangue.

Então o vento voltou a soprar e as ondas se agitaram novamente. E as nuvens cinzas de chuva se distraíram por apenas um segundo, quando o sol aproveitou para lançar um raio de luz para iluminar as lágrimas de quem fora deixado para trás.

Fonte:
http://www.releituras.com/ne_brunalc_salto.asp

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Bruna Coletti (A Escritora em Xeque)


Bruna Luizi Coletti (1989) nasceu no interior do Paraná. Adepta à leitura desde muito cedo, começou a escrever poesia aos 10 anos de idade.
Na adolescência, passou a dedicar seus escritos a contos de ficção, terror e fantasia, fazendo muito sucesso no seu círculo de amigos e colegas da faculdade.
Autora de muitos contos, escritos, não tem, ainda, nenhum publicado. Atualmente vive no litoral catarinense, onde se dedica exclusivamente a escrever e melhorar suas histórias fantásticas.

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Conte a sua relação com a escrita
Justificar
Bruna | Desde pequena meus pais sempre foram bons leitores e me incentivaram muito por esse caminho. Aos 10 anos comecei a escrever poesias no colégio, e percebi que gostava de escrever e ser apreciada por isso, porém deixei esse hobby de lado após alguns meses. Aos 17, impulsionada pelos livros que lia e pelas músicas de metal pesado, voltei ao papel e caneta com histórias fantásticas e sanguinárias que fluíam facilmente. Desde então, nunca mais consegui segurar essa torrente de palavras, apenas moldando e aperfeiçoando o estilo da escrita, mas não desviando do foco do terror e do fantástico.

A escrita tem relação com sua profissão?

Bruna | É o que eu espero! Passei alguns anos escuros tentando me adaptar aos números, quando cursei bacharel em química. Mas de nada adiantou eu tentar refrear meus impulsos, e agora em 2010 inicio o curso de letras-português, e espero passar o resto da minha vida entre letras e palavras.

Qual é a sua rotina para escrever: desde quando, em qual hora do dia, com que frequência, como, onde etc. escreve?

Bruna | Sou uma criatura de hábitos noturnos. Escrevo e penso melhor entre a hora que o sol de põe até alguns minutos antes do nascer do sol. A frequência e local são independentes, desde que os solos de guitarra e as passagens de bateria possam ser os únicos sons ao meu redor. A música é a minha melhor companheira de aventuras literárias.

Quais são seus escritores favoritos?

Bruna | Stephen King sempre será meu maior ídolo e fonte de inspiração. A versatilidade dele me impressiona, e as descrições de personagens e ambientes é fantástica. Cada passagem de suas histórias posso ver em minha mente com todas as cores.
Machado de Assis, na fase realista. É impressionante como alguém pode analisar e transpassar no papel tão bem o caráter (e a falta do mesmo).

Sobre esse seu conto: como foi o processo de escrita? (Como você escreve, se estrutura todo o conto antes de escrever, quanto tempo leva, se reescreve, se pede para amigos lerem etc.)

Bruna | Esse foi o primeiro conto que eu escrevi nessa linha de ficção/terror. Foi algo extremamente novo, e surgiu a partir da imagem da janela com a árvore seca. Essa tela se formou na minha mente, e aos poucos todo o quadro foi se pintando em torno disso, com o sangue, o canibalismo e a imagem translúcida e atormentada da órfã solitária. Só deu tempo de pensar “preciso escrever isso!”. Era no meio da tarde e eu trabalhava como operadora de caixa numa loja de confecção. Me apossei do Word 98 do computador do crediário e bati as duas folhas com uma fúria inimaginável. A história fluiu assim, do começo ao fim sem pausas. O título foi mudado inúmeras vezes, e até hoje não me contento com ele! Mas foi assim que ficou conhecida, e café da manhã no inferno foi o conto que abriu meus olhos pra esse novo hobby, que hoje é uma das minhas maiores fontes de prazer!

O que é mais importante: ter uma ideia inovadora ou um desenvolvimento bem trabalhado?

Bruna | É uma amálgama dessas duas coisas. Uma ideia ruim dificilmente pode valer a pena, mesmo muito bem trabalhada. E uma ideia boa perde o brilho quando não é bem elaborada.

Para você, o que é qualidade na obra literária? Como você avalia o que você escreve? Você relê e reescreve a primeira versão de seu texto?

Bruna | Antes de observar a estrutura da escrita, a primeira coisa que observo é o enredo. A história precisa prender, deixar aquele gostinho de “e agora?”. Os personagens devem ser marcantes, as frases precisam ter impacto. As ações devem correr naturalmente, e as coisas devem ser sentidas como uma bofetada na cara do leitor. Nada é mais pedante do que ler algumas linhas e já deduzir toda a história. A surpresa é o melhor tempero para um bom conto. Depois analiso a estrutura geral do texto.

De sua experiência com a escrita, qual foi a lição mais valiosa que aprendeu?

Bruna | Não existe nada melhor do que um leitor critico e anônimo. As maiores melhorias que eu tive na minha forma de escrever foi ouvindo atentamente as análises de pessoas desconhecidas que leram os meus contos na internet. Porque amigos e parentes sempre vão ver seus pequenos deslizes literários com olhos condescendente, mas o desconhecido não terá medo de te aplaudir com eloquência ou vaiar furiosamente. E é aí que você percebe vícios de escrita ou furos que, quando corrigidos, deixam a leitura muito mais agradável.

Acho que é isso pessoal! Muito obrigada pela oportunidade maravilhosa de poder divulgar um pouquinho o meu trabalho! Bons pesadelos a todos, e espero continuar fazendo meus leitores dormirem de luz acesa por muito tempo!
Bruna Coletti.

Fonte:
http://www.literal.com.br/artigos/entrevista-com-bruna-coletti

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Beatriz Abuchaim (A Moradora do Quinhentos e Três)


Ela era miúda, clara e parecia exausta. Não era uma preguiça de se arrastar entre uma tarefa e outra, e sim a expressão do esgotamento de alguém que tem sempre um problema urgente a resolver. Os traços delicados se desfiguravam com as sobrancelhas erguidas. A própria existência das coisas tinha para ela uma gravidade aguda. Segurava as juntas dos dedos umas contra as outras. A voz lhe escapava ansiosa, formando parábolas de sons, altos e baixos, baixos e altos. As mãos permaneciam contraídas, repousadas por sobre o vestido comprido. Só poderia se chamar Marieta. Parecia uma senhora, mesmo sendo um pouco mais jovem do que eu. Ela tinha uns trinta e cinco anos, no máximo quarenta. A gravidez evidente, a pele lisa ao redor dos olhos e o cabelo loiro, sem fios brancos nem tintura destoavam dos suspiros abortados, dos móveis cor de mogno e das feições endurecidas.

A sala de sua casa evocava o consultório de um dentista, antes da consulta. Todos os objetos estavam livres de bactérias. Imaginei-a despendendo uma tarde inteira para decidir a posição da réplica de “As meninas”, do Renoir. Uma vez ali, o quadro permaneceria imóvel, condenado ao encaixe perfeito do prego e a ausência de pó. Havia duas almofadas por sofá e uma por poltrona, fazendo um contraponto de cores: almofada verde no sofá marrom, almofada bege na poltrona verde. Os guardanapos de crochê esticados nas mesas. Ainda se confeccionam peças desse tipo, lembrei. Toalhas feitas à mão existiam para mim apenas nas tardes da infância, sustentando a compoteira com a ambrosia da vovó. Na casa de Marieta, os copos brilhavam, dentro da cristaleira, em filas regulares. Um exército sem camuflagem.

Fui convidada a sentar. Tive receio de estragar alguma coisa. Fiquei constrangida com minha própria figura: as pernas longas, o jeans desbotado, as unhas por fazer, o leve odor de nicotina. Me senti acomodada em uma mesa para crianças de pré-escola. Eu era imensa para estar ali. Tenho uma sensação de desconforto quando converso com uma pessoa que fala de modo correto o português, usando todos os erres e esses, conjugando com naturalidade os verbos, jamais se permitindo errar uma concordância. Cada frase proferida com essa minha língua de todos os dias parece uma ofensa. Frente a Marieta, mesmo o meu gesto mais educado seria falta de tato. Ela me observava bem de perto, não lhe escapava nada.

Cruzei as botas de bico fino, joguei os cabelos mechados para trás e deixei que ela me julgasse. Nada falei. Escutei as suas tentativas de conter a cólera. Marieta é o tipo da mulher que fica irritada com sua própria fúria. Me diverti vendo suas faces ruborizadas ao comentar sobre os ruídos no sábado à noite. Suas mãos se descruzaram e massagearam a cervical. Ela afirmava que aquela não era a minha primeira “festinha”. Marieta estava certa de que eu entenderia sua reclamação. Dali a alguns meses, o nascimento do bebê. Ela apenas desejava que eu cumprisse o regulamento do condomínio. Nem quisera falar com o síndico para não me deixar desconfortável. Será que ela não percebia que nada poderia ser mais impróprio do que aquele convite para visitá-la, feito a olhos baixos no elevador?

Morava há cinco anos em cima de Marieta e as duas únicas festas que dera, foram catalogadas por ela. Me sabia inocente de suas acusações de má vizinhança. Fiquei lembrando das noites com o Afonso. Ela teria escutado nossas carências após duas ou três garrafas de vinho? Marieta com seu maridinho, que penteia os cabelos para trás com gel em excesso e diz “pois não” ao abrir a porta do prédio para mim, incomodados com as farras do piso superior, do apartamento daquela mulher meio solteira, meio atriz, meio deprimida, que sempre esquece de pegar o jornal de domingo.

Separadas por alguns metros de concreto, vivíamos em estados de matéria distintos, eu tão líquida, ela tão sólida. Eu escorria pelas paredes de seu apartamento. Nada de festas, eu disse, mesmo não sabendo se cumpriria a promessa. Já na porta, pronta para voltar ao meu mar revolto, passei a mão na barriga de Marieta. Perguntei o nome do bebê. Por um instante ela descansou. O rosto se descontraiu, ganhou as feições de alguém que chega em casa ao final do dia e tira os sapatos. Me senti composta da mesma água que ela. Meus dedos firmaram junto ao seu ventre. “Getúlio”, ela me disse. Nome de velho, eu pensei, ao me despedir.

Fonte:
Projeto Releituras

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Beatriz Abuchaim (1975)


Beatriz Abuchaim nasceu em Porto Alegre, em 1975.

É psicóloga, especialista em psicologia nos processos educacionais e mestre em educação (todos os cursos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

Trabalha como psicoterapeuta em consultório particular, tendo feito formação em psicoterapia psicanalítica no Instituto Abuchaim, onde atualmente é professora e supervisora. Freqüentou as oficinas de criação literária de Charles Kiefer e de Luis Antonio de Assis Brasil.

Participou das antologias de contos “Histórias de Quinta”, “Brevíssimos” (Editora Bestiário), “101 que contam” e “Oficina 36” (Nova Prova Editora).

“Habitantes de corpos estranhos” (antologia de contos para adolescentes) é seu primeiro livro-solo, publicado em 2008, pela Editora Projeto.

Fonte:
Projeto Releituras

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Dagmar Braga (Poesias Avulsas)

CONSTRUÇÃO

Lanhada a pedra,
faço-me fio,
partilho, rasgo
entranha e estranho.

Quebrado o leme,
desoriento,
acolho vento,
maré e abismo.

Cavado o poço,
torno-me água,
mão retorcida,
lisura e barro.

Feito o silêncio,
lasso a palavra –
gume sequioso
de outra navalha.

PAISAGEM URBANA

no farol
estilhaço de vidro
fragmento de prisma
cinabre viscosidade

e um sonho coagulado em nossa retina

INFINITUDE

Ao derredor do tempo
(sorvo de luz e sombra)
o labirinto assoma

Não há porta que se abra
nem sina que nos sustente

O desafio
é a tessitura e o fio

Não há rastro ou memória
na solidão do exílio

Tudo — a um só tempo —
é pressentimento /
origem
tédio / espelho

Secreto e imenso — sempre —
o meu e o teu delírio.

PROSCRITOS

no exílio da manhã
o desamparo
a dois

quando cruzamos
olhares
urbanos desvalidos

forçado o esquecimento
banido o verbo

embora o corpo
estirado
de prazer e fúria

MADRUGADA

quando em silêncio arde o desespero
teu rosto assoma

tua mão acolhe o fogo e me desata
o descompasso

o dia serpenteia na garganta
um poema grita
germinando luz

Fonte:
Antonio Miranda

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Arquivado em A Poetisa no Papel, Minas Gerais, Poesias, Poesias Avulsas