–
WALNEIDE F. S.GUEDES
–
Trova, essa doce magia,
faz o que o poeta quer,
levando sua alquimia
aonde o leitor estiver.
============================
Uma Trova sobre a Ecologia, de Belo Horizonte/MG
–
ARLINDO TADEU HAGEN
–
Pela imagem desolada
que, após o incêndio, nos resta,
as luzes de uma queimada
são as trevas da floresta!
============================
Uma Trova do Izo
–
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS 1932 – 2013 São Paulo/SP
–
Perdoa, amor, o meu jeito
de te olhar quando te vejo,
teu olhar me diz… Respeito!,
meu olhar te diz… Desejo!…
============================
Uma Trova Lírica/ Filosófica de Porto Alegre/RS
–
DELCY CANALLES
–
Há muita gente com fome
e há tanta riqueza em mim!
Amazônia é o meu nome.
Por favor, cuidem de mim!
============================
Uma Trova Humorística, de Juiz de Fora/MG
–
MESSIAS DA ROCHA
–
No boteco do Zé Galo
tanto a sujeira se agrupa
que servem bife à cavalo
com mosquito na garupa.
============================
Uma Trova do Ademar
–
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN 1951 – 2013 Natal/RN
–
Lágrimas, fuga das águas
por um riacho inclemente
que numa enchente de mágoas
inunda o rosto da gente!
============================
Uma Trova Hispânica, da Venezuela
–
HILDEBRANDO RODRÍGUEZ
–
Sigo llamando al amor
para que acabe su ausencia;
con su luz y resplandor
alumbrará mi presencia.
============================
Uma Trova sobre Respeito, de São Paulo/SP
–
MARTA MARIA DE O. PAES DE BARROS
–
Quem, gritando, impõe respeito
e se julga um grão senhor,
não vê que impõe, deste jeito,
não respeito e sim, temor…
============================
Trovadores que deixaram Saudades
–
FAGUNDES VARELA
Rio Claro/RJ (1841 – 1875) Niterói/RJ
–
A mais tremenda das armas,
bem pior que a durindana,
atentai, meus bons amigos…
se apelida: – a língua humana!
============================
Uma Trova do Príncipe dos Trovadores
–
LUIZ OTÁVIO
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ 1916 -1977 Santos/SP
–
Não digo não: “minha” Trova
quando faço um verso novo:
– não é minha e nem é nova
quando cai na alma do povo…
============================
Um Haicai de São Paulo/SP
–
JEFFERSON HENRIQUE MODESTO
–
Vovô na varanda
Só tem um pensamento –
Mais uma geada!
============================
Uma Trova da Rainha dos Trovadores
–
LILINHA FERNANDES
(Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva)
Rio de Janeiro 1891 – 1981
–
Meu amor foi acabando …
Mas a saudade chegou:
chuva boa refrescando
o chão que o sol causticou.
============================
O Universo de Leminski
–
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
–
madrugada bar aberto
deve haver algum engano
por perto
============================
O Universo das Glosas de Gislaine
–
GISLAINE CANALES
Porto Alegre/RS
–
Glosando Amália Max
SE ME DEIXAS…
MOTE:
SE ME DEIXAS POR VONTADE…
SE VAIS PARA NÃO VOLTAR…
O QUE É QUE EU DIGO À SAUDADE
QUANDO AMANHÃ ACORDAR?
GLOSA
SE ME DEIXAS POR VONTADE…
se amar-me, não podes mais,
sofrerei muito, é verdade.
Não te perdoarei jamais!
Se vais pra longe de mim,
SE VAIS PARA NÃO VOLTAR…
eu já prevejo o meu fim:
chorar… chorar e chorar…
E nessa minha orfandade
de amor, carinho e ternura,
O QUE É QUE EU DIGO À SAUDADE
nesta minha desventura?
Poderei sobreviver
sem fitar teu lindo olhar,
ou sem ele vou morrer
QUANDO AMANHÃ ACORDAR?
============================
Uma Trova do Rei dos Trovadores
–
ADELMAR TAVARES
Recife/PE 1888 – 1963 Rio de Janeiro/RJ
–
A Ventura que hei buscado
pela Vida, sempre em vão,
que vezes não tem passado
à altura de minha mão! …
============================
O Universo do Haicai de Seabra
–
CARLOS SEABRA
(São Paulo/SP)
–
folhas no quintal
dançam ao vento
com as roupas do varal
============================
O Universo Poético de Emilio
–
EMÍLIO DE MENESES
(Emílio Nunes Correia de Meneses)
Curitiba/PR (1816– 1918)
–
Matina
–
Noite! Cesse o teu ar imoto e quedo!
Quero manhã! todos os sons que vazas!
Fujam do ninho ao lépido segredo
Todas as bulhas de reflantes asas.
Sol! tu que a terra fecundando a abrasas.
Desce da aurora em raio doce e a medo,
Todas as luzes travessando o enredo
Diáfano e leve das nevoentas gazas.
Telas festivas deslumbrai-me a vista!
Cantos alegres desferi-me em roda
Em toda a luz, em todo o som que exista.
E a natureza toda em harmonia,
Iluminada a natureza toda,
Surja gloriosa no raiar do dia.
============================
O Universo Poético de Sardenberg
–
ANTONIO MANOEL ABREU SARDERNBERG
São Fidélis/RJ (1947)
–
Andarilho
–
Sou andarilho da vida!
Enfrentando chuva e vento,
Eu sempre estou de partida –
Não gosto de despedida,
Meu teto é o firmamento…
Minha bagagem é a esperança,
A paz o meu alimento,
No embornal levo a lembrança
Do meu tempo de criança
Que não sai do pensamento.
No peito levo a saudade
Daquele abraço apertado,
Daquele sonho dourado
Que virou realidade…
No coração a certeza
De ter trilhado o caminho
Que me ensinou a entender:
É só pisando em espinho
Que o homem aprende a viver.
============================
O Universo Poético de Cecília
–
CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio de Janeiro/RJ (1901 – 1964) Rio de Janeiro/RJ
–
Retrato
–
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?
============================
O Universo Melódico de Assumpção
–
MARCOS ASSUMPÇÃO
(Marcos André Caridade de Assumpção)
Niterói/RJ
–
Eu sou o rei da floresta ,
Tenho a coragem nas mãos
Não temo trovão, trovoada,
Injeção, confusão,
Nem estouro da manada
Eu sou o rei da floresta
Amigo presta atenção,
Eu sou o rei leão
Eu sou o rei da floresta
Não tenho medo nem de avião
Sou mais valente que qualquer
Mocinho, ou herói
De filme de caubói
Agora lá no meio da floresta
Tá na hora da festa
da coroação.
Coragem é o que não me falta
Eu sou o mais valente dos animais
Enfrento o inimigo, não conheço o que é perigo
Todos me temem, eu sou demais
Eu sou o rei da floresta
Tenho a coragem nas mãos
Agora lá no meio da floresta
Tá na hora da festa
da coroação
============================
O Universo Haicaista de Guilherme
–
GUILHERME DE ALMEIDA
(Guilherme de Andrade de Almeida)
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP
–
Pacaembu
–
Chuva e sol. Repara
nas giestas atrás das frestas
das persianas claras.
============================
O Universo Sonetista de Alma
–
ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)
–
Viver, pensar
–
Viver é duro ao se pensar a Vida,
Melhor é não pensá-la e vivê-la.
Mas se não pensada é pura lida
É preciso parar para bem vê-la.
Mas se paramos começamos a pensar
E enxergamos pois o lado escuro
Que é a face da Morte a assombrar
Quanto mais do pensar se faz apuro.
Báh! Pensar e não pensar é impossível
Viver em plenitude é doloroso
Mas não querer sofrer é desprezível.
Pois se não vivemos, só pensamos,
Um gosto fica, assim, meio travoso
De não saber pra quê na Vida estamos…
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Uma Poesia de Belo Horizonte/MG
–
ANTONIO AGOSTINHO GOMES DE QUEIRÓS
–
Desenho
–
Finda-se o dia.
Linda! abre-se a noite estrelada.
Brisa perfumada passeia pela prata;
Profetisa a chegada da primavera.
Homens jogam damas;
Consomem o tempo desfiando tramas.
Moles mulheres tricotam mazelas;
Reles fiapos do dia.
Vida tal qual tartaruga;
Lida enfadonha, cansativa.
Qual sentido tem essa vida;
Tal não fosse acreditá -la?
Cidade pequena… sem muitas ambições;
Felicidade aqui ‚ um arco-íris.
Desconhece as tramas dos grandes centros;
Acontece, somente!
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O Universo de Francisca
–
FRANCISCA JÚLIA
1871, Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP – 1920, São Paulo/SP)
–
A um Artista
–
Mergulha o teu olhar de fino colarista
No azul: medita um pouco, e escreve; um nada quase:
Um trecho só de prosa, uma estrofe, uma frase
Que patenteie a mão de um requintado artista.
Escreve! Molha a pena, o leve estilo enrista!
Pinta um canto do céu, uma nuvem de gaze
Solta, brilhante ao sol; e que a alma se te vaze
Na cópia dessa luz que nos deslumbra a vista.
Escreve!… Um céu ostenta o matiz da celagem
Onde erra o sol, moroso, entre vapores brancos,
Irisando, ao de leve, o verde da paisagem…
Uma ave banha ao sol o esplêndido plumacho…
Num recanto de bosque, a lamber os barrancos,
Espumeja em cachões uma cachoeira embaixo…
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Velhas Lengalengas e Rimas do Arco-da-Velha Portuguesas
–
À MORTE NINGUÉM ESCAPA
–
À morte ninguém escapa,
Nem o rei, nem o papa,
Mas escapo eu.
Compro uma panela,
Custa-me um vintém,
Meto-me dentro dela
E tapo-me muito bem,
Então a morte passa e diz:
– Truz, truz! Quem está ali?
– Aqui, aqui não está ninguém.
– Adeus meus senhores,
Passem muito bem
–
http://luso-livros.net/
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O Universo Poético de Quintana
–
MARIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994)
–
Alma errada
–
Há coisas que a minha alma, já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há… e quem é que hoje faz questão de virgindades…
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda.
(Desconfio até que minha pobre alma fora destinada
ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…
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O Universo de Pessoa
–
FERNANDO PESSOA
(Fernando António Nogueira Pessoa)
Lisboa/Portugal 1888 – 1935
–
A terra é sem vida, e nada
Vive mais que o coração…
E envolve-te a terra fria
E a minha saudade não!
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O Universo Poético de Vinicius
–
VINICIUS DE MORAES
(Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes)
Rio de Janeiro (1913 – 1980)
–
Balada da Praia do Vidigal
–
A lua foi companheira
Na Praia do Vidigal
Não surgiu, mas mesmo oculta
Nos recordou seu luar
Teu ventre de maré cheia
Vinha em ondas me puxar
Eram-me os dedos de areia
Eram-te os lábios de sal.
Na sombra que ali se inclina
Do rochedo em miramar
Eu soube te amar, menina
Na praia do Vidigal…
Havia tanto silêncio
Que para o desencantar
Nem meus clamores de vento
Nem teus soluços de água.
Minhas mãos te confundiam
Com a fria areia molhada
Vencendo as mãos dos alísios
Nas ondas da tua saia.
Meus olhos baços de brumas
Junto aos teus olhos de alga
Viam-te envolta de espumas
Como a menina afogada.
E que doçura entregar-me
Àquela mole de peixes
Cegando-te o olhar vazio
Com meu cardume de beijos!
Muito lutamos, menina
Naquele pego selvagem
Entre areias assassinas
Junto ao rochedo da margem.
Três vezes submergiste
Três vezes voltaste à flor
E te afogaras não fossem
As redes do meu amor.
Quando voltamos, a noite
Parecia em tua face
Tinhas vento em teus cabelos
Gotas d’água em tua carne.
No verde lençol da areia
Um marco ficou cravado
Moldando a forma de um corpo
No meio da cruz de uns braços.
Talvez que o marco, criança
Já o tenha lavado o mar
Mas nunca leva a lembrança
Daquela noite de amores
Na Praia do Vidigal.
============================
Uma Poesia de Portugal
–
ANTERO DE QUENTAL
–
No turbilhão
–
A Jaime Batalha Reis
No meu sonho desfilam as visões,
Espectros dos meus próprios pensamentos,
Como um bando levado pelos ventos,
arrebatado em vastos turbilhões…
Num espiral, de estranhas contorções,
E donde saem gritos e lamentos,
Vejo-os passar, em grupos nevoentos,
Distingo-lhes, a espaços, as feições…
– Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,
Que me fitais com formidável calma,
Levados na onda turva do escarcéu,
Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?
Quem sois, visões misérrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!…
============================
O Universo de Auta
–
Auta de Souza
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN
–
Prece
–
Ó Santa estremecida,
Formosa e Imaculada!
Estrela abençoada
Do Céu de minha vida!
Rainha casta e Santa
Das virgens do Senhor,
Eterno resplendor
Que o mundo inteiro encanta.
Tu és minha alegria.
Meu único sorriso,
Ó flor do Paraíso,
Angélica Maria!
Ai! quantas vezes, quantas!
A minha fronte inclina
Orando a ti divina,
Ó Santa entre as mais santas!
Ó virgem tão serena!
Tu és meu sonho doce,
Perfume que evolou-se
De um seio de Açucena!
Amada criatura,
Lança-me estremecido
O teu olhar ungido
De imaculada doçura!
Ó Arco da Aliança,
Celeste e branco lírio,
Salva-me do martírio,
Senhora da bonança!
Envolve no teu véu
A minha triste sorte,
E mostra-me na morte
A porta de teu Céu!
============================
O Universo Triverso de Millôr
–
MILLÔR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
Rio de Janeiro (1923 – 2012)
–
Passeio aflito;
Tantos amigos
Já granito.
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O Universo de J. G.
–
J.G. DE ARAÚJO JORGE
(Jorge Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC 1914 – 1987 Rio de Janeiro/RJ
–
Amor: Positivo
–
A gente sabe que é amor, quando de repente encontra
razões para perdoar o que nunca se perdoou,
quando os mais duros pensamentos são palavras de ternura
fora da boca
– a gente sente, sente
mas não pensa…
Que o diga o meu coração, que deseja ofender-te
e transforma em poesia a minha mágoa imensa.
============================
Um Soneto
–
HAROLDO SIQUEIRA
–
Sinto Saudade
–
Sinto saudade de tomar-te aos braços
E dizer-te palavras de carinho.
Sinto saudade, agora que sozinho,
Não tenho mais teus beijos, teus abraços.
Sinto saudade de estar preso aos laços
Dessa tua amizade e do “charminho”
Com que mantinhas vivo o nosso ninho
De amor… Do qual não restam nem os traços.
Apesar de saber que não me amavas,
O meu amor bastava: – Isso pensei…
E, então mandei o pessimismo “às favas”
E fui viver o sonho que sonhei.
-Como redondamente me enganei !
Era só a saudade, o que “plantavas”
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O Universo do Martelo Agalopado de Prof. Garcia
–
PROF. GARCIA
(Francisco Garcia de Araújo)
Caicó/RN (1946)
–
Quando escuto o bramido da procela
e os gemidos do mar, quando se alteia,
eu respeito o furor da maré cheia
e a bravura do mar que se encapela.
Fica mais perigoso o barco à vela
do que a nossa chalana pantaneira,
que é mais leve, mais dócil, mais faceira,
onde as ondas são todas pequeninas,
me lembrando as canoas nordestinas
sossegadas na paz da ribanceira!
============================
O Universo Poético de Lúcia Constantino
–
LÚCIA CONSTANTINO
(Maria Lúcia Siqueira)
Curitiba/PR
–
Quando Ainda Era Dia…
–
(a minha mãe Hilda, in memoriam)
–
Quando ainda era dia
e as nuvens passeavam no céu,
eu ouvia tua palavra,
por mais cansada que estivesses.
Estavas ali com teu coração,
então minha angústia se calava
porque a tua palavra era prece.
Quando ainda era dia
mas a chuva desmanchava meus sonhos
sempre estavas ali
carregando em teu colo não os teus,
mas os meus abandonos.
Quando ainda era dia
e meu olhar parava nas distâncias
fitando o nada do horizonte
inocentemente me perguntavas
– O que estás vendo tão longe?
Depois a noite desceu
sobre os nossos jardins,
sobre os teus canteiros,
as tuas hortaliças.
O galo não mais cantou.
Os espinhos sorriram pra mim.
A alegria me perdeu de vista.
Aninhou-se no mais alto da árvore
um pássaro chorando na tarde.
E os anjos te envolveram no ocaso
de tua própria luz
como Verônica envolveu em seu braços
o lenço que roçou o rosto de Jesus.
============================
Uma Poesia Além Fronteiras
–
EMILY DICKINSON
Estados Unidos (1830 – 1886)
–
A Dor Tem um Elemento de Vazio
–
A Dor – tem um Elemento de Vazio –
Não se consegue lembrar
De quando começou – ou se houve
Um tempo em que não existiu –
Não tem Futuro – para lá de si própria –
O seu Infinito contém
O seu Passado – iluminado para aperceber
Novas Épocas – de Dor.
(Tradução de Nuno Júdice)
============================
O Universo de Adélia
–
ADÉLIA PRADO
(Adélia Luzia Prado Freitas)
Divinópolis/MG (1935)
–
Explicação de Poesia Sem Ninguém Pedir
–
Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.
============================
O Universo Poético de Bilac
–
Olavo Bilac
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
Rio de Janeiro/RJ (1865 – 1918)
–
Justiça
–
Chega à casa, chorando, o Oscar. Abraça
Em prantos a Mamãe.
“Que foi, meu filho?”
—“Sucedeu-me, Mamãe, uma desgraça!
Outros, no meu colégio, com mais brilho,
Tiveram prêmios, livros e medalhas…
Só eu não tive nada!”
—“Mas porque não trabalhas?
Porque é que, a uma existência dedicada
Ao trabalho e ao estudo,
Preferes os passeios ociosos?
Os outros, filho, mais estudiosos,
Pelas suas lições desprezam tudo…
Pois querias então que, vadiando,
Os outros humilhasses,
E que, os melhores prêmios conquistando,
Mais que os outros brilhasses?
Para outra vez, ao teu prazer prefere
O estudo! e o prêmio alcançarás sem custo:
E aprende: mesmo quando isso te fere,
É preciso ser justo!”
============================
O Universo de Carlos Drummond de Andrade
–
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG (1902 – 1987) Rio de Janeiro/RJ
–
Nomes
–
As bestas chamam-se Andorinha, Neblina
ou Baronesa, Marquesa, Princesa.
Esta é Sereia.
aquela. Pelintra,
e tem a bela Estrela.
Relógio, Soberbo e Lambari são burros.
O cavalo, simplesmente Majestade.
O boi Besouro.
outro. Beija-flor
e Pintassilgo, Camarão,
Tem mesmo o boi chamado Labirinto.
Ciganinha, esta vaca; outra. Redonda.
Assim pastam os nomes pelo campo,
ligados à criação. Todo animal
é mágico.
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UniVersos Melodicos
–
Alcir Pires Vermelho e Lamartine Babo
–
ALMA DOS VIOLINOS
(valsa, 1942)
–
Sinto n’alma um violino
Um violino que acompanha
O meu triste adeus
Que vai por trás de uma montanha
Montanha pequenina
Diante dos olhos meus
Meus olhos tão imensos
Oh! Perguntem aos lenços
Quando dizem adeus
Sinto n’alma um violino
Um violino tão sonoro
Que acompanha melodias
Quando eu canto e choro
Eu choro porque os risos
Dei ao meu amor
Meu grande amor
Nestas valsas que eu componho
Vive o meu sonho
============================
Uma Cantiga Infantil de Roda
–
ANDA À RODA
–
É uma roda de crianças e uma no meio. A menina do centro canta:
Anda à roda }
Porque quero }
Porque quero }
Me casar } bis
A roda responde:
Escolhei nesta roda
A quem mais vos agradar,
A quem mais vos agradar.
A criança do meio:
Não me serve, não me agrada,
Só a ti, a ti hei de querer,
Só a ti hei de querer.
A escolhida passa a ser a do centro na vez seguinte. E assim por diante.
Fonte:
Veríssimo de Melo. Rondas infantis brasileiras. São Paulo: Departamento de Cultura, 1953.
============================
O Universo Poético de Feitosa
–
SOARES FEITOSA
(Francisco José Soares Feitosa)
Ipu/CE (1944)
–
Adolescíamos
–
Esta névoa do chocolate
quente;
muito mais, Ela
do que a filha do circo,
bonita:
era um dia, domingo e suas vestes,
enquanto as nossas mães conversavam,
nós nos recostávamos à máquina de costura,
Singer, a velha máquina – se não tínhamos um piano;
quando me dei conta, suavemente eu lhe olhava os cabelos,
que também lhe olhava
rapidamente os olhos calmos.
Se algum gesto foi feito à tesoura
era apenas um disfarce:
nada haveria de nenhum corte.
E se confundem todas as luzes
numa névoa fina
de xícara e cálice:
Mirtes,
adolescíamos.
=====================================
O Universo Poético de Du Bois
–
PEDRO DU BOIS
Itapema/SC (1947)
–
Esgotar
–
Esgotado em gestos
na imobilidade da tela repintada
em cenas: o modelo
imobilizado no olho
do pintor
na mão do escultor
no obturador fotográfico.
O gesto desnecessário
do corpo em aceno de adeuses
e até logo.
==========================
O Universo Acróstico de Motta
–
SILVIA MOTTA
(Silvia de Lourdes Araujo Motta)
Belo Horizonte/MG (1951)
–
Quando o Amor Apaga a Chama
Acróstico sob encomenda Nº 5116
–
Q-Quantas vezes fiquei a observar pares…
U-Um casal fica sempre agarradinho
A-Aos olhares estranhos nos bares;
N-Não se intimidam com o risinho!
D-De outras vezes, no Restaurante
O-O casal calado lê o cardápio;
–
O-O garçon entende o tom sussurante:
–
A-Às vezes nem se olham nos olhos…
M-Muitos pagam a conta,sem nada falar!
O-Outros jovens, em grupo flutuante
R-Religam e ligam celulares, sem parar!
–
P-Palavras não falam, mas bebem!
E-Entre os casais, clássicos amantes,
R-Retribuem beijos, dançam e riem…
D-Dia seguinte, trocam seus pares,
E-E novos amores querem provar!
–
A-A chama do AMOR quando
–
C-Consegue ser apagada, não
A-Há fósforo, nem guindaste,
–
C-Capaz de avivar o amor ardente
H-Humano, nem isqueiro ou pranto,
A-Angústia ou reclamação:
M-Morta a chama, torna-se cinza,
A-As brasas com água tornam-se carvão.
========================
O Universo Poético de Ordones
–
RAQUEL ORDONES
Uberlândia/MG
–
É fato
–
E quando aparece o sol, logo me esquento
E na pele acendo o que o coração já sente
Num deleite de vida quase não me agüento
Tapo-me a visão, mas tudo ela compreende.
Deito junto às lembranças de mim, reprises
Minh’alma se espreguiça: presente, passado
Vejo saudade que me chama sob marquises
Fazendo com que o meu céu seja estrelado.
E o ato triste entra em cena, não convidado
Pois é condimento que vem o belo aquilatar
Inda deitada sinto um Deus tudo “aquarelar”.
Abro os olhos… E tudo ao meu redor é fato
Vejo uma felicidade que sobressai a tristeza
As oportunidades me instigam sobre a mesa.
===================
O Universo Poético de Ialmar
–
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS
–
O Jogador de Bocha
–
Cancha do jogo de bocha
transformada em tradição,
onde encontro a diversão
para as horas de lazer,
eu não posso te esquecer
e te trago na lembrança
desde quando fui criança
e começava a entender.
Pois até sinto saudade
das façanhas que eu fazia,
quando no braço soerguia
uma bocha e arremessava
num estilo de tuxava
que desfere com certeza,
a boleadeira na presa
e uma clavada na tava.
E mesmo jogando a ponto
sempre fazia por mim,
pois colava no bolim
uma riga ou uma lisa
e como quem não precisa
de seguir por mão alheia,
não provocava peleia:
que briga não dá camisa.
Por estes pagos então,
neste jogo de campanha,
dono de muita façanha,
era muito respeitado,
porque dentro do tablado
que neste verso retrato
jogava até por barato,
nunca apostava fiado.
Outro princípio que trago
desde os tempos de piazote:
quem se atira de garrote
contra touro colmilhudo
e de chifre pontiagudo,
nunca consegue vantagem,
mesmo que tenha coragem
acaba perdendo tudo.
Mas até por passatempo
a bocha tem muita graça,
por um copo de cachaça
ou um maço de cigarro,
que o guasca feito de barro
nesta terra se apresilha
ao moirão de coronilha
do velho pago bizarro.
Hoje os recuerdos me trazem
grandes partidas de bocha
e como uma acesa tocha
certa doença me invade,
queimando barbaridade
no peito meu coração,
quero voltar ao rincão
onde me leva a saudade!
E numa sombra campeira
reviver meu jogo antigo;
e se outra coisa não digo
neste sentimento adverso,
para encerrar o meu verso
minh’alma xucra se plancha
junto ao mistério da cancha
que envolve todo o Universo!…