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Afonso Duarte (Livro de Sonetos)

CAMPO

A Alberto Martins de Carvalho

Este verde impossível de se ver,
 Que alegre o camponês cultiva o prazo,
 Não dá sequer para me aborrecer
 Na extensão sem fim do campo raso.

Sem fim, a vida, deixa se correr
 Lisa e fatal, serena, sem acaso.
 E acontece o que tem de acontecer
 Como quem já da vida não faz caso.

Nada se passa aqui de extraordinário:
 Tudo assim, como peixe no aquário,
 Sem relevo, sem isto, sem aquilo;

Muito bucólico a favor da besta,
 O campo, sim, é esta coisa fresca…
 Coaxar de rãs, a música do estilo.

ERROS MEUS A QUE CHAMAREI VIRTUDE 

Erros meus a que chamarei virtude,
Por bem vos quero, e morro despedido
Sem amor, sem saúde, o chão perdido,
Erros meus a que chamarei virtude.

A terra cultivei, amargo e rude,
No sonho de melhor a ter servido;
Para ilusão de um palmo de comprido,
A terra cultivei, amargo e rude.

E o amor? A saúde? Eis os dois Lagos
Onde os olhos me ficam debruçados
— Azul e roxo, rasos de água os Lagos.

Mas direis, erros meus, ainda amores?
— São bonitos os dias acabados
Quando ao poente o Sol desfolha flores.

CABELOS BRANCOS 

Cobrem-me as fontes já cabelos brancos,
Não vou a festas. E não vou, não vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E não vou, não vou.

Cabelos brancos, vá, sejamos francos,
Minha inocência quando os encontrou
Era um mistério vê-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avô.

Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;

E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doía vê-los …
E fiquei sempre triste de criança.

RISO 

Tive o jeito de rir, quando menino,
Até beber as lágrimas choradas:
Com carantonhas, gestos, desatino,
Passou a nuvem e os pequenos nadas.

A rir de escuridões, de encruzilhadas,
Tornei-me afeito logo em pequenino;
Porque ri é que trago as mãos geladas,
E choro porque ri do meu destino.

Vivi de mais num mundo idealizado
Comigo só: E só de mim descreio
Entornava-me riso a luz em cheio

Quando o meu mundo foi principiado;
Rio agora que não sei donde me veio
Sempre o mal que me trouxe o bem sonhado.

PAISAGEM ÚNICA

Olhas-me tu: e nos teus olhos vejo
Que eu sou apenas quem se vê: assim
Tu tanto me entregaste ao teu desejo
Que é nos teus olhos que eu me vejo a mim.

Em ti, que bem meu corpo se acomoda!
Ah! quanto amor por os teus olhos arde!
Contigo sou? — perco a paisagem toda…
Longe de ti? — sou como um dobre à tarde…

Adeuses aos casais dessas Marias
Em cuja graça o meu olhar flutua,
Tudo o que amei ao teu amor o entrego.

Choupos com ar de velhas Senhorias,
Castelo moiro donde nasce a Lua,
E apenas tu, a tudo o mais sou cego.
HORAS DE SAUDADE 

Vou de luar em rosto, descontente:
Meus olhos choram lágrimas de sal.
— Adeus, terras e moças do casal,
— Adeus, ó coração da minha gente.

A hora da saudade é uma serpente:
Quero falar, não posso, e antes que fale
Ela enlaça-me a voz tão cordial
Que as coisas mais me lembram fielmente.

Olhos de amora, e uma ave na garganta
Para enfeitiçar a alma quando canta,
Moças com sua parra de avental;

Graça, Beleza, um verso sem medida,
A Saudade desterrou-me a vida …
Sou um eco perdido noutro vale.

INSCRIÇÃO 

Dos vastos horizontes me invocaram,
Noutras formas artísticas imersos,
Revoltos pensamentos que formaram
Todo o amor e pureza dos meus versos.

Melodias que os ventos orquestraram
Foram verbo dos átomos dispersos:
Palavras que meus olhos soletraram
Num indizível sonho de universos.

Foram aromas das fecundas messes:
Como se tu, ó Terra, mos dissesses
Numa profunda comunhão de mágoas.

Geraram-mos os génios das Montanhas
Na sua fé de catedrais estranhas,
Na panteísta devoção das Águas.

Fontes:
Luis Gaspar. Estúdio Raposa 
Citador

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Ialmar Pio Schneider / RS (Livro de Sonetos VI)

SONETO DE UM CAVALEIRO TRISTE 

O sol descai… Montado no alazão
eu sigo pensativo pela estrada,
ouvindo o triste mugir da manada
que procura abrigar-se no capão.

Horas de amor… horas que o coração
modula calmamente uma toada;
que a tarde vai descendo para o nada
e cheio de poesia fica o rincão.

Morre a tardinha e nasce então o sonho
que anima, que cativa, que reluz,
embora seja às vezes tão tristonho.

A noite vai descendo, foge a luz,
por toda parte um reluzir tardonho
e eu prossigo levando a minha cruz !

SONETO DE UM ANDARILHO 

Eu vivo solitário e maltrapilho,
a caminhar por este mundo afora,
e levo a vida por um triste trilho,
boêmio sem amor e sem aurora.

Da solidão sou sempre um pobre filho,
e com imensa dor minh´alma chora,
quando lembro sozinho o nosso idílio,
aquele louco amor que tive outrora.

Hoje, tristonho e maltrapilho vivo,
da sociedade sempre longe, esquivo…
Apenas nas tabernas acho paz.

E lá, quando me afogo na bebida,
olvido a desventura desta vida
e penso, doido, que me amando estás.



SONETO ARDENTE 
Aos poucos vou contando minha história
nos poemas, nas crônicas, nos versos
dos sonetos, das trovas… – merencória
poesia – todos por aí dispersos…

Relembrando os amores mais diversos
que passaram, bem sei, longe da glória
de se concretizarem ou perversos,
magoando a minha triste trajetória…

Lendo as páginas de outros sonhadores
que enfrentaram fracassos, dissabores,
eu me ponho a pensar no céu da vida

que me pudesse dar felicidade
e chego a bendizer esta saudade
como se aos beijos da mulher querida…

SONETO TRISTONHO 

Que lindo é o modular do passaredo
que canta desde a aurora vir chegando
até que a tarde triste vá tombando
e a noite desça cheia de segredo.

Ai! quem me dera que eu cantasse ledo
sem estes prantos que me vão cegando
e quando a noite vier se aproximando,
cantar contente sem nenhum degredo !

Como meu peito já não quer cantar
e minha vida sem amor definha,
no verso derradeiro a chorar

te peço encantadora moreninha,
que quando a morte me vier buscar,
reza uma prece pela alma minha !

MATE NO GALPÃO 

O mate amargo passa de mão em
mão e a gente se lembra de tropeadas
do destino que leva por estradas
desconhecidas, tristes, sem ninguém.

A cuia prateada me entretém,
escutando os causos dos camaradas
que fizeram de suas gauchadas
por terras que se somem pelo além.

Ruivo fogo crepita no galpão,
nobre abrigo dos tauras soberanos
que saudosos se ajuntam no rincão

a fim de recordar passados anos.
E a cuia do gostoso chimarrão
me é tristezas, saudades, desenganos…

SONETO DO FIM DO DIA 

A noite vem descendo vagamente,
as estrelas no céu vão apontando,
a lua começa sua jornada urgente,
de um lado para outro vai passeando…

Quem nestas horas, de um amor ausente,
não fica triste a imensidão mirando,
e embora tantas vezes queira e tente
modular, de tristor fica chorando?!

Nesses momentos sempre é que a saudade
me desanima, me tortura, ingrata…
E eu me recordo, olhando a imensidade,

dos felizes passeios pela mata;
e a feroz aflição que então me invade
prorrompe dentro em mim como cascata !

SONETO À MULHER MORENA 

Linda manhã radiosa me convida
a prosseguir nos passos rumo ao mundo,
porque sonhar amando é tão profundo,
que mais e mais, também prolonga a vida !

Mas se eu pudesse ser um vagamundo,
sem conhecer a estrada percorrida,
com certeza, conceberia a lida
de procurá-la até em um submundo…

Eu sei que vou lhe amar a todo o instante,
com seu sorriso límpido e brilhante,
qual se fosse de Alencar – ´´A Iracema´´!…

E para consagrar meu preito à bela
morena, que não sai da minha tela,
eis o soneto que ainda é o poema !

FARRAPO 

Levantou-se o gaúcho sobranceiro
no alto da coxilha verdejante,
carregava uma carga no semblante
dum tristor que seria o derradeiro.

A glória de lutar e ser galante:
o sonho que conduz o aventureiro.
A glória de ser livre e ser gigante:
o lema que conduz o pegureiro.

Este lema e este sonho se fundiram
e assim surgiu o nobre Farroupilha
que lutou com ousada galhardia,

porque a honra e a justiça escapuliram
da canhada e do topo da coxilha,
do pago em que ele viu a luz do dia !

QUANDO MURCHAR A PRIMAVERA 

Quando murcharem as flores dos caminhos
e o peito calar-me indiferente
como a serena mudez dos passarinhos
em noite senil e permanente…

Órfão de afetos, insaciado de carinhos
caminharei tristonho de dolente,
buscando outras sensações em novos ninhos
como a cura ao meu amor fervente.

E nada há de curar a viva chaga
que deixaste a sangrar em meu desejo
ao provar a doçura do teu beijo

naquela tardinha rubra e vaga
e onde estiveres chorarás baixinho
a mágoa de deixar-me tão sozinho.

CANSAÇO 

No corpo sentírás a lassidão
de uma canseira incrível, de um torpor
que te virá só para em ti depor
as esperanças que te morrerão…

E numa palidez verás, então,
teus olhos magoados pela dor,
vidrados sem o brilho sonhador
que te deixava tão alegre são…

Desejarás dormir nestes instantes.
O sono não virá dar-te umabraço.
Irás cantar, mas inda que tu cantes

passarás amarguras como passo
e enxergarás que em risos deslumbrantes
te sorrirá flamívolo cansaço…

Fonte:
Sonetos

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Ialmar Pio Schneider (Livro de Sonetos V)

SONETO 11515

Aqui a solidão já foi embora,
Pois hoje sei que alguém que tem saudade
Não vive só, não sofre, nem mais chora,
Porque esta é enfim a sua realidade.

Andava sorumbático…; por ora
Me reanimei, sabendo da verdade,
Uma vez que não conhecia outrora,
Que recordar também é felicidade !

Fugindo da aflição, relembro bem,
Que fui amado tanto por alguém,
Mas nos deixamos sem saber por quê…

Ingrata vem a ser a nossa história,
Bem guardada no cofre da memória,
Onde estão habitando eu e você !

(15.05.2010 -Porto Alegre – RS)

SONETO 11514

Eu tive uma saudade da mulher
Que um dia dominou minha ilusão,
Como se desfolhasse um bem-me-quer,
Pra ser feliz depois, na solidão…

Mas não foi nesse céu de rosicler,
Que já me trouxe tanta incompreensão,
A vida que pedi, você não quer,
Pois preferiu esta separação…

Procure agora achar o seu conforto
Nas noites hibernais talvez sozinha,
Ouvindo os pios da coruja agreste…

O nosso bom convívio está tão morto
Porque você não quis o que detinha
Num coração mundano e não celeste…

(16.05.2010- Porto Alegre – RS)

SONETO 11511

Não precisa me amar como te amo,
basta que seja cândida amizade
nosso conhecimento, a flor no ramo
que cultivamos fulge em nossa herdade !

Enfrentemos, assim, a realidade
neste fervor que em alta voz proclamo,
sabendo, embora, que a felicidade,
se não tive-a, também não a reclamo.

Se foi uma das minhas esperanças,
sua presença nesta caminhada,
só quero amar como amam as crianças…

Assim vai ser melhor ao meu tormento,
quando este devaneio der em nada
e dissipar-se ao sussurrar do vento…

(23.05.2010- Porto Alegre – RS)

SONETO 11492

Esse amor impossível foi demais
e deixou-me saudosas cicatrizes,
que me fazem lembrar dos infelizes,
que não concretizaram seus ideais…

Vivemos nesta vida de aprendizes,
como viveram nossos ancestrais,
buscando aprimorarmos sempre mais,
tudo aquilo que herdamos das raízes.

Mas vamos combinar,… a perfeição
concentra inatingível utopia,
como sabemos muito bem de cor…

Sigamos o que manda o coração,
embora muito sonho e fantasia,
pois iremos assim viver melhor !

(29.05.2010 – Porto Alegre – RS)

SONETO 11449

Não tenho o que fazer por esses dias,
a não ser assistir ao que aparece
em meu televisor. Noites sombrias
em que vou meditando a longa prece…

Você já foi o tema das poesias
que eu compunha, a sós, quando a tarde desce,
hoje vejo que foram fantasias,
os versos que minh´alma não esquece…

Outro motivo leva-me por diante
e vou seguindo assim o meu caminho
com minhas horas mortas nebulosas…

Ainda a vejo em sonhos, linda amante,
e recordando seu gentil carinho,
também relembro o olor daquelas rosas…

(05.06.2010- Porto Alegre – RS)

SONETO 11439

A vida foi assim meio bisonha
e procurei dizer o que sentia,
através de uma página tristonha
que turvou por demais minha poesia.

Tu vieste fantástica e risonha
e despertaste as horas do meu dia,
em que julgava a existência enfadonha
e não pensava em sonhos de alegria.

Agora te conheço só de vista,
talvez me baste este conhecimento,
ouço uma voz dizer-me alto: ´´Persista !´´

Então, vou percorrendo a longa estrada
que me leva confiante e sonolento,
a gritar-me: ´´Sozinho não és nada !´´

(08.06.2010 – Porto Alegre – RS)

SONETO AO PÔR-DO-SOL

O pôr-do-sol agora está magnífico,
Parece do Senhor uma pintura,
E por isto o momento é beatífico,
Como se unisse Deus à criatura…

A noite vai descendo… colorífico
O céu em tons diversos se mistura,
E mesmo pelos ares odorífico
Vem a ser o ambiente de verdura…

Então, eu me recolho e penso em ti,
Com serena tristeza e nostalgia,
Lembrando nosso amor de frenesi…

Se agora já vai longe a mocidade,
Não esqueço os momentos de alegria,
Embora hoje só reste esta saudade !

(25.05.2010- Porto Alegre – RS)

SONETO PARA DELCY CANALLES

O verso flui da pena da Delcy
Canalles, como as águas vem da fonte
Rumorejante, a deslizar do monte,
Formando um lindo lago azul ali

No vale verde, que se vê defronte
Do arvoredo, onde passa o colibri,
Beijando as flores, como em frenesi
Se avista o sol caindo no horizonte…

A noite vem descendo na cidade…
Nestas horas visita-me a saudade,
E lembro que já tive os meus amores

Da juventude que ficou distante…
Amo, agora, a poesia inebriante
Que sói acalentar os sonhadores…

(19.05.2010 – Porto Alegre – RS)

SONETO DO AMOR SONHADO

Um dia procurei te sepultar
no cemitério zen do esquecimento,
pra nunca mais te ver ou te lembrar,
mas foi em vão este convencimento…

Hoje, vives mais forte, a maltratar
meu coração ferido, no tormento
de nunca conseguir desenraizar
tanta saudade no meu sentimento…

Por que fui conhecer o amor perdido,
se fosse pra sentir tanta emoção,
que ora se me afigura ser proibido?!

Quero deixar de lado a hipocrisia
e te aguardar na velha solidão
que tanto me acompanha noite e dia…

(5.5.2010 – Porto Alegre – RS)
Fonte:
http://www.sonetos.com.br/sonetos.php?n=15178

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Arquivado em livro de sonetos, Rio Grande do Sul

Aécio Nordman Lopes Cavalcante (Livro de Sonetos)

SONETO A UMA PRINCIPIANTE

Os versos teus, tão dolentes,
(Por Deus, como não minto)
Por serem tudo o que sentes,
Não são mais do que eu sinto;

Que se vês alegre e extinto
De pranto e ranger de dentes
O peito meu – antes recinto
Das chagas mais maldizentes,

É que esse peito teu, criança,
Era alheio ao mal que se sente
Quando mal se vai a esperança;

E o meu, se sorri de repente,
É que esconde os ais da lança,
Dentro de um coração dormente!

ENTRE CACHORRO E GATO

Fosse eu um mágico, em um estranho truque
Roubava, do King, os olhos; do Kicão, o pêlo;
Do Tuli, a fome; e o cheirinho do Baruque,
De tudo eu faria, para eternamente tê-lo.

Tirava-me de vez da cartola e do smoke,
E de tudo o que antes fora, longe de sê-lo,
Eu iria a latir e a miar, e a mais querê-lo
Longe de mim, para do que sou mais lucre…

Quem sabe assim, se entre cachorro e gato,
Fosse eu ser-te o eterno guardião eleito,
A cheirar, do solo, a sola do teu sapato.

Mas, ai! Como me dói a idealização do feito!
Vai-te-me sonho! Não me sejas tão insensato,
Que trocar-me não posso o coração do peito!

A MINHA JURA

Ontem eu jurei: nunca mais hei eu
De amá-la! Tampouco querer vê-la!
Ela é para mim como uma estrela
Que já não brilha porque já morreu.

Seguirei meu caminho mesmo sem ela…
Posso lembrar que um dia lhe pertenceu
Todo este amor que sufoca o meu
Peito, mas contente e longe dela.

Isso eu jurei ontem, porque ainda
Hoje cedo minha vista quis revê-la,
E, louca, a procurou em busca infinda…

E o meu amor, que jamais atura
Um instante sequer sem merecê-la,
Hoje me fez quebrar a minha jura!

EIS O POETA

Tive de amar Joana, para amar Dolores;
Meu grito de amor, guardar bem quedo;
Ando mui lento, mas se avisto horrores,
Corro mil léguas, que não sou de enredo;

Sorrio ao inimigo que me apronta dores,
Tranco-me ao amigo que se faz de ledo;
Não sou nacional, por estar tão cedo,
E sou nacional, por sufocar rancores;

Por ti, leitor, vou de escravo a amo;
Quando em vida, dou milhões de flores,
Quando em morte, não aceito um ramo;

Em toca de santo eu não ponho o dedo;
O que mais detesto é o que mais amo,
E o que mais temo… é o medo.

SONETO A UM AMIGO HERÓI

Fraco guerreiro, já sem fé e sem trilho,
Descrido por todos nas feições do porte,
Eis que surgiste dos bordões da morte,
A gritar: “vencer!” – o teu só estribilho.

E deixaste lar, pátria, mulher e filho…
Em tua mente otimista, sorrias da sorte:
“- Hei de vencer, como só vence um forte:
Com coragem e bravura e garra e brilho!…”

E marchaste então à luta, grande soldado,
Sem corcel e sem escudo, tendo apenas
Por arma, a esperança no ideal traçado.

Foste e venceste, e tuas feições serenas
É incentivo maior ao viajor cansado,
Que não alcança na luta a razão das penas!

SONETO DA FALSA EXPRESSÃO

Se abro da pena e traço-te estes versos
No louco afã de decantar meu amor,
É que, afogado entre pranto e dor,
Quero afastar-me d’alma os ais imersos.

Mas na ânsia de dizer-te o quanto for,
Peco nos ditos, que os vês inversos
E frágeis, e de tão maus e reversos
Põem falso o poema que te vou compor.

Nem sei o que te diga, e sinto, e penso
Que por mais que eu t’o pinte infinito,
Minto; o meu amor é bem mais intenso.

Para o ter, não basta um frasear bonito,
Que há, nas palavras, o final tão denso,
E há, no amor, sempre algo pra ser dito!

SONETO A UMA MULHER BRIGUENTA

Dou toque-e-retoques sem achar-te o jeito
De veres-me perfeito nesses teus ciúmes:
Se avisto os cumes, estufas-te o peito,
E me pões afeito ao fedor de estrumes…

Nada te faço sem que, apressada, arrumes
Fingidos queixumes com arte e despeito:
Dou-te o direito a sentires-me ciúmes,
Dares-me aos perfumes o mais vil defeito;

Que eu, bem é certo, ouvir-te-ei calado
O injusto ralhar, e alheio ao meu enfado,
Estender-te-ei a mão para mais um bolo.

E se passo, de ti, indiferente a tudo,
Nem sequer percebes, do meu ódio mudo,
O quanto sou sábio em me fazer de tolo!

SONETO DO DESENCANTO

Ontem, quando pela primeira vez
Vi-te ali prostada ao pé de mim,
Sem a dúvida cruel do teu “talvez”,
Sem a negação do teu próprio “sim”,

Fitei então com tamanha altivez
Tua face roxo-clara de cetim,
Que todo o teu encanto se desfez
E pude constatar, surpreso, enfim,

Que não eras visão, mas carne e osso;
E a veste que te cobria, do mesmo pano
Que sempre cobriu o meu corpo de moço.

Eras mais uma Maria (morto o engano)
Com os pés em terra, incapaz de dano,
A puxar um cãozinho pelo pescoço.

SONETO DA BUSCA DA FELICIDADE

Seguindo sempre a atraente senda,
Fui-te, felicidade, com a fama:
Sempre mais alto do odor da lama,
Cri teu corpo por detrás da venda.

Oh! dor de ver tão cheia esta tenda
De tudo o que é belo e se mais ama,
E só ouvir o som que se derrama
Por vasta fenda de invisível fenda!

Cerra os meus olhos do vazio aberto
Aonde vai a estrela pueril e errante;
Sana, ó destino, cavaleiro incerto,

Da vida, a realidade ora jorrante:
A dor de vê-la cada vez mais perto,
E tê-la cada vez mais distante!

SONETO A OLAVO BILAC

“Príncipe dos Poetas” – o eterno eleito
De todos foste, brasileiro e forte,
A cantar, em gloriosa lira, o peito
Em dores mil, sem que da dor suporte

Os ferrões… E eu nada sou, que malfeito
É-me o estilo, e de desprezível porte
Ante o teu estilo, que, já sem jeito,
Maldigo, do saber, minha pouca sorte

De nunca achar em verso meu o estilo
Mais justo para as mágoas que abrigo,
E só compor-me verso como viste:

Sem perícia; que me acho, ao redigi-lo,
Pequeno ante as glórias que conseguiste,
E grande ante as glórias que não consigo!

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=83&x=15&y=8

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Fernando Paganatto (Livro de Sonetos)

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SÃO AMORES?

São amores estas ondas que trazes
Vindas de continentes tão distantes,
Que descrevo, agora, em versos e frases,
Em eternos e pequenos instantes?

São? Ora, me contas uma quimera!
E são as ondas como são amores,
Este incessante vai-e-vem? Quem dera,
Seria tão mais fácil aos amadores!

Mas não! Mais amor do que as ondas são
Recifes que na praia ao longe avisto
E misturam-se, ao horizonte, ao mar.

Marés altas e baixas passarão
E estas pedras tão imóveis, insisto,
Ficarão para sempre em nosso olhar.

GAVETA

Sonha nos braços da amada
Viver pra sempre o poeta,
Como uma frase olvidada
No fundo de uma gaveta.

Não que não será usada.
A frase, inda que secreta,
Vive n’alma apaixonada
E por esse amor completa.

E existe no seio amado,
De frases uma gaveta
A espera de seu poeta.

Para que na hora correta
Possa recitar ao lado
Do motivo de seu fado.

SONHO SOBRE UM CAMPO DE CENTEIO

Voando passei por prado de centeio
Vereda abriu sob meu ventre voador
Voltava num vasto devaneio
Vôo d’alma livre como dum condor

E os trigos gritavam: Sim, ele veio!
E me olhavam os ares com pudor
A tudo em volta voava eu alheio
De tal modo a sonhar ser sonhador

As estrelas calam a fala ao meio
Escala o sol a terra com ardor
Cola a noite o horizonte ao seio

Do menino a luz nos olhos é dor
Lembrar-se torna, ao travesseiro, anseio
De um futuro, de sonhos, rimador.

DOCE MEL

Doce mel de vívidos canaviais,
É a baba dos deuses pelos manjares.
Tem, portanto, propriedades vitais
Como a cura para certos pesares.

E estes pesares são os passionais,
Que vivem espreitando nossos lares
Afim de levar um coração mais
Para o umbral das almas que não têm pares.

Sim, amigo etílico, você entende
O que um homem pode, algum dia, passar.
O ruim é que teu consolo mal rende:

Os olhos já começam a pesar,
O som já quase não mais se compreende
E tudo que se deseja é acordar.

DA TRISTEZA D’MAR

Triste é o mar que é só mar
E milhas à frente nada,
A não ser o alvo luar
E minha rota ignorada.

Triste, então, é meu pensar
Na breve vida passada,
E dirijo ao mar o olhar,
Ao desejar ser tocada

Minh’alma por belas mãos,
Que acariciam, ao vento,
Em farta imaginação,

O bom de haver sofrimento.
Mas, teus olhos voltarão,
Quando não houver mais tempo.

SONETO DO TEU PARTIR

O que restou, somente, foi teu lenço
Largado, na partida, sobre o cais.
Acompanhando-o está meu silêncio
E essa dor que não se despede mais.

Queria que na brisa do oceano
Eu sentisse de novo teu perfume
E tornassem, com ventos assoprando
As lembranças da razão que nos une.

Só assim poderei virar de costas
Para o mar onde agora tu te encontras
E caminhar com o espírito leve.

E a cada atracar de uma nova frota
Uma esperança em meu coração brota:
A de ler, para sempre, quem escreve.

CORAÇÃO SELETIVO

Ao notar o arriar das velas,
Percebi que breve iria
Deixar lembranças mui belas,
Neste porto da alegria.

Sei que nada fiz por elas.
A mente, conservei fria.
Reparei nas caravelas
Que atracavam na baía,

E de todas me esqueci
Quando, de manhã, parti
Somente vendo uma imagem.

E durante toda a viagem,
Acompanhou-me a miragem,
Que, um dia, pude ter de ti.

SONETO DO ETERNO NAVEGAR

É longínquo o horizonte buscado
Como teu semblante, é cálido e firme,
E quanto mais as ondas eu domine
Fica distante o som do teu pecado.

Mas não pretendo, em falso, redimir-me
Pois sei o que me faz ter navegado
Tantas milhas ao mar, desesperado
A alcançar a imaginação sublime.

Se no horizonte não pude atracar
Em muitos portos fui bem recebido
Mas sempre terminei por navegar.

Posso estar sendo marujo atrevido
Porém, é meu destino sempre o mar
E sei, nunca serei bem sucedido.
Fonte:

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Benedetto Caetani (Livro de Sonetos)


Benedetto Caetani, é o nome literário de Renato Sakate, de Botucatu/SP

O Cego Oriente

Distante paisagem, meu cego oriente
procuro teu ar nos cortantes lábios,
vendo meu soldo a favor de teus gládios
e busco meu abrigo ao sabor do vento.

Tira-me deste inconseqüente páreo,
tira-me deste previsto acidente!
Luto contra a rendição decadente
e a indução que enche meu cálice diário.

Mas perduro entre as grades deste templo
nas dores inúteis de meu salário,
nas obras miseráveis que sustento

para fugir deste parco cenário
onde reina o servo-mor do dinheiro,
onde vem do amor um mal necessário.

O Bem, o Mal e o Impasse

Suave paisagem de meus sonhos lindos
em ti selei o meu destino ideal
em ti sonhei ser verdadeiro o irreal
e assim guardei o que era lindo em mim.

Ah! Infortúnio que me tem por leal
sob o seu manto encerrei meus vestígios
sob o seu mando vesti-me em silício
e assim paguei, porque não quis ser mau.

Mas quando o céu estiver sob a terra
e a minha ruína fundar teu palácio,
o meu suplício em ti será duas férias.

Porque não quis o que seria tão fácil,
temi teu suor e a nossa própria guerra…
Busquei a paz e encontrei só, impasse.

Soneto da Desventura

Ah, desventura que me traz ventura…
O olhar castanho, tal mercúrio em ouro,
é esta razão que se desnuda em louros
neste meu fel que turva a mente impura.

Ah, negro véu de meus instintos loucos!
Já sinto dores onde havia ternura,
pressinto viés onde prescindia a cura
E nada enxergo… E nada sei, nada ouço.

Parta de mim, flor inocente e bela!
Teu doce caule me deprime a tarde
e o teu perfume me desfoca a tela!

Mas sei tão bem que tudo vêm desta arte
que, numa vez, faz chover aquarelas
e noutras tantas me faz doer de enfarte.

Soneto da Esperança

Como amar-te, mulher que não existe?
Como seguir teus passos? Não há sombra…
És qual mar que se afoga, um cais sem onda
Um bramido funesto, um berço triste.

Como amar-te, donzela de meus sonhos?
Como saber o que achas? Sem palpites…
Sou qual vivaz bandeira sem limites
Um trôpego ladrão, um vão risonho.

Ademais, como sofro por manter-te
em sonhos meus, só meus! Sonhos idosos…
E como dói sofrer por não sofrer.

Vê que sou andarilho em trilhos novos
Vê que sou alambrado a ti, mulher…
Lê… Pois se num dia a vi, a perdi noutro.

O arredio e os ufanos

Detentor das sabedorias do mundo
tudo sabe, do seu universo o inverso
Quantas letras, se caberão em meu verso
(que também é cego e de resto é mudo).

No palácio do desconforto imerso
cheiro o cinza e vejo o cinzeiro imundo
nado em poças de água salobra, é absurdo
que as pessoas sintam mais prazer que adverso.

Mas voltando a falar do Pai celeste,
das antigas lendas do Oriente Médio,
me recordo em cada sorriso humano

quanto o Sol, que desponta quente ao leste,
nos remiu no colo paterno o assédio
que reclama e clama o arredio e os ufanos.

Quem o coração te move

Pavio que explode e implode. Explode… e implode…
Este amor frio aos teus olhos quase queima
Não! Não consigo negar o que teima
em me voltar e partir de trégua e ódio.

Sofro distante, demais quando um imã
se faz em nossas almas e, nessa ordem,
não posso tê-la… então que me discordem
que encerra a dama os ais tal como rima…

E as repetidas palavras se anulam
nesta semente que a si mesma come
e se alimenta aumentando a sua gula.

Mas até quando, se isto me consome
os teus olhares que hoje me desnudam…
Se não sou Quem o coração te move?!

Nos olhos que vêem dentro

Bem sinto que nas horas mais escuras
tão claro quanto o véu e os teus ideais
se nesta vida pálida são irreais
na túnica dos sonhos que me curas…

Unidas nossas almas não têm de ais
o tanto que em distância, em desventuras
nos forçam novamente à esta aventura:
amor nos teus e meus encontros diários.

Se Deus nos tornou gêmeos no momento
da vida, se as feridas desferidas
são breves, que infinito sentimento!

Ah! Te amo tanto adocicada vida
alegre sou nos olhos que vêem dentro
tão dentro que não há medo, se é vivida!

Nesta nau de palha

Eterno quis de algo que não mais terno
tal brilho lúcido ante a vil morada…
Ah que pensei, que imortal namorada!
Que nem Moraes ousaria de pôr termo.

Tanto que a amava fora demorada
a dança trêmula como se inverno
fosse o verão, o outono e as três primaveras
últimas; qual pastagem devorada.

Mas se de culpas levo meu cesto oco
também de amores a inspiração falha
e de tormentos o coração troco…

Ah se não fosse Aquele que me calha
se não fosse Este a me salvar, tampouco
valeria a chama nesta nau de palha.

Oferendas

A humanidade se mantém repleta
de meias verdades, de melancolias…
A frondosa árvore onde se colhia
hoje é matéria póstuma e incompleta!

Quantos Davids se tornaram Golias?
E quando os véus ocultaram mazelas?
Parte extinguiu-se à luz, funesta cela,
numa negra era tal como se lia…

E na pesada tarefa terrena
(onde o machado é a vil palavra viva)
sobrevivemos por entre estas sendas?

Mas vencer como, se a voz nunca é ouvida,
se o nosso sangue é usado em oferendas…
Se a nossa carne nos transforma em Midas?

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=18&x=23&y=5

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Arquivado em livro de sonetos, São Paulo

Artur de Azevedo (Livro de Sonetos)


ETERNA DOR

Já te esqueceram todos neste mundo…
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.

Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.

Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!

E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!

ARRUFOS

Não há no mundo quem amantes visse
Que se quisessem como nos queremos;
Mas hoje uma questiúncula tivemos
Por um caprichosinho, uma tolice.

– Acabemos com isto! ela me disse,
E eu respondi-lhe assim: – Pois acabemos!
– E fiz o que se faz em tais extremos:
Peguei no meu chapéu com fanfarrice,

E, dando um gesto de desdém profundo,
Saí cantarolando. Está bem visto
Que a forma ali contradizia o fundo.

Ela escreveu. Voltei. Nem Jesus Cristo,
Nem minha Mãe, voltando agora ao mundo,
Foram capazes de acabar com isto!

DESENGANO

A pensionista pálida que gosta
(Fundada pretensão!) que a digam bela,
E do colégio, à tarde, na janela,
Para dar-me um sorriso se recosta;

Que me escreve nas férias, de Bemposta,
Aonde vai visitar a parentela,
Pedindo-me que não me esqueça dela
E dando-me uns beijinhos…, pela posta;

Essa ninfa gentil dos olhos pretos,
Essa beleza de anjo… oh, sorte varia;
Vergonha eterna para os meus bisnetos!

Com um pançudo burguês, uma alimária
Que não a sabe amar, nem faz sonetos,
Vai casar-se amanhã na Candelária.

MISERÁVEL

A Carvalho Junior.

O noivo, como noivo, é repugnante:
Materialão, estúpido, chorudo,
Arrotando, a propósito de tudo,
O ser comendador e negociante.

Tem a viuvinha, a noiva interessante,
Todo o arsenal de um poeta guedelhudo:
Alabastro, marfim, coral, veludo,
Azeviche, safira e tutti quanti.

Da misteriosa alcova a porta geme,
O noivo dorme n’um lençol envolto…
Entra a viuvinha, a noiva… Oh, céu, contem-me!

Ela deita-se… espera… Qual! Revolto,
O leito estala… Ela suspira… freme…,
E o miserável dorme a sono solto!…

MUSA INFELIZ

Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rútilas facetas,
E não revelem trovador bisonho.

Meia noite bateu. Sai risonho…
Brilhava – oh, musa, não me comprometas! –
O mais belo de todos os planetas
N’um céu que parecia um céu de sonho.

O mais belo de todos os prazeres
Gozei, à doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!

Pobres quartetos! míseros tercetos!…
Musa, musa infeliz, dar-me não queres.
O mais belo de todos os sonetos!…

POR DECORO

Quando me esperas, palpitando amores,
E os grossos lábios úmidos me estendes,
E do teu corpo cálido desprendes
Desconhecido olor de estranhas flores;

Quando, toda suspiros e fervores,
Nesta prisão de músculos te prendes,
E aos meus beijos de sátiro te rendes,
Furtando as rosas as púrpureas cores;

Os olhos teus, inexpressivamente,
Entrefechados, lânguidos, tranquilos,
Olham, meu doce amor, de tal maneira,

Que, se olhassem assim, publicamente,
Deveria, perdoa-me, cobri-los
Uma discreta folha de parreira.

SONETO

De Martins Pena foi bem triste a sorte:
Moço, bem moço, quando o seu talento
Desabrochava n’um deslumbramento,
Caiu, ferido pela mão da morte!

Era, entretanto, um lutador, um forte,
E, como não merece o esquecimento,
Que a nossa festa, ao menos um momento,
O seu risonho espírito conforte.

Quem o amou e o leu em vão procura
O seu nome na placa de uma esquina
Ou sobre a pedra de uma sepultura!

Porém, voltando à brasileira cena,
Há de brilhar a estrela peregrina
Que se chamou Luiz Carlos Martins Pena!

SORTE

Depois que se casara aquela criatura,
Que a negra traição das pérfidas requinta,
Eu nunca mais a vi, pois, de ouropéis faminta,
De um bem fingido amor quebrara a ardente jura.

Alta noite, porém, vi-a pela ventura,
Numa avenida estreita e lobrega da quinta…
Painel é que se cuida e sem color se pinta,
De alvo femíneo vulto ou madrugada escura.

Maldito quem sentindo o pungitivo açoite
Do desprezo e na sombra a sombra de um afeto
A pular uma grade, um muro não se afoite.

– Prometes ser discreto? – Ó meu amor! prometo…
Se não fosses tão curta, ó bem ditosa noite!
Se fosses mais comprido, ó pálido soneto!

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=34

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Arquivado em livro de sonetos, Rio de Janeiro

Martins Fontes / SP (Livro de Sonetos)


O soneto acima – Como é bom se bom! – é considerado o seu verso mais famoso e, antes de tudo, um lema de vida que Martins Fontes sempre cultivou, como médico tisiologista da Santa Casa de Santos (a primeira do Brasil, fundada por Brás Cubas).
—–

A ÁGUA TODA SECOU ATÉ NOS OLHOS

— Meu culto ao Ceará, Coração do Brasil.

O rio vai morrer, sem que nada o socorra,
sem que ninguém, jamais, bendiga o moribundo.
Morre na solidão, no silêncio profundo,
e o malárico mal o mantém em modorra.

A enfermidade faz que da boca lhe escorra
o limo, feito fel, viscoso e nauseabundo.
E o terror se lhe vê das órbitas ao fundo.
Paralítico jaz na estreitez da masmorra.

Tu só, tu, meu Irmão, que a miséria não vence.
Que suportando a sede, a fome, a febre, o frio,
sem que prêmio nenhum teu martírio compense.

Poeta, herói, semideus, sabes o desvario,
a sobre-humana dor, a bravura, cearense,
de quem se suicidou, vendo morrer o rio.

OTELO

Quem minha angústia suportar, prefira
a morte, redentora, à desventura
de não poder, nas vascas da loucura,
distinguir a verdade da mentira.

Infrene dúvida, implacável ira,
esta que me alucina e me tortura!
– Ter ciúmes da luz, formosa e pura,
do chão, da sombra e do ar que se respira!

Invejo a veste que te esconde! a espuma
que, beijando teu corpo, linha a linha,
toda do teu aroma se perfuma!

Amo! E o delírio desta dor mesquinha,
faz que eu deseje ser tu mesma, em suma,
para ter a certeza de que és minha!

BEIJOS MORTOS

Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos ao passado.

Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.

Choro. O remorso os nervos me sacode.
e, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.

E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.

BEIJOS NO AR

No silêncio da noite, aslta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrância feminina assoma
e tentadoramente me desperta.

Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.

De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnólia em flor, em fevereiro,
se exala esse cálido desejo?

Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!

CREPÚSCULO

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docúra triste, inexprimivelmente.

À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando…

E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.

DESARMONIA

Certas estrelas coloridas,
estrelas duplas são chamadas,
parecem estarem confundidas,
mas resplandecem afastadas.

Assim, na terra, as nossas vidas,
nas horas mais apaixonadas,
dão a ilusão de estar unidas,
e estão, de fato, separadas.

O amor e as forças planetárias,
trocando as luzes e os abraços,
tentam fundi-las e prendê-las.

E eternamente solitárias,
dentro do tempo e dos espaços,
vivem as almas e as estrelas.

LONGUS

É de manhã, no outono. À luz, o orvalho
doira os mirtais de trêmulas capelas.
e, sobre o solo, recobrindo o atalho,
há milhares de folhas amarelas…

A Filetas, ao pé de amplo carvalho,
ouvem as narrações e pastorelas,
um rapaz, aindaingênuo e sem trabalho,
e a mais linda de todas as donzelas…

É a narrativa do florir dos prados,
que o mais doce dos velhos barbilongos
conta ao casal de jovens namorados…

Silêncio… Ouvi-lhe o beijo dos ditongos,
os silábicos sons, que musicados,
cantam na amável pastoral de Longus…

MAIS FORTE DO QUE A MORTE

Chego trêmul, pálido, indeciso.
Tentas fugir, se escutas meu andar.
E és atraída pelo meu sorriso,
e eu fascinado pelo teu olhar.

Louco, sem o querer, te martirizo.
Em meus braços começas a chorar.
– E unem-se as nossas bocas de improviso,
pelo poder de um fluido singular.

Amo-te. A febre da paixão te acalma.
Beijas-me. E eu sinto, em lânguido torpor,
a embriaguez do vinho da tu’alma.

E ambos vemos, felizes, sem temor,
que, abençoada e lúbrica, se espalma
a asa da morte sobre o nosso amor!

SÃO FRANCISCO E O ROUXINOL

Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.

E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas Sào Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.

E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.

SONETO

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez…

A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!

MINHA MÃE

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer – Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=22

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Edigles Guedes (Livro de Sonetos)

NAUFRAGO-ME NA SUPERFÍCIE

Páginas e mais páginas, folheadas
A inconsútil dedo, vagam por horas
A fio, na escrivaninha tão recheada
De livros imaginários… agora!…

Eis uma escrivaninha inexistente
Povoando a memória indelével de mim!…
Quem me dera! se eu pudesse navegar
Por entre as escumas, co’ odor de jasmim

A perseguir minhas ilusões!… Vagar,
Quiçá, por livros, que férteis são terras
De ideias mirabolantes, minha mente!…

E o vento sopra no meu rosto… Serra
Vai, monte vem… Montanha vai, planície
Vem… E eu naufrago-me na superfície…

DESCRIÇÃO MARÍTIMA

Ribombou o velho mar!… Tuas tênues ondas
Tecem fios de fiandeira na escuma atroz!…
Voa ligeiro e mais que veloz o albatroz,
Qual o sorriso de tua “La Gioconda”!…

Ostras perambulam por entre rochas
Anônimas!… Sociedades de corais
Pintam de Picasso os azuis anormais!…
Anêmonas acendem tortas tochas

De neurotoxinas… Peixes naufragam
Nos frios d’águas… Caranguejos afagam
A textura insondável do rochedo!…

É noite e o mar baloiça as velas, toscas
E trêmulas, voejam… Foscas moscas
Brincam com a lixeira do penedo…

TUA MÃO

Teu corpo de pérola em meu corpo
Deitado e vagamundo… Psiu tosco
De mão que mão se namora… Rede
Sem peixe para pescar: só mágoa…

Teia de aranha que arranha essa pele
De tigre… Peçonha que me chora
De dor inconcebível… Insídia
De cavaleiro medieval… Mídia

Sem suporte técnico… Parede
Sem porta ou caminho nu sem saída…
Sentimentos que me enredam… Pepe

Legal (cabuloso) sem Babalu,
Seu escudeiro; assim, ando por tabu
E teimosia… Acho tua mão lânguida!…

LUA DE OCEANO AQUÉM

Lua: bacia de prata, em que me banho de seus raios
Argênteos, na Noite fria e calma co’ essa chuva
Renitente… Descontente com as estrelas
Cadentes que nenhum dos meus desejos realizam…

Eis que Lua bamba, pendurada no trampolim
Da vaidade, sofre porque sofre com desmaios
De gravidade ausente!… Andorinha viúva
Procura marido em páginas amarelas…

Entretanto, essas estrelas parabenizam
A caçadora intrépida e seu vulgar gaiolim,
Que me prenderam aos grilhões: de Amor cárcere!…

Coruja corveja, abre asas, corre célere,
Zomba de minha insensatez, por amar a quem
Não me ama, qual Lua solitária, do oceano aquém.

ROSA CEGA

Corre e abraça-me com abraços longos
E apertados… Olha-me olhos oblongos,
Perquirindo o Tempo pretérito na
Minha face rústica… Bela Dona

Que balança seus quadris de ondas do mar…
No azo, torno-me domador a domar
Minha dor tão madura!… Cai, qual fruto
Proibido de ósculos, no plano astuto

Da Serpente devoradora de olhos
Humanos. Eis que não vejo a luz tênue
No final do túnel!… Sim, cata-piolho

Brigou com fura-bolo na bacia, aiuê!
De algodão-doce… Ah! Porquanto Amor caolho
Esconde a rosa cega de seu buquê!…

ABRAÇOS AMARGOS

Instantâneo segundo, que passo sem olhar
Fundo nos olhos de minha Dama, uma náusea
Bruta brota no meu peito de árvore pérsea!…
Mas, o outono chega: eis pungente esse desfolhar

De olhos castanhos, tão castos quanto suaves são;
Que seduzem e encantam límpido coração
Aventureiro, qual Xerazade com lábias
Mil na boca enganadora… Loucas e sábias

Palavras misturam-se em grão caldo de cana…
A Noite dadivosa vem pé de mansinho,
Com seu odor de blandícia, carícia e carinho…

Sem pedir licença, entra perfume de alfana
Nas minhas narinas; ouço os passos mui largos
De minha Flor: eis nossos abraços amargos!…

PROCURA-SE UM TROPEÇO

Procurei um sentido no sem sentido que sente
A alma gemente da gente, que anda descontente
Com o Fado: artista arlequim, guizos de Lua algente,
Malcriada e fatal mulher de olho concupiscente.

De tanto procurar esqueci-me de achar o que
Procurava; como tenra criança com bilboquê,
A qual se esquece do tempo com terno brinquedo
Na mão cândida e venturosa. Sim, corro e quedo.

Almejo alcançar o infinito do pensamento,
Desbravar a aventura néscia do sentimento,
Destronar do meu coração trágico lamento.

Ó alma tremente! se logrei meu intento, conheço
O fim do fio da meada que procuro; o começo,
Mas é duro; por isso, quero lembrar… tropeço!

AMOR MADURO EM CAIXA DE CHUMBO

Tu inoculas teu veneno de serpe
Aleivosa, que me engana como Eva
Embrulhou Adão no Jardim do Éden. Treva
Logrou ambos com sua língua, trapuz, de erpe!

Mas, é doce a peçonha que me adoça
O Fado ingente. Louca, consomes chá
De meus passos, após receber crachá:
“Ando a servir ao próximo por troça!”

Tu és serpente tremente de ódio por mal
Que nunca fiz a ti, antes salvaguardei
Nosso Amor maduro em caixa de chumbo.

Se Amor adoeceu em profundeza abismal,
Certamente a ele jamais eu reservei
Maléficos intentos, sons de zumbo!

CORAÇÕES ENGRINALDADOS

Lembro-me do retrato na parede do nosso
Quarto de dormir. Nossos olhos enamorados clamam
Um pelo outro, em suspiros de desejos; declamam
Poemas eróticos às quatro paredes!… Que osso

É a vida!… Foi ontem que subimos, jungidos beijos,
A ladeira do tálamo. Tu estavas formosa;
Esplendias com todas as primaveras!… Oh! rosa
Do meu jardim de Amor e delícias… Onde queijos

De Lua se esconde do paladar da minha boca,
Fremente de prazer e gozo?… Sim, eis quão louca
Paixão me consome o íntimo meu ser… Quiçá ninguém

Me escute o dessegredo… Ó coelhinha na toca
De amores! acolhida nos meus braços de mouca
Libido, que pena sou na alcova mais um alguém!…

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=110

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Arquivado em livro de sonetos, Pernambuco, Recife

Francisca Clotilde/CE (Livro de Sonetos)

Biografia em
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/05/francisca-clotilde-1862-1935.html

TEU NOME

É bálsamo de amor que os lábios suaviza
É cântico do céu… encanta, atrai, consola,
Essência lirial que para Deus se evola,
É hino de esperança e as dores ameniza.

Maria! Ao repetir teu nome se matiza
De bençãos meu viver que a dor cruel.
Doce réstia de luz, confortadora esmola
Da graça e do perdão que as almas sublimiza.

Permite, oh! Mãe bondosa, oh! Virgem sacrossanta
De teu nome ideal que a melodia santa,
Vibrando dentro em mim as horas de amargura,

Seja a nota eteral, a nota harmoniosa
Que minha alma murmure, a te fitar ansiosa,
Estrela que nos guia à pátria da ventura!

A REDENÇÃO

A treva esconde a face delicada
Do Salvador exangue sobre a Cruz,
Porque fugia do sol a própria luz
E a natureza treme horrorizada.

Nem um conforto! Só a desvelada
Mãe comprimida ao lenho de Jesus
Sente pungir-lhe n’alma desolada
A dor cruel que a pena não traduz.

Silêncio, trevas, mágoa, confusão!
Eis terminada a lúgubre Paixão
Consumou-se a tragédia deicida.

Abriu-se o eco, oh! justos, exultai!
Flori boninas! Aves gorjeai
Saudando a humanidade redimida!

MARIPOSA

Incauta mariposa em torno à luz
Viceja pela chama fascinada,
Até que enfim examine, crestada
Cai em meio do fogo que a seduz.

A chama q’ue dos olhos teus transluz
Tem minha alma em desejos torturada
E aií tento fugir mais abrasadas
Me sinto neste amor q’ue cresce a flux.

Oh! Fecho os negros olhos sedutores,
Não me queimes nos férvidos ardores
De uma louca paixão voráz e forte

Receio que minha alma caia exausta
Neste abismo de luz como a pirausta
Que buscam o prazer e encontra a morte

À ANA NOGUEIRA

Não te corre nas veias delicadas
O sangue azul da fátua realeza,
Nem te cerca o prestigio de grandeza
Que enaltece as cabeças coroadas;

Desconheces as regras variadas
De etiqueta, requinte da nobreza,
Nem preferes à doce singeleza
Em que vives as côrtes decantadas.

A teus pés não se curva a multidão
Para beijar tua pequenina mão,
Quando passas incógnita e sozinha;

Mas, sendo, como és formosa, e boa,
Tens uma bela e fúlgida coroa,
E vales muito mais que uma rainha.

CEARÁ

Ave, Terra da Luz, Ó pátria estremecida,
Como exulta minha alma a proclamar-te a glória,
Teu nome refugastes inscreve-se na história,
És bela, sem rival, no mundo, engrandecida!

A dor te acrisolou a força enaltecida,
Conquistaste a lutar as palmas da vitória
Hoje és livre e de heróis a fúlgida memória
Jamais se apagará e a fama enobrecida.

O sol abrasa e doura os teus mares que anseiam
Em vagas que se irisam, que também se alteiam
A beijar com ardor teus alvos areiais.

Eia! Terra querida, sempre avante!
Deus te guie no futuro em ramagem brilhante
Nas delícias do bem, nos júbilos da paz!

A GARÇA

Ei-la triste a mirar as águas irrequietas,
Parecendo evocar em visões luminosas
O passado de amor, as estâncias diletas,
Outro céu bem distante, outras margens formosas!

Exilada talvez das paragens ditosas,
Onde outrora gozou de alegria discretas,
Quer as asas de neve, essas asas plumosas
Espalmar pelo azul e voar como as setas.

Mas coitada! Não pode atingir as alturas,
Pois alguém a privou de fruir as venturas
Do inocente viver, da feliz liberdade.

Como a garça, tristonha, eu me sinto finar,
E não posso fugir… e não posso voar
Tenho aqui de carpir a tristeza, a saudade.

ÍRIS

Ergue-se a cruz no monte! as sombras lutulentas
Foram-se as nuvens negras, procelosas,
Ostenta o íris as cores luminosas,
Cessa o terror, se espalha a alacridade.

Já não se escuta a voz da tempestade
O vento se acalmou, brisas cheirosas,
Vão soprando de manso, cariciosas,
Trazendo a paz do céu que nos invade.

Os corações se expandem docemente,
O espírito agitado ora descansa,
Aos sorrisos da luz clara fulgente!…

Íris do amor, estrella da bonança,
Temos, da vida na hora mais pungente,
O divino conforto da esperança.

VÉSPER

A noite faz-se bela e iluminada.
Vésper brilhante, a confidente amiga
Surgiu no azul, estrela abençoada
Cujo fulgor os corações abriga!

E, da tela infinita a luz dourada,
Essa luz que consola e que mitiga
A saudade, o pesar, a dor antiga
No eflúvio do céu carícia amada.

Desperta dentro em mim viva lembrança
De ventura que foge e não se alcança,
Por que no mundo é tudo falso e vão

E enquanto pelo céu Vésper fulgura,
Sinto envolver-me a treva da amargura
A noite sem estrela e sem clarão.

A PALMEIRA

Sobre o vasto areal, na extensão do deserto,
Erguia senhoril à luz, ao sol, ao vento.
A palmeira sorri-se ao viajor sedento
_Oásis verdejantes _ a se mostrar bem perto.

Em miragem tão bela… O seu leque entreaberto
Parece-lhe indicar, no rumo poeirento,
Das águas o frescor, a sombra, o aprazamento,
O descanso sonhado… o conforto mais certo.

Palmeira abençoada! Ao coração que oprime
A fadiga cruel, no itinerário rude,
Esperança e consolo o teu perfil exprime.

Quantas vezes também o prazer nos ilude
Mas que a vista do céu a noss’alma reanime
Seguiremos o bem, o dever, a virtude.

Fonte:
Sonetos.com.br

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Lino Vitti (Livro de Sonetos)


FLORINDO CORAÇÕES

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido.

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dado vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é graça
fundindo em coração cada botão de rosa.

A MEU PAI

Lado a lado, meu pai, nas andanças da vida,
mãos dadas com carinho e com grandioso amor,
umas vezes a estrada é uma senda florida,
muitas outras, porém tem espinhos e dor.

Em você, caro pai, encontrei nesta lida
mil sonhos a cumprir, de luz um resplendor,
A todos conduziu, com nossa mãe querida,
a um porto bem seguro, a um porto salvador.

Que a idade não lhe seja um peso doloroso,
antes uma alegria, anseio realizado,
uma vitória em meio a este mar proceloso.

Eu lhe desejo, pai, tão extremoso e amado
que o proteja o bom Deus que é grande e poderoso,
que o conserve, feliz, por muito ao nosso lado.

SER MONTANHA

Anseio do infinito, oh! cósmica montanha,
que buscas nesse afã silente, e pétreo, e vão?
Queres talves deter, numa invasão estranha,
esse pálio estelar luzindo em profusão?

Vais abraçar o sol? Impossível façanha!
Beijar, quem sabe,a lua em toques de emoção?
E quando o temporal em chuva e vento banha
o mundo, não te faz bater o coração?

Quando vejo surgir, no horizonte , o teu porte
qual vontade do pó de se elevar à altura
fugindo desta terra onde comanda a morte,

um profundo desejo a erguer-se me acompanha:
quero ser como tu, fugir desta clausura
e não ser nada mais que uma simples montanha.

MINHA ESCOLA

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.

TAPERA

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosmente, a flux,como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
ascercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor d´antes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.

AO PASSAR DO VENTO

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuves no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.

FLOR SEM NOME

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balouçando radiosa
– coraçãozinho triste espetado num sabre .

À noite, na penumbra, em suste se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãozinha ajoelhada,
de mãos postas em prece , à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar…

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinho,
o beijo imaculado e longo do luar.

DERRUBADA ONOMATOPAICA

Atroa o bate-bate retumbante
dos mordentes machados na madeira.
E nessa luta trágica e gigante
rolam troncos em longa choradeira.

Aqui um jequibá soberbo!Adiante
uma velha e frondosa caneleira,
um cedro, uma peroba farfalhante,
toda a legião da flora brasileira.

O machado decepa inexorável,
nada lhe escapa à cólera maldita,
nada o detém na sanha abominável.

E há em cada tombo lástimas soturnas,
e a cada golpe toda a selva grita
pelo eco das quebradas e das furnas.

Fonte:

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Arquivado em livro de sonetos, Piracicaba, São Paulo

Ialmar Pio Schneider (Livro de Sonetos II)

SONETO 4243
POETA

 Ressurge a primavera fulgurando,
 e os pássaros soluçam pelos ares.
 São novos sonhos, cálidos cantares,
 são novas ilusões, um novo bando…

 Poeta, se teus cânticos calares,
 oh! com tristeza ficarás cantando
 nos gorjeios das aves, pelo brando
 vento que passa pelos verdes mares !…

 Tua ausência será na primavera,
 quando disseste um dia: – Ah! quem me dera,
 morrer numa tardinha rubra e calma

 e entrar cantando lá no paraíso,
 meus cantos, pobres cantos sem sorriso,
 que acalentam na terra as mágoas d alma !…

SONETO 15362
SONETO HENDECASSÍLABO

Não me importa que velha sejas agora,
 nem que tenhas perdido todo teu viço,
 meu coração, ainda, meu bem, te adora,
 pois foste em meu triste viver, um feitiço !…

 Mal nos conhecemos ontem, e por isso,
 faltou aquele lampejo que vigora,
 para que um amor assuma o compromisso,
 de ver se concretizar a qualquer hora…

 Um dia nos encontramos e fizemos
 de conta que nunca nos tínhamos visto,
 mas eu sei que nós dois, no entanto, sofremos

 a fim de conter o que nos ia n´alma…
 Tudo é passado… Perdoa-me se insisto
 em não te olvidar… e de perder a calma !

SONETO 16061:
SONETO HEXASSÍLABO

 Por quanto tempo ainda
 há de permanecer,
 aquela luz infinda
 que me fez renascer?

 Eu sei que vou viver,
 lembrando a jovem linda
 do meu alvorecer,
 enquanto o amor não finda…

 É por esse motivo
 que poetizando vivo,
 quer seja noite ou dia;

 e se enfrento a tristeza,
 poderei, com certeza,
 encontrar alegria…

SONETO 15637:
SONETO ENEASSILÁBICO

Apesar de só, eu me contenho
 para não turvar o dia claro;
 pois, há muito tempo meu empenho,
 é conseguir na luz, amparo.

 Sei o quanto ser feliz é raro
 e por isto humildemente venho
 pedir a Deus o clarão de um faro
 que me conduza a um bom desempenho…

 Amei e fui amado e por isso
 acredito no amor, no feitiço
 que representa esta Divindade…

 Vou morrer, um dia, não sei quando,
 mas minh´alma vai viver sonhando,
 que só no sonho há felicidade !

SONETO 15982:
SONETO EM REDONDILHA MENOR (5 sílabas poéticas)

 Se tens esperança,
 procures alguém
 que a tenha também
 pra tua confiança;

 porque não convém
 entrar numa dança
 na qual não se alcança
 algum querer bem.

 Assim a existência
 com tua paciência,
 irás desfrutar

 e por muitos anos,
 sem ter desenganos,
 poderás amar…

SONETO 15626
SONETO TRISSILÁBICO

Porventura
 conseguiste
 vida dura,
 sem ser triste?

 Se perdura
 e persiste,
 a ventura
 já existe…

 Vai em frente
 bem consciente
 do sucesso,

 pois, terás
 muita paz
 e progresso…

SONETO 15614
SONETO DISSILÁBICO

Quisera
 te amar;
 na espera
 sonhar…

 Um lar,
 quem dera,
 te dar,
 pantera !

 Depois
 viver
 feliz

 os dois
 e ter
 que eu quis !

SONETO 7993
SONETO À FILHA

 Eu canto o amor à filha que é inocente
 e floresce no lar junto dos pais;
 estudiosa, querida, inteligente,
 guardo-a no coração cada vez mais…

 Quantas vezes perdida a fé, descrente,
 passei por horas duras, infernais,
 mas um carinho dela e já contente
 esquecia os tormentos tão cruciais…

 Em nossa casa simples e modesta
 representas um rútilo tesouro
 que nos alegra e que tanto brilha;

 e agradecendo a Deus só me resta
 dizer que tens um coração de ouro
 e que és o alicerce da família…

SONETO 7861
SONETO A UMA FADA

 Fazes de conta que jamais me viste
 e eu também finjo que não te conheço;
 nossa união terminou sem ter começo
 e eu continuo, como sempre, triste.

 O que tu prometias não cumpriste;
 mas esquece-me, então, pois eu te esqueço;
 isto conosco foi mais um tropeço;
 vamos saber qual de nós dois desiste.

 Quero descrer de ti, não mais te amar;
 porém, tudo me leva à tua presença
 e por nada te posso condenar.

 Foste uma Fada que surgiu voando
 e não trouxeste, enfim, a recompensa
 ao poeta que vive te adorando…

SONETO 7441
À SOMBRA DO COQUEIRO

 À sombra de um coqueiro eu fico a meditar,
 sentindo um doce aroma espalhado no ar,
 e as águas a cantar de uma sonora fonte,
 e o sol a se esconder ao longe no horizonte,

 e os sinos a planger em dobres doloridos,
 e as aves a soltar seus últimos gemidos,
 e a brisa a balançar os galhos do arvoredo,
 e o drama desta vida ao fim quase no enredo,

 e as horas a fugir bem como as luzes frouxas
 que já vão se apagando atrás daquelas rochas,
 produzem dentro em mim uma poesia solene

 e eu sinto em toda parte um sentimento infrene
 de amar-te para sempre enquanto persistir
 o sonho mais ardente anunciando o porvir…

SONETO 6708
PASSEIO MATINAL

 Quando o sol faz menção de aparecer
 ao longe no horizonte cor de brasa,
 eu saio do meu rancho, minha casa
 e me ponho no pingo pra correr.

 Nem que a geada estiver a embranquecer
 toda a campina branca como a asa
 da garça solitária, nada atrasa
 meu madrugar que é pra mim um dever.

 Levanto nem que chova canivete
 e parto pelo campo no meu flete,
 fazendo meu passeio matinal;

 que o prazer do gaúcho é respirar,
 profundamente, de manhã, o ar
 deste forte minuano hibernal.

SONETO 16049

Certa vez quis compor os versos nobres
 que me trouxessem, afinal, a glória
 numa epopeia que transforma a história,
 mas simples como sou fiz cantos pobres…

 À tardinha, escutando os tristes dobres
 dos sinos que lembrando a trajetória
 de quem lutou e sem obter vitória,
 serei apenas eu e meus desdobres.

 Vejo a paisagem, ora ensolarada,
 as árvores floridas da estação
 primaveril em pleno curso ainda…

 e permaneço como se mais nada
 ne interessasse neste instante vão,
 mas tão brilhante de uma luz infinda…

SONETO 16032

Dediquei-me à poesia e fiz meus versos
 p´ra amenizar tristezas e tormentos,
 pois, hoje, ao vê-los por aí dispersos,
 me recordam amores ciumentos…

 Mas, se não foram, ao meu ver, perversos,
 representam os nobres sentimentos,
 não impossíveis nem também adversos,
 apesar de sofridos e violentos.

 Outrossim, me fizeram bem e mal,
 porquanto, no contexto da existência,
 vamos formando nosso cabedal…

 E tudo que tivermos computado,
 permanece no livro da existência,
 como um fiel registro do passado…

SONETO 15992

Procurei um soneto que tivesse
 algo de amor ao coração que sofre,
 e deparei-me na primeira estrofe
 com a rima perfeita que merece.

 Mas não faz mal, o texto é como a prece
 que já rezei outrora a Santo Onofre,
 cujo segredo guardo no meu cofre
 e divulgá-lo agora não carece.

 A vida é feita de altos e de baixos
 e o sofrimento dos criados guaxos
 permanece gravado em suas almas.

 Mas Deus que tudo vê lá das Alturas,
 estende Sua bênção às criaturas
 pra que vivam na paz e sejam calmas.

SONETO 15956

Sonetos, trovas, versos e canções,
 Que admiro ler de tardezinha, quando
 O sol vai no horizonte declinando
 E as horas nos envolvem de emoções…

 Se permaneço em sonhos meditando,
 Tudo vem me lembrar desilusões,
 Que ficaram das cálidas paixões
 De um passado sentido e quase brando.

 Se naveguei por mares de loucura,
 amei demais alguém que me feriu
 com a lança desleal da falsidade…

 Desejo sepultar essa amargura
 e seguir meu caminho como o rio
 que corre livremente… Ah! que saudade !

SONETO 15938

Os versos que escrevi me trazem, hoje,
 à lembrança, aventuras que sonhei,
 mas vivo a presenciar que o tempo foge
 e aquelas metas nunca realizei…

 Posso dizer que alguém eu muito amei,
 e sem usar a culta metagoge,
 deva esquecê-la… como poderei?
 para que deste carma me despoje?!

 Mas as minhas poesias ´stão aí
 e formam os momentos que vivi,
 sempre cantando tristes madrigais…

 Se algumas penas sofro nesta vida,
 são o produto da missão cumprida,
 procurando no amor meus ideais !

SONETO 15712

Por que teria que surgir agora
 este amor impossível, malsinado,
 se meu coração hoje já nem chora,
 de tanto que ficou assaz magoado?!

 Um dia alguém partiu, foi embora;
 era donzela e muito a havia amado,
 culpa minha talvez, pela demora
 de ter àquele amor me declarado…

 Devia ser ridículo e enfrentar
 a todos na maior serenidade
 de alguém que não tem medo de sonhar…

 E penso que fui tímido demais,
 próprio do pensamento nessa idade,
 que infelizmente não retorna mais !

Fonte:
Sonetos enviados pelo autor
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=44

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Henriques do Cerro Azul (Livro de Sonetos)

ÉDEN

Hoje enfim novamente (há quantos dias
Que eu ansiava por esta ocasião!),
Hoje enfim, entre estranhas alegrias,
De novo aperto essa pequena mão

De novo, entre divinas harmonias,
Ouço-te a voz – pulsa-me o coração:
Tuas tranças revoltas e sombrias
São sacudidas pela viração…

Hoje enfim novamente me enterneço,
Pois novamente o teu amor mereço,
Éden que loucamente abandonei…

Atrás de ti eu loucamente andava,
Paraíso perdido que eu buscava …
Paraíso perdido que eu achei !

CONTRASTE

Longe de ti, eu te imagino perto:
Vejo esse teu sorriso a todo instante;
Qual se te visse, o coração amante
É um doce ninho ao teu amor aberto.

Perto de ti, te julgo tão distante…
Nem mesmo vejo o teu sorriso incerto;
Com saudade de ti o peito aperto
Relembrando o fulgor do teu semblante.

Também tu és como eu:- os teus sentidos
Se enganam, como os meus, pelos caminhos…
E assim passamos desapercebidos

Do erro de nossos múltiplos carinhos:
– Quanto mais longe tanto mais unidos,
– Quanto mais juntos tanto mais sozinhos !

SONHO SEM VIDA

O doce afeto que meu ser sonhara
Cheio de enlevos, terno, comovido,
Nascia cheio de uma ardência clara…
Mas antes de nascer, tinha morrido!

Ele foi um capítulo perdido
De uma comédia deslumbrante e rara;
Foi ele um livro inédito, esquecido,
Que u’a mão escrevera e abandonara…

Morreu à mingua de um sorriso terno,
De um olhar, de uma frase comovida,
De um gesto meigo, de um carinho enfim…

E assim o idílio que seria eterno,
O doce sonho que não teve vida
Sem nunca ter começo teve fim.

O QUE NÃO DISSE

– “Olha, eu sei que pequei (eu te dizia,
Quando deste este amor por terminado),
Mas perdoa, querida, este pecado…”
Porém me fulminaste de ironia.

– “Eu te amo, repliquei com voz sombria,
Não me abandones, quero-te ao meu lado!”
Mas rasgando-me o peito lacerado,
A tua boca virginal sorria…

Quis dizer, com a verdade por escudo,
Antes que a minha força me fugisse,
Que eras meu sonho, meu amor, meu tudo

Mas não achei as frases!… Com meiguice,
Olhei-te então enternecido e mudo:
Mas nem sequer ouviste o que eu não disse !

FECUNDOS ARREPENDIMENTOS

Nos meus fecundos arrependimentos,
Por não te haver amado, de covarde,
Estes versos te escrevo, embora tarde,
Revelando-te assim os meus tormentos…

Amo-te assim: sem arrebatamentos,
Sem gritos, sem excessos, sem alarde,
Enquanto a chama dos meus sonhos arde,
Votiva chama dos meus sentimentos.

Hoje, por minha culpa anda sozinha
Minha alma, a procurar-te pelo espaço
E a culpa é minha de não seres minha!

Mas extravaso em versos os tormentos…
Vem, e aceito estes versos que te faço
Nos meus fecundos arrependimentos !

PERTO DE TI

Em ti a luz das lâmpadas nas naves
Cintila; em ti a luz dos astros sentes:
Que brilho há nos teus olhos inocentes!
Que formosura há nos teus gestos graves!

Perto de ti, escuto as mais ardentes
Canções, as mais românticas e suaves;
Sinto clarões de estrelas, cantos de aves,
E perfumes de flores redolentes…

Mas minhas mãos, das tuas sempre ao lado,
Na triste solidão que perpetuas,
Permanecem nostálgicas sozinhas…

Quem comete mais áspero pecado:
As minhas mãos em procurar as tuas,
Ou tuas mãos em recusar as minhas?

É ASSIM QUE EU AMO…

Se amar e ter o pensamento e a vida
Voltados para um ser unicamente;
Se é ter em convulsões a alma acendida
Num doce anseio e num desejo ardente;

Se é dar sem receber; se é ter em mente
Por toda a longa estrada percorrida,
Alguém, talvez, que nem sequer pressente
Nossa amarga afeição desconhecida…

Se é chorar, se é sofrer sem ter tormento;
Se é sorrir, se é gozar sem ter motivo;
Beijar as flores, abraçar o vento,

E as aves escutar de ramo em ramo: –
Amada, eu te direi que é assim que vivo…
Mas, se não for amor, é assim que eu amo!

VIAGEM AO EGO

Tu és ente subjetivo, intrínseco,
Íntimo, radical, ínsito, básico,
por diferir dos mais teu ser anímico
e esse teu pensamento idiossincrático…

O pensamento de teu ser congênito
é teu, somente teu, interno e orgânico,
nasceu contigo e com teu sonho ingênito
e há de seguir-te com terror tirânico.

Tua alma segue de esperanças ávidas,
mas esse teu anseio é característico;
nasceu contigo e de tua alma pávida
e enche de crença e fé teu sonho místico.

Estão na realidade de teu ânimo
As tuas ilusões, num doce acúmulo
Tua grande alegria ou teu desânimo
São teus e serão teus até o túmulo…

RIOS

É esta a glória com que mais me exalço!
Do teu afeto ao jugo prisioneiro,
Vejo enfim que ele é firme e verdadeiro
Em meio a tanto sentimento falso!

Se estou longe de ti, no cativeiro
Da saudade, sorrindo, em sonhos alço
Meu ser em busca de teu ser, no encalço
De ver teu vulto alegre e alvissareiro…

Vês estes rios, no aluvião que espargem,
Como se juntam, trêmulos, sombrios,
Ruindo barrancos e alargando a margem!

E o amor que vem de ti, que vai de mim,
São dois imensos, dois profundos rios
Que assim convergem para o mesmo fim!

AUSÊNCIA

Por que demoras tanto? Cada instante
Se arrasta como uma hora vagarosa;
E há tanto que te espero, esbelta rosa,
Rainha e dona do meu peito amante.

O tempo, nessa marcha preguiçosa,
Faz de um minuto um século hesitante,
Que não quer avançar, ir para diante,
Nem dar-me a tua imagem vaporosa…

Chegas, enfim, e pagas a demora
Com um beijo, quase a me dizer: “Perdoa!”
E abres no riso uma esplendente aurora.

Todo me enlevo em tua imagem boa…
E o tempo que parou, meu Deus, agora
Que estás aqui, como ligeiro voa!

O SONHO

Gozar a vida? Só por intermédio
Do sonho. O gozo, no correr dos dias,
Todas as ilusões e as alegrias
Tornam-se tema para um epicédio…

Só o sonho é que serve de remédio
A tão grandes e tantas nostalgias,
Pois em meio de mágoas tão sombrias
Até o próprio amor nos causa tédio.

O sonho, não! O sonho não nos cansa!
Bendita, pois, a mística esperança
E todo aquele que consegue tê-la…

Pois é o sonho que faz, bendito engano!
A gota d’água se julgar oceano
E o pirilampo se julgar estrela!

LUTA

Eu sei compreender a Dor Humana,
A angústia universal, a ânsia terrível
Que une todos os homens e os irmana
Na busca da Ventura inatingível!

Pois a Arte, a Religião, a Ciência insana,
A procura do Bem incognoscível,
Toda a Filosofia que promana
Do homem, é apenas pela Dor possível!

Tudo isto é a luta universal acesa
Do ser Humano contra a Natureza;
É a luta! E pela luta, em toda a parte,

Desvendam-se os segredos e os mistérios,
Surgem a Ciência, a Religião e a Arte,
E crescem as cidades e os impérios!

Fonte
Jornal de Poesia
Antonio Miranda

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Haroldo Lyra (Livro de Sonetos)

COISIFICADAS

Hoje é comum mulher tirar a roupa
Pra revelar nas bancas de jornal,
Despudoradamente o colossal
Segredo da virtude, já tão pouca.

Desnuda-se, aos apelos do mural;
Na crapulosa folha a pose louca
Que a revista conduz de boca em boca
E faz dessa mulher coisa venal,

Que assim exposta nua à sordidez;
Dependurada à espreita do freguês,
Nem percebe aonde e como vai chegar.

Mas chega ao pai, os sonhos carcomidos,
Por ver da filha os garbos preteridos,
E oferecida a quem puder pagar.

AMIZADE

Depois de salpicada uma amizade,
Por leve farpa num fugaz momento,
Traz o fato, humana realidade,
Carência de afeto e entendimento.

Se à prosa que se faz se põe maldade,
Perde, a amizade, o doce encantamento.
Há de perder também sinceridade
E lesto se avizinha o rompimento.

Mas, valham as que têm, irrelevante,
O dardo que feriu por um instante
Involuntariamente a fidalguia.

Nisso, aquela que impõe severa norma,
Inexoravelmente se transforma
Em triste olá de falsa cortesia.

APANIGUADOS I

Tenho pena de quem não é capaz
De sustentar-se pelos próprios meios,
Nos donativos finca os seus esteios
E a propaganda de um viver falaz.

Tenho pena dos que romperam veios
Das batalhas que não enfrentam mais;
Mendigos de padrões oficiais
Classificados sem quaisquer receios.

Que pena!… quando o silo esvaziar-se
E o joio dessa safra esparramar-se
Sobre as mentes que o dolo enfeitiçou.

Será penoso então o amanhecer,
Pois apenas terão para comer:
As sengas do pão que o diabo amassou.

SUBLIME AMOR

Numa clínica, um velho procurava
Rápido curativo à mão doente.
Dizia-se apressado, que era urgente,
Pois tinha um compromisso e se atrasava.

O médico, atendendo ao paciente,
Perguntou por que tanto se apressava!
É que, num certo Asilo, costumava
Tomar café co’a esposa, já demente.

O médico ressalta: “Por descaso,
Não reclamara ela desse atraso?”
E ele: “Nem mais me reconhece, até”.

“Então! É apenas um capricho seu?”
“Oh, não! Ela não sabe quem sou eu,
Mas eu sei muito bem quem ela é”.

DUAS TAÇAS

O álcool sempre vem abrilhantar
Os banquetes em salas requintadas,
Servido nas baixelas prateadas
Que aos olhos serve mais que ao paladar.

O álcool é um prazer bem popular,
Nos bares, nas barracas empalhadas,
Servido n’umas taças mal lavadas,
Agrada à boca, à venta, a quem tomar.

Um drink, salgadinhos de salmão;
Uma cereja adorna a taça à mão
E o fino aristocrata se enaltece.

Um trago, um tira-gosto de buchada;
A banda de um limão, já machucada,
E o jeca deita e rola e a pinga desce.

Fonte:
Efigênia Coutinho. 1000 Sonetos . Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE). 2009.

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Francisco Neves Macedo (Livro de Sonetos e Trovas)

“PAZ”

Na rapidez da informática,
meu sonho dura um segundo,
numa proposta automática
Paz, ponto com, ponto mundo.

ESTAÇÕES

Nós, duas almas que desabrochavam,
começavam viver os bons momentos,
cheios de grande amor, encantamentos
que em arroubos de ardor se enamoravam.

Braços, que ao sabor, já se entrelaçavam,
seguindo, os corações, os batimentos,
a mesma comunhão de sentimentos,
desnudos, nossos corpos que se amavam.

Primaveras, outonos… Estações,
velhos costumes,, sem as emoções
dia a dia a verdade que me ensina.

Nosso futuro, que nos corações,
se anunciavam, cheios de paixões.
agoniza no chão desta rotina

EU CULTIVO UMA FLOR

No segundo semestre de setembro,
plantas se vestem das mais lindas cores
que eclodem no campo em forma de flores,
tantas, que os nomes, não sei ou não lembro.

No ar, toda a embriaguez, na qual relembro,
as festas, os buquês e os meus amores,
a doce inspiração e os trovadores,
e dos Jogos Florais e cada membro.

Primavera, Poética Estação,
que faz esparramar, pelo sertão,
as chananas, orquídeas, lindas rosas!

Eu cultivo uma flor… Mulher, “Rainha”…
Mulher amada que será só minha.
Pétalas de emoções miraculosas!

ICONOCLASTAS DO MEIO AMBIENTE

As árvores são tanta e já floridas,
e são milhares, todas importantes,
mas sei também de muitas ressequidas,
que a moto serra, fez agonizantes.

Árvores tombam, tantas, tanta vidas,
por mãos e mentes, as mais ignorantes,
nas ambições nefastas desmedidas,
o que lhes tornam torpes ruminantes.

Do apocalipse, a “besta” da ambição,
com a maldita, moto serra à mão,
destruindo as irmãs da nossa gente.

Vem a mortal desertificação,
morte virá também ao falso irmão:
Iconoclasta do Meio Ambiente.

AMIGO! UM IRMÃO QUE A GENTE ESCOLHE…

Fazer escolhas, nesta minha vida,
é o dia a dia que se faz dever,
e quando eu erro vem todo um sofrer,
mas, se a escolha é banal, fica esquecida.

Um carro, um disco, um anel, uma bebida,
uma mulher, um livro para ler,
a nossa fé, time para torcer,
uma viagem, um som, uma comida.

Fiz tantas vezes essa escolha errada,
usei o livre-arbítrio para nada!
mas, quem está na chuva, que se molhe…

Há uma escolha que é definitiva,
e eu me baseio nesta afirmativa:
Amigo é aquele irmão que agente escolhe.

CRÍSTICO ABRAÇO

Um momento maior de devoção,
de desespero e dor, fé incontida,
onde, não mais que a força da oração ,
era capaz de dar sentido à vida!

Na igreja, porta aberta, contrição…
Buscava ali, minha última guarida,
e genuflexo, fiz uma oração
com a minha alma em dor estremecida.

Nunca sentira, nunca tinha visto,
tanta empatia olhando para o Cristo,
a quem olhava com um olhar fixo…

Neste momento de êxtase senti,
o seu abraço e “despertando” vi…
Seus braços, já voltando ao crucifixo!

SOU O NÚMERO 300

Sou número trezentos deste autor,
que dedica-se à mim de coração
e que faz a maior divulgação,
tentando resgatar o meu valor…

São tantos temas… Da vida, do amor,
sonho, saudade, lágrimas, paixão.
Sou sua vida eivada de emoção,
sou a celebração por onde for.

Sou o soneto que está em sua alma,
carente de leitor, aplauso e palma!
Sou despertar do verso que dormia!

Um sentimento para declamar
que enternecendo, quer se propagar…
Sou em verdade a própria poesia!

…E AMOR SE FEZ SONETO

Sono esquecido, a acolho, nos meus braços,
ouço o teu respirar, lindo, ofegante,
nos seus carinhos, mil beijos e “amassos”,
instante lindo, não mais que um instante!

Tomo-te, assim, vasculho teus espaços,
orgasmos loucos, sonhos fascinantes!
Por tudo que fizemos, os cansaços,
se fazem adrenalina nos amantes.

Respiração… O som que enleva a gente,
agora se faz terna, mas, ardente.
Voz que em louco prazer se faz dueto.

Onde estiver, é certo estar presente,
cada suspiro, que trará na mente,
este momento, que se fez soneto!

ADEUS A CHICO MOTA

Irmão Francisco Mota, o trovador,
partiu sem avisar e nós ficamos:
A decisão de Deus, nós aceitamos,
mas, com muita saudade e muito amor.

No momento do adeus do trovador,
sua vida em flashback repassamos
e um mundo de poesias encontramos,
nos repentes repletos de esplendor

Chico Mota, poeta rei da rima,
no seu novo habitat no andar de cima
com Castro Alves, Luiz, entre outros astros…

Miríades de versos mundo a fora,
no momento maior dele ir embora,
o Chico Mota, deixa como rastros!

BOM DIA EMOCIONAL…

Receba, neste dia, meu Bom dia!
Em um arroubo, assim, feito um lampejo,
eu não apenas digo, mas, desejo,
e espero que ele encontre sintonia.

Até concordo que a tecnologia,
faz máquina dizer e com gracejo,
no impessoal e sem nenhum traquejo,
um bom dia, qualquer, sem energia…

Bom dia!… Não apenas cumprimento,
mas que traduza todo um sentimento,
e o dia será bom, se for assim…

Meu “Bom dia” tem forma de oração…
É um desejo que vem do coração,
Com a fé neste Deus que habita em mim!…

*****************************
Faça de um simples Bom dia,
um ato de comunhão…
Levando “ao outro” a energia
que está no seu coração!
*****************************

“CAMINZA”

Folião pela própria natureza,
sexta-feira e eu curtindo essa folia,
já estou embriagado de alegria,
ressaca quinta feira é uma certeza

Grande “momo” na sua realeza,
assinou minha carta de alforria
eu vou extravasar minha euforia
vou esquecer de vez minha pobreza

No carnaval, brincar, sei que é preciso,
curtindo muita zorra com juízo:
Ainda ontem eu ouvi de um folião.

De hoje até a quarta-feira, que é de cinza,
para amar só se usar uma “caminza”:
Diz ao filho o “bebum” “chei” de razão!

ÊXODO RURAL

Certa noite eu sonhei, quando dormia,
que os campos e os roçados do sertão,
tristes estavam, sem um só irmão!
E quanto mais olhava, menos via.

Que ninguém mais plantava nem colhia,
nada, nem uma fruta, nem um grão,
quase um deserto em vez da plantação…
Brotou dentro de mim uma agonia.

Cidades, vi em sonho, no momento,
o seu povo a clamar por alimento…
Desespero total… Não tinha nome!

Pelo êxodo rural que acontecera,
grande parte dos homens já morrera…
Pelo maior flagelo… A negra fome!

*************************
Filho, agora vá buscar,
os gravetos, não demore.
Se a fome te torturar…
Sê forte, filho, não chore!
**************************

BEIJO – O DESPERTAR

Encantamento, mais que encantamento!
Um lindo despertar, de duas vidas,
em emoções, que vão, enlouquecidas,
vivendo o novo, com deslumbramento!

Os quatro braços, prendem, libertando,
corpos e almas, agora, ensandecidas,
são emoções em bocas hoje unidas…
Primeiro beijo, fogo crepitando!

Dois lábios, sensações, loucas, plurais,
quase uma dor, nirvanas divinais,
num corpo só, unindo os corações.

Nós dois envoltos: Sonho multicor…
Ir adiante, em êxtase de amor,
no inevitável fogo das paixões.

**********************
Os lábios, num beijo, unidos,
despertam grande paixão…
Tornam um só, dois sentidos,
de dois, um só coração!

***********************

Fontes:
Efigênia Coutinho. 1000 Sonetos . Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE). 2009.
http://chicomota.com/tag/francisco-neves-de-macedo/
http://www.satelitefm.com.br/
http://academia-alace.com.br/eventos2.html
http://www.sardenbergpoesias.com.br/aniversario_2008/primavera/primavera.htm

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Arquivado em livro de sonetos, O poeta no papel, Trovas

Alma Welt (Livro de Sonetos)

PARADOXO

Que mais posso escrever? perguntaria,
Se preciso fosse achar assunto…
Mas aquilo que nascer precisaria
Virá à luz sem aquilo que pergunto

Pois tão imperioso é o poema
Que tantas vezes temo o que virá,
E o suspense que antecede o tema
É prazer, sofrimento e… Deus dará.

Aquilo que surgiu é verdadeiro
Pelo fato de estar no mundo agora
Como filho de alguém que foi embora,

E que é melhor nem saber o paradeiro.
Mas qual a fonte mesma deste verso
Que falhou em refletir meu universo?

A MOIRA

Ser prudente, modesta, equilibrada,
São coisas que nunca consegui;
Aceitar a pequenez como jornada
No mundo real em que me vi,

Jamais pude acatar e me rebelo
Somente por ser Alma e ignorar
Tudo o que mesmo não for belo
Ou que em beleza não possa transformar.

Meu consolo é que pouco desta vida
Não se pode em arte e graça revelar
Em sua bela imagem refletida.

Só a Moira me é ainda estranha
Como uma estrangeira em nosso lar
Que há muito se hospedou e não se banha…

ANTI-SONETO

Hoje decidi não escrever.
Sinto muito, não haverá soneto.
Não se trata de inspiração não ter,
Mas me faltou este quarteto.

O segundo me parece duvidoso:
É este que só quer aparecer.
Sem ter realmente o que dizer
Poderá criar um círculo vicioso.

Então me reduzi a um terceto:
O próximo, se este me resvale
E seja só um prólogo ou moteto.

Mas pensando bem, é melhor não:
Esta montanha é apenas o seu vale,
Ou uma torre que é só o rés do chão…

AMOR E ARTE (II)

Francamente eu preferia a Morte
Se na vida não mais houvesse Arte.
Sei que é radical e muito forte
Proclamá-lo aqui e em qualquer parte.

Mas Amor é básico e irradiante
E faz rodar a Terra no seu eixo,
O sol e outras estrelas, disse Dante,
(para citar il Vate no seu fecho)…

Se é a Arte que a vida nos sublima
Com as cores mais belas da paleta,
O Amor é quem pinta e ilumina,

Faz obra-prima de simples garatuja,
Cria um Iris em pincelada preta,*
E torna lindo o filho da coruja…

UM ETERNO RETORNO

Os vikings, germanos e outros mais,
Morrer só desejavam com bravura,
Assim como os antigos samurais,
Pra voltar à mesma senda e vida dura.

Assim também est’Alma louca aqui,
Cedo tomada pela arte da Poesia,
Bem cedo irei morrer em nostalgia
Desta vida que, escrevendo, revivi.

Embora alguns bem cheios de revolta,
Acredito que os poetas são divinos…
Mas Deus com suficiente à sua volta

Relança sobre a terra os mais sofridos
Pela saudade dos ventos e dos sinos.
E bá! Tome mais cantos e alaridos!

O MESMERISTA

Meu irmão convidou um jogador,
Seu colega aventureiro e “mesmerista”,
Que dizia anular qualquer pudor
Até de antiga freira ou normalista.

E que usara esse poder para vencer
No pôquer, o que quase lhe custara
A vida e mais um olho de sua cara
Retirado a canivete, sem tremer.

Mas a pedido dele em reservado,
Deixei caolho-rei dos fascinantes
Exercer o seu dom em pleno prado…

E voltei com o olhar esgazeado
Com passos abertos, claudicantes,
E o ar pleno e perdido das amantes…

A RISADA DA CAVEIRA

O estranho fato de existir a Morte
Só pode ser de Deus a brincadeira
De mau gosto, feia, um tanto forte.
Senão, vejam a risada da caveira:

Seu riso alvar, sarcástico, grotesco,
E o corpo estilizado de fantoche
Do mais puro estilo picaresco
De escultor chegado no deboche.

Também não dá pra gostar da fedentina
Do banquete dos vermes que outrora
Os poetas chamavam de vermina.

Perdoe-me o fiel que tanto reza,
Que acha tudo belo e tudo preza,
E não vê o absurdo sob a aurora…

DE POETAS E POESIA

Poetas somos poucos, não adianta
Dizerem que é qual serviço público
Ou que poeta almoça mas não janta,
Que hoje o leitor é tão abúlico…

A poesia não morreu, está presente
Nas letras das canções que o povo canta
E deixa n’alma a tal rara semente
Que morre, germina e logo encanta.

A Poesia está em tudo, é parceira
Do homem do povo no seu dia,
Que sem ela ninguém suportaria

Vir ao Hotel Mundo em dura estada
Ou nascer de cruel parto sem parteira,
Se não temos mais Queen Mab, nossa fada…

O VÍCIO DO SONETO

Sim, preciso afinal me confessar:
Estou mesma viciada no soneto,
E como em consultório não me meto,
Esse vício vai por certo me matar.

Pois já ando com lápis e bloquinho,
E até com o toco atrás da orelha,
Como o da padaria, lá, do Minho,
Pro verso que me dará na telha,

Pulando um riacho ou na campina,
A brincar com os infantes no jardim,
Até no leito, que não mais de menina,

Onde em ondas de múltiplos orgasmos
Me pego a ver tercetos dentro em mim,
E sílabas contar por entre espasmos…

A VIDA

A vida, meu amigo, é tão estranha
Que não fosse o risco de uma rima
Eu diria que é a teia de uma aranha
E no centro está aquela que dizima.

Ou então que a vida é uma aventura
Num trem fantasma de verdade
Em que os companheiros de tortura
Vão sumindo a cada feia novidade.

Ou ainda que a vida é uma trapaça
E que somos nós o trapaceiro
Vendedor de elixires de cachaça

Para nós e até para os amados
A quem amor juramos, verdadeiro,
Quando mal suportamos nossos Fados.

O SENTIDO DA VIDA

Viver é já por si um bom mistério
Sem resposta no plano da razão
E somente um suposto plano etéreo
Vem ainda alimentar nossa ilusão.

Pois se pensarmos muito no sentido
De estar aqui a comer e ver televisão,
Mesmo sendo um filme divertido,
Ou pior: americano e… de ação,

É pouco, muito pouco e fim de linha
Para uma caminhada tão sofrida,
Já que a humanidade assim caminha.

Mas ser poeta é encontrar o tempo todo
A beleza até na Morte, para a Vida,
A tal da flor a brotar em meio ao lodo…

O PACTO

A vida, meu amigo, não perdoa
O menor engano, erro ou deslize
E cobrará de modo que te doa
Seja aqui, em Paris ou em Belize.

Não poderás fugir pra Patagônia
Se na hora mesma da conquista
Trocares uma rosa por begônia,
E essa não for a flor bem quista.

E se pela atração de suas peles
Casares com um ser incompatível,
Acordo que nem sabes quando seles

E que o Tempo cobrará, embora lento,
Verás que os orgasmos de um momento
Se tornaram essa tua vida horrível…

Fonte:LinkOvermundo

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Arquivado em livro de sonetos, Rio Grande do Sul

Ialmar Pio Schneider (Livro de Sonetos IV)


SONETO ENEASSILÁBICO 1

Sol, bendito Sol que me alumias
quando permaneço solitário,
e sinto que transcorrem meus dias
como as contas bentas de um rosário…

Ouvindo o gorjeio de um canário,
vou lembrando velhas fantasias,
com as quais fui formando um hinário,
a minha bagagem de poesias.

E quando meu espírito for
pairando leve em outras esferas,
não esquecerei jamais do amor

que vivo cantando neste mundo,
nos invernos e nas primaveras,
com ânimo total e profundo !

SONETO ENEASSÍLABO 2

Apesar de só, me contenho
para não turvar o dia claro;
pois, há muito tempo meu empenho,
é conseguir na luz, amparo.

Sei o quanto ser feliz é raro
e por isto humildemente venho
pedir a Deus o clarão de um faro,
que me conduza a um bom desempenho.

Amei e fui amado e por isso
acredito no amor, no feitiço
que representa esta Divindade…

Vou morrer um dia, não sei quando,
mas, minh´alma vai viver sonhando,
que só no sonho há felicidade !

SONETO HENDECASSÍLABO

Às vezes sinto vontade de viver
os velhos tempos que não voltam jamais
e nesse sentimento parece haver
a saudade dos cândidos madrigais.

Versos simples, juvenis, tristes demais,
quando lia nos poetas o prazer
de lançarem ao mundo sentidos ais
que os faziam lamentar e padecer…

Por esta estrada em que segui caminhando,
encontrei algumas rosas com espinhos
que me feriram, mas me deram amor…

Se por muitos momentos passei sonhando
e tive desgostos e também carinhos,
eu fui apenas um escrevinhador…

SONETO 15073

Eu recordo dos tempos de criança,
quando me apaixonei perdidamente,
por uma linda jovem, de repente,
bem assim como nasce uma esperança…

Porém, não tive sorte, pois somente
tivemos uns olhares de confiança,
e neste mundo louco, em contradança,
nos perdemos na vida, totalmente…

E nunca mais nos vimos depois disso;
entretanto, conservo seu feitiço
no pensamento como a cicatriz

que fica sempre na alma de quem sofre;
porque meu coração é um velho cofre
que guarda os sonhos em que fui feliz !

SONETO 15063

A vida teve muita solidão,
enquanto suscitava um grande amor;
e que chegou em forma de paixão,
para um dia qualquer do sonhador…

Por isso é que dizemos, a ocasião
é que faz conseguir-se mais ardor
para chegar ao beijo de ladrão
e que sempre terá melhor sabor.

Lembranças vão e voltam num momento,
assim como levadas pelo vento,
que faz tremer a rama da folhagem…

Quando nós encontramos quem nos falta,
os versos fluem e a poesia assalta
o coração que sofre sem coragem.

SONETO 15060

Um dia ela passou em minha vida
e me disse a sorrir: – Triste poeta,
por que fazes dos versos tua lida?
O que tua alma tanto desinquieta?

Eu vi que era uma musa preferida
que me fez esta pergunta indiscreta,
e no instante ficou sendo a escolhida
para viver no sonho que me inquieta…

Entretanto, depois de tudo isso,
não tive a glória de viver com ela,
quem sabe, por ter sido tão remisso

de não acreditar ter vindo dela
a frase que me disse e que o feitiço
que me fez, foi de uma sereia bela !…

SETE DE SETEMBRO

Dia sete de setembro, dia de glória,
Dia em que o Brasil festeja radiante,
Que o sol é mais risonho e mais brilhante
E a nossa vida é menos merencória !

Dia de ouro para nossa bela história,
Pois neste dia que já vai distante,
Dom Pedro ergueu um grito trepidante,
Um grito de grandeza e de vitória…

Um brado ressoou pelo infinito,
Desde o extremo sul ao extremo norte,
Rasgando as nuvens este enorme grito

Retumbou num alarme grande e forte
Que transformou-se num ditoso mito
Da frase da “Independência ou Morte”.

PATRIARCA DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

José Bonifácio – Nascimento em 13.6.1763 – Morte 6.4.1838

Foi o Patriarca da Independência,
homem sábio e romântico poeta,
cujos versos “Teu Nome”, com paciência,
cantaram sua musa predileta…

Nobre cultor de escrita tão correta,
trilhou pelos caminhos da ciência,
e logrou atingir a sua meta
ao longo de fantástica existência…

Mas também teve sua frustração,
quando o nome da musa se apagou
nos troncos e nas praias e na estrela…

“Murchou nas flores”; e na solidão
por horas infelizes mergulhou,
e talvez nunca mais pôde revê-la…

Fonte:
Sonetos enviados pelo autor

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Arquivado em livro de sonetos, O poeta no papel

Sá de Freitas (Livro de Sonetos)



CAVALGADA NOTURNA

Talvez tu possas ver passar garboso,

(Em calma noite, cálida, enluarada),

Um cavaleiro à sós, pela envernada,

A dominar o seu corcel fogoso…

Talvez, ao som de um violão plangente,

Ouças alguém romântico cantando

Uma canção de amor ou declamando,

Um poema ou um verso simplesmente.

Não temas e nem fujas nessa hora,

Nem rezes pra que chegue logo a aurora,

E tudo passe, então, com a claridade.

Pois quem está ali fazendo flerte,

Sou eu que lá do Espaço vim pra ver-te,

Para curar a dor de uma saudade.

AQUELE HOMEM

Aquele homem ali, roupa rasgada,

Barbudo, de chapéu, ao nada olhando,

A estender a mão suja e cansada

À caridade dos que vão passando,

Já foi uma pessoa destacada

Na alta sociedade, mas julgando

Que os pobres nunca mereciam nada,

A prática do bem foi ignorando.

Vivia à sós sem ter nenhum parente

E fortunas gastava inutilmente,

Mas tudo, um dia, desapareceu.

Passou o tempo e agora abandonado,

Por ironia fica ali sentado,

Rente à porta do prédio que foi seu.

NAO ME DIGAS: «TE AMO»

Não me digas: «Te amo loucamente!»

Porque a palavra é apenas ressonância,

Que se perde, com o tempo, na distância,

E cai no esquecimento facilmente.

Prefiro um abraço sem nem um ruído;

Um beijo sem sussurros de promessa;

O teu olhar que quase sempre expressa,

O desejo que trazes escondido.

Não fales que me adora e que me almejas,

Entregas-te em meus braços simplesmente,

E me demonstres o quanto me desejas.

Se me disseres qualquer coisa agravas

O nosso idílio… E tenhas sempre em mente,

Que um suspirar diz mais que mil palavras.

O PODER DA CARIDADE

Se procura suprir, ao ver sem nada,

A mesa do idoso ou da criança;

Se traz consolo à alma já prostrada,

Sem fé e desnudada de esperança.

Se vai, tal como pode, na jornada,

A dar auxílio a todos sem cobrança;

Mesmo que certa ingratidão o invada,

Pela estrada do bem sem mágoa avança.

Se mantiver sua boca sempre muda,

Para não propagar sua bondade,

Humilhando a quem teve a sua ajuda…

Ah! Meu amigo ou minha amiga, a cruz

Que faz sangrar seus ombros sem piedade,

Vai ficar leve ao lado de Jesus.

SOFREMOS MUITO?

A cruz que arrastas pela vida afora,

Tal qual a minha, às vezes pesa tanto,

Que nos provoca o mais copioso pranto

E a esperança nossa se evapora.

Mas se olharmos com atenção lá fora,

Veremos com piedade e com espanto,

Que há cruz maior que a nossa, em cada canto;

Que há gente que soluça, grita e implora.

Se os pés ferimos, há os que não os tem;

Se a nossa vista é fraca, há os que não veem;

Enquanto andamos, há os que escalam serras…

Lembremos-nos: Há enfermos condenados;

Há nas ruas farrapos esfomeados;

Há milhares de vítimas das guerras.

QUANDO EU NASCI PRA SER POETA

Quando eu nasci pra ser poeta um dia,

A inspiração e o sonho festejaram,

Mas num canto escondidos, com ironia,

O pranto e a dor, sem pejo, gargalharam.

Mas hoje, mergulhado na poesia,

A dor e o pranto, que de mim zombaram,

Não podem retirar minha alegria,

Porque nunca… jamais… me escravizaram.

Eu sou poeta e igual a toda gente,

Sofro em meus dias, quando estão nublados,

Embora de maneira diferente.

É porque nos momentos adversos,

Enquanto muitos sofrem a dor, calados,

Eu desabafo a dor fazendo versos.

AO SOM DA LIRA

Ao som da lira eu fico embevecido,

Meio perdido até… se o amor decanto,

Porque o pranto flui-me tão sentido,

Quando envolvido estou por esse encanto.

Mas da lira não ouço o som doído,

Nem o gemido do meu peito, enquanto

Fujo de pronto, do meu tempo ido

E tão sofrido por desgosto tanto.

E as dores?… Busco eu sempre esquecê-las,

Pois prefiro ficar olhando estrelas

E nelas encontrar os versos meus.

Enquanto estrelas olho… a dor esqueço;

Quando esqueço da dor eu agradeço

E enquanto agradeço… eu sinto Deus.

SEM AMOR A VIDA FINDA

As ilusões se vão…vão de repente…

E, de repente, surge a realidade,

Que faz-me compreender que não é tarde,

Para sonhar de modo diferente.

Mais consciente agora e realista,

Meus castelos possuem outra estrutura…

Não alço vôo em demasiada altura…

Somente luto certo da conquista.

As ilusões da mocidade ida,

Serviram-me de ponto de partida,

À longas lutas que empreendo ainda.

Pois sem ter sonho o ideal fenece,

Sem ideal o amor desaparece

E sem amor, por certo, a vida finda.

Fonte:

http://www.raizonline.org/sadefreitas.htm

Imagem = montagem por José Feldman

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Nemézio Miranda de Meirelles (Livro de Sonetos)


INTROSPECÇÃO

A vida se me vai para o acaso
Mas prezo este ideal que a mim inflama:
O ideal que não tem espaço ou prazo
E queima em mim como agradável chama.

Não tenho este ideal por mero acaso,
Pois meu ser o cultiva e o proclama
E busca reduzir todo o atraso
De um tempo que se foi em vaga trama.

Não maldigo o castigo que redime,
Pois o bem que nos traz é tão sublime
Que a vida nos dá gosto de viver.

Sorrio por ter feito os bens que fiz
Lamento não ter feito os bens que quis
E ter custado tanto a me entender…

INGRATIDÃO

Raiava o dia e logo começava
A pobre mãe o seu penoso afã.
Na busca, para o filho a quem amava,
De um louro para os dias do amanhã.

E ele crescia enquanto ela minguava
Feliz, por nele ver o seu Tupã.
Pobre mãe! O destino reservava
Um triste pago à sua alma tão sã.

Ele hoje possui nome e fidalguia.
E ela pelo seu sonho e sacrifícios,
Doente, esmola o pão de cada dia.

Dos prazeres desfiando a alegre malha,
Ele esquece a mãe em meio aos vícios
E a justiça divina que não falha.

RUSGAS DE AMOR

Depois de tanto afago aprimorado,
Tantas promessas, beijos mil, abraços…
E de sonhos um mundo inacabado,
Azuis, bailando no éter dos espaços,

Não podia passar, apaixonado,
Sem o abraço divino dos teus braços.
Tu, por fugaz momento não pensado,
Não deixarias de seguir meus passos.

Tais rusgas, visão minha de altar mor,
Não fazem nosso amor muito maior:
Impossível se amar com mais ardor…

Ninguém querido como tu me queres.
Sinto-te a mais amada das mulheres.
Não há maior amor que o nosso amor.

ESPERANÇA

Adolescente ainda, eu te deixei um dia,
Tal forte condoreiro, o peito rico em sonhos…
Buscaria ventura – eu levava alegria
E um saco de ideais. Como eu ia risonho!…

E o tempo ia passando e a luta recrescia.
E hoje se às vezes só, o tudo recomponho
Vejo quanto lutei… Como a vida é sombria…
Se não fora tão forte eu cairia tristonho.

O saco de ideais quase completo ainda,
Mais difícil a vida, o corpo mais cansado,
E essa enorme esperança amiga que não finda.

Se por descuido digo às vezes deseolado:
Acho melhor parar… Ouço o peito bramir:
Zomba do teu passado! É lindo teu porvir.

DIAS VAZIOS

É um grande castigo imerecido,
Oito dias sem ter-te nos meus braços.
Sem a tua doce voz, de espaço a espaços.
Planja baixinho o termo de querido.

Meu pobre coração, triste e ferido,
Tem achado esses oito dias baços.
São saudades dos teus quentes abraços,
Do teu suave carinho estremecido.

Na distância através que nos separa,
sinto-me nos teus braços, em teu ninho,
Dando-me essa carícia que sonhara…

Contigo a sós e cheio de desejo,
Eu teço em teus ouvidos um carinho
E esmago teu sorriso com meu beijo.

ESTA MULHER

Esta mulher, meus senhores,
A rainha do meu lar,
É deusa dos meus amores,
É musa do meu sonhar.

É grande nos dissabores,
É grande no seu cantar,
Merece hinos e flores,
Merece sol e luar.

Pra sermos sempre felizes
Ela perdoa os deslizes
Com tal graça que encanta.

E pensativo eu contemplo,
O nosso lar como um templo,
E dentro dele uma santa.

CONSELHOS (Ao meu filho)

Filho adorado ! Surges para a luta,
Para essa luta que se chama vida.
Antes porém de começar escuta
A voz da experiência, adquirida

Por teu amigo e pai, que já labuta
Há cinco lustros, de alma enobrecida,
Bem alheio ao pesar que a alma enluta,
Sem blasfemar no mundo em grande lida.

Ama e respeita a Deus, eternamente,
Teus pais e mestres teus, respeita e ama,
Ama tua pátria e toda Humanidade.

Aos que errarem ensina a ser clemente,
Respeita a virgindade e a sã velhice,
Ama o saber, o bem, ama a verdade.

QUE MUNDO É ESTE?

Que mundo é este, de miséria e lama,
De tanta corrupção e tanto crime,
Que o homem ao mesmo homem oprime
Por instinto infernal, inglória fama?!

Que mundo é este que põe num mesmo time
E retrata por igual, na mesma gama,
A meretriz vulgar, a casta dama,
Lupanar que cai, templo que redime?!

Justas leis não têm soluções mágicas.
E por isso teremos horas trágicas
Quando chegar o dia do juízo.

Somento a volta a Deus, ao seu rebanho,
Transmutará toda derrota em ganho,
Males do inferno em bens do paraíso.

VERSO E REVERSO

A vida eu levava assim aos trambolhões,
Entre sonhos de amor, entre noites de orgia.
Acostumei a dar para minhas paixões,
Todo o grande esplendor de minha fantasia…

O perfume, a mulher, a música, os serões
E o retinir de taça eram minha alegria.
Por um prazer qualquer eu semeava ilusões,
Desenganos em troca era quanto colhia.

Por fim cansou-me um dia essa existência inglória,
E o passado esqueci, sem remorso e sem ais.
Soava ao longe um toque, um toque de vitória.

E dei tudo por ti, entre albores serenos…
Foste na minha vida uma ilusão a mais,
Que me viria dar quão desenganos menos.

RESSURREIÇÃO

Ressuscitar para a luz é o caminho
E voltar para o bem, seja quem fores.
Não programes solver o bem sozinho
Nem aos outros querer doar tuas dores.

Por mais que tenhas semeado espinho,
Tenhas haurido fétidos odores,
Ainda há tempo de trocar carinho,
De respirar o ar puro dos condores.

Vamos, dá-me tuas mãos, olvida o ontem.
Torna-te outro, não queiras que te contem
Onde chegaste após errar a trilha.

E se voltares um dia ao abismo,
Que seja por amor e altruísmo
Para levar alguém à luz que brilha.

BIFURCAÇÃO

E chegou-se a um profeta, de joelhos,
Um homem que se sentia amargurado.
E desatou pecado por pecado.
E o refletir atroz de seus espelhos.

– Que me dizes? Mudar quero meu fado.
Reclarear os meus olhos vermelhos.
Diz-lhe o profeta: – Vai. Estás mudado !
– Mas te relembro, à guisa de conselhos:

Se viveres no mal, foge ao acúmulo.
Na natureza há sempre vago um túmulo,
Pra todo aquele que descumpre a Lei.

Não condena o bem ao abandono.
Na natureza há sempre vago um trono,
Pra todo aquele que se faz um rei.

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Arquivado em livro de sonetos, O poeta no papel

J. G. De Araujo Jorge (Livro de Sonetos I)

A DOR MAIOR

Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
– reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei até, ( e o fiz ingenuamente…)
ter encontrado a companheira ideal…
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal…

Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido…

A dor maior… A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!…

A ESPERA

Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…

O céu desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando…

E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade…

Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…

A LUZ

Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)

Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa…E há alegria…

Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!

A VIDA

I
“…Mudarás, todos mudam, e os espinhos
com surpresa verás por todo lado,
– são assim nesta vida os seus caminhos
desde que o homem no mundo tem andado…

Não hás de ser o eterno namorado
com as mãos e os lábios cheios de carinho,
– hoje, juntos os dois… tudo encantado!
– amanhã, tudo triste… os dois sozinhos!…

E sentindo o teu braço então vazio,
abatido verás que não resistes
à inclemência do tempo úmido e frio!

Rolarás por escarpas e barrancos:
sobre o epitáfio dos teus olhos tristes
trazendo a campa dos cabelos brancos!”

I I

” . . Tem sido assim e assim será… Mais tarde
o que hoje pensas chamarás: – quimera!
E esse esplendor que nos teus olhos arde,
será a visão de extinta primavera…

Escondido à .traição, como uma fera,
bem em silêncio, e sem fazer alarde,
o Destino que é mau e que é covarde,
naquela sombra adiante já te espera!

E num requinte de perversidade
faz de cada ilusão, de cada sonho,
a ruína de uma dor… e uma saudade…

E se voltares, notarás então
desesperado, ao teu olhar tristonho
que em vão sonhaste… e que viveste em vão!…”

I I I
“… A vida é assim, segue e verás, – a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida…

Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida…
– amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida…

A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança…

E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!…”

IV
“…A vida é assim, uma ânsia… feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
– apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
– a vida é assim… um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga…

O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre “um amanhã” cheio de dor
para “um hoje” nem sempre de ventura…

Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!…”

V
Isso tudo nos dizem, – entretanto
nós dois seguimos braços dados,
creio que se tu sabes que te adore tanto
do que ouviste talvez não tens receio…

A vida, – é o nosso amor, o nosso encanto!
Nem a podemos mais parar no meio…
Chorar? – bem sei que choras, mas teu pranto
é a alegria que canta no teu seio…

O mundo é bom e nós o cremos, basta!
E se um amor tão grande nos enleva
e pela vida unidos nos arrasta,

– que eu te abrace e te apoies sempre em mim,
e desafiando o mundo envolto em treva
sigamos juntos para um mesmo fim !

ALVORADA ETERNA

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos…

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos…

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca…

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

AMARGURA

Só podes me ofertar o silêncio e a amargura,
– meu pobre amor de ti só espera a indiferença…
Perdoa o meu amor… perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa…

Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença…
Foi então que te vi… e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa…

E foi assim que um dia eu fui sentimental…
Acreditei no amor… E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer – mas não te quero mal…

Quem amou, fui eu só… Eu nunca fui amado!…
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!

Fonte:
JORGE, J. G. De Araújo. “Meus Sonetos de Amor. RJ. 1a edição, 1961.

Imagem = montagem por José Feldman com imagens obtidas na internet

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Ialmar Pio Schneider (Livro de Sonetos I)

MÁGOAS E QUEIXAS

Fazer versos é fácil – dir-me-eis –
se lerdes minhas páginas singelas
e simplesmente reparardes nelas
mágoas que nem de longe conheceis….

Se assim pensardes, nunca entendereis
da própria alma as fatídicas procelas
surgindo à noite, não em tardes belas,
e sois felizes porque não sofreis…

Se, no entanto, sentirdes a tristeza
transparecendo aqui nas entrelinhas
destes versos, que os leva a correnteza

a transbordar em zonas ribeirinhas,
é possível que tendes, com certeza,
queixas amargas iguais às minhas !

AMOR PROIBIDO

Pobre Rubião que quis o amor proibido,
o louco afeto que não era seu,
e sem desabafar num só gemido
nos mares da loucura pereceu.

Sofia há de lembrar o seu pedido,
que sem saber por que não atendeu,
e o distante cruzeiro enaltecido
continuará brilhando lá no céu,

como chamando a cativante bela,
que calma se aproxime da janela
e que venha fazer-lhe companhia.

E o vento, desfolhando as lindas flores,
há de chorar incompreensões de amores
por uma voz pungente de elegia!

SONETO A UMA MUSA

Tento ainda escrever mas, tristemente,
meu coração soluça e não esquece
a musa que enfatiza a minha prece
e sinto que estou mal, estou doente.

Por que será que foste a grande ausente
na vida do poeta que padece,
(oh! fada que percorres minha messe)
e me fazes sofrer inutilmente?!…

No entanto, minha velha companheira,
eu te levo comigo na desdita,
e há de ser a esperança derradeira

de seguir versejando amargas penas,
porque em sonhos te vejo tão bonita,
e pra mim tal conforto basta, apenas…

SONETO A CANOAS

Altaneira cidade do progresso
rumo ao destino imenso te projetas;
das indústrias, fenomenal complexo,
exemplo de trabalho em tuas metas !

E irás rompendo curvas pelas retas
do amanhã promissor e do sucesso,
a fim de proclamarem os poetas
que em teu avanço não terás regresso…

Jovem ainda, contas com o vigor
de teus filhos natos e adotivos,
cada qual dedicado ao seu labor

para te verem mais engrandecida
em teus empreendimentos e atrativos;
e onde transcorra normalmente a vida.

SONETO MÍSTICO

Estou sentindo um sopro realmente…
É a hora em que refrescas minha fronte
e sou Tua flor, erguida em alto monte,
a quem deste um aroma permanente.

O dia em que eu tombar murcho no chão
recolhe para Ti todo o perfume
para que eterno queime no Teu lume
incensando Tua plácida mansão.

Não o deixes perder-se em treva densa,
mas faze que ele sempre a Ti pertença
co’a glória de servir-Te e que somente

um dia – não sei quando – em Teu louvor,
retorne finalmente à mesma flor
p’ra que unidos os guardes eternamente.

CONSOLAÇÃO

Os meus versos não servem mais pra nada;
quero jogá-los fora, pobres versos,
foram meus companheiros de jornada
nos momentos felizes ou adversos !

Muitos escritos pela madrugada,
tristes soluços na paixão imersos
parecem uma história inacabada
com fragmentos avulsos e dispersos…

Entretanto, por que jogá-los fora ?
se nasceram do fundo de minh’alma
e já não servem pra mais nada, agora ?!

São versos pobres, versos, enfim, tristes,
mas fazem que eu mantenha a minha calma
e me dizem que tu neles existes…

SAUDOSISTA

Tu me acusas de eu ser um saudosista
a viver relembrando amores idos…
como queres que assim deles desista
se foram, afinal, apetecidos ?

E viverão comigo enquanto exista
saudade dos momentos bem vividos,
representando sonhos de conquista
oh! como poderão ser esquecidos ?!

É meu dever querer-te sempre mais,
mas os direitos devem ser iguais
para que nunca Amor haja conflito.

A acusação que sai da tua boca
só te transtorna, tu pareces louca !
Aquilo que houve outrora está prescrito…

SONETO AO SOL

Nesta tarde sem chuva até parece
que a claridade abraça nossa Terra,
o sol risonho aos poucos se descerra
e alegremente brilha e resplandece…

Oh! Rei dos Astros, quanta luz encerra
tua mensagem pura como a prece,
minh alma consternada te agradece
a paz que trazes afastando a guerra !

Fugindo ao teu calor, buscando as águas,
a Humanidade olvida suas mágoas
e vai achar sossego à beira-mar…

Fazes crescer a planta com carinho
que produz folha, flor e até o espinho;
e as folhagens enfeitando o Lar.
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Sobre o poeta:
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