Arquivo do mês: fevereiro 2010

Belmiro Braga (100 Trovas)

1
As almas de muita gente
são como o rio profundo:
– a face tão transparente,
e quanto Iodo no fundol …
2
Em ti, minha Mãe, se encerra
todo o meu maior troféu:
– guardas num corpo de terra
uma alma feita de céu.
3
Fiz na vida o meu escudo
desta verdade sagrada –
o nada com Deus é tudo
e tudo sem Deus é nada.
4
Quem, mesmo nas alegrias,
de lastimar não se furta
de ver tão longos os dias,
para uma vida tão curta?
5
Pobre de mim! Por desgraça
meu coração é um coador:
nele, o riso escorre e passa,
e fica tudo o que é dor.
6
A beleza não te atrai?
Só te casas por dinheiro?
Tu pensas como teu pai,
que morreu velho e … solteiro.
7
Saudade… palavra linda,
de sete letras… Saudade
é noite que tem ainda
lampejos de claridade.
8
Casa em março Ester Macedo
e em julho é mãe… Ora, o alarde!
O filho não veio cedo,
o esposo é que veio tarde…
9
Só mesmo Nossa Senhora
pode dar paz e conforto
à desgraçada que chora
a ausência de um filho morto.
10
Muitas vezes imagino,
nos meus dias desolados,
que o meu coração é um sino
dobrando sempre a finados.
11
Eu não lamento o revés
do morto que se fez pó;
do vivo, que espera a vez,
desse sim, eu tenho dó.
12
Quantos mortos trago vivos
no fundo do coração,
e dentro em mim quantos vivos
há muito mortos estão! …
13
Olhaste Jesus na Igreja
demais. E tanto o tens visto …
Fazes-me assim ter inveja
da própria imagem de Çristo.
14
Não devo guardar ressábios
da nossa extinta afeição:
morto me trazes nos lábios
e, vivo, no coração,
15
Eu morro por Filomena,
Filomena por Joaquim,
o Joaquim por Madalena
e Madalena por mim.
16
A vida, pelo que vejo,
hoje é vale e amanhã cimo:
– A quantos pobres invejo
e a quantos ricos lastimo!
17
Vivo, encheu (a História o prova)
com suas glórias o mundo,
e, morto, não enche a cova
de quatro palmos de fundo.
18
Teu coração é morada
que não atrai, felizmente:
– Quem nele arranja pousada
encontra a cama ainda quente.
19
Meu coração é uma ermida
toda enfeitada de flores,
onde conservo escondida,
Nossa Senhora das, Dores.
20
Uma princesa parece
pelos trajos do alto preço,
mas quanta gente conhece
seus vestidos pelo avesso! …
21
Os beijos, segundo os sábios,
dados com muita afeição,
não deixam sinal nos lábios,
mas deixam no coração.
22
Num tronco seco, sem vida,
minha mão teu nome abriu
e o tronco seco, em seguida,
reverdeceu e floriu.
23
Desilusões, desenganos,
tudo a velhice nos traz,
mas existe, além dos anos,
a eterna bênção da paz
24
Politiqueiros… Que súcia !
Segundo as leis de Lavater,
o que lhes sobra em astúcia,
é o que lhes falta em caráter.
25
Dizem que a lágrima nasce
do fundo do coração…
Ah! se a lágrima falasse,
que doce consolação!
26
Vi teus braços… que ventura!
teu colo … as pernas, que gosto!
Agora, tira a pintura,
que eu quero ver o teu rosto.
27
Quis a sorte que eu te visse,
quis o amor, que eu te adorasse,
quis o dever que eu partisse,
quis a paixão que eu ficasse.
28
Mulheres que eu vi no banho,
vejo-as depois num salão!
– Se pelo rosto as estranho,
pelas pernas sei quem são.
29
Por ver-me alegre e contente,
julga-me o mundo feliz:
nem sempre o coração sente
aquilo que a boca diz.
30
Na justiça tem confiança
e verás, depois, surpreso
que, por ter venda e balança,
ela te rouba no peso.
31
Muitos supõem a ventura
ver em meus olhos brilhar,
quando esse brilho é a tortura
de não poderem chorar.
32
A mulher para ser Venus
deve ter cintura fina,
olhos grandes, pés pequenos
e língua bem pequenina.
33
Que grande, triste verdade
me sussurra o coração:
– a dor é uma realidade,
a alegria – uma ilusão…
34
Quanta vez junto a um jazigo
alguém murmura, de leve:
– Adeus para sempre, amigo!
E diz-lhe o morto: – Até breve!
35
Natal! E eu sinto em minha alma
cantando uma ave… Natal!
No dia azul – quanta calmal
Parece a noite um rosal!
36
O que perdemos na vida,
procuramos sem achar,
exceto a mulher perdida,
que achamos sem procurar…
37
Tu não vês que vivo louco
por causa desta afeição?
Coração, sossega um pouco,
coração sem coração!
38
Muito mais desenxabido
que a goiabada sem queijo,
é te abraçar, bem querido,
e não poder dar-te um beijo.
39
(Mãe)
Acima de tudo, acima
do céu, te devemos pôr:
o teu nome não tem rima,
nem limite o teu amor.
40
Coração, bate de leve;
deixa os teus sonhos horríveis,
que um coração nunca deve
sonhar coisas impossíveis.
41
Como juiz, reto e calmo
posso afirmar sem receio:
– Mulher de boca de palmo
tem língua de palmo e meio.
42
Amigos … E quanta gente
não crê na verdade atroz
que, no mundo, há um somente:
Aquêle que existe em nós.
43
Natal. No céu e na terra
quanta alegria! Natal!
A paz adoçando a guerra,
o bem adoçando o mal.
44
Teus olhos, Risália amada,
me recordam dois ladrões,
sob a pálpebra rosada
tocaiando corações…
45
Olhos pretos, dois acesos
e recendentes carvões:
– Par de algemas que traz presos
corações e corações.
46
Prezado amigo, perdoa
a resposta demorada:
tu sabes, quem vive à toa,
não tem tempo para nada.
47
Não conhecem mesmo os sábios
este caso singular:
– Fala a mente pelos lábios
e o coração pelo olhar.
48
A mulher, além de tema,
faz tudo com perfeição,
que até nos passando a perna,
tem a nossa gratidão…
49
No anel que me deste, pego
e vejo que é falso, crê.
– Se o amor verdadeiro é cego,
também falso é o amor que vê
50
Nossa Senhora Sant’Ana,
permita que possa um dia
mobiliar minha choupana
com as “cadeiras de Maria!”
51
Na vida, maior ventura
nada nos pode causar
do que a tépida ternura
que nos vem de um doce olhar.
52
De Júlia o pesar profundo
parece uma coisa pouca;
– vive na boca do mundo
por ser beijada na boca.
53
Aquele que dá esmola
tem duas vezes a palma:
– Primeiro, ao pobre consola,
depois, consola a sua alma.
54
Deus do amor, Deus da esperança,
conduze por flóreo trilho
os passos dessa criança
– lindo filho do meu filho!
55
Há dois poderes no mundo
que tudo movem. Primeiro:
– Mulher bonita. Segundo:
dinheiro, muito dinheiro.
56
Sobre o triste chão de abrolhos
em que tu vieste ficar,
meus tristes, cansados olhos,
não se cansam de chorar.
57
Dos beijos me lembro, Glória,
mas não do sabor, meu bem.
Por que a fronte tem memória
e a minha boca não tem?
58
Na terra que te consome,
nem uma triste inscrição!
Pudera! Porque teu nome
não me sai do coração.
59
Ouvindo-a falar da vida
dos próprios pais, tive pena
de ver língua tão comprida
numa boca tão pequena.
60
Onde um berço se embalança
há riso, ventura e luz:
– Sobre os berços, doce e mansa,
paira a sombra de Jesus.
61
Do berço à tumba há um caminho
que todos têm de transpor:
de passo a passo – um espinho,
de légua em légua -uma flor.
62
Chegaste, afinal! Chegaste
no instante mais que preciso;
vens trazer a quem mataste
as rosas de um teu sorriso…
63
Noite de núpcias. O Gama
encontra a esposa envolvida
num lindo roupão e exclama:
– Posso, enfim, ver-te vestida!
64
A mãe, que aperta no seio
um filho de seu amor,
tudo enfrenta sem receio:
a calúnia, a injúria e a dor.
65
Minha vida é uma jangada
num mar revolto de escolhos,
baloiçando sossegada
à doce luz dos teus olhos.
66
Tenho um neto e essa ventura
veio florir os meus dias,
que um neto é um sol que fulgura
num céu de nuvens sombrias.
67
Arvore és santa: os teus ramos
baloiçam ninhos de amor;
és abrigo, e em ti achamos
sombra, fruto, aroma e flor.
68
Entre o berço e a sepultura
um relâmpago fugaz,
mas que séculos perdura
pelo que nele se faz!
69
A mãe que a um filho acalenta
– tal o seu amor profundo –
tem a impressão que sustenta
em seus braços todo um mundo.
70
Quem maldiz a vida, prova
não conhecer que ela é vã:
– no espaço do berço à cova
há ontem, hoje, amanhã.
71
Coração de coração
quando quer bem, faz assim:
– põe nas arestas de um não
toda a pelúcia de um sim. . .
72
A caridade… Consola
ao vermos que ela é perfeita,
não por ser grande a esmola,
mas no modo por que é feita.
73
Quem ama, há de conhecer
a triste escala do amor:
– Desejo, ilusão, prazer,
cansaço, fastio e dor.
74
O noivo, da noiva outrora
via o rosto e nada mais;
se o rosto não vê agora,
todo o resto vê demais…
75
Que em vossos risos mais brilho
nas alvoradas não vemos;
nos olhos ternos de um filho
é que nós, Pais, nos revemos.
76
Assim como brotam flores
do triste, empedrado chão,
em rima brotam-me as dores
que trago no coração.
77
Da tua voz a frescura
feita de encanto e de olor,
lembra um veio de água pura
sob roseiras em flor.
78
Para ser feliz, um louco
costuma me aconselhar:
– deverás desejar pouco
e quase nada esperar. . .
79
Para um pai o bem se encerra
num berço – como um troféu,
as alegrias da Terra
e as esperanças do Céu.
80
Vi-a apenas uma vez;
uma só; não mais a vi,
e tal impressão me fez,
que nunca mais a esqueci.
81
Há no livro uma luz calma
que torna o mundo maior:
– quem vê pelos olhos da alma,
vê mais longe e vê melhor.
82
Na minha infância, dezembro,
aos outros meses igual
passava triste… e eu me lembro
de que não tive Natal…
83
– Toda amizade – é fingida,
todo mal – recompensado,
toda injustiça – aplaudida
e todo amor – enganado…
84
(A Maria Teresinha)
Nestes dois nomes se encerra
um rutilante troféu:
– Se Maria é a flor da terra,
Teresinha é a flor do céu.
85
Nosso amor, que ardia em brasa,
foi morrendo de mansinho,
e entre a minha e a tua casa
mal se descobre o caminho …
86
Filha – o sorriso que encanta,
noiva – é a flor que perfuma,
A esposa – a graça de pluma,
e mãe – a graça da santa.
87
Maio, outrora tão ridente,
como vive triste agora!
Que saudades tem a gente
daqueles maios de outrora!
88
Quantas vezes tenho ouvido:
– Como ele ri de prazer!
Quando esse riso é um gemido
que aos lábios me vem morrer…
89
Fogem-te da alma os pesares,
a treva aos teus olhos brilha,
toda vez que tu beijares
esse amor, que e a tua filha.
90
Teus olhos, lagos risonhos,
de escuras margens em flor,
ah! se eu pudesse os transpor
no bergantim dos meus sonhos! …
91
Correm-te os dias serenos
e um ano vem e te traz:
uma esperança de menos,
um desengano de mais.
92
Quando a mulher quer, eu acho
que nem Deus a desanima:
– É água de morro abaixo,
ou fogo de morro acima.
93
Um bacharel, meu vizinho,
quer saber por que razão
eu faço um verso “assinzinho”
e o denomino… versão…
94
Risália, naquelas flores
que te dei à despedida,
entre lágrimas e dores,
eu pus toda a minha vida.
95
O maior dos meus desejos
é ver-te, vendo com gosto
eu entupir com meus beijos
as covinhas do teu rosto…
96
Só duas cores havia
de rosas que aqui registo:
a cor dos pés de Maria
e a cor das chagas de Cristo.
97
Se eu fosse uma flor, querida,
queria, cheia de anelos,
morrer ditosa e esquecida
na noite dos teus cabelos …
98
Se eu fosse uma fonte, nada
me privaria do gesto
de ver-te em mim reclinada,
para em mim veres teu rosto …
99
Raio de sol ser desejo
para um dia (oh! que ventura!)
depor-vos na fronte um beijo
e vos ver ainda mais pura…
100
Arvore seca, nem flores
nem sombra e frutos dou mais:
mataram-me a seiva as dores
continuas dos vendavais.
___________________

Fonte:
JORGE, J. G. de Araujo e OTÁVIO, Luiz (organizadores). 100 Trovas de Belmiro Braga. RJ: Editora Vecchi, 1959.Coleção Trovadores Brasileiros. volume 1.

Deixe um comentário

Arquivado em A escritora em xeque, Baú de Trovas, Contos, Entrevista, Entrevistas, Trovas

Heloisa Buarque de Holanda (26 Poetas Hoje Digital)

Frente ao bloqueio sistemático das editoras, um circuito paralelo de produção e distribuição independente vai se formando e conquistando um público jovem que não se confunde com o antigo leitor de poesia.”

O parágrafo acima poderia se referir ao novo paradigma surgido com a era digital, ou às dezenas de saraus de poesia que surgem hoje na perifeira de São Paulo, mas não. Consta no prefácio escrito por Heloisa Buarque de Hollanda para o livro 26 poetas hoje (Aeroplano, 2007, 6° ed.), em 1975. Naquela época, enquanto no mundo girava a roda de aquários e a geração hippie, inspirada na sua predecessora beat, vivia sua onda, no Brasil corria solta a censura e a repressão militar. Foi o período do chamado vazio cultural, diagnosticado pelo jornalista Zuenir Ventura e decorrente do silenciamento forçado das vozes criativas.

À margem das atenções, pelo seu poder de audiência reduzido, a poesia tornou-se uma área de livre manifestação, abarcando frustrações, fosse da juventude, fosse da esquerda. Proliferavam os volumes de produção independente, vendidos diretamente pelo autor, impressos em mimeógrafos, confeccionados com originalidade e esgotados rapidamente. A poesia, pelo menos no Rio de Janeiro, acontecia e parecia estar em toda parte: em recitais, lançamentos, portas de teatro e bares da moda.

O livro organizado por Heloisa tinha por intenção “reunir num livro ‘de editor’, e, portanto num livro que se insinuasse num circuito mais amplo, manifestações isoladas ou praticamente isoladas, que eu percebia como importantes no campo da cultura e no campo da literatura”, disse a crítica literária à revista José no ano seguinte da publicação do livro. Os poetas escolhidos, de diferentes gerações e motivações, portanto desorganizados como grupo, eram todos praticantes de uma mesma dicção ligada ao cotidiano e donos de uma atitude de desierarquização do espaço nobre da poesia. Uma revisitação mais forte do ideal modernista de 1922. 26 poetas hoje (Aeroplano) foi além do pretendido e virou espécie de retrato oficial do que é considerado o último grande rótulo da poesia brasileira: a poesia marginal.

Logo de cara, o livro obteve enorme repercussão nos jornais e atiçou como nunca o meio acadêmico, impulsionando a carreira de crítica literária da já estabelecida professora universitária Heloisa Buarque. Essa história está contada em Escolhas: uma autobiografia intelectual (Lingua Geral): “Para meu espanto, a antologia teve uma repercussão inexplicável. Sou convidada para conferências, seminários, entrevistas. O pequeno volume da Editora Labor foi resenhado e escrutinado em um sem número de jornais e revistas. Os jornalistas se entusiasmavam com uma ‘novidade’ para os espaços melancolicamente vazios de seus cadernos e suplementos culturais. Os professores e criticos dividiam-se frente à uma possivel ‘agressão’ à instituição literária”, escreveu Heloisa no seu mais recente livro.

Hoje, 26 poetas hoje (Aeroplano) transformou-se em uma antologia clássica. Os poetas nela presentes, por ironia, se tornaram cânone e temas de teses de mestrado e doutorado, quando antes eram sequer considerados literatura. Alguns já estão mortos, como Torquatto Neto, Ana Critina César e Waly Salomão; outros ainda vivem a poesia, como Roberto Piva e Chico Alves; um, Roberto Schwartz, um dos maiores críticos literários em atividade; outros, como Chacal, Capinam e Geraldo Carneiro, roteiristas e compositores.

Fonte:
http://portalliteral.terra.com.br/blogs/26-poetas-hoje-digital

Deixe um comentário

Arquivado em Estante de Livros

Concurso de Haicai Nenpuku Sato 2010

O Jornal Memai lança o Concurso Nacional de Haicai Nenpuku Sato 2010. Nos 102 anos da Imigração Japonesa ao Brasil o jornal resgata o concurso realizado no Centenário da Imigração Japonesa.

Nempuku Sato (1898-1979) foi um imigrante japonês que ajudou a disseminar o haicai em terras brasileiras. De sua linhagem, segue o poeta Masuda Goga, que influenciou a paranaense Helena Kolody, além de nomes como Alice Ruiz e Paulo Leminski, divulgadores brasileiros do haicai.

Na edição 2010 haverá 4 concursos, com premiação em fevereiro, maio, agosto e novembro. Os melhores poemas serão publicados na página de haicai do jornal. Não haverá premiação em dinheiro. Os vencedores receberão livros de literatura japonesa e nipo-brasileira enviados ao JORNAL MEMAI para efeitos de divulgação.

Os poemas inscritos devem ser inéditos, escritos em língua portuguesa e seguir as regras do haicai japonês, como descritos no Site Caqui (www.kakinet.com) e difundidos pelos grêmios de haicai em todo o Brasil: ter um kigo, seguir a métrica, não ter título, rima nem subjetividade.

QUEM PODE PARTICIPAR:

Maiores de 16 anos (inclusive), sem distinção de raça, credo, classe social, participantes ou não de grêmios e/ou Encontros de Haicai.

COMO ENVIAR

1. Enviar os trabalhos em duas vias, em uma única remessa/envelope;

2. Reservar um espaço no rodapé da primeira via, onde deve constar nome do(a) participante, RG, profissão, endereço completo com CEP, telefone/fax, e-mail.

3. A segunda via deverá vir sem nenhuma identificação, no mesmo envelope.

PRAZO PARA O ENVIO:

1. Para o concurso de fevereiro: 30.01.2010

2. Para o concurso de maio: 01.05.2010

3. Demais datas serão divulgadas no jornal e no site www.jornalmemai.com.br

PARA ONDE ENVIAR:

Os trabalhos (até 3 poemas) devem ser enviados para:

JORNAL MEMAI/Concurso Nenpuku SatoRua Jaime Reis, 28 – São Francisco
80.510-010 – Curitiba – PR
============================================

O QUE É HAICAI

Haicai é um poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início do século 20 e hoje conta com muitos praticantes e estudiosos brasileiros. No Japão, e na maioria dos países do mundo, é conhecido como haiku.

Segundo Harold G. Henderson, em Haiku in English, o haicai clássico japonês obedece a quatro regras:

Consiste em 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas
Contém alguma referência à natureza (diferente da natureza humana)
Refere-se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização)
Apresenta tal evento como “acontecendo agora”, e não no passado.

No transplante do haicai para outros países, algumas das regras anteriores são seguidas com maior ou menor fidelidade, enquanto outras podem ser mesmo ignoradas, dependendo de cada poeta ou da escola seguida. Nestas páginas, tentaremos definir o haicai escrito em português, especialmente a partir do ponto de vista do Grêmio Haicai Ipê, grupo que se reúne desde 1987 para estudar e praticar esta forma poética.

Fonte:
Revista Brasileira de Haicai

Deixe um comentário

Arquivado em Concursos em Andamento, Haicai

Concurso Municipal de Poesias – “Leonilda Hilgenberg Justus” – Edição 2010

Edital

1- A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Ponta Grossa, com a finalidade de estimular a produção poética local, institui o edital que regulamenta o Concurso Municipal de Poesias para o ano de 2010, que nesta edição homenageia a poeta pontagrossense LEONILDA HILGENBERG JUSTUS, atendendo as políticas culturais do Município aprovadas nas Conferências Municipais de Cultura.

REGULAMENTO

2- Poderão participar pessoas residentes em Ponta Grossa, maiores de 18 anos.

3- O tema será livre e deverá ser produzido em língua portuguesa.

4- Cada pessoa interessada poderá inscrever até 3 (três) poemas inéditos (entende-se por inédito o poema nunca premiado em outros concursos, nem publicados em livros até a data do encerramento das inscrições deste concurso).

INSCRIÇÕES

5- As inscrições estarão abertas de 1º a 31 de março de 2010,enviadas exclusivamente via Correios.

6- Os interessados deverão encaminhar os poemas em envelope (tamanho folha A4) , com AR , sem identificação pessoal no verso (a identificação virá apenas no recibo AR) para o endereço:

CONCURSO MUNICIPAL DE POESIAS LEONILDA HILGENBERG JUSTUS – EDIÇÃO 2010, SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA E TURISMO, RUA JULIA WANDERLEY, 936, CENTRO, CEP 84010- 170, PONTA GROSSA, PR.

7- Os poemas inscritos deverão ser encaminhados obedecendo aos seguintes critérios: 04 (quatro) vias digitadas em apenas uma face de papel tamanho A4; ESPAÇAMENTO 1,5 entre as linhas; FONTE: Times New Roman ou Arial, TAMANHO: 12; MARGEM superior: 3 cm, inferior: 2 cm, esquerda: 3 cm e direita: 2 cm: constando apenas o título no início de cada lauda, com a numeração das mesmas, SEM PSEUDÔNIMO, não
ultrapassando 02 (duas) laudas.

8- Em envelope menor, lacrado, anexar as seguintes informações:

a. nominação do concurso na parte externa
b. poema(s) inscrito(s)
c. nome e endereço completos
d. telefones para contato
e. fotocópia de comprovante de residência em nome do inscrito
f. fotocópia da cédula de identidade e CPF
g. breve biografia pessoal de até 10 linhas

JULGAMENTO

10 – Os poemas serão julgados por uma comissão de alto nível literário, indicada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, cuja decisão será soberana, à qual não cabem recursos sobre o resultado do concurso.

11 – Os vencedores serão conhecidos em maio de 2010.

PREMIAÇÃO

12 – A premiação será realizada no exercício de 2010, em data a ser definida.

13 – Serão conferidos os seguintes prêmios:

1º lugar ——————–R$ 1.000,00
2º lugar———————R$ 800,00
3º lugar———————R$ 600,00
4º lugar———————R$ 400,00
5º lugar———————R$ 300,00

14 – Poderão ser conferidas Menções Honrosas, por iniciativa da comissão julgadora.

15 – Os poemas premiados e as menções honrosas , serão publicados em antologia, numa edição especial deste concurso, com 1.000 (mil) exemplares, editada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, no 2º semestre de 2010, cabendo aos participantes as seguintes cotas, a título de direitos autorais desta edição:
-30 (trinta) unidades para os cinco primeiros colocados
– 15 (quinze) unidades para as menções honrosas

16 – O restante dos 1.000 (mil) exemplares, será distribuído gratuitamente em bibliotecas, escolas, instituições e críticos literários.

DISPOSIÇÕES FINAIS

17 – As inscrições fora das normas do concurso não serão aceitas.

18 – Não poderão participar do concurso funcionários da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e integrantes dos Conselhos Municipais de Cultura, Patrimônio Cultural e Turismo.

19 – O(s) poema(s) e os demais documentos entregues na inscrição não serão devolvidos após o concurso.

20- – É de responsabilidade exclusiva do concorrente a observância e regularização de
toda e qualquer questão relativa a direitos autorais sobre a obra inscrita.

21 – Este edital atende ao disposto na Lei Federal nº 9.610 de 12/02/1998 sobre os direitos autorais.

22 – Os autores das obras selecionadas automaticamente autorizam a publicação das mesmas na edição da antologia do concurso.

23- Os premiados concordam e permitem a divulgação de seu nome e imagem para a divulgação do concurso, sem qualquer ônus para os realizadores.

24 – Os participantes declaram estar cientes e de acordo com este regulamento.

25 – Os casos omissos neste regulamento serão resolvidos pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.

Elizabeth Silveira Schmidt
Secretária Municipal de Cultura

Deixe um comentário

Arquivado em Concursos em Andamento, Edital de Concursos Literários

Aparecido Raimundo de Souza (O Encantador de sonhos)

“Quid scribit, bis legit”

“De médico e de louco todos temos um pouco. E de escritor também”- disse Harold Robbins em 1998 numa de suas entrevistas em Nova Iorque. Naquela época, isso já provava que um número cada vez maior de aspirantes sonhava com o fantástico mundo literário. De fato. Ainda hoje, quase dez anos depois, não são poucas as pessoas que buscam uma porta de editora aberta, de acesso fácil à publicação de sua obra, de um editor que acredite no talento do autor principiante e ofereça, a ele, a oportunidade tão almejada de ver seus trabalhos publicados e, claro, a disposição do respeitável público nas prateleiras das livrarias mais concorridas do país.

Nesta terra onde tanto se fala e se apregoa em propagar o livro e a boa leitura àqueles mais carentes, sabemos que, no fundo, por detrás das coxias, tudo não passa de pura balela, conversa fiada para boi dormir. Na verdade, o governo não está preocupado com a educação dos jovens, em mostrar ao mundo o talento de seus compatriotas. Ele quer que nossas crianças sejam, no amanhã – não o futuro da nação, mas um bando de analfabetos, tipo vaquinhas de presépio – de preferência que não saiba discernir um automóvel de uma bicicleta.

Todavia, apesar dos pesares, nem todos pensam assim. No meio dessa cambada de oportunistas da pior espécie, encontramos alguém que ainda pensa em estar do outro lado da porta, de braços abertos, à espera, para dar as boas vindas ao escrevinhador desconhecido. É o caso de Albert Paul Dahoui que, no intuito de “facilitar a vida de quem sonha em fazer livros e conquistar leitores”, abriu uma editora, no Rio de Janeiro, a Corifeu, que vem publicando, com regularidade, uma gama de novos talentos, como Dilson César Devides – 30 anos de Rock: Raul Seixas e a cultura brasileira de 1970 à contemporaneidade; Mário Alvim – Via Láctea; Gabriel Torres – Conspiração; Jurandir Araguaia – O Homem que não bebia cerveja; José Eduardo Stamato- Tempo de transformação; Angélica Borges – O Monge; Dy Lugon – Momentos; José Cornetta – A Construçao do ser; Julio Silva – Sonhos&Desejos; Antonio Valter Kuntz – Original Dewey; Diogo Santana – Fé e anarquia, Orlando J.D. Corrêa – Urrando no trecho e tantos outros.

Além de editor, Albert é também escritor. Acabou de lançar “O Sucesso de Escrever”, uma obra excelente que “coloca nos trilhos o potencial literário de cada pessoa”. Nesse opúsculo são abordados assuntos que vão desde a criação dos personagens, a estrutura de uma trama em todas as suas nuances, passando pela lógica da construção do começo, meio e fim, culminando com a consecução do trabalho como um todo.

O livro não trás fórmulas matemáticas como “O Homem que calculava, de Malba Tahan, nem se compara a manuais de especialistas que ensinam como se deve ou não escrever. Acima de tudo, o autor busca, de maneira simples, mostrar aos novatos que os “eventos iniciais precisam ser dinâmicos, a ponto de impactar o leitor, de cara, a ponto que, em nenhum momento, ele venha a se desinteressar pela leitura”. Esclarece que o meio do livro deverá alternar passagens de ritmo rápido para passagens mais lentas, dando tempo, ao leitor, para que saboreie e se deleite melhor com os aspectos íntimos de cada personagem ou situações e, sobretudo, a maneira como elas são apresentadas.

“O sucesso de Escrever” fala, ainda, das resoluções que devem ser objetivas, das frases longas, cheias de vírgulas, dos parágrafos extensos demais e cansativos. Discorre sobre as descrições longas, dos personagens, de palavras pouco usadas, ou daquelas muito rebuscadas, nas quais o cidadão leigo e menos desatento, precise, de um dicionário ao alcance das mãos.

Dahoui é, acima de tudo, um inventor de assombros e, mais que isso, ajuda o sonhador a construir suas fantasias mais estrambóticas, a sonhar com os pés no chão, a encontrar seu caminho sem se distanciar da realidade em que vive. Excelente, pois, para quem carrega, no sangue, o espírito aventureiro de um Veríssimo, ou de um Fernando Sabino. Recomendável para todos que se aventuram nessa senda quase intransponível de se tornar alguém reconhecido dentro de um universo cada vez mais fechado. Ser escritor, neste país, é como andar de mãos dadas com as ilusões que nascem da alma, mas igualmente com os pés atados e, pior, ladeado por um cotidiano invariavelmente bloqueado e desestimulante. O livro de Dahoui nos leva a acreditar piamente que não estamos ilhados no meio de outros escritores famosos e de renome, nem somos um Robinson perdido entre os demais semelhantes.

Fontes:
http://www.paralerepensar.com.br (6 agosto 2007)
Imagem =
http://dry-martini.blogspot.com

Deixe um comentário

Arquivado em O Escritor com a Palavra

Mário Bortolotto (Poesias Escolhidas)

O CAMINHO MAIS CURTO PRO INFERNO

Ah, os dramaturgos
com seus textos suplicantes
que são a extensão doentia de seu criador.
Tem um que sempre participa de concursos de dramaturgia
dia desses ganhou uma menção honrosa
e começou a acreditar que agora sim, vai chegar lá.
Ele me disse exatamente assim:
Marião, agora é a minha vez!!
Confesso que fiquei assustado com tanta determinação.
Tem outro que trabalha em jornal e está pensando em escrever um romance.
Eu dou a mó força.
Tem outro que só está dando um tempo na dramaturgia,
porque sabe que o seu negócio mesmo é cinema.
Tem outro que escreve novela de tv.
E tem aquele que quer escrever novela de tv.
Tem um deles que se acha especial porque escreve minissérie.
Tem aquele que namora a atriz que vai produzir seu texto.
E tem um outro que namora o ator.
Tem um outro que comeu a produtora.
O problema é que ele comeu mal
e a mulher não quis mais saber do texto dele.
Tem outro que só escreve comédias
porque disseram pra ele que é mais comercial.
Tem o dramaturgo maldito
e o darling da mídia.
E tem aquele de grandes aspirações que nunca consegue terminar seu texto.
Tem aquele que está há três anos escrevendo sua grande peça
e tem aquele que só conseguiu escrever uma peça na vida
e vive falando sobre ela, e acha todos os atores burros
por não terem ainda encenado o seu texto.
Tem o que enlouqueceu
e o que ficou parado em alguma curva dos anos 60.
Tem o dramaturgo da moda
e aquele que está sempre por fora.
Tem o muito encenado
e o eterno gênio inédito.
Tem aquele que não suporta outros dramaturgos.
O que acha tudo uma bosta.
E tem aquele que vai a todas as estréias de seus companheiros.
Tem um que faz um bico de ator em comerciais
pra pagar a produção do seu texto de vanguarda.
E tem outro que tirou foto pruma revista gay segundo ele pelas mesmas razões.
Tem um que diz que é performer.
E outro que vive de ministrar workshops de dramaturgia.
Tem outro que é jurado de concursos de dramaturgia.
E tem ainda aquele que escreve peças pra teatro empresa
mas que garante que é por pouco tempo.
Tem o dramaturgo publicitário cheio de tiradas geniais.
E tem o dramaturgo crítico de teatro.
E tem aquele que almoça sempre com o crítico
e diz que tem prazer em almoçar com o crítico.
Tem aquele que implora pro crítico vir assistir a sua peça
e aquele que proíbe a entrada do crítico.
Tem um que não desgruda do telefone
sempre a um passo de uma grande montagem.
E tem o que desistiu.
E tem os que continuam insistindo.
Tem o velho dramaturgo que acha que a dramaturgia morreu
e o novo dramaturgo que quer matar a velha dramaturgia.
Pobres inocentes.
Vocês não fazem idéia da encrenca em que se meteram!
G G G G G G G G G G G G

O FRACASSO COMO RECOMPENSA

prometo e não tomo providências
meu evangelho renegado por todas as manhãs
minha fuga dos restaurantes coreanos e dos suspiros forjados
tenho pensado insistentemente em constrangimentos noturnos
mas ainda acredito no que se convencionou chamar de suplicio
até fracassados tem códigos de ética
minha fé inabalável em possíveis viagens pra bem longe daqui
entre palmeiras e a brisa fria do fim de tarde
eu devo me deitar na solenidade da memória perdida
num quarto de hotel com nome exótico e reverente
a majestade de quem se deu por esquecido
de quem jogou fora todas as fichas
de quem sempre esteve fadado à derrota
mesmo sentado no topo do mundo
mesmo que ela dance semi nua na minha frente
que me ofereça sua nuca em sacrifício
e que derrame vinho em meu peito e deslize sua língua suave
ainda assim vou pensar que é sempre tarde demais
meu orgulho abençoado de perdedor
deixo o testamento de um loser
com duvidosa compaixão pela raça humana
como recompensa, tenho o sol abrasador
e a crença vil num evangelho porcamente escrito
só levo comigo minha inadequação e alguns poemas de Dylan Thomas
não tem mais pra ninguém

Daqui a 20 minutos, vai ser eu e Deus.
G G G G G G G G G G G G

ENQUANTO ELA RANGE OS DENTES
EU ESPERO OS FANTASMAS

Os fantasmas bebem comigo quando a lua vem
Eu abro a minha porta todas as noites
Eles aparecem e se apropriam das poltronas
coçam meus pés e bebem meu vinho
Não falam da vida os fantasmas
nem comentam as fotos que guardei
Eu me sinto bem com os fantasmas
Eles apenas gostam de ficar por ali
assoprando nas orelhas do cachorro
o cachorro se acostumou com os fantasmas
já não tira os chinelos das poltronas
percebeu o quanto os fantasmas são
importantes pra mim e o cachorro também
não quer me ver triste e eu sei que de
uns tempos pra cá o cachorro também ficou
dependente deles pois uiva de dia enquanto
eu leio Frost no telhado
o dia passou a ter 72 horas
o dia passou a ter grossos livros de poesia
o dia passou a ter Whitman, Thoreau e Bashô
o dia agora é um osso esquecido no assoalho
o dia agora é uma longa espera da noite
que é quando os fantasmas aparecem
Eu espero já sem muita paciência
não há nenhuma suavidade ou delicadeza em meus gestos
os fantasmas são a melhor companhia pra
quem descobriu que está realmente sozinho.
G G G G G G G G G G G G

ÓPERA DOS POMBOS SEM DESTINO

Eu moro no sótão onde os pombos morrem
Eu deixo a janela aberta
e deixo que eles venham morrer a meus pés
Eles entram voando e me olham
com seus olhos tristes de pombo
Como eu posso ser feliz com todos esses pombos mortos
abandonados por Deus
Gostava quando eles se chocavam contra o pára-brisa
Pombos desgovernados sempre me fascinaram
Esses pombos com destino certo
eles me deixam com os olhos cheios de lágrimas
vez ou outra um avião passa no céu
e os pombos sonham com lugares nunca visitados
Um dia os pombos desaparecerão
terão voado para algum lugar inatingível
não haverá mais pombos
e alguém irá contar histórias sobre pombos
os seus cadáveres espalhados no chão do meu sótão
receberão visitas apaixonadas
mas pra mim o que vai ficar
será a lembrança dos pombos na minha caixa de correio
pombos que se recusaram saber o caminho
pombos que Deus há de acolher
pombos dos quais sempre vou me lembrar
ouvindo ópera no sótão
meu sótão de pombos sem destino
——————-

Fontes:
Confraria do Vento
Maquina do Mundo. Revista de Poesia.

VIANNA, Christine (organização). Antologia de Poetas Londrinenses v.12. Londrina, PR, 2000.

Deixe um comentário

Arquivado em O poeta no papel, Poemas

Mário Bortolotto (1962)

Mário Bortolotto (Londrina, 1962) é um ator, diretor, dramaturgo e compositor brasileiro.

Estudou em seminário e na adolescência iniciou sua carreira artística no teatro e na literatura.

Dramaturgo de personagens à margem da sociedade, Mário Bortolotto é o representante contemporâneo mais próximo ao universo do autor Plínio Marcos, de linguagem cáustica e direta. Com produção vasta e constante, Bortolotto marca presença no teatro paulista a partir de meados dos anos 1990.

Participou de inúmeros festivais de teatro pelo Brasil, sempre com o Grupo Cemitério de Automóveis, de que é fundador (em 2007 o grupo completou 25 anos de existência).

Em 1982, Mário Bortolotto, Lázaro Câmara e Edson Monteiro Rocha fundam, em Londrina, o grupo de teatro Chiclete com Banana que, a partir de 1987, passa a denominar-se Cemitério de Automóveis. Nesse ano integra um ciclo de novos diretores no Madame Satã em São Paulo, participando ainda de vários festivais no país.

Em 1994 a equipe transfere-se para Curitiba, remontando alguns trabalhos: Uma Fábula Podre, Curta Passagem e Nossa Vida Não Vale Um Chevrolet. Ainda em Curitiba estréia Vamos Sair da Chuva Quando a Bomba Cair e Cocoonings.

O lançamento de Leila Baby no Centro Cultural São Paulo, CCSP, 1996, marca a mudança do conjunto para a capital paulista; e, em 1997, estréia Medusa de Rayban, Será que a Gente Influencia o Caetano?, Postcards de Atacama e Diário das Crianças do Velho Quarteirão, em 1998; e A Lua é Minha, em 1999, e Rolex-O Anti Velox , em 2000.

Em 1997, surpreende como ator em Santidade, texto de José Vicente censurado na ditadura e, finalmente, colocado em cena por Fauzi Arap. Em 1999, está ao lado da atriz Leona Cavalli, em Disk Ofensa Linha Vermelha, de Pedro Vicente, direção de Nilton Bicudo.

Além de teatro, seu grupo passa a produzir também livros, CDs e filmes de curta metragem. Edita o jornal Urbano, divulgando teatro, música e literatura, trabalhos dos integrantes e amigos (livros, CDs, fitas demo, histórias em quadrinhos, filmes, fanzines, etc.).

Medusa de Rayban ganha prêmios e catapulta a presença do grupo em São Paulo. Sobre este texto, comenta a pesquisadora Sílvia Fernandes: “[…] Mas talvez seja Mário Bortolotto quem mais se aproxime, em Medusa de Rayban, de um hiper-realismo no retrato da classe média baixa, assumindo influências de Charles Bukovski e Sam Shepard, associadas a automatismos de comportamento de assassinos de aluguel, bêbados e artistas frustrados, resgatados de um mundo que o dramaturgo conhece bem, e talvez seja o mais próximo do universo dramático de Plínio Marcos”.

Em 1999, em Londrina, estreiam Efeito Urtigão e Felizes para Sempre, texto e direção de Mário Bortolotto.

Em outubro de 1999 apresentam no Sesc Bauru o evento Beat Cemitério, uma jam poética sobre a literatura beat tendo como convidados os escritores Antônio Bivar, Reinaldo Moraes e Ademir Assunção (editor da revista Medusa).

Em 2000 a atriz Fernanda D’Umbra produz a Mostra Cemitério de Automóveis: quatorze espetáculos que permanecem em cartaz entre julho e outubro no Centro Cultural São Paulo – CCSP. A mostra rende a Mário Bortolotto o Prêmio Associação Paulista de Críticos de Artes – APCA, de melhor autor do ano de 2000 pelo conjunto da obra, e o Prêmio Shell de melhor autor por Nossa Vida Não Vale Um Chevrolet, em 2001.

Em 2000 forma-se a Banda Cemitério de Automóveis. Em 2001 estréia Getsêmani e, em 2002, em comemoração dos 20 anos da companhia, apresenta a 2ª Mostra de Teatro, no CCSP, reunindo 79 atores em 26 espetáculos. No mesmo ano, participa como autor da Mostra de Dramaturgia Contemporânea do Teatro Popular do Sesi, TPS, com o texto Deve Ser do C… o Carnaval em Bonifácio, com direção de Fauzi Arap. Ainda em 2002, estréia uma bem-sucedida montagem de outro texto seu, Hotel Lancaster, com direção de Marcos Loureiro.

Com um estilo calcado em histórias em quadrinhos, cinema, blues, rock e o universo beatnik, o escritor cria espetáculos com estilo próprio. Além de atuar, escrever e dirigir seus espetáculos, participa como vocalista e compositor das bandas Saco de Ratos Blues e Tempo Instável. Gravou o CD de blues Cachorros Gostam de Bourbon, com composições suas.

Quase todas as peças escritas por Bortolotto já foram publicadas, por editoras pequenas, num total de quatro livros. Também publicou um livro de poesia, Para os Inocentes que Ficaram em Casa, além dos romances Mamãe não Voltou do Supermercado e Bagana na Chuva. Em 2006 lançou o livro Atire no Dramaturgo, coletânea de textos publicados em seu blog de mesmo nome, que mantém desde 2004.

Em 4 de dezembro de 2009 Bortolotto e seu amigo músico Carlos Carcarah foram baleados enquanto estavam em um bar. Segundo a polícia, os dois reagiram e os bandidos disparam quatro tiros contra eles. O incidente aconteceu na Praça Roosevelt e Bortolotto teve de passar por uma cirurgia. Ele teve alta do hospital em 28 de dezembro de 2009 e passa bem. Pouco mais de um mês depois do assalto, em entrevista o jornal O Globo, Bortolotto disse ter sido criticado por não agradecer a Deus sua recuperação, mas descreveu sua espiritualidade como algo privado. Ele também brincou que poderia atuar no filme Nove Crônicas para um Coração aos Berros, cujas gravações estão previstas para abril, com a tipoia que está usando no braço esquerdo devido à queda durante o assalto.

O crítico Sebastião Milaré analisa o trabalho do dramaturgo: “A obra dramática de Mário Bortolotto tem óbvias influências da literatura em permanente confronto com o sistema de um Kerouac e, mais ainda, de um Bukowski. Na maneira de abordagem, aos problemas e nos fluentes diálogos, todavia, prevalecem a cor local, e os estigmas da classe média brasileira, sufocada em angústias, medos e carências. Numa linguagem teatral contemporânea, Bortolotto vê o inconformismo dos filhos da burguesia em face do sistema burguês, que marcou a arte nos anos 1950 e 1960. E revela a atualidade desse inconformismo seminal e transformador”.

E refletindo sobre o trabalho múltiplo e incessante de Bortolotto, comenta o diretor Fauzi Arap: “Um ator carismático e impecável, autor e diretor de seus próprios textos, o talento de Mário Bortolotto não cabe num único meio de expressão. […] A par da qualidade, sua produção continuada faz imaginar um trabalhador incansável escondido por trás de sua postura ‘rebelde’, e faz supor que guarde ainda muitos tesouros escondidos”.

Algumas Peças:
A Meia Noite um Solo de Sax na Minha Cabeça ; Feliz Natal Charles Bukowski ; A Louca Balada de Lou Reed ; Singapura Slings ; Leila Baby ; Para Alguns a Noite É Azul ; O Cara que Dançou Comigo ; Uma Fábula Podre ; Felizes para Sempre ; Vamos Sair da Chuva quando a Bomba Cair ; Medusa de Ray Ban ; A Frente Fria que Traz a Chuva ; O que Restou do Sagrado ; O Natimorto , etc.

Fontes:
Wikipedia
Itau Cultural.

Foto = feita por Patricia Stavis para o Jornal Folha Ilustrada

Deixe um comentário

Arquivado em Biografia, Londrina, Paraná

Cândido Rolim (Ronald Augusto e as Fissuras de Linguagem)

Até que enfim uma poesia me comunica que não quer comunicar. Que sua função é outra: cair fora do “sistema unívoco de linguagem” (Adorno), significar a esmo, jamais atingir uma margem, nem o ambíguo conforto da forma. Enfim uma escritura que, após o front da linguagem, os secretos escrutínios, funda outros desafiadores sentidos.

Topo com a poesia de Ronald Augusto (Rio Grande, RS, 1961), cuja obra, herdeira do concretismo e das conquistas da poesia visual, crítica por excelência, dispensa as falsas visitações da verve e da aura diletante.

O texto de RA roda por aí há cerca de 20 anos (Homem ao Rubro-1983, Puya-1987, Kânhamo-1987 e Vá de Valha-1992) hibernando nos subdiretórios “poesia gaúcha moderna”, “poesia negra” ou “poesia concreta e visual”. Seja como for, uma poesia universal e difícil, desagradável a quem reverencia um certo “modo de dizer sentimentalmente raro”. Com efeito, em seus livros breves e magros não encontramos “páginas de sentimento em que o verso exalte a delicadeza de esteta que se deve sempre encontrar em um poeta”, nem aquela amena sintaxe atrelada a plangências e demais falácias ab imo pectore, e sim um verbo giratório contra poesias e poetas de tardio pastoreio, a água crespa contra a água moribunda.

Noto, sem fechar questão, que a poesia de hoje, contrariando em parte a imagem/idéia de que “a palavra tem canto e plumagem” (G. Rosa) tem sido mais de sintaxe que de palavra, rumo à abstração.

Em RA encontramos palavras sempre em vias de, prestes a, em busca do gaboso trejeito, a ironia, o maldizer. Palavras-arestas cegadas pelas farpas de uma sintaxe cotó roçam a mensagem e de forma elíptica (às vezes em excesso) caem à beira do dito. Revoltada contra a função (e acho aí uma atitude que já qualifica demasiado seus escritos), a poesia de RA é outra que vira o rosto à pertinência abusiva, à subserviência da língua a um propósito (estatal ou estético) demasiado poético-competente ou politicamente correto. Observo em algumas passagens do seu último livro (CONFISSÕES APLICADAS, Ameop, 2004), vários indícios dessa atividade anti-poética, construída desde “aparas de linguagem” (p. 27), “fissuras de linguagem” (p. 62) e “fendas de linguagem” (p. 77). De fato esse comportamento intersticial de sua expressão é bastante recorrente, revelador de um escamoteio verbal tinhoso e de um desatrelamento daquela poesia-boa de poetas recompensados por um consenso suspeito. Ora, quando uma maneira de dizer se revoga (e bem poucos ousam abandonar o barco) no seio desse mesmo código gasto e, melhor, das suas fendas, é possível e até salutar o manuseio de novos sentidos.

Ácido, o artista, além de não estar a fim de nenhuma fidedignidade, põe tudo em xeque, inclusive as vanguardas de que é filho:

diz
trair a tradição
inventar a
(Vá de Valha)

Ou mais enfático:

leitor ulisses
homero (
e) m
pessoa

ninguém
está de posse do
pós
(Vá de Valha)

O texto de Ronald, que opera a fundo o lema work in progress, à medida que nunca se completa, vai quebrando simetrias e sentidos, promovendo um enxame de possibilidades sintáticas e sintéticas ao redor, aptas a receberem a associação latente do leitor. Afinal, questionamos: o poema buscará um fim, uma solidez, um estágio estético de onde não se vislumbre mais o mais?

Alguém dirá, comiserado: e o leitor? E a consideração com o pobre leitor? E a comunicação? Admitamos, portanto, que há o risco de o dileto leitor não entrar no texto, não captar a “mensagem” (cito aqui alguns encontradiços questionamentos acerca de). Ora, mas não reside aí o problema milenar de toda poesia e, afinal, de todo dizer? Se a questão é esta, maior desrespeito com a assistência está em oferecer-lhe um texto edulcorado onde, em nome de falaciosas inerências e votos de pundonor, permaneça indiferente ou, pior, sorria no final, agradecida ao bom poeta por este não ter sugerido nada além do que ela aprendera a apreciar.

Ronald Augusto experimenta quase todas as possibilidades da síntese, através de um surrealismo sincopado, minimal. Dançando esse ritmo truncado, de signos devidamente frustrados de qualquer pretensão de uniformidade, eleva o significante a um ponto onde o significado se rarefaz (logo, multiplica-se), proliferante, polissêmico. Contra o alvo, a revoada. A ver:

regaço pedra o
régua quadril
(Vá de Valha)

O módulo pedra o/quadril projeta no leitor um feixe de imagem, e o o (artigo?) após a pedra sugere um sutil “motivo” hispânico. Pois bem, a função da poesia não é dizer o indizível, quando muito aproximar o incompatível (regaço – quadril = régua – pedra). O quadril torna a pedra dúctil, enquanto o regaço dribla, distrai, compatibiliza, corporifica e nega a fatalidade retilínea da régua. Faça-se, para melhor percepção, uma leitura linear e outra transversa dessa mesma “estrofe”, em quiasmo.

Aquela suspensão de sintaxe e vocábulos de que falávamos antes, a par de permitir sempre um discurso incidental irônico, capcioso, deixa as palavras como que à espera de algo, prestes à bifurcação. Poesia véspera de constelação:

poema a
moenda
arroio
mexendo moedinhas
na algibeira
(Vá de Valha)

Noutro momento, percebe-se a ausência de hierarquia entre os significantes – adjetivo – substantivo – verbo (onde um e outro?). E veja-se que, mesmo de ascendências diversas e até incompatíveis, os signos não se livram de um contágio recíproco entre eles. O poeta coloca tudo ao rés do nome e parece dizer: – palavra, signifique fora de si! Signifique-se! Prolifere!. Exemplifiquemos:

o vindouro
uva o
veio

Ou

músculo ou
crespos
musseque a favela
cestos
(Vá de Valha
)

Enquanto isso, o ritmo corre a favor do rito. É quando o mito do discurso encontra o discurso do mito, palustre e pobre locus da infância:

que
favo mangue
bessanga
o
moleque
(Vá de Valha)

Impossível não associar tais textos com alguns momentos da poesia de matiz africana (vide, por exemplo, Arlindo Barbeitos, em Nzoji), quando as palavras vicejam rente ao chão, no ar seco, de coivaras. Poesia casulo de vivência vária. Sumo de língua nova: por polpa a// arquipenumbra.

Contra a poesia de RA conspira, a meu ver, o que noutro momento a absolve, isto é, a elipcisação excessiva. Escondido atrás de um vácuo significante (estanco um vazio com outro, CA, pág. 35) pensa-se que o poeta se esquiva, não quer correr o risco da respiração completa ou de uma eventual explicitude. Ora, mas não há as mil formas de ver o poema? Afinal, o homem (portanto, o texto) não é poroso ao tempo? À tendência centrífuga/constelante das palavras tem que se dar um instante de perenidade, um provisório vetor rumo à plasticidade, seja para o presente, seja para o não-tempo. Há também a poesia dos conceitos! Quer dizer, o poeta pode até querer “estancar um vazio com outro”, ou pretender um arranjo de abstrações que lhe oculte o rastro. O problema – e isto a poesia de RA mostra a todo instante e os poetas-se-achantes insistem em negar – é que tudo isso se dá inapelavelmente no campo da linguagem. E é essa maldita linguagem que irá denunciar todo o entorno do homem, inclusive suas insuspeitas filiações e encostos.

Em O HOMEM AO RUBRO (Porto Alegre, 1983), porém, esse impasse se supera e o autor nos fornece desde lá uma senha para o seu último livro CONFISSÕES APLICADAS (Ameop, Porto Alegre, 2004). Manejando sem receio sua assumida “oralidade atravessada”, utiliza-a se não para resolver o texto em imagem (e saquei para mim uma felpa // bífida // de onda), também para ex/trair outros módulos de alta voltagem poética, adequando o como se diz com o que se diz. Citemos:

minha capoeira
assopro ela para além de duas
quadras
com imediateza e
antepassadas lâminas
um linguajar
de músculos paisanos
(O Homem ao Rubro)

Coincidência ou não, parece que o poeta hoje se dá conta disso, por exemplo, nos poemas do seu CONFISSÕES APLICADAS (Ameop, Porto Alegre, 2004), onde o artífice assume, com maestria, outra sintaxe, dando uma pausa no mínimo de retórica para um máximo de significação. Uma retomada, a um só tempo, da cantiga de escárnio e dos racontos dantescos, oxidados pela raiva moderna. Dessa obra, transcrevemos a indiscutível qualidade, p. 55:

cera de operárias em orelhas de remeiros
os mesmos mesmo topando com o cu do mundo
porque o mandachuva deles fechará sua
rosácea de rotas
transtornadas feito chama enunciante
nenhum dos seus comerá de outro pão
hera operária nos buracos dos eunucos

Em CONFISSÕES APLICADAS o poeta nos apresenta um livro recheado de périplos odisseicos com os clássicos, não de forma reverente mas dialogante, com ironia e vocábulos sem mofo. A respeito da mudança de ritmo operada na poesia de Ronald Augusto, talvez de maneira inconsciente o poeta nos revelou os passos dessa transposição, dessa mudança de batida, no poema contrafragmento, p. 57, nestes termos:

já agora me parece justo
não dissimular mais coisa nenhuma
dou-lhe conta dos transes que mordo
não com intento de pedir ajuda
nem com a idéia de forçá-lo

Na poesia contemporânea – da qual o texto de RA é um feliz exemplo – a consciência do artista participa da obra como uma anti-escritura. O poema, sob o pastoreio feroz de outro espírito, se escreve desfazendo-se. E aquela consciência ilustrada do artífice, tensionada a n vigílias não o empurra para o silêncio, tampouco para a palavra. Não o coloca em situação de fala ou de diálogo; estimula-o a um não-dizer, fixa-o numa zona plástica entre silêncio e voz. Imerso naquela ramagem de perguntas de que falava René Char, o poeta parece tomado pelo medo moderno de nomear.

Num mundo esvaziado de “guerreiros e celebrantes” e “um presente onde as sereias viraram sirenes” (H. Campos) o poeta adquiriu uma garganta crítica. Também por isso a escritura de RA é incômoda, inconclusa, incôngrua, como se lhe repugnasse ou inquietasse aquele toque edênico do objetivo (Idem). Agarrando-se ao fragmento, aparas da linguagem, transformando o texto em uma instância plástica de urgência e sugestão, revela-nos que o fim de um texto não é centrar o leitor na tirania de suas linhas, mas abrir sua (dele leitor) vontade para outros mundos (verbais ou não). Que a linguagem não nasceu para ser fidedigna, nem para corresponder a um dizer estanque e perpétuo, muito menos para servir às hegemonias sustentadas e retroalimentadas pelo arcano da pertinência.

Bom saber que existe por aí uma poesia in motum, que está na ordem do fazer e não de um estar ou ser, à ilharga da palavra estatal e da sintaxe recrutada para os bons propósitos da in/formação ou do pensamento político (e poético) logicamente correto.

De resto, contra a eternidade distraída que volta e segue, sob o rumor de sempre, efêmera, a poesia, com a linguagem, morre. Mas algumas vezes, felizmente, deixa um grande rastro.
========================
José George Cândido Rolim nasceu em Várzea Alegre, CE. Morou em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Atualmente exerce a advocacia em Fortaleza. Tem publicados os livros Rios de Mim (Fortaleza: Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, 1982); Arauto (Sabará: Edições Dubolso, 1988); Exemplos Alados (Fortaleza: Letra & Música, 1997), Pedra Habitada (Porto Alegre: AGE, 2002) e Camisa Qual (Porto Alegre: Editora Éblis, 2008).

Fontes:
http://www.msmidia.com/ameopoema/aut_ronald.htm
Imagem = http://ouirapuru.blogspot.com/

Deixe um comentário

Arquivado em Sopa de Letras

Maurício Chamarelli (Os Últimos Anos de Sibila)

Pintura de Salvador Dali
Segundo me foi dado coletar de uma fonte
infimamente confiável, Sibila,
sacerdotisa de Apolo, a quem o deus concedera
o poder da profecia, pedira-lhe,
a certa altura da vida, o dom da longevidade.
O deus concedeu-lhe o número de anos igual ao
de grãos de areia que pudesse segurar, o que
não impediu que seu corpo não acompanhasse
esta longevidade e perecesse mesmo antes dela.
E mais: antes de sua voz.

I

Extremidades frias do meu corpo: a velhice. Não sei se me vem primeiro a perda de consciência dos movimentos, ou sua incessante repetição. Quando jovem, em cada curva, um dilema vital, em cada questão, uma resposta absoluta. Mas a maturidade antecipa a leveza de todas as coisas. Nada de veraz muda ou a atinge. Pisco os olhos e não sei se encontro o mesmo mundo à minha frente, ou se escorrego cada vez mais rápido colina abaixo. Não sei sequer se lamento.

II

O peso dos anos, a solidão. Porém, mais do que tudo o silêncio. Eras ela silenciou solitária. A princípio falava consigo. Depois, resguardava ao pensamento a honra dos ainda-não-vocábulos. Até que, afásica, arrastava-se pelo mundo aonde as palavras não chegam. A mesma casa, mas já não mais casa. O mesmo tempo, mas já sem a interpelação ininterrupta de t-e-m-p-o: palavra tempo. O mundo não – mundo – .

III

Cabelos rarefazem-se. Costas se curvam. Quase como se, finalmente, entendesse a vida e agradecesse a ela. Como se caísse o pano e soassem os aplausos. Como se, curvada em reverência, me fosse dado aceitar a fatalidade. Pois bem: a vida nos dobra, nada mais. Pouco a pouco desfaz-nos de armas e palavras de injúria. E cala-nos. Calei-me. E comigo o mundo.

IV

A velhice: o valor dos rituais. A repetição incessante: comida ao gato, água às plantas, sabão às roupas. A total automatização de cada ato: a inconsciência. A mesma vassoura, todo o dia, no mesmo azulejo até que se removesse toda a distância entre azulejo e vassoura. Até que já não mais se fizesse necessária a ótica peculiar de – vassoura – e de – azulejo – . Até que não mais se impusesse, entre a mão e o cabo de madeira, a palavra vassoura. Ou mesmo a palavra mão, ou mesmo madeira.

V

Olho pela janela. A cidade, profusão incessante de nomes. Que verbos me fazem? Me diluem? Viadutos, carros: nomes. Silêncio. Ninguém está em silêncio ou no escuro na cidade. Há! Mesmo na casa, o gato, no campo, batidas de coração. A vida exalta a si mesma com a música e exala seu silêncio em luzes. Sua escuridão em vozes. E sua afasia em nomes.

VI

Até que um dia voltou. Pouco a pouco, as palavras retornaram. Mas não todas. Algumas levaram anos. Para voltar a serem ditas. E ainda certas palavras não voltaram. Não voltaram nunca – inomináveis? Mas mesmo as que retornaram, ressurgidas de abismo quem-sabe-quão-profundo, traziam consigo qualquer coisa de diferente. Um certo frescor de novas.

VII

Me observava. Cada movimento. Como se pronto a reagir. Mas ainda assim mantinha a autonomia e aparentava calma. Levou umas duas linhas no livro da vida para que se tornasse um gato. Sim, algo a que se pudesse chamar gato. Primeiro tinha de decidir-se por patas. Dianteiras. Traseiras. Um tronco, um rosto, orelhas. Entranhas etc. E cor. Pois bem: um gato. Eu mesma o experienciara momentos antes. Não. Não há nada mesmo de engraçado. O braço ainda não braço a transpirar as sílabas bra. Ço. A mão a lembrar-se de que já foi um dia mão. E eu, entre soluços, engasgos. Suando. Tremendo. Eu podendo soar eu outra vez. Imaginar eu, dizer – eu – .

VIII

Algumas palavras não voltaram. Algumas coisas ficaram sem nome. Mas outras que talvez precisassem destes. Como por exemplo o ato de alimentar o gato. Ou virar a água da tina no tanque ao tirar do molho as roupas. O espaço que a pele enrugada, sobrepondo-se, sufoca e obscurece. A marca dos óculos nas laterais do nariz ou a envergadura da alma para suportar o peso dos anos. Ou o ato de voltar. De soar eu outra vez, de transpirar sílabas: sibilar.

IX

O mundo fluir o mundo em palavras. Dar nome a rostos que nunca nascerão. À minha volta dançam palavras sem qualquer significado. Nomes irreferenciáveis, verbos impossíveis. – O que virá e o que passou se encontram no compasso oracular da minha música: no raso verbo da voz só há tempo para dizer o que passa. Coisas mortas. Vivas. Desbravar sem trilhas ou bandeiras: marcar talvez o caminho com pontos parágrafos. E recomeçar.

X

O entorno transpira – parede – . O embaixo soa – chão – . O mundo reivindica de novo seus nomes, como o gato. Mas é pouco. Sibilavam, por exemplo, coisas impossíveis. Não mais o gato, mas – gato – . Não mais a porta, mas – porta – . As palavras tomavam vida própria. É mais: o mundo não voltaria jamais a ter nomes. As coisas não voltam mais a ter nomes. Os nomes voltam.

XI

Sinto-me a boca transbordar mistérios. Desfoquei o mundo, desci às profundezas do pensamento e encontro-me irremediavelmente viva. Sinto em mim pulsar qualquer coisa. E na garganta – garganta qualquer – a vontade de cantar! Não, não virão mais injúrias! A vida também chora quando soa a morte! O derradeiro golpe da foice não é a fatal negação aos mortais, é a vida a dobrar-se aos seus próprios desígnios. É ela que a si mesma impõe limites, que consigo mesmo se concilia. E mesmo assim em nenhum momento o mundo se entristece.

XII

Seu corpo deteriorou. Os anos soaram seus gongos e levaram o gato. As plantas. E tudo mais se esvaía. Algumas coisas já haviam morrido e seus nomes ainda pairavam irreferenciados; enquanto outras viviam, solitários corpos sem nomes. E todas as coisas se faziam ouvir por Sibila. E sua voz viveu para além de seu corpo. Em seus últimos anos ela foi somente voz. E quando o proprietário adentrou o apartamento com a moção de despejo, ainda soava um leve sussurro no ar. Como se as paredes, e o chão, e o tapete, e os quartos, sibilassem. Como se uma voz, uma voz somente, se quisesse fazer ouvir.

À minha bisavó Angelina
e seu silêncio que tanto me custa ouvir.

Fontes:
Confraria do Vento. http://www.confrariadovento.com/revista/numero6/conto02.htm

Deixe um comentário

Arquivado em O Escritor com a Palavra

Maurício Chamarelli (1984)

Maurício Chamarelli Gutierrez é carioca, nascido em 1984, estudante de literatura na UFRJ e de música na Escola de Música Villa-Lobos. Toca saxofone nas horas vagas. Participou do projeto Arranjos para Assobio, da UFRJ, até 2004.

Uma girafa por entre outros animais, Maurício Chamarelli é daqueles cuja presença se ergue por sobre a grande maioria das outras. Entre os pés ágeis batendo firmes no chão enquanto recebem a força da terra e a cabeça que acolhe o mais tênue das alturas, o pensamento, neste livro, é do corpo, articulado pela intensidade destes dois vetores. Seja no ensaísmo, inédito, seja, como agora, na poesia, que se edita, este jovem de 21 anos começa traçando sua trajetória para que a vida fale publicamente em passos de gigante. Como se isto, com folga, não bastasse, ainda surpreendente é a intensidade tão precocemente aliada a uma rara maturidade; ou talvez seja justamente por tal aliança que, aqui, vida, de fato, fale em passos de gigante. Pela grandeza do que aqui se mostra, e do que, fora daqui, também conheço, a poesia e o pensamento brasileiros recebem um reforço de peso, daqueles que já chegam para vestir a camisa 9 ou 10 da seleção. Fosse a poesia futebol, não tenho dúvidas de que, com esta estréia, Maurício Chamarelli seria logo cobiçado pelos gramados europeus… mas, felizmente, não é este o caso.

Se, no princípio, era o corpo, e se todo corpo é tênue (não apenas o do poeta, mas o do leitor e de qualquer um ou outro que nunca teve um livro nas mãos), e se trata-se de uma voz – como é, explicitamente, o caso –, qual a voz, corporal, que concilia o corpo, que sempre principia, com o verbo que lhe é decorrente? Aqui, a voz poética é grito, sopro, rugido, tudo o que, imerso no sentido, sem denegá-lo, criando-o, o antecipa em puras exclamações, em sons de palavras rubras, rudes ou, mesmo, cansadas. A poesia de Maurício Chamarelli é da voz que antecipa o verbo, da voz que, no sentido, pronuncia o berro de nascimento de todo e qualquer sentido. De peito aberto e pés descalços, este corpo tênue mora em farpas da voz. E esta voz, tênue e corporal, esta voz encorpada da vida em passos de gigante, é uma farpa entre o nome e a morte, entre a morte e o nome. Ser esta farpa, eis a excelência do desafio poético proposto por Maurício Chamarelli. No princípio corporal e vocal, ser, portanto, tênue, só uma tonalidade, apenas uma veia, um mínimo vibrátil que alimente a interminável procura de um nome melhor para isto. Para isto que é vida (em passos de gigante), para isto que é poesia (também em passos de gigante).

A imagem, sim, a imagem incontornável, mas, em Corpo Tênue, sobretudo a música, que, mesmo na visão, é anterior à própria visão, a música do pensamento, da poesia, a música da voz. A música do grito, do sopro, do rugido. A música do corpo e, no corpo, a música do tênue. A música, como o mais tênue corpóreo, para quando a aflição do incorpóreo me estiver afogando. A música da celebração da poesia, afirmadora de todo um complexo de forças que, não se tornando perceptível, deixaria o mundo muito pior. A música… Diz o livro: É tudo música. Desde a abertura deste livro, a música se faz presente tanto como modo de realização quanto como tema. Assim, bem de acordo com o John Coltrane homenageado, o que se mostra ao longo do livro, entremeados ou não por títulos, são acontecimentos poemáticos espiralados feito o rodamoinho de um furacão, cujas células, menores (um verso qualquer que temos pela frente) ou maiores (todo o conjunto do livro), nos trazem – sempre – o poético em sua melhor maneira, o poético que mostra a vida em passos de gigante. Pegue este livro, portanto, como uma primavera nos dentes, porque, mesmo que escrito na primeira floração, ele se anuncia como outubro: Mas outubro,/ Outubro se anuncia entre esses dentes.// Não sei se de dentro/ – como vômito/ Ou se de fora/ – como soco// Mas outubro, outubro se anuncia. Maurício Chamarelli assim se anuncia: com passos de gigante.

(Prefácio do Livro Corpo Tênue, por Alberto Pucheu)

Fontes:
Confraria do Vento.
As Escolhas Afectivas.
http://www.oficinaraquel.com/mauricio.html

Deixe um comentário

Arquivado em Biografia

Everardo Norões (Mais Poemas)

Pintura de Dulce Maria Assunção
LAVADOR DE PRATOS

Sussurram,
na superfície da louça,
os duendes da faiança
e o piano de Satie.
Enxáguo
desejos inconfessos
e, entre talheres,
me despeço
da Gymnopédie.
Há sempre um ar de água
nas frases que me dizem
quando a manhã acaba.
E, no brilho dos pratos,
a mesma cor
da mágoa.
G G G G G G G G G

SERTÃO

As nuvens são baixas,
mas alto é o céu.
O que parece passar,
permanece.

O verde, no cinza
se descobre.
A luz,
da escuridão se tece.

O verbo afia,
a faca desafia:
no oculto de mim,
tudo é Sertão.
G G G G G G G G G

DOMINGO DE RAMOS

Vejo teu corpo
e penso num Domingo de Ramos:
um aceno de palmeiras
um halo de estrelas:
frestas de luz em que se somem
um cristal de lembranças,
um jumentinho,
a cruz das tuas ancas.
Penso num Domingo de Ramos
como aquele, sempre festa:
do vinho, da água, da poeira,
do rebrilhar de peixes sobre pedras.
Vejo teu corpo
e soam litanias:
há espadas de folhas e um abrigo
sob o branco marfim do teu vestido.
Penso num Domingo de Ramos,
no teu horto, no vermelho da boca,
na Paixão,
no mistério que desce das colinas,
olivas espalhadas pelo chão.
Cálice despejando em minha língua
um fel de histórias esquecidas:
a hóstia consagrada do perdão.

Vejo teu corpo e penso
num Domingo de Ramos.
Como aquele,
em que me acenas
o sangue de um cordeiro degolado,
brilhando sobre a luz das açucenas.
———

Deixe um comentário

Arquivado em O poeta no papel, Poemas

Aprendendo sobre Poesia (Parte III – final)

Pintura Studying, de Iman Maleki

GÊNEROS LITERÁRIOS

A conceituação dos gêneros literários tem levantado problemas até o momento insolúveis, tendo também dado azo a que aparecessem várias teorias, havendo inclusive aqueles que negam sua existência.

Dá-se o nome de gênero literário a “famílias de obras dotadas de atributos iguais ou semelhantes” (Massaud Moisés). Note-se que a palavra “gênero” vem do latim generu -, e significa família, raça, ou seja, agrupamento de indivíduos ou seres que têm características comuns.

O primeiro autor a se preocupar com os gêneros literários foi Platão que, em sua República, classifica as obras literárias em três gêneros, a saber:

– a tragédia e a comédia, ou seja, o teatro;
– o ditirambo, ou poesia lírica;
– a poesia épica

Na antigüidade clássica greco-romana e no Renascimento – época em que se revalorizou a produção de Grécia e Roma antigas – adotava-se o pensamento de Platão, e acreditava-se que os gêneros preexistiam aos autores, tendo cada um deles regras fixas que deviam ser obedecidas rigorosamente, sendo ainda cada gênero considerado como um compartimento estanque, absolutamente impermeável às influências dos outros, não podendo haver, por isso, mistura entre eles nem entre as espécies.

Muitas das normas que regiam a criação literária só deixarão de ser aceitas com o Romantismo, no século XIX, que adotou a idéia dos gêneros comunicantes, o que deu origem inclusive a gêneros novos, como o drama, desaparecendo também a idéia clássica de que o número de gêneros literários seria limitado e imutável.

Tradicionalmente, e segundo o pensamento de Platão, consideram-se três gêneros literários fundamentais: o lírico, o épico e o dramático.

A cada gênero correspondem, geralmente, determinadas espécies materiais de forma, determinadas “formas” literárias, em prosa ou em verso, adequadas àquilo que se deseja exprimir. Assim, o gênero épico, narrativo e grandioso, requer forma adequada, ou seja, um poema mais longo, com versos maiores e mais solenes. Do mesmo modo, o lírico, às vezes tranqüilo, às vezes intempestivo, procura a forma (ou “forma” ) adequada ao que se deseja exprimir, aparecendo ora sob a forma de poemas maiores e mais densos, como a ode, ora sob a forma de poemas pequenos e graciosos, como o madrigal. A essas “formas” literárias costuma-se dar o nome de espécies.

Esquematizando, são os seguintes os gêneros literários:

Gênero
Espécie
Lírico (geralmente em verso)
soneto, ode, elegia, madrigal, etc.

Épico
(em verso)
epopéia
poema
poemeto

(em prosa)

Dramático (em prosa ou em verso)
tragédia
comédia
drama

1. Gênero Lírico

A palavra lírico vem do latim lira, instrumento musical. Na antigüidade grega, os poetas cantavam suas composições ao som de liras. Na Idade Média, durante o período provençal a poesia voltou a ser contada, depois de ter sido declamada na Roma antiga.

Pode-se dizer que o gênero lírico é aquele que expressa um sentimento pessoal. Seu conteúdo “é a maneira como a alma, com seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma no âmago deste conteúdo” (Hegel). De fato, ao poeta lírico interassam apenas suas sensações, seus estados de alma, seus sentimentos, É, a bem dizer, um ser isolado, um indivíduo voltado para dentro de si mesmo, embebido em eterna autocontemplação. A paisagem exterior, a Natureza ou os homens só lhe interessam na medida em que se projetam nele, ou na medida em que o exterior é passível de ser interiorizado. Veja-se, como excelente exemplo, o poema de Fernando Pessoa, Contemplo o Lago Mudo, já focalizado no capítulo referente à distinção entre poesia e prosa.

Normalmente o gênero lírico se apresenta sob a forma de verso, o que não impede que apareça também em prosa, muito embora alguns autores prefiram chamar “lirismo” ao transbordamento da alma do autor em obras em prosa, como, por exemplo, os dois primeiros parágrafos de texto de Jorge Amado, também focalizado no capítulo referente à distinção entre poesia e prosa.

Poesia lírica seria, por exemplo, o trecho abaixo. de Gonçalves Dias:

“Enfim te vejo! – enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei. Cruas âncias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!

Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!

Louco, aflito, a saciar-me
D’agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da espr’ança,
Tu me vieste à lembrança,
Quis viver mais e vivi!
(Gonçalves Dias, Ainda uma vez – Adeus! In “Poesias”, Agir, pág. 61)

2.Gênero Épico

A palavra épico vem do grego épos, narrativa, recitação. A poesia épica nasceu, no Ocidente, com Homero, poeta grego que viveu entre os séculos IX e VIII a.C. e escreveu dois poemas que constituíram os primeiros modelos épicos: a Ilíada e a Odisséia.

Depois de Homero, a poesia épica, seguindo certas normas tradicionais que se baseavam na obra do poeta grego, foi cultivada até o Romantismo.

Na antiguidade romana, a epopéia mais conhecida é a Eneida, de Virgílio. Na Idade Média, aparecem vários poemas narrativos, especialmente nos séculos XII, XIII e XIV, que se afastam dos padrões clássicos (Homero e Virgílio) pelos assuntos abordados e pela técnica narrativa. São inspirados, geralmente, em façanhas guerreiras da época da cavalaria andante. São mais conhecidos: a Canção de Rolando, o Romance de Alexandre, os romances da Távola Redonda, o Cantar de Mio Cid.

No Renascimento, com a revalorização da antiguidade greco-romana e a conseqüente imitação de sua literatura, aparecem novos poemas épicos que tomam como modelo as grandes epopéias dos gregos e romanos, especialmente a dos dois poetas já citados. Datam desse período o Orlando Furioso, de Ariosto, Jerusalém Libertada, de Tasso, ambos na Itália; em Portugal, Camões escreve Os Lusíadas, o maior poema da língua.

Ainda no Romantismo – século XIX – cultivou-se a poesia épica, embora dentro de nova visão, diferente da dos clássicos e renascentistas.

Na antiguidade clássica e no Renascimento, o gênero épico deveria obedecer a certas regras, a certas normas que o caracterizavam:

1. O poema épico deveria ser dividido em cinco partes, a saber:

a- Preposição: em que o autor resumiria o assunto da obra.
b- Invocação: na qual o autor pedia a uma divindade que o inspirasse em sua criação.
c- Oferecimento: parte em que o autor dedicava seu poema a alguém. (O oferecimento não era obrigatório.)
d- Narrativa: o corpo do poema propriamente dito.
e- Epílogo: fecho do poema. (Também não obrigatório.)

2. A narrativa não deveria obedecer à ordem cronológica dos fatos. Ao contrário, deveria iniciar-se o mais próximo possível do fim do acontecimento que deu origem ao poema, retornando aos fatos anteriores através de narrações dos personagens, de sonhos e visões fantásticas.

3. A poesia épica deveria conter o chamado “maravilhoso”, isto é, a intervenção direta de seres sobrenaturais, quase sempre deuses da mitologia greco-romana, na vida humana. Ao lado desse maravilhoso pagão, no cristianismo surge também o maravilhoso cristão, ou seja, a intervenção de personagens bíblicos (do Antigo ao Novo Testamento).

O gênero épico em verso apresenta três espécies:

1. Epopéia: obra épica de largo fôlego, envolvendo a história de um povo ou de uma nação, ou ainda passagens históricas de importância universal. Por exemplo, Os Lusíadas, de Camões.

2. Poema Épico: trata, também de episódio histórico, mas menos importante e que não ultrapassa os limites do nacional ou mesmo do regional, embora o poema épico seja tão extenso quanto a epopéia. Exemplo: Caramuru, de Santa Rita Durão.

3. Poemeto: mais curto que as duas espécies anteriores, trata de assunto de importância ainda menor que o do poema épico. Exemplo: O Uruguai, de Basílio da Gama.

Note-se bem que as diferenças apontadas entre as três espécies da épica clássica tradicional subordinam-se à importância do assunto tratado e às dimensões da obra, e não à valoração ou valor literário dela. Se, normalmente, a epopéia é superior em qualidade ao poema e ao poemeto, pode haver exemplos destas duas últimas espécies com valor literário superior à primeira. Entre os exemplos dados, cumpre observar que o poemeto de Basílio da Gama, O Uruguai, é muito superior, literalmente, ao poema épico de Santa Rita Durão, Caramuru.

Foi dito que desapareceram, com o Romantismo, as espécies épicas conhecidas como epopéia, poema e poemeto. É claro, entretanto, que o espírito épico não desapareceu, nem desaparecerá, podendo ser identificado, nos nossos dias, naqueles poemas em que a preocupação do autor não se volta exclusivamente para si mesmo, como na poesia lírica, nos poemas em que o autor não aparece apenas como indivíduo, como um ser isolado, preocupado apenas consigo mesmo, mas como um representante do gênero humano integrado no todo da humanidade. Nesse caso, conta para o autor não mais o “eu” – ou apenas o “eu” – mas o “nós”, já que ele se identifica com todos o homens, identifica-se com sua angústia, com sua dor, com seu sofrimento, situando-se entre os que sofrem e se angustiam, integrado que está ao conjunto, à humanidade.

Da primitiva epopéia clássica, o poema épico moderno conserva não apenas o que foi dito acima, ou seja, a identificação do autor com a humanidade, mas também a mesma grandiosidade do verso, o mesmo tom solene, mas próprio à importância e solenidade do assunto.

Massaud Moisés (A Criação Literária) aponta-nos como exemplo de poema épico moderno a Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, de que transcrevemos o trecho abaixo:

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregoso,
e no fecho da tarde um sino rouco.

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

pausadamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensando se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

palas pupilas gastas na inspecção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em clama pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas

assim me disse, embora em voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo”.

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene
sentimentos da morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Fonte:
Colégio Terra Nova.

Deixe um comentário

Arquivado em Poesias, Teoria Literária

Trova 119 – Jorge Murad (Rio de Janeiro/RJ)

Deixe um comentário

27 de fevereiro de 2010 · 22:36

Belmiro Braga (1872 – 1937)

por J. G. de Araujo Jorge, abril de 1959, in prefácio do livro 100 Trovas de Belmiro Braga.

Estranha essa velha e sempre novíssima Minas Gerais. Dá Belmiro Braga e Carlos Drumond de Andrade. Montanhas de ferro, vermelhas, enferrujando-se no ar, pastagens e campos verdes, de águas claras e brancos leites.

Escrevi certa vez: “Inglaterra do Brasil’ ao mesmo tempo liberal e conservadora, desconfiada e expansiva, na alta clausura de suas montanhas, fabrica tudo: místicos, satíricos, ironistas, tímidos, aventureiros. Fechada em seus limites, se abre para o alto, voltando-se para o céu, – a sua imensa janela; para baixo olhando de cima e de longe, como de camarote.

De extremos: revolucionária e tradicional. Na política, na poesia, na arquitetura, em tudo. Tiradentes e Bernardo de Vasconcelos, Ouro Preto e Pampulha, Belmiro e Carlos Drummond. Nela os extremos se tocam, se combinam. Vai vivendo assim com sua dupla face, sua alma bifronte.

Terra de poetas, de grandes é a “grande ilha da poesia” brasileira. Não sobrevive só: faz parte de um arquipélago. Mas é a ilha maior, a principal; ontem, hoje. Ilha montanhosa, de altos cumes.

Aqui vamos falar de um de seus filhos, de um de seus poetas: Belmiro Braga.

Aparentemente, pouco mineiro: expansivo, jovial, exuberante, transbordando-se em versos pela vida. Voltado pra fora; ao contrário da maioria: de costas pro mar.

Belmiro era um temperamento simples, sem complicações. Por isto sua poesia escorreu das montanhas como um curso dágua transparente, córrego alegre, tirando música de cada obstáculo, de cada acontecimento.

Nasceu o poeta na Fazenda da Reserva, antigo Distrito de Vargem Grande (hoje Município com o seu nome), perto de Juiz de Fora, a 7 de janeiro de 1872, e morreu em Juiz de Fora, a 31 de março de 1937. Herdou possivelmente a veia poética do avô materno, Francisco Lourenço de Barros, “versejador mordaz” no dizer de Alves Cerqueira.

Filho de José Ferreira Braga, comerciante português, e de Da. Francisca de Paula Braga, brasileira, Belmiro estudou as primeiras letras no “Ateneu Mineiro”, em Juiz de Fora, de onde voltou a Vargem Grande com a morte da mãe, ajudando o pai nos negócios.

Esteve depois em Muriaé, em Carangola, e em 1901 era comerciante na Estação de Cotegipe, onde o foi encontrar o poeta nortista Antônio Sales, que passava tempos numa fazenda próxima.

Foi Antônio Sales quem o apresentou depois, em artigo na imprensa carioca, como o “João de Deus Mineiro”. Na mesma ocasião conhece Belmiro Braga a Fernandes Figueira, médico, que colaborava em revistas da capital do país, com o pseudônimo de Alcides Flávio. Tornando-se seu companheiro de tertúlias literárias, Fernandes Figueira o orientou, de certa forma, em sua formação intelectual e conseguiu que os primeiros versos de Belmiro fossem publicados no Rio.

Com a divulgação de seus trabalhos Belmiro Braga granjeou em pouco tempo popularidade. E de seu conhecimento em Minas com Antônio Figueirinhas, editor português que andava em viagem de negócios pelo Brasil, surgiu o lançamento do seu primeiro livro. “Montesinas” saiu prefaciado por Batista Martins, um amigo de Carangola, quando ele era comerciante, e Martins, estudante de Direito e jornalista.

Lançado o primeiro livro em 1902, Belmiro publicou depois: “Cantos e Contos”, em 1906; “Rosas”, em 1911; “Contas do Meu Rosário”, em 1918; “Tarde Florida”, em 1925, e finalmente, “Redondilhas”, em 1934. Escreveu também para o Teatro.

Hoje há em Minas dezenas e dezenas de academias e grêmios literários com o nome do poeta. E Juiz de Fora, muito particularmente, reverencia e cultua a memória de Belmiro Braga que dedicou à “sua cidade”, e ao lar paterno, um amor extremoso. Antônio Sales, seu grande amigo, no livro “Retratos e Lembranças” traça, num dos capítulos, um perfil completo do poeta, seu temperamento, caráter e formação. Diz ele:

“O lar paterno era uma obsessão sentimental de Belmiro. O sitio Reserva, onde nasceu e passou a primeira fase da infância, depois tão dolorosa, tão brutalízada pelos maus tratos da vida, esse sítio era a Meca para onde seu espírito se voltava num culto perene”.

Um de seus mais tocantes poemas, redigido em forma impessoal, foi este que ele escreveu, depois de uma visita à casa paterna:

“Foi aqui, neste plácido retiro
ouvindo a voz amiga dos teus pais,
que a infância alegre te correu, Belmiro,
a alegre infância que não volta mais.. . “

Num outro poema, dirigindo-se a amigos, exalta a alegria de rever o torrão natal:

“Meus amigos da cidade,
morrei de inveja!
Eis-me aqui na ridente
soledade onde nasci.

“Belmiro era fundamentalmente um homem simples, um homem bom. Tinha direito de se reconhecer como tal no Prólogo que escreveu para o livro “Contas do Meu Rosário”:

“Sendo minha alma simples, compreendida por outras almas simples, que prazer! Tudo que a gente faz melhor na vida é aquilo que se faz sem aprender.”

E, modesto:

Que este livro não é uma obra de arte,
mostram suas estrofes sem lavor:
– do triste coração meu verso parte
como o aroma do cálice da flor.”

Enganava-se entretanto. Seu livro era uma beleza. Uma verdadeira obra de arte. Sem artificialismos estéticos, fazendo sua poesia como andava, como respirava, ele dava-se todo, de alma e coração, às palavras em que se traduzia. E por isto, as palavras ganhavam essa música simples de cantigas, traduzindo em versos e rimas sentimentos e pensamentos de toda gente. Ele tinha razão, a poesia estava nele, como o perfume na flor, como o pássaro no céu, como a água na terra.

De Belmiro se poderia dizer que ele quase falava em versos. E se não falava, escrevia. Eis o testemunho de seu amigo Alves Cerqueira:

“Comerciante em Cotegipe, Belmiro costumava dirigir-se aos fregueses em versos”, porque sentia mais facilidade em se expressar desta forma do que em prosa.

Os amigos de Juiz de Fora, de tanto vê-lo versejar com a facilidade que lhe era característica, acabaram por lhe solicitar versos em todas as oportunidades. O caso de Irineu Rocha é por demais conhecido. Chefe de Oficinas do “Jornal do Comércio” de Juiz de Fora, Irineu lhe pedia quadrinhas a propósito de qualquer acontecimento, do mais alegre ao mais triste, de um batizado a um falecimento.

Um dia, passando pelo jornal, Belmiro soube da morte do Irineu. E como se atendesse a uma solicitação póstuma, homenageou o velho gráfico com estas três quadrinhas:

“Se um seu amigo morria,
êle vinha ter comigo
e umas quadras me pedia
para a morte dêsse amigo.

Hoje, lembrando esse fato,
eu pensei, em mágoa imerso,
que talvez lhe seja grato
ser também chorado em verso.

E assim nestas quatro linhas
venho aqui dizer-lhe, triste:
– Irineu, toma as quadrinhas
que tu nunca me pediste.”

Trovador, no velho e no novo sentido da palavra, estava em permanente dueto lírico com a vida. Tudo lhe era assunto para uma quadra, um soneto, uma redondilha. A gente vai lendo e se admirando de que as palavras casem tão bem no fim dos versos, como se tudo já estivesse feito, e o poeta fosse apenas o “Instrumento” que as cantava e divulgava. Foi um grande, um extraordinário versejador.

Com a subversão dos modernos conceitos de poesia, como definir esta poesia discursiva, descritiva, profundamente extrovertida, sem mistérios, limpa e transparente, de Belmiro Braga? E quando falo em Belmiro, me refiro a um sem número de outros grandes poetas que continuam versejando, com tônicas bem postas, métrica, rima, todos os chamados artifícios formais da poesia tradicional.

Que há beleza, emoção, comunicabilidade no que escrevem, não há dúvida. Que realizam autênticas obras de arte, só sectários podem negar. E então teremos que rebatizar o gênero literário de que se servem, já que as correntes modernas se apoderaram da palavra poesia – e erígiram novos tabus de conceituação.

Para os estetas das novas correntes, os cristais teriam de subverter as leis da cristalografia se quisessem permanecer como símbolos de beleza, nos tempos atuais.

Belmiro é um autor que está, de corpo inteiro, em sua obra. Lírico e satírico, mas de uma sátira jocosa, sem maldade, era fundamentalmente um grande emotivo, um sentimental incorrigível. Amigo dos amigos, tomando a própria família como tema permanente de seus versos, êle viveu em versos. Era uma espécie de “ópera” viva, ambulante! Sua vida, sua infância, a vida dos seus, seus negócios, suas pretensões políticas, tudo para ele era verso, era poesia. Até seu próprio testamento, antecipadamente redigiu, numa auto-sátira bem humorada. Nomeado tabelião em Juiz de Fora, em 1903, aproveitou-se logo da sugestão do cargo:

Morto não quero o belengar dos sinos
enchendo de tristeza o espaço imenso,
nem esses tristes, merencórios hinos
da charanga do bairro a que pertenço.

Cante-me o padre alguns textos latinos
por entre nuvens de cheiroso incenso,
mas desde já previno-o: pequeninos,
que os longos textos com prazer dispenso.

No cemitério, nada de discursos!
Acautelem-me ali dessa estopada
os bons amigos dos amigos ursos,

pois, em casa, o orador, à sobremesa,
dirá pensando em mim: “Não somos nada!
Lá se foi o Belmiro… Que limpeza!”

É muito citado o soneto que dirigiu como carta, ao pai da moça, quando seu filho queria se casar:

Artur Fernandes de Oliveira – abraços.
Tens, amigo, uma filha e eu tenho um filho
que desejam da vida o mesmo trilho
palmilhar, a sorrir, contando os passos.

Se o amor os tem prendido nos seus laços,
se entre os dois não existe um empecilho,
tu te envaideces, eu me maravilho,
por vê-los, um ao outro abrindo os braços.

Se dela o coração é manso e puro,
tem ele garantido hoje o futuro
servindo à Pátria com amor e fé.

Mas vamos nestas linhas por um ponto;
o que eu quero de ti, aqui te conto:
– é de Cordélia a mão para o José.

E não satisfeito, na véspera do casamento, mandou ao filho a sua bênção e as congratulações pelo acontecimento:

“Meus parabéns, José, porque suponho
que a vida que a Cordélia te assegura
há de ser de carinho e de ventura
sob a tranqüila paz de um céu risonho.

Dos teus sonhos de moço o melhor sonho
foi, meu filho, essa jovem de alma pura
em cujos dons de afeto e de ternura
todas as minhas esperanças ponho.

Abençoado seja, pois, o laço
que prende para sempre num abraço
os vossos corações de ouro de lei.

Em nossa vida a mesma estrela brilha,
que a mulher que amanhã me dás por filha
é igual àquela que por mãe te dei…”

Depois foram os netos. Abrindo o volume “Tarde Florida” está o poemeto “Versos do Coração”, que começa assim:

Cláudio e Jorge… A minha vida
de amor, carinhos, afetos,
tenho-a toa resumida
nestes dois netos!”

Candidato a deputado estadual, contando com o apoio político de seu amigo, o Coronel Martins Ferreira, de Leopoldina, este lhe escreveu, querendo mexer com Belmiro, que só ia lhe dar a metade da votação, porque a resposta à sua carta lhe chegara em prosa. Belmiro não se fez de rogado. E conquistou a votação inteira com este soneto:

“Meu caro Coronel Martins Ferreira,
candidato extra-chapa a deputado
ao congresso da Câmara Mineira,
desejo ser aí o mais votado.

A minha fé de ofício é de primeira,
vale por um programa o meu passado,
e no congresso não direi asneira
todas as vezes.. . que ficar calado…

Fui caixeiro, depois fui negociante,
e do torrão natal representante
agora aspiro ser como escrivão:

e eleito, espero, mas que maravilha!
– ser pai da Pátria e receber da filha
todo o subsídio, quer trabalhe ou não!

Um outro amigo seu, Abílio Barreto, reclamou de certa feita contra o silêncio do poeta. Já escrevera três cartas e nada de resposta. Belmiro, apanhado em esquecimento, apressou-se em penitenciar-se. E compõe às pressas uma resposta ao amigo Abílio, na própria Agência do Correio:

Prezado Abílio, perdoa
a resposta demorada:
tu sabes, quem vive à toa
não tem tempo para nada.”

Filósofo do povo, ele, com graça e inteligência, ia fixando a alma de sua gente. Estava nele, – ele próprio não sabia que encarnava e simbolizava, em sua poesia, ao fixar a vida, – a alma do nosso homem do interior.

As duas faces da poesia de Belmiro foram sempre estas. Um profundo amor pelos amigos, pelos parentes, aos quais dedicava um sentimento de grande ternura; e o tom chistoso, alegre, com que brindava àqueles a quem não podia dedicar apenas carinho. No fundo, um humor sadio, às vezes irreverente, mas nunca agressivo ou ferino. Era terna e alegre a sua Musa. E acima de tudo, humana.

De certa feita um jornalzinho da terra, chamado “Justiça” pediu-lhe uns versos para um número de aniversário. O trabalho foi feito, pequena obra-prima, mas não foi publicado. Leiam-no e compreenderão:

Quanto é bela a Justiça! Aplaina escolhos e os interesses vela
do grande e do pequeno.. . E ela, depois,
fechando os olhos e abrindo a goela,
engole os dois…

Reta, ao dirimir uma contenda
ajusta as artes, e, num gesto nobre,
em vez de pôr a venda, põe à venda
os bens do pobre…”

Este espírito crítico de Belmiro, que nascia da bondade de seu coração, se manifestou até em relação aos próprios problemas estéticos. Belmiro, sem mais delongas, não aceitava o modernismo na poesia. Intimamente havia de achar que estes poetas modernos faziam complexa uma coisa que nêle nascia sem nenhuma dificuldade. Mas se o negócio era esse, ele também era capaz de fazer “modernismo”. No prefácio de seu livro “Redondilhas”, chamando aos futuristas de “um aluvião de turcos que invadiram a praça obrigando-o a cerrar as portas e a recolher, como alcaides e refugos, os seus pobres sonetos, quadras e sextilhas”, ele, incoerentemente, publica seu livro, e ainda perpetra poemas desalinhavados, para provar que pode fazer versos iguais.

Floriano de Lemos, em belo artigo que lhe dedicou no “Correio da Manhã”, do dia 18 de abril de 1954, cita este outro fato; e comenta:

A obra de Belmiro Braga é um monumento de naturalidade, graça e delicadeza. Não há em toda ela um verso forçado ou uma idéia nascida sem inspiração. Sabendo fazer poesias rigorosamente parnasianas, não desculpava, entretanto, a mania das rimas difíceis que certos autores tinham. O estilo afetado foi por ele duramente criticado em uma série de quadrinhas que começa por estas duas:

“Recebi de um jovem bardo
uns versos nefelíbatas
de quatro pés, que não tardo
chamá-los… de quatro patas!

Ao lê-los a gente fica
pensando, e afinal descobre
que é sempre uma rima rica
que veste uma idéia pobre.”

Realmente, da poesia de Belmiro Braga se pode dizer que, se há rimas e versos pobres, estes são ricos de emoção, de ternura, de beleza.

Em gênero nenhum Belmiro Parece tão à vontade como na trova. Poeta popular por excelência, espontâneo, ele usava a trova com uma facilidade espantosa. E assim como os críticos têm lembrado que Bilac já trazia um perfeito verso alexandrino no nome (Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac), Belmiro Braga trazia uma redondilha menor, um verso de 7 sílabas: Belmiro (Ferreira) Braga. Dele, eu poderia dizer:

“Fez trovas como quem ri
chora, canta, ou roga praga.
Troveiro igual nunca vi:
– Belmiro Ferreira Braga.”

Foi ela o seu Universo
cantou-a, sem querer paga,
e ao nascer, trazia um verso:
– Belmiro Ferreira Braga.

Trovador, troveiro ou trovista nato, a trova era uma medida ideal para a sua inspiração, quer desabafando mágoas e alegrias, quer “desopilando” suas inofensivas maldades satíricas. Humorista de fina sensibilidade, servia-se dos versos para fixar coisas, pessoas e fatos, em rápidas caricaturas poéticas.

Neste volume que apresentamos iniciando a “Coleção Trovadores Brasileiros”, Belmiro Braga aparece com 100 trovas, líricas e humorísticas. Numa e noutra realizações, foi perfeito. Vamos citar um exemplo de cada face de seu trabalho. De certa feita, Belmiro Braga satirizou um advogado juiz-de-forano, que falava, como diz o povo, “Pelas tripas do judas”, mas cacete que nem êle só:

Um certo orador maçante,
das margens do Paraibuna
ao falar, de instante a instante
vai esmurrando a tribuna.

E quem o conhece, sente
por mais ingênuo ou simplório,
que os murros são simplesmente
para acordar o auditório.”

E agora, o Belmiro sentimental, lírico, autor de verdadeiras obras-primas, cujo coração era uma misteriosa e insondável concha univalva a fabricar e expelir pérolas e mais pérolas. Aqui está uma destas “pérolas”, dedicada justamente àquela que o deixou órfão, tão cedo:

“Acima de tudo, acima
do céu te devemos pôr,
pois teu nome não tem rima
nem limite o teu amor.”

Mas suas trovas não são apenas sentimento. Eram também pensamento.

Despreocupadamente, – com beleza e sinceridade – Belmiro aconselha a dois noivos, no dia das bodas:

À notícia bato palmas
e mando um conselho aos dois:
– primeiro, casem as almas,
casem os corpos depois.”

“Que eu tenho os olhos cansados
de ver (umas mil talvez),
dentro de corpos casados,
almas em plena viuvez.”

A verdade em relação a Belmiro Braga é uma só. Um poeta, com tal força de expressão e com tão profundo sentimento de humanidade, não precisa de escolas. É um Poeta.

Sobreviverá a qualquer tempo. Será sempre ouvido. E isto basta. Está cumprida a sua missão.
–––––––––––––––-
Continua – As 100 Trovas de Belmiro Braga
___________________
Fonte:
JORGE, J. G. de Araujo e OTÁVIO, Luiz (organizadores). Belmiro Braga. 100 Trovas. 1959.

Deixe um comentário

Arquivado em Biografia, Poemas, Trovas

Instituto Memória de Curitiba (Eventos)

* 27/02/2010 – 19h – CASA CECY- PARANAGUÁ – PARANÁ:
Lançamento do livro sobre a vida de OSWALDO LOPES da profa. Marilu Cordeiro

* 01/03/2010 – 19h – LIVRARIA CULTURA CONJUNTO NACIONAL – SÃO PAULO:
Lançamento da 2a. Edição do livro NINGUÉM SOFRE PORQUE QUER de Adauto Suannes

* 12/03/2010 – 19h – PORTO ALEGRE – RIO GRANDE DO SUL:
Lançamento do livro DOMINGOS JOSÉ DE ALMEIDA – O ESTADISTA E O HOMEM DE LETRAS DA REPÚBLICA RIOGRANDENSE de Carla Menegat

* 15/03/2010 – 19h – PALACETE DOS LEÕES – CURITIBA – PARANÁ:
Lançamento do livro de Ficção A VERDADE ORIGINAL REVELADA de Luiz Afonso Erbano
& Lançamento do livro MEMÓRIAS DE UM CAIXA DA CAIXA de Neyd Maria Montingelli

* 31/03/2010 – 19h
INAUGURAÇÃO DA NOVA SEDE DO INSTITUTO MEMÓRIA Curitiba – Paraná:

Lançamento do livro CURITIBA 317 ANOS em homenagem ao aniversário de Curitiba e em memória de Túlio Vargas, com a participação de membros do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e da Academia Paranaense de Letras.

Lançamento do livro DICIONÁRIO DE CURITIBANÊS,com direito a Leite Quente – Trubisko – Cetra – Inhapa – Jococa – Bidê – Foco – etc. Afinal, sejamos universais por cantar a nossa aldeia.

Lançamento da Terceira Edição da REVISTA RAÍZES REGIONAIS, que tem distribuição nacional gratuita e dirigida às Academias de Letras, Institutos Históricos, Instituições Culturais e Universidades.

Deixe um comentário

Arquivado em Eventos, Lançamento

Eliza Augusta Gouveia Gregio (Lançamento do Livro Sentimentos da Alma)

Clique sobre a imagem para ampliar

Deixe um comentário

Arquivado em Estante de Livros, Lançamento

Fabio M. Said (Lançamento de “O clã Almeida de Caravelas e Alcobaça”)

Toda família tem uma história para contar. Este livro é a história não de uma família, mas de muitas, todas ligadas entre si por laços genéticos indissolúveis. São as famílias que compõem o clã dos Almeida de Caravelas e Alcobaça, com origem em Lisboa (Portugal) e ramificações sobretudo na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.

Pertenceram ao clã Almeida diversos prefeitos de Caravelas (BA), como Ernesto Caetano de Almeida e Achiles de Jesus Siquara, o prefeito de Prado (BA) Orlando Sulz de Almeida, o prefeito de Itabuna (BA) José de Alcântara Almeida, o prefeito de Curitiba (PR) Cyro Persiano de Almeida Vellozo e o prefeito de Santos (SP), deputado e senador João Galeão Carvalhal.

Este livro, fruto de dez anos de pesquisas, contém centenas de minibiografias de doze gerações do clã, álbuns de família, árvores genealógicas, crônicas e testamentos. Contém ainda um estudo sobre a genealogia da família do jurista Ruy Barbosa, que tinha provável parentesco com o clã Almeida. Com rigor documental e entretenimento, é uma obra voltada não só para membros do clã, como também para estudiosos de genealogia e história e para qualquer pessoa em busca de uma saga familiar recheada de elementos políticos e pitorescos, que revelam um pouco sobre o desenvolvimento da família brasileira.

Fonte:
Colaboração do autor.
http://clubedeautores.com.br/book/13482–O_cla_Almeida_de_Caravelas_e_Alcobaca

Deixe um comentário

Arquivado em Estante de Livros, Lançamento

Ronald Augusto (1961)

Ronald Augusto da Costa nasceu no Rio Grande-RS, 1961.

Poeta, músico, letrista e crítico de poesia.

Ronald Augusto tem publicações e trabalhos culturais de diferentes espécies: além da produção como poeta e músico, possui artigos publicados sobre a obra de Cruz e Sousa, sobre a poesia concreta e sobre a poesia negra brasileira.

É autor, entre outros, de Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No assoalho duro (2007).

Traduções de seus poemas apareceram em Callaloo African Brazilian Literature: a special issue, vol. 18, n. 4, Baltimore: The Johns Hopkins University Press (1995); Dichtungsring — Zeitschrift für Literatur, Bonn (de 1992 a 2002, colaborações em diversos números).

Artigos e/ou ensaios sobre poesia estão publicados em revistas do Brasil e sites de literatura: Babel (SC/SP), Porto & Vírgula (RS), Morcego Cego (SC), Suplemento Cultural do Jornal A Tarde (BA), Caderno de Cultura do Diário Catarinense (SC), Todapalavra, Slope, entre outros.

É co-editor, ao lado de Ronaldo Machado, da Editora Éblis.

Ministra oficinas de poesia.

É integrante do grupo os poETs.

Assina os blogues Poesia-Pau Poesia Coisa Nenhuma.

A produção poética de Ronald Augusto se caracteriza pela coragem e pela experimentação sutil e corrosiva do mundo da linguagem, como indica este depoimento do autor: “A poesia é um objeto estranho, uma contradição que se processa na raiz da função meramente comunicativa da linguagem. […] O real que ela escrutina e ao mesmo tempo finge nos desvelar, comparece aos nossos olhos vertido em imagem indecisa e, no mais das vezes, conflitante com aquele real que até há pouco julgávamos conhecer como a palma da mão”.(AUGUSTO, 1998:39).

A poesia de Ronald Augusto causa estranhamento no leitor precisamente pela provocação radical que opera no interior da linguagem, no ritmo sincopado e responsável por uma estética que não se conforma com a palavra mimética ou (apenas) escrutinadora do real. O real retratado é o muito próximo, porém irreconhecível, deslocado, ressignificado. Esse real é transformado pela palavra, assim como acontece na oralidade, que tem a capacidade de reinventar significações cristalizadas pela escrita, deslocando-os, readaptando-os. E é precisamente graças a esse legado da oralidade – uma oralidade transfigurada pelos cortes herméticos da poesia – que Ronald Augusto realiza a alquimia entre o que soa familiar e o que soa estranho, entre o que é reconhecível como legado cultural afro-brasileiro (“minha capoeira”) e a maneira como esse elemento atua na interação com o sujeito. Desse encontro, entre universal e individual, entre o evento e o que acontece além do evento, nasce o improviso, a quebra (rítmica, sintática,semântica), como sugere o poeta nestes versos: “assopro [a capoeira] para além de duas /quadras /com imediateza e // antepassadas lâminas // um linguajar / de músculos paisanos//” (1983).

Ronald Augusto trabalha constantemente no limiar desse paradoxo, entre a construção de uma oralidade e de determinados referentes culturais (onde são reconhecíveis o samba, o lundu, a senzala, o pagode, mas também uma maneira diferente de olhar “as resoluções ocidentais”) e a deconstrução dessa que o autor chama de “oralidade atravessada”. Nesse sentido, conforme escreve o prefaciador de Puya, Van Hingo (1987: 9), “a palavra é uma ilha […] o verso é um arquipélago. Para conhecê-lo deve-se ir estrategicamente ilha a ilha”. E é assim, de palavra em palavra, que Ronald Augusto constrói o seu “canto de provocação”, na medida em que faz dialogar não só o universo afro-brasileiro com outros elementos da diáspora negra nas Américas (o próprio título do livro Puya é uma expressão afro-cubana que significa, precisamente, canto de provocação), mas também – entre si – outros universos sígnicos e estéticos. Isso ocorre, por exemplo, quando o poeta trabalha com a poesia experimental ou, através da epígrafe do livro Puya, retirada do Paraíso de Dante, quando aponta para uma junção na qual o signo é encarado na sua dupla consistência, abstrata e material, conceitual e visual. Decorre disso um cuidado com a sonoridade dos poemas, nem tanto no desejo de prende-los em rimas ou esquemas tradicionais, mas na tentativa de reproduzir aberturas à maneira das jam session, sem cair em virtuosismos afetados e deixando fluir os improvisos ao gosto tenso da fala.

Fontes:
http://algaravaria.blogspot.com/
http://www.msmidia.com/

Deixe um comentário

Arquivado em Biografia, Rio Grande do Sul

Ronald Augusto em Xeque

Miscelânea de entrevistas realizadas pelo Jornalista Douglas Resende do diário O Tempo, de Belo Horizonte e entrevista para a Revista Algaravaria

Porque poeta?

Lá pelos meus 12 ou 13 anos, minha mãe me escolheu como o ouvinte primeiro de seus poemas. Aquilo para mim foi uma tortura. Ela lia entusiasmada os seus versos. Meu jeito quieto e reflexivo ou minha condição de filho mais velho, talvez tenham lhe sugerido a idéia de que eu seria o leitor adequado. Fiquei sem palavras. Era tudo muito chato. Uns três anos depois, escrevi meus primeiros versos. Que lição tiro disso? Nenhuma.

Qual sua trajetória literária até o primeiro livro? E do primeiro para o último?

Duas perguntas que suscitam respostas intermináveis. Mas, não vou dar essa alegria ao divino internauta. Escrevi muito e li, durante algum tempo, só Manuel Bandeira. Depois dos poemas motivados pelas paixões da adolescência, resolvi sondar a real qualidade do que eu vinha escrevendo. Entrei em concursos literários. Em 1979, um poema meu mereceu menção de “destaque” num certame que envolvia várias etapas ao longo de um ano. Fiquei feliz porque o júri era composto, aos meus olhos, pelos melhores poetas da época: Mário Quintana, Heitor Saldanha e Carlos Nejar. Ao final do concurso uma antologia foi publicada e lá estava o meu poema. Minha estréia em livro. Meu primeiro livro não foi o primeiro, é que antes dele (1980, 1981), “pirado” com a poesia marginal, editei livrinhos em xerox bem vagabundos e participei de intervenções-bomba de autores independentes na Feira do Livro. O leão de chácara da Feira aparecia para expulsar a patota. Numa dessas, o Heitor Saldanha foi visitar os poetas marginais para prestar sua solidariedade, e folheando os precários livretos, abriu o meu e elogiou com entusiasmo as imagens e metáforas que encontrara. Isto para mim serviu como o empurrão definitivo: pronto, eu era um poeta, meio hippie, mas poeta. Mas, Homem ao Rubro, de 1983, é que foi, de fato, o meu livro inaugural. Eu tinha 22 anos. De lá até agora, é como diz Borges, a cada novo livro, acho que tento reescrevê-lo.

Quais livros fizeram parte de sua formação? Há uma obra com a qual tenha descoberto a poesia de um modo mais contundente?

A obra capital para a minha formação é a de Manuel Bandeira. Sua poesia é tanto mallarmeana, quanto antropofágica, isto é, Bandeira consegue dosar anti-poesia e poesia pura em seu percurso textual; suas traduções, que vão desde o barroco da poeta mexicana Sor Juana Ines de la Cruz (séc. 17), passando pelo poeta e ativista negro Langston Hughes (1902-1967) e chegando até os “poemas à maneira de…”, que gosto de interpretar como exemplos de traduções heterodoxas, onde o velho Manu (como o chamava Mário de Andrade) inventa, por exemplo, um poema afivelando a máscara de E. E. cummings. Também adoro sua prosa voltada às questões da poesia, isto é, sua metalinguagem. Itinerário de Pasárgada é um livro incomparável. Outros livros: A Commedia de Dante, Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, Museu de Tudo de João Cabral de Melo Neto, etc. Nada de especial.

Teve algum incentivador?

Que eu saiba, não. Sempre associei a imagem do chato à do incentivador. Hoje em dia há a figura do motivador, pior ainda. O incentivador esconde um moralista. Prefiro os opostos e complementares: o admirador e o crítico.

Recebeu ou recebe conselhos importantes de escritores? Como foi e é o diálogo com outros escritores?

Escritor que dá conselhos não merece crédito. O diálogo com os outros escritores não difere muito daquilo que acontece com qualquer pessoa que vive em sociedade, é preciso que haja afinidades eletivas. A expressão parece pernóstica, mas é isso. E é comum acontecer que o seu melhor amigo seja um torcedor obtuso do time adversário. E tem aquele para quem a gente dá “bom dia” não se sabe porquê, o sujeito não fede nem cheira. Vá de retro.

Tentou vários gêneros literários? Ainda os pratica em segredo?

Quando fiz curso de interpretação teatral (fiz e, por enquanto, não nego), escrevi textos dramáticos. Passou. Na mesma época, década de 80, também escrevi alguns contos. Passou também.

Com que se inspira para escrever? O que é matéria para a poesia? Com quantas metáforas se faz um poema? Quando escreve, qual o efeito estético visado?

Geralmente aquilo que me “inspira” é alguma solução de linguagem que hesita, como diz Valéry, entre som e sentido, uma paronomásia, para usar um conceito de Roman Jakobson. Qualquer coisa pode se tornar matéria para um poema. Do contrário, eu estaria jogando as minhas fichas no anacronismo da “poesia pura”. Um poema se faz com metáforas boas. Dependendo da situação, nenhuma metáfora é a melhor saída. Aliás, na minha opinião, a metáfora representa o kitsch da função poética. Qualquer resposta criativa no trato com a linguagem que ponha em cheque a sua naturalização (da metáfora) e os medianeiros da metaforização indecorosa, seráválida. Eu viso um poema que suscite muitas e contraditórias leituras.

Tem obsessão em reescrever o mesmo texto? Ou a emenda é pior do que o soneto? E mais: guarda tudo o que escreve? Ou elimina sumariamente?

Homem ao Rubro foi um livro escrito a partir desta perspectiva, da reescritura em abismo. Hoje em dia, sou mais atraído pelos poemas “errados e estropiados”, como diz o poeta Mauro Faccioni, da Ilha do Desterro. Não guardo, não. Também não tenho livros engavetados. Minha produção é mirrada. Atualmente, considero que tenho dois livros in progress, só. Livro pronto, na gaveta, nenhum.

Para escrever, precisa conhecer muitas cidades e ler todos os livros?

Algumas cidades e alguns livros. Passei minha infância no Rio de Janeiro, mais exatamente em Niterói. Depois, durante a crise dos meus 30 anos, morei em Salvador/BA. Ambas são cidades fundamentais para mim. Mas, éclaro que tudo depende da leitura, do nosso ponto de vista de forasteiro. E as cidades estão na base das mitologias da modernidade. Baudelaire, T. S. Eliot, Oswald de Andrade, etc., todos os grandes poetas do cânone ocidental leram o livro das cidades.

Há idéias ou imagens que lhe perseguem no fio dos anos e das obras?

Não, acho que não. Talvez porque me assuste um pouco a questão da repetição ou da auto-imitação, estou sempre tentando experimentar lances novos. Não chega a ser uma idéia, mas a minha divisa é: experimentação.

Como define a sua poesia? Como caracterizaria suas ambições estéticas principais?

Isso é trabalho para os críticos interessados. Mas, para não deixar o divino internauta sem resposta, indico o texto do poeta Cândido Rolim a respeito da minha poesia, que apareceu recentemente em http://www.cronópios.com.br . Este mesmo texto foi re-trabalhado e ampliado e será publicado oportunamente por Edimilson de Almeida Pereira (MG), que organiza um livro de ensaios onde diversos autores escrevem sobre questões poéticas.

Qual a relação entre seu trabalho e sua escrita?

Nenhuma.

Qual a relação entre sua poesia e as artes plásticas?

Quanto a esta questão, ainda sou poundiano, “a poesia está mais perto da música e das artes plásticas ou visuais do que da literatura”, cito de memória. Hoje em dia poderíamos ampliar o parentesco incluindo o cinema. Muita gente se opõe a esta proposição de Pound. Com efeito, ela causa algum desconforto, principalmente para quem vê na literatura este arco generoso a abrigar todas as manifestações verbais marcadas por uma desenvoltura de imaginação. Mas, para Ezra Pound, literatura não é senão a forma refinada desta instituição pernóstica conhecida como sistema literário. Acho que esta proximidade, intuída por ele, entre a poesia e tudo o que não fosse “lixeratura”, só confirma a sua devoção a esta arte que é, toda, apenas “cernes e medulas”. E há um esforço violento por detrás deste apenasque, agora sim, a literatura é incapaz de experimentar.

Qual a relação entre sua poesia e a música?

Pode parecer estranho, já que também sou músico, mas acho que não há nenhuma relação notável. Gosto muito de música, de fazer e de ouvir. Assim como gosto de cinema. A música na minha poesia representa um estímulo como qualquer outro. Quando faço um poema, deixo o músico no banco de reservas.

Em que geração literária você se concebe? Ela tem um projeto definido?

Minha formação se deu durante a década de 80 e meus primeiros livros também foram publicados neste momento. Os teóricos de estética acomodam este trecho histórico dentro do período pós-moderno. Um traço desta geração parece ser o de uma construção poética que se espoja num pastiche tanto do passado como de um futuro algo cínico.

Como vê a pontuação na (sua) poesia?

Não vejo, porque não a utilizo. Exceto quando busco algum efeito icônico, por exemplo: um parêntese aberto sugerindo um “crescente”, uma “vírgulágrima”, etc.

Como percebe suas principais qualidades como escritor? Há algum defeito de que não abra mão?

Não sei se é uma qualidade, mas só começo a escrever quando acho que esbarrei em alguma coisa que escapa à convenção. Um defeito de que não abro mão: os parênteses.

Muitos poetas hoje apresentam uma versatilidade acadêmica. Eles falam várias línguas, traduzem, fazem ensaios, críticas, resenhas, estudam várias disciplinas. O poeta precisa ser um erudito? Poesia só se faz com muito estudo?

Os poetas contemporâneos não se envergonham de um certo virtuosismo técnico a que se submetem ludicamente. Transitam com leveza pelo círculo vicioso da competência. Sua erudição é um banquete após uma expedição de conquista. O refinamento é tudo. Numa espécie de réplica soft ao politicamente correto, re-instauram o poeticamente correto.

O que mais lhe agrada em um poema, dado o variegado múltiplo da poesia atual?

A beleza do difícil que ele possa conter. E a coragem da anti-poesia, que pode ser uma tradução para a beleza já referida.

A poesia tem prestígio no âmbito da nossa cultura?

Não, acho inclusive que a condição marginal da poesia, relativamente ao prestígio gozado por outras formas de linguagem no âmbito do embate cultural e malgrado o risco de desaparição que tal marginalidade pressupõe , é interessante porque obriga o poeta a assumir uma postura de maior autonomia crítica. E jáque nada se espera dele, talvez desde aí possa surgir alguma coisa.

Qual a função social da poesia?

Propor formas estéticas ao indecidível e ao equívoco que marcam o privado e o individual, de modo que eles disponham de forças para a deglutição meditativa/corrosiva dos signos do espaço público.

A poesia se esgotou como gênero literário? Se não, que caminhos podem evitar um futuro esgotamento?

Se eu soubesse como identificar os sinais de um tal esgotamento a rondar a arte da poesia, eu não os revelaria. Injetaria o contraveneno só na minha poesia. Você pensa que é mole ser um novo Homero?

Há obras meramente comerciais de poesia? O que pensa delas?

Alguém já disse que a expressão “poesia formalista” é uma redundância, pois poesia é forma, mesmo. Então, “poesia comercial” para mim, é uma contradição entre termos. Tem poesia ruim, isto é uma coisa. Mas, se é comercial, não é poesia. Portanto, a indignação de Augusto de Campos dizendo, num seu poema, que não se vende, tem algo de moralismo teatral. Faltou aprender a lição de Pessoa/Ricardo Reis: “Cala e finge./ Mas finge sem fingimento”.

Quanto tempo dedica à leitura de crítica literária? Concorda com a idéia de que, nos jornais e revistas, ela está mais digestivo-introdutória do que analítico-crítica?

O tempo que dedico à leitura de textos críticos é mesmo que dedico à leitura de poesia, isto é, o tempo que dura o prazer textual. Meu desejo de linguagem dita as regras. O jornalismo literário tende cada vez mais a tornar-se um mero relações-públicas do mercado editorial.

Políticas literárias: faz qualquer negócio para sua obra ser editada? é justa a percentagem que fica para o editor e para as livrarias? É justo que o escritor seja a causa produtora de um sistema literário que não o beneficia corretamente? O que se pode fazer?

Não. Não. Não. Aproximar a poesia da música e das artes não-verbais. Afastá-la da literatura do sistema literário.

Quais são os vícios e as virtudes da poesia brasileira moderna e contemporânea?

Só um: o verso livre. Embora seja um exagero insistir em dizer que o “ciclo histórico do verso está encerrado”, parece ficar cada vez mais claro que o verso livre modernista que, diga-se de passagem, a maioria pratica ainda imperitamente, sem fazer vacilar suas contradições e possibilidades constitutivas experimenta um momento de estagnação. Nem mesmo as vanguardas, que inventaram a “música sem-versista”: o poema como uma constelação suspensa na página; nem mesmo elas conseguiram mudar o quadro. Talvez isso se deva, em parte, a precoce canonização do versolibrismo. Aliás, sua defesa, em alguns casos, foi tão dogmática quanto a dos que o repudiavam. O verso livre ainda tem alguma coisa a ver com o verso metrificado que pretendeu substituir.

“Escrever sobre escrever é o futuro do escrever”? (Haroldo de Campos)

Escrever sobre escrever sempre fez parte do nosso repertório, desde Homero, passando pelos griots africanos, pelos cantores provençais, pelos simbolistas, etc., e chegando até aqui. A metalinguagem está no passado da tradição e no presente que põe em cheque ou em movimento este passado. Escrever sobre escrever é um dos quesitos do escrever. Se isso tem futuro? É cedo para saber.

Alguma epígrafe que o acompanha sempre? Algum epitáfio lhe contém?

Invejo o poeta peruano Mirko Lauer que colocou como epígrafe ao seu livro Os poetas en la republica del poder, esta maravilha de José Lezama Lima : “…el encapotado odio de siempre de los poetas tejedores de la gran resistencia en contra de los asquerosos y progéricos, porcinos y tarados protectores de las letras”. Como epitáfio, um poema-verso do Ricardio Silvestrin: “quero ser cromado”.

Como você se vê frente ao recebimento de originais? Comenta tudo o que recebe?

Hoje em dia considero um trabalho. Quando me pedem para ler, eu cobro pela leitura e escrevo um comentário crítico. É claro que leio, “na faixa”, os originais dos poetas de minha predileção e geração. Neste caso, não estou na posição de orientador, volto a minha condição de fruidor. Ultimamente ando lendo, entre outros, os originais do Ademir Demarchi e do Paulo de Toledo, estou adorando. Ambos grandes poetas que conheci de uns anos para cá. Outro poeta de quem espero e recebo sempre poemas perturbadores, é o Cândido Rolim, autor do livro Pedra Habitada.

Que livro prepara? Qual seu eixo principal?

Os editores da Ameopoema, Alexandre Brito e Ricardo Silvestrin, querem lançar um livro reunindo todos os meus livros anteriores ao Confissões Aplicadas, editado pela mesma editora em 2004. Acho uma bela idéia, jáque estes livros remotos tiveram edições bastante reduzidas. O Homem ao Rubro, por exemplo, foi o de maior tiragem, teve 300 exemplares.

Além de poeta que tem seus versos publicados no papel, você é músico e letrista. Uma coisa influencia a outra? Ou são produções separadas?

Tenho uma vida dupla. Mas a vivo sem grandes traumas. Não misturo as duas formas de arte. Entretanto, não obstante a conjunção entre poesia e música seja uma realidade estética possível, decidi não enveredar por esse caminho. Para mim, o poema tem uma música toda peculiar que pode eventualmente prescindir de sua presença digamos assim audível no mundo; o poema pode ser fruído no silêncio do pensamento do leitor. Não se trata de recusar sua performance oral, isto é, a enunciação à viva voz do verbal para além da sua visualidade na página impressa. Já a canção é “palavra voando” (como escreve James Joyce), um lance de linguagem cujas regras se ligam à respiração vital do corpo. Em resumo: minha poesia está nos livros e minha música (compósito inextrincável de letra e melodia) nos CDs que lancei individualmente ou com a minha banda Os poETs.

Você acaba de participar do “ECO: Performances poéticas”, na cidade de Juiz de Fora. Como você vê a performance como meio de expressão da poesia? Você escreve poemas para serem lidos em voz alta ou em algum tipo específico de performance?

Escrevo poemas para serem fruídos, não importa a maneira encontrada pelo leitor-executante-intérprete para alcançar esse ponto de re-invenção. Sempre gostei de simplesmente ler o poema, sem quase nada de intensidade teatral que, não raro, resulta em retórica altissonante típica de um gosto retrô, que ratifica a imagem da poesia como essa coisa caipira, esse vociferar maneirista do coração. A performance é um meio de expressão possível da palavra poética. Cada poema, potencialmente, inaugura e exaure uma chance de linguagem. Assim, cada performance deve se lançar desde a específica solução estética constitutiva do poema.

Quais são suas principais referências na poesia? Numa resenha do seu Confissões Aplicadas (Ameopoema), Ricardo Aleixo fala de um “mixer” que inclui a poesia concreta, que inclusive tem a ver com a idéia contemporânea da “materialidade” do poema.

Manuel Bandeira é o maior, a vida inteira. Para mim, dentro da tradição brasileira, o poema “Organismo”, de Décio Pignatari, é o mais importante do século XX: a conquista para a poesia de uma visualidade cuja precisão opera sobre a imprecisão do icônico transformado em simbólico, ou do verbal em trânsito para o não-verbal. Uma poesia (a visual) que nunca resta no lugar onde há pouco a deixamos.

Qual o último livro de poesia que você leu? E qual o último que você releu?

Estou finalizando a leitura de A Lógica do Erro, de Affonso Ávila (é verdade, não faço média com a tradição poética mineira, não!). Sou um admirador do Affonso, o sábio da poesia do escárnio. O poeta sabe dar ao erro, ao defectivo da linguagem, o assentamento de um quatro que se contenta de seu pé quebrado, porque foi arduamente conquistado, cito um pequeno trecho: “o infenso à inferência do lobby/ de palavras astutas artísticas…”. Estou relendo os contos de Kafka enfeixados no livro Um Médico Rural (tradução de Modesto Carone). Mais do que com a lógica do sonho, o autor de O Processo lida com a lógica do pesadelo. Kafka reinventa o humor numa perspectiva exasperante.

Além das questões formais, é possível falar de um universo representado por seus poemas? Quero dizer, se o lírico seria a manifestação de um “eu interior”, que eu é esse nos seus poemas? E no caso de No Assoalho Duro (Éblis), seu último livro? Ronaldo Machado menciona suas leituras de Nietzsche como fator relevante em seus poemas…

Mas além das questões formais não há mais nada. Poesia é forma, mesmo. Forma: estrutura significante de controle do acaso, plasticidade do pensamento-arte. Gostaria de lembrar uma máxima mallarmeana, diz assim: quem fala no poema não é o poeta, mas a linguagem, ela mesma. A poesia contida nesse livro é a que me foi possível conquistar durante os três anos em que vivi em Salvador, Bahia. Em Nietzsche, vontade de poder se resolve criticamente em vontade de engano. A alegria do engano e a poesia como essa viagem empreendida pelo leitor ao (seu) desconhecido.

Qual a história de No Assoalho Duro? São poemas escritos entre 1988 e 2006, o que é um longo intervalo de tempo. Trata-se de uma reunião de poemas aleatórios ou existia uma consciência de um livro sendo gerado ou nada disso?

É um livro-resto, livro-refugo. Um álbum de formulações de linguagem expurgadas, colocadas de lado, deslocadas, postas à prova da margem, do derrisório. Quando comecei a organizar o livro, resolvi partir do seguinte ponto: configurar um livro não-virtuoso, isto é, que não ratificasse essa “costumização” que o poeticamente correto impõe ao discurso de muitos dos meus pares.

Você trabalha também na veiculação de poemas, como editor (além de exercer a crítica literária). É uma coisa cada vez mais comum essa pulverização dos mercados, conteúdos veiculados pela internet, selos independentes de pequenas turmas de escritores, em locais específicos, talvez atingindo públicos também mais localizados, ao contrário da lógica globalizante da indústria de massa. Como você percebe e vive isso?

Sinto-me confortável, por enquanto, dentro da figura do poeta-crítico, ou seja, acho importante pensar sobre os limites, as singularidades e as imposturas do gênero, tentando escrever, inclusive, poemas que inventem outros problemas. O poema não tem que resolver nada. De resto, um bom poema não admite solução. A veiculação a que você se refere é mais ao trabalho da editora Éblis que conduzo em parceria com Ronaldo Machado. Mantemos diálogo com muitos poetas e realizações estéticas. Vivemos um nutrimento mútuo. Hoje, o atrito vertiginoso entre diversas ações relacionadas à poesia é uma experiência valiosa. Relações transversais abertas no espaço-tempo virtual.

A internet se tornou um lugar de encontros, disseminação, uma espécie de mercado independente e paralelo. Você possui o blog Poesia-pau. Como você atua na internet, no blog e de outras formas? Você acha que o potencial da internet está sendo bem usado no caso da crítica e difusão da poesia? Do lado da crítica, às vezes não é tão fácil encontrar fontes e escritos consistentes…

A internet permanece em movimento, para o bem e para o mal. Ainda está por ser feita uma análise mais abrangente acerca de suas simulações, desdobramentos e invenção de uma nova ordem sócio-cultural que esse meio, quem sabe, estaria apto a nos oferecer. O que é interessante de observar na dinâmica sígnica da rede mundial é que é possível fazer conviver de forma mais rente o pensamento refinado com a intervenção cultural prática. Há uma agilidade saudável na tensão entre esses dois pólos tradicionalmente cindidos. Do lado de cá do não-internético também há muito texto crítico de segunda categoria. É apenas uma questão de intensidades.

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/
http://algaravaria.blogspot.com/

Deixe um comentário

Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque

Sarah Goulart (A Relação do Artista com a Mídia e a Arte da Boa Comunicação)

No último final de semana (9/maio/2009) participei do evento Papo de Artista, promovido pelo Portal Artistas Gaúchos, na Farol, em Porto Alegre, com o tema “A relação do artista com a mídia”. A grande quantidade de artistas presentes, para uma tarde de sábado, comprovou que este tema chama a atenção da classe artística. Ficou clara a dificuldade sentida por eles em conseguir um mínimo espaço junto aos veículos de comunicação para divulgarem seus projetos, seus trabalhos, sua arte. São artistas visuais, músicos, escritores, poetas, entre outros, que batalham e acreditam na sua arte e desejam vê-la reconhecida. Querem que sua mensagem chegue aos seus públicos e precisam da mídia para isso.

A questão é essa, uma boa comunicação com a imprensa também pode ser considerada uma arte. Não uma arte do artista e sim do assessor de imprensa cultural. Um jornalista formado, preparado para ajudar o artista a disseminar o conteúdo de seu trabalho. Todo o artista deveria ter o direito de exercer com plenitude e tranqüilidade o seu talento, assim como todo o artista tem o direito de ter seu talento divulgado com profissionalismo.

Junto com a jornalista Luciana Thomé, também assessora de imprensa cultural, conversamos sobre isso, abrindo espaço para que os artistas presentes expusessem suas dúvidas. Como produzir um bom release? Qual o melhor horário para fazer uma ligação para a imprensa? O que rende uma nota exclusiva em alguma coluna? Como agendar uma entrevista? Quanto tempo antes do lançamento a pauta deve ser encaminhada? O que é um press kit?

A relação do assessor com os jornalistas (seus colegas de profissão) facilita esse trabalho e garante melhores resultados. O profissionalismo evita erros comuns que podem ser cometidos quando a divulgação do trabalho do artista fica a cargo de alguém não especializado no assunto (em geral um parente ou um amigo).

Sabemos que nem sempre o artista tem orçamento disponível para poder custear uma assessoria de imprensa. Não há uma tabela de valores para isso. Tudo dependerá das demandas de trabalho. O Um lançamento de livro, por exemplo, é muito mais em conta do que um lançamento de filme, que geralmente tem financiamento. Essa é outra questão importante e deve ser abordada. Muitas vezes o artista esquece de acrescentar ao seu projeto o orçamento para divulgação. Chegada a hora do lançamento, precisa tirar do próprio bolso, ou fazê-lo de forma precária.

Uma artista presente afirmou durante o bate-papo ter gasto mais na impressão de panfletos, do que investiria em um profissional de assessoria de comunicação. É preciso medir o custo benefício. Um bom relatório de imprensa, com análises qualitativas e quantitativas da clipagem publicada, pode ser muito útil, para obter apoios e patrocínios – afinal quando apóia ou financia um projeto, a empresa e/ou entidade quer dar visibilidade a sua marca.

Para melhores resultados, o ideal é o assessor acompanhar o projeto desde o princípio. Ele poderá auxiliar o artista desde as definições de datas, o que é fundamental em alguns casos, através de um planejamento estratégico de comunicação, até a elaboração do relatório final. O assessor redigirá e aprovará com o artista os releases, notas exclusivas e sugestões de pauta, de acordo com a linguagem necessária, unificando o discurso. Ele sabe como devem ser encaminhadas as imagens para ilustrar a pauta – digo e repito, uma boa foto vende uma nota. Ele tem um mailing completo, com praticamente todos os contatos dos jornalistas que escrevem sobre arte e cultura em jornal, revista, rádio, TV, sites e blogs. Mas principalmente, ele tem essa relação, tão almejada pelos artistas e que fará com que seu projeto se dissemine.
–––––––––––––––––––
Sarah Goulart

Jornalista, atuante na área de assessoria de imprensa cultural.
Entre os trabalhos já realizados, destacam-se a divulgação local e nacional de importantes projetos culturais de Porto Alegre, como lançamentos de filmes, espetáculos teatrais, livros, exposições e festivais.
Na área de cinema é responsável pela CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre, desde sua primeira edição.
Fez os lançamentos dos filmes “Cão Sem Dono”, de Beto Brant e Renato Ciasca (em Porto Alegre); “3 Efes”, de Carlos Gerbase (nacional); “Nome Próprio”, de Murilo Salles (na última edição do Festival de Gramado e seu lançamento no RS e SC); “Ainda Orangotangos”, de Gustavo Spolidoro (filmagens e lançamento).
Atualmente atende o núcleo de cultura do Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano. Em abril fez assessoria de imprensa para a segunda edição da FestiPoa Literária.
É a responsável pela implantação da área de Assessoria de Imprensa na Maria Cultura, empresa gaúcha que trabalha com comunicação cultural.

Fonte:
Artistas Gaúchos

Deixe um comentário

Arquivado em Biografia, Sopa de Letras

Celso Sisto (Circo Mágico)

Hoje tem marmelada? Hoje tem goiabada?!

Provavelmente os mais antigos conhecem o verso: hoje tem marmelada? Tem sim senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim senhor! E o palhaço o que é? É ladrão de mulher! Com esse bordão se anunciava a chegada do circo! E atrás, vinha o desfile das atrações. E algumas atrações dos grandes circos atravessaram o tempo, como os palhaços Piolin e Carequinha ou o mágico Houdini. E assim como a acrobacia circense extrapolou os domínios da China, o circo ainda vive, nos quatro cantos do mundo!

E circo sempre desperta a imaginação. Pode ser o circo de antigamente ou os novos circos, com bichos ou sem bichos, de variedades ou temáticos (como costumam ser os circos modernos!), daqui ou de longe, brasileiro ou estrangeiro. Não importa! A imaginação se arma para a festa, para a surpresa e para o riso, tudo na base da emoção. E de repente todo mundo parece ter a mesma idade, mesmo que tenham variados tamanhos e diferentes anos de vida.

Mas se circo atiça a imaginação, também provoca poesia.

No livro “Circo mágico” vamos encontrar 20 poemas sobre os personagens clássicos de um circo; desde o bilheteiro ao apresentador; do tratador ao adestrador de animais; do equilibrista ao domador; do palhaço ao malabarista. O livro é quase uma fotografia da família circense, dessas charmosamente amareladas feitas por um lambe-lambe. Digo “fotografia” porque os poemas “focalizam” justamente o elenco que compõem um circo. Mas são mais do que mero registro de luz e sombra, mais que papel e líquidos reveladores e fixadores! São poemas revestidos pela química do tempo e do olhar perscrutador do poeta.

Mas não é assim tão simples. Falar de cada tipo desses na forma de poema é a proposta do livro. E não é poema desses rimadinhos pra ficar bonitinho. Não! São poemas bem construídos com versos grandes ou pequenos, com estrofes (“divisórias”) maiores ou menores; com palavras conhecidas ou desconhecidas. O que importa é que os poemas não são simples jogos de palavras (a poesia infantil, por vezes, esquece o jogo dos sentidos para ficar apenas no vazio dos jogos de palavras!). Eles apontam para a brincadeira sim, para a delícia das palavras sonoras, para o ritmo da fala (poema sempre é melhor quando lido em voz alta!), mas também para umas idéias engraçadas e brincalhonas, como no poema “a mulher borracha”:

a mulher-borracha
é que tem jogo de cintura

parece de látex
retorce pra lá, retorce pra cá
vira do avesso
se estica toda
que nem cobra, lombriga, minhoca
até encostar o umbigo nas costas
então se desenrosca

depois
coça a cabeça com o pé
as pernas põe atrás da orelha
e sai caminhando com as duas mãos
sobre os dedos
na maior

mas o namorado largou dela
diz que era muito enrolada.

O poeta vai jogando com o sentido duplo das coisas, em vários poemas, como faz acima, com o verso “diz que era muito enrolada” ou, como faz no verso “para o homem-bala/ a vida é um tiro no escuro”, do poema “o homem-bala”. E com isso, instaura o riso. Ou faz cessar o riso e instaura a reflexão, como no poema “o palhaço”:

o palhaço
tem cinco filhos
riso, sorriso, risada e gargalhada.

o mais velho
fica em casa
veste preto
gosta de rock pesado
vara noite e madrugada

se chama lágrima

Como num circo de verdade, os poemas do livro conseguem despertar no leitor uma gama de emoções muito grandes, que vão do riso ao suspense, da melancolia ao medo, por exemplo. E num circo de sentimentos, a emoção, por vezes, é um corte, como neste poema:

a mulher do atirador de facas
confia no marido de olhos fechados

errar é humano
mas ela nem desconfia

Se no circo é o “número, a cena” quem traz a marca do sentimento (por exemplo, um número de palhaço traz sempre a marca do riso, a platéia sabe que vai rir com aquele número), no livro, o personagem descrito no poema além de trazer uma marca prévia, conhecida, é acrescido por um discurso que reforça ou desconstrói tudo isso, de uma forma inusitada. O sentimento impresso no tipo que ele representa é reforçado pelo discurso, é somado ao discurso, mas com um toque a mais (do contrário seria a repetição do que já se sabe ou se conhece!). Vejamos, por exemplo, o poema “o mágico”, em que o sentimento de surpresa emerge de várias formas, seja pelas mágicas executadas pelo mágico, seja pela falha do mágico em suas próprias mágicas, como se o poema construísse e desconstruísse o “natural” dos personagens, dos tipos que cria, indo além de uma mera descrição:

o mágico
gosta de enganar os olhos da gente

fazer sumir e aparecer coisas
é com ele mesmo
nessa hora ninguém pisca
todo mundo quer ver se decifra
e num passe de mágica
o que se escafedeu se desescafede
e reaparece

quer ver o menino rir
a mocinha sorrir, o velhinho feliz
nem que seja por um instante só.

mas a sua maior mágica
é fazer gente grande virar gente pequena

quando não funciona, ele pensa:
ó, que pena

Ainda poderíamos pensar que em “circo mágico”, os poemas mostram o lado espetacular e o lado humano de cada tipo desses. Como se fosse um espelho. Ou como se fosse o “de dentro e o de fora”:

a mulher que engole fogo
é cuca fresca
não se queima com nada

era fogo quando criança
quase incendiava a casa
mas de noite
nada de xixi na cama

não gosta de pilotar fogão
prefere uma churrasqueira
uma fogueira, um fogo de chão

certas piadinhas ela não aceita
quando se irrita solta fogo pelas ventas

sabe que não é bonita
mas também não é nenhum dragão

Há, contudo, no livro, umas frases sob medida, construídas para ficarem rodando na cabeça do leitor, como esta do poema “o apresentador”:

(…)
tem que entrar no picadeiro de peito aberto
pra fazer o céu chegar mais perto Ou uns toques-revelação contidos em alguns poemas, como este do “tratador de animais”:

o tratador de animais
é um cara intratável
prefere viver com os bichos
… são mais verdadeiros
(…)

Mas, no final das contas não é isso o que a poesia quer? Ficar morando nos olhos, na memória, no coração do leitor? O mais legal é isso, esse jogo de dubiedades, de ritmos, de graças, de sentimentos, que fazem dos poemas desse livro, um festival de brincadeiras sonoras e imaginárias, em que a palavra corporifica o seu significado real, ampliado, renovado, atualizado pelo simbólico. Precisa mais?

Em última instância, o livro fica a nos lembrar que para sentir e se espantar com o que os olhos vêem e com o que os outros fazem de espetacular, não há idade. O circo das palavras de Alexandre e Eduardo liberta bichos, feras, homens e meninos. Fazendo tudo e todos conviverem magicamente no mesmo tempo e lugar:

o circo
tem cheiro de pipoca
e algodão doce

é o paraíso
hoje, ontem, amanhã
vira sempre

é um lugar exato no espaço
fora do tempo
dentro do coração

onde o velho e a criança
dão as mãos.

Essa idéia, de paraíso, de lugar idílico, de território que abole fronteiras perpassa o livro em muitos momentos, e certamente ecoará depois que o leitor fechar o livro, principalmente porque a solenidade do significado de tudo isso está magnetizada e aromatizada pelo riso, pela leveza, pelo inesperado.

As ilustrações parecem feitas em tela e deixam o leitor ver os risquinhos do tecido, essa textura que é tão própria dos quadros. E as cores são abundantes. E o colorido é uma alegria só. Desenhos com cara de antigos pôsteres de propagandas.

Alexandre Brito estréia em livro solo para criança, e estréia muito bem. Traz consigo a experiência da banda “os poETs”, da qual faz parte. Eduardo Vieira Cunha entrou com as ilustrações amplas e enxutas. Na medida. A dupla faz samba, quero dizer, poesia pura, em vários sentidos!

Fonte:
Artistas Gaúchos

1 comentário

Arquivado em Estante de Livros, Resenha

Celso Sisto (1961)

CELSO SISTO nasceu no Rio de Janeiro em 16/06/1961 e vive atualmente em Cidreira (RS).

É escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, especialista em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutorando em Teoria da Literatura, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Estreou na literatura em 1994, com o livro Ver-de-ver-meu-pai (Nova Fronteira) e tem hoje 36 livros publicados para crianças e jovens, tendo, inclusive, recebido alguns prêmios pela qualidade de sua obra (FNLIJ, Altamente Recomendável, Catálogo da Feira de Bolonha, Cantinho da Leitura, PNBE, etc).

É responsável pela formação de inúmeros contadores e grupos de contadores de histórias espalhados pelo país.

Tem viajado pelo Brasil e outros países, fazendo palestras e ministrando oficinas de produção de texto, narração oral e literatura.

Atualmente assina as colunas de crítica literária, Lugar na prateleira (revista Rainha dos Apóstolos), Com a boca cheia de livros (portal Cultura Infância) e no site Artistas Gaúchos.

Fontes:
http://www.celsosisto.com/
http://www.camaradolivro.com.br/

Deixe um comentário

Arquivado em Biografia, Rio Grande do Sul

I Concurso Literário StudioClio – O Imaginário da Cidade

O StudioClio promove o I concurso literário StudioClio – o imaginário da cidade

EDITAL

I. OBJETIVOS

Valorizar o imaginário da cidade.

Atualizar a percepção de tempo e memória mediados pela arte.

Estimular as relações criativas entre arte, escrita, memória e patrimônio.

Ampliar o território de inteligência e beleza na cidade de Porto Alegre.

Revelar e/ou premiar talentos literários.

II. REFERÊNCIAS

O I concurso literário StudioClio – o imaginário da cidade tem como referência as imagens do projeto Macro-micro, que ocupam as janelas externas do StudioClio. Trata-se de aplicações de adesivagem em alta resolução, produzidas por Leandro Selister, apresentando detalhes de aquarelas de autoria do artista plástico José Lutzenberger (1882-1951) e, na base, ficha técnica e reprodução da obra original, em miniatura. As aquarelas representam aspectos da vida social porto-alegrense antiga; há versões digitais em rede, na página www.lutzenberger.com.br e na página do StudioClio. As obras do projeto Macro-micro têm como suporte o prédio do StudioClio, construído em 1924, convertido em auditório por Flávio Del Mese em 1975, restaurado e reinaugurado em 2005 como sede do StudioClio. As imagens (aquarelas digitalizadas, janelas e prédio com imagens aplicadas) situam-se na esquina das ruas Alberto Torres e José do Patrocínio, em Porto Alegre.

III. REGULAMENTO

1. Das inscrições:

1.1 As inscrições começam no dia 1° de março e se encerram no dia 29 de março de 2010, às 12h.

1.2 As inscrições serão feitas por meio digital, através do e-mail clic2010@studioclio.com.br.

1.3 Constituem ato de inscrição os seguintes requisitos:

a) preenchimento da ficha de inscrição disponível no site do StudioClio;

b) apresentação do texto concorrente, conforme especificações abaixo;

c) pagamento da taxa de inscrição através de boleto gerado no site do StudioClio no valor de R$ 15,00 (quinze reais) e apresentação do comprovante digitalizado e anexado junto ao e-mail de envio do texto;

d) a inscrição será registrada e confirmada por e-mail pelo StudioClio.

1.4 Ao fazer a inscrição, o autor estará concordando plenamente com as regras do concurso, expressas neste regulamento.

1.5 Serão oferecidos certificados aos participantes do concurso.

2. Dos candidatos:

2.1 O concurso é aberto, e não há restrições de idade, escolaridade e nacionalidade.

2.2 É vedada a participação de funcionários do StudioClio, da Bamboletras e da Superfície Design, e de seus parentes até 2º grau.

3. Dos textos:

3.1 O concurso premiará três gêneros: poesia, prosa e texto acadêmico.

3.2 O autor deverá escolher apenas uma categoria e um gênero para participar, podendo inscrever apenas um trabalho.

3.3 Os trabalhos deverão estar em língua portuguesa, o que não impede o uso de termos e expressões estrangeiros no texto.

3.4 Os trabalhos devem ser inéditos.

3.5 Em caso de co-autoria, os autores repartirão os prêmios, caso sejam premiados.

3.6 Os textos inscritos serão avaliados por comissão julgadora e poderão ser eventualmente divulgados por diferentes meios editoriais, gráficos e digitais, a critério do StudioClio.

3.7 Em caso de publicação, os direitos autorais pertencerão ao StudioClio, resguardando-se ao(à, aos, às) autor(a, es, as) quota de 10% da tiragem, proporcional em caso de edição conjunta.

3.8 Os textos deverão ser editados em fonte Times New Roman, corpo 12, em formato de folha A4, e entregues em arquivos pdf.

3.9 O(a, os, as) autor(a, es, as) deverá identificar-se junto ao texto unicamente pelo seu pseudônimo.

3.10 Os textos devem expressar com clareza suas relações com as referências acima referidas (imagens do projeto Macro-micro). A comissão julgadora é soberana para avaliar este critério.

4. Dos gêneros:

4.1 Ao inscrever-se, o(a, os, as) autor(a, es, as) reconhece(m) e designa(m) o gênero em que seu texto concorrerá. Aceitam-se, portanto e prioritariamente, as definições autorais de gênero.

4.2 Poesia: espera-se deste gênero de texto as propriedades que o distinguem da prosa e do texto acadêmico, sendo respeitadas quaisquer opções quanto a forma. Estipula-se como tamanho limite 4 laudas.

4.3 Prosa: neste gênero, concorrem crônicas, contos e quaisquer formas de narrativa breve, distintas de poesia e texto acadêmico. Estipula-se como tamanho limite 8 laudas.

4.4 Texto acadêmico: aceitam-se ensaios, artigos e monografias analisando as referências em epígrafe. Os textos devem seguir as normas ABNT pertinentes e demais características típicas da escrita acadêmica. O tamanho limite é 16 páginas.

5. Da comissão julgadora:

5.1 A comissão julgadora será composta de três membros qualificados por gênero, nomeados pelo StudioClio.

5.2 Será resguardado o anonimato da comissão julgadora e dos autores dos textos inscritos até a data da premiação.

5.3 Caberá à comissão julgadora avaliar e classificar os trabalhos concorrentes, impugnar os trabalhos que não se enquadrem nas condições do concurso e proclamar os vencedores, bem como resolver os casos omissos neste regulamento, sendo suas decisões soberanas e irrecorríveis.

5.4 Consoante o número e a qualidade dos trabalhos apresentados, poderá haver atribuição de menções honrosas.

5.5 A comissão julgadora é soberana para, a seu critério, deixar de conceder premiação, tendo em vista a quantidade ou a qualidade dos trabalhos apresentados.

5.6 A comissão organizadora atuará em apoio à comissão julgadora.

6. Da premiação:

6.1 A solenidade de entrega dos prêmios será realizada no StudioClio, no dia 16 de abril de 2010, sexta-feira. Os resultados também serão divulgados na página do StudioClio e na imprensa local.

a) a critério da comissão organizadora, a data de entrega dos prêmios poderá ser alterada, cabendo a esta comunicar aos inscritos através do mesmo e-mail utilizado na inscrição.

6.2 Os(as) autores(as) concordam em participar de atividades de divulgação, tais como entrevistas, fotografias e depoimentos.

6.3 O prêmio será entregue ao(à) autor(a) ou a pessoa expressamente designada para tanto.

a) caso o prêmio não seja retirado em 30 dias, perderá o valor, sendo atribuído ao(à) candidata imediatamente classificado(a).

7. Dos prêmios:

Todos os trabalhos inscritos farão jus a um certificado de participação. Os premiados receberão certificado específico e descritivo.

1º Lugar Categoria Poesia: bolsa em uma Oficina literária do StudioClio mais um painel em PS 2mm com impressão digital no formato 50 x 100cm, das aquarelas de José Lutzenberger confeccionadas por Leandro Selister.

2º Lugar Categoria Poesia: ½ bolsa em uma Oficina literária do StudioClio mais Cartãopresente StudioClio – Concerto ou show.

3º Lugar Categoria Poesia: Cartão presente StudioClio – Banquete Cultural mais vale-livro da Bamboletras.

1º Lugar Categoria Prosa: bolsa em uma Oficina literária do StudioClio mais um painel em PS 2mm com impressão digital no formato 50 x 100cm, das aquarelas de José Lutzenberger confeccionadas por Leandro Selister.

2º Lugar Categoria Prosa: ½ bolsa em uma Oficina literária do StudioClio mais Cartãopresente StudioClio – Almoço cultural.

3º Lugar Categoria Prosa: Cartão presente StudioClio – Banquete Cultural mais vale-livro da Bamboletras.

1º Lugar Categoria Texto acadêmico: bolsa em uma Oficina literária do StudioClio mais um painel em PS 2mm com impressão digital no formato 50 x 100cm, das aquarelas de José Lutzenberger confeccionadas por Leandro Selister.

2º Lugar Categoria Texto acadêmico: ½ bolsa em uma Oficina literária do StudioClio mais dois Cartões-presente StudioClio – Extra-malte (plateia).

3º Lugar Categoria Ensaio acadêmico: Cartão presente StudioClio – Banquete Cultural mais vale-livro da Bamboletras.

FICHA DE INSCRIÇÃO
I Concurso Literário Studioclio

Título do texto: ………………….
Categoria: ( ) poesia ( ) prosa ( ) texto acadêmico
Pseudônimo: ……………………..
Identificação do candidato:
Nome: …………………………..
Sexo F ( ) M ( ) Nascimento…./…/…. Número do RG ………..
Endereço: Rua ……………….Número…. Complemento……. Bairro:………. Cidade:………….. CEP:……..
Tel. Residencial: ( )….. Celular: ( )….. Tel. Contato: ( )…..
E-mail:………………….
Profissão: ………………
Como tomou conhecimento do Concurso Literário?

…………………………………………………………………………………..

Fonte:
StudioClio

Deixe um comentário

Arquivado em Concursos em Andamento, Edital de Concursos Literários

Oficinas Literárias Gratuitas no Centro Cultural Auxílio ao Tema (Porto Alegre)

Nos dias 16,17 e 18 de março o Centro Cultural Zona Sul promoverá

Oficinas Literárias Gratuitas, com vagas limitadas.

Os interessados devem fazer sua inscrição antecipada doando um livro de literatura infantil que será doado para uma Instituição.

Dia 16/03 – Escritora Valesca de Assis: Escrita Criativa
das 16h às 18h e das 18h30min às 20h30min.

Dia 17/03 – Escritora Laís Chaffe: Minicontos e Poesia
das 16h às 18h e das 18h30 às 20h30min

Dia 18/03 – Escritor Rubem Penz – Oficina de Crônicas
das 16h às 18h e das 18h30min às 20h30min.

Inscreva-se!
Entre em contato pelos telefones: 51 3268.1200 ou 51 9964.4412

Oficinas de Rubem Penz

Estão abertas as inscrições para as oficinas ministradas por Rubem Penz.

Oficina de Crônicas Módulo II
Ministradas às quartas-feiras às 14h30
Início: 31 de março

Oficina de Crônicas Módulo I
Ministradas às segundas-feiras às 19h30min
Início: 29 de março

Oficinas de Valesca de Assis

Estão abertas as inscrições para as oficinas ministradas por Valesca de Assis.

Escrita Criativa Avançada
Ministrada às terças-feiras, das 9h às 11h30min.
Início: 23 de março

Escrita Criativa Módulo III
Ministrada às segundas-feiras, das 14h30min às 17h
Início: 15 de março

Escrita Criativa Módulo I
Ministrada às terças-feiras, das 14h30 às 17h
Início: 23 de março

Oficina de Crônicas Do Escritor Fabrício Carpinejar

A oficina de crônica do escritor Fabrício Carpinejar propõe-se a investigar os desafios de compreender, produzir e avaliar a natureza da crônica. Através de debates, jogos e produção textual, o escritor discute os seguintes tópicos: jornalismo literário ou literatura de jornal; leveza e surpresa; diferenças entre crônica e conto; o humor no gênero brasileiro, de Sérgio Porto a Luis Fernando Veríssimo.

Quando: Dias 16, 23 e 30 de março, 06, 13, 20 e 27 de abril, 04, 11 e 18 de maio, terças-feiras, das 9h30 às 11h30

Vagas: 14

Oficina Literária Sintrajufe-RS

Em 1998, com coordenação da escritora Vera Karam, iniciou-se no SINTRAJUFE-RS a Oficina de Criação Literária. Atualmente coordenada pelo escritor Caio Riter, a oficina visa – através de exercícios de desinibição para a escrita, da produção e análise de textos narrativos – qualificar a leitura e a escrita dos participantes.

Anualmente, durante evento na Feira do Livro de Porto Alegre, é lançada uma coletânea com textos dos participantes. Em 2007, foi “A Semente e o Verbo”.

As inscrições são feitas semestralmente, durante os meses de março e de julho. Os encontros ocorrem às quartas-feiras, das 19h30min às 22h30min, na sede do SINTRAJUFE-RS, rua Marcílio Dias, 660 – Menino Deus – Porto Alegre-RS – fone: 32351977.

Endereço Marcílio Dias, 660 – Porto Alegre
Telefone(s) 51-3235-1977 E-mail caioriter@uol.com.br

Palavra Mágica – Projetos Literários

O projeto ESCRITOR MIRIM surgiu da observação da ilustradora Alessandra Rosa Cruz às oficinas de literatura infantil ministradas pela escritora Christina Dias. As oficinas terminam com uma produção textual, da qual se origina uma história coletiva, sempre muito divertida e criada em meio a muita brincadeira e alegria. Por que não transformá-las em livro? Surge assim a OFICINA DE PRODUÇÃO TEXTUAL do PROJETO ESCRITOR MIRIM. O objetivo central do projeto é estimular a imaginação e oferecer caminhos para a construção de um texto de autoria do grupo. No final do projeto, a escola promove uma sessão de autógrafos que poderá ser realizada na FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE ou na própria escola, onde cada criança recebe seu livro personalizado e com a mais alta qualidade de impressão.

Ao ver o seu nome escrito na capa de um livro e seu texto veiculado em forma impressa e sendo valorizado pelos demais, a criança desperta o interesse por outros textos e livros, constituindo assim o ciclo da formação de leitores. Desta forma o projeto alcança sua maior meta: a promoção de sujeitos que veem na literatura um ambiente de contemplação e também de criação.

Acesse o site do PALAVRA MÁGICA e veja os livros do projeto publicados.

Porto Alegre Telefone(s) 51-3246-6245 Celular 51-8463-1460
E-mail palavramagica@brturbo.com.br Site www.palavramagica.art.br/

G G G G G G G G
Centro Cultural Auxílio ao Tema

No momento em que a nossa Zona Sul se abre para um novo ciclo desenvolvimentista gerando as mais variadas expectativas é imprescindível que a cultura se faça mais presente.

É no que está empenhado o Centro Cultural-Pedagógico Auxílio ao Tema em sua proposta de trazer, para os moradores da Zona Sul, um projeto amplo valorizando a cultura, através de cursos, oficinas, palestras, lançamento de livros, contato direto com intelectuais e autores.

Ao lado das atividades pedagógicas, as atividades culturais, voltadas para os mais diversos grupos sociais e faixas etárias, ocuparão, a partir de agora, posição de relevância.

Um grupo de intelectuais se abre novas possibilidades de conhecimentos e tende a aproximar, de todos os interessados, os benefícios da cultura.
Endereço R. Pe. João Batista Reus, 911
Cidade Porto Alegre
Telefone(s) 51-3268-1200
E-mail centrocultural.edu@terra.com.br
Site www.auxilioaotema.com.br

Fonte:
Artistas Gauchos

Deixe um comentário

Arquivado em Eventos, Oficinas

Cursos de Poesia no Rio de Janeiro

Academia de Ginástica Poética: exercícios para a menina dos olhos

Oficina de criação de textos, partindo de trechos sobre o fazer literário de (Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Rainer Maria Rilke, Roland Barthes e outros). Jogos criativos que darão origem a textos trabalhados e criticados coletivamente.

Prof. Luiz Raul Machado – Escritor com 11 livros publicados, especialista em literatura infantil e juvenil, colaborador da FNLIJ. Foi editor da Nova Fronteira e Ediouro.

De 13/03 a 22/05 sábados das 10h às 13h 2x R$ 230,00 Carga horária – 16hs / aula

Oficina de Poesia (introdução)

A oficina oferecerá exercícios de criação — com discussão dos textos em classe — paralelamente a aulas expositivas com leituras de poetas clássicos e atuais. Incluem-se nestas leituras os fundamentos da poesia ocidental (poética greco-latina), da Idade Média, do Renascimento, até atingir a contemporaneidade.

Prof. Afonso Henriques Neto – Poeta, crítico literário e tradutor. Mestre em Comunicação Social e professor da UFF.

De15/03 a 31/05 2as. feiras das 19h30 às 21h30 3x R$ 230,00 Carga Horária – 24hs / aula

Fonte:
Poetas del Mundo

Deixe um comentário

Arquivado em Cursos

II Seminário de Direito Militar

10 A 12 DE MARÇO DE 2010

CURITIBA-PR

PROGRAMA:

10 DE MARÇO DE 2010 – QUARTA-FEIRA.

13h20min às 14h20min – Credenciamento dos participantes.

14h20min – Solenidade de Abertura.

14h30min – Palestra de Abertura
Tema: “A Justiça Militar da União – sua composição, competência e perspectivas”.
Palestrante: Dr. Carlos Alberto Marques Soares – Ministro Presidente do STM.

15h30min – Palestra
Tema: “Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA II – Estrutura e Missão”.
Palestrante: Coronel Aviador Leonidas de Araújo Medeiros Junior – Comandante Interino do CINDACTA II.

15h50min às 16h10min – Intervalo para o Café.

16h10min – Palestra
Tema: “Inquérito Policial Militar – princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório – presença de advogado constituído pelo indiciado”.
Palestrante: Dr. Marcelo Weitzel Rabello de Souza – Subprocurador-Geral da Justiça Militar, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público Militar – ANMPM.

16h50min – Debates.

17h10min – Palestra
Tema: “A Atuação da Defensoria Pública da União no âmbito da Justiça Militar da União”.
Palestrante: Dra. Olinda Vicente Moreira – Defensora-Pública-Chefe no Paraná – Substituta.

17h50min – Debates.

11 DE MARÇO DE 2010 – QUINTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: “Crimes Cibernéticos em Organização Militar”.
Palestrante: Dr. Demétrius de Oliveira – Delegado Titular do Núcleo de Combate aos Ciber Crimes (NUCIBER) da Polícia Civil do Paraná.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: “As demandas das Forças Armadas no Judiciário”.
Palestrante: Dr. Fábio Prieto de Souza – Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min – Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra
Tema: “Acidente em Serviço – considerações acerca do Decreto nr 57.272, de 16 de novembro de 1965”.
Palestrante: Tenente Washington Luis da Conceição Carvalho – Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica – COJAER.

11h30min – Debates.

11h50min – Intervalo para o Almoço (livre).

14h00min – Palestra
Tema: “Aspectos Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar Militar”.
Palestrante: Dr. Gustavo Swain Kfouri – Advogado e Professor Universitário.

14h40min – Debates

15h00min – Palestra
Tema: “Responsabilidade Civil dos Agentes da Administração no Âmbito Militar”.
Palestrante: Dr. Flori Antonio Tasca – Advogado e Professor Universitário.

15h40min – Debates.

16h00min às 16h20min – Intervalo para o Café.

16h20min – Palestra
Tema: “Regime Disciplinar dos Servidores Públicos da União – Sindicância e Procedimento Administrativo Disciplinar – Princípios Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório – Presença de advogado constituído pelo sindicado”.
Palestrante: Dr. José Marcos Manente – Coordenador do Núcleo de Assessoramento Jurídico da AGU no Paraná.

17h50min – Debates.

12 DE MARÇO DE 2010 – SEXTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: “Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e as Forças Armadas”.
Palestrante: Dr. Gabriel Pimenta Alves, Coordenador-Geral de Atividades Jurídicas Descentralizadas, Substituto – Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa – CONJUR/MD.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: “O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz”.
Palestrante: Sr. Secretário Breno Hermann – Ministério das Relações Exteriores (MRE).

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min – Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra de Encerramento
Tema: “Atuação Especial das Forças Armadas: Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Faixas de Fronteiras e Áreas Indígenas”.
Palestrante: General-de-Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho – indicado para Ministro do Superior Tribunal Militar.

11h50min – Solenidade de Encerramento.

INSCRIÇÕES GRATUITAS:
Através de e-mail contendo Nome, Posto/Graduação, Cargo/Função, Organização Militar/Órgão Público, Entidade de Ensino (se for o caso), número de telefone e endereço de e-mail para
seminariodireitomilitar@gmail .com até 08/03/2010 – vagas limitadas.

Deixe um comentário

Arquivado em Eventos, Palestras

Trova 118 – Maria Helena Calazans M. Duarte (São Paulo/SP)

Deixe um comentário

27 de fevereiro de 2010 · 00:20

Johnny Welch (A Marionete)

(tradução de José Feldman)

Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou um boneco de pano
e me desse um sopro de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas, definitivamente, pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
sim pelo que significam
Dormiria pouco, sonharia mais,
entendo que por cada minuto
que cerramos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detém,
despertaria quando os demais dormem.
Escutaria quando os demais falam
e como desfrutaria de um bom sorvete de chocolate.

Se Deus me desse um sopro de vida
vestiria simples, me atiraria de bruços ao
deixando descoberto
não somente meu corpo mas minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração
escreveria meu ódio sobre o gelo
e esperaria que saísse o sol.

Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
e uma canção de Serrat seria a serenata
que lhes ofereceria à lua.

Regaria con lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas…
Deus meu, se eu tivesse um sopro de vida…

Não deixaria passar um só dia
Sem dizer às pessoas que quero, que as quero.
Convenceria a cada mulher
um homem de que são meus favoritos
e viveria enamorado do amor.

Aos homens lhes provaria quão equivocados estão,
ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem
sem saber que envelhecem
quando deixam de enamorar-se.
Para uma criança, lhe daria asas
e deixaria que ele sozinho aprendesse a voar.

Aos velhos lhes ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, homens.
Aprendi que todo mundo quer viver
em cima da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade
está na forma de subir o declive.

Tenho aprendido que quando um recém nascido
aperta com seu punho
pela primeira vez, o dedo de seu pai
o terá agarrado para sempre.

Tenho aprendido que um homem
só tem direito de olhar o outro para baixo,
quando tem que ajuda-lo a levantar-se.
São tantas coisas as que teria podido
aprender de vocês,
mas realmente não vai ajudar muito,
porque quando me guardam dentro desta maleta,
infelizmente estarei morrendo.
——————

Este poema foi escrito por Johnny Welch, um ventríloquo que trabalha no México, com o seu boneco de nome Mofles.

Fontes:
http://www.desdelalma.net/
Imagem = http://crisrubi.blogspot.com/

Deixe um comentário

Arquivado em O poeta no papel

Carlos Leite Ribeiro (Revista Recanto da Prosa e do Verso – Ano III – Fevereiro de 2010 )

Nita Ferreira
SONETO A FEVEREIRO

O ano caminhando e é já Fevereiro
Do céu cinzento gotas cristalinas
E um vento agreste, frio e desordeiro
Varre a calma das horas peregrinas

Mascarado de alegre feiticeiro
No Carnaval dos anos a passar
Filho que mata a mãe ao soalheiro
Assim na meninice ouvi contar

Mas deve ser mentira ou balela
Pois que debaixo da minha janela
Vi passar o santinho Valentim

Trazia sorrisos, flores e abraços
Tudo numa caixa embrulhada em laços
E um bilhetinho de amor p’ra mim
G G G G G G G G
Ana Maria Nascimento
EROSÃO

Cingida por imensa solitude,
Busco, afinal, ouvir a tua voz
para extinguir esta tristeza algoz
que limitou a minha plenitude.

Mas, sem sucesso, vejo a finitude
surgindo em seu propósito veloz
acompanhada da tristeza atroz
presente em toda a sua latitude.

Àquele espaço ainda chega o pânico
entrelaçado num grande vazio
dando evasão ao ímpeto vulcânico.

A despertar, em torno, um arrepio,
transformando o aspecto do amor romântico,
numa tela de sonho em desvario.
G G G G G G G G
António Barroso (Tiago)
QUADRO SEM NOME

Era a imagem da degradação,
À porta do grande supermercado,
Apático, dobrado,
Com dois cães atados a um varão
Que suportavam a chuva, encolhidos,
Com olhitos meigos de sacrifício.
Ele amealhava, tostão a tostão,
As dádivas dos passantes mais sentidos,
Para, mais tarde, lá p’ro fim do dia,
Ir, de seringa em punho, matar o vício
Debaixo da ponte da ribeira.
Olhei o quadro e sem ironia,
Não senti pena de qualquer maneira,
Apenas me afastei, angustiado,
Calando fundo os sentimentos meus
Por ver os cães, com ar tão devoto,
Olharem aquele tipo escanzelado,
Porco, barbudo, sujo e todo roto,
Como um Deus!
G G G G G G G G
Cibele Carvalho
SOLIDÃO

Que invade o meu quarto, minha cama,
quando minha alma, por ti, chama.
Que domina meu corpo e pensamento
quando, longe de ti, experimento
o gosto do vazio que ficou
no espaço aberto que você deixou.
Com a solidão converso a cada dia
– ela me faz companhia
em meus momentos de dor
e também me acaricia
nas minhas noites de amor.
Reconheço os passos dela
na ausência dos teus passos
e ela é quem se apresenta
quando busco os teus abraços.
Bem diferente de ti,
ela não sai do meu lado
e, em sua boca, deposito
o meu beijo apaixonado.
(RJ, 22/02/10 )
G G G G G G G G
Dalton Luiz Gandin
NAS FOLHAS DA VIDA

Do ponto,
partida ou morte.
Marco sul,
risco pro norte.
Desenho,
assim, seu nome.
G G G G G G G G
Eugénio de Sá
DESISTÊNCIA

Enquanto outros combatem esforçados
eu trêmulo me atenho, impreciso
afivelado ao rosto patético sorriso
num jeito que me traz desfigurado

Simulação de um homem de verdade
sou parco de vontade, de ambição
Mais me não move o gesto e a razão
que o gosto de qualquer frivolidade

Sei desta vida pouco mais levar
que o atavismo de uma alma breve
Já conformada à negação de amar

Que almo inda me pode tornar leve
a terra que me vai acobertar;
outra expressão que tudo isto releve?

Bogotá, Colombia
26.FEV.2010
G G G G G G G G
Fernando Morais

PORTO

Aqui o silvo do comboio velho
ali o prédio acocorado à tarde

ouvem-se passos no lume do poente
é a mulher de xaile que vem de balde

ouvem-se vozes junto ao rio cinza
que o nevoeiro deixa tremeluzir a luz

mais outros passos esgueiram-se no leve
rodopiar das folhas … soma e segue …

o surdo mundo, pouco a pouco fala
nos rumores do voo de andorinhas

são as minhas mãos frias que apetece
meter nas tuas para matar o tempo

mas o tempo não passa como acontece ao dia
somos nós que passamos pelo tempo

e o Porto ajeita-se e estica as pernas
enquanto o sotaque, lindo, permanece.
G G G G G G G G
Flor de Esperança (Maria Beatriz Silva)
JURO

Nunca brinquei no carnaval
Nem nos sentimentos da poesia
Tenho várias formas de expressar alegria

Do carnaval sempre tive outro conceito
Mas… Para encontrar você lindo amor
Na folia vou entrar, pois esse é o único jeito.

No meu bloco imaginário sempre criei nosso cenário
Princesa, feiticeira, cigana… Para você já desfilei
Dança do ventre, tango, salsa, lambada, valsa já dancei.

Mas hoje eu juro que vou entrar nessa folia
Batuque, frevo, samba, suor e poesia…
Sou seu par, sua magia!

Lindo amor por você eu juro
Que vou dançar até o sol raiar
Olha nos meus olhos com desejos de bailar

Pega-me com sede… Com força…
E jura que não vai mais soltar
E que nesse carnaval você veio para ficar

Permita-me uma dança sensual
Estou pronta… Me vesti de Deusa do Amor
Deixa-me ser seu vendaval

No amor fazemos um temporal
Venha com calor,
meu pássaro verde do amor
Sentir esse sabor!

Olha-me dentro do meu olhar
Agarra na minha cintura e jura
Que comigo vai dançar com ternura
Com desejo, com loucura…

Quero um banho do seu amor
Navegar no seu cheiro, no seu sabor
E no embalo dessa dança
Leva-me por onde você for

Sussurra juras de amor no meu ouvido
Beija minha boca com um beijo atrevido
Hortelã é o sabor

Lindo amor jura, por favor,
Que essa dança
vai selar para sempre o nosso amor

Laje do Muriaé – RJ Em 13/02/2010
G G G G G G G G
José Feldman
UM DIA…

Um dia você pega as suas coisas, faz as malas, se despede de quem ama e sai porta afora, para um mundo novo, buscando a liberdade e a felicidade tão sonhada.

Um dia você aluga um apartamento ou uma casa, aprende que tem que cozinhar para si próprio, se quiser comer. Que tem que limpar sua casa, se quiser um lugar organizado, aprende que independência da casa dos pais não implica em fazer o que bem entende. A sociedade tem regras, e você começa a sentir isto na pele, e deve segui-las.

Um dia você vê que só o seu dinheiro poupado durante tantos anos a fio, já não é o bastante, então tem que procurar um emprego, para poder se sustentar. Sempre achava que a liberdade era uma coisa linda e maravilhosa, e você não precisaria se preocupar com nada. Agora vê, que ela engloba responsabilidades, deveres e direitos.

Um dia você se sente deprimido, pois a vida independente não é um mar de rosas, e se arrepende de ter saído da casa de sua família, e pensa em voltar. Mas, também pensa em tudo o que aconteceu para sair, e fica dividido entre o que fazer.

Um dia você descobre que apesar de estar sendo exatamente igual a seus pais, o seu lar é o seu castelo, e você se sente feliz consigo próprio, e assim como seus pais eram os reis na casa deles, você é o rei na sua.

Um dia você descobre que ser rei de seu castelo envolve deveres, direitos e responsabilidades, e que mesmo assim não é fácil, é uma batalha constante para manter seu pedacinho de chão.

Um dia você descobre que está envelhecendo, que está ficando mais chato, mais turrão, a memória está falhando, se sente mais cansado, se sente meio frustrado, pois seus sonhos eram apenas sonhos, e as lágrimas correm tão facilmente em momentos inesperados.
Um dia você percebe que nos momentos que deveria falar, se calou e em outros, quando deveria ficar calado, falou.

Um dia você descobre que muitas coisas que fez não tinham razão de ser, e que se pudesse voltar atrás, mudaria tudo, entretanto, existem tantas outras que mesmo com algum final desastroso, deixaria como está.

Um dia você descobre que os seus verdadeiros irmãos são aqueles que um dia passaram por sua vida e deram um encontrão em você e seguiram adiante. Outros, que estiveram sempre presentes, mesmo que ausentes.

Um dia você descobre que nunca esteve sozinho, que sua família esteve sempre ligada a você em todos os momentos de sua vida, e você sempre, na verdade, seguiu os passos dela, sem nem mesmo perceber.

Um dia você percebe que aquilo pelo qual você sempre lutou só vai ser reconhecido por você mesmo, pelos que acompanharam sua caminhada e aqueles que realmente te amaram, e sempre estiveram a seu lado torcendo por você e incentivando quando você cambaleava.

Um dia você percebe que os verdadeiros inimigos de sua evolução não estão nas ruas, mas dentro da casa que você abandonou, dizendo-se irmãos, primos, sobrinhos, etc. Percebe que você é infeliz, pois ainda está ligado ao que pensam de si.

Um dia você percebe que é hora de se desvincular disso tudo e seguir os seus próprios passos, caminhar com seus pés, fazer sua própria vida e ser aquilo que você quer ser, não aquilo que os outros querem que você seja.

Um dia você percebe que a felicidade está dentro de você, e você tinha este tempo todo a chave para abrir esta porta e liberta-la.

Um dia você vai ter coragem suficiente para deixar suas coisas de lado, abandonar as malas do passado, carregar dentro de seu coração aqueles a quem ama e quem realmente estiveram a seu lado e sair porta afora, para um mundo novo, livre e feliz…

Um dia você vai perceber que finalmente realizou seu sonho e finalmente é feliz.

(Ubiratã, Paraná, 22/05/08)

G G G G G G G G

Hermoclydes S. Franco

“GUERREIRA”

Pelos sonhos de mulher,
guardados no coração,
sonhados a vida inteira…
Pela visão da existência,
pelo calor da emoção,
tu foste, sempre, a primeira…

Nos dons da emotividade,
das intenções mais sutís,
tu és frondosa roseira
que dás perfume e dás flor,
espinhos tornas ternura,
do orvalho fazes goteira…

Pela graça do sorriso,
pelo calor dos abraços
e pelo ser companheira…
Pelo brilho dos olhares
– uma lágrima a esconder –
quanta vez te vi faceira…

Pelo enfrentar dissabores
sem blasfêmias, sempre altiva,
alma quase feiticeira,
que, na fé inquebrantável,
tua força espiritual
forjou-te a Grande Guerreira!…
G G G G G G G G
Humberto Rodrigues Neto
A ÚLTIMA NAMORADA

Já vem descendo sobre mim o outono
desta existência de gentis primores,
quando fui presa e ao mesmo tempo dono
de inesquecíveis e sutis amores!

Quantas premi de encontro aos lábios loucos
num fervilhar de anseios e arrepios,
paixões que agora vão tornando, aos poucos,
meus dias de sol cinzentos e vazios!

Mas neste inverno de uma vida finda,
que me aproxima da eternal morada,
no anonimato eu sei que me ama ainda
a minha derradeira namorada!

O amor que me dedica é uma benesse,
pois nunca teve algo em comum comigo;
dela só espero o mimo de uma prece
e o ramo de uma rosa em meu jazigo!
G G G G G G G G
Regina Bertoccelli
VENTOS E TEMPESTADES

Não temo os ventos fortes,
nem as tempestades violentas
que chegam varrendo tudo,
escancarando minhas janelas,
roubando meu sossego…

Não me importa que raios e trovões
gritem em meus ouvidos,
emudeçam minha voz,
tumultuem meus pensamentos…

Sei que isso é passageiro,
que a bonança virá e me trará de volta
o sol e a revoada de pássaros
farão festa em minha janela…

Mas temo os ventos e as tempestades
de teu coração que atingem o meu
num ímpeto de raiva e fúria descomunal

Chegam de repente, escurecem o meu dia
e me aprisionam no calabouço sórdido
de tua mente perversa e insana

Ah, quanta insensatez há em ti…
Do amor nunca saberás enquanto
viver em teu ser tanta estupidez…
G G G G G G G G
Tchello d’Barros
“M” E “H” NO 609

São Paulo é uma cidade grande, muito grande. M e H conheceram-se numa dessas situações inesperadas, que talvez por comodidade convencionamos chamar de acaso. M, há tempos que estava acostumada com a rotina do metrô, meia hora para ir e outra longa meia hora para voltar. Para suportar melhor esse limbo de tempo inútil, lia revistas de fotonovelas, que adquiria numa loja de livros usados, próxima à estação da Praça da Sé. A monotonia desse trajeto só era quebrada lá de vez em quando, com alguma paquera, pelo fuzuê com algum trombadinha ou algum ator fazendo sua performance e passando o chapéu.

Aquela manhã de sábado com garoa não prometia muito. Vagão cheio, M incomodou-se um pouco por ter que ficar em pé, e cavalheirismo, como se sabe, não anda muito na moda. Incomodou-se um pouco mais quando, no frenesi das pessoas que apressadamente entravam e saíam do vagão, um sujeito passou por trás dela, encostando-se, inevitavelmente. Este momento deve ter durado apenas um segundo, mas foi o suficiente para ela sentir um hálito de hortelã, e ele percebeu a fragrância de alfazema nos cabelos dela. Quando ele se afastou, ela olhou de soslaio, para identificar o atrevido, ao tempo que H, também discretamente, observava sua silhueta bem desenhada pelo reflexo da janela. Ato seguinte, um assento que ficou vago permitiu que a vida voltasse ao normal no escapismo de mais algumas páginas da fotonovela.

Desceu na estação de sempre e depois de mais uma manhã rotineira, ao meio-dia em ponto estava livre, seu fim-de-semana começou com o fim da garoa. Logo ela estava zanzando pelas barracas da feirinha da Liberdade, onde adquiriu umas bonequinhas de origami. O almoço se resumiu à alguns camarões no palito, assim, almoçava caminhando, observando os artesanatos e antigüidades espalhados pelas banquinhas. Naquele vai-e-vem de tanta gente, julgou ter visto o sujeito do metrô, próximo à uns quadros de paisagens japonesas que um pintor apresentava no chão de uma pracinha. Tímida do tipo ousada, aproximou-se para ter certeza, mas não viu mais o vulto, certamente era outra pessoa.

Lembrou-se que precisava renovar o estoque de suas revistas antigas de fotonovelas, e lá foi ela em direção ao sebo. Ao chegar foi diretamente à sala das tais revistas, onde levou um susto, pois ninguém menos que H estava ali, escolhendo alguns exemplares de bolsi-livros de faroeste, sua única distração literária. M imaginou inicialmente que H estivesse lhe seguindo, mas logo concluiu que isso não poderia ser, pois quando ela chegou ele já se encontrava no local. Depois pensou em coincidência, em destino, essas coisas que não entendemos muito bem, e logo já estava fantasiando que fosse algum investigador contratado, um tipo de detetive. Saiu de tais devaneios quando percebeu que ele já não estava mais naquela sala, então tratou de escolher alguns exemplares de revistas para sua coleção. O segundo susto foi na hora de pagar, pois ambos chegaram juntos ao balcão, o que fez com que o balconista perguntasse o típico ‘quem está na vez?’, o que inicialmente causou um certo constrangimento para ambos, mas foi a ocasião para uma breve troca de olhares e o esboço de um sorriso. O fato de H ter permitido que M pagasse primeiro, foi a senha para continuarem conversando e o manuseio do pagamento permitiu que ambos vissem que nenhum dos dois estava usando aliança.

As recentes aquisições permitiram que a conversa se prolongasse num café próximo dali. Esgotado o assunto das preferências literárias, trataram de puxar outros temas corriqueiros, amenidades bem triviais, apenas umas desculpas para poderem continuar se olhando, um adentrando o semblante do outro, tentando desvendar camadas de personalidades e nuances dessa atração inusitada. Esse mesmo ardente encontro de olhares, sequer permitiu que falassem sobre relacionamentos, fossem anteriores ou atuais, profissões ou endereços, esses itens que definem tanta gente. Eram apenas dois intensos olhares cruzados, que em seguida receberam a cumplicidade de duas mãos que se tocavam de leve, no início, e assim não demorou para que um certo par de lábios ávidos também se encontrassem. A vida naquele momento era apenas um sabor de hortelã e um suave aroma de alfazema, naquela esquina da megalópole.

Não se conheciam, não queriam se conhecer, mas desejavam se entregar. Talvez essa substância abstrata que chamamos de natureza humana, explique o fato de que dentro de poucas horas, já no número 609 de um hotel da rua Ipiranga, o par estivesse resfolegando num faiscante entrelaçamento com fusão de corpo e alma. O caos e o céu ao mesmo tempo. Depois, quando os corações foram desacelerando, o suor foi secando e os instintos permitiram que alguma lucidez se instalasse no recinto, começaram a conversar e, conversaram demoradamente, outro prazer que descobriram assim, sem querer. Concluíram que esse enigma, que as pessoas chamam de amor, pode acontecer assim, de repente, numa nublada tarde de sábado, no labirinto da gigantesca cidade. Ao saírem do hotel, ninguém sabia nome, idade, telefone, e-mail ou o que quer que fosse sobre o outro, esses ítens que identificam muita gente, o que não impediu de combinarem se encontrar no saguão do mesmo hotel, no mesmo horário, uma semana depois.

E passados sete dias, na tarde paulistana, desta vez ensolarada, lá estavam M e H novamente, tentando ser discretos na recepção do hotel, mas mal disfarçando a gana de avançar um sobre o outro, o que aconteceu de fato, logo que fecharam a porta do mesmo quarto 609. Pura selvageria. Frisson e êxtase. Volúpia e lascívia. Concupiscência e atração. Luxúria e lúbricas intimidades. Umidade e fricção. Ou o que muitos preferem resumir como tesão. Apagado o primeiro de muitos incêndios, M percebeu então que H havia trazido champanhe com morangos, e H pode enfim também notar os detalhes da lingerie provocante que M escolheu para o novo encontro. Algumas labaredas mais tarde, fruíram daquele prazer de conversar, de poder falar das sensações, dos sentimentos e das percepções desses momentos incandescentes. E falavam da saudade, e dos desejos, e dos medos, e das vontades, e das fantasias, e de todo um outro labirinto, o das afetividades que se entrelaçavam nas relações e no relacionamento. Antes de se despedir, H notou entre os pertences de M uma pequena réplica de espada japonesa, dessas para abrir envelopes, sinal de que ela devia ter passado novamente pela feirinha oriental. Já M, percebeu que H havia adquirido mais alguns livrinhos com histórias de bang-bang. Mas ninguém quis comentar nada, nada de observações, nada de perguntas. Manter algum mistério era muito mais excitante.

E assim se despediram, e assim se reencontraram, e assim foram repetindo seus encontros semanais, pontuados pela entrega total em suas experiências, preservadas por segredos mútuos, quase como se suas vidas particulares nem existissem, como se a vida real acontecesse apenas naquele idílico quarto 609. E mais não precisava. E como é próprio dessas raras uniões onde o casal se completa, se complementa e se funde, chegaram à um nível de cumplicidade e simbiose onde era possível sentir plenamente o estado emocional do outro, apenas pelo olhar, pela voz, pelo toque. Não raro, depois do descanso, abriam os olhos ao mesmo tempo, sonhavam um com o outro, e muitas vezes um ía dizer uma coisa e o outro completava. Ao final de um ano a sintonia era tanta que de vez em quando já se conseguia até mesmo ler o pensamento.

Foi mais ou menos por essa época que M começou a pensar na possibilidade de investigá-lo, de tentar saber mais sobre esse homem misterioso, que lhe fazia tão feliz. Talvez desvendar o cotidiano desse íntimo desconhecido, saber o que ele fazia durante a semana, onde morava, se era casado, no que trabalhava, essas coisas. Mas refletiu bem e escolheu deixar de lado a curiosidade, preferiu não quebrar a magia que os unia, não queria desconfianças, não queria que ele fizesse o mesmo, que descobrisse tudo sobre ela. E assim continuaram, já que toda a felicidade do mundo cabia naquele singelo quarto. Ali era o endereço do amor, da paixão, do romance e do desejo. O resto, era apenas o mundo. E pequenas mudanças naquele quarto eram quase um acontecimento. O dia em que trocaram as cortinas. Uma pequena gravura que apareceu em uma das paredes. Os desenhos florais na estampa de um lençol. E um dia as paredes receberam uma nova tonalidade, o salmão suave passou para um rosa pálido. Isso foi uma grande novidade.

E o tempo foi passando. As fronhas dos travesseiros foram naturalmente se gastando, perdendo a cor, a textura. As conversas agora tinham diminuído um pouco, entremeadas de breves silêncios, que aos poucos foram se prolongando e muitas vezes a falta de assunto era compensada com a leitura de fotonovelas e os livrinhos de bolso. Num dos encontros sequer fizeram amor, apenas trocaram carícias. Depois, uma viagem impediu o próximo encontro, e uma desculpa aqui e outra ali fizeram rarear os sábados dos amantes. Até que numa dessas tardes de muito calor, as paredes do 609 sequer viram o casal se despir, apenas conversaram, olharam-se demoradamente, choraram, abraçaram-se e então convenceram-se de que poderiam parar de se encontrar. O rio da vida que seguisse seu fluxo. Sem culpa, ou rancor, deram-se ainda um longo e afetuoso último beijo.

Na saída para a rua, nenhuma palavra, apenas dois semblantes que se encontravam quem sabe pela última vez e cada um seguiu para um lado. H dobrou a próxima esquina, refletindo sobre isso que as pessoas chamam de amor. Se isso existe mesmo, dura pouco, uns dois anos, concluiu. De seu destino nada sabemos, apenas que deixou de freqüentar uma certa loja de livros usados daquele lado da cidade. M, que tomou o metrô mais próximo, olhava demoradamente as fotografias da revista, mas nada via, apenas pensava em como era possível conhecer alguém com tal profundidade e sintonia sem sequer saber seu nome. Dela também pouco sabemos, apenas que continua usando xampu com perfume de alfazema e adquiriu o hábito de comprar pastilhas de hortelã.

Dizem que aquele sebo fechou. Dizem também que vai reabrir em outro ponto da cidade, mas não se sabe bem onde, pois como sabemos, São Paulo é uma cidade grande, muito grande.
——–

Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro

Deixe um comentário

Arquivado em Cronicas - Contos, Magia das Palavras, Poesia

Trova 117 – Sylvio Ricciardi (Ribeirão Preto/SP)

Deixe um comentário

25 de fevereiro de 2010 · 23:24

Aparecido Raimundo de Souza (Estranho num Lugar Esquisito)

Durante meses, Panetôncio freqüentou um consultório psiquiátrico com a reclamação de que havia um imenso jacaré debaixo de sua cama.

— E toda noite ele me mostra uma boca cheia de dentes…

— Não são dentes, são presas. E não se diz “boca”. Jacarés não têm boca, e sim mandíbulas.

— Não importa, doutor, o caso é que não agüento mais.

O médico tentava persuadir o paciente de todas as formas possíveis:

— Panetôncio, você não reside num prédio de apartamentos em plena Barra da Tijuca com segurança, circuito interno de televisão e alarmes por todas os cantos?

— Perfeito, mas o jacaré me amedronta apesar de toda essa tecnologia de ponta.

— Não existe nenhum jacaré.

— Claro que existe, doutor. E a cada dia parece mais furioso.

— Só na sua imaginação.

— Não é imaginação, doutor, é real.

— Sua esposa viu esse suposto jacaré?

— Não.

— Nem seus filhos?…

— É verdade!

— Seu sogro chegou a dormir uma noite no quarto e também nada viu, ou ouviu?

— Meu sogro dorme mais que a cama. É só recostar a cabeça e no minuto seguinte está contando carneirinhos.

— Sua sogra?

— Uma besta quadrada. Não enxerga um palmo adiante do nariz. A única coisa que sabe fazer, e cá entre nós, muito bem, é ver defeitos em mim e maquinar intrigas do arco da velha com minha mulher.

— Seu irmão dormiu lá com a esposa dele, na semana passada, não dormiu?

— Dormiu.

— E não viu nem ouviu absolutamente nada?

— Meu irmão, doutor, só pensa naquilo 24 horas por dia. Não tem uma noite que deixe a mulher descansar em paz. Esteja em casa ou na casa dos outros, o negócio dele é furunfar. Nem os dias sagrados da companheira -, o senhor compreende -, aqueles do famoso “lacinho vermelho”, ele respeita.

— Fazer amor faz um bem danado à saúde, Panetôncio. Alivia o estresse do dia-a-dia. A alma se liberta das tensões e fica mais leve e solta. Concorda?

— Concordo, doutor, concordo plenamente. Mas o senhor precisa entender o seguinte: balançando o esqueleto, ele não vai ver nada, como, aliás, não viu. E o jacaré continua embaixo da minha cama, tranqüilo, sem problemas, me enchendo o raio do saco.

— Insisto, Panetôncio, que não há nenhum jacaré debaixo da sua cama. Volte para seu quarto e procure ficar em paz. Sua esposa, da última vez que falou comigo, reclamou que, por causa desse bendito jacaré, você não só mudou de quarto, como abandonou a cama. Esse negócio está me cheirando a outra coisa…

— Que outra coisa, doutor?

— Amante. Você arranjou uma namoradinha e está engabelando dona Líliam com essa história sem pé nem cabeça.

— Não trairia minha cara metade por nada deste mundo. Ainda que encontrasse a Bruna Lombardi peladinha, dos pés a cabeça.

— Escute o que vou dizer: sua esposa, com essa conversa toda, está abalada. Muito abalada. Sem contar que também está necessitada. Mulher necessitada é perigosa. Começa a subir pelas paredes. Se você não dá conta, não comparece…

— Sei disso tudo doutor. Mas como posso me concentrar?

— Você pode. Você é um homem ou é um rato?

— Depois que o jacaré apareceu comecei a ter dúvidas sobre minha masculinidade. Acho que sou um coelho assustado. E coelho tem medo de jacaré. Li algo a respeito numa revista especializada em animais. O doutor seguia na sua linha de conduta e perseverava com acirrada veemência na ânsia de demover a idéia fixa da cabeça de seu paciente.

— O jacaré -, Panetôncio, ou melhor, esse famigerado jacaré é apenas uma alucinação passageira -, fruto da sua estafa, da sua debilidade. Resumindo, meu amigo, coisa provocada pelo excesso de trabalho e pela fadiga. Você tem se desgastado muito, ultimamente. Sua ocupação, na Bolsa de Valores -, compreendo -, é muito pesada e irritante. Deixa os nervos a flor da pele, a cabeça a mil, os neurônios em frangalhos. Sei que não é fácil passar o dia inteiro com três telefones no ouvido…

— Quatro, doutor, quatro.

— Que seja! Três, quatro ou apenas um, não importa. O que conta, o que faz diferença, é você estar o tempo todo gritando, berrando e gesticulando feito um desmiolado e despirocado das idéias. Preste atenção no conselho que vou lhe dar, e vou fazê-lo como seu amigo, não como médico. Tire uns dias e saia com a família em férias. Coloquei, inclusive, meu sítio, em Pedra de Guaratiba, à sua disposição. Está lembrado?

— Estou, doutor. Mas o jacaré está cada vez mais esfomeado. Se o senhor, que é um especialista, que estudou anos a fio para procurar dar uma solução plausível para o meu caso e, no final das contas, não puder, ou não conseguir me ajudar, quem poderá me levar à cura dessa merda, ou à merda dessa cura?

O rapaz continuou a freqüentar, ainda por um bom tempo, as seções no consultório, como sempre fazia, todas as quartas-feiras, na parte da tarde. Com isso, o médico estava quase convencendo a criatura de que tudo não passava, realmente, de fantasias e devaneios oriundos de um desgaste físico e mental acima da linha do ponderável, e que, em decorrência disso, se levasse os próximos encontros mais a sério, logo sairia completamente restabelecido.

Entretanto, por três quartas-feiras seguidas, Panetôncio não compareceu ao consultório, nem comunicou à secretária o motivo de sua ausência. Apreensivo e visivelmente preocupado, o psiquiatra ligou para a residência de seu cliente.

— Gostaria de falar com seu Panetôncio — disse o doutor à mulher com a voz chorosa que o atendeu.

— O Pane morreu… Quero dizer, o Panetôncio faleceu… — respondeu a pessoa, em soluços.

— Com quem falo?

— Líliam, a esposa.

— Dona Líliam, sou eu, o médico psiquiatra do seu marido.

— Doutor, desculpe não tê-lo avisado antes. Sabe como são essas coisas. Uma correria: liberar corpo no IML, correr atrás de funerária, avisar todos os parentes e amigos, cuidar do enterro, fretar ônibus, comprar flores, coroas, escolher cemitério, ver jazigo, colocar anuncio em obituário de jornal, marcar com antecedência a missa de sétimo dia, uma loucura!

— Estou pasmo, dona Líliam. Fiquei realmente sem saber o que lhe dizer…

— Pois é. O senhor que é médico ficou assim, assombrado, praticamente sem saída. Imagina como estamos nós que convivíamos diariamente com ele. E todo o resto da família. Completam sete dias, amanhã. A propósito, gostaria que o senhor viesse para a missa. Vai ser na Igreja de Nossa Senhora das Cabeças, na Rua Belizário Pena, ali na Penha.

— Farei o possível. De qualquer forma, minhas sinceras condolências.

— Obrigada, doutor.

— Por favor, esclareça uma dúvida, dona Líliam. Panetôncio morreu… Morreu de quê?

— Foi devorado por um jacaré que estava escondido debaixo da cama dentro do nosso próprio quarto.
–––––––––––––––––-
Sobre o Autor
Aparecido Raimundo de Souza, 56 anos, jornalista. Natural de Andirá, Paraná. Free-lancer das revistas “Textos Inteligentes” e “Isto é gente”. Publicou: Quem Se Abilita? (prefácio de Paulo Coelho); Com Os Chifres À Flor Da Cabeça (25 cronicas); Tudo o que eu Gostaria de Ter Dito (livro com 365 frases dos mais diversos autores, frases essas publicadas durante três anos numa coluna que manteve na Revista Class, em Vitória, no Espírito Santo); As Mentiras Que As Mulheres Gostam De Ouvir (25 cronicas); A Outra Perna Do Saci, Refúgio para Cornos Avariados (25 cronicas), Mulheres em Estado de Coma; Travessuras de Mindinho e Fura Bolos; Talvez Eu Volte para Casa na Primavera.
Os textos de Aparecido Raimundo de Souza retratam o cotidiano das pessoas. São escritos leves e soltos, alguns cheios de intransigências, outros salpicados de ironia e muita picardia e irreverência. Seu estilo lembra o escritor gaúcho Luiz Fernando Veríssimo, embora tenha criado uma grafia própria e inconfundível.

Fontes:
Colaboração do autor
wikipedia

Deixe um comentário

Arquivado em notas biográficas, O Escritor com a Palavra

Airton Monte (O Escritor em Xeque)

entrevista realizada em janeiro de 2007

O Jornal cearense O Povo, em uma conversa franca e bem humorada com Airton Monte, cronista de uma Fortaleza boêmia, solidária e fraterna que propõe o hedonismo e o anarquismo educado como utopia para a humanidade

O mundo é grande e cabe no breve instante da crônica de Airton Monte. Espelho de si mesmo, o cronista contempla sua própria persona e espreita a humanidade pelo prisma de sua aldeia. Traduz para o espírito de Fortaleza as paixões, os desejos e os abismos da alma humana. O fascínio pelo inconsciente lhe levou à psiquiatria, onde o profissional austero toma a frente do poeta galhofeiro, arrebatado e espirituoso que se deita no divã da literatura. Pela cidade (real ou rememorada), Airton circula desvendando o universal nos bares mais simples da Gentilândia e fazendo explodir o particular de cada flagrante em arroubos universais de inspiração poética.

Em uma manhã de conversa franca e bem humorada com quatro repórteres do O POVO, regada a muita cerveja e a uma dezena de cigarros, o cronista se revela. É o torcedor fiel, o teórico da literatura, o marido apaixonado, o amigo saudoso e o cidadão desolado com a cidade que “enselvageceu”. Sem amarras, sem pautas específicas, a conversa segue fluida por mais de duas horas. Do riso generoso aos dramas mais tocantes e deles à piada mais escatológica. Literatura, Praia de Iracema, Clube do Bode, drogas, anarquismo e gentileza. O mundo é grande e cabe no breve trago que acende o fio da inspiração e da memória.

O medo que eu tenho da palavra tempo é o de me tornar obsoleto em relação ao tempo presente”, revela o artista que, cronista, agarrado às amenidades e às urgências do dia-a-dia, soube se inscrever na posteridade pelo talento da palavra. O mundo é grande e cabe na breve (e encantadora) Fortaleza de Airton Monte.

O POVO – Quando a gente ligou pra você para convidá-lo para a entrevista, você ficou feliz mas brincou com a história do tempo, brincou com o agouro ou o mau agouro de dar uma entrevista como essa nessa altura da vida. Você tem medo do tempo?

Airton Monte – Se eu disser que não tenho medo do tempo eu estaria mentindo. O meu medo do tempo não é o medo de morrer, não é o medo de envelhecer. O medo da palavra tempo é o de me tornar obsoleto em relação ao presente. A minha briga toda é essa. Não posso me desligar das raízes do meu passado. Aquilo que eu aprendi está aprendido. Mas tanto na medicina quanto na literatura, meu medo é o de ficar obsoleto. De ficar um velho gagá. Aqueles antigões, parados no tempo, sem diálogo com ninguém, que passam a vida num tempo ilusório, um tempo passado.

OP – E como você tenta superar isso?

Airton Monte – Estudando, lendo. Tanto de um lado quanto de outro, eu tenho de estar antenado. Na medicina, minha vantagem é que não preciso gastar rios de dinheiro para ir aos congressos. Eu ligo o computador e recebo os anais, entro nos sites da Sociedade Médica Brasileira, da Associação de Psiquiatria. Estou o tempo todo atualizado.

OP – Você tem livros que estão sendo utilizados no vestibular. Quando você conversa com esse público do vestibular, esse público mais novo, esse medo da obsolescência aumenta?

Airton Monte – Eu nunca tive dificuldade de me relacionar com esse público mais jovem do que eu. Nem muito mais jovem nem muito mais velho. Eu tenho vários grupos de convivência. Eu tenho a turma da Gentilândia, que é a turma da minha infância, da minha idade. Tenho a turma do papai, que é uma turma mais velha, da idade do papai, de 80 anos, 90. Tem a turma do Clube do Bode. E nesse vestibular, a partir de 2004, 2005, o que me deu mais surpresa foi que de repente aquela garotada chegou e disse: “olha, a gente está te lendo porque a gente está gostando”. E eu conseguia me comunicar com eles no mesmo nível. Brincando, rindo. Não me sinto deslocado entre os jovens. Eu sou como aquele velho jogador, o Romário, que ainda está ali rondando a área, sobrou a bola pedindo para eu chutar, eu chuto.

OP – E fisicamente, você se cuida?

Airton Monte – Decididamente, eu nunca fui exemplo para ninguém. Não vou a médico, não sei a quantas vai meu colesterol, minha glicemia. A única coisa que me incomoda, fisicamente, de vez em quando, é a asma, que o cigarrinho corrige, não tem problema. Eu bebo do mesmo jeito que bebia quando era jovem. Como as mesmas coisas que comia. Eu quero ficar velho. Se puder até ver meus netos crescerem eu queria. Agora, do meu jeito. Não me interessa viver uma vida sem poder sair, sem poder fazer as coisas de que gosto. De clínico geral eu tenho pavor porque você entra lá saudável e sai doente (risos). Tenho muitos amigos médicos, sou da máfia, mas reconheço que não sou exemplo pra ninguém. Se alguém quer viver muito, não siga meu exemplo. Comigo está dando certo. Estou praticamente com 58 anos, com corpo de bailarino espanhol e um fígado de 20 que nunca me deu problema.

OP – A Fortaleza que você começou a descrever em tuas crônicas era uma cidade bem menor, mais pacata. Nossa cidade hoje é um monstrengo que cresce desordenadamente, sem respeito pelo passado e sem respeito pelo próprio fortalezense. Como você se relaciona com essa Fortaleza mais jovem?

Airton Monte – Eu cresci em Fortaleza. Nasci aqui. Tenho 57 anos, nunca saí daqui. Nasci na Rua Dom Jerônimo, de parto normal, filho do primeiro amor, do primeiro “descuido”, como dizia a minha mãe. E fui criado naquele território mágico ali da Gentilândia, do Benfica, do Jardim América. Mas Fortaleza foi mudando de uma maneira que me fez ter que mudar também. E a mudança foi brutal. Hoje eu caminho em alguns lugares – com exceção da Gentilândia, por exemplo, que permanece mais ou menos como era antes -, e perco as referências que tinha. A Praia de Iracema morreu. Eu tive de aprender a conviver com essa Fortaleza. Uma cidade em que vivo com medo, medo por mim, por meus filhos; uma cidade em que não posso me arriscar muito e ir numa esquina, a caminhar pela cidade, coisa que adorava fazer. De dez anos pra cá, passei a viver nessa Fortaleza que ensandeceu, enselvageceu, onde nós perdemos aquilo que era a democracia da gentileza, a democracia do lirismo. Hoje não somos mais próximos, nós somos ilhas. Ilhas de solidão, de desconfiança.

OP – E o que a nossa cidade ainda tem de positivo? O que ainda te inspira na Cidade?

Airton Monte – As coisas boas de Fortaleza. O subúrbio. Alguns subúrbios. O domingo no subúrbio, ainda tem isso. Eu vejo na rua do meu pai, na Dom Jerônimo; vejo na Gentilândia também. Ano Novo e Natal as pessoas entram nas casas umas das outras e uma leva uma torta, outra leva não sei o quê.

OP – Mas você ainda circula?

Airton Monte – Circulo na Gentilândia, nos bairros do Benfica. Na Praia de Iracema jamais. Todos os sábados vou ao Clube do Bode, que é a livraria do Sérgio Braga. E nós bebemos no Florida Bar, que é o braço armado do Clube do Bode (risos). É o Hezbollah do Clube do Bode, tem aquele tira-gosto letal, só come quem está acostumado. Depois de 25 anos de tira-gosto de botequim você fica imunizado contra qualquer vírus. O Clube do Bode é esculhambação, é uma instituição anárquica, lírica, etílica, musical. Lá, o Nonato Luis dá um show num violão velho daquele do Falcão. Lá só quem não pode cantar é o Falcão. Apesar de ser o cantor oficial do grupo. Mas ele é proibido de cantar, por uma questão de higiene pública (risos).

OP – Há assuntos que você considera proibidos nessas rodas? Assuntos que, quando vêm à tona, você se retira?

Airton Monte – A única coisa que eu me retiro é quando começam a falar mal de amigo meu. Porque dos meus amigos só quem pode falar mal sou eu. E em tom de galhofa. Então, nós temos essa certa fidelidade. Quando está todo mundo junto, a gente fala mal mesmo. Mas não há coisas proibidas. Onde ando, há católicos, crentes, ateus, políticos de esquerda, de direita. Eu não sei mais nem se existe isso de esquerda ou de direita. Eu mesmo, esse ser anárquico, sou ateu e está aqui (pegando no escapulário pendurado no pescoço) o escapulário do meu beque central contra os maus olhados que é São Francisco, o “Chiquinho”. Ele é o sujeito que eu mais admiro, que foi revolucionário e mais cristão do que Cristo. Um sujeito que ia dar muito trabalho para a Igreja Católica hoje se fosse vivo.

OP – Que histórias engraçadas ou curiosas você recorda do convívio com essas turmas do Clube do Bode, da Gentilândia, etc?

Airton Monte – São várias. Eu andava muito com o Rogaciano (Leite Filho, jornalista) e o Paulo Mamede (jornalista). Tem uma história que é uma sacanagem que não se deve fazer com ninguém. Estávamos os três no Cais Bar. Uma noite, entra um mulherão daqueles de arrasar. Todo mundo dando em cima. A mulher acha de se engraçar do Paulo Mamede, um sujeito altamente periculoso (risos). E a gente só com inveja, aquela inveja mortal. Aí o Paulo Mamede começou bem com a menina, já começou com os beijos, etc. Lá pelas tantas, ele teve uma espécie de incômodo intestinal (risos) e teve de ir ao banheiro. E lá demorou-se. Quando ele demorou a gente inventou a seguinte história, de improviso. O Rogaciano se apresentou, eu disse quem era e a moça disse: “ai, você é psiquiatra?”. Eu disse: “sou’. “Inclusive, ele é primo do Paulo Mamede, esse rapaz aqui”, eu apontando para o Rogaciano. “E eu sou médico do Paulo Mamede”. “Ai, o senhor é médico dele?”. “Sou, sou psiquiatra, mas ele está bem” (risos). “Ele sai aos fins de semana e eu estou aqui acompanhando ele. Minha única preocupação é que ele está tomando um remédio forte e está misturando com bebida como você está vendo. As reações ninguém pode prever. Geralmente, ele fica muito violento” (risos). O Paulo Mamede chega feliz da vida do banheiro e ela já estava meio esquisita. O Paulo Mamede não entendia nada. Eu disse: “rapaz, tu não tem papo pra segurar a mulher”. Nós só fomos confessar isso pra ele, lá pelas quatro da manhã, no Estoril. E ele em vez de ficar com raiva começou foi a rir. E assim tem várias. O Augusto Pontes, tem umas frases que são terríveis. Ele diz assim: “Eu tenho uma boa e uma má notícia pra vocês. Qual vocês querem ouvir primeiro?”. “A notícia boa”. E ele: “O Fausto Nilo vem pra cá”. “E a notícia ruim?”. E o Augusto: “Ele vai cantar” (risos).

OP – O João Cabral de Melo Neto costumava dizer que não acreditava em inspiração, que o ofício de poeta era um ofício que exigia muito trabalho. Você acredita em inspiração?

Airton Monte – Aí tem uma diferença. O texto de ficção eu não tenho nenhum prazo para entregar. Então, é uma coisa que eu vou maturando, posso passar três anos refazendo, cortando. Já a crônica é diária. E é um gênero literário – apesar de alguns babacas dizerem que não é, eu digo que depende do cronista. Uma crônica do Rubem Braga é um texto literário, já um texto do Paulo Coelho não é nada, é uma mágica (risos). É um feitiço. Ele faz até chover e levita (risos). Mas a crônica, eu tenho que entregar o texto. O POVO já me paga pouco, se eu não entregar… (risos). Apesar de toda essa anarquia, eu sou muito profissional nas coisas. Então, eu tenho que chegar e escrever. Em termos de inspiração, os textos que você escreve ou saem de parto natural, quando você escreve um conto em dois minutos, ou saem de parto a fórceps, quando você tem que dar uma forçada. E tem dia que só sai na porrada, só vai na cesariana (risos).

OP – Você sempre escreve seus textos à mão?

Airton Monte – Porque à mão eu escrevo mais rápido. Mesmo se eu tivesse um notebook, eu não levaria um notebook, que custa uma fortuna, para a beira da praia, para o pessoal entupir de farofa… (risos). Se você leva para o bar ou para a praia, vão derramar cerveja em cima. O cabra vai dar palpite, outro quer mexer. Escrever, então, é um ato muito solitário. Não é como o cinema, que é uma arte coletiva.

OP – Algumas vezes, você coloca algumas coisas bem pessoais em suas crônicas. Você chega a se arrepender de alguma maneira das coisas que você expôs ao público?

Airton Monte – Nunca me arrependi. Não dá para me arrepender porque tudo foi consciente. Eu não sou aquele sujeito que escreve com raiva. O texto que me deu mais polêmica foi o Tratado Geral da Maconha, que quase vou em cana porque o Moroni (Bing Torgan) me acusou de incentivo e apologia ao uso e ao tráfico de drogas. Mas se você vai ler, você vai ver que era um tratado geral da maconha mesmo, baseado em toda a literatura que eu tinha sobre drogas, toda a minha experiência pessoal e clínica. Isso foi publicado no tablóide de literatura do jornal O POVO. Nos anos 80. O Moroni era diretor ou era delegado da Polícia Federal. Eu tive que ir depor, dei um depoimento farmacológico e o pobre do escrivão quase fica louco lá (risos). Mas o Moroni deu azar porque uma semana depois eu peguei ele num debate na UFC sobre drogas. Acho que, só de sacanagem, me botaram lá. E o Moroni disse: “meu sonho é viver num país que não precisasse de polícia”. Eu disse: “comunista, o senhor é um comunista radical” (risos). Aí ele ficou maluco. E eu disse: “O senhor é um comunista radical. O senhor é mais comunista que o Karl Marx e o Engels juntos. O senhor é um revolucionário maior que o Che Guevara. O senhor quer a guerrilha”. E ele não entendeu e eu fui explicar. “O senhor quer viver numa sociedade sem crime. Isto é, só há crime porque há a propriedade privada. Então, para não haver mais crime tem que abolir a propriedade privada. O senhor está pregando a abolição da propriedade privada, isso é comunismo do brabo”. Rapaz, esse homem ficou louco, engasgou-se, foi se embora. Acho que ele não me prendeu de novo porque não podia. Então, essa coisa de você escrever com raiva eu aprendi. Quando eu tenho alguma raiva, eu espero uma semana a coisa amornar para me tornar racional porque depois desse tempo todo de jornal a gente começa a ter noção da responsabilidade que a gente tem diante do leitor.

OP – Há um texto seu que foi muito marcante que foi publicado na época em que sua mãe faleceu…

Airton Monte – Não foi só um texto, foram uns três textos. Eu acompanhei a agonia da minha mãe na UTI, me envolvi muito. Minha mãe estava na UTI pela vigésima vez, não era mais gente. E aquilo me dava uma dor imensa. Eu ia lá desligar os aparelhos na marra, não queria saber o que é que ia acontecer. Médico sabe fazer isso. Eu até já tenho meus planos traçados com dois ou três amigos que é para ter uma margem de segurança. Se um de nós cair nessa situação de vegetal, o outro vai lá e dá um jeito. O ser humano tem direito. Já que ele não pode escolher como nascer, ele tem o direito de escolher como morrer. Na hora em que souber que estou com uma pereba dessas grandes, e que não puder mais fazer o que faço e que vou ficar numa cama feito abestado e tal, ou na cadeira de roda naquela base de bota o velho no sol, tira o velho do sol pro velho não mofar… (risos). Ah, a boca do véi tem mosca entrando (risos). É de lascar, bicho. Então, escrevi na emoção. Eu tava no consultório, ela (dona Sônia) me telefonou dizendo “tua mãe morreu”. Atendi todos os pacientes com a mesma calma que podia aparentar e fui para o velório. Fiquei lá até meia noite, pedi para me deixarem em casa, escrevi a crônica numa máquina de escrever, avisei para a empregada que de manhã o motoqueiro vinha pegar. Nem dormi. Enchi a cara de uísque, fui para o funeral e fiquei lá até minha mãe se enterrar. Só não assisti à missa. E voltei para escrever, escrevi umas três vezes. Então, esses textos mais pessoais, escritos, como dizem os advogados de bandido, sob forte emoção, esses saem. Mas mesmo assim eu tenho que ter cuidado.

OP – Você falou que não anda mais em estádio, mas é um torcedor apaixonado do Fortaleza. Como é a tua relação com o futebol hoje?

Airton Monte – Eu sou essencialmente torcedor de três times. Fortaleza, Seleção Brasileira e o Botafogo, que é minha paixão realmente. Eu fui torcedor que nunca fui de brigar, eu sou de chorar, de assistir aos jogos da seleção de camisa amarela, de ter o time do Botafogo na minha parede, de ser fã do Garrincha mais do que do Pelé. Eu amo o futebol, então gosto do futebol bem jogado. Torcia Botafogo, mas vibrava com o time do Santos, com o time do Palmeiras. Eu vibrava com o Fortaleza que tinha Mozarzinho, Croinha. Como é que não ia vibrar? Ou com o Ceará que tinha Gildo, Lucena, Zé Eduardo. Então, o futebol para mim é expressão artística. O futebol continua sendo uma das paixões da minha vida. Não consigo viver sem futebol, eu gosto da bola bem jogada. Eu não quero ver malabarismo, o cara colocar a bola no ombro e sair fazendo que nem o Ronaldo. Eu quero ver é jogar que nem o Zidane, dar um passe de 40 metros, isso é o futebol que estou acostumado a ver.

OP – O Estoril foi um lugar importante para tua geração. Como é para você ter se afastado da Praia de Iracema? Como você entende o fato de Fortaleza ter perdido o Estoril, a Praia de Iracema?

Airton Monte – Praticamente o Estoril caiu na minha cabeça. A gente sabia que mais cedo ou mais tarde ia cair porque toda vida que chovia havia um problema. Eu estava em casa, com uma ressaca lascada, mas a rapaziada ligou dizendo que o Estoril tinha caído. Quando cheguei lá, eu vi o Estoril demolido e aquela mesa fúnebre ao lado, umas cinco ou seis pessoas. E aquilo foi terrível pra gente. Todo mundo ficou revoltado, triste. Ali, eu comecei a perceber que a Praia de Iracema começava a morrer, definitivamente. A Praia de Iracema perdeu a alma dela, deixou de ser um território lírico, poético e engraçado. Na nossa geração, não era de bom tom, diziam os colunistas sociais, ir a Praia de Iracema porque eram onde os maus moços das boas famílias se encontravam com as meninas boas das más famílias. O Estoril era um valhacouto de comunistas, maconheiros e desocupados. Ser poeta naquele tempo era meio complicado. Ninguém queria ser poeta, nem os médicos. Era meio complicado, ser músico, ser poeta, se dizer boêmio. Eu sofri muito na minha carreira, eu e outros colegas. A gente era malhado, “porra o cara é médico e vive no Estoril, bebendo cerveja”. De vez em quando a polícia federal batia lá atrás da maconha. Cansei de ficar em pé na parede, todos nós, sendo revistados, a polícia atrás da maconha, só que a maconha a negada já tinha escondido há muito tempo que ninguém era besta (risos). Outras vezes, eles fechavam a Ponte Metálica. A gente ia para ver o pôr do sol e de repente nos avisavam que tinham uns policiais lá embaixo para cheirar as mãos de quem descia pra ver se tinha maresia. Eu disse: “não tem problema, todo mundo mete a mão no fundo, remexe um pouquinho”. E a negada sentia o nosso fiofó (risos). Nunca mais ficaram lá.

OP – Você falou que já não sabe dizer o que é esquerda ou direita em nossos dias. Ainda há alguma utopia, algum horizonte político que você persegue, que você imagina que a gente possa alcançar?

Airton Monte – Eu fui católico fiel até os 15 anos, depois me tornei ateu, fui comunista, com todos os defeitos que a gente teve. Mas a gente fez uma coisa legal em nossa geração. Hoje, posso me definir como um anarquista utópico. Anarquismo no sentido filosófico da palavra. O homem bem educado ou suficientemente bem educado, conhecendo seus limites, não precisa de leis para dizer o que se pode ou não fazer. Sabendo muito bem onde termina minha liberdade e onde começa a do outro, não precisa de nenhuma lei do silêncio para me dizer que não posso levantar o som alto depois das onze para não incomodar meu vizinho. O importante, o caminho para o Brasil e para o mundo seria primeiro a educação. É formando inteligência que a gente vive. Democracia é você dar oportunidades iguais. Tanto faz ser um filho de carroceiro ou de um milionário. O importante é você dar oportunidades iguais, o mesmo nível de estudo, os mesmos professores. Eu sei que isso nunca vai acontecer. Mas o estudo público já foi bom no tempo do Liceu do Ceará. Educação é fundamental.

OP – A tua geração sempre lutou por muitas dessas bandeiras. Em que você acha que a tua geração errou para que nós chegássemos aos problemas que estamos vivendo hoje?

Airton Monte – Nós erramos pelo simples fato de querer fazer a revolução sem o povo. Nós não vimos que o segredo da revolução não estava no campo, nós não éramos uma ilha. Depois de tanto tempo pensando, eu vejo que nosso caminho tinha de ser diferente. Não era o interior, eram as favelas. E achávamos que o povo era burro. Ou infantilizamos o povo, sendo o pai dele, ou imbecilizamos ou glorificamos. Essa entidade mágica que eu não sei quem é, o povo. Porque eu também sou o povo. O povo também é sem vergonha. É vilão e vítima.

Fonte:
Jornal de Poesia. janeiro de 2007

Deixe um comentário

Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque

Aprendendo sobre Poesia (Parte II)

Pintura de Martins de Barros
POESIA E PROSA

Em primeiro lugar, cumpre observar, que segundo René Wellek (Teoria da Literatura), “na sua maioria, a moderna teoria literária mostra-se inclinada a pôr de parte a distinção entre prosa e poesia“, muito embora tal distinção venha sendo objeto de discussão que, provavelmente, perdurarão sempre. Observe-se ainda que não se trata aqui de estabelecer distinção entre prosa e verso, facilmente notada. De fato, prosa e verso “são formas tecnicamente diferentes da obra literária” (Wilson Martins). Não se confundiria, formalmente, um poema épico com um romance, embora sejam, tanto um quanto o outro, obras literárias e, mais que isso, participem ambos da mesma natureza, isto é, sejam obras essencialmente narrativas.

O mesmo não se observa quando se trata de fazer distinção entre prosa e poesia. A dificuldade começa com a terminologia, pois se temos as palavras verso (forma técnica) e poesia (essência) diferentes entre si e designando coisas diferentes, o mesmo não se dá com a prosa. Temos um único termo para designar tanto um certo tipo de forma técnica quanto certa essência. Observe-se ainda que “prosa” é o oposto de “verso”, mas não é, necessariamente, oposto de poesia.

Para compreensão do assunto, estabeleçamos o seguinte, tomando por base o aspecto formal:

a- Prosa (na sua essência) é o que está escrito em prosa (forma técnica).

b- Poesia (na sua essência) é o que está escrito em verso (forma técnica).

Como se vê, tal disposição faria, na realidade, distinção apenas entre prosa e verso, além de identificar poesia e verso, quando a poesia pode aparecer em verso ou em prosa.

Por isso, na distinção entre prose e poesia deve-se tomar por base o “conteúdo que as palavras transmitem e a postura assumida por que pretende transmiti-lo” (Massaud Moisés).

Note-se, entretanto que, participando – tanto a prosa quanto a poesia – da mesma natureza, utilizando-se dos mesmos signos, sendo deformações da realidade, é claro que poesia e prosa se assemelharão em vários pontos. Entretanto, à poesia interessa apenas o mundo interior, o “eu” do poeta, “seu objetivo verdadeiro é o reino infinito do espírito“. O poeta volta-se para dentro de si mesmo, para as camadas interiores de seu ser, de sua alma, buscando nelas seus sentimentos, suas emoções. Pode-se dizer, portanto, que

Poesia é a emoção (pessoal) através da palavra.

A paisagem exterior só interessa ao poeta como projeção de seu próprio “eu”, ou quando aparece interiorizada, ou ainda quando desperta certos ecos na alma do poeta, fazendo com que ele saia de dentro de si mesmo, projete-se na Natureza e retorne à sua própria alma, como nos versos abaixo:

Já o Sol se encobria
a este tempo, mais
ficando a terra sombria,
e o gado nos currais
já então se recolhia;
ouvi cães longe ladrar,
]e os chocalhos do gado
com um som tão concertado,
que me fizeram lembrar
de quanto tinha passado.
(Bernardim Ribeiro)

Ou ainda nesses, de Fernando Pessoa:

Contemplo o lago mudo
Que a brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Quando aparece na poesia a paisagem a realidade exterior, “o mundo subjetivo e objetivo aderem-se, embrincam-se formando uma só entidade, subjetivo-objetiva, com a forçosa predominância do primeiro“.

Além dessa distinção, podemos observar que se a linguagem da poesia conserva, até certo ponto, a ordem lógica necessária à inteligibilidade – mesmo que esta não seja essencial – essa ordem lógica é muito mais necessária na prosa, já que ao prosador interessa antes a realidade objetiva, a realidade que o cerca, do que seu mundo interior, caótico e vago. Daí a razão de o prosador lançar mão da lógica ao produzir sua obra literária, lógica que não existe, necessariamente, na obra poética. Embora tanto o prosador quanto o poeta usem a metáfora, ela é menos vaga, menos ambígua na prosa do que na poesia, pois “a linguagem da prosa retrata, descreve, fixa, narra os aspectos históricos, visíveis, que estão à mercê da observação de todos” (Massaud Moisés).

Feita a distinção entre prosa e poesia pelo tom interior de uma e outra, e pela linguagem que as caracteriza, resta dizer que a poesia manifesta-se, geralmente, através do verso, ou seja, num ritmo mais acentuado que o da fala habitual, caracterizando-se na representação gráfica por linhas cortadas com certa regularidade, como no exemplo abaixo:

Oh, quem me dera não sonhar mais nunca.
Nada ter de tristeza nem saudades
Ser apenas Moraes sem ser Vinícius!
Ah, pudesse eu jamais, me levantando
Espiar a janela sem paisagem.
O céu sem tempo e o tempo sem memória!
Que hei de fazer de mim que sofro tudo
Anjo e demônio, angústias e alegrias
Que peco contra mim e contra Deus!
Às vezes me parece que me olhando
Ele dirá, do seu celeste abrigo:
Fui cruel por demais com esse menino…”
(Vinícius de Moraes, “Elegia, quase uma ode”, Op. cit., pág. 72)

Pode aparecer, ainda, de modo contínuo, num ritmo mais natural, mais identificado com o da fala habitual; graficamente se representará preenchendo linhas inteiras da página, como no seguinte exemplo:

SOM

“Trago todas as vibrações da rua, por um dia de sol, quando uma elétrica corrente de movimento circula no ar…
Mas, de todas a vibrações recolhidas, só me ficou, vivendo a música do som no ouvido deliciado, a canção da tua voz, que eu no ouvido guardo, para sempre conservo, como um diamante dentro de um relicário de ouro.
Cá está, cá a sinto harmonizar, alastrar em som o meu corpo todo, como flexuosa serpente ideal, a tua clara voz de filtro luminoso, magnética, dormente como um ópio…
Muitas vezes, por noite em que as estrelas marchetam o céu, tenho pulsado à sensação de notas errantes, de vagos sons que as aragens trazem.
As fundas melancolias que as estrelas e a noite fazem descer pelo mar ser, da amplidão silenciosa do firmamento, dão-me à alma abstratas suavidades, vaporosos fluidos, sinfonias solenes, misticismos, ondas imensas de inauditas sonoridades.
E, calado, na majestade sombria da Natureza, como num religioso recolhimento de cela, vou ouvindo, esparsos na vastidão, esmorzando nos longes, entre redondos tufos escuros de folhagem, onde se oculta alguma luxuosa existência de mulher, inebriantes sons de peregrinas vozes ou de invisíveis instrumentos.
E os sons chegam, vêm até mim, na estrelada tranqüilidade da noite, frescos e finos, como através de rios claros que nevassem ou de vagas embaladoras que o frio luar prateasse.
E eu penso, então, nessas simpáticas, corretas atitudes e expressão da música.
Vejo, na nitidez de cristal do pensamento, a harpa, sonora asa de ouro, com as cordas tensas, dedilhada por brancas mãos aristocráticas que arrancam dela frêmitos, soluçantes dolências, plangências incomparáveis.”
(Cruz e Sousa, Missal, Obra Completa, Rio, Aguilar, 1961, pág. 424)

A prosa, por sua vez, aparece normalmente de modo contínuo, formando linhas inteiras, o que não impede que apareçam páginas de prosa em verso, como no seguinte exemplo:

“Em tanto que se ordena a brutal festa,
Nada sabiam na marinha gruta
Os habitantes da prisão funesta,
Que, ardilosa, lho esconde a gente bruta;
E enquanto a feral pompa já se apresta,
Toda a pena em favor se lhe comuta.
Nem parecem ter dado a menor ordem,
Senão que comam e, comendo, engordam.

Mimosas carnes mandam, doces frutos –
O araçá, o caju, coco e mangaba;
Do bom maracujá lhe enchem as grutas,
Sobre rimas e rimas de goiaba;
Vazilhas põem de vinho nunca enxutas
E a imunda catimpoeira, que da baba
Fazer costuma a bárbara patrulha,
Que só de ouvi-lo o estômago se embrulha.”
(Frei José de Santa Rita Durão, Caramuru, Rio, Agir, 1957, pág. 28)

Às vezes a poesia faz interferência na prosa, isto é, encontramos passagens poéticas em obras que classificaríamos seguramente de prosa. Está neste caso o trecho do romance Mar Morto transcrito abaixo:

“Lívia olha o mar morto de águas de chumbo. Mar sem ondas, pesado, mar de óleo. Onde estão os navios, os marinheiros e os náufragos? Mar morto de soluços, quedê as mulheres que não vêm chorar os maridos perdidos? Onde estão as crianças que morreram na noite do temporal? Onde está a vela do saveiro que o mar engoliu?E o corpo de Guma que boiava com longos cabelos morenos na água que era azul? Na água plúmbea e pesada do mar morto de óleo corre como uma assombração a luz de uma vela à procura de um afogado. É o mar que morreu, é o mar que está morto, que virou óleo, ficou parado, sem uma onda. Mar morto que não reflete as estrelas nas sua águas pesadas.
Se a Lua vier, se a Lua vier com sua luz amarela, correrá por cima do mar morto e procurará como aquela vela o corpo de Guma, o de longos cabelos morenos, o que marchou pela estrada do mar para o caminho das Terras do Sem Fim, das costas da Arocá.”

O trecho que sucede a esta marca um retorno à prosa, à narrativa:

“Lívia olha de sua janela o mar morto sem Lua. Aponta a Madrugada. Os homens que rondavam a sua porta, o seu corpo sem dono, voltaram para as suas casas. Agora tudo é mistério. A música acabou. Aos poucos as coisas se animam, os cenários se movem, os homens se alegra. A madrugada rompe sobre o mar morto.”
(Jorge Amado, Mar Morto, 16ª edição, pág. 262)

Nestas condições, tendo em vista a teoria e os textos apresentados, observamos que a distinção entre prosa e verso, no seu aspecto formal, não oferece nenhum problema. Os textos de Bernardim Ribeiro, Vinícius de Moraes e de Santa Rita Durão são escritos em verso, ou seja, em linha regulares cortadas, ao passo que os textos de Jorge Amado e de Cruz e Sousa o são em prosa, isto é, em linhas inteiras, que ocupam toda a página.

Quanto à distinção entre poesia e prosa, ou seja, prescrutando-se a essência dos textos, é de se notar que as composições de Bernardim Ribeiro, Vinícius de Moraes, Cruz e Sousa e a primeira parte do texto de Jorge Amado estão vazados numa linguagem que caracteriza a emoção pessoal, o modo de ver particular de cada autor, sendo, portanto, exemplos de pura poesia.

De outra sorte, o texto de Santa Rita Durão e a segunda parte do texto de Jorge Amado mostram uma ordem lógica, caracterizadora da realidade objetiva que cerca o autor, sendo, portanto, exemplos de prosa.

Resumindo:
1- Texto de Bernardim Ribeiro
a – quanto à forma: verso
b – quanto à essência: poesia

2- Texto de Vinícius de Moraes
a – quanto à forma: verso
b – quanto à essência: poesia

3- Texto de Cruz e Sousa
a – quanto à forma: prosa
b – quanto à essência: poesia

4- Texto de Santa Rita Durão
a – quanto à forma: verso
b – quanto à essência: prosa

5- Texto de Jorge Amado (primeira parte)
a – quanto à forma: prosa
b – quanto à essência: poesia

6- Texto de Jorge Amado (segunda parte)
a – quanto à forma: prosa
b – quanto à essência: prosa

Finalizando, diremos que o texto de Cruz e Sousa e a primeira parte do texto de Jorge Amado identificam-se como Prosa Poética, e o texto de Santa Rita Durão identifica-se como Poema em Prosa ou Prosa em Verso.
_______________

continua…
_______________
Fonte:
Colégio Terra Nova.

Deixe um comentário

Arquivado em Teoria Literária

Concursos com Inscrições Abertas

51º JOGOS FLORAIS DE NOVA FRIBURGO

Temas para âmbito nacional/internacional: PRAZER (lírica/filosófica) e DESESPERO (humorística).

Enviar para: A/C de Dilva Moraes. Avenida Ariosto Bento de Melo, 30 – ap. 502 – Nova Friburgo – RJ / CEP: 28610-100.
Temas para âmbito municipal (Nova Friburgo): DESERTO (lírica/filosófica) e VULTO (humorística).

Enviar para: A/C de João Freire Filho. Avenida Florianópolis, 773 – casa 03 – Jacarepaguá – Rio de Janeiro – RJ / CEP: 21321-050.

Máximo de 03 trovas, por autor, em cada tema.

Sistema de envelopes. Como remetente, usar Luiz Otávio e o mesmo endereço do concurso.

Prazo: 28/02/2010
G G G G G G G
XVI JOGOS FLORAIS DE CURITIBA – “Troféu Gledis Tissot”

REGULAMENTO

1) A UBT – Seção de Curitiba institui seu XVI Jogos Florais, cujos festejos de encerramento estão previstos para os dias 18, 19 e 20 de junho de 2010.

2) Temas para as trovas líricas ou filosóficas:
a)Âmbito nacional/internacional: MADRUGADA – para países de língua espanhola, Brasil (exceto Paraná) e demais países de língua portuguesa).
b) Âmbito estadual: IMAGEM
c) Âmbito regional/estudantil: ÁGUA (ensino fundamental e médio)

3) Temas para as trovas humorísticas:
a) Âmbito estadual, nacional e internacional (países de língua portuguesa): PIJAMA

4) As trovas deverão ser no máximo 3 por tema, inéditas, de autoria do próprio remetente e enviadas pelo sistema de envelope

5)Endereços para remessa:
a) Concorrentes de língua espanhola (L/F):
Enviar por e-mail para gislainecanales@gmail.com .

b) Concorrentes de língua portuguesa, inclusive Brasil, exceto Paraná (L/F e H): Rua Itupava, 791 – Curitiba – PR / 80060-272.

c) Concorrentes do Paraná (L/F e H): Rua Dona Cecília, 86/1600 – Belo Horizonte – MG / 30220-070.

d) Concorrente estudantil (L/F): Rua Maranhão, 2146, apto 303 – Curitiba – PR / 80610-001.

6) Prazo para remessa: 31/03/2010, valendo o carimbo postal.
G G G G G G G
II CONCURSO DE TROVA “CIDADE POESIA”

Temas (Âmbito Nacional/Internacional): CAMINHADA (lírica/filosófica) e RIMA (humorística)

Apenas uma trova inédita por tema.

Prazo: 15/04/2010.

Enviar para: A/C: Lola Prata. Caixa Postal 154 – Btagança Paulista – SP/ CEP: 12914-970
G G G G G G G
XX CONCURSO DE TROVAS DE PINDAMONHANGABA

Biblioteca Municipal “Rômulo C. D’Arace”

Ladeira Barão de Pindamonhangaba – Bosque – Pindamonhangaba – SP / CEP: 12401-320.

TEMAS:

– Âmbito regional (para trovadores de Pindamonhangaba e demais cidades do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Região Serrana): NINGUÉM.

– Âmbito nacional/internacional: MULTIDÃO.

– XV Juventrova: GALERA.

Máximo de 03 trovas (L/F), por autor, em cada tema.

Sistema de envelopes.

Prazo: 15/04/2010.
G G G G G G G
JOGOS FLORAIS DE CAMBUCI – 2010

Seção de Cambuci – UBT – RJ.

Tema (Âmbito Nacional/Internacional): MUSA
* necessidade de usar a palavra do tema. Sistema de envelopes. Uma única trova.

Prazo: 31/05/2010.

Premiação, em 25/09/2010: Troféu, diploma, hospedagem e passeio turístico.

Enviar para: Almir Pinto de Azevedo. Praça da Bandeira, 79 – Cambuci – RJ / CEP: 28.430–000
G G G G G G G
JOGOS FLORAIS UBT SECCIONAL MÉRIDA – VENEZUELA del 3 al 6 Dezembro 2010

Tema para os Trovadores de Língua Portuguesa: IMENSIDÃO

Tema para os Trovadores de Língua Espanhola: INMENSIDAD

Enviar para: carlosrodriguezsanchez@hotmail.com
con copia para: carlosrodriguezsanchez@yahoo.es

Para os Trovadores dos dois idiomas, enviar as 3 Trovas e junto, no mesmo e-mail, a identificação e endereço completo).

Máximo de 3 Trovas por tema

Prazo: 15 de junho de 2010.
G G G G G G G
CONCURSO NACIONAL DE POESIA DE MOGI DAS CRUZES

TEMA: “Mogi das Cruzes – 450 Anos”

Na poesia deverá constar “Mogi das Cruzes-450 Anos” mesmo que em versos separados, com abordagens a seus fatos históricos e/ou características da cidade: belezas naturais, economia, praças, ruas, monumentos, costumes etc. A fonte de consulta está disponibilizada nos sites http://www.pmmc.com.br , http://www.cultura.pmmc.com.br , http://www.comphap.pmmc.com.br , podendo ser pesquisado também em qualquer outra fonte como sites oficiais, google etc.

As inscrições estarão abertas de 10 de novembro de 2009 até dia 10 de março de 2010, através do site www.cultura.pmmc.com.br .

As poesias concorrentes deverão ser anexadas no momento da inscrição online.

Poderão participar poetas de todo o território brasileiro.

Cada poeta poderá concorrer com 01 (uma) poesia de até 30 linhas, de sua autoria.

As poesias deverão ser originais e inéditas: não terem sido publicadas na integra ou em partes.

Aos jurados e funcionários da Secretaria de Cultura de Mogi das Cruzes é vedada a participação neste concurso.

As poesias concorrentes deverão ser apresentadas em uma versão digitalizada, com formato de documento padrão do Microsoft Word (DOC) com as seguintes configurações: página padrão A5, fonte Arial, tamanho 11, margens mínimas de 2,5cm.

Todo material enviado não será devolvido.

A Secretaria de Cultura de Mogi das Cruzes comporá um júri técnico que selecionará: Oitenta (80) poesias que serão publicadas em uma antologia poética, editada pela Secretaria de Cultura de Mogi das Cruzes, com uma tiragem de 1000 exemplares.

Pelo menos 30% (trinta por cento) das poesias selecionadas serão de autores mogianos.

Serão considerados autores mogianos aqueles que residirem no município de Mogi das Cruzes.

Como prêmio, cada autor publicado receberá uma cota de 10 (dez) exemplares da Antologia editada.

O lançamento da Antologia Poética, será no dia 26 de junho de 2010, às 20h, no Theatro Vasques, quando serão anunciados os três primeiros colocados e a melhor poesia de autor mogiano.

TROFÉU: POETA NYSSIA FREITAS MEIRA.
1º COLOCADO: R$ 1.000,00
2º COLOCADO: R$ 800,00
3º COLOCADO: R$ 500,00

TROFÉU: ALICE ASSAKO NODA SAITO
A melhor poesia de autor mogiano receberá o prêmio de R$ 1.000,00.
G G G G G G G
CONCURSO UNE VERSOS

REGULAMENTO

1. Para o concurso TROVA é a forma poética composta de quatro versos de sete sílabas métricas cada um deles, com ocorrência de rimas do 1º verso com o 3º e do 2º com o 4º, tendo o conjunto sentido completo;

2. As TROVAS, em nº. de 02 (duas), LÍRICAS OU FILOSÓFICAS, serão enviadas até o dia 30 de março de 2010, EXCLUSIVAMENTE PELA INTERNET para trovauneversos@gmail.com ; devendo ser inéditas e de autoria do poeta ou poetisa concorrente;

3. Serão acolhidas TROVAS somente em língua portuguesa, o que não exclui os trovadores de outros países, desde que se sirvam dessa língua;

4. Do e-mail deverão constar obrigatoriamente: Nome do autor (completo); Endereço postal (completo); Nº. do telefone (se houver); E-mail; TROVAS (duas).

5. As TROVAS terão por temas: MUSA (S) – concorrentes domiciliados no Estado do Rio Grande do Norte; SILHUETA (S) – à exceção do Rio Grande do Norte, para os demais estados do Brasil e outros países; CANÇÃO (ou CANÇÕES) – para estudantes iniciantes na trova residentes na microrregião do Seridó/RN;

6. A Comissão Julgadora escolherá em cada segmento 10 (dez) trovas, assim distribuídas:
1º, 2º e 3º lugares – Trovas Campeãs (Ouro / Prata / Bronze); 4º, 5º e 6º lugares – (Menções Honrosas); 7º, 8º, 9º e 10º lugares – (Menções Especiais).

7. Aos vencedores serão concedidos DIPLOMAS de acordo com a classificação;

8. O site TROVA UNE VERSOS anunciará o resultado ATÉ o dia 20.04.2010;

9. Trovas que estiverem em desacordo com os Artigos deste Regulamento serão excluídas automaticamente do Concurso e a remessa de mais de 02(duas) trovas resultará na desclassificação do(a) participante;

10. Pela simples remessa das TROVAS o (a) concorrente aceita as normas do presente regulamento;

11. Levado ao conhecimento público o resultado do certame, a trova não inédita, comprovada por qualquer meio no prazo de dez dias após a divulgação, será automaticamente desclassificada;

12. Outros informes serão obtidos pelo site: www.trovauneversos.com.br (na seção Informativo); dúvidas pelo e-mail: trovauneversos@gmail.com .
G G G G G G G
23.º CONCURSO NACIONAL DE CONTOS CIDADE DE ARAÇATUBA

Inscrições: de 1º/2 a 4/5/2010 (carimbo do Correio).

Premiação: 8/9/ 2010, em Araçatuba

Endereço para remessa dos contos: Secretaria Municipal da Cultura
Rua Anita Garibaldi, 75 – CEP 16010-280 – Araçatuba-SP

Mais informações:
http://www.concursodecontos.blogspot.com/
http://www.secretariacult.blogspot.com / secretariacult@gmail.com
18 3636-1270

Regulamento

1. O conto deve ser encaminhado em quatro vias de papel sulfite A4 e gravado em CD. No verso do envelope deve constar o pseudônimo escolhido pelo concorrente e endereço completo. Os dados na folha de papel devem os mesmos ser do CD. O pseudônimo deve vir escrito no texto (de eletrônico e papel) e também na parte externa do CD , com caneta adequada.

2. Junto ao conto, num envelope menor, deverão ser enviados o currículo do autor e a Ficha de Inscrição, com todos os dados preenchidos, e assinada pelo concorrente. Deve ser também assinada (com firma reconhecida em Cartório) uma autorização de eventual publicação em coletânea do conto do 23. º Concurso de Contos Cidade de Araçatuba. Resumo: O envelope menor, lacrado e assinado, contendo ficha de inscrição, currículo e autorização, será postado dentro do envelope maior. O participante de Araçatuba deverá acrescentar comprovante de residência (conta de água, luz ou telefone fixo).

3. O participante que não atender a qualquer requisito ou solicitações, automaticamente estará desclassificado.

4. Serão indeferidos os trabalhos postados após um limite de dados de 04 de maio de 2010.

5. Os contos deverão ser inéditos, escritos em português, de duas até dez páginas, em papel sulfite A4, digitados com espaço dois e fonte Times New Roman, corpo 14, margens de 2 cm.

6. Cada participante poderá concorrer com um conto só, independente de pseudônimos. Após a conclusão do concurso, a Secretaria da Cultura publicará os 16 contos vencedores numa antologia. Ou seja, os três primeiros colocados de cada categoria e suas respectivas menções honrosas.

7. Comunicados e resultados serão divulgados pelo blog da Secretaria Municipal da Cultura: http://www.concursodecontros.blogspot.com/ .

8. Não haverá acúmulo de prêmios entre os níveis nacional e local.

9. A Comissão Julgadora será selecionada pela Secretaria de Cultura.

10. A Comissão Julgadora é soberana e a ela também caberão quaisquer possíveis decisões com relação aos casos omissos.

Prêmios (nível nacional)
1. º Lugar: R $ 3 mil
2. º Lugar: R $ 2 mil
3. º Lugar: R $ 1 mil

Cinco menções honrosas
Prêmios (nível local)
1. º Lugar: R $ 3 mil
2. º Lugar: R $ 2 mil
3. º Lugar: R $ 1 mil

Cinco menções honrosas
Ficha de inscrição

Secretaria Municipal da Cultura
Prefeitura Municipal de Araçatuba-SP
23. º Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba

A ficha de inscrição deve ser digitada na seguinte sequência:

Nome literário (com que assina as obras):
Contista (nome completo constante do RG):
Pseudônimo adotado para o concurso:
Endereço (rua, número, complento, CEP):
Cidade e Estado:
Telefones (havendo, colocar o fixo, celular, da casa e do trabalho):
E-mail:
Site ou blog:
RG:
CPF:
Conta bancária em que deve ser depositado o prêmio, caso seja vencedor. Poder se conta corrente ou conta poupança.
Dados
Assinatura
Sugestão de modelo de autorização:

Autorização
Autorizo a publicação de meu conto “………………..”, caso seja classificado entre os 16 premiados, incluindo menções honrosas, no 23. º Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba, versão 2010, em coletânea própria do certame, sem pagamento de direitos autorais, desde que me seja dado o crédito da autoria.
Cidade e data
Nome digitado

Assinatura com reconhecimento de firma
RG:
CPF:
G G G G G G G
XVIII CONCURSO DE POESIA E PROSA DA ACADEMIA DE LETRAS DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA

OBJETIVOS

Revelar poesias e trabalhos em prosa, inéditos; aprimorar o gosto pela arte literária; e incentivar novos talentos.

Tornar enaltecidos imortais da Academia de Letras de São João da Boa Vista, que dão nome aos prêmios do primeiro colocado, em cada categoria literária do concurso, bem como o patrono de cada edição.

Poesia – Prêmio Emílio Lansac Toha
Prosa – Prêmio Fábio de Carvalho Noronha

CONCORRENTES

Podem se inscrever todos os interessados, em ambas as categorias, COM APENAS UM TRABALHO EM CADA CATEGORIA.

Cada trabalho deverá ser digitado ou datilografado EM CINCO VIAS, espaço um e meio, de um só lado do papel (A4), contendo, NO MÁXIMO, TRÊS FOLHAS, fonte Arial 12.

O tema é livre, sendo exigido texto inédito.

O concurso, vedado aos Membros da Academia de Letras de São João da Boa Vista, envolverá TRÊS FAIXAS ETÁRIAS: até 12 anos, de 13 a 18 anos, de 19 anos em diante.

INSCRIÇÕES

Os trabalhos deverão ser enviados para: Academia de Letras de São João da Boa Vista, Rua Bruno Balestrin, 79 – Perpétuo Socorro – CEP: 13870-549 – São João da Boa Vista – SP, aos cuidados de Ana Lucia Finazzi.

Os textos deverão ser remetidos em dois envelopes. O primeiro, maior, deve ter, por fora, no alto, a identificação da categoria literária a que se está concorrendo (poesia ou prosa), além do endereço da Academia. Dentro desse envelope, o trabalho do autor, não identificado, (apenas com pseudônimo) e um outro envelope menor, fechado, onde constem, na face externa: a idade, o pseudônimo do autor e o nome da obra; dentro desse envelope menor, a ficha de inscrição devidamente preenchida. (vide modelo no final do edital). Não será necessário enviar currículo ou cópias de documentos.

O prazo para a entrega dos trabalhos será de 01 de março a 28 de maio de 2010. Em caso de remessa pelo correio, a data do carimbo postal deverá respeitar o prazo supracitado.

JULGAMENTO

Será realizado entre os dias 1º de julho a 13 de agosto de 2010, pelas Comissões Julgadoras.

PREMIAÇÃO

Ocorrerá no dia 25 de setembro do corrente ano, em Reunião da Academia de Letras, que será realizada no local a ser definido. Os trabalhos de cada gênero serão classificados até o terceiro lugar, sendo que os primeiros classificados de cada categoria receberão Placas com seus nomes e o nome do Patrono. Receberão, também, Diploma com suas classificações.

Os segundos classificados de cada gênero receberão Placas com seus nomes e Diplomas com suas classificações.

Os terceiros classificados receberão Diplomas de Classificação.

Os primeiros classificados, de cada categoria, terão seus trabalhos publicados no Espaço Literário da Academia de Letras, no jornal local “O Município” e no site da Academia, facultada a esta a publicação de outros classificados.

Não serão expedidos certificados de participação aos demais concorrentes. Aos premiados de cada categoria, será solicitado o envio das obras em versão digitada, via e-mail.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

A simples remessa de trabalhos significa aceitação completa deste regulamento. Os casos omissos serão julgados pela Comissão Organizadora, a quem cabe decisões definitivas e irrecorríveis. Os trabalhos remetidos, premiados ou não, passarão a pertencer à Academia de Letras e estarão arquivados por 1 (um) ano. Recomenda-se ao autor manter uma cópia em seu poder. Dados incompletos na ficha de inscrição implicarão na desclassificação do concorrente.
Mais informações no site www.alsjbv.com.br ou pelos e-mails analuciafinazzi@uol.com.br , academiadeletras@alsjbv.com.br .

São João da Boa Vista, março de 2010.
Maria Célia de Campos Marcondes – Presidente
Ana Lúcia S. S. Finazzi – Coordenadora
Veja abaixo modelo de ficha de inscrição

FICHA DE INSCRIÇÃO
Nome completo:
Pseudônimo:
Idade:
Endereço:
Bairro:
CEP:
Cidade:
Estado:
Telefone :
E-mail:
* Nos casos de alunos, mencionar o nome da escola e dos professores orientadores.
G G G G G G G
4º CONCURSO DE POESIA DO ESPAÇO CULTURAL SÃO PEDRO DA SERRA – São Pedro da Serra — 7° distrito de Nova Friburgo/RJ

1. Participação:
Será aberta a todos os autores que escrevam em Língua Portuguesa, residentes no Brasil

2. Inscrições:

a) De 14 de fevereiro de 2010 a 31 de julho de 2010, valendo o carimbo dos Correios

b) Enviar para: Rua Helena Coutinho 60 – Braunes – Nova Friburgo/RJ – CEP: 28611-100 – A/C de Sérgio Bernardo

3. Modalidade:

a) Poesia de versos livres, com no máximo 40 versos

b) Não serão aceitas poesias clássicas
4. Categorias:

a) De 8 a 12 anos / b) De 13 a 15 anos / c) De 16 a 18 anos / d) Adulta

5. Tema: Árvore (s)

6. Apresentação:

a) Cada autor só poderá participar com 1 (um) trabalho inédito, sob pseudônimo

b) O trabalho será datilografado ou digitado em folha branca A4, não sendo aceitos trabalhos manuscritos

c) Serão enviadas 6 (seis) cópias e nelas deverão constar o título do trabalho, o pseudônimo do autor e categoria (de 8 a 12 anos; de 13 a 15 anos; de 16 a 18 anos; e adulta).

d) As cópias devem ser colocadas num envelope grande, que deverá ser enviado única e exclusivamente para o endereço acima, sob pena de desclassificação

e) Junto, o autor colocará um envelope menor, lacrado, contendo na parte externa o título do trabalho, o pseudônimo do autor e a categoria; e dentro do envelope, uma folha com o título do trabalho, o pseudônimo usado, o nome do autor, a categoria, o endereço completo, telefone, e-mail (caso tenha) e assinatura do autor (obrigatória)

f) A quebra do anonimato desclassificará o autor

g) Qualquer sinal de plágio desclassificará o participante

7. Julgamento:

As comissões julgadoras serão compostas, cada uma, por 5 (cinco) elementos ligados à poesia e/ou à arte, de uma forma geral

8. Resultados:

Serão divulgados a partir do dia 1º de setembro de 2010, por correio ou internet

9. Premiação:

a) Os vencedores receberão diplomas e livros de poesia

b) A premiação será realizada no dia 9 de outubro de 2010, sábado, às 17 horas, no Espaço Cultural São Pedro da Serra, em São Pedro da Serra, Nova Friburgo/RJ

10. Casos omissos:

Serão decididos de comum acordo entre as comissões organizadora e julgadora

11. Coordenação geral:

Sérgio Bernardo – E-mail: concpoesia2010@ig.com.br

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Deixe um comentário

Arquivado em Concursos em Andamento

Airton Monte (Os Passarinhos Fujões)

Escrevo e já é domingo. Hoje, não bati o ponto na tradicional macarronada com galinha à cabidela do vetusto Solar dos Monte. Hoje, anseio apenas e indispensavelmente um cantinho sossegado pra ler um livro, ouvir um disco, fazer um poema, escrever uma carta besta de amor, um bilhete de suicida.

Ou, simplesmente, postar-me diante da janela escancarada e desfrutar da paisagem quando me bate esse cansaço de nada, esse tédio absoluto de tudo, essa benevolente preguiça, esse estar no mundo despido de compromissos urgentes.

A verdade verdadeira é que sou um domingueiro típico, suburbano, um domingueiro de anedota. O máximo esforço a que me permito é andar até a cozinha pegar uma cerveja no congelador. Isso, se não tiver quem vá.

Domingo, nem o velho e grande gato gordo, que habita o telhado em frente, persegue inutilmente os pombos ilusórios pousados nos beirais. Sim, sou igual ao velho e grande gato gordo, folgado, macunaímico, lagarteando sob o sol.

Aliás, um felino muito mais sábio do que muitos bípedes pensantes.

Domingo é o dia mais apropriado pra se ler poesia. Afinal, poesia é o pão do espírito, se bem que certos poetastros nos fazem comer o pão que o diabo amassou.

Não é o caso desses versos que me emocionam profundamente sempre que os leio, do poeta Soares Feitosa: “Abram-se as janelas, que aqueles canários fugidos da gaiola podem voltar”. Por isso, não crio canários e odeio todas as gaiolas, a não ser a do meu peito onde bate asas meu coração eivado de um romantismo incurável e renitente.

Canários são palavras, gestos perdidos na distância, adeuses esquecidos na janela de um avião, o odor inesquecível de uma mulher depois que a gente faz amor.

Aos domingos, escancaro todas as janelas da casa e da alma. Pássaros fujões podem voltar em busca de ninho. Quem sabe uma palavra, frase, ponto final de um poema, um conto, uma canção, uma crônica.

Sim, manter perenemente as janelas abertas, porque os poetas sabem que os passarinhos fujões quase sempre voltam ao local do crime, pombos-correio do inesperado.

Fonte:
Soares Feitosa. Jornal de Poesia.

Deixe um comentário

Arquivado em O Escritor com a Palavra

Aloisio Alves da Costa (1935 – 2010) "In Memoriam"

Deixe um comentário

25 de fevereiro de 2010 · 00:13

Aloisio Alves da Costa (20 Novembro 1935 – 24 Fevereiro 2010)

Aloísio Alves da Costa, o “Velho Marujo” como gostava de ser chamado faleceu na data de hoje, 24 de fevereiro de 2010.

Aloísio nasceu a 20 novembro de 1935 em Umari/CE, filho de Vicente Alves da Costa e Vicência Alves Aranha. Ex militar da Marinha brasileira. Residiu bom tempo em Nova Friburgo, onde iniciou suas atividades poéticas obteve o honroso título de “Magnífico Trovador”. Publicou “Cantigas um sonhador” e “Cantigas de três”.
_____________

Trovas que Deixam Saudades

Quem não aprende em menino,
tem que aprender na velhice,
que ter pai pobre é destino,
mas sogro pobre é burrice!…

Minha irmã conta as topadas,
que já deu pelos caminhos,
pelas pedras arrancadas…
– E eu conto, pelos sobrinhos!…

Sambando quase pelada,
no ‘No bloco do vai sem medo”,
Paulete foi mais cantada
que o refrão do samba enredo..

Quando a noiva viu a cama
que a esperava pra dormir,
mandou sustar o proclama
e desistiu do faquir!…

Na farmácia, ao ver o busto
da balconista, hesitante,
em vez de xarope, o Augusto
pediu mesmo foi calmante!…

O que faz eu ter ciúme
da Rosinha – diz o Freire:
– É que a Rosa tem perfume
mas não é flor que se cheire…

Sendo orador de alta escala,
é tão profundo e erudito,
que a gente, quando ele fala,
só entende o… “tenho dito”.

Partiste, chorando tanto,
no teu rumo oposto ao meu,
que, solidário ao teu pranto,
o céu fechou-se… e choveu…

Na tua ausência, a meu lado,
em cima de nossa mesa,
o candelabro apagado
mantém a saudade acesa!…

Teimei no amor… e errei tanto
na teimosia de amar,
que eu mesmo não sei mais quanto
errei tentando acertar!…

Partiste, cigana errante,
e de uma noite em teu leito,
restou-me um sonho distante
e esta saudade em meu peito’…

Meu sonho em mágoa desfeito,
tão grande fez meu desgosto,
que não cabendo em meu peito
se fez pranto em meu rosto!…

Feito de essência divina
e fluídos de eternidade,
um grande amor não termina,
mas se transforma em saudade!

Dando na alma embevecida,
laços de amor e amizade,
fui, na jangada da vida
um pescador de saudade!…

Sempre que a vida me nega
segurança nos meus passos,
minha esperança me pega
e me carrega nos braços!

Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!

Quando a vida se complica
nas horas de solidão,
amigo é aquele que fica
depois que os outros se vão.

Não busques falso tesouro
se bens duráveis garimpas…
Nem sempre as mãos que têm ouro
e pedras raras, são limpas…

Castigado desde cedo,
tanto apanhei do destino,
que nunca tendo um brinquedo,
nem lembro que fui menino.

Dói a saudade em meu peito
e eu canto, não silencio…
Quando mais pedras no leito,
mais alto o canto do rio!…

Nem ouro, nem pedra rara,
nada que vem do garimpo,
vale um fio de água clara
no leito de um rio limpo…

Quando a voz de um pai ressoa
e a de um filho abaixa o tom,
conselho é semente boa,
plantada em terreno bom!

Sou de onde o vento trabalha,
lá onde a brisa fagueira
embala de leve a palha,
beijando a carnaubeira! …

Era uma vez uma dona
que andava a pé, sem ninguém;
e tanto pediu carona,
que ganhou carro também! …

Teu olhar… a voz macia…
tuas promessas de amor…
– são notas de fantasia
na pauta da minha dor.

Dos jogos o mais nocivo,
até hoje, em meu caminho,
tem sido o rebolativo da mulher
do meu vizinho!

Dos ideais o maior
é viver, lutar, e, após,
deixar um mundo melhor
aos que vêm depois de nós.

Enquanto o Zé Liberato
sai em busca da gatinha,
pela janela entra um gato
que janta a sua sardinha!

Creio em Deus, unicamente
não ando rezando à-toa…
– tenho uma alma que sente
e um coração que perdoa!

Somente um bem acontece
quando a gente cai doente:
doente é que se conhece
quem é amigo da gente.

Vejo em ti, coroa rica,
dois males que não têm cura:
– capa de pura pelica,
– cara de pelanca pura!

De olhos baços, pelas ruas,
vi, distante de Belém,
que sem a chuva das duas,
saudade molha também!

Já diz o velho ditado,
que lenha verde e viúva,
com paciência e cuidado
pegam fogo até na chuva!…

Quando a lei se faz omissa
e a impunidade se solta,
do silêncio da justiça
surgem gritos de revolta…

Não condeno o revoltado
que defende seu direito…
-revolta de injustiçado,
merece todo respeito!

Quando instantes de carinho,
trazem saudades depois,
lembrança é viver sozinho
de um sonho vivido a dois.

Quando não vens, na ansiedade
desses momentos perversos,
vem a musa da saudade
pôr mais saudade em meus versos.

Agora que tu partiste
e a saudade está chegando,
desculpe o meu verso triste,
minha musa está chorando!…

Volátil, discreta e doce,
no instante certo, presente,
a musa é como se fosse
o anjo-da-guarda da gente…

As musas, não posso vê-las…
vivem num mundo distante…
mas posso além das estrelas
ouvi-las a todo instante

No momento doce e breve
que a inspiração nos invade,
dos versos que a gente escreve,
a musa escreve metade!…

Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!

Preguiçoso, o “ZÉ PIJAMA”,
Tanta preguiça agasalha,
Que a mulher só não reclama
Porque o vizinho trabalha.

Mensagem de amor profundo,
nos deu o Mestre Divino…
O maior homem do mundo
antes foi pobre menino!…

Esta saudade infinita
do amor que a gente viveu,
é a mensagem mais bonita
que o meu passado viveu!…

Vencendo o tempo e a distância,
mensagens da mocidade,
sempre nos trazem da infância,
saudade … muita saudade…

Mensagem que se recebe
e nos enche de quimeras,
é aquela em que se percebe
que as palavras são sinceras

Ante o medo que angustia,
talvez a grande mensagem,
fosse a que Deus nos diria …
– Coragem, filho, coragem …

Dói a saudade em meu peito
e eu canto, não silencio…
Quanto mais pedras no leito
mais alto o canto do rio!

Na tua ausência, ao meu lado
em cima da nossa mesa,
o candelabro apagado
mantém a saudade acesa.

Dentro da noite inclemente
De frio intenso e garoa,
o agrado de um beijo quente
garante que a noite é boa!…

– Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas!

– Quando o amor se faz lembrança
e a solidão nos invade,
ou se vive de esperança
ou se morre de saudade…

– Quando Deus fez da Trindade
a divina aventurança,
entre a fé e a caridade,
pôs em destaque a esperança…

– Na carta que ela me fez,
nas reticências sem fim,
a incerteza de um “talvez”
dá-me esperanças de um “sim”…

Na linha desta saudade,
que é tua e também é minha,
nós somos nós de verdade
nas duas pontas da linha!

Passa o tempo, a idade avança…
e na velhice inclemente,
a velha, numa cobrança
mata o velho… inadimplente…

Toda noite na gandaia,
vai muito mal a Loló…
Pois perdeu além da saia
outras coisas no forró.

______________
Fonte:
UBT Juiz de Fora

Deixe um comentário

Arquivado em Balaio de Trovas, Ceará., Nota de Falecimento

Batista de Lima (Navegando num Mar de Poesias)

Pródigo

Sempre retorno para casa
não para a casa
para onde sempre retorno

Retorno para uma outra casa
que carrego aos ombros
para outra casa
que me carrega aos ombros

Sempre carrego essa casa do retorno
que cabe em qualquer casa
e não cabe em casa alguma

Não adiante a casa onde nasci
nem a casa onde todo dia nasço

A casa que carrego
não tem portas nem paredes
nem ocupa terreno algum

A casa que carrego
é apenas uma casa
uma profunda e vasta casa

A Casa de meu Avô

A casa de meu avô
tem histórias que o vento
esqueceu nas cumeeiras

Traços traçam
amarelo de tempo
nas pessoas dos retratos
No chapéu de meu avô
o peso do esperar
pendurou-se nas abas

O último cachorro
deixou seu jeito no canto da porta
seu grito no longe da serra
e no susto dos bichos

Nos varais as marcas dos panos
se envergonham de nudez
Nos baús o cheiro dos lençóis
espera a vida
que se esvaiu pelas frechas

A casa de meu avô
é uma dor sem jeito



O que faz mais dura a solidão
é tirar de mim o que me falta

O que faz doer a solidão
é sua sede
é ter que arrancar
destas entranhas
um oceano de podridade
de quem freqüentou a escola das facas
onde o que corta não é o gume
mas a falta da lâmina

O que fere não é a dor
é sua ausência assassina
pendurada nos cabides da alma

O que dói na solidão
é ter que amar
e amar é perder uma banda
é extrair um bonde de um homem
é extrair um bosque de uma mulher

O que mais fere na solidão
é sua inscrição cravada em brasa
no braço inútil do verso
uma família em torno da mesa
comendo pratos de silêncio

O que mais dói na solidão
é perder de mim
os outros que carrego
o segundo contra o primeiro
o terceiro que instiga
o quarto que dorme
o quinto que inicia
uma infinidade de outros

O que dói na solidão
é essa batalha que não acaba mais
entre guerreiros invisíveis
enquanto um boi passeia nas nuvens
e uma bicicleta muge
já que os verdes anos foram nulos
para quem nasceu maduro
para quem perdeu o ciso
na primeira dentição
e o cordão umbilical
nos bicos de um galo cego
Ia prás bandas da Cipaúba

Quanto dói
ver a velha mangueira se desfazendo
velha velha mangueira
por quanto tempo roerei
teus nós
por quanto tempo aguardarei
a manga que os passarinhos
bicam
no último dos galhos

O que dói na solidão
é o vira-lata sozinho
revirando o deserto
da cidade esquecida nas ruas
é ter um pai com muitas capas
todas com seus mistérios
se desfazendo em barro
por um caminho que m’espera

O que mais dói na solidão
é ter na mão uma chave
que nada abre
que nada abre
O que mais dói na solidão
é não se poderem conter
os fantasmas que teimam
em saltar das sombras
de cada canto
São essas cobras
passeando em nossa cabeça
serpentário infindável

Difícil conviver
com a inesgotável solidão
mais difícil mesmo
é compor o verso
sem a vaca no divã
triste luna
rodonoite
áspera/mente

Só mesmo a roda grande
s’escondendo em menor roda
Só mesmo a bicicleta
pendurada no trem noturno
Só mesmo a melancia
no rio em cheia
boiando
E os carneiros na mesa grande boiando
os teus olhos boiando na bandeja
os teus seios boiando no cuscus
os teus sais boiando nas iguarias
os teus ais boiando na rememória

O que mais dói
não é tua ausência
mas tua presença
estando longe
Lembra-te pois do açude
onde as águas ainda nos guardam
e os peixes nos carpem
em lágrimas de cumplicidade

Lembra-te da porta marcada
pelos mistérios de estar fechada
da casa retendo a mesa onde
saboreávamos os silêncios familiares
e escrevíamos a história da solidão
no livro branco do cotidiano

A solidão mora lá e é manca
e usa bengala preta
e óculos no nariz
e se veste de uma veste que nunca muda
e tem na mão fechada a chave da
nossa libertação

Solidão solidão
meu coração é uma cidade
entre muralhas
esperando tuas chaves

Solidão solidão
certa vez em Mombaça
pedia esmolas p’ra São Sebastião
e desenhei teu corpo num surrão de mangas
e em bandas de coité de brejo
Desenhei teu corpo
num portão de vidro
éramos dois
que não eram dois
Éramos dois e só um sol
a claridade e seu dorso
a clara idade e sua dor

Solidão solidão
estamos em pleno mar e não
há mar nenhum
Estamos em pleno sono
e não há qualquer sonho
só minha mão como um rosto
cortando em muitos
o luar de agosto

O que dói na solidão é ter
Ter é estar preso
pesar pesadamente fixo
Não ter
é poder voar
Leve
levo-me às alturas
lavo-me candura
com o vôo esculpido
no azul azul
o azul está no prato
servido e sorvido
seres vivos
estamos nele
e ele em nós
pasto de pasto
repasto
solitariamente circular
rodando em torno da roda
A solidão eixa e deseixa
em roda
quanto mais vemos
menos vivemos
coração coração

Tenho ossos e mais ossos
a rodear
Que tenho feito senão rodear
nunca quebrei o fêmur do que está posto
nem a tíbia das situações sem jeito
Rodear é fugir
Solidade
quando chegamos ao trem
não havia trilho
No açude não havia água
só a dor do pescador
dois meninos
engolindo uma duna
e uma duna engolindo um astro
uma foto de uma foto partida
onde o instante enterrou-se
A solidão é uma foto em que
se retorce
um inconformado instante

Solidão é desencontrar-se nos próprios passos
nos próprios ossos
perder o azul do firmamento
deixar de extrair gerânios
das pedras e de suas raízes
deixar de pentear os raios do sol
desarredondar a lua em luares
atravessados

Uma casa é uma caixa
de apenas portas
e abertas todas
uma casa é um avesso
um delírio espesso
vasto berro de barro
vagido e gozo
vôo espargido
de sonho e suspiro

Minha solidão é nódoa grudada
no ombro esquerdo do corpo
onde jaz a mala
das minhas desventuras

Minha mãe é a terra
e cumpro seu estatuto
em retomar ao seu ventre
meus filhos todos me seguirão
vastíssimos sonhos
de/verão

Tarde tarde
a solidão me salga as horas
a mulher que retém o homem
suas asas e águas
rio seco
areia de leito
íngua cortada
ferida tratada a urina
caborge
no meu pescoço levo teu pescoço
teus passos laçados
teu poder de vôo
teu grito guardado

Solidão é Laura de costas
Laura láurea loura
minha querida Laura
chorarei lágrimas douradas
quando tua nudez
se esculpir no relâmpago

Querida Laura
recupera aquele instante
em que nossos dedos se
tocaram
e nos perdemos

Recupera o instante anterior ao toque
quando a correnteza era mais forte em mim
o despencar mais vertical
retendo aqui esse abismo
que me engole

Recupera teu pai
e a cuia
que enchamos de esperanças
antes do leite

Recupera tua mãe
e a chuva fina
no telhado

Recupera as águas
que nos levaram
e lavaram
nossos sais
o céu azul
o curto mundo
onde só o coração era vasto

Recupera as curvas
dos caminhos

Recupera o fogo de
monturo em nós

Se não me queimo
não posso iluminar
se não te firo
não extraio de ti o coração
“rosa vermelha
do meu bem querer”

Na noite tarde
o que resta é meu corpo lá
e eu daqui
olhando sua/minha posição fetal
e essa angústia de perdê-lo de vista
Não sei quando perderei
essa dor
de perder a casca
a casa do ser não importa tanto
se tantas se erguem
Só o ser é uno
solitariamente nu
e eu molusco
a vida inteira tenho construído essa casca
que me expele e me retém
escravo da construção
construir é viver
terminar a casa é terminar-me
é expulsar-me da casca construída

Foi fácil colocar a flor
atrás da flor
e ficar de uma só flor
reinventando pomares

Foi fácil reverter a manhã
colocando alvoreceres
de sol a pino
Foi fácil engatinhar
pelas galáxias
semeando brancas nuvens

Houve no entanto
um difícil momento
mudar o destino da tarde

Solidão solidade
quando procurarei no bolso
o poema
encontrei aberta uma artéria
e teu rosto de fada
tua avó morrente
uma floresta escura

Quando procurei no bolso
o poema
encontrei um mistério esculpido
algumas lavadeiras
oito bicicletas
e uma tia puxando um terço
solitária

Quando procurei no bolso
o poema
te vi mais uma vez
prima/vera/ndo
Vi também uma dor sangrando
solitária

Nos nossos bolsos pulsam
os meninos que enxotam o demônio
escondido num cupim
e uma mulher de tarrafa
tentando pescar o mar
nas entranhas de um peixe

Nos nossos bolsos
pulsa o destino do poetar o
revirar cada coisa para
desvendar seus mistérios
enquanto meus mistérios
para trás vão ficando
cada vez mais distantes
cada vez mais distantes
————-

Fonte:
Soares Feitosa. Jornal de Poesia.

Deixe um comentário

Arquivado em O poeta no papel, Poesias

Batista de Lima (O Insepulto)

Terêncio Espinheira passava em frente à capela de São Raimundo quando sentiu travar o coração. Tombou, arrastou-se e morreu babando no último banco da igreja. O sacristão comunicou ao padre Otávio e foi avisar à família: duas filhas que com Espinheira moravam lá pras bandas do motor do arroz.

As duas receberam com alegria, a notícia, e não foram à casa santa, ver o corpo do pai. Pe. Otávio pediu um caixão ao Major Apolônio que, como prefeito, enterrava os mortos da cidadezinha por conta dos dinheiros municipais. Mas não havia caixão para Espinheira, destratador de políticos e destruidor do patrimônio público. A saída foi o velho sacerdote providenciar uma rede para conduzir o morto, e o fez constrangido porque muitas vezes, Terêncio, embriagado, invadira a igreja durante a santa missa, montado no seu cavalo cardão.

As filhas não compareceram pois festejavam a morte do pai com muitas rodadas de cerveja quente num reservado do Bar da Bia. Nunca mais apanhariam no meio da rua, do pai feito fera, apesar das suas idades, com mais de trinta anos cada uma. À tarde Pe. Otávio utilizou o serviço de som da igreja e pediu ajuda aos cidadãos de Sipaúbas para o transporte do defunto até o cemitério, ninguém apareceu. Nem adiantava, pois Gervásio, o coveiro, já se havia negado a cavar a cova, depois de tanto sofrer nas mãos de Espinheira. O vigário teve a idéia de pagar com o pouco dinheiro da coleta da missa a um carroceiro para carregar o morto. O carroceiro veio mas o burro puxador da carroça assombrou-se ao ver o morto e disparou de rua afora de carroça seca. Espinheira anoiteceu insepulto.

Já exalando mau cheiro, era alta noite, quando Pe. Otávio teve a idéia de colocar o cadáver num carro de mão e empurrá-lo até os fundos da igreja onde um riacho caudaloso transbordava em cheias de abril. Jogou o corpo na correnteza e veio desinfetar a capela.

No dia seguinte por mais de uma légua de riacho abaixo apareceram centenas de piranhas mortas, e nos invernos dos anos seguintes nunca mais correu água no riacho das Guaribas.

Fonte:
Soares Feitosa e Nilto Maciel. Jornal do Conto.

Deixe um comentário

Arquivado em O Escritor com a Palavra

Batista de Lima (1949)

Batista de Lima, nascido em Lavras da Mangabeira, CE (1949), embora pertença ao “grupo” da revista O Saco, pois seu primeiro livro, de poemas, é de 1977, passou a divulgar seus contos mais recentemente: O Pescador da Tabocal saiu em 1997 e Janeiro é Um Mês Que Não Sossega, em 2002.

Seminarista no Crato, formou-se em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especializou-se em Teoria da Linguagem na Universidade de Fortaleza, onde exerceu a chefia do Departamento de Letras e a diretoria do Centro de Ciências Humanas.

Cursou o mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará. Iniciou-se como professor de Português em colégios de Fortaleza.

Na vida literária deu os primeiros passos no Clube dos Poetas Cearenses. Mais tarde participou ativamente dos grupos Siriará, Arsenal, Catolé e Plural.

De poesia publicou os livros Miranças (1977), Os Viventes da Serra Negra (1981), Engenho (1984) e Janeiro da Encarnação (1995).

Na área do ensaio literário deu a lume, em 1993, Os Vazios Repletos e Moreira Campos: A Escritura da Ordem e da Desordem, e, em 2000, O Fio e a Meada – Ensaios de Literatura Cearense.

Membro da Academia Cearense de Letras.

Fonte:
Soares Feitosa e Nilto Maciel. Jornal do Conto

Deixe um comentário

Arquivado em Literatos do Ceará, O Escritor com a Palavra

Airton Monte (Ave Noturna)

– Seu doutor, o álcool comeu meu juízo. Daí cortei o pulso a gilete, engoli caco de vidro, bebi veneno de cobra e o veneno roeu minhas palavras. Desde então fiquei mudo, com medo das pessoas. Como falar com as pessoas? Como fazê-las entender meu mundo partido em dois, três, sei lá quantos pedaços? Não, eu não estou delirando agora. Consigo sentir-me por dentro de mim, domino meu próprio corpo. Sou eu quem fala agora. Não os outros que sobrevivem por baixo de minha pele.

– Seu doutor, me dê um cigarro, me faça carinho na cabeça como minha velha mãe fazia. Sim, agora eu me lembro como a casa era escura. De como o cheiro de mato verde espalhava-se de fora para dentro da casa nas tardes de sábado. Meu pai montava um cavalo preto e suas esporas de prata tilintavam. Eu desenhava na parede do porão figuras mágicas, meio gente, meio bicho, sempre com os dentes arreganhados. De noite elas saltavam das paredes e me mordiam os braços, as pernas, me puxavam da rede, não me deixavam dormir.

– Seu doutor, vamos brincar de ciranda? A vida não é uma ciranda? Se o senhor não sabe disso é porque está louco também. Quem somos, os loucos? Diante de vocês, separados de vocês pela tênue linha, duvido quem arrisque o salto. Nossos sonhos. Quem se importa com nossos sonhos? Quem nos penetra até o fundo do poço sem medo de não voltar? Quem?

– Seu doutor, o caso é simples. Me dê meu remédio que eu quero dormir. A porta está sempre fechada e permanecerá fechada entre nós. Qual de mim estará falando agora? Qual de você estará me ouvindo? Sou eu não sendo eu e minhas palavras voam soltas no ar. Enquanto isso eu permaneço preso como alguém que amarra uma pedra no pescoço e salta do alto de uma ponte. Lá embaixo, onde a água é mais escura, mais fria, mais suja, ele tenta voltar, mas os pulmões estouram e a morte é a única companheira.

– Seu doutor, me dê sua mão que eles vêm vindo de todos os lados. Meu nome é não ter nome. E o medo é um animal esquisito, gelado, com braços de polvo. Caminho em torno de você e o observo: a veste branca, a caneta entre os dedos como uma cobra. Do lado de fora, encostado à porta, o enfermeiro é uma estátua a ouvir. Por que você não o chama? Por que você não ordena que ele enfie-me no braço ou na bunda esta maldita seringa? Esse é o seu trabalho, doutor. O meu é lhe dar trabalho, esgotar sua paciência, acabar com seu fim de semana.

– Seu doutor, por que não morro? É tão difícil morrer. E se eu lambuzasse seu rosto com merda? O que você faria, doutor? E se eu xingasse sua doce mãezinha? O que você faria, doutor? É fácil ter medo quando o medo ajuda a viver. Junte o medo com o ódio e você terá uma bela receita de sobrevivência. Pelo menos para gente como nós, que vive num espaço vazio, sem raízes, como se pudesse existir uma árvore solta no espaço descrevendo sempre eternamente a mesma órbita, inútil órbita.

– Seu doutor, não se avexe. Mal comecei a falar. Se você reparar bem, verá que eu danço como se falasse com o corpo inteiro. Quer entrar na dança também? Os cães estão uivando pra lua. Mas a lua está longe demais para ouvi-los. Há sangue nos meus dedos. Meus olhos estão furados como os olhos de uma boneca. Amarraram cordéis em nossos membros. Não posso mover-me para muito longe nem para muito perto. Para longe deles, para perto de vocês. Já observou como as pedras jogadas às margens do rio são tristes, doutor? Sou uma dessas pedras, doutor. O tempo vai me cobrindo de tempo, lodo, tempo.

– Bobagem, doutor, essa sua mania de tentar me olhar através de mim como se eu fosse um espelho. Às vezes, tenho a impressão de que você está falando só com a minha roupa. Você se esconde por trás dos óculos como o avestruz enterra a cabeça na areia. Estamos um diante do outro e nada podemos fazer ou falar. As muralhas estão erguidas. As mãos não empunham martelos para derrubá-las.

– Que nada, doutor. Todos esses livros ao seu redor lhe fazem ficar pequeno como o diabo. Já não consigo suportá-lo, doutor. Somos inimigos. Só conseguimos nos olhar assim como estamos agora: você de um lado e eu do outro. Entre nós as muralhas.

Fontes:
Soares Feitosa e Nilto Maciel. Jornal do Conto.

Deixe um comentário

Arquivado em O Escritor com a Palavra

Airton Monte (1949)

Airton Monte nasceu em Fortaleza (1949) e nunca dela se mudou.

Filho de Airton Teixeira Monte e Valdeci Machado Monte.

Médico psiquiatra formado pela Universidade Federal do Ceará, cronista do jornal O Povo, comentarista de rádio, redator de televisão, letrista, teatrólogo, é essencialmente poeta e contista.

Iniciou-se na revista O Saco, onde publicou contos.

Um dos fundadores do Grupo Siriará de Literatura.

Estreou, no gênero conto, com o volume O Grande Pânico (1979), seguido de Homem Não Chora (1981) e Alba Sangüínea (1983).

Tem no prelo Os Bailarinos. Participou de algumas antologias: Os Novos Poetas do Ceará III, Antologia da Novo Poesia Cearense, Verdeversos e 10 Contistas Cearenses.

Tem também um livro de poemas.

Dona Sônia, esposa de Airton Monte, diz que o marido nunca sabe cobrar pelos textos que lhe são encomendados. “Até mesmo os laudos periciais da psiquiatria, ele vem perguntar para mim quanto é que tem que cobrar”. “Você é minha ministra da Fazenda”, brinca Airton.

Falando do amigo Jorge Pieiro, que Airton considera um dos principais nomes da nova geração de escritores cearenses, Airton diz que Pieiro é o moderno da turma, o “cara que faz cabelo, coisa e tal”, é o “metrossexual”. “Mas como ele é muito baixinho, a gente chama ele de ‘meio metro sexual’”.

Já o escritor Pedro Salgueiro, Airton chama de Pedro Sangreiro, “porque ele mata tudo que é personagem”. “Enganchou num conto, ele mata os personagens todos”.

Bárbara, filha de Airton Monte, é quem coordena a página dedicada ao pai no orkut, site de relacionamentos da internet. “Uma vez ela ficou furiosa porque perguntaram a ela se ele batia em mim”, conta dona Sônia. “Minha filha não fique assim, diga que eu bato nela, bato em você, bato no Pablo (filho de Airton), bato no cachorro, em todo mundo”, conta Airton às gargalhadas.

Airton diz que tem três ou quatro livros de poesia prontos, além de um romance, uma novela sobre futebol, uma peça de teatro e um livro de contos “Os bailarinos”. “Há tanta coisa aí guardada”, conta. “Eu não publico porque desde que publiquei meu primeiro livro pela editora Moderna que decidi não publicar mais nenhum livro com o meu dinheiro. Afinal, o escritor já é o camelô de si mesmo, tem que escrever e sair vendendo o bicho de mão em mão, indo nos programas de rádio, etc”.

Segundo dona Sônia, quando está num restaurante, Airton repara se há algum casal conversando e fica imaginando o assunto para poder se inspirar em suas crônicas. “Ele me manda ao toalete para eu passar perto do casal e ouvir o que eles estão dizendo“, revela.

Fontes:
Soares Feitosa e Nilto Maciel. Jornal do Conto.
Soares Feitosa. Jornal de Poesia.

Deixe um comentário

Arquivado em Biografia, Literatos do Ceará

Moacir Costa Lopes (O homem atrás do escritor, o escritor atrás do homem)

Desvendando o homem atrás do escritor e o escritor atrás do homem, hoje, em nossa quinta entrevista, o escritor cearense, radicado no Rio de Janeiro, Moacir Costa Lopes, que nasceu em 11 de junho de 1927, em Quixadá, Ceará. Criou seu próprio método de criação literária, do que resultou seu livro de ensaio/didático Guia prático de criação literária, editado em 2001. Marinheiro, na Segunda Guerra Mundial, Escreve sobre a vida dos marinheiros, sugestão do folclorista Luís da Câmara Cascudo , estreando com o romance Maria de Cada Porto. Colaborador de diversos jornais, obteve diversos premios. Vinte e um livros já editados, incluindo ensaios e literatura infantil.

Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

Nasci em Quixadá, Ceará, em 11 de junho de 1927, perdi meu pai aos 2 anos de idade, minha mãe aos 11, indo morar com um tio, fugi de casa no início de 1942 por maus tratos. Localizado por meu tio, regressei, mas logo tratei de entrar para a Marinha do Brasil, o que realizei em final de 1942, participando de inúmeras viagens em diversos navios durante toda a Segunda Guerra Mundial. Dei baixa da Marinha em 1950. Meus estudos foram muitas vezes interrompidos, e resolvi que não me interessavam estudos formais, passando a um autodidatismo focado exclusivamente nos estudos de literatura e da cultura geral. Assim, nenhum estímulo eu tive na minha infância. Desde criança tornei-me leitor compulsivo de literatura de cordel, com sua cultura medieval e de personagens típicos como cangaceiros, figuras messiânicas e folclore. Já como marinheiro foi que vim a ler o primeiro romance, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, e não parei mais de ler os mestres da literatura universal, com o objetivo de estudar a visão-de-mundo de cada um e seu estilo literário, concluindo que se um dia pretendesse me tornar escritor, deveria começar por ser um grande leitor, decifrando a carpintaria literária dos mestres.

Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.

Foi um longo aprendizado literário, através da leitura, começando com os fran-ceses, Balzac, Gustave Flaubert, Stendhal, Anatole France, Guy de Maupassant, Victor Hugo, Marcel Proust, além de clássicos como Montesquieu, passando à literatura russa, tendo Dostoievski e Tolstoi, Gogol como os principais, depois a inglesa, com William Shakespeare, Charles Morgan, Charles Dickens, Emily Brontë, James Joyce, passando aos portugueses, em que pude destacar Camilo Castelo Branco, Alexandre Herculano e Eça de Queiroz. Além de obras imprescindíveis como as de Homero, Idíada e Odisséia, A Divina Comédia, de Dante Alighieri, Dom Quixote, de Cervantes. Finalmente, chegando à literatura brasileira, quando passei a estudar com mais afinco o estilo de cada autor, já lidando com nosso idioma. Foram muitos, sendo os principais Machado de Assis, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, Dalcídio Jurandir, Érico Veríssimo, Jorge Amado, e, finalmente, Graciliano Ramos, que passei a considerar o mais importante ficcionista brasileiro, dono de estilo impecável.

Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?

Ainda marinheiro, depois de muita leitura resolvi tornar-me escritor, organizan-do meu próprio método de criação literária, na busca de um estilo próprio. Como trabalhava na secretaria dos navios em que servia, tinha máquina de escrever a meu dispor, que utilizava durante os dias e noites de alto-mar . A par de obras literárias, lia muito sobre cultura geral, antropologia, filosofia, história das religi-ões, mitologia, história geral e do Brasil, folclore, enfim o de que necessitaria para suporte de minha literatura, inclusive lia dicionário, sobre concordância e regência, com exercícios de retenção de palavras essenciais.

Teve a influência de alguém para começar a escrever?

Começar a escrever foi opção sem influência de ninguém, a não ser das obras que lia. Hoje, depois de 21 livros publicados, com várias reedições, traduções em vários países e muitos estudos sobre eles, no Brasil e no estrangeiro, tenho minha home page – http://www.moacirclopes.com.br/ , e-mail – http.moacirclopes@gmail.com e uma comunidade de orkut, aberta por Marcos Vinícius Teixeira, professor mineiro, ficcionista e poeta. Viver de literatura é muito difícil no Brasil e por falta de consumidor de livros, com ínfima percentagem de leitores de ficção e poesia, que preferem na maioria obras de autoajuda, e não possuímos hoje um serviço mais atuante de informações sobre a verdadeira cultura brasileira, seus escritores, seus pintores, seus escultores, seus músicos de primeira linha, seus artistas em geral.

Como começou a tomar gosto pela escrita?

Desde minha juventude tive tendência para as fábulas, a literatura, a começar pelos livros de cordel e os folhetins com histórias em capítulos impressos, de escritores brasileiros e estrangeiros (semelhantes às novelas de Tv atuais), que chegavam a Quixadá. Comecei a tomar gosto mesmo pela escrita, como disse, em contato com os clássicos da literatura universal.

Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

A Internet é um instrumento poderoso para a divulgação de cultura, mas apenas em escala mínima, mais para pesquisa limitada de temas, com a vantagem de remeter seus pesquisadores a obras mais substanciais, para pesquisa mais aprofundada, porque o livro é que é o instrumento essencial da cultura. Mas a Inter-net começou recentemente a contribuir na difusão de meu trabalho literário.

Tem prêmios literários? Quais e quantos?

Sim, tenho prêmios literários, sendo os principais o “Coelho Neto”, da Academia Brasileira de Letras, e o “Fábio Prado”, da União Brasileira de Escritores, São Paulo, por iniciativa de meus editores. Mas não acredito em prêmios literários, eles não alteram o valor intrínseco da obra literária, apenas ajudam na sua divulgação. No Brasil, entretanto, a concessão de grande parte dos prêmios literários é suspeita pelo notório apadrinhamento.

Livros publicados. Quais?

Como afirmei acima, publiquei até agora 21 obras, sendo 11 romances, outros de contos, infanto-juvenis e de ensaios, com várias reedições e traduções em vários países, com teses de mestrado e doutorado de professores brasileiros e estrangeiros, além de muitos estudos menores, sobre toda minha obra. Haveria que destacar o romance de estréia, Maria de cada porto, hoje em nona edição, e A ostra e o vento, em oitava edição, adaptado para o cinema em 1997, sob o mesmo título, que obteve muitos prêmios. Entre os livros de ensaio, destacaria Guia prático de criação literária, fruto de minhas pesquisas, e concentrando nele aulas que ministrei sobre criação literária, na UFRJ e na Faculdade Hélio Alonso, do Rio de Janeiro, e continuo utilizando em aulas, palestras e conferências, e A situação do escritor e do livro no Brasil, no qual apresento os principais problemas do escritor. Estou preparando outras obras, entre elas um romance e um livro de memórias, em dois volumes.

Seu romance que escreveu em 1944, mas não concluiu. Fale sobre ele. Sobre o que era? Porque iniciou e porque não concluiu?

O romance que escrevi em 1944, aos 17 anos, não possuía ainda as qualidades literárias que eu esperava. Nem recordo o assunto, mas não possuía a temática de mar, nem teve título e nem cheguei a concluir por não saber como terminá-lo. A solução foi destruí-lo.

Maria de Cada Porto, em 1959, foi então o seu primeiro romance concluido. que obteve premios na Academia Brasileira de Letras e União Brasileira de Escritores. Como foi este processo de criação deste livro? O senhor pretendia se lançar no mercado com ele, ou era apenas o prazer de escrever, não importando o que poderia obter depois?

Em 1946, em visita ao folclorista Luís da Câmara Cascudo, em Natal, RN, comecei a escrever o romance que viria a receber o título de Maria de cada porto, sobre a vida dos marinheiros, a bordo e em terra, suas aventuras, seus amores, e as operações da Marinha do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, usando como espinha dorsal o caso do naufrágio do cruzador Bahia, poucos dias depois de terminada a guerra, com tripulação de 380, da qual foram salvos com vida apenas 27 marinheiros, após 4 dias de sede, fome e loucura em 16 balsas. Só vim a publicá-lo em 1959, com grande repercussão de crítica e de público. Eu não contava com essa repercussão, a literatura era meu grande desafio, enfim me senti um pouco realizado, quando várias editoras me procuraram para a publicação de obras futuras, abrindo-me suas portas. Na verdade, eu pretendia construir uma obra literária.

Quem considera entre vivos e falecidos os maiores escritores do Brasil?

O Brasil já possui uma das melhores literaturas do mundo, embora pouco difun-dida aqui e lá fora. Um professor norte-americano, Leo Barrow, meu amigo, me afirmou que Machado de Assis poderia ser comparado a Shakespeare em valor literário. Eu destacaria, além dele, José de Alencar, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Jorge Amado, Lima Barreto, Euclides da Cunha, que, não sendo ficcionista, seu livro Os Sertões, influenciaria nossos ficcionistas, como também influenciaria o livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Aluísio de Azevedo, Domingos Olímpio, Lúcio Cardoso, Cornélio Pena, Dalcídio Jurandir, Herberto Sales, Campos de Carvalho, Rui Mourão, e alguns de minha geração para cá, que não menciono para não cometer injustiça a outros porventura não mencionados. E nossos importantes poetas, como Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Olavo Bilac, Jorge de Lima, Ma-nuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana.

Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?

Não existe essa situação psicologicamente definida. Cada obra a escrever exige muito trabalho, muita pesquisa sobre o tema a ser abordado, a linguagem a ser usada, o tempo, os personagens, mesmo porque cada livro exige uma linguagem diferente, um estilo apropriado a essa história. E tudo é fruto de planejamento, de organicidade, não desprezando, contudo, a espontaneidade. Até a escolha dos nomes dos personagens é um desafio, se vou levar a história em narrativa feita na primeira pessoa ou na terceira, se no passado ou no presente. A inspiração surgirá no desenvolvimento do livro. Não tenho ambiente especial para criar, mas necessito de isolamento, embora muitas vezes eu escreva até com a televisão ligada ou com o barulho vindo da rua.

Como é que você concebe suas obras?

Para tornar-se escritor, não é apenas exercitar a escrita. Antes de mais nada, a vocação é essencial. Depois, vem a fase do aprendizado, da leitura dos mestres da literatura universal, a busca de um estilo próprio. O essencial não é apenas contar uma história, porque os meios de comunicação o fazem diariamente, nos jornais, em revistas, na rádio, na televisão, mas a forma como contar essa histó-ria, ou seja, o uso da linguagem, do estilo, das simbologias, das metáforas. Como disse anteriormente, gasto muito tempo planejando o livro a escrever. Levo uns dois anos até concluí-lo, depois de várias vezes que o reescrevo até encontrar a linguagem apropriada.

Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, chega apenas o que a mídia divulga?

Há uma constelação de escritores desconhecidos da maioria dos leitores. Se formos nos basear no que a mídia divulga diariamente, não passaremos de uma dúzia de best-sellers estrangeiros, a maioria deles sem importância literária. Existem conforme citado anteriormente vários nomes de escritores brasileiros pouco lembrados pelos leitores, e que não podem ser negligenciados pelos jovens candidatos a escritor.

Na sua opinião, que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

De escritores da língua portuguesa, eu destacaria os clássicos, como Alexandre Herculano, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Júlio Dantas, Bernardim Ribeiro, e os clássicos brasileiros citados acima. Além de importantes poetas portugueses, destacando-se Luís de Camões, Guerra Junqueira, Fernando Pessoa, Miguel Torga.

Qual o papel do escritor na sociedade?

O papel do escritor na sociedade é o que ele expõe nos textos que escreve. Há que se levar em conta que o livro é o mais fidedigno intérprete da cultura nacional, o escritor é esse mensageiro, individual e soberanamente, porque não se curva a injunções políticas, mesmo em períodos de ditadura. Ele não precisa ser engajado, e não deve, porque o engajamento restringe o valor da obra, sendo que sua mensagem é a permanência da sua obra.

O que lê hoje?

Hoje, sinto-me chocado com qualquer ato que fuja aos padrões da ética. Continuo sendo leitor compulsivo. Leio autores novos e releio os clássicos, não apenas obras de ficção e de poesia, como qualquer obra de cultura geral.

Qual é a sensação ao se conseguir um prêmio na Academia Brasileira de Letras?

Apesar de haver obtido um prêmio da Academia Brasileira de Letras pelo meu primeiro livro, enviado por editores a acadêmicos dos anos 60 do século passa-do, sou muito descrente de prêmios literários, qualquer seja a sua origem, inclu-sive os concedidos pela ABL.

E por ser convidado para ao lado de nomes do quilate de Machado de Assis, ser considerado Escritor Imortal?

A ABL possui métodos estranhos para a indicação de futuros membros, e não são os mais justos. Como exemplo, não poderia explicar como importantes escritores e poetas não conseguiram dela fazer parte, como Luís da Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, bem mais importantes do que a maioria dos que por lá passaram ou permanecem.

Fale algum fato engraçado relativo a algum momento literário, ou sua criação.

Um dos fatos engraçados foi quando eu estava sozinho em casa, à noite, escrevendo uma parte do meu livro A ostra e o vento, focando o personagem Saulo, que não existe como pessoa física, mas é uma entidade criada pela mente da personagem Marcela e fica circulando a ilha, passageiro do vento. A cena que eu escrevia era a que ele, Saulo, vai penetrando na casa do farol para possuir Marcela. No auge da cena, começo a sentir que Saulo está atrás de mim. Parei de escrever, assustado, fechei o apartamento e corri para a rua.

Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Tenho vários projetos, que ultrapassarão meu tempo de vida. A morte é mero detalhe de uma vida longa, que não deixa de ser uma longa viagem, e enquanto houver luz no mundo estarei acordado. A cultura popular é muito da alma de um povo e tem que ser preservada. A globalização veio como instrumento colonizador de países de cultura mais sólida contra países menos desenvolvidos culturalmente. Se não mantivermos vivos nosso folclore, nossos mitos, heróis e costumes, outros países quererão penetrar no vácuo cultural com seus heróis, folclore, mitos e costumes que nada têm a ver com nossa cultura.

No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

O aprendiz de escritor deve ler o que lhe caia às mãos. A “porcaria” literária é também útil para nos ensinar o quê e como não devemos escrever. Eu tenho na minha biblioteca uma pequena coleção desses livros, considerando que, como editor durante mais de 20 anos, fui obrigado a ler muitos livros que me chegavam, sem nenhuma qualidade literária, mas sempre úteis. Em verdade, não existe livro ruim, existe um grau de evolução de leitor, o livro “porcaria” pode ser o mais admirado por um leitor iniciante, de pouca cultura como leitor.

Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?

Meu único conselho a pessoas que começassem agora a escrever seria o de apenas ler os mestres da literatura para conhecer o que foi feito antes dele, e procurar a originalidade. Muitos analistas afirmam que não existe mais a possibilidade de se ser original, porque tudo já foi escrito. Têm razão em termos, mas cada escritor é um universo individual, daí sua originalidade.

O que é preciso para ser um bom escritor?

Para ser um bom escritor, é preciso lembrar que o talento não pode ser passado adiante, não é hereditário nem parte do inconsciente coletivo ou da memória genética, é uma qualidade individual.

Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.

Nada a acrescentar, porque as perguntas foram abrangentes e me permitiram respostas abrangentes.

Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

Deus é uma figura emblemática. Digamos que fosse um gênio aprisionado nu-ma garrafa como aparece em um filme de As mil e uma noites: o primeiro desejo seria ensinar o brasileiro a escolher melhor seus governantes para evitar incompetentes na direção do país. O segundo seria varrer da política nacional esses corruptos que já ocupam os postos principais. O terceiro seria disseminar a cultura entre todos os habitantes, para que cada um passasse a entender de moral, ética, estética, com possibilidade de plena escolha das necessidades básicas, evitando a massificação da mediocridade, dominando as noções de nacionalismo, a prática da cidadania.

Rio de Janeiro, 13 de fevereiro, 2010.

Fonte:
Entrevista virtual concedida a José Feldman para o Pavilhão Literário Singrando Horizontes

1 comentário

Arquivado em Entrevista, O Escritor em Xeque

Trova 116 – Arlene Lima (Maringá/PR)

Colaboração da autora

Deixe um comentário

Arquivado em Maringá, Paraná em Trovas

Aprendendo sobre Poesia (Parte I)

Pintura de J. P. Martins Barata
Conceituação de Literatura :

Deve-se aos filósofos gregos, conhecidos como sofistas, a primeira tentativa de conceituar literatura. Tomaram eles a palavra “literatura” em seu sentido mais amplo, já que consideravam obra literária qualquer obra escrita que obedecesse a certos preceitos:
– os da invenção: verdade e originalidade;
– os da disposição: variedade dentro da perfeita unidade de exposição;
– os da elocução: pureza da língua, correção gramatical, clareza e harmonia.

Para os sofistas, então, A Arte Literária consiste na realização dos preceitos estéticos da invenção, da disposição e da elocução.

O primeiro a estabelecer uma distinção entre literatura, em sentido restrito (obra estética) e literatura, em sentido amplo (qualquer obra escrita) foi Platão e depois Aristóteles. Para o último: Literatura é a imitação (mimese) da realidade.

Para o filósofo grego, só é obra literária a que imita ou “recria” a realidade. Não se trata, evidentemente, apenas de reprodução servil ou simples cópia da realidade. Trata-se, antes, de imitação, de representação construída pelo autor, de apresentação da realidade segundo a maneira de ver do autor. “O poeta imita, representa uma ação conforme à realidade ou à verdade, mas uma ação construída e arranjada por ele.” Essa imitação não se estende, porém, à realidade ou à natureza exterior: ela tem por objeto a vida humana, o homem, seus costumes, seus estados de alma, suas paixões, suas ações. Além disso, realidade aqui tem sentido muito amplo: não apenas aquilo que é, mas também o que normalmente ou moralmente deveria ou poderia ser.

Assim sendo, um tratado de Anatomia, considerado pelos sofistas como obra literária, desde que obedecesse aos princípios já mencionados, não o seria para Aristóteles, pois num tratado dessa espécie não haveria “recriação” da realidade, isto é, a realidade não seria apresentada da maneira pela qual é vista pelo autor; haveria, antes, descrição da realidade tal qual é.

No século XIX, volta a predominar o conceito de literatura em sentido ainda mais amplo que o dos sofistas:

Literatura é um conjunto de produção escrita de um povo, de um indivíduo.

Atualmente podemos encontrar vários conceitos de literatura, em sentido restrito como, por exemplo, o de Fidelino de Figueiredo:

Arte literária é, verdadeiramente, a ficção, a criação duma supra-realidade, com os dados profundos, singulares e pessoais da intuição do artista.

Ou o de Massaud Moisés:

Literatura é a expressão dos conteúdos da ficção, ou da imaginação, por meio de palavras de sentido múltiplo e pessoal.

Observe-se que ambos os conceitos têm, em comum, o fato de considerarem como literatura apenas a ficção ou supra-realidade.

Partindo do pressuposto de que a Literatura – como a Filosofia e as Ciências – é forma de conhecimento, esclarecem-se os conceitos acima determinando-se o tipo de conhecimento usado na elaboração da obra literária, o que, inclusive, vai distinguir a literatura das outras formas de conhecimento.

Há dois tipos de conhecimento:

a- conhecimento conceptual: adquirido através do estudo, da reflexão, da lógica;

b- conhecimento intuitivo: “elaboração espontânea das impressão recebidas”.

Para escrever uma obra científica ou filosófica, lançamos mão da realidade existente, do conhecimento conceptual ou adquirido e, às vezes, do conhecimento intuitivo (mas sempre em menor grau).

Evidentemente, não podemos descrever cientificamente uma árvore sem conhecimento de Botânica, conhecimento conceptual, adquirido através do estudo, da observação, da reflexão. Aplicado o conhecimento conceptual à realidade a ser descrita, tratar-se-á, é claro, da classificação da árvore, do tipo de suas folhas e raízes, de sua utilidade, etc. O que houver de intuitivo ou pessoal numa obra desse tipo não se relacionará com a matéria exposta, mas à preferência por determinada disposição da obra, pela escolha de determinada forma ou por certo torneio frasal. A matéria, a essência da obra, será tratada da maneira mais impessoal e científica possível.

Por outro lado, o conhecimento intuitivo permite-nos escrever sobre árvore sem que tenhamos noção alguma de Botânica. Nesse caso, não nos referimos a determinada classe ou a determinado tipo de árvore, mas à árvore em geral. A obra resultante será, então obra literária e não obra científica. Entrará em jogo a visão pessoal que o autor tem da realidade “árvore”, visão essa que não necessita do conhecimento conceptual para existir. Este tipo de conhecimento entrará obra em grau muito menor, através, por exemplo, do conhecimento da língua, na capacidade de escolher palavras e coordená-las de modo a tornar inteligível a visão do autor.

Parece evidente também que, usando o conhecimento intuitivo, a realidade “árvore” não será a mesma para todos, pois cada um de nós tem uma visão pessoal, única, da realidade. Se essa realidade é descrita, ela será deformada, não em sua essência, mas na projeção dessa essência. Essa realidade deformada, ou seja, com outra forma, que varia de acordo coma maneira de ser de cada um, de acordo com a educação, com a vivência, com a sensibilidade, essa realidade deformada é a ficção ou supra-realidade.

Nos exemplos abaixo, tomou-se a definição de “rio”, segundo o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete e a visão que alguns autores têm da realidade “rio”. No primeiro caso, teremos a definição, baseada no conhecimento conceptual; no segundo, a visão de rio, segundo o conhecimento intuitivo de cada um e que variará de autor para autor:

1- “Rio, s.m. curso considerável de água, que tem geralmente origem nas montanhas e vem recebendo pelo caminho a água dos regatos e ribeiras até lançar-se, por uma ou mais embocaduras, no mar ou noutro rio; grande curso de água em geral”.

2- “Aqui e ali fugiam roscas do rio, que carregava águas barrentas. À sua margem multiplicara a vazante espraiados tranqüilos, que cintilavam ao sol. Já audível, o rumorejar da cachoeira encorpava-se a cada passo avante; era uma cortina de sons que se erguia numa nesga do horizonte e que, em pouco, alastrando, ganhava todo o circuito da paisagem, estrondejando compactamente.

Meto-me por um trilho que se desgarra da estrada, em direitura da cachoeira. Cruzo pedestres, já de volta, com sacos e jacás atestados de peixe. Conversam gritando com surdos, para fazerem-se ouvir. Avisto, por fim, constringidos entre paredões de rocha, os rolos de água, despenhando-se. São os degraus em que a torrente rabeia, fustigando o leito, como serpente assanhada a encrespar a cauda nervosa…

A torrente despeja-se aos fluxos e refluxos. Quando a ondada passa, pulam os peixes em cada poço, inumeráveis, projetando-se para o ar, a despedir chispas de prata dos corpos retorsos, nervosamente enovelados e vibráteis. Abaixo da cachoeira, onde a caudal se rebalsa e retoma a majestade de seu curso lento, a água é torva, quase negra; e, ao olhar que lhe escruta a profundeza, essa negura revela-se feita de cardumes de dorsos escuros, que esfervilham, evolucionando processionalmente no bojo dos remansos, esperando o seu turno de lançar o salto. Lateralmente derivam fios escassos, delgadas fitas que traçam sinuosidades no lajedo, fazendo escala em caldeirões escavados na rocha.” (Godofredo Rangel, Vida Ociosa, S. Paulo, Comp. Ed. Nacional, 2ª ed., s.d. pág.234).

3- OS RIOS

Magoados, ao crepúsculo dormente,
Ora em rebojos galopantes, ora
Em desmaios de pena e de demora,
Rios, chorais amarguradamente.

Desejais regressar… Mas, leito em fora,
Correis… E misturais pela corrente
Um desejo e uma angústia, entre a nascente
De onde vindes, e a foz que vos devora.

Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembrança…
Pois no vosso clamor, que a sombra invade,
No vosso pranto, que no mar se lança,

Rios tristes! agita-se a ansiedade
De todos os que vivem de esperança,
De todos os que morrem de saudade…

(Olavo Bilac, Tarde, In “Poesias”, Rio, Francisco Alves, 13ª ed., 1928, pág. 300)

4- ÁGUA CORRENTE

Água corrente! Água de um rio quieto
Cortando a alma ignorada do sertão!
Levas à tona, aspecto por aspecto,
Os aspectos da vida em refração.
Água que passa… Sonho predileto
Do lavrador que lavra o duro chão.
Trazes-me sempre a evocação de um teto…
Água! Sangue da terra! Religião…
Há na tua bondade humana e leal,
Quando a roda maior moves do Engenho,
Qualquer bafejo sobrenatural…

Ouvindo, ao longe, o teu magoado som,
Água corrente! eu me enterneço e tenho
Uma imensa vontade de ser bom…

(Olegário Mariano, Água Corrente, In “Poesia”. Agir, Rio, 1968, pág. 55)

5- O RIO

Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu a terra;

Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.

Um rio nasceu

(Vinícius de Moraes, Antologia Poética, Rio, Editora do Autor, 2ª ed., 1960, pág. 234)

Como se observa, cada um dos autores teve uma visão pessoal e particular da realidade rio, e a projeção da essência dessa realidade é feita diferentemente por eles.

A Godofredo Rangel o rio transmite a impressão de atividade animal, como a lembrar-lhe que a sua majestade não se deve ao aspecto inanimado e ao mesmo tempo grandioso que a Natureza lhe conferiu. Ele é um ser sensível que se enfurece e se acalma ao sabor dos cometimentos.

Para Olavo Bilac o rio é a projeção do seu próprio estado de espírito. É com uma conotação de amarguras, de desejos contrariados e insatisfeitos que a realidade rio se apresenta para ele. Sente-se aí a alma do poeta oprimida pelo inexorável, deixando-se levar pela força incontrolável do desenrolar da vida humana, enxergando a esperança no futuro e a saudade no passado.

Para Olegário Mariano, longe de ser tão-somente a água corrente, o rio é o sonho do lavrador, a evocação protetora de um teto, aquele sangue da terra que plasma o misticismo transcendental da religião. E nesse plano atemporal, o rio, movendo graciosamente o engenho, poupando o braço do homem, transfigura-se na bondade, como a lembrar ao homem a grandiosidade da obra divina, já agora movendo não a roda do engenho, mas o sentimento humano, tocando-o enternecendo-o pelo dom maravilhoso do sublime e da generosidade.

Finalmente, Vinícius de Moraes, mesmo explicando o nascimento, o desenvolvimento e a majestade do rio feito, foi buscar no universo poético a constelação de imagens com que pessoaliza a realidade rio. O poeta parte da causa para o efeito, mostrando que a simples gota de chuva que se projeta de encontro ao solo, seja na flacidez da terra que lhe abre o ventre (atente-se para a singularidade da imagem), seja na dureza das rochas, do ouro, do carvão, do ferro ou do mármore, vai esta gota sequiosa de espaço, em busca da luz, do horizonte largo.

Depois desses exemplos, é fácil concluir que, sendo eles deformações da realidade através de palavras de sentido múltiplo e pessoal, todos se caracterizam como obras literárias.

Do ponto de vista da linguagem, cumpre ainda notar que o signo usado pelas ciências e filosofias é o mais preciso possível, além de tender para o universal. Assim, se se diz que “o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos”, enunciamos um princípio em que o sentido de cada uma das palavras será imutável a universal, podendo, inclusive, ser representado por signos que não são palavras.

O mesmo não se dá com a obra literária: nela, as palavras não são univalentes; ao contrário, são polivalentes, isto é, têm mais de um valor, mais de um significado, podendo variar de autor para autor ou de leitor para leitor. E, exatamente nessa possibilidade de escolha, nessa polivalência dos signos, está uma da maneiras de distinguir obra científica ou filosófica de obra literária.

Note-se que nenhum dos conceitos mencionados envolve qualquer idéia de valoração. Preocupou-se, tão somente, em conceituar obra literária e distingui-la de obra não literária. Assim sendo, qualquer obra escrita que ser enquadre nos dois últimos conceitos mencionados pode ser considerada obra literária, sendo seu valor como tal, objeto de outro tipo de estudo.
———

continua…
_______
Fonte:
Colégio Terra Nova.

Deixe um comentário

Arquivado em Teoria Literária

Antonio Brás Constante (Do copo ao corpo e ao fundo do poço)

O mundo é um lugar fantástico; coisas simples, como o mel, são verdadeiras maravilhas da natureza. A semente que cai na terra germinando em bela planta, como um limoeiro, por exemplo, que se enche de flores e delas surge o fruto. Até a areia pode ter seus grãos transformados em vidro. Pensem na cana-de-açúcar, que uma vez processada vira alimento, combustível e até o álcool de farmácia.

Eis que então surgiu o homem, cuja inteligência tornou-o senhor absoluto de tudo que existe no mundo. Seu gênio criativo foi desenvolvendo as maravilhas modernas que conhecemos, entre elas carros, casas, aviões, etc. Mas alguns indivíduos resolveram fazer diferente. Então o homem pegou o vidro e inventou o copo, dentro dele pôs o mel e o limão. Da cana-de-açúcar fez a cachaça, juntando-a aos demais ingredientes dentro do copo. Bebeu todo o seu conteúdo e viu que aquilo era bom, recomeçando o processo várias vezes, até que quebrou o copo, derramou o mel, cortou o dedo ao fatiar o limão, cambaleou até um canto qualquer e decidiu tomar só a cachaça diretamente do gargalo mesmo.

A partir daí surgiu o “bebum”.

O bebum enche a cara por vários motivos, mas não lembra de nenhum deles, pois justamente bebe para esquecê-los. Isso o torna uma criatura sem passado e muito provavelmente sem futuro. E lá se vai o arremedo de homem, encharcado de bebida, de volta para casa por ter sido expulso do bar. Após toda uma caminhada em “zigue-zague”, com eventuais paradas para recordar o motivo de estar caminhando pela noite ao invés de ter continuado no boteco, o bebum finalmente chega em sua morada, onde acredita que irá encontrar a sua amada esposa (ao menos espera que desta vez aquela seja a sua casa, já que nas outras inúmeras vezes ele bateu em casas erradas).

Para quem não sabe, nessas situações a “amada esposa” é aquela criatura que fica dentro de casa, sentada no sofá de frente para a porta. Geralmente vestida de roupão de dormir, calçando pantufas felpudas cor-de-rosa e que mesmo podendo facilmente abrir a porta para a entrada do bebum, deixa que ele mesmo faça isso. Algo que pode demorar um bom tempo, pois se já foi difícil achar a rua e a casa, agora começa a tarefa mais difícil que é inserir a chave na diminuta fechadura que fica aparecendo de forma dupla e se movendo freneticamente na sua frente. Quando pressente que o seu alcoolizado marido conseguirá finalmente adentrar pela porta, a esposa então se levanta. Permanece com o rosto fechado e os braços cruzados. Sua mão esquerda tamborilando os dedos no cotovelo direito e a mão direita segurando o rolo de macarrão.

A primeira coisa que as mulheres dizem nessas ocasiões é algo do tipo: “sabe que horas são?”. Como se essa informação pudesse ser de qualquer valia para o organismo empapado de bebida que paira na sua frente de pé (tentando manter o equilíbrio), também conhecido como marido. Essas mulheres ainda podem se considerar felizardas. Duro mesmo é quando o bêbado resolve bancar o machão. Quebrando tudo, batendo na mulher e nos filhos. Transformando seu lar em um tormento para todos aqueles que convivem com ele.

Enfim, o mundo é um lugar maravilhoso, cheio de coisas maravilhosas. Infelizmente o alcoolismo não é uma delas, pois, na estrada da vida, a bebida é o combustível que leva qualquer indivíduo velozmente para longe de todas as pessoas que ele ama. Conduz seu destino para um profundo e solitário abismo, localizado no fundo de uma garrafa.

Fonte:
CONSTANTE, Antonio Brás. Hoje é o seu aniversário – PREPARE-SE: e outras histórias. Porto Alegre, RS: Age, 2009.

Deixe um comentário

Arquivado em O Escritor com a Palavra

Paulo Leminski (Distraídos Venceremos)

O livro de poemas Distraídos venceremos, de Paulo Leminski, poeta das situações do dia-a-dia e das grandes indagações, foi publicado em 1987 e é o último volume de poemas publicado pelo autor em vida. Divide-se em três partes, num total de 109 textos: “Distraídos venceremos”, “Ais ou menos”, e “Kawa cauim”. Essa última seção é dedicada aos haicais.

Nesta obra, o poeta mostra toda sua qualidade já no título que comporta um jogo de palavras que denota sentidos diversos e fortes, que nos faz pensar sobre o que virá adiante e o que encontramos é exatamente isso: uma habilidade tremenda para dar diversos sentidos a uma mesma expressão. Já no prefécio (ou Transmatéria contrasenso), Leminski diz que este livro é o resultado do impacto da poesia do livro Caprichos e Relaxos (1983) e conta que \”seria demais, certamente, supor que\” ele \”não precise mais da realidade\” e que seria de menos suspeitar que esta mesma realidade seria a mãe \”dos dizeres tão calares\“.

Entre os 80 poemas das duas primeiras partes, 38 são metapoemas. Essa incidência de quase a metade de textos sobre poesia denuncia a preocupação de Leminski com o fazer poético, e nos mostra o ponto de partida, ou a porta de entrada para a poesia do agitador cultural curitibano. Como escrever a metade dos poemas de um livro sobre a poesia sem desesperar os leitores, ou propositalmente desesperando, ou reveleminskando? Há que perseguir, em sua via de loucoções, revérbios, frases desfeitas e lugares-incomuns, a concepção poética do artista.

Em sua correspondência a Régis Bonvicino, Leminski declara: “Ser poeta é ter nascido com um erro de programação genética que faz com que, em lugar de você usar as palavras pra apresentar o sentido delas, você se compraz em ficar mostrando como elas são bonitas, têm um rabinho gostoso, são um tesão de palavra”. E acrescenta, reafirmando a correspondência sexual da fruição poética: “O poeta é aquele que deglute a palavra como objeto sexual mesmo, como um objeto erótico. Para mim, a poesia é a erotização da linguagem, o princípio de prazer na linguagem”.

Vamos tentar esclarecer o anseio do poeta, partindo do título do livro e de sua primeira parte. É evidente a desmontagem e remontagem do anexim “unidos venceremos”. A expressão, em sua trajetória lingüístico-cultural, é bastante convergente, como locução cristalizada e como formação etimológica: ela remete para um único sentido, para a unidade.

Ao desfazer a frase feita, o poeta acrescenta-lhe múltiplas possibilidades. Se se considerar que o verbo distrair descende do latim distrahere, e significa “puxar para diversas partes”, teremos de início o desmonte da idéia de unidade, de convergência. A expressão se liberta de sua carga cultural e sua prisão etimológica para começar a atirar para todos os lados, com conotações até desencontradas: desatentos, inadvertidos, descuidados, divertidos, alheios, abstraídos, desviados, desencaminhados, extraviados, esquecidos… Venceremos mesmo assim? Sim, a poesia vai nos encontrar de várias maneiras, ela só não vai mostrar caminhos, ela não tem que esclarecer coisas, ditar regras, sistematizar, e sim dispersar, produzir possibilidades.

Por que “venceremos”, na primeira pessoa do plural? Porque, conforme declarou Leminski, “poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um verso. Quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada”. O título é, portanto, um convite para que os poetas da emissão e da recepção possam se desentender na maior desunião, e tirando o maior proveito disso.

A poesia vai nos encontrar de várias maneiras, ela só não vai mostrar caminhos, ela não tem que esclarecer coisas, ditar regras, sistematizar, e sim dispersar, produzir possibilidades.

O primeiro poema da primeira parte, “Aviso aos náufragos”, contém a essência da concepção de poesia do autor, e funciona como uma advertência. Temos aí novamente o processo desmonte-remonte. Navegante viaja na superfície; náufrago afunda, aprofunda, sucumbe, deixa-se envolver pelo oceano. E de todos os náufragos, os mais profundos são os náugrafos. Quem são os náufragos? O poeta criador, os poetas leitores, as poesias palavras.

E o aviso? A página na qual se leminskreve a poesia nasceu branca, pálida, primitiva como uma folha de árvore, ou histórica e canônica como a epopéia Ilíada. Não era para ser lida, ou já trazia a leitura de séculos, em sua brancura de areia, em seu recôndito inacessível da constelação ou do pico mais alto, até que se sujou com a mancha gráfica, a partitura para os olhos, o poema.

Aí comparece aquele “rabinho gostoso” na “sílaba sentida”, o “ai!” dolorido do Himalaia, a poesia em suspensão para mostrar que sílaba também sente dor. A que não nasceu ainda: a página por vir. As águas sagradas do rio Nilo conduzem a palavra, inscrita no papiro, a escrita vai cumprir seu destino histórico, vai ter tradução em todos os sistemas lingüísticos, vai tornar-se comum a todos, vulgarizando as confidências. Acima de tudo, o poema vai inverter a ordem comum das coisas, tornando-se a pedra sobre a qual o vidro do entendimento cai e se fragmenta. Se a pedra não vai ao telhado, o telhado vai até a pedra. Ao final, a poesia se aproxima da vida naquilo que ela tem de inesperado, fragmentado, desordenado, irracional.

A idéia de que a poesia deve carregar em si o imperativo da mudança aparece também em “A lei do quão”, que pode ser traduzido como “a lei de como fazer poesia” em que a clássica Branca de Neve vai sofrer em breve uma mudança de textura e de temperatura. Para fazer o máximo do mínimo, o poeta deve estar atento aos menores detalhes da língua. A poesia não apresenta um caminho fácil de transitar, a escrita é infinita; assim como a vida, percorre estradas turbulentas.

O momento da criação é encenado em “Adminimistério”: como administrar o pequeno mistério da inspiração que visita o poeta em seu sono da meia-noite? Insetos visitam a folha branca, como se palavras fossem. Ou são mesmo, a julgar pelas “nuvens de equívocos” ou “enxames de monólogos” presentes em “Iceberg”, uma paradoxal pedra de gelo reduzida ao mínimo necessário, “um piscar de espírito”, que poesia não tem que ficar explicando as coisas. “One-way poetry”, como definiu uma vez o Leminski, completando: “poesia-curtiu-cabou”. É a tendência à síntese buscada pelo autor: “A única razão de ser da poesia é o antidiscurso. Poesia, num certo sentido, é o torto do discurso. O discurso torto”.

Da mesma forma o impulso que leva o poeta a escrever não pode ser explicado. Há tentativas: porque ele precisa, porque ele está embriagado (tonto, mesmo, ele que morreu de hepatite etílica), porque o dia amanhece… Afinal, não existe explicação. “Tem que ter por quê?”

Em “Diversonagens suspersas”, o poeta fala sobre ser poeta. O princípio da superposição de palavras se realiza aqui como amálgama de diversas-personagens-suspensas-dispersas, que confirma também o princípio da dispersão, da divergência. O poeta está perdido “no exato lugar onde está”, e seu verso também ainda não pode ser localizado, ele está

Em algum lugar de um lugar,
onde o avesso do inverso
começa a ver e ficar.

Embora saiba que está pervertendo/subvertendo a língua pátria, ele tem tanta fé na poesia quanto um canônico Gonçalves Dias:

Por mais prosas que eu perverta,
não permita Deus que eu perca
meu jeito de versejar.

Semelhante à enxurrada do Nilo, um texto está repleto de ecos históricos, ele carrega em si a história dos outros textos da humanidade. Até que ponto essa impregnação histórica influencia o texto do poeta? É o que ele pergunta em “Distâncias mínimas”:

ouvir é ver se se se se se
ou se me lhe te sigo?

Todas as palavras que mancham um papel já foram escritas alguma vez por alguém, é o que reitera o poeta em “Plena pausa”. Assim como o branco é a soma de todas as cores, a página branca contém a “soma de todos os textos”. “Folha isenta” não existe. Mesmo a mais pura areia do Saara longínquo possui uma carga de significação que o artista não pode ignorar:

Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto.

Ciente de que nem a página se apresenta a ele isenta, o poeta tem de correr atrás da palavra, o elemento lúdico, combinatório, anagramático, mais significante do que significado. São os artefatos a que ele se refere em “Passe a expressão”, em que o ofício do poeta se apresenta irreverentemente associado aos eventos fisiológicos de comer e defecar. A idéia da poesia como uma mancha no papel é retomada novamente na disgusting metáfora das fezes sujando o papel higiênico.

A impotência de buscar o sentido, ou a falta de sentido da busca do sentido não é só do leitor; os conceitos são sobrepostos, as frases e as palavras também, são fragmentos que se dispersam, ao invés de convergirem para um sentido; assim é a confusão essencial do poeta, que só por amar as palavras se sente confundido por elas:

Se tudo existe
para acabar num livro,
se tudo enigma
a alma de quem ama.

Os conceitos são sobrepostos, as frases e as palavras também, são fragmentos que se dispersam, ao invés de convergirem para um sentido; assim é a confusão essencial do poeta, que só por amar as palavras se sente confundido por elas.

Talvez por sua confusão, o poeta sente em si o peso do idioma corriqueiro que ele não criou, e busca “O par que me parece”, uma língua idealizada, próxima da pureza primitiva dos Hititas, ou das imaculadas areias da praia distante. A mesma metáfora da areia como ideal de pureza poética aparece também em “Aviso aos náufragos” e em “Plena pausa”, de difícil — ou impossível — alcance. Mas o poeta continua perseguindo o idioma poético de palavras essenciais, em que cada uma delas vale por duas.

Na linha do equívoco essencial, a poesia ilude tanto o poeta criador quanto o poeta leitor; ela é feita de luzes que se refletem, porém luzes enganosas: o que parece verde é sinal vermelho que barra a passagem. A poesia é o desencontro dos contrários, dos “Desencontrários”. As palavras resistem às ordens do poeta, parecem fora de si, não acham as saídas, terminam por não levar a nada:

Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

O poeta leitor, por sua vez, tem que aprender a “Ler pelo não”, tentar ler o que não é apenas óbvio, o ausente, o silencioso. O leitor que conseguir “desler, tresler, contraler” vai ser premiado com a América procurando as Índias, vai ver o dentro fora e o fora dentro, vai encontrar tudo aquilo que não esperava onde era impossível encontrar.

Ler, ensina o poeta em “M de memória”, não passa de uma lenda, já que as obras são um acúmulo de histórias inúteis. O saber é um bem inútil em “Objeto sujeito”. Sabedoria é não saber nada que valha a pena (pasárgada, xanadu, shangrilá, ou a chave de um poema).

“Poesia: 1970” é poesia marginal, aquela em que um rabisco já é um clássico. Sobre a poesia marginal, o poeta declarou certa vez: “a poesia dos anos 70, ou ‘marginal’, é ótima: ela registra bobagens tão insignificantes que nenhuma prosa se dignaria recolher para as eternidades da memória. A poesia dos anos 70 é uma antropofagia.” A voz poética despreza quem defende a poesia de impulso, de improviso, mas garante que continua a cometê-la.

“Despropósito geral” é o despropósito de escrever obras-primas, como resultado de uma estranha luta e muito abuso, quando na verdade sua poesia é eco de toda a escrita do mundo.

Em “Um metro de grito”, Leminski metaforiza o comércio poético perguntando: “quanto me dão / por minhas idéias?” A recepção da poesia é algo enganosa, “coisas que eu vendo a metro / eles me compram aos quilos”, afinal para que serve a arte, para que se consomem filmes, livros, discos? Diante da postura dos intelectuais brasileiros de defesa comiserada da poesia, que, segundo eles, é injustiçada pelo grande público, que não a consome, Leminski dizia que poesia não é feita para vender: “Poesia é um ato de amor entre o poeta e a linguagem”. Daí a idéia de grito associada à poesia, que aparece em ‘Um metro de grito”, “O par que me parece”, “Passe a expressão”, e “Distâncias mínimas”: o desabafo, o orgasmo, o produto dessa relação de amor.

Essa relação de amor chega a ser adoração, como em “Anch’io son pittore” (“Eu também sou pintor”), em que o eu-lírico refere-se à postura de Fra Angelico, pintor italiano do século XV, que se ajoelhava diante de suas pinturas religiosas, como se fosse pecado não se curvar diante de tão magnífica criação: “orava como se a obra / fosse de deus não do homem”. Ao declarar-se também “pittore”, a voz poética confessa sua adoração pela obra poética, obra divina.

Poesia pode ser arte sublime mas também pode traduzir-se em “Rimas da moda”, cada tempo com seu verso característico: na década de 1930, as rimas singelas de amor puro e o sofrimento amoroso; nos anos sessenta, a poesia em defesa de uma sociedade mais justa; nos anos 80, a liberação sexual na sedução amorosa.

Esse império dos signos em dispersão é o mundo das palavras em “Nomes a menos”. Nome não é coisa, é o que resta das coisas quando elas passam. E todas passam, só os nomes ficam, a palavra é mais resistente do que a coisa nomeada. E a “alma” do signo não tem nome e não é coisa, nome e coisa são coisas que doem dentro do nome, “que não tem nome que conte / nem coisa pra se contar”.

A dispersão das palavras e expressões na folha branca retorna em “Sortes e cortes”, em que uma tesoura deforma a folha, que contém uma magia diabólica, “claro oculto entre as claridades”, uma sensação de vazio que dá saudade. Em “Sujeito indireto”, o poeta declara que sua luta com as palavras poderia ser amenizada se ele pudesse atingir a perfeição ainda no projeto. Seu desejo era vislumbrar a arte perfeita antes de começar a obra, mas isso é impossível.

E assim continuam a desfilar os flashes poéticos com seus recados. “Como pode?”: a poesia de hoje é diferente da de ontem, tudo muda, provoca uma sensação de estranhamento; “Rosa Rilke Raimundo Correa”: o trabalho poético tenta transformar sensações em palavras; “O atraso pontual”: a inspiração é um “impuro espírito”, ao mesmo tempo arquiteto e vampiro, racional e sobrenatural, a poesia existe na ausência do tempo e do espaço no encontro do tempo e do espaço, a essência da solidão do poeta e de sua poesia; “Segundo consta”: o poeta rejeita o projeto de felicidade que a sociedade lhe propõe, e ao acabar o mundo, ele será reconstruído segundo a ótica poética, com exceção talvez do amor: será possível sua recriação? Alguém se lembra de como ele era antes?

Outras são as temáticas: a vida incompleta e inexplicável, a inutilidade da memória, a apreensão do mundo em suspensão, em flashes atemporais, o amor/desamor do homem, sua infinita incapacidade de amar ou de lidar com o enigma amoroso, a ambigüidade e indefinição do ser humano em sua trajetória tortuosa, plena de problemas que não se resolvem e constituem família:

problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas

Merece destaque a temática amorosa, que comparece como segunda em presença, com nove ocorrências. Leminski se queixava de que nenhuma disciplina científica nunca tenha tratado do amor como objeto de estudo: “O amor é uma coisa que você vai ter que procurar nos artistas, na televisão, no cinema, e, principalmente, na poesia”. Já que a ciência o despreza, vamos achá-lo nos textos. Mas o que é o amor para o Paulo? É tudo o que é a poesia e a vida: incertezas, mudanças constantes, desencontros, relacionamentos instáveis.

Mas o que é o amor para o Paulo? É tudo o que é a poesia e a vida: incertezas, mudanças constantes, desencontros, relacionamentos instáveis.

Ele já começa vazio num poema sem título (“Pra que título? O poema não funciona sozinho?”), e reflete o próprio vazio da existência, “essa maldita capacidade, / transformar amor em nada”. A maldita incapacidade de amar é reiterada no coração do eu-lírico de “Além alma”, o qual NÃO TEM VAGA NEM LUGAR para o amor, cuja presença faz sofrer, cuja ausência cai macio. O sentimento continua negado na lógica lúdica do poema sem título cujos primeiros versos são “sorte no jogo / azar no amor”: o jogo do amor não serve para quem não gosta de jogo, independente de azar ou sorte, e sua falta provoca “Parada cardíaca”.

Depois de tanta poesia sobre poesia, poeta, leitor, e depois amor, vamos aos haicais de “Kawa cauim”. O que é isso? Parece-nos o ideograma de “rio” em japonês como o high spirit do delírio tupiniquim. Esta parte tem como subtítulo “Desarranjos florais”, justificando o fato de que a seção não se compõe de haicais formalmente perfeitos. Mesmo mantendo os três versos tradicionais do haicai, como acontece na maioria das vezes, eles nunca obedecem à estrutura tradicional de 5-7-5 sílabas. Em outros casos, o pequeno poema apresenta não três, mas quatro, cinco ou seis sílabas, e às vezes tem até título, o que foge à característica formal do pequeno poema japonês.

Leminski começou a se interessar pelo haicai em torno dos vinte anos de idade, estudando e traduzindo autores japoneses, principalmente Matsuo Bashô, poeta japonês (segunda metade do século XVII) que levou o haicai à perfeição.

O haicai como forma fixa é um pequeno poema de três versos, de 5, 7 e 5 sílabas, respectivamente. O próprio Leminski explica as funções dos três versos do haicai:

“O primeiro verso expressa, em geral, uma circunstância eterna, absoluta, cósmica, não humana, normalmente, uma alusão à estação do ano, presente em todo haicai. O segundo verso representa a ocorrência do evento, o acaso da acontecência, a mudança, a variante, o acidente casual. Por isso, talvez, tenha duas sílabas a mais que os outros. A terceira linha do haicai apresenta interação entre a ordem imutável do cosmos e o evento.”

Segundo o especialista Reginald Horace Blyth, destacam-se no haicai as seguintes características principais:

a) a ausência do eu, onde o poeta procura não deixar transparecer sua individualidade, inserindo sua opinião;
b) não moralidade, pois questões morais configurariam prosa e não poesia;
c) solidão, a plenitude de estar só consigo mesmo;
d) grata aceitação, o que nos torna mais felizes, independente das coisas que nos aconteçam;
e) intelectualidade ou ausência das palavras, procurando usar mais substantivos do que adjetivos;
f) contradição, de notada influência do espírito zen, à semelhança dos koan (anedotas), que servem para o mestre treinar seus discípulos.

Antes de se iniciarem os “Desarranjos florais”, parte que contém os haicais propriamente ditos, o poeta explica o ideograma de kawa, rio em japonês, e “explica” a filosofia de “Hai” e “Kai”. “Hai” nasce perfeito, e definha ao iniciar a busca de si mesmo, do conhecimento, das explicações da vida, da arte e da poesia, diminui ao crescer e morre germe. “Kai” reitera o estado quase puro da poesia, que retira o corpo mas deixa a sombra, o mu-ga (“não-eu”, em japonês, o exato ponto de harmonia entre o eu e as coisas).

A adoração de Leminski pelo haicai começa por sua crença no texto curto, de bate-pronto, típica de uma poesia feita de “saques, piques, toques & baques”, como se auto-analisa o poeta. Para ele, “o haicai valoriza o fragmentário e o ‘insignificante’, o aparentemente banal e o casual, sempre tentando extrair o máximo do significado do mínimo de material, em ultra-segundos de hiper-informação. De imediato, podemos ver em tudo isso os paralelos profundos com a estética fotográfica. Esses traços característicos do haicai podem ser transpostos sem nenhuma dificuldade para a fotografia”.

Vejamos um deles:

noite sem sono
o cachorro late
um sonho sem dono

Seguindo o hexálogo de Horace Blyth, constatamos que o poemeto

a) não revela um eu subjetivo;
b) não lida com questões morais;
c) apresenta a solidão essencial;
d) pressupõe a grata aceitação tipicamente zen;
e) contém poucas palavras, com predominância de substantivos;
f) apresenta uma incoerência no objeto da ação de latir.

O haicai capta o mundo exterior, a fotografia de um momento, que ultrapassa sua própria vulgaridade. Apesar da elisão do sujeito, apresenta-se um Eu maior (mu-ga), que permite que o mundo seja, sem a interferência de anseios e temores. A noite sem sono não é a insônia de um homem, é um estado de coisas da própria noite, uma declaração de que ela está lá, “uma circunstância eterna, absoluta, cósmica”. O evento, a perturbação vem com o latido do cão, sem dono, como a noite, o sono e o sonho. O sonho sem dono da terceira linha é o elemento que concilia as duas anteriores, que completa a cena, arredondando-a; não necessariamente a conclusão lógica, mas a parte integrante que confere unidade à tríade.

E assim seguem os “desarranjos” do Paulo, sobre o mar, o céu, o sábado ou simplesmente o dia de vida, o sol, a chuva, as praias, o inverno, a lua, o vento, a alvorada, o temporal, a tarde… Aí ele ri e lhe dá de presente:

rio do mistério
que seria de mim
se me levassem a sério?

Distraídos Venceremos é um exemplo claro sobre a última fase da poesia de Leminski e nele o poeta mostra todas as suas facetas encontradas, de forma distraída, quase que naturalmente, o que nos dá uma sensação de ter lido um grande livro de poemas, de um Leminski no melhor de sua forma poética. E por que ele escrevia?

RAZÃO DE SER

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê? (Paulo Leminski)

Fonte
Cid Ottoni Bylaardt. In http://www.passeiweb.com

Deixe um comentário

Arquivado em Sopa de Letras

Clarice Lispector (Das Vantagens de ser Bobo)

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir tocar no mundo.

O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo, estou pensando.”

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.

O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar,e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.

O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. Aviso: não confundir bobos com burros.

Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida.

Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Fonte:
Coletânea Clarice Lispector. Digital Source.

Deixe um comentário

Arquivado em A Escritora com a Palavra

Moacyr Scliar (A Colina dos Suspiros)

Com um texto bem-humorado, em A Colina dos Suspiros, de 1999, o autor brinca com a paixão dos brasileiros pelo futebol: se eu morrer na sexta-feira quero ser enterrado no sábado, na hora do jogo. Esse amor pelo clube que está presente nas grandes cidades com os seus jogadores famosos mobiliza também o coração dos torcedores dos times dos times prquenas cidades, distantes e humildes.

Até a presença do cartola, figura tão criticada no meio futebolístico, se faz representar na cidade de Pau Seco: o fazendeiro da região praticamente sustenta time, e nenhuma decisão é tomada sem o seu consentimento.

A ironia do texto cativa o leitor atento, e a venda do estádio do Pau Seco para a construção de um cemitério verticalizado, ponto turístico da cidade, recebe do autor tratamento primoroso. A escolha do nome “Pirâmide do Repouso Eterno”, eufemismo para cemitério, seduz os habitantes da cidade, pois atenderia à vaidade humana na hierarquização dos sepultamento: grande jogada de marketing da personagem, lance do mais fino humor de Scliar.

Enredo

Futebol, intriga, paixão e mistério são os ingredientes desta história. A história é verídica. Nos anos 70, o Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre, vendeu seu estádio e o lugar se tornou um cemitério (João XXIII). Entre os torcedores do time figura o escritor gaúcho Moacyr Scliar, que inspirado no episódio escreveu um romance divertido. Justamente sobre uma equipe decadente cujo campo vai abrigar a Pirâmide do Eterno Repouso. Entre os tipos pitorescos que recheiam a trama, o mais estranho é Rubinho, craque com potencial de gênio, atormentado por assombrações.

A ascendência russa e a cultura judaica são decisivas na obra de Moacir Scliar, assim como os conhecimentos, experiências e vivência de médico sanitarista. Admiração confessa pelos escritores Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Franz Kafka e, na música, por Mozart, Philip Glass e Chico Buarque. Futebol é o tema de A colina dos suspiros, do gaúcho Moacyr Scliar, e a pequena cidade de Pau Seco é o cenário.

Da realidade à ficção, o autor apresenta neste romance a pequena cidade de Pau Seco, com dois clubes de futebol que se digladiam há muito tempo. Futebol em Pau Seco é o que move ou paralisa a cidade. O estádio fica junto do cemitério.

Ali, o Pau Seco Futebol Clube, à beira da falência, cede seu estádio para a construção de um cemitério. A salvação está em Rubinho, um dos trabalhadores da obra, que se revela um extraordinário jogador.

Rubinho, a possível salvação dos paussequenses, é o jogador-revelação da cidade, que sofre uma humilhação pública, pois tem medo de marcar gol em frente ao túmulo do falecido ídolo Bugio. Desaparece, e só tem um desejo – vingança. Trata-se de um momento decisivo em sua vida. Com humor e sutileza, questões éticas, políticas, sociais, familiares, amorosas, o bem e o mal são discutidos.

O cemitério volta a ser estádio. Aí aparece de tudo: coronel todo-poderoso com seus mandos e desmandos, pobre que sai do anonimato para a riqueza sem preparo, maracutaias e espertezas. Esta narrativa terá surpreendentes desdobramentos e também por isso, fascina o público jovem ou, melhor, de qualquer idade. Com humor e sutileza, Moacyr Scliar discute questões éticas, políticas, sociais, familiares, amorosas, o bem e o mal. Com humor leve, essa saborosa crônica cativa pelo ótimo texto, só interrompido pelas risadas que desperta.

Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_colina_dos_suspiros

Deixe um comentário

Arquivado em Estante de Livros

Vânia Diniz (A Pequena Órfã)

Quando eu era muito pequena não compreendia nenhuma diferença entre as pessoas. Como pertencia a uma classe privilegiada e tudo era realizado com facilidade à minha volta tinha a ilusão de que todos podiam satisfazer suas necessidades básicas e que “Ter uma casa “ era tão natural como nascer.

Crescendo um pouco comecei a me aperceber o meio privilegiado a que pertencia., porém jamais tinha imaginado a separação que poderia haver entre seres humanos . Aprendera teoricamente que éramos todos iguais, porém notara sempre, desde muito cedo que no colégio que estudava havia uma ala separada, freqüentada por meninas que vestiam um humilde uniforme, o contraste do que era o nosso e que costumavam ajudar nos trabalhos domésticos, embora houvesse uma parte do dia que dedicavam aos estudos.

Essas meninas passavam casualmente por nós, alunas, quando estavam fazendo qualquer tarefa, sem, entretanto nos dirigir a palavra ou iniciar qualquer conversa.

Ocorreu que eu simpatizei com uma daquelas meninas, o que foi recíproco. Senti uma estranha amizade por aquela criança, da minha idade, mas tão acanhada, cujos olhos castanhos profundos era marcados pelo estrabismo que não diminuía a meiguice da expressão. Olhamo-nos como duas boas amigas e sempre que podíamos conversávamos, o que era raro, sem que ninguém nos visse. Isso, porém trazia muito medo à minha secreta amiga que temia que as freiras ou professoras nos vissem juntas. E muitas vezes perguntávamos reciprocamente o que isso poderia haver de mal.

Algumas vezes ela me dizia que era pobre e eu rica e eu lhe perguntava o que isso poderia interferir em alguma coisa.

Tinha uma poderosa atração por aquela ala que ficava na parte de cima do colégio e que sabia ser o pequeno orfanato que as freiras mantinham.

Um dia aproximei-me dela na mesma hora que uma professora ia passando e Soninha advertiu-me da possibilidade de sermos punidas de alguma maneira.

– Cuidado. Preciso ir, ela me disse ,entre triste e revoltada.

– Não fique assim, por favor. Elas não podem fazer nada. Afinal, o que tem de mais conversarmos?

– Você sabe que somos diferentes e que isso não será bom para nós duas. Só que me parece, eu serei a maior prejudicada.

Aquelas palavras me confrangeram e me afastei magoada, sem, entretanto tirar da cabeça a idéia de visitar a ala proibida. Pensativamente afastei-me e por um longo período fiquei sentada no pátio do colégio, onde minhas colegas brincavam na hora do recreio, até que uma freira veio saber o motivo do meu afastamento. Nada disse. Tentava digerir as diferenças que ocorriam e que agora já me preocupavam, pois não conseguia esquecer algo que não podia compreender.

Um mês depois procurei me encontrar com a pequena órfã para lhe dar um livro que havia trazido e quando a encontrei vi no seu sorriso a felicidade pelo fato de não a ter esquecido mesmo depois de sua admoestação. Uma freira veio em minha direção e chamou-me, perguntando o motivo pelo qual eu ainda não havia me juntado às minhas colegas. Receosa de que minha amiga fosse advertida encaminhei-me em direção ao corredor que me levaria às salas, não sem antes ser interrogada pelo fato de estar conversando com Soninha. Disse-lhe que achava isso um absurdo e que me fizesse compreender o mal existente . Ela respondeu-me com evasivas, dizendo que um dia eu compreenderia o valor de aprender a seguir regras preestabelecidas. Não concordei com minha mestra, mas como pretendia realizar o desejo secreto de conhecer o outro lado do enorme colégio , calei-me para não chamar atenção.

Muitas vezes, durante aquele período de minha vida, senti o contraste nas coisas que aprendia e na prática do dia a dia. Não tinha mais do que dez anos e experimentava um estranho amargor ao verificar o que considerava , na época uma injustiça e mais ainda pela sensação de impotência que muitos anos depois viria a sentir em vários acontecimentos tristes e que naquela fase não sabia definir nas minhas reflexões o termo apropriado.

Foi num dia que me parecia igual aos outros que resolvi realizar o sonho de muitos meses. Nunca irei esquecer a sensação de leveza e expectativa que me dominou nos momentos que antecederam a minha exploração pela área desconhecida e, no entanto quanto mais se aproximava o momento da minha indisciplina e um medo latente aflorava, mais eu me sentia empolgada.

Estava acostumada a andar pelo colégio e gostava disso, porém naquele dia não sei como havia conseguido uma desculpa para sair da aula momentos antes do seu término.

Costumava correr por aqueles caminhos conhecidos, mas sempre com a presença de um adulto a alguma distância. Assim foi com uma sensação de liberdade que cheguei ao local de várias dependências que se posicionavam na parte mais alta da enorme escada.

Com o coraçãozinho batendo fortemente, as faces em fogo e os olhos atentos e exploradores deparei-me em primeiro lugar com uma sala de estar decorada com gosto e sobriedade e em seguida uma pequena biblioteca que me fascinou enormemente e que jamais esquecerei. Lembrava da enorme biblioteca do colégio, onde gostava de ficar e aquele simpático e acolhedor ambiente me conquistou imediatamente, exatamente pelo contraste impressionante e pela elegância natural que transparecia.

Quando ia encaminhar-me para outro lugar do singular pavilhão deparei-me com Soninha a olhar-me de maneira insólita no corredor largo e curto. Nesse momento arrependi-me realmente daquele passeio idealizado. Ela me fitava com medo.

E senti que me julgava uma traidora pelo modo como a arriscava.

Não queria acreditar naquele olhar e, no entanto a despeito de tudo eu fazia isso por amizade e carinho. Queria demonstrar que éramos iguais, que todos eram iguais. Ela não compreendera? Lentamente voltei-me aguçada pelo barulho que ouvira e vejo minha mestra aproximando-se lentamente no portal do tranqüilo corredor , agora tão assediado.

A sensação de que tinha perdido uma causa e uma amiga pressionava meus ouvidos e notei que as lágrimas envolviam meus olhos com um inexplicável atordoamento. Não sentia nem um pouco de medo de qualquer punição, apenas não tolerava parecer inconseqüente à pequena órfã indefesa.

Mas ela aproximou-se de mim e com um raro sorriso imensamente doce tocou em meu braço.

– Não chore, não, por favor. Não importa o que aconteça. Sei agora que somos todos iguais e que a única coisa que nos separa é a falta de amor de algumas pessoas. Mas só algumas…

Olhei-a abraçando-a enquanto minha mestra se curvava e segurava nossas cabeças juntas , trazendo-as de encontro a seu peito sem coragem de falar.

Muitas vezes iria me lembrar disso com indizível carinho e mais tarde, muito mais tarde, quando fui visitar meu colégio, deparo com uma jovem irmã, que não estudara tanto quanto as freiras titulares, mas que cuidava da portaria.

Olhando-a, revi debaixo da touca religiosa, os olhos estrábicos, porém imensamente ternos e incrivelmente bonitos da pequena órfã.

Depoimento real omito, porém, nomes verdadeiros para preservar-lhes a privacidade.

Fontes:
http://www.vaniadiniz.pro.br/
Imagem = http://migracao.sisfacil.com.br/

Deixe um comentário

Arquivado em A Escritora com a Palavra