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Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta) O Gato e o Burro


CONTO ACUMULATIVO

Neste tipo de conto, o herói tem um problema e para resolvê-lo faz uma série de tentativas que vão se repetindo de forma sucessiva. Todos os elementos que entram na história são retomados, sempre na mesma ordem, até o fim. A acumulação é uma técnica de memorização muito antiga.

O GATO E O BURRO

O gato e o burro saíram para dar uma voltinha. No meio do caminho encontraram uma árvore.

– Quer valer como eu consigo trepar na árvore mais depressa que você? – perguntou o gato.

– Apostado! – respondeu o burro.

Os dois saíram correndo mas, claro, o gato venceu fácil.

O bichano ficou lá no alto miando e dando risada do burro.

O burro não gostou nem um pouco. Esperou o gato descer, deu uma mordida e arrancou seu rabo fora.

– Me dá meu rabo! – gritou o gato.

– Não dou!

– Me dá meu rabo!

– Só dou se você me arrumar um copo de leite quente.

O burro e o gato foram conversar com a vaca. O gato pediu:

– Vaca, me arranja um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a vaca:

– Só se você me arrumar capim.

O burro e o gato foram conversar com o barranco. O gato pediu:

– Barranco, me arranja um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o barranco:

– Só se você me arrumar água.

O burro e o gato foram conversar com a represa. O gato pediu:

– Represa, me arranja água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a represa:

– Só se você me arrumar uma enxada para tapar meus buracos.

O burro e o gato foram conversar com o ferreiro. O gato pediu:

– Ferreiro, me arranja uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o ferreiro:

– Só se você me arrumar um par de sapatos, que eu ando descalço.

O burro e o gato foram conversar com o sapateiro. O gato pediu:

– Sapateiro, me arranja um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o sapateiro:

– Só se você me arrumar um saco de pão, que eu estou com fome.

O burro e o gato foram conversar com o padeiro. O gato pediu:

– Padeiro, me arranja um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o padeiro:

– Só se você me arrumar trigo.

O burro e o gato foram conversar com um trabalhador que plantava trigo no campo. O gato pediu:

– Trabalhador, me arranja um pouco de trigo para eu dar para o padeiro para ele me dar um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

O trabalhador estava ocupado e não gostou de tanta falação:

– Burro não toma copo de leite quente!

Depois pegou um pedaço de pau e saiu correndo atrás do burro e do gato dando cada pancada que até ardia de tão doída.

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. – (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

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Pedro Malasartes (Ai, Que Dor de Dente)

Cansado de andar, Pedro Malasarte chegou a uma grande cidade. Já haviam se passado dois dias desde que se banqueteara com os cegos e seu estômago dava horas.

Para piorar ainda mais sua situação, estava com uma dor de dentes que mal podia suportar.

Mas não tinha dinheiro nem para pagar o dentista -que naquele tempo era o barbeiro -nem para comer. Gastara as últimas moedas no caminho, comprando um burrico para uma pobre velha que também ia para a cidade mas mal podia andar.

Ia mergulhado em tristes pensamentos quando passou na porta de uma padaria. Acabava de sair uma fornada e o cheiro de pão enchia o ar.

Pedro Malasarte olhou para dentro e viu toda espécie de pães e bolos.

Ficou com água na boca.

O dono da padaria estava na porta, com seu avental branco, e parecia ter o rei na barriga. Em tom de mofa, vendo a cara de Pedro Malasarte, perguntou-lhe:

– Quantos pães e doces seriam necessários para matar a sua fome, hein?

Nosso herói respondeu sem hesitar:

– Puxa, aposto que comeria uns cem…

– Ora, ora! – exclamou o padeiro, que adorava fazer apostas. – Que posso lhe fazer se não conseguir comer mesmo cem pães e doces?

– Amigo padeiro, já deve ter percebido que não tenho comigo um só tostão. Mas para lhe mostrar que sou mesmo capaz de fazer o que estou dizendo, pode mandar me arrancar um dente de quatro raízes se não comer cem pães e doces!

Arrancar dente sempre foi coisa de meter medo. Divertido com a aposta, o dono da padaria mandou Pedro Malasartes entrar e serviu-lhe os mais finos produtos do seu estabelecimento. Pãezinhos de queijo e broas, bolos, doces, marias-moles e tudo o mais.

Nosso herói estava mesmo com uma fome de lobo e conseguiu comer, sem maior esforço, uns quatro pães, duas ou três broas, algumas roscas e quatro ou cinco doces.

Dando-se por satisfeito, virou-se para o padeiro:

– É… Não é que não consigo nem olhar mais para pães e doces?

Prontamente o outro o agarrou pelo braço e levou-o ao barbeiro:

– Amigo barbeiro, trate de arrancar por minha conta um dente de quatro raízes desse malandro!

– Este aqui, este aqui -apontou Pedro Malasartes, mais que depressa, rindo por dentro.

O barbeiro arrancou-lhe o dente dolorido em três tempos. Não doeu tanto assim, mas Malasartes fez muitas caretas.

-Está vendo só no que dá fazer apostas? -disse o padeiro, com ar triunfante. -Devia ter visto logo que não poderia comer tanto assim.

– Pois agora é que vou comer muito mais! -retrucou Pedro Malasartes.

E foi-se embora assobiando, com a barriga cheia e livre do dente que tanto o incomodava, sem gastar um tostão…

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Pedro Malasartes (O doutor Saracura)


Anda que anda, Pedro Malasarte chegou a uma cidade onde o maior edifício era o hospital. Havia para mais de duzentos enfermos ali internados, cada um deles padecendo dos mais variados males.

Pedro Malasarte matutou um pouco e foi procurar o diretor do hospital.

-Não há mais lugar – foi-lhe dizendo este ao vê-lo entrar, com medo que fosse mais um doente.

Realmente, velho e cansado, o doutor Pulsação já não conseguia dar conta de tantos enfermos. E estava ficando difícil arranjar comida e roupa lavada para toda aquela gente. É que mais da metade eram de espertalhões que se fingiam de doentes para comer e beber de graça.

-Meu bom colega -disse Pedro Malasarte. -Imagine que soube das suas dificuldades e viajei de muito longe para ajudá-lo. Meu nome é doutor Saracura e já acabei com muitas epidemias. Pela módica importância de duzentas moedas prometo esvaziar seu hospital amanhã ao meio-dia.

O velho diretor ficou exultante. Estava mais do que barato. O grande médico estrangeiro ia pôr toda aquela gente na rua, curada!

Havia muitos doentes de verdade, aleijados, paralíticos, loucos… Mas Pedro Malasarte deu um jeito de se aproximar de um por um, sempre com a pose de um grande doutor, e, fingindo examiná-los, dizia-lhes no ouvido:

-Homem, quem não estiver em condições de sair correndo pela porta da rua amanhã ao meio-dia, será torrado para se preparar um xarope para os outros.

Mesmo os que estavam em pior estado – e até os loucos – compreenderam muito bem suas palavras e arregalaram os olhos. E todos trataram de preparar suas trouxas para escapulir dali logo que pudessem.

No dia seguinte, Pedro Malasarte mandou abrir de par em par os portões do hospital.

Então subiu até a enfermaria, junto com o doutor Pulsação, e bradou:

-Quem se sentir curado pode sair correndo pelo portão!

Não ficou um só doente na cama. Todos, sem exceção, dos que tinham bronquite a dor de cabeça, pularam do leito e, com a trouxa nas costas, trataram de dar o fora com quantas pernas tinham. E os que não tinham pernas ou eram paralíticos arranjaram quem os carregasse.

O doutor Pulsação ficou boquiaberto com aquele milagre. Em poucos minutos o hospital ficou deserto. O único doente que permaneceu deitado foi um que morrera de noite e por isso mesmo não podia se levantar.

Pagou ao estraordinário médico estrangeiro as duzentas moedas pedidas, ao que este se despediu:

-Tenho muito que fazer em outras terras.

Passou-se uma semana na mais perfeita paz. O doutor Pulsação nunca tivera tanto sossego. Então, meio ressabiados, começaram a voltar os doentes. Mas só os doentes de verdade, que não se aguentavam de pé. Os outros, os aproveitadores, resolveram ficar longe do hospital onde se torrava gente para fazer remédio…

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Pedro Malasartes (Tema Bíblico)


Pedro Malasartes estava trabalhando para o padre. O esperto sacerdote assou uma leitoa, mas não queria que o Malasartes provasse do seu banquete. Para isso, afirmou que só comeria daquela carne quem conhecesse tema bíblico. Pôs a leitoa na mesa e disse:

-“Assim como Pedro cortou a orelha de Malco, eu corto a orelha desta leitoa”, e a orelha da leitora foi para o seu prato.

O sacristão se aproximou e disse: -“Assim como a cabeça de João Batista foi cortada e posta em um prato, eu corto a cabeça desta leitoa”, e assim foi feito.

Pensava o reverendo que Pedro não conhecesse nada dos evangelhos. A essa altura, aproximou-se o Pedro e disse: -“Assim como José de Arimatéia carregou o corpo de Cristo, eu carrego o corpo desta leitoa”.

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Pedro Malasartes (Malasartes Vende uma Panela de Alumínio)


Em uma de suas andanças pelos mercados e feiras, Malasartes usando a sua grande astúcia e tino para os negócios, conseguiu trocar o que não valia nada por uma linda panelinha de alumínio, pensando:

– Hum… esta panela vai ser muito útil para cozinhar nas estradas.

Na primeira viagem que fez levou a panelinha e estava preparando o seu almoço, que já abria a fervura, quando ouviu o tropel de um comboio que carregava algodão.

Mais que depressa cavou um buraco, colocou todas as brasas e tições dentro, cobrindo o buraco com areia, e pôs a panela por cima, que continuou fervendo.

Os comboieiros que iam passando ficaram admirados de ver uma panela ferver sem haver fogo. Pararam, discutiram e perguntaram se Malasartes não queria vender a panelinha por um bom dinheiro.

Malasartes fez-se de muito rogado. Dizendo ter adquirido aquele precioso objeto em terras distantes. Mas os comboeiros aumentaram a oferta e Malasartes terminou vendendo a panelinha.

Eles, os novos proprietários da panela mágica seguiram a sua jornada, muito satisfeitos da compra que no outro dia verificaram ser mais um logro, uma diabrura, do conhecido PEDRO Malasartes.

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Pedro Malasartes (O Urubu Adivinho)


Devido o espírito aventureiro, Malasartes não consegue passar um dia fechado dentro de uma casa, assim ele comprova que “Sua casa é o mundo, seu destino é a estrada”, e ainda acrescenta: “Eu sou Pedro Malasartes, o sabido sem estudo, eu nasci sem saber nada e vou morrer sabendo tudo.”

Em mais uma de suas andanças, numa certa manhã de verão e seca no sertão, ele encontra no meio do seu caminho um urubu com uma perna e uma asa quebradas, debatendo-se no meio da estrada. Agarrou o urubu, colocou dentro de um saco e seguiu o seu caminho.

Ao anoitecer estava diante de uma casa grande e bonita. Pela janela viu uma mulher guardando vários pratos de comidas saborosas e garrafas de vinho em um armário. Bateu na porta e pediu abrigo e comida. Mas a mulher recusou o seu pedido, dizendo que como o marido não estava em casa ficava feio, pra ela, receber um homem em sua casa. O que as vizinhas não vão falar. Terminou dizendo.

Malasartes foi pra debaixo de uma árvore e continuou a observar a casa. Com pouco tempo ele reparou que vinha chegando as escondidas um rapazinho ainda moço e que foi recebido com muitos agrados pela mulher dona da casa que o levou imediatamente para mesa e começou a servir vinho e um manjar de fazer inveja a qualquer rei.

Quando os dois iam começar a comer a beber, eis que aparece montado num cavalo alazão o dono da casa. O rapaz fugiu pelas portas do fundo e a mulher tratou de esconder os pratos de comidas e os litros de vinho dentro do armário.

Malasartes deu o tempo suficiente para o dono da casa tomar um banho e trocar de roupas e bateu novamente na porta da casa. O homem veio atende-lo, e ele pediu abrigo e comida. O dono da casa o mandou entrar, lavar as mãos e o convidou a sentar na mesa para o jantar.

A mulher começou a servir outra comida, bem pobre e mal feita. Malasartes, sempre com o urubu dentro do saco, deu com o pé, fazendo o roncar e começou a falar baixinho, como se estivesse discutindo com o urubu.

O dono da casa intrigado perguntou: – Com quem está falando?

Malasartes sem gaguejar respondeu. – Com esse urubu.

O dono da casa meio desconfiado retrucou: – Um urubu falando?

– Sim senhor, falando e adivinhando. Esse urubu é ensinado e adivinhador. – Disse com toda a esperteza Malasartes.

O patrão, imaginando que Malasartes era louco perguntou: – E o que é que ele está adivinhando agora?

Malasartes com a firmeza que lhe é peculiar respondeu:

– Ele está dizendo que naquele armário há um peru assado, arroz de forno, pernil de porco, bolho de milho, farofa de cebola e três litros de vinhos.

O Dono da casa só para comprovar ordenou a mulher: Procura aí, mulher, pra ver se é verdade. A mulher desconfiada ainda tentou dizer que aquilo era loucura, pois urubu não fala e nem tão pouco adivinha e Malasartes retrucou:

– Abra pra ver se é verdade ou não.

O Dono da casa ordenou: – Abra é uma ordem.

A mulher abriu o armário e fingindo surpresa anunciou tudo que o urubu tinha dito e todos comeram com muito apetite aquelas guloseimas.

Ao terminar o jantar o Dono da Casa perguntou por quanto ele queria vender o urubu e Malasartes fingindo indiferença disse que não vendia de forma alguma.

Pela manhã, após um grande e saboroso café, o dono da casa dobrou a oferta da noite passada e Malasartes fingindo contrariado aceitou o dinheiro, deixando na casa da mulher traidora e do homem besta enganado, um urubu, com a asa e as pernas quebradas, que nunca mais adivinhou coisa alguma.

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Pedro Malasartes (Pedro se vinga do Fazendeiro)

Um casal de velhos possuía dois filhos homens, João e Pedro, este último era tão astucioso, vadio e inteligente que todos o chamavam de PEDRO MALASARTES. Como era gente pobre, o filho mais velho, João, saiu para ganhar a vida e empregou-se numa fazenda onde o proprietário era rico e cheio de velhacaria, não pagando aos empregados porque fazia contratos impossíveis de serem compridos. João trabalhou quase um ano e voltou para casa quase morto. O patrão tirara-lhe uma tira de couro desde o pescoço até o fim das costas e nada mais lhe dera. Pedro, o Malasartes, ficou furioso e saiu para vingar o irmão. 

Procurou o mesmo fazendeiro e pediu trabalho. O fazendeiro disse que o empregava com duas condições: 

Primeiro, não enjeitar serviço e segundo, quem ficasse zangado primeiro tirava uma tira de couro do outro. 

Pedro não pensou duas vezes, de pronto aceitou as condições impostas pelo patrão. 

No primeiro dia foi trabalhar numa plantação de milho. O patrão mandou que uma cachorrinha o acompanhasse. E disse: Só pode voltar pra casa quando a cachorra voltar. 

Pedro meteu o braço no serviço até meio-dia. A cachorrinha deitada na sombra nem se mexia. Vendo que a cachorra era treinada e que aquilo era uma artimanha do Patrão, Malasartes deu uma grande paulada na cachorra que saiu ganindo e correndo até o alpendre da casa. O Malasartes, para surpresa do velho patrão, voltou e almoçou. A tarde ele nem precisou bater na cachorra, fez só o gesto e a cachorra com medo voou pelo caminho em direção a casa do fazendeiro. 

No outro dia o fazendeiro escolheu uma outra tarefa e o mandou limpar a roça de mandioca. Malasartes arrancou toda a plantação, deixando o terreno completamente limpo. Quando foi dizer ao patrão o que fizera este ficou com a cara feia e Malasartes perguntou: 

– Zangou-se, meu amo e senhor? 

O Patrão a contragosto pra não perder a aposta respondeu: 

– De jeito nenhum, meu caro. 

No terceiro dia o patrão acordou Malasartes bem cedinho e disse: 
– Pegue o carro de boi e me traga mil estacas de um pau liso, linheiro e sem nó. 

Malasartes não contou conversa, cortou todo o bananal, explicando ao patrão que bananeira era o pau que liso, linheiro e sem nó. O patrão fez uma careta de raiva e Malasartes perguntou: 

– Zangou-se, meu amo e senhor? 

O patrão, para não perder a aposta disse: 

– De jeito nenhum, meu caro. 

No dia sequinte, quarto dia de trabalho do Malazartes na Fazenda, o patrão mandou que ele levasse o carro e a junta de bois, para dentro de uma sala numa casinha bem perto, sem passar pela porta. E para atrapalhar ainda mais, fechou a porta e escondeu a chave. 

Malasartes agarrou um machado e fez o carro em pedaços, em seguida matou e esquartejou os bois e os sacudiu, carnes e madeiras, pela janela, para dentro da sala. O patrão quando viu fez uma careta de raiva e Malasartes perguntou: 

– Ficou com raiva, meu amo e senhor? 

O patrão, mais uma vez, para não perder a aposta respondeu: 

– De jeito nenhum, meu caro. 

A noite o patrão ficou pensando como pegar aquele cabra tão vivo. Levantou-se de supetão, foi até a rede onde Malasartes estava dormindo, o acordou, ordenando: 

– Você vai agora mesmo vender meus porcos lá na feira. 

Malasartes não contou duas vezes e levou mais de quinhentos porcos para vender na feira. Antes porém de fazer o grande negócio, cortou todos os rabos dos porcos. Vendeu os porcos bom um preço muito bom, além do preço que pagavam no mercado, dizendo ser aqueles porcos de uma raça muito especial. Voltando para casa, enterrou todos os rabos num lamaçal e chegou na casa do fazendeiro aos gritos de desespero dizendo que a porcada toda estava atolada no lameiro. O patrão desesperado correu para ver a desgraça. Malasartes sugeriu cavar com duas pás. Correu para a casa e pediu a mulher do fazendeiro para lhe entregar duas notas de dinheiro para comprar as pás. A velha, que também era tão ruim quanto o marido, não queria dar mas Malasartes para mostrar a ela que era verdade perguntava através de gestos ao patrão se devia levar uma ou duas pás, e o patrão aos gritos respondia: – Traga duas e entregue logo, velha rabugenta. 

Obedecendo as ordens a velha deu as duas notas para Malazartes que tratou de esconde-las nos bolsos que trazia dentro das calças escondidos. Voltou para o lameiro, reclamou da surdez da velha mulher do patrão que não lhe entregou as pás, entrou no lameiro e começou a puxar os rabos dos porcos que dizia estar enterrado, e ia ficando com todos nas mãos. O Patrão fez uma careta horrível de raiva e Malazartes perguntou: 

– Está zangado, meu amo e senhor? 

E o patrão, fulo de raiva, mas sem querer perder a aposta, respondia: – De jeito nenhum, meu caro, de jeito nenhum. 

De noite, sozinho, pensando no que estava ocorrendo e vendo que a cada dia aquele empregado o deixava mais pobre, o fazendeiro resolveu o matar o mais rápido possível, de um modo que ninguém desconfiasse e que ele não tivesse problemas com a justiça. Pensou, rolou na cama, e pronto, já tinha o golpe certo, tão certo que Malasartes nunca vai descobrir, pensou erradamente o patrão assassino. Levantou-se aos gritos chamando Malasartes e esse como um raio entrou pela porta e já estava bem na frente do patrão. 

– Pois não, meu amo e senhor. 

O patrão olhou bem para o seus olhos e disse: – Meu filho, como sei que você é muito eficiente e como estou muito satisfeito com o seu trabalho, vou lhe incumbir de uma tarefa muito difícil e árdua. 

Malasartes respondeu. 

– Diga logo, meu amo e senhor, estou pronto a lhe servir da melhor maneira possível, como sempre fiz. 

O patrão quase morreu com um acesso de tosses. Respirou e disse a Malasartes. 
– Ultimamente anda rondando a minha casa e me roubando um ladrão desconhecido. Tome aqui essa arma. Eu fico vigiando primeiro, já tô sem sono, quando for de madrugada, antes do galo cantar, você vem me render. 

A idéia do derrotado patrão, era atirar em Malasartes e dizer a polícia que tinha se enganado, pensando que era o ladrão. 

De madrugada, assim como tava combinado, Malasartes olhou pelo buraco da fechadura e viu encostado na cerca, armado até os dentes, o patrão. Deu volta pelo oitão da casa grande, entrou pela porta da cozinha, subiu para o quarto do velho e começou a acordar a velha, dizendo que o seu marido a esperava lá fora no curral, e que era melhor ela levar a espingarda dele, que tava bem carregada, pois se ela visse o ladrão podia plantar chumbo nele. 

A velha pegou a espingarda e saiu. Quando chegou bem perto da cerca do curral, o patrão pensando que era o Malasartes começou a atirar na velha, acertando um tiro bem no peito. Pensando que tinha matado o Malasartes e só para se certificar da conclusão do trabalho, foi chegando para perto para olhar. 

Qual não foi o seu espanto ao ver a sua velha mulher estatelada agonizando no chão. Naquela hora, Malazartes chegou por traz dele, chorando e o acusando de ter matado a mulher e dizendo: 

– Vou agora mesmo contar a polícia que o senhor é um assassino. O patrão num aperreio danado, não sabia se acudia a mulher ou se tentava convencer a Malasartes para não o denunciar. Malasartes, olhou pra ele e perguntou com uma cara chorosa e safada. 

– Tá com raiva, meu amo e senhor?

O patrão respondeu: 

– De forma alguma, meu caro, porém me diga logo quanto quer pra ficar calado e quanto quer pra sumir da minha fazenda e da minha vista? 

Malazartes cobrou muito caro, pegou muito dinheiro, deixou o fazendeiro liso e pobre e voltou rico, vingado e satisfeito para casa de seus pais, cantando: 
Sou mala sem ser maleiro
sou ferro sem ser ferreiro
sou nordestino e brasileiro, 
eternamente herdeiro
do meu passado estrangeiro. 

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Pedro Malasartes (Outra que Apronta no Céu)


Vim a saber do fim — por assim dizer — finalíssimo — do Malasarte, isto é, como Deus se arranjou com ele no céu, alguns anos mais tarde de um caipira mentiroso da alta sorocabana.

— Quando ele entrou no céu, por obra e arte do tal bonezinho mágico, cujo poder lhe foi conferido por Jesus, em suas andanças pelo mundo, Deus Nosso Senhor, pai de todos falou:

— Não quero que você fique aqui dentro, virando a cabeça de tudo quanto é santo. Já chega a Pedro que você enganou.

Arranjou um montão de trigo e deixou o Malasartes a um canto, contando os grãos, para que ele não tenha tempo de conversar com mais ninguém.

Há uma outra lenda que justifica medida do Todo-Poderoso. Segundo referem alguns dentro da tradição oral do Vale do Paraíba, Pedro sentou-se às portas do paraíso e manhosamente puxou prosa com São Pedro:

— Escute aqui, velhinho…

São Pedro encrespou tempestuosamente as sobracelhas.

— Escute aqui, faz tempo que o senhor é chaveiro?

— Desde que subi ao céu, com Jesus Cristo, meu mestre.

— Seu cargo é vitalício?

— É o que?

— Seu cargo é permanente? O senhor foi nomeado para toda a eternidade?

— Decerto. — Respondeu o velho chaveiro, impondo orgulho.

— E como é que o senhor sabe disso?

— Ora, o Senhor me disse.

— E se ele mudar de opinião?

— Não mudará.

— Mas se mudar? Tudo pode acontecer.

O velho coçou a cabeça.

Malasarte insistiu:

— O senhor não tem nenhum documento, nenhum contrato, que garanta seus direitos? O senhor tem só um entendimento de boca? E se um dia o senhor se desentender com o Mestre? E se ele resolver pôr um chaveiro mais moço, no seu lugar?

— É mesmo.

São Pedro trancou cauteloso a porta e foi para dentro. Procurou Jesus e perguntou-lhe:

— Senhor, eu sou chaveiro, para a eternidade?

— Naturalmente.

— O senhor não acha melhor… o senhor não vê… eu não tinha pensado nisso… o senhor compreende… minha posição… o senhor não acha…

— Que é isso, Pedro? Desembuche de uma vez.

— O senhor não acha bom nós dois assinarmos um contrato?

Cristo franziu a testa e ordenou:

— Traga o Malasarte aqui, que ele vai ficar contando areia, para não ficar enchendo a sua cabeça e a de todos os meus santos.

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Pedro Malasartes (Vida e Morte do Malasarte)

Dizem que Malasarte era o diabo. Pois não era e tanto não era que um dia, depois que Pedro Malazarte deu pousada a Jesus Cristo, este como sempre acompanhado de Pedro — São Pedro, o chaveiro — concedeu-lhe, em paga, o direito de fazer três pedidos.

— Quero — pediu prontamente Malasarte — que quem subir nessa figueira (apontou para uma figueira no quintal) não possa descer sem que eu mande.

— Concedido.

— Quero…

— Pede o reino do céu. — Aconselhou São Pedro.

— Quero — disse o outro sem fazer caso da interrupção — que quem entrar no meu surrão não possa sair sem minha ordem.

— Concedido.

— E quero…

— … o reino do céu. — Insinuou São Pedro.

— Que reino do céu, o quê?! Deixe de ser bobo! Quero que ninguém possa por a mão no meu boné. Só eu.

— Concedido.

Somente depois que eles partiram lembrou-se que não tinha pedido nada.

— Não há de ser nada.

Chamou o diabo, pediu-lhe dinheiro e prometeu-lhe a alma, em troca.

— Daqui a dez anos pode vir me buscar.

Daí a dez anos, o diabo apareceu.

— Vou fazer o meu testamento. Você, se quiser, pode subir naquela figueira e ir comendo uns figos enquanto me espera.

O diabo assim fez e, quando quis descer da árvore, não pôde.

Esforçou-se, ameaçou, pediu, e, por fim. Pedto soltou-o com a condição de lhe deixar mestre satanás mais vinte anos de vida. Daí a vinte anos o diabo voltou. Pedro disse:

— Meu surrão está pronto. Quer me ajudar a amarrá-lo?

O diabo foi ajudar, mas quando estava bem perto, Pedro o empurrou para dentro. Por mais que esperneasse, não conseguiu sair. Então Pedro disse:

— Você pode ir embora, mas está desfeito o nosso trato. Nunca mais me ponha os pés aqui.

O diabo deu o fora. E Pedro acabou indo para o céu, por artes do bonezinho. Foi assim: Morreu. Apareceu no céu e São Pedro bateu-lhe com a porta na cara. “Você não quis pedir o reino do céu, agora aqui você não entra”.

— Está bem — resignou-se Malasarte. — Então vou para o inferno.

Foi ao inferno e o diabo não o quis lá. Voltou ao céu e pediu a São Pedro que, já que não era possível entrar que o deixasse ficar sentado à porta. São Pedro encolheu os ombros.

— Se é só isso…

Pedro ficou. Não demorou muito aproveitou-se de uma distração do santo chaveiro e atirou o bonezinho para dentro. Acontece que ninguém podia pegar no bonezinho. E acontece também que quem entra no céu não pode mais sair — pormenor típico de várias histórias populares do tipo desta. E, assim, o Malasarte entrou para pegar o boné e ficou no paraíso.

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Pedro Malasartes (Malasartes e as Botijas de Azeite)

Um dia, Pedro Malasartes foi ter com o rei e lhe pediu três botijas de azeite, prometendo-lhe levar em troca três mulatas moças e bonitas. O rei aceitou o negócio. Pedro saiu e foi ter à casa de uma velha, ali pela noitinha; pediu-lhe um rancho, e que lhe botasse as botijas no poleiro das galinhas. A velha concordou com tudo. Alta noite, Pedro Malasartes levantou-se, foi de pontinha de pé ao poleiro, quebrou as botijas, derramou o azeite, lambuzando as galinhas. De manhã muito cedo Malasartes acordou a velha, e pediu-lhe as botijas de azeite. A velha foi buscá-las, e, achando-as quebradas, disse: “Pedro, as galinhas quebraram as botijas e derramaram o azeite”.

– Não quero saber disso, -disse Pedro; -quero para aqui meu azeite, senão quero três galinhas.

A velha ficou com medo, deu-lhe as três galinhas. Malasartes partiu e foi à noite à casa de outra velha; pediu rancho e que agasalhasse aquelas três galinhas entre os perus. A velha, como tola, consentiu. Alta noite, Pedro se levantou, foi ao quintal, matou as três galinhas, besuntando de sangue os perus. No dia seguinte, bem cedo, acordou a velha, pedindo as suas galinhas, porque queria seguir viagem. A velha foi buscá-las e encontrou o destroço. Voltou aflita, contando a Malasartes.

Ele fez um grande barulho até levar seis perus em troca das galinhas. Na noite seguinte, foi ter à casa de um homem que tinha um chiqueiro de ovelhas, e pediu-lhe para passar a noite em sua casa e que lhe agasalhasse aqueles perus lá no chiqueiro das ovelhas, porque bicho com bicho se acomodavam bem. O homem assim fez.

Tarde da noite, Pedro foi ao lugar onde estavam os perus, e matou-os a todos, labreando de sangue as ovelhas.

O homem, indo-os buscar, achou-os mortos, e voltou muito aflito, dizendo: “Pedro, não sabe, as ovelhas mataram os seus perus”. Ouvindo isto, Malasartes fez um grande espalhafato, gritando que o homem tinha morto os perus do rei e recebeu seis ovelhas pelos perus. Largou-se, indo dormir na casa de um homem que tinha um curral de bois. Aí ele fez as mesmas artimanhas, até pegar seis bois pelas seis ovelhas.

Mais adiante, ele encontrou uns vendilhões de ouro e trocou os bois por ouro. Mais adiante encontrou uns homens que iam carregando uma rede com um defunto. Pedro perguntou quem era, disseram-lhe que era uma moça. Ele pediu para ir enterrá-la e eles deram.

Logo que os homens se ausentaram, ele tirou a moça da rede, encheu-a de bastante ouro e de enfeites, e foi ter com ela nas costas à casa de um homem rico que havia ali perto. Pediu rancho, disse às filhas do tal homem que aquela era a filha do rei que estava doente, e ele andava passeando com ela, e pediu que a fossem deitar.

Foram levar a moça para uma camarinha, indo Malasartes com ela, dizendo que só com ele ela se acomodava. Deitou a moça defunta na cama e retirou-se, dizendo às donas da casa: “Ela custa muito a dormir, ainda chora como se fosse uma criança; quando chorar, metam-lhe a correia.”

Alta noite, Pedro foi e se escondeu debaixo da cama onde estava a moça e pôs-se a chorar como menino. As moças da casa, supondo ser a filha do rei, deram-lhe muito até ela se calar, que foi quando Pedro se calou.

Depois ele escapuliu e foi para o seu quarto.

De manhã ele pediu a moça, que queria ir-se embora. Foram ver a filha do rei, e nada de a poderem acordar. Afinal conheceram que ela estava morta, e vieram dar parte a Malasartes. Ele pôs as mãos na cabeça dizendo:

“Estou perdido; vou para a forca; me mataram a filha do rei!…”

Os donos da casa ficaram muito aflitos, e começaram a oferecer coisas pela moça, e Pedro sem querer aceitar nada, até que ele mesmo exigiu três mulatas das mais moças e bonitas. O homem rico as deu, e Pedro disse que dava uma desculpa ao rei sobre a morte de sua filha, e lhe dava de presente as três mulatas, para o rei não se agastar muito.

Malasartes largou-se e foi logo para o palácio, onde entregou orei as três mulatas com este dito: “Eu não disse a vossa majestade que lhe dava três mulatas pelas três botijas de azeite? Aí estão elas”.

O rei ficou muito admirado.

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Pedro Malasartes (De como Pedro dá Mingau a Certa Velha)

Foi então que Pedro se encontrou com um de seus irmãos, com quem gastou em pândegas muito dinheiro.

Esvaziada a bolsa, seguiram de viagem juntos.

Depois de caminharem muitas léguas varados de fome, chegaram à casa de um casal de velhinhos, gente da lavoura e muito pobre.

Pediram pousada. Mas os velhos disseram que não tinham cômodo nem nada que lhes dar para matarem a fome…

-Só se quiserem dormir na salinha, no monte de palha…

Pedro aceitou logo a oferta.

Os velhos foram para seu quarto e os irmãos ficaram na palha.

Mas de madrugada o Malasartes sentiu um cheirinho bom e ouviu o chiado de uma panela lá na cozinha e perguntou ao irmão:

-Manuel, você não está ouvindo um chiado?… Quem sabe se na cozinha há alguma coisa que se coma?

O outro respondeu:

-É possível. Essa gente da lavoura costuma deixar a panela no fogo durante a noite para comerem de manhã, antes de irem para o trabalho.

Pedro, andando na ponta dos pés, levou o irmão para a cozinha, onde encontraram no fogo uma panela de mingau de fubá fumegando.

Comeram quanto quiseram até fartar-se e, como Pedro era um grande pândego e não podia passar sem fazer das suas, disse que estava com muita pena da velha e que lhe ia também dar um pouco de mingau.

Foram para o quarto e, enquanto o irmão segurava com muito medo a panela o Malasartes ia pondo com a colher o mingau onde supunha que era a boca da velha.

De vez em quando ouviam uns sopros e Pedro dizia baixinho:

-Está quente, avozinha? sopra minha velha!

Depois de irem levar a panela à cozinha os dois irmãos puseram-se ao fresco logo ao amanhecer.

Já estavam longe quando o velho despertou furioso com a mulher, a quem acusava de ter desfeiteado a cama…

-Eu! seu tratante! eu!

-Não se faça de tola, que não foi outra senão você mesma!

Mas então a velha sentiu alguma coisa lá nela mesma. E os dois que nunca tinham brigado agarraram-se às unhadas, saltando fora da cama. E qual não foi o espanto deles, quando viram a cama toda cheia de mingau…

Correram para a cozinha e acharam a panela vazia, foram à sala e já lá não estavam os hóspedes.

Rogaram muitas pragas e juraram não dar mais pousada a ninguém salvante a Nosso Senhor Jesus Cristo.

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Pedro Malasartes (De como Malasartes Cozinha sem Fogo)


Quando chegou à cidade Pedro meteu-se em divertimentos com os estudantes e gastou todo o dinheiro. E antes que ficasse de todo limpo comprou uma panelinha de trempe uma matula e seguiu viagem.

Já havia caminhado muito quando avistou um rancho desocupado. Resolveu descansar ali. Fez fogo, pôs a panela de três pés com a matula a aquecer. Mas nisto vem chegando uma tropa. Pedro Malasartes mais que depressa pôs um monte de terra sobre o fogo e ficou muito quieto diante da panela que fumegava.

Os tropeiros, vendo aquilo ficaram muito espantados e perguntaram:

-Que moda é esta, patrício de cozinhar sem fogo?

Pedro respondeu logo:

-Isto não é para todos. Pois não vêem logo que a minha panela é mágica?

-Então cozinha sem fogo?

-E como estão vendo, e a qualquer hora. Mas, como a fada me disse que estou por poucos dias, posso negociá-la.

Os tropeiros viram naquilo um achado; provaram da comida e acharam tudo muito bom.

Compraram a panela pagando por ela quanto lhes fora pedido.

Quando à hora da ceia foram cozinhar sem fogo deram com a marosca mas já era tarde. O Malasartes tinha-se posto a muita distância…

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Pedro Malasartes (De como Malasartes Evitou que o Mundo Desabasse)


Em certa altura deu-lhe vontade de verter água. Encostou-se a um grande paredão pertencente a uma bonita quinta. E, quando estava no melhor, apareceu o dono da chácara muito zangado a perguntar-lhe quem lhe tinha dado ordem para fazer aquilo ali.

Pedro disfarçou e respondeu:

-Ah! meu senhor desde manhã que estou aqui encostado sem comer, nem beber só por causa dos outros.

-Por causa dos outros? Então como é lá isso?

-Estou escorando o mundo.

-Você está doido!

-Pois é verdade, patrão! Vinha eu caminhando no meu quieto mas, quando cheguei neste lugar me apareceu a figura de um anjo que veio descendo do céu e que me disse estas palavras:

-Por ordem do Senhor Deus o mundo vai acabar à meia-noite de hoje. Imagine o susto que não levei! Mas o anjo me aquietou: tem remédio para se evitar isto: é encontrar alguém que escore este muro desde este momento.

” Só por isso não seja a dúvida respondi vou cortar uma estaca…

-Não, não há tempo. Antes de um minuto o muro deve estar escorado. E me empurrou para aqui onde me acho, sem poder arredar pé, pois, se saio o mundo vem abaixo.

-Deveras!

-Ah! se o patrão me fizesse o favor de tomar o meu lugar enquanto eu vou ali no mato cortar uma escora, tudo estava arranjado mesmo porque se eu aqui ficar por mais tempo, não resistirei e com a minha morte o mundo virá abaixo e ninguém escapará.

O homem pensou e resolveu tomar o lugar de Pedro que prometeu voltar logo com a escora, e até hoje está sendo esperado.

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Telêmaco Borba – Tibagi – Ubiratã)


TELÊMACO BORBA
Cruz do mudinho

Quando esta cidade ainda era uma criança;
Criança com vontade de crescer
E as casas de madeira começavam a aparecer…

As ruas eram de terra batida, asfalto não havia;
Iluminação era fraca, nas ruas pouca gente saía.
Não havia violência como hoje em dia.

Um vivente aqui apareceu.
Ninguém soube de onde veio, nem quem era parente seu.
Esmolava nas ruas para se alimentar!
Dormia em qualquer lugar!
Era surdo-mudo, não podia falar.
Tinha dificuldade até para andar.

Onde hoje é a Concha Acústica e Rodoviária
Era terreno abandonado
Onde muito lixo até era depositado.

Naquele cruzamento
Certo dia, certo momento,
O mudinho que não escutava
Ali atravessava…

Lá de cima um caminhão sem freio, desgovernado;
Pegou o Mudinho deixando-o no meio da rua
Esmagado

Naquele local, foi fincada uma cruz e uma
minicapela.
Por muito tempo, muita gente, ali até hoje acende
vela

Coisa que aconteceu
E pode acontecer.
Coisa que quem viu
Não pode esquecer.

TIBAGI
Casa mal-assombrada

Dizem que na fazenda Cambará muita assombração aparece. Que, à noite, arrastam-se correntes, batem-se janelas e ouvem-se ruídos estarrecedores. Quando eu era criança ficava tiritando de medo ao ver os mais antigos falarem da casa mal-assombrada. Sei que na outra fazenda ali por perto, quase entrando no município de Ventania, havia histórias de fantasmas. Quando minha mãe era jovem, disse que vinha um homem loiro, alto e belo, oferecer uma panela de dinheiro. Nas fazendas Ipê, Guaricanga, e a do senhor Fernando Taques, muitas coisas estranhas acontecem.

No limiar das fronteiras de Tibagi, o mistério circunda e mete medo. A lenda das casas mal-assombradas já vêm de longe, acompanhada de anedotas de sinhozinhos e sinhazinhas que haviam por aqui.

UBIRATÃ
A lenda da curva da onça

Em 1954, a sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná Ltda. -SINOP, iniciou a colonização desta região. A equipe de engenharia e topografia passava por inúmeras dificuldades, abrindo picadas na mata para chegarem ao local preestabelecido, que denominaram Sauju, ou seja, o espigão mais alto do contraforte da serra do Piquiri, hoje Ubiratã.

Inúmeros obstáculos e dificuldades foram encontrados. Com a ajuda de mais de duzentos homens contratados, construíram acampamentos e um campo de pouso em plena mata virgem.

Foi nesse contexto que surgiu em Ubiratã uma localidade na zona rural, mais especificamente na estrada Caviúna, denominada São Cristóvão. Conhecida popularmente como Curva da Onça, ela era o elo para as cidades de Cascavel, Foz do Iguaçu e a Região sul do país.

O nome se deu, porque diziam existir uma onça naquele local, dado o fato de que este animal tentou apanhar um cachorro dos funcionários do acampamento da SINOP. Os trabalhadores que estavam no acampamento contam que na cabeceira de um córrego, o cachorro, aos latidos, foi arrastado pela suposta onça, mas depois de muito custo conseguiu fugir e voltar ao acampamento, onde recebeu os devidos cuidados.

Logo após o ocorrido foram conferir as pegadas, que realmente pareciam ser de onça. O acontecido foi comunicado ao escritório central da SINOP e técnicos foram até o local, pois os funcionários relutavam em continuar o trabalho de abertura da estrada, temendo novos ataques da onça misteriosa.

O fato é que a onça desapareceu, ninguém nunca mais a viu, mas a história ficou registrada na mente daquelas pessoas e foi contada de pai para filho, chegando até os nossos dias. Este local continua sendo chamado de Curva da Onça.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Pedro Malasartes (De Como Malasartes Vende o Cadáver da Velha)


Nisto ele soube no caminho que sua mãe tinha morrido, e, como era muito extremoso, foi logo ter em casa. Lá encontrou os irmãos que se fingiam chorosos. Ele também derramou muitas lágrimas e resolveram logo fazer a partilha, pois que cada um’ queria cuidar de sua vida.

A herança não era grande, mas sempre havia um sítio, umas colheitas, umas terras e uma casinha…

Os irmãos começaram a escolher o que havia de melhor: Mas Pedro Malasartes disse:

-Lá por isso não seja a dúvida. Eu quero somente três coisas: uma folha da porta da casa o corpo de minha mãe e o cavalo matungo.

Os outros estranharam aquilo, mas, como era fácil de contentar, combinaram na partilha. Pedro amarrou o corpo da velha no selim do matungo, em posição de cavaleiro. E saiu, puxando o cavalo, prometendo voltar depois, em procura da porta.

Foi dar numa fazenda, já tarde da noite, e pediu pousada. A gente da casa já estava acomodada, mas a pessoa que veio abrir consentiu na hospedagem porque Pedro alegou o cansaço da velha, a doença dela, coitadinha!

Mostraram-lhe um quarto na entrada, onde os dois ficaram. A certa hora, Pedro Malasartes pegou no cadáver, enveredou com ele pelo corredor e foi colocá-lo encostado à porta do quarto do dono da casa.

Este quando, pela manhã, abriu a porta, levou um grande susto ao ver que um corpo pesado caiu dentro do quarto. E havia no chão muito sangue pois a cabeça da defunta, quando o corpo caiu se tinha quebrado.

O homem fez um grande alarma, vindo logo Pedro, esfregando os olhos e fingindo ter-se acordado naquele momento.

Ao ver aquele quadro, lançou-se sobre o cadáver da velha e fez um grande choro, acusou o fazendeiro de haver sido o assassino de sua mãe e pediu grossa gratificação, sob pena de ir queixar-se à justiça. O fazendeiro não teve outro remédio senão cair com o cobre e ainda fazer o enterro do corpo.

E Pedro Malasartes voltou para casa em procura da porta tendo ainda no caminho vendido o punga que logo, logo, causado da viagem, arriou na estrada e morreu. Pedro Malasartes, quando chegou com a porta onde ficara o cavalo, viu que sobre este estava um bando de urubus, atirou a porta sobre o bando, apanhou um urubu que ficou com a perna quebrada e seguiu viagem. Esse dito urubu foi o mesmo que ele vendeu por cinco contos. Estão lembrados?

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Planalto – Santo Inácio – São José dos Pinhais)


PLANALTO
Tiracisma

Tudo começou na década de 1950, onde próximo da ponte do rio Capanema, a cerca de um quilômetro, no município de Planalto, havia uma estrada de chão que dava aceso a todos que vinham de Realeza a Planalto. Estes deveriam passar por um morro, o morro do Tiracisma. A estrada foi aberta por volta do ano de 1955 e o morro foi batizado com esse nome porque tirava a “cisma” de qualquer motorista que se aventurasse a subir em dias de chuva. Qualquer motorista de caminhão que tentasse subir, ali ficava. Os moradores puxavam os caminhões com juntas de bois. A partir dos anos 1970 utilizavam tratores agrícolas até subir o morro, e a partir daí os motoristas podiam seguir as suas viagens.

Em 1965, o GETSOP batizou o riacho que atravessa a estrada no início do morro, com esse nome. Em 1979, a inauguração da estrada asfaltada PR-281 acabou com o drama dos motoristas nos dias de chuva, embora a estrada que corta o morro no seu lado oposto continue com forte declive.

Contam os populares que no morro houve um desastre. Um lenhador que por ali passava, com uma carga de madeira em seu carro de boi, ao descer o morro teve o azar de seu carro tombar, matando-o. Até hoje, as pessoas que passam pelo morro do Tiracisma dizem ouvir as madeiras rolando e fortes ruídos na mata que o circunda.

Rio Siemens e suas lendas

Por volta do ano de 1974 na localidade de Santa Cecília pesquisadores encontraram ouro em moedas na margem do rio Siemens. Essas pessoas não eram da região e nunca mais se ouviu falar delas. À altura do morro, perto do suposto pé de cactos onde foi tirado o ouro, existe uma grande área de flores de diversas cores, batizada na época pelos alemães de Palzamina. O curioso sobre as flores é que se uma pessoa colhe muda das flores, algo de diferente passa a acontecer na família, como a queima de uma casa, acidentes, assassinatos, separações. O local possui várias nascentes. Inclusive, foram feitos exames da água pela Paranapanema, empresa que asfaltou o trecho até Planalto. O laudo atestou que a água é de excelente qualidade. Existem inúmeras outras lendas associadas ao rio Siemens. Contam que uma mulher de branco aparecia para os rapazes nas noites de sexta-feira, numa estrada próxima ao rio Siemens, aparecia e sumia repentinamente.

Conta-se que, certa vez, dois amigos estavam pescando à noite e foram surpreendidos por uma forte tormenta. O vento balançava fortemente a mata ao lado do rio. Os dois homens saíram correndo, com a finalidade de retornar para casa, quando chegaram próximo à pedreira perceberam que não havia vento algum, o céu estava estrelado, sem indício qualquer de tormenta.

Alguns dias depois, um caçador de pombas encontrava-se no mesmo local e, sem explicação alguma, os dois canos de sua espingarda dispararam, levando-os a cair dentro do rio. Uma outra noite, na mesma localização, um morador local estava pescando e avistou um animal estranho, que lhe pregou um grande susto. Ele estava um pouco distante, porém resolveu atirar no animal. Quando disparou na direção deste, ele duplicou de tamanho e correu em direção ao homem. No ataque, o homem perdeu anzóis e espingarda, sem contar seus apetrechos de pescaria.

Por volta do ano de 1980, na residência de Silvino Kipper, em Santa Cecília, moravam Silvino e esposa, a filha mais nova com seu esposo e seu primeiro filho. Ao jogar comida para os cães, dona Idalina Maria Kipper chamou o genro para ver o bonito cachorro branco, que estava em meio aos cães policiais. Era um lindo cachorrinho peludo branco luzente.

Sugeriram pegá-lo para que ficasse morando com eles. Porém, toda vez que tentavam pegar o cão ele sumia e aparecia alguns metros à frente. Alguém atiçou os cães, que eram ensinados, para que esses o pegassem, mas os cães não conseguiam, nem sequer pareciam ver o cachorrinho. A perseguição continuou até 800 metros do rio Siemens. Quando estava perto do rio o cão branco pulou na água e sumiu. Era uma noite de lua cheia. E o senhor Irineu se deu conta de que estava no meio do mato, perto do rio; o medo foi seu companheiro até chegar em casa, ofegante pelo susto. O pequeno cão peludo e luzente está presente na memória dele até hoje. Jamais encontrou alguma explicação pelo fato vivido.

SANTO INÁCIO
O barulho das correntes

O município de Santo Inácio fica no noroeste do Estado do Paraná. A região na margem esquerda do rio Paranapanema foi ocupada por diferentes sociedades. No século XVII, jesuítas espanhóis fundaram a Redução de Santo Inácio Mini, destruída por bandeirantes em 1628/29. No século XIX, padres capuchinhos criaram aldeamentos indígenas, que sobreviveram por alguns anos. A partir de 1924, ela foi colonizada por agricultores no bojo da frente pioneira do norte do Paraná. Essas várias ocupações legaram diferentes histórias na memória coletiva dos moradores.

Daí surgiu a lenda das correntes. Contam os mais antigos e, principalmente, os que moram perto das ruínas, que na época da redução um navio espanhol atracava e era amarrado por correntes, numa figueira que existe até hoje no local. Dizem que esse navio afundou, devido ao massacre e destruição por parte dos bandeirantes, e que, às vezes, se ouve barulho de correntes batendo à beira do barranco e gritos agonizantes das pessoas que tiveram suas vidas ceifadas pela ganância dos bandeirantes.

SÃO JOSÉ DOS PINHAIS
As cruzes da ponte velha

Em 1930, na antiga estrada que ligava nossa cidade a Curitiba, uma mãe e sua filha, uma criança de cerca de um ano de idade, retornavam da capital quando logo após a ponte do rio Iguaçu, o cavalo, possivelmente assustado por uma cobra, disparou, causando acidente no qual morreram as duas ocupantes da charrete.

Pessoas bastante conhecidas na pequena comunidade de São José, as finadas receberam o pranto da cidade e a homenagem do marido e pai, que para assinalar o local da tragédia mandou ali erigir cruzes, como ainda hoje é costume. Entretanto, como forma de evidenciar a amplitude do desastre, do braço direito da cruz maior edificou-se uma menor, simbolizando portanto a mãe com a filha ao colo. A partir daí, o local tornou-se estéril ao ponto de não se ouvir sequer um passarinho, embora esses cantassem a poucos metros além. As árvores tornaram-se ressequidas e o lugar revestiu-se de um clima lúgubre, invocando luto e dor.

Não se sabe quem foi o passante que ouviu, primeiramente, os lamentos das mortas, mas a expressão de pavor com que chegou à cidade demonstrou desde logo que não se tratava de pilhéria. O lugar, triste durante o dia, tornava-se horripilante à noite, pois os cavalos assustavam-se e seus condutores ouviam nitidamente o choro da mulher e da criança, seus gemidos de dor e a angústia que suplantava a morte.

Os sãojoseenses passaram a evitar a estrada à noite, os menos corajosos utilizavam um contorno de muitas horas pela estrada da Cachoeira, quando não conseguiam retornar à luz do dia; mesmo os mais bravos passavam com os cavalos à toda brida, não obstante o risco de acidentes. Conta-se que até os raros automóveis existentes na época apresentavam problemas ao passar por ali. Muitas foram as pessoas, todas de integral credibilidade, que chegaram a ver a mulher com a filha nos braços, envoltas, ambas, em fantasmagóricas brumas e chorando copiosamente.

A cidade, já naturalmente pequena, fechou-se por completo. Quando, após o cair da noite ouvia-se o tropel de cavalos vindos de Curitiba, automaticamente concluía tratar-se de forasteiros, que, desconhecendo o fato, chegavam esbaforidos e apavorados. Vários meses passaram em tal situação, até que um sãojoseense, ausente da região há muito tempo e portanto desconhecedor da crise, passou pelo local. Apenas havia cruzado a ponte, sentiu o cavalo tornar-se amedrontado e indócil, como que querendo retroceder; habituado ao animal, não compreendeu a atitude, até que viu, à esquerda da estrada e poucos metros à frente, o vulto fantasmagórico, que com a criança no colo vinha em sua direção. Certamente, foi o susto que o fez distrair-se da montaria, que num salto súbito jogou ao chão o cavaleiro e fugiu, a todo galope na direção de São José.

Ninguém soube ao certo, se foi por coragem que o homem dialogou com a morta, ou se foi o medo que, paralisando-lhe as pernas, impediu sua fuga. Mas o fato é que depois de meses de terror finalmente alguém aproximou-se dos fantasmas e indagou o motivo de suas penas, a razão de não se encontrarem no repouso eterno.

“Tirem a criança de meu braço, ela é muito pesada, já não suporto mais”. Foi a resposta do espírito. Nada mais disse, apenas continuou chorando e segurando a criança, que também chorava.

Dizem que aquela noite ninguém dormiu em São José dos Pinhais, a notícia trazida pelo passante espalhou-se como fogo na pólvora e os notáveis do lugar viram o dia amanhecer na casa do viúvo, onde haviam ocorrido para a busca da realização do desejo da morta, cuja solução libertaria não somente os espíritos, mas também a cidade de sua sina.

O preguiçoso nevoeiro de inverno ainda não começava a levantar quando, trêmulos pela falta de sono, ou pelo justo receio, mais de vinte sãojoseenses, acompanhando o viúvo desceram da cidadezinha em direção ao Iguaçu. As mulheres rezavam o terço liberadas pelo vigário, os homens iam silenciosos, talvez pensando se lhes valeriam de alguma coisa as pistolas ocultas sob os paletós. A pequena multidão, rezando, postou-se em frente às cruzes, até que alguém, olhando-as, lembrou-se das palavras da finada e sugeriu que fossem desmanchadas, já que efetivamente eram a mãe com a criança ao colo e talvez essa fosse a causa do sofrimento. Após alguma discussão, finalmente resolveu-se pela retirada das cruzes, já que nada custava tentar.

Foi a solução. Segundo as testemunhas, um momento após o desmanche das cruzes, o lugar pareceu ganhar vida, todos sentiram uma leve brisa e os passarinhos, até então ausentes, encheram de sons o anteriormente lúgubre local. As cruzes foram posteriormente substituídas por uma minúscula capela e as madeiras que as confeccionaram atiradas ao rio. Após algumas semanas de desconfiança, finalmente concluíram os habitantes que a assombração havia desaparecido e a cidade voltou ao normal, embora todos apressassem o passo quando transitavam pelo local.

Algumas décadas mais tarde, com a construção da avenida Marechal Floriano, o local passou a chamar-se Ponte Velha e foi caindo em desuso, até que a própria ponte ruiu. Reparada anos depois, tornou a envelhecer e desapareceu. Hoje, não existe mais a estrada e o mato tomou conta de tudo, da ponte velha restaram apenas alguns vestígios de estacas cravadas no Iguaçu. Do episódio pouca gente se lembra, embora ninguém entenda porque aquela região tão antiga nunca foi convenientemente povoada.

Há, atualmente, pouquíssimas testemunhas da crise, além do velho rio e algumas das árvores antigas. Contudo, mesmo sem conhecer a história, há quem jure que em certas noites de lua pode-se ouvir por ali o riso inocente e alegre de uma criança, mas isso não sabemos se é verdade.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Pedro Malasartes (De como Malasartes Faz Mais Uma que Parecia Duas )


Eram já por umas dez da noite. O Malasartes bateu à porta e pediu pousada, dando o nome de doutor Fulano, que vinha visitar aquela terra. O Juiz costumava entrar tarde, pois ficava até à meia-noite fora de casa, jogando marimbo com um seu compadre. E vai então o filho do Juiz na sua simplicidade, mandou entrar o hóspede e, depois de um bom chá, deu-lhe pousada, no quarto da sala, onde o Juiz costumava se vestir. E quando o Juiz chegou, o filho lhe contou o que se tinha passado e o tolo ficou muito satisfeito daquela hospedagem.

E vai então lá pela madrugada o Malasartes começou a sentir umas coisas na barriga…Procurou o vaso e, não o encontrando, abriu a janela… mas lá fora havia uma cachorrada, que foi um barulho de latidos que nunca se viu.

O Malasartes estava suando frio: Mas nisto avistou na prateleira uma caixa. Abriu, havia dentro uma cartola de pelo. Estava salvo! Tirou a cartola, fez nela o que quis, pôs outra vez na caixa e esta no lugar onde antes estava.

De manhã, quando ouviu tropel dos criados saiu e… este mundo é meu!…

Quando vieram chamar o Malasartes para o café, não o acharam mais.

À hora do almoço, o Juiz saiu do quarto e foi para o cômodo em que se costumava vestir.

Era dia de júri. Vestiu a sobrecasaca, e, distraído, tirou a cartola que enterrou, de um golpe, na cabeça.

Para que tal fizeste! Ficou com a cara enlameada e sentiu um cheiro que quase o afogou. Começou então a gritar. A família veio toda, pensando que tinha acontecido alguma desgraça. Ao vê-lo naquele estado, correram todos a buscar socorro. O filho trouxe-lhe um banho, a filha água florida, a mulher sabonete de cheiro.

E depois houve risada que não foi brinquedo, enquanto o Juiz bufava de raiva. E os jurados já estavam cansados de esperar por ele…

Mas o Malasartes já estava longe. Até parecia que tinha parte com Beizebum.

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Antonio Olinto – Arapoti – Balsa Nova – Campina do Simão)


ANTONIO OLINTO
Padre João

O Padre João Michalczuch, da Igreja ucraniana, tinha grandes atividades no município como médico, professor, lavrador, entre outras coisas. Ele obrigava os fiéis a colaborarem com três dias de serviço no plantio e na colheita, gratuitamente. Era muito famoso pelo seu atendimento como médico de crianças e idosos.

Relata-se que ele coletou entre os fiéis diamantes, pedras preciosas e ouro para a confecção do quadro, existente até hoje, da Nossa Senhora dos Corais. Contam que possuía muitas coisas valiosas, como objetos em ouro. Quando morreu, seus pertences de valor foram enterrados junto no caixão, guardado por uma cobra, que muitas pessoas dizem ter visto.

O achado

Certa noite de lua cheia, um homem chamado Sebastião Chaves saiu de sua residência para pegar água, era mais ou menos meia-noite. Aí começou a sair fumaça de um tronco. Ele começou a se apavorar, mas ficou por ali; de repente saiu uma mulher fumando cachimbo e falou:

– Tenho um Guardado para você.

Ele respondeu:

– O que você quer em troca?

Ela falou:

– Quero que mande rezar cem missas para mim, aí poderá pegar o seu Guardado.

Ele mandou rezar as missas. Numa outra noite de lua cheia, ele foi ver o seu Guardado. No local, começou a cavar onde a mulher aparecera. De repente, ouviu um barulho e olhou para trás, era um cavalo. Continuou a cavar e novamente ouviu o barulho, olhou era o cavalo que, em seguida, se transformou em mulher. Ela então perguntou ao Sebastião:

– Mandou rezar as missas para mim?

Ele respondeu:

– Sim, mandei como você me pediu.

A mulher disse:

– Pode pegar o seu Guardado.

Ele olhou no buraco que havia cavado e viu uma caveira, que era de seu tio.

O pote de ouro

Aconteceu no dia 22 de dezembro de 1991. Essa história tem como personagens o senhor Casimiro e Joacir. Esses dois homens acreditavam que nas redondezas de um rio, que divide as localidades de Lagoa da Cruz e Arroio da Cruz, existiam coisas de valor, como moedas de ouro ou pedras preciosas.

No dia 22 de dezembro, os dois homens beberam um pouquinho a mais da conta e resolveram partir em busca do tesouro que acreditavam que existia. Levaram de casa algumas
sacolas, ferramentas para cavar, um rosário e água benta. Chegando à beira do rio, começaram a cavar e, como estavam embriagados, encontraram coisas que afirmavam existir.

Contavam que tinham encontrado várias correntes e pedras de valor. Tudo o que eles tiravam, lavaram com água benta, antes de guardar na sacola. Em casa começaram a alardear, falando que eram ricos e não precisariam mais trabalhar. O povo, já atormentado com o discurso dos dois, abriu as sacolas para ver o que havia de tão valioso. Ao abrirem, encontraram pedras de cascalho e maços de capim. Os dois, sem saber o que falar e passando uma enorme vergonha em frente das pessoas, disseram que tudo aquilo era obra do demônio e que ao colocaram água benta nas pedras e correntes, esta as transformou em cascalho e capim.

ARAPOTI
O pote de ouro

Segundo antigos moradores da Fábrica de Papel, há muito tempo atrás alguém enterrou um pote de ouro próximo ao rio do Chico. Dizem que algumas pessoas recebiam as visões do local através de sonhos. Segundo as revelações que lhes eram feitas, deveriam ir à noite para desenterrar a fortuna.

Porém, cada vez que alguém se aventurava a arriscar a sorte dirigindo-se ao local, aparecia um esqueleto falante ordenando que o levasse a determinado lugar, e, sem a permissão da pessoa, montava em suas costas afirmando que, se fizesse isso, dar-lhe-ia em troca o pote de ouro. Muitas pessoas que por ali passam, à meia-noite, afirmam ouvir gemidos e barulho de ossos estalando.

Os mais antigos dizem que são os ossos do esqueleto que fazem barulho e que os ruídos são os gemidos das pessoas, que querem se libertar do fardo macabro que têm às costas. Ouvem-se, também, os gemidos desesperados pedindo socorro e os gritos de dor causados pelos ossos pontiagudos do esqueleto.

BALSA NOVA
Tesouro dos Carros

Na fazenda dos Carros, município de Balsa Nova, na parte que fica em baixo da serra havia uns pés de canela bem altos e diziam que lá havia dinheiro enterrado. Dizem que um tal de Avelino Louco foi lá procurar e apareceu um negrinho, que disse que se ele matasse o filho mais velho e levasse o corpo ele mostrava o enterro. Alguns dizem que ele chegou a levar o filho até a beira do capão, mas o piá desconfiou e fugiu; o homem ficou meio variado depois disso, e esta é a razão do seu apelido.

Com relação ao guardião do dinheiro dos Carros, contam que, quando o dono foi enterrar a panela, perguntou a um escravo se ele tomava conta do dinheiro e como o negro disse que sim, ele matou o homem e enterrou junto; o escravo é a visagem que cuida do tesouro enterrado

CAMPINA DO SIMÃO
Lenda do caixão branco

Conta-se que antigamente havia na região um senhor muito sovina. Ele economizava até na alimentação. Quando chegavam visitas em sua casa, recebia-as somente na varanda, não recolhendo-as ao interior da casa.

Não desejava correr o risco de ter que alimentá-las, não oferecia nem mesmo o costumeiro chimarrão.

Quando chegava o horário das principais refeições chamava sua esposa para conversar com as visitas, ia até a cozinha para comer e voltava rapidamente para continuar a conversa. As pessoas mais idosas contam que o sovina enterrava todo o dinheiro que recebia dos pinheiros que comercializava.

Ocorre que após o seu falecimento passaram a acontecer coisas estranhas. Conta-se que se alguém passar depois da meia-noite em frente à casa onde ele morava, aparece um caixão branco, que voa em direção onde ele enterrou o dinheiro. Atualmente, as terras que lhe pertenciam foram compradas. O novo dono não faz outra coisa, a não ser procurar o dinheiro enterrado.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Pedro Malasartes (Malasartes Rouba as Jóias de uma Família)


E foi dar no castelo de um ricaço que era casado e tinha uma filha, e ofereceu-se para empregado. E foi aceito.

Como era tempo de chuva, o chiqueiro estava que era mesmo um lameiro. E Malasartes teve logo uma idéia. De noite tocou para longe a porcada do ricaço e, voltando, espetou no lameiro as caudas dos porcos. E, quando de manhã o dono da casa veio ver a porcada, Malasartes lhe apontou o lameiro e disse-lhe que os porcos estavam atolados, apenas com os rabos de fora.

O dono da casa mandou-o logo que fosse em casa buscar duas enxadas a ver se podiam desenterrar os animais.

Pedro Malasartes foi numa corrida e, lá chegando, viu a dona e a filha passeando no jardim e lhes disse:

-O patrão mandou que as senhoras me acompanhem. Elas duvidaram, mas Malasartes gritou, perguntando ao patrão que estava lá embaixo:

-As duas, patrão?

-Sim, as duas, e sem demora! As duas, pateta!

E, então, as senhoras não puseram mais diferença e acompanharam Pedro que tomou com elas outra direção. Já longe o velhaco amarrou-as numa árvore, tirou-lhes todas as jóias que eram de grande preço, fugiu e foi tocar a porcada que tinha ocultado no dito retiro.

E, quando o ricaço, cansado de esperar, foi a casa e não encontrou a mulher e a filha, bateu a procurá-las até que as achou amarradas onde Malasartes as havia deixado.

Quando voltou é que viu que dos porcos só havia os rabinhos, que ele é que era um pateta de marca.

A muitas léguas dali, o Malasartes negociou a porcada, recebeu o cobre, comprou um bom terno de roupa e foi parar em certa cidade, onde, logo na entrada, havia uma bonita chácara que era do dr. Juiz de Direito.

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Cândido de Abreu – Curitiba – Faxinal – Ipiranga – Morretes – Virmond)


CÂNDIDO DE ABREU
Lendas da Colônia Tereza Cristina

A lenda mais conhecida do lugarejo é a da panela de ouro. Segundo contam, algumas pessoas sonham com falecidos da família que relatam onde está enterrada uma panela de ouro. A pessoa tem que procurá-la sozinha, sem poder contar a ninguém. Se a pessoa não for em busca do tesouro ela não terá paz, os falecidos ficam aparecendo em sonho, não dando sossego à pessoa. Quando a pessoa se recusar ir em busca da panela, pois sente medo; considera-se que isto não é “coisa de Deus” e ela deve passar a missão em sonho para outra.

Mais panelas de ouro

Muitas pessoas da região contam que ainda existem sinais de buracos feitos por pessoas que cavaram para encontrar panelas com moedas de ouro. Segundo uma lenda local, uma assombração aparece e diz para a pessoa que em tal lugar existe uma panela de ouro. Aí, então, a pessoa se prepara com velas e água benta para benzer o local, pois só assim pode cavar e tirar o ouro. Ela não pode, assim que encontrar o ouro, pegá-lo logo em seguida, porque ele pode desaparecer. Ou seja, a pessoa gasta tudo facilmente, perdendo logo toda a fortuna. Também dizem que o “bafo” do ouro faz mal e a pessoa pode ficar doente. Deve-se esperar e benzer o ouro com a água benta para que a pessoa não perca seu tesouro rapidamente.

Conta-se, ainda, que certa feita vieram algumas pessoas de Ponta Grossa para procurar uma panela. Quando a encontraram, o amigo com a intenção de roubar todo o ouro, mandou que o homem descesse no buraco para retirar o tesouro. Nesse momento, ele pegou uma marreta para matar o amigo. Em instantes, o dinheiro desapareceu e foi parar à beira do rio e eles não conseguiram mais encontrá-lo, pois o ouro não chega às mãos de pessoas mal intencionadas.

CURITIBA
O fantasma do pirata do Bairro Mercês

Atenção, pois vou contar para vocês…
A lenda do pirata do bairro das Mercês!
Em 1840, um misterioso inglês…
Soturno e nada cortês…

Veio morar num lugar,
De um jeito misterioso para danar,
Chamado Sítio do Mato, que é o atual Bairro das Mercês…
Que abrigou este foragido inglês!

O nome desta pessoa era Zulmiro…
Ele tinha perna de pau e dentes de vampiro!
Por isto, vivia se isolando de tanta gente…
Ele era uma criatura estranha simplesmente!

Este pirata fez maldade na Inglaterra…
E por isto, foi parar na nossa linda terra!
Ele foi um pirata violento…
Sem nenhum sentimento!

Porém, ele tinha um mapa do tesouro,
Que levava ao caminho do ouro!
Dizem que ele escondeu este tesouro de um jeito cortês
Bem num misterioso túnel subterrâneo do bairro das Mercês!

Falam que toda sexta-feira..
Em noite de lua cheia…
Na alta e calada madrugada…
O fantasma do pirata aparece do nada…

Com toda a insensatez…
Bem no bairro das Mercês.

FAXINAL
Marca dos três coqueiros

Os antigos contam que debaixo da queda da cachoeira Chicão Três existe uma pequena caverna; dentro dela havia um caixão de ouro, amarrado por uma corrente. O local era mal assombrado e encantado para o céu; era protegido por seres encantados e ninguém conseguia se aproximar do tesouro. Para marcar o lugar exato onde foi escondido o tesouro foram plantados três coqueiros, que estão lá até hoje.

IPIRANGA
Serra do Caixão

Anos atrás, um homem muito estranho e ambicioso resolveu conhecer a tão famosa Serra do Caixão. Diziam que lá havia um caixão com muitos utensílios como garfos, facas, jarros, cálices, todos de ouro. Ele levou ferramentas ao local e deu início ao plano de exploração. Nesse dia os moradores da região ouviram um ruído muito estranho, mas ninguém se arriscou a ver de onde ele vinha.

Depois de um tempo, acharam falta do senhor Urubu, assim chamado por usar somente roupas pretas. Como sabiam do tal plano de exploração dele para resgatar o caixão e, também, de uma história de que havia uma enorme fera na serra, à espreita, chegaram à conclusão de que ele fora atacado por ela. Por fim, consagrou sua alma a cuidar do ouro, juntamente com a fera que o matara, e sacrificaria quem quer que tentasse explorar a Serra do Caixão.

MORRETES
O caso da vela

Conta-nos o senhor Custódio Pereira Cunha, morador do Porto de Cima, que todas as noites aparecia na reta do Porto de Cima uma vela acesa e que ao aproximar-se alguém, apagava-se e aparecia mais adiante. Seu Custódio diz que uma vez dois homens blasfemaram e tentaram apagá-la, com um guarda-chuva, que imediatamente se incendiou, tendo a vela perseguido-os até tombarem no chão desfalecidos. Segundo a lenda, era uma alma procurando seu dinheiro enterrado. Após algum tempo, a vela desapareceu, porque o tesouro foi encontrado por uma moradora que ficou rica.

O negrão do caixão

Conta-se que na época da mineração no litoral do Paraná tinha-se o costume de matar um escravo e enterrá-lo junto a um baú de ouro, para marcar o local onde a riqueza foi escondida. Ocorre que em um desses assassinatos o baú não foi encontrado, forçando o escravo que o guardava a carregá-lo pela eternidade.

Esse escravo foi enterrado na região de Barreiros, município de Morretes, e até hoje busca alguém que lhe tire o fardo de carregar o caixão eternamente. Se você o encontrar faça a seguinte pergunta: “o que você tem aí nesse baú?” Ele responderá que tem ouro e que para tê-lo você deverá vencer um sacrifício. Se a pessoa conseguir cumprir o sacrifício, fica com o ouro, com um senão: se não gastar a fortuna até o final de sua vida, também ficará penando, como o “negrão do caixão”.

VIRMOND
O tesouro da caverna

Conta-se que numa caverna, embaixo de uma linda cachoeira do rio Cavernoso, havia um enorme caixão, amarrado com fortes correntes. Quem quer que fosse pescar próximo deste lugar ouvia barulho de correntes se arrastando; os que se aproximavam da caverna viam uma linda mulher, que fazia guarda do caixão.

Acreditavam que no caixão deveria existir um grande tesouro, mas nunca ninguém teve coragem para tentar abri-lo. Mais tarde a queda d’água foi submersa pelo alagamento da usina de Salto Santiago.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Planalto – Ponta Grossa – Santo Antonio da Platina)

PLANALTO
A lagoa das visões

No interior do município de Planalto, uma lenda chama a atenção de todos os moradores, especialmente nas proximidades de São Vicente e Barra das Flores. A lenda da Lagoa das Visões, onde se acredita que exista muito ouro enterrado. A Lagoa mede aproximadamente 100 metros de largura, com comprimento ainda maior e mais de 5 metros de profundidade. Esta lenda perpassa os anos e até hoje não se sabe ao certo se há alguma coisa no funda da lagoa, ou não.

Conta-se uma história de que, inclusive, há um contrato de compra para tirar o que há dentro, porém até hoje nada foi encontrado, ou dela retirado. Algumas pessoas, no entanto, garantem que alguns indivíduos ficaram ricos com o ouro que dela foi retirado. A histórias são várias. Inúmeras tentativas de secar a lagoa foram realizadas, inclusive com o uso de máquinas, que trabalharam, ininterruptamente, por mais de 8 dias, mas sem nenhum sucesso. A lagoa chegou a ser drenada até que sobrasse somente um metro e meio de água. Segundo o proprietário já houve várias tentativas de esvaziá-la, mas a água escorre e o nível da lagoa continua o mesmo.

O segredo da lagoa nunca foi descoberto e as tentativas de esvaziá-la já atraíram centenas de pessoas, além de inúmeros curiosos que dormiram no local. Muitos deles contam que se ouvem crianças chorando e, em dia claro, chegaram a ver um objeto do outro lado da lagoa; quando, porém, pegaram uma canoa com cerca de seis metros de comprimento e um de largura para a travessia, o objeto some e aparece virando a canoa. Neste caso, perdeu-se a arma de fogo do proprietário.

Já foram utilizados aparelhos que acusaram a existência de alguma coisa no fundo da lagoa das visões, mas todas as tentativas de secá-la deram em nada, pois sempre volta a encher, como se a água brotasse do chão. Pescadores contam que à noite vêem uns homens no meio da lagoa segurando uma corrente enorme. Mas, assim como essa imagem surge, ela desaparece. Os moradores mais antigos contam que toda madeira que cai na lagoa fica boiando e que ouvem, também, à noite, pessoas cantando em forma de procissão, começando no vale e terminando no centro da lagoa. Muitos acreditam que sejam padres jesuítas, que antigamente estiveram no local.

PONTA GROSSA
Tesouro do Capão da Onça

Lá pelo mês de junho de 1932, o coronel Brasílio França procurou desvendar o que havia de realidade sobre o lendário tesouro do padre fantasma, segundo o Jornal Diário dos Campos. O Capão da Onça é um local ao leste da cidade, rumo a Itaiacoca, onde está situada a fazenda do coronel João Carneiro Ribas, além do rio Verde, próximo às terras da fazenda Modelo. Do matagal insulado no meio da campina, como um oásis, onde, em remotas eras, foi caçada uma onça, adveio o nome para a região.

Sobre ele há narrativas fantásticas. Narrativas, onde, como sempre, aparecem lendas de tesouros enterrados, jesuítas e assombrações terríficas. Carroceiros e boiadeiros evitam fazer pousada nas proximidades, pois muitos outros que ali estavam descansando da jornada, foram bruscamente despertados com pedradas, toques lúgubres de sinos e gritos angustiosos. Outros juram, “de pés juntos”, que viram um padre macilento que desaparecia após fazer sinais.

Nas proximidades, há alguns anos atrás, o coronel Jordão Ribas da Silva possuía uma fazenda, nela habitava um polonês, ainda jovem. Certo dia, andando a reunir uma rês tresmalhada, este lavrador aproximou-se do local assombrado, viu um sacerdote que o chamava. Aproximou-se respeitosamente do clérigo. E o polonês ouviu as seguintes palavras, ditas com doçura: “meu filho, tem um tesouro enterrado e te escolhi para o herdares. Acompanha-me”. Disse o fantasma. E tomando uma das mãos do lavrador, o padre fantasma conduziu-o a determinado local, dizendo que cavasse a terra e usasse, como bom cristão, do ouro que outrora os jesuítas ali depositaram. E desapareceu.

O polonês, radiante, correu à casa em busca de ferramentas, com as quais desenterraria do seio avaro da terra o ouro precioso, que lhe proporcionaria o conforto que até ali o destino lhe sonegara. Num instante, voltou o polonês com uma pá nas mãos e mil sonhos ensandecidos na cabeça. O ouro! Era o destino, personagem sempre perverso, mas poderoso, que até os deuses governava, que lhe negara uma vida melhor. Mas, Deus, por intermédio de seu sacerdote finado, o presenteava com o ouro. E quantas coisas ele faria. Seria como o bom padre, um bom cristão. E assim, chegou ao local designado pela aparição, titubeando. Mas hesitou. Seria ali?

Tomara boa nota dos indícios? Mas, agora duvidava! No entanto, pôs mão à obra. Cavou, cavou, sem que o loiro e vil metal surgisse encoberto com carvões, como reza a tradição. Fez novas e incessantes escavações. Tudo inútil! Entretanto, ele, em pleno dia e são de espírito, tinha perfeita consciência de todas as minúcias da estranha aparição do padre e de suas palavras. E profundamente abalado, perdeu o senso de humor e o juízo! Várias outras pessoas têm, em diferentes épocas, procurado o tesouro do Capão da Onça.

Atraído pela lenda, por fatos ou previsões mais ou menos justificáveis, o coronel Basílio França, honrado e conceituado comerciante de nossa cidade, tem explorando o capão da onça, procurando o legendário tesouro dos jesuítas.

O Capão da Onça é um dos locais mais procurados pela população, por ser mais próximo da cidade. Devido ao grande fluxo de visitantes, ocorre a degradação do meio ambiente, como o desaparecimento da vegetação e dos animais, principalmente dos pássaros.

Capão do Padre Miguel

A história conta que os padres enterravam o tesouro constituído de uma panela de bom tamanho, dentro do capão que ficou chamado “Capão do Padre Miguel”. Toda sexta-feira de lua cheia, percorria as margens do capão o padre Miguel na sua batina preta, deixando a marca de sua sandália de couro cru. Muitas pessoas tiveram a oportunidade de vê-lo até encontrarem o tesouro.

SANTO ANTÔNIO DA PLATINA
A panela de ouro

Nesse tempo João ficava com a viola tocando e cantando. A mulher sempre falava:
– Vem trabalhar!
Ele respondia:
– Ah! Não me importo!

Ela ia sempre na mina buscar água e passava por uma touceira de bananeiras, onde havia uma panela cheia de marimbondos que quando a viam se alvoroçavam.

– João! o homem vai tirar a gente daqui. Vamos ficar sem casa e sem trabalho!

E ele respondia:

– Ah, que importa!

A cada resposta desta, a mulher pensava:

– Ah, você me paga!

Um dia a mulher perdeu a paciência, foi ao bananal, pegou um pano e fez uma rodilha sobre a cabeça, pôs a panela de marimbondos e correu para casa, jogando a panela sobre seu marido. Ela saiu correndo e o marido que vinha atrás, gritava:

– Volta, Maria, venha ver!

Quando a alcançou, trouxe-a pra casa, mostrando que os marimbondos haviam se transformado em ouro.

– Não falei que não carecia de se importar. A fortuna caiu aqui, bem em cima de mim!

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Pedro Malasartes (Malasartes faz o Urubu Falar)


Quando o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens -uma casinha velha entre os filhos; e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da casa, com o que ele ficou muito contente.

Pôs a porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho viu um bando de urubus sobre um burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna quebrada. Apanhou-o, pôs a porta às costas e continuou viagem. Obra de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde sala fumaça, o que queria dizer que se estava preparando o jantar.

Pedro Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer. Veio atendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.

A mulher mandou que o despachasse, que sua casa não era coito de malandros. O marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!

Pedro Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.

Espiando pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as conversas e confidências da patroa e da negra.

Justamente na hora do jantar chegou o dono da casa que resolvera voltar inesperado da viagem que fazia. Quando a mulher percebeu que ele se aproximava, mandou esconder os pratos do banquete e veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro queimando de raiva. Vai dai mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne seca, dizendo:

-Por que não me avisou, marido? Sempre se havia de aprontar mais alguma coisa…

Sentaram-se à mesa.

Pedro Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.

O dono da casa levantou-se e foi ver quem era. O rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do pouco que havia. A mulher estava desesperada, desconfiando com a volta do Malasartes.

Pedro tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de corda. Estavam os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado do bicho e este se pôs a gritar:
Uh! uh! uh!

O dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho. Pedro respondeu muito sério:
-Nada! São coisas. Está falando comigo.

-Falando! Pois o seu bicho fala?!

-Sim senhor, nós nos entendemos. Não vê como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.

-Como assim?

-Agora, por exemplo, está dizendo que a patroa teve aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa surpresa.

-Uma surpresa! Conte lá isso como é.

-É deveras! Uma excelente leitoa assada que está ali naquele armário…

-Pois é possível! Ó mulher, é verdade o que diz o urubu deste moço?

Ela com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa já de que Pedro sabia da marosca, apressou-se em responder:

-Pois então? Pura verdade! O bicho adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.

E gritou pela preta:

-Maria, traz a leitoa.

A negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa.

Daí a pouco Pedro Malasartes pisou outra vez no urubu que soltou novo grito. O dono da casa perguntou:

-O que é que ele está dizendo?

-Bicho intrometido! Está candongando outra boca, bicho!

-O que é?

-Outras surpresas…

-Outras!

-Sim senhor: um peru recheado…

-É verdade, mulher?

-Uma surpresa, maridinho do coração! Maria, traz o peru recheado que preparei para teu amo.

Veio o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.

Ao fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs comprá-lo a Pedro Malasartes que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher e a preta bufavam de raiva, crentes também no poder mágico do bicho, que assim seria um constante espião de tudo quanto fizessem.

Fechado o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.

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Pedro Malasartes (Outras do Malasartes)

Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-se com um pobre, que lhe pediu esmola. Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor fez-lhe presente de um gorro vermelho, declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele objeto.

Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio ao céu. Para lá se encaminhou, e depois de três dias de viagem batia no portão de São Pedro.

O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu; perguntou o que desejava, e respondeu. O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto chorou que ele sempre consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco. Mal vê a fresta, Malasartes atira o gorro pra dentro e começa a gritar:

-Quero o meu gorro, quero o meu gorro!

São Pedro prontifica-se a ir buscá-lo, mas o burlão protesta:

-Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro. Ninguém mais, só eu. São ordens de Nosso Senhor.

São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio a saber que Malasartes não mentia. Não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro.

Assim Malasartes conseguiu entrar no céu. Mas não se demorou lá muito tempo…

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Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o outro mundo, e de nada lhe valeu a esperteza; teve que marchar.

Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria e resolveu, em primeiro lugar, ir bater à porta do céu.

Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara. Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que surrava até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia e foi correndo avisar o seu rei.

Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos. O próprio Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar o hóspede. E disse-lhe:

-Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir aqui revolucionar a minha gente.

– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico.

– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita?

-Feito!

-Se você perder, irá diretinho para o caldeirão.

– Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma das almas que lá estão fervendo.

Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para passar a perna no outro. Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e assim outras.

Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas, postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno.

Malasartes andou vagando como alma penada, muito tempo, sem saber onde havia de se aboletar.. Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu. Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito humildes, e bateu devagarinho. São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou:

-Quem bate a estas horas?

-Sou eu, meu santo…

-Eu, quem? Diga o que quer, e toca!

-Será possível que o meu santo padroeiro não me reconheça… Pois eu sou o Pedro Malasartes.

– Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o seu lugar não é aqui?

-Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei muito bem que nunca entrarei neste lugar de glória…

-Então vamos ver, o que quer?

Malasartes, com muita brandura e muita lábia, pediu ao santo que entreabrisse ao menos a porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu. Tanto pediu e tanto fez que São Pedro o atendeu. Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta.

São Pedro bufou e descompôs o patife, e tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos e de justos ali junto da porta.

Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu lhe podia tocar. Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar, não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse.

E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso.

Mas o atrevimento não ficou sem castigo. Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho e mandaram-no contar os grãos um por um. Malasartes, que remédio! Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de tempo a amontoar os grãozinhos para um lado. Quando já estava acabando a contagem, veio um anjo e misturou tudo. E Malasartes teve de contar de novo… E até hoje lá está contando e recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Paranaguá)


PARANAGUÁ
A Lenda do Pirata Zulmiro

A incandescida imaginação do vulgo sempre inclinado ao maravilhoso, acolhe e acaricia sedutoras e extravagantes lendas, como essa do pirata Zulmiro, que chegou a convencer meio mundo da existência de tesouros que esse suposto ladrão do mar, após abandonar uma vida aventurosa e inçada de crimes, teria ido esconder num sítio dos arredores de Curitiba.

A esse misterioso personagem se prende a fama dos tesouros da ilha da Trindade, divulgada na década de 1920 por um farmacêutico paulista possuidor de velho documento com a indicação do lugar exato onde, no solitário rochedo, distando 300 léguas da costa do Espírito Santo, jaziam as fabulosas riquezas, produto das piratarias exercidas no Atlântico pelo famoso flibusteiro.

Zulmiro, segundo o dono do documento, seria nome de guerra, arranjado para ocultar a verdadeira personalidade de um Lorde, talvez filho segundo de alguma das grandes casas da Inglaterra, ingressado jovem na marinha do seu país e da qual desertou nos agitados dias do primeiro quartel do século retrasado, na Europa sacudida pelas guerras napoleônicas, para entregar-se às criminosas atividades do ofício de pirataria.

Até que um dia, capturado o seu navio por um vaso de guerra britânico, descobriu o comandante deste no capitão prisioneiro um antigo colega da Escola Naval, resolvendo, para não enforcá-lo, como mandavam as leis penais inglesas, desembarcá-lo na costa mais próxima (a Barra de Paranaguá), sob condição de se internar no continente e nunca mais aparecer. Deu-lhe três libras esterlinas e uma Bíblia, únicos haveres com que contou o infeliz para fazer vida nova no país, que então se ensaiava para a independência. Seria nessa época que o estranho personagem, rumando ao planalto por julgar perigosa a permanência à beira-mar, foi assentar residência em Curitiba, de onde não mais saiu, falecendo em avançada idade, entre os anos de 1880 e 1882, conforme o testemunho de coevos que nos afirmaram, em 1910, tê-lo conhecido numa chácara do Pilarzinho, originando-se deste fato a suspeita de estarem ali enterrados os supostos tesouros.

Provado que realmente existiu na Curitiba dos meados do último século um estrangeiro, cuja vida se cercava de grande mistério, e se este era o indivíduo egresso da marinha inglesa ao qual faz referência a narrativa do farmacêutico Barbosa, neto do funcionário imperial que residia no Paraná, do pirata recebera a confidência do seu passado e a Bíblia com os “croquis” da ilha da Trindade, assinalando o local do tesouro. Fica esclarecida a impossibilidade de existir este no Pilarzinho, pois o fato de haver Zulmiro aqui desembarcado apenas com as três libras da generosa dádiva do seu compatriota e antigo camarada, exclui toda a hipótese de subir ao planalto carregando as riquezas.

Na época era mui comum aportarem ao Brasil indivíduos fugidos ao ajuste de contas com a justiça do país natal e que para refazerem a vida no virgem ambiente americano, e esquecerem o tenebroso passado, tinham a cautela de não revelar a verdadeira identidade.

Saint-Hilaire, em 1820, visitando Paranaguá encontrou na ilha da Cotinga um alemão de avançada idade, ali estabelecido há muito tempo e “que havia sido muito atormentado por faltas contra a disciplina e os costumes”, diz o notável botânico francês. Perguntou-lhe o que o fizera vir a um país tão afastado do seu. “Erros, extravagâncias”, respondeu-lhe, lacônico, o exilado.

Como esse, outros muitos teriam acostado ao nosso país, e daí a possibilidade da vinda do enigmático inglês do Pilarzinho, cujo nome Zulmiro não seria por ele adotado, tratando-se de provável corruptela indígena de Saulmers (pronuncia-se Sulmir).

A dúvida, porém, ocorre quanto à qualidade de antigo pirata que se lhe atribui, bastando recorrer a argumentos cronológicos para provar o infundado de tal suposição: dado o falecimento de Zulmiro em 1882, aos 90 anos de idade prováveis, teria ele nascido em 1792 e supondo que com 20 anos, no mínimo, tenha desertado da frota de guerra inglesa, temos 1812 para início da sua carreira criminosa, mas numa época em que a pirataria já estava praticamente abolida no Atlântico, permanecendo apenas no litoral dos Estados barbarescos ao norte da África, até que a conquista francesa a extinguiu de vez. O corso, forma legal de pirataria autorizada por governos em guerra para causar danos ao inimigo e o tráfico de escravos, esse sim estava em vigor.

As repúblicas americanas em luta pela independência, concediam cartas de corso aos que se propunham perseguir e saquear navios espanhóis. E a indústria do transporte de negros da África para venda no Brasil e nos Estados meridionais da América do Norte, se exercia franca e prosperamente, sem embargo da perseguição dos cruzeiros ingleses.

Encantada

Quase todos, por certo, conhecem a gruta que existe na Ilha do Mel, no recanto denominado Encantada. Muitos namorados deixam seus nomes entrelaçados nas paredes interiores, que constantemente são visitadas pelo mar. (Essas visitas têm determinado a morte de muitos incautos).

O povo da região conta que vive nessa gruta uma linda princesa encantada. E que esta, irada, pune com a morte os afoitos, invasores de seu pequeno reino.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Pedro Malasartes no Céu


Cansado de vagar pelo mundo, Malasartes resolveu dar um passeio ao céu, onde chegou com três dias de viagem. Bateu no portão do paraíso e esperou. Pouco depois ouviu a voz de São Pedro:

-Quem é?

-Sou eu.

– Eu quem?

-Pedro Malasartes.

– Que vem você fazer aqui no céu?

-Vim dar um passeiozinho. Quero ver essas belezas aí de dentro.

– Não pode ser, moço. No céu não entra ninguém vivo.

-Tenha piedade, São Pedro, só quero dar uma espiadinha…

-Nada, não é possível!

-Ora, abra, São Pedro, abra por favor… é só um instante… Deixe-me ao menos botar a cabeça aí dentro…

E tanto pediu e rogou, que São Pedro, já abalado, ou caceteado, entreabriu-lhe a porta para que espiasse.

Malasartes deitou-se, mais que depressa, de barriga para baixo, com os pés voltados para a porta, e foi-se deslizando para dentro do céu.

São Pedro protestou, mas o Malasartes retrucou-lhe que o santo se havia comprometido a deixá-lo meter a cabeça no céu, e era o que estava fazendo.. O chaveiro celeste não teve remédio senão conformar-se, porque palavra de santo é como a de rei, não volta atrás; e o caso é que quando a cabeça de Malasartes penetrou no céu já estava o corpo dele inteirinho…

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Lendas e Contos Populares do Paraná (São Miguel do Iguaçu – São Tomé – Tapejara – Tibagi)


SÃO MIGUEL DO IGUAÇU
Origem do nome da cidade

A região era habitada por povos hostis, que saqueavam e roubavam das famílias que aqui se fixavam. Numa noite de lua cheia, enquanto uma família dava graças pelas ótimas colheitas, fruto do trabalho, os saqueadores apareceram, levando tudo o que encontraram.

Um cavaleiro chamado, que por ali passava, montando um cavalo branco, sacou seu facão e afugentou o bando. A família correu para agradecer a ajuda, mas não encontrou mais o cavaleiro, só viu o brilho de seu cavalo por entre as árvores da floresta, dirigindo-se ao rio Iguaçu. Alguns o idolatram como santo e acreditam ter vindo desta lenda o nome São Miguel do Iguaçu.

SÃO TOMÉ
Origem do nome da cidade

A origem do nome, segundo narra a antiga história, deve-se ao caminho de Peabiru, ou caminho do Sol. Conhecido, também, como caminho de São Tomé, por onde passaram jesuítas e bandeirantes. O caminho se estendia da costa de São Vicente, passava o rio Tibagi e o rio Piquiri, era uma trilha indígena que vinha do Atlântico para as demais regiões do Ocidente.

A origem do nome São Tomé vem em razão dos pioneiros confundirem o nome de Pai Sumé ou Zumé, denominação genérica dada pelos índios tupis aos seus maiores civilizadores místicos, como São Tomé, um bem aventurado da Igreja Católica.

No final do caminho de São Tomé surgiu um povoado e para que a tradição da lenda tupi permanecesse na mente e no coração dos atuais povoadores, fizeram por bem colocar o nome de São Tomé neste povoado.

TAPEJARA
Lenda de Tapejara

No norte do Paraná habitava uma tribo. Ubirajara era o cacique. Um certo dia, Ubirajara pescava nas margens do rio e viu um branco navegando. Chamou a sua tribo e o prenderam. Na tribo havia uma índia bonita que se chamava Tapejara, era noiva do cacique, mas não era de sua vontade.

Com o passar dos dias, ela começou a gostar do prisioneiro, ele também correspondia ao seu amor. O cacique descobriu e mandou-a para fora da tribo e matou o prisioneiro. Mas apesar de tudo, ele amava a índia. Colocou-a em uma linda floresta, lá havia lindos frutos dos quais ela se alimentava e havia uma fonte onde ela bebia água.

Ao correr dos anos, começaram a chegar os pioneiros e se o cacique não desse permissão para os brancos entrarem nas terras, haveria luta. Mas logo a índia entrou em contato com sua tribo, pois ela sabia que o cacique ainda a amava. Então logo propôs para o cacique:

– Eu caso com você, e você deixa os brancos habitarem essa terra. Assim, o cacique aceitou. Os brancos começaram a derrubar a floresta e formar uma cidade. Quando foram derrubar a floresta em que Tapejara tinha morado vários anos, os índios pediram para não derrubá-la, pois os brancos deviam um favor a ela e atenderam o pedido.

Chegou a hora de colocar o nome na cidade, puseram-lhe o nome de Tapejara, em homenagem à índia. Passaram-se anos e atualmente é a Tapejara que nós conhecemos. A floresta que a índia pediu para não ser derrubada é atualmente o bosque da cidade, onde nasce uma fonte cristalina, que hoje abastece a cidade.

TIBAGI
O Drama da Fazenda Fortaleza

Prestem muita atenção no que agora vou contar
Na Fazenda Fortaleza tem história de arrepiar
Uma escrava coitadinha que era alegre e bonitinha
Teve os dentes arrancados pela mulher do Tenente
Que pegou o alicate e sem ter pingo de dó
Deixou a pobre menina desdentada a chorar
Logo os dentes arrancados ela entregou de presente

II

E as histórias da fazenda não param por aí
Conta-se que José Felix tinha grande fortuna
Ela estava escondida em algum canto da fazenda
E até hoje se procura esconderijo da fortuna
Os escravos que sabiam não voltaram pra contar
Pois o tal do José Felix tratou de os matar
E hoje muitos que almejam a fortuna desfrutar
Fazem consultas do além para os dobrões encontrar

III

Mais de cem anos passados da morte de José Felix
Um médium invoca o espírito do rico senhor
Mas o morto reclamava que abusavam dele
E gritava “afinal quem manda aqui?”
Falando de sua vida, suas lutas e chorou
E em meio da emoção esta frase ele soltou
“Aqui vi dias felizes e aqui cheguei a chorar
Vocês estão todos loucos isto aqui não vale nada”

IV

Para terminar a história meu amigo não se iluda
Essa busca é inútil nem do amém se descobriu
O esconderijo da fortuna continua um mistério
Viva sua vida em paz e não mais corra atrás
Pois o ouro enterrado do senhor da Fortaleza
É um tesouro maldito quanto escravo ele matou
O que vale nesta vida é em Tibagi viver em paz
Da Fazenda Fortaleza a fortuna não quero mais.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Jandaia do Sul – Lidianópolis – Paiçandu – Palmeira – Ponta Grossa – Rio Branco do Ivaí)


JANDAIA DO SUL
A lenda de Jandaia

Há muitos anos vagava entre os pinheirais uma esbelta menina de olhos da cor de pinhão e seus cabelos esvoaçavam, como fios dourados em espigas de milho. Nunca se soube de onde ela veio, apenas que seu pai era um bravo cacique, que deveria habitar a imensidão da terra roxa, colher frutos silvestres e beber dos mananciais cristalinos.

Mas, ansiosa, aguardava o dia em que haveria de surgir um companheiro, que seria destro na caça e forte na guerra. Já lhe dissera Tupã, quando ela se banhara numa cascata, mirando-se nas águas: “Jandaia haverá de receber, em breve, aquele que te revelará os arcanos do amor, foste talhada para os seus braços e só a ele servirás. Tu o verás presente entre os esplendores do sol e o vigor dos arbustos”.

Em todas as manhãs, muito antes da alva, Jandaia subia no cimo da colina perscrutando os pinheiros frondosos e aguardando o romper do sol, que também viria fixar-lhe o bronze de sua pele. Numa radiosa manhã, quando Jandaia inebriava-se de luz, eis que se aproxima um cervo com uma flecha cravada, tombando a seus pés. Surge, em seguida, um caçador, jovem e forte. Ele se deslumbra, ante aquela princesa selvagem.

Jandaia acaricia o cervo, depois dirige seu olhar para o moço guerreiro e acena-lhe para que se aproxime. Ele deixa o arco e as flechas e acolhe-a nos braços. Em frêmitos a mata regozija-se. Jandaia cinge-o em seus braços; sendo observada pelo sol. Este, enciumado, aquece os lábios rubros de Jandaia, a enfeitiça e seduz, agora mais que em todas as outras manhãs. Enciumado, arrebata-a para si. Ela, então, sente que ama o sol e deve-lhe sua existência.

Tupã, tomado de uma grande ira, vendo que Jandaia pertencia ao sol e não ao guerreiro que enviara, transformou-a numa cidade. Para que todos pisassem sobre ela e cobrissem de asfalto seus braços bronzeados.

O sol, condoído, surge todos os dias, com o mesmo calor de outrora, espargindo-se sobre a cidade e, como se não bastasse, ordena ao Cruzeiro do Sul, à noite, para que a vigie. Por isso, Jandaia recebeu mais um nome. Devendo sempre chamar-se Jandaia do Sul.

LIDIANOPÓLIS
Lenda do Rio Ivaí

Explica o motivo pelo qual o rio é tão torto, possuindo tantas curvas, inclusive, com formato de uma ferradura. Contam os moradores locais que certa vez um ser divino pediu à uma mulher que ela seguisse em frente, pela margem do rio Ivaí, sem olhar para trás. Esta, por sua vez, não cumpriu o combinado e a curva do rio representa, então, uma “olhadinha” da mulher.

PAIÇANDU
Origem do nome da cidade

Paiçandu tem origem tupi-guarani, cujo significado é “I-páu-zan-du”. Ilha do padre ou Ilha do pai. Os primeiros habitantes foram índios e caboclos e aqui havia um famoso curandeiro, com o nome “Çandu”; ele era muito respeitado e realizava curas extraordinárias. Diz a lenda que atraía pessoas de Maringá e arredores. Em geral, os curandeiros eram chamados de “pa’í”, de onde se originou a denominação Pa’í “Çandu”.

Paiçandu (outra versão)

Uma versão dá conta de que Paiçandu é topônimo de uma cidade uruguaia, sendo nome de uma fortaleza onde se travou importante batalha na Guerra do Uruguai. Na época, comandavam o corpo de ataque do Brasil, naquele setor, o Almirante Tamandaré e o Marechal Procópio Menna Barreto, que forçaram a rendição uruguaia, no dia 2 de janeiro de 1865; batalha decisiva no panorama político-continental daquele período. Deu-se, assim, a denominação ao município em homenagem ao histórico episódio.

PALMEIRA
Surgimento de Palmeira

Conta uma lenda indígena, que certa vez um forte e destemido índio do planalto, filho do cacique, pediu ao pai para conhecer o mar. Ao conhecer os carijós, no litoral, apaixonou-se por uma indiazinha, estes estavam para casar. Quando retornou para pedir a benção do pai, este não concordou com a união e invocou o espírito do mal, a fim de petrificá-los.

Os carijós, tristes pela perda de sua irmã, recorrem a Tupã, mas este, não podendo tirar esse encantamento, apenas atenuou o mal, transformando-os em duas bonitas e simbólicas árvores. Ao belo índio deu a forma do pinheiro e à indiazinha, uma esbelta e graciosa palmeira. E quando o vento sopra, leva os suspiros do elegante pinheiro à sua bem amada e os dela ao seu amor.

Correram os anos. Um dia, por vontade de Tupã, um velho fazendeiro vai até o litoral e leva sementes da bela palmeira, mais alguns anos e a fazenda Palmeira se tornou a mais linda dos Campos Gerais. Fiel à tradição, doou o velho fazendeiro, no rincão dos buracos, meia légua de campos à Nossa Senhora da Conceição. Surgiu, então, a primeira capela. Envolto em brumas, fica, porém, um fio de verdade dessa lenda selvagem das araucárias: o elo da amizade que ora une Paranaguá a Palmeira.

PONTA GROSSA
Lenda das pombinhas

Conta-se que os antigos fazendeiros se reuniram para escolher a sede da povoação, onde ergueriam a Capela de Sant’ana. Como não se decidiam sobre o local, resolveram soltar dois pombos brancos, e onde eles pousassem, ali se iniciaria a vila. Depois de muito acompanharem as aves, elas, finalmente, desceram, determinando o local onde até hoje está a catedral.

Lenda de Vila Velha

Numa das versões lendárias sobre Vila Velha, ela era chamada Itacueretaba, aldeia de pedra velha. Itacueretaba era uma aldeia próspera, que continha um tesouro guardado por uma tribo de homens que eram proibidos de viverem com mulheres. A desobediência de um deles, fez o criador transformar a aldeia em pedra e o tesouro na lagoa dourada como punição pela falta.

RIO BRANCO DO IVAÍ
Lenda do Rio Ivaí

Uma linda índia, aparecida aos canoeiros que subiam e desciam o rio, levava-os aos lugares com mais pedras e dizia a eles: vai por aí. E os canoeiros iam por lugares que a índia indicava e ficavam envolvidos nas pedras sem poder sair. Os canoeiros, amedrontados, iam contar o ocorrido e juntavam as palavras para pronunciar, dizendo Ivaí, que significa: índia-vai-aí; por todo o percurso do rio. Ficando Ivaí, no início da colonização.

A lenda do Rio Branco

No início da colonização, um dos jesuítas que veio para a catequização dos índios que viviam nessas plagas, trouxe consigo um enorme pote de ouro. Não tendo onde guardá-lo, enterrou à beira do rio. Perto havia uma vaca pastando, era branca como a neve. O sol esquentou e a vaca sumiu do lugar sem que o jesuíta a visse mais. Quando lhe perguntavam sobre o ouro, ele dizia:

– O pote é da vaca branca. Mas a verdade é que ele não sabia mais, onde foi que enterrara o pote de ouro. A única marca que ele se lembrava era a vaca branca. Por isso, deu o nome ao rio de rio Branco. Porque ele sabia que era à beira do rio, em algum lugar, que deixara o pote de ouro.

A lenda do Véu da noiva

Uma moça, filha de um fazendeiro que morava perto de um rio, onde havia uma linda cachoeira, gostava de um dos seus empregados e dizia que queria casar com ele. Usaria no seu casamento um véu bem comprido e largo. Seu pai, que era um homem ambicioso, a deu em casamento para um homem rico e desconhecido, que ela não conhecia.

Ela, vendo que a data se aproximava e não conseguia de jeito nenhum terminar aquele noivado indesejável, foi à cachoeira, escorregou lentamente no lugar mais perigoso das pedras. Os seus longos cabelos, levados pelas águas, se abriram enroscando-se nas raízes e pedras e ela morreu. Quando acharam o corpo, chamaram aquele lugar de Véu da Noiva.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Cascavel – Coronel Vivida – Cruzeiro do Iguaçu – Dois Vizinhos – General Carneiro)


CASCAVEL
Origem do Nome da Cidade

Conta a lenda que o nome Cascavel surgiu por causa de um grupo de colonos. Estes, ao pernoitarem na região, foram acordados pelo ruído de um ninho de cobras cascavéis. Assustados, os colonos levantaram acampamento na mesma hora. A notícia se espalhou e o local ficou conhecido como “de cascavéis”, ou “cascavel”, simplesmente.

Apesar de popularizado, o nome chegou a ser modificado, por influência do clero, dada o simbolismo da cobra na bíblia. O esforço foi inútil, pois Joaquim Silveira de Oliveira, conhecido como Nhã Jeca, um dos pioneiros, não aceitou na época esta interferência vinda do clero de Foz do Iguaçu, já sonhando com a emancipação de Cascavel.

CORONEL VIVIDA
Origem do Nome da Cidade

A princípio, o nome do município era para ser Pouso Alegre. Mas o nome de Coronel Vivida deu-se em razão do apelido de uma ilustre personalidade do município de Palmas, chamado Coronel Firmino Teixeira Batista.

O Coronel Firmino era chamado de “Coronel Vivida”, pois conta a história que sempre fazia uso da expressão “que vida!” No entanto, o coronel era gago, de modo que toda vez que ia pronunciar a expressão “que vida!”, acabava falando “que vivida!”

Origem do nome da novela Cavalo de Aço

Em razão da grilagem de pinheiros, que existiam em grande quantidade na região, mais propriamente em Coronel Vivida. Os grileiros se referiam às motoserras usadas no corte dos pinheiros como “cavalo de aço”. O tema central na trama da novela Cavalo de Aço, produzida e exibida pela TV Globo, foi dos grileiros derrubando as matas de pinheiros, com cenas gravadas no município. A tomada dos primeiros capítulos foram feitas na Mata de Pinheiros que ficava no terreno da família Schiavini.

O nome de Coronel Vivida foi citado no início da novela, como o local da trama; mas depois eles passaram a chamar de Coronel Viveiros e finalizaram as gravações da novela na região de São Paulo e Rio de Janeiro. Só que nesses locais eles derrubavam nas cenas matas de eucaliptos.

CRUZEIRO DO IGUAÇU
Lenda do Miserável


A ocupação efetiva da região do sudoeste, que fez parte do Território do Iguaçu, e está dentro da faixa de fronteira, começou com os primeiros posseiros na década de 1930. Em 1936, chega à região do sudoeste a família de Atanásio da Cruz Pires, proveniente do sul, fixando residência às margens dos rios Iguaçu e Chopim, hoje Foz do Chopim, município de Cruzeiro do Iguaçu.

Para o sustento da família, Atanásio utilizava-se do que a natureza oferecia em abundância, numa região coberta de mata nativa: a caça e a pesca. O couro dos animais era comercializado e a carne que não era consumida, jogada fora. Com isso, Atanásio ia conhecendo o território e a ele atribuindo suas nomeações históricas, hoje lendárias.

Numa época de muita chuva, Atanásio, acompanhado por seus filhos, seguia pela costa do rio Chopim, até a barra do Divisor, atual Rio Cruzeiro. Naquele local permaneceram por vários dias acampados sem pegar caça e pesca alguma. A chuva era torrencial e constante. Acabando o estoque de alimento e a fome aumentando, Atanásio acabou matando uma das suas cachorras de caça para se alimentar.

Nessa passagem, o velho disse aos seus filhos:

– Esse local é tão miserável que nem caça e pesca dá! A partir de hoje, matamos somente a caça que podemos comer”

Seu Atanásio considerou esse episódio um castigo, pois num dado momento haviam matado doze antas e jogado a carne ao rio. Em razão desses acontecimentos o local passou a dominar-se rio Miserável; mais tarde, deu a origem ao “Povoado Miserável”, hoje Cruzeiro do Iguaçu.

DOIS VIZINHOS
Origem do Nome da Cidade

Existem duas versões, na primeira delas se relata que os primeiros habitantes eram apenas dois moradores, que tinham suas casas próximas ao rio; estando elas localizadas uma em cada margem.

Por causa disso, passaram a chamar o local, tendo isso como referência. Dizia-se “…vamos nos encontrar lá onde tem dois moradores à beira do rio…”. Que então passaram a chamar o rio de rio Dois Vizinhos e com o povoamento, conseqüentemente, passou a denominar-se Dois Vizinhos.

A segunda versão diz que o nome de Dois Vizinhos se originou porque neste local havia dois rios, que se encontravam formando um só. Os caçadores que faziam o uso da canoa para seus transportes, sempre combinavam: “…vamos nos encontrar lá onde os rios se encontram… o rio Dois Vizinhos…”. E marcavam entre si seus encontros, exatamente onde ocorria a bifurcação dos rios. Então pernoitavam e planejavam suas caçadas.

Como conseqüência disso, o rio foi denominado Dois Vizinhos e, posteriormente, com o desenvolvimento do local e com a vinda de outros moradores o pequeno povoado passou a denominar-se Dois Vizinhos.

GENERAL CARNEIRO
O Passo do Inferno

Este relato nos faz voltar em meados do ano de 1890, entre as localidades do Iratim e Marco Quatro, hoje denominada Estrada Velha. Naquela época essa região era o corredor de passagem dos tropeiros. Neste local havia um riacho pequeno, chamado na época de Passo por possibilitar a travessia dos animais.

O local, porém, transformava-se num grande atoleiro durante a passagem das tropas. Como conseqüência, os tropeiros sofriam um enorme desgaste físico na tentativa de salvar os animais, que acabavam encalhando. Muitas vezes, os tropeiros não tinham sucesso na travessia de todos os animais, por este motivo deram o nome ao local de Passo do Inferno.

Conta-se que um fazendeiro, neste mesmo ano, ao retornar de São Paulo, após efetuar a venda da sua boiada, trazia sobre o lombo dos animais uma considerável quantia de moedas de ouro e prata, avolumadas em bruacas. Nas proximidades do Passo do Inferno teve a impressão de estar sendo seguido por homens estranhos. Com medo de um assalto, resolveu pernoitar nos arredores. Antes, no entanto, enterrou o tesouro no mato. Ele, como temia, foi assaltado. Por não portar nenhum valor em moedas foi morto pelos malfeitores.

Após esse acontecimento, cidadãos que por ali passavam avistavam vultos estranhos. Muitos tentaram encontrar o dinheiro enterrado pelo fazendeiro, porém nunca se ouviu falar que alguém tenha encontrado alguma coisa. Mas, as bruacas com as moedas de ouro e prata continuam enterradas lá. No Passo do Inferno.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Almirante Tamandaré, Antonio Olinto, Arapoti, Clevelândia, Palmeira, Piraí do Sul)


ANTONIO OLINTO
O caixão

Em um rio de Antonio Olinto há um caixão, todo feito de cimento, que vaga pelas águas; poucas pessoas conseguiram vê-lo, pois ele aparece às vezes. Dizem que um dia, quando um homem estava pescando viu o tal caixão. O pescador, que sempre levava uma arma, naquele dia já a havia utilizado para atirar em uma pomba na beira do rio; mas quando ele foi pegá-la só havia penas e o misterioso caixão. Assustado, foi contar para os amigos e vizinhos que logo foram ver no local o caixão.

Ao chegarem no local, nada havia; desapareceu o misterioso caixão. Contam, também, que para retirar esse caixão da água é preciso que se tenha dois bois gêmeos. As pessoas que viram esse caixão já tentaram tirá-lo da água, mas, até hoje, ninguém conseguiu.

ARAPOTI
O preço da farra

João era um homem fanfarrão que não vivia sem um baile e diversão e, mesmo depois de casado, freqüentava bares e galpões por Arapoti afora.

Certa noite, ele encontrou uma bela moça e, após duas ou três músicas, não esperou nenhum instante e acompanhou-a até à casa dela. A mulher tinha ótima aparência, bem vestida e devidamente maquiada; era a figura mais notável da festa. Mas sua presença por ali já não se via há muitos e muitos anos. Chegando à casa da moça, eles entraram em uma sala enorme, o homem tirou seu casaco e colocou-o sobre uma cadeira. Após o lanche, e muito papo, ele despediu-se com a certeza de que voltaria a vê-la mais vezes.

No outro dia, o coveiro que era seu amigo foi até sua casa e entregou-lhe o casaco. A princípio, João duvidou, mas reconheceu como sendo seu aquele casaco e contou que havia esquecido na casa daquela moça. O seu amigo sorriu, dizendo que o havia encontrado dentro de um mausoléu no cemitério.

ARAPOTI
O espírito do cemitério

Há anos atrás ocorreu um fato no cemitério da cidade. Alguns jovens, em uma brincadeira de mau gosto, apostavam quem pegava mais cruzes, brincadeira esta que era muito comum naquela época.

Certo dia, uma moça muito bonita faleceu por causa não relatada, deixando um clima sombrio no local. Ao chegar o dia de finados, mais ou menos duas semanas depois do acontecimento, um rapaz senta-se sobre um túmulo e repara em uma bela garota ao seu lado. Inicia-se a conversa entre os dois que acaba repentinamente quando ele revela que roubava cruzes. Ela o desafia a roubar uma cruz naquela noite, a sua própria. Ela entrega-lhe uma rosa e desaparece no meio de outras pessoas. Ele guarda a flor dentro do bolso, envolta em um lenço azul.

Naquela noite, para a surpresa dele e de seus amigos, não havia nenhuma lápide e nenhuma cruz; era como se aquele lugar nunca tivesse existido. Ele lembrou-se da rosa. Quando pôs a mão no bolso teve uma terrível surpresa: a rosa transformara-se em um pedaço de osso humano.

CLEVELÂNDIA
A escrava

Há muitos anos atrás, em uma fazenda de nosso município, um fato curioso aconteceu. Certa amanhã de inverno, dona Maria esquentava-se na boca de seu fogão à lenha, quando sua escrava começou a falar, que quando morresse, não gostaria de ser enterrada no cemitério municipal e sim no cemitério da fazenda. Ali era o lugar que ela gostava. Dizia ela: “aqui eu nasci, aqui vivi e aqui quero ficar; naquela colina de onde poderei ficar enxergando os meus senhores, os quais foram tão bons para mim”. Sua patroa ria muito e não ligava para o que ela falava.

Como, naquela época, morriam muitas crianças ainda bebês, do chamado mal dos sete dias, a fazendeira fez um cemitério para as crianças, bem embaixo de um lindo pinheiro. Foi todo cercado com uma linda cerca branca. Muito tempo se passou e a escrava faleceu. Foi velada na fazenda, depois colocada em uma carroça para ser enterrada no cemitério municipal.

Porém, para sair da fazenda era preciso passar bem ao lado do cemitério das crianças e veja só o que aconteceu: quando chegaram bem perto do cemitério da fazenda, a carroça parou e os bois não iam nem para frente nem para trás. Puxavam, batiam nos bois, gritavam e nada adiantava. No mesmo instante, dona Maria lembrou do pedido que a escrava havia feito e determinou que voltassem, pois ela seria enterrada no cemitério das crianças, assim fazendo a vontade da escrava.

Os bois, então, começaram a andar sem que ninguém precisasse comandá-los. Andaram e chegaram até o portão do cemitério ali parando. Enterraram a escrava ali, realizaram seu último pedido, seu desejo de permanecer para sempre perto de seus senhores. Como dizia a escrava: “aqui nasci, aqui vivi e aqui quero ficar”.

PALMEIRA
Túmulo fora do cemitério

No verão de 1872, Zeca Paula, filho de rico estancieiro do Rio Grande do Sul, na cidade de Uruguaiana, trazia uma grande tropa, com destino à feira de Sorocaba, em São Paulo. Exaustos pela travessia do caminho do Viamão, chegando aos campos gerais estes resolveram fazer uma
pausa forçada.

Enquanto os peões zelavam pela tropa, Zeca Paula hospedava-se na freguesia de Palmeira, foi então que deparou com uma linda jovem, filha de importante família local. Os dois logo se apaixonaram. Conta a lenda que o pai não apreciava aquele namoro. Foi então que a jovem deixou de ser vista na janela. Dizem que a linda moça padecia em um sítio muito distante, consolada por sua mãe. Com o desaparecimento da moça o namorado entristeceu-se, de tal ponto que foi ao desespero. Pouco tempo depois, encontraram-no morto, enforcado em seu próprio quarto.

Sendo esta grande injúria contra Deus, no seu sepultamento o pároco não permitiu que seu corpo fosse enterrado no cemitério da capela Bom Jesus, ficando assim do lado de fora e em cova rasa.

Não se passando muito tempo, veio seu pai a Palmeira, substituir aquela modesta cruz de madeira por uma sepultura de pedra e cal, onde colocou uma lápide com os dizeres: “aqui jaz José de Paula e Silva filho do Barão de Ibicuí, nasceu em 2 de abril de 1835 e faleceu em 7 de março de 1873”. Com a reforma do cemitério, os restos mortais foram levados para o cemitério municipal onde se pode ver a referida placa em seu túmulo.

PALMEIRA
Lenda dos dois cavaleiros

Como um tropeiro cometeu uma injúria muito grave a Deus, o pároco não permitiu que o seu corpo fosse enterrado dentro do campo santo. Foi então enterrado fora dos muros do cemitério da capela do Senhor Bom Jesus. Entretanto, nesse mesmo período, um outro homem havia se enforcado, também cometendo grave injúria contra Deus.

Dizem que esses homens visitam-se. Passam pela “rua do Banhado” correndo, montados em cavalos sem cabeça e quando se encontram, descem de suas montarias e começam a cavar o solo, em sinal de cumprimento. Depois de voltar cada um ao seu lugar, desaparecem misteriosamente.

PIRAÍ DO SUL
O túmulo de Maria Quebra

Já existindo como aglomerado populacional desde o início do século XVII, o então Bairro da Lança manteve até o início do século XX as mesmas características das povoações habitadas por portugueses e seus descendentes, em sua convivência com o índio e o negro.

A Proclamação da Independência, a libertação dos escravos, a Proclamação da República ou a Revolução Federalista, ou outro fato nacional, em muito pouco modificaram o dia-a-dia dos habitantes do Bairro da Lança. Localizado às margens do caminho do Viamão a Sorocaba, o pequeno povoado que englobava as localidades de Cercadinho (Campo Comprido), Lança, Silva, Fundão, Machadinho, Furnas (Murtinho), Tabor e Jararaca, assistia à passagem do viajante que demandava São Paulo ao Rio Grande do Sul, ou dos Pampas ao Norte do País. Por ser o único caminho de ligação com o sul do Brasil, ou acolhia o tropeiro em sua passagem para a feira de Sorocaba, ou na volta aos campos de criação do Sul, sem que as características do seu dia-a-dia fossem modificadas significativamente.

Os mortos eram enterrados com o tradicional cerimonial da época, nos cemitérios existentes nas concentrações mais importantes do bairro como: Campo da Lança, Campo Comprido, Furnas e Fundão e mais recentemente no cemitério da Vila Piraí, localizado no Alto da Rua XV, onde os portugueses, brasileiros, índios ou escravos recebiam sepultura sob as bênçãos da fé cristã, o respeito às Leis, aos costumes e à tradição.

Entre os séculos XIX e XX, residia na rua hoje denominada Julieta Veiga Queiroz, nas imediações da casa de dona Zelinda Miro, uma senhora a quem chamavam “Maria Quebra”. Tinha esse nome em razão do gênio atirado, ou por suas atitudes violentas e rudes, o que era motivo constante de brigas e desentendimentos, o que lhe valeu o apelido.

A passagem para o século XX veio trazer a Piraí do Sul sensíveis modificações em todos os segmentos da vida local, notadamente em seus costumes e hábitos, comércio, sociedade, modificações estas que perduram até o final da Primeira Guerra Mundial.

A população local que era constituída essencialmente de descendentes de portugueses, com suas mesclas com o índio e o negro, recebeu o choque da imigração européia (alemães, poloneses, russos/ucraínos e italianos), bem como um significativo contingente árabe. Novos rumos tomou o aglomerado populacional, com um significativo aumento na construção de casas em novos estilos e o traçado de novas ruas. O dia-a-dia da Vila Piraí foi modificado sensivelmente, com novos hábitos na vida social, na igreja, no casamento, na comida, na escola, no comércio e na política, conservando até hoje a influência da imigração italiana. Com o aumento da população da sede da Vila, o pequeno cemitério da rua XV (alto), passa a receber os mortos não só da zona urbana, mas também da zona rural, recebendo melhoramentos, bem como túmulos artisticamente construídos.

Maria Quebra, na sua vivência com bebidas e festas e pela vida devassa que levava, contraiu o mal de Hansen, tendo padecido por longos anos desta enfermidade. Em meados do ano de 1917 veio a falecer, preparando-se o seu sepultamento, que seria realizado no cemitério ao alto da rua XV, como era de costume para os moradores da Vila. Sepultamento esse que não foi autorizado, sob a alegação de que Maria Quebra havia morrido de lepra e não poderia ser enterrada junto aos mortos daquele cemitério. O cemitério mais próximo da Vila era o Campo da Lança, que estava sendo desativado, primeiro pelo novo hábito de se utilizar o cemitério da Vila e, também, porque o local estava infestado de tatus rabo mole, ou testa de ferro; animais que profanavam as sepulturas, levando a que as famílias se negassem a enterrar seus mortos naquele local. O cadáver de Maria Quebra, insepulto, esperava local para seu merecido descanso, tendo em vista a negativa da autorização do uso do cemitério municipal.

Por fim, decidiu-se que ela poderia ser enterrada nas proximidades daquele campo santo, desde que fora dos muros. Assim, Maria Quebra recebeu sepultura ao lado direito da estrada que passa nos fundos do cemitério municipal e vai em direção ao bairro do Bonsucesso. Sua sepultura está a uns 700 metros além dos muros, ao pé de um centenário cedreiro, onde até hoje alguns devotos depositam suas preces e oferendas.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Morretes /Nova Cantu /Palmital /São José dos Pinhais /São Mateus do Sul /Tomazina/ Verê/ Virmond)


MORRETES
Saci-pererê

Em Morretes, aconteceu o caso de um jovem que, voltando para casa após uma noite de festa, levou uma chicotada do saci. Assustado, ele entrou em casa e até o dia amanhecer ouviu os assobios do saci, que perambulava por seu quintal.

Segundo os moradores de Morretes o assovio é uma das melhores maneiras para descobrir
se o saci está perto, ou não. Ele tem um assovio duplo e curto, um aspirar e um expirar que soa fino. Outra forma de visualizá-lo é em seu segundo corpo, pois afirmam que à noite ele tem o corpo de Fin-Fin, um pássaro que habita nas florestas e difícil de ser encontrado.

MORRETES
As bruxas

As bruxas apareciam principalmente em noite de lua cheia, nas fazendas e nos engenhos de Morretes. Ainda hoje elas galopam, sentadas no pescoço do cavalo, fazendo em suas crinas tranças finas e unidas para servir de estribo. São trançadas de tal modo, que não se pode desfazer, só cortando. Segundo a lenda, quem consegue desmanchar a trança, é uma bruxa ou bruxo.

Temos vários relatos de pessoas, pertencentes às famílias tradicionais de Morretes, que tiveram oportunidade de ver de perto a trança feita pela bruxa. Dizem, também, que a noite elas vão aos engenhos, em forma de patas, para beber; depois vão reunir-se aos outros patos, numa lagoa dourada, onde se banham.

NOVA CANTU
Lenda do lobisomem

Contam os antigos moradores, que em época de quaresma ninguém podia sair nas ruas durante a noite, pois havia um homem andarilho que virava lobisomem. Ele saía à noite e andava pelos quintais das residências, nos galinheiros, nos chiqueiros e nos currais. Os cachorros saíam correndo atrás do lobisomem, que se transformava num monstro barbudo com rabo bem grande e era o terror da quaresma.

Esse ser estranho amedrontava as crianças e os adultos, pois todos acordavam com os urros e gemidos estridentes. Os antigos diziam que para o lobisomem ir embora, e saberem quem era o andarilho, devia-se jogar sal nele e mandá-lo vir buscar no dia seguinte sal emprestado. Curioso é que na manhã seguinte o andarilho passava nas casas pedindo sal emprestado.

PALMITAL
Bicho-homem

Em épocas passadas, ouviam-se muitas histórias do tal bicho-homem: o lobisomem. Em uma fazenda aqui em Palmital, morava uma família. Ela residia em uma grande casa e possuía garotos muito sapecas, que não tinham medo de nada.

Certa noite, resolveram prender um bicho que os incomodava e pelas características deduziram que fosse o tal lobisomem. Prenderam o animal e ficaram aguardando o amanhecer, enquanto lentamente a fera sofria transformações, retomando as características humanas.

Após a tal mudança de bicho para homem, ele começou a gritar desesperadamente pedindo que o soltassem, mas os meninos o mantiveram preso e lhe deram uma boa surra, soltando-o logo em seguida. Este, totalmente sem roupa, saiu correndo e nunca mais voltou a incomodá-los.

PALMITAL
A surpresa

Era uma vez uma família que morava em um sítio, nas redondezas de Palmital. Nesse sítio também morava outra família, a do seu João, que cuidava da terra, trabalhando-a e ocupando-se com tarefas que necessitavam ser feitas. Seu João gostava de contar histórias e suas preferidas eram as de lobisomem.

Certa noite de lua cheia, estava muito frio e o dono do sítio resolveu acender uma fogueira no meio da casa, pois naquela época, nas casas não havia assoalho e sim chão batido, facilitando-se o acender do fogo, onde todos poderiam aquecer-se.

Fizeram o fogo e todos estavam alegremente conversando enquanto se aqueciam. De repente, ouviram que algo arranhava as paredes pelo lado de fora. Mais do que depressa, o dono da casa pegou sua espingarda e ficou aguardando, pois poderia ser uma onça, um tigre ou outro animal qualquer, pensou ele. Os ruídos aumentavam, assim como a angústia em meio às preces, dos que estavam dentro da casa.

Assim, o clima tenso permaneceu por alguns minutos, até que a dona da casa lembrou que poderia ser o lobisomem, pois era época de quaresma; e foi logo dizendo ao bicho que retornasse pela manhã para apanhar um pouco de sal, dito isto, o barulho cessou.

Na manhã seguinte, acordaram com batidas à porta; ao atenderem, para surpresa de todos era João, que estava ali para apanhar o pouco de sal que haviam lhe prometido.

SÃO JOSÉ DOS PINHAIS
Chico Bracatinga

Pouco antes do sol se pôr, passava pela rua Voluntários da Pátria; todo dia, o Chico Bracatinga, meio velho, manco; mais pra pequeno do que pra gente grande, magro, enrugado e ajudado por um bastão de Cambuí. Dizia boa tarde pra famílias que se sentavam à frente da casa, vendo as crianças brincarem de ciranda, cirandinha, bete, búrico, polícia e ladrão e outras. Nunca ninguém viu o Chico Bracatinga voltar. Ele ia até o centro de São José dos Pinhais e todo mundo sabia que, à noite, ele virava lobisomem.

SÃO MATEUS DO SUL
História real

Havia um casal que tinha acabado de se casar, o marido tinha dado à mulher um lindo vestido de seda vermelha, pois naquele tempo as mulheres usavam só vestidos e de seda. Toda noite o marido saía e chegava antes do sol sair.

Sua mulher, cansada de ficar sozinha, falou a ele que também iria passear à noite. Lá havia um carreiro muito escuro, com árvores de cambuí. Ele, porém, lhe falou: “não vá, você vai tomar um susto”. A mulher não deu importância, só disse: “eu não tenho medo de nada”.

Ela saiu e ela foi passear na casa da sua vizinha. Quando estava voltando com seu lindo vestido de seda, avistou um cachorro muito grande embaixo da árvore, que pulou nela e rasgou todo o vestido de seda vermelho.

Quando chegou em casa seu marido ainda não tinha chegado. Quando ele chegou, perguntou a ela se não tinha visto nada. Ela lhe disse: “só um grande cachorro que me avançou e rasgou meu vestido vermelho, aquele que você me deu, lembra?”

Então, ele sorriu com os pedaços do vestido dela em seus dentes.

SÃO MATEUS DO SUL
A cobra

Há muitos anos atrás, uma família humilde que morava numa casa simples, de chão batido, foi vítima da maldade de uma cobra. A senhora tinha uma filha recém-nascida e quando ia amamentar o bebê a cobra as hipnotizava e se alimentava do leite da senhora, enquanto dava o seu rabo para a criança chupar, assim a criança não chorava. Desconfiado, seu marido resolveu sondá-las, ao perceber que sua filha tinha assaduras em toda a boca.

Certa noite, sua desconfiança se confirmou, havia uma cobra se alimentando do leite materno da criança e, ao satisfazer-se, voltava para o seu lugar. Neste momento, o marido da vítima matou a cobra, mas, infelizmente, a filha nunca se livrou da conseqüência de tal fato, pois ao morrer com seus setenta anos ainda possuía as assaduras na boca.

TOMAZINA
Lenda da cobra encantada

Conta-se que duas moças tiveram duas crianças. Para esconder o nascimento delas uma jogou seu filho no rio, à altura da corredeira, e a outra jogou o seu na curva da prainha.

Na prainha existe um redemoinho; dessa maneira, as crianças ali jogadas subiram o rio, ao invés de descer. As duas crianças se encontraram na curva do rio, atrás da Igreja. Assim, transformaram-se em uma serpente, que se encontra adormecida com a cabeça embaixo da igreja e o rabo no rio, embaixo da ponte. Conta a lenda que as rachaduras da igreja são conseqüências dos movimentos da serpente tentando acordar.

Dizem que os pecados dos tomazinenses é que irão acordar a serpente. Ela destruirá a igreja e unirá o rio das Cinzas em linha reta, provocando a junção das duas corredeiras, acabando com a curva do rio e destruindo a cidade.

VERÊ
História de lobisomem

Minha mãe Vergínia não queria que a gente voltasse para casa, depois do anoitecer. Ela dizia que, à noite, aparece o lobisomem, ainda mais numa sexta-feira. Um dia eu estava de namoro com uma moça do Sbalqueiro.

Fui ficando, escureceu e era uma sexta-feira. Joguei os baixeiros e os pelegos no cavalo e saí apressado.

Logo que passei o rio Tigre, apareceu um vulto, o cavalo se assustou, deu uma corcoveada, jogou-me no chão e saiu em disparada. Quando me vi ali caído, calculei que era o lobisomem que vinha me pegar. Mas já que ele ia me pegar mesmo, abri os olhos para ver como ele era. Aí entendi a história.

Era só um tatu que tentava subir um barranco e quando chegava numa certa altura, não conseguia e descia rolando. Quando eu cheguei em casa, com o baixeiro e o pelego debaixo do braço, o cavalo já tinha chegado. E a mãe preocupada, porque o cavalo chegou sozinho.

VIRMOND
O lobisomem

Antigamente, no início da colonização de Virmond, as pessoas costumavam sair muito para passear, visitar seus parentes e vizinhos à noite. Um homem sempre saía sozinho, não gostava de levar sua esposa. Ela começou a desconfiar dele e então pediu para ir junto, no caminho ela sentiu que seu esposo estava estranho; quando de repente ele pediu para entrar na floresta.

Da floresta logo saiu um lobisomem, tentando morder a mulher. Ela foi agarrada pela saia, que era vermelha, esta ficou toda despedaçada. Depois disso, o lobisomem sumiu no meio da floresta. A mulher correu muito e voltou para casa; chegando lá viu seu esposo dormindo, com a boca aberta, e entre seus dentes haviam pedaços vermelhos de sua saia. Descobriu, então, que seu próprio marido era o lobisomem.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Lendas e Contos Populares do Paraná (O diabo de Capanema/ O petiço/A coruja/ Quaresma/ Leitoa mateira/ Serpente da figueira/Saga da Caetana)


CAPANEMA
O diabo de Capanema

Certa feita, um carroceiro gritava com seus bois, fatigados pela carga excessiva de toras de peroba. Era ajudado por seu filho, que chicoteava grosseiramente os animais, não avaliando que era impossível os bois saírem do local, um lamacento buraco. Os bois respiravam aos sufocos, largando uma saliva espumosa pela boca, enquanto o homem esbravejava.

Aos urros e berros ecoantes, com blasfêmias de todas as espécies e contra as divindades, os animais se contorciam de um lado para outro, sem o efeito esperado que o carro pudesse ser removido dali. O homem recorreu a todos os santos e demônios; por fim, gritou: “talvez quem pudesse nos ajudar, só mesmo o diabo!”. E o seu santo, naquela hora, passou a ser o demônio, já que não resolveram nada os demais santificados. Que surgisse, então, o demônio. Para resolver uma situação que se encontrava sem remédio.

Repentinamente, ouviu-se um barulho, com grande claridade e um pouco de fumaça. Lá estava “ele” sobre as toras amarradas na carroça atolada, lançava pela boca e olhos uma lasciva chama avermelhada e observava o carroceiro atônito. O carroceiro pôs suas mãos no bolso à procura de um rosário e encontrou somente fumo de rolo. Tentou se lembrar dos seus santos e recitava até orações nunca ouvidas! Mas nada resolvera. Ele, o diabo, continuava ali, sentado e indiferente ao homem que tentava agora se lembrar dos santos e dos desafios que fizera anteriormente contra a divina providência. Enquanto isso, como por encanto os bois lentamente saíram da lama e caminhavam com o peso, como que ajudados por alguma força diferente, invisível.

Essa história se espalhou pelo lugar. E o Diabo de Capanema permaneceu no folclore do lugar. Até hoje, alguns fazem troça, outros ignoram, os demais comentam com dedicação e curioso interesse. E foi assim que aconteceu; a figura ilusória e persistente na imaginação de muitos ficou, vagando por longos tempos.

CARAMBEÍ
O petiço

Contam os antigos que na casa de Aart Jan de Geus havia um petiço, um cavalo pequeno, bem cabeçudo, tão cabeçudo quanto seis burros cabeçudos juntos, mas domado igual a um cavalo de circo. Após a ordenha, os rapazes colocavam as latas de leite em cima de uma carroça sem cocheiro e o petiço as levava direto para a fábrica de queijos, manobrava para frente e para trás, até que a parte traseira da carroça se encostasse na porta.

Então, o rapaz, que era queijeiro naquela época, esvaziava as latas, enchia-as com soro e colocava-as novamente na carroça e falava: “huuu”! Depois disso, o cavalinho fazia sua corrida de volta para casa, até o chiqueiro, onde fazia as manobras e encostava a parte traseira da carroça nas tinas de soro.

Conta-se que, se por acaso, demorassem em atendê-lo, o “excelentíssimo” sozinho se livrava das rédeas e ia fazer uma “boquinha” no pasto, relinchando e olhando para trás, como se assim chamasse a atenção dos rapazes por tê-lo deixado esperar tanto tempo.

IPIRANGA
A lenda da coruja

Há muito tempo atrás havia um armazém em Avencal, tendo como proprietários um casal. Todas as noites ouviam barulhos no armazém e no dia seguinte ele amanhecia todo bagunçado, com doces e sabão comidos. Numa certa noite, o casal criou coragem, pegou o lampião de querosene e foi até o armazém ver o que acontecia. Encontraram uma enorme coruja, do tamanho de uma pessoa, comendo doces e sabão, que, ao ver o casal, transformou-se em uma mulher, uma conhecida vizinha deles.

Então, perguntaram o que estava acontecendo e ela respondeu que se transformava em coruja porque havia casado de branco sem merecer e se o casal não contasse para ninguém, ela nunca mais voltaria a incomodá-los.

MALLET
Histórias de quaresma

O período de quaresma é conhecido popularmente como um tempo em que acontecem fenômenos extraordinários, como é o caso do lobisomem, meio homem, meio cachorro. Algumas pessoas que viveram o fato que passamos a relatar, ainda vivem.

Uma família de imigrantes poloneses, vindos da região dominada pela Áustria, veio fixar-se em Mallet e trouxe para cá sua modalidade de trabalho, o ramo de açougue. É a família Kolosowski. O senhor Kolosowski criava gado bovino para leite e corte, bem como suínos. Guardava em latas o produto dos suínos, a banha; e também estocava latas vazias. Na sua casa havia dois bons cachorros, que guardavam a propriedade e o açougue.

Numa sexta-feira de quaresma, a família já estava dormindo quando se ouviu um barulho estrondoso de latas vazias e os cachorros latiam desesperados, como se estivessem atacando alguém, mas com desespero ou medo. O dono da casa saiu na varanda e avistou no pátio um homenzinho esquisito e perguntou:

– O que você está fazendo aí? O que você quer aqui?

A criatura respondeu-lhe com um palavrão. Então o senhor Kolosowski pegou uma ripa de cerca e a esposa um galho de pessegueiro e o expulsaram para a estrada, fecharam o portão, encostando-o com um vigote. Os cachorros pareciam pedir do pátio proteção ao patrão.

Entraram em casa e quando viram pela janela, lá estava o homenzinho no pátio, novamente. Entrou sem abrir o portão. Colocaram-no para fora do pátio outra vez. O seu corpo não estava mais coberto por pêlos, pois a crença é que quando o lobisomem é mordido por cachorro, os pêlos desaparecem.

No dia seguinte pela manhã o senhor Kolosowski e seus irmãos foram à estação ferroviária para despachar a carga de banha. Qual não foi o susto, quando viram o homenzinho sentado no banco da praça Getúlio Vargas, provavelmente aguardando o trem.

Ele estava todo machucado pelas mordidas dos cachorros, deduziram então que ele era o lobisomem. Este fato ocorreu em meados de 1940.

MAMBORÊ
Lenda da leitoa mateira

Em tempos remotos, Mamborê era a principal região extrativista de erva-mate da região; quem tomava conta das plantações eram os porcos, pois não havia o costume de criá-los em regime fechado.

Diz a lenda que em torno a um grande pé de erva-mate, os mateiros se reuniam para celebrar a colheita. Nesta festa de confraternização, estimulavam-se as amizades e a fraternidade, que os mantinham unidos até o próximo ano. Com o tempo esta tradição foi se extinguindo e a festa deixou de acontecer. Com isso, a produção deixou de ser farta, as amizades entre mateiros já não eram tão estreitas e as intrigas entre produtores já eram constantes.

Uma leitoa, que sempre acompanhava as festividades, percebeu o caos que estava para acontecer e, em um ato de solidariedade, pediu para a mãe-natureza que tudo voltasse a ser como antes, nem que ela tivesse que sacrificar a sua própria vida.

E assim ocorreu. Em meio às discussões e atritos entre produtores, escutou-se um grande estrondo, como um raio que caíra na proximidade de um grande pé de erva-mate. Todos correram para ver e encontraram um grande banquete, no qual o prato principal era a leitoa. Todos, então, compreenderam que as tradições e as amizades estavam sendo trocadas pelos sentimentos de ganância e materialismo.

Esta festividade durou por décadas, advinda da lenda da leitoa mateira. E até hoje, a comunidade se reúne para saborear a leitoa mateira, com o intuito de promover as amizades e a fraternidade.

MATINHOS
Serpente da figueira

Há muitos anos atrás no canal do Milone (mil homens) no bairro Tabuleiro, existia um pé de figueira, na qual vivia uma serpente; era o caminho que as pessoas usavam para ir ao balneário Caiobá. Segundo contam, a serpente não deixava ninguém passar, assombrando-as. Hoje a figueira não existe mais, mas as pessoas contam que a serpente continua assombrando os moradores.

MATINHOS
A saga da Caetana

Contam que Caetana Paranhos, professora, hoje nome de escola municipal, morava em Caiobá e vinha a cavalo todas as manhãs reger aulas em Matinhos. Ela trabalhava na escola, onde hoje é a Câmara Municipal. Caetana retornava à noitinha para casa. Lá pelos idos de 1900, existiam muitas onças na região. Próximo a um córrego, numa noite de luar uma onça acometeu a montaria de Caetana junto aos rochedos, num lugar no extremo sul de Caiobá. Quando Caetana caiu desfalecida e a onça ia atacá-la o cavalo gritou “Caetana” e a onça fugiu.

Dizem que Caetana na linguagem dos animais significa onça. Até hoje contam que tempos depois alguns alunos ainda viam o cavalo da mestra, circulando pela região. No local existe uma estátua do cavalo.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Lendas e Contos Populares do Paraná (Cidades de Cerro Azul/ Dois Vizinhos/ Itaipulândia/ Mamborê)

CIDADE DE CERRO AZUL
HERMÓGENES

Talvez o personagem mais conhecido do imaginário popular cerroazulense seja o “coronel” Hermógenes de Araújo, que viveu nos idos do século XIX, em tempos de coronelismo e voto de cabresto.

Hermógenes era figura muito conhecida na região, sua casa era a melhor e mais rica e ele tinha muita influência junto ao Governo do Estado, representado por Vicente Machado. Bastante conhecido pela sua dureza e crueldade, era o mandatário da região, vivendo cercado de jagunços encarregados de fazer o “serviço sujo”.

O episódio mais famoso envolvendo seu nome está relatado no livro “A Cruz do Alemão”, de Cid Destefani: é o assassinato, à tocaia, de um imigrante alemão chamado Henning. Henning foi executado por um bandido chamado Diomiro Furquim e capangas, a mando de Hermógenes, por razões políticas que envolviam nomes importantes do cenário paranaense da época, como Vicente Machado, Padre Alberto, Pároco de Curitiba e o Barão do Serro Azul.

Por ser uma figura tão peculiar, são controversas as muitas histórias a respeito dele. Conta-se que teria morrido de uma febre misteriosa que tomou seu corpo. Antes de morrer, agonizou durante vários dias e seus empregados se revezavam noite e dia, abanando o seu corpo na tentativa de aplacar o calor. Muitos diziam que era o fogo do inferno, castigando-o por seus pecados.

Conta-se, também, que depois da morte, seu túmulo vivia rachando, porque a alma não encontrava descanso. Para resolver o problema, o túmulo recebeu grossas correntes a sua volta. Mais tarde, estas correntes foram levadas para o antigo pátio da Prefeitura Municipal e conta-se que enquanto elas ali permaneceram, nada naquele local prosperou.

MAIS UMA DO HERMÓGENES

Isso foi nos tempos da primeira república. Hermógenes, o grandalhão, mandava em Cerro Azul. Sua fama é de um homem muito malvado. Era tão temido, que teve pai batizando filho com o nome de Hermógenes, como sinal de respeito e para aplacar a ira do “Sinhozinho Malta” daquele tempo.

Era um político muito vingativo, segundo a versão de alguns. Ele tinha o apoio do Governo Estadual, por ser o chefe político da região. Como “não havia” autoridade policial era ele que “fazia o serviço”, à sua maneira. Estava sempre rodeado dos seus capangas, que cumpriam religiosamente todas as suas ordens. Quando ordenava para prender alguém e este não obedecia à voz de prisão, os capangas tinham recomendação de matar.

Certa vez, conta-nos Chico Tiblier, Hermógenes teria mandado prender um camarada e disse que se não pudessem trazê-lo vivo, que trouxessem a cabeça dele. E não é que os desgraçados fizeram o serviço ao pé da letra! Trouxeram a cabeça do miserável e a colocaram na mesa. Hermógenes, ao vê-la, teria dito:

– Barbaridade! Que serviço vocês fizeram. Com o susto, o tirano desmaiou e nunca mais conseguiu ser o mesmo. A cabeça do homem foi enterrada nos fundos de sua casa, onde é hoje o bar do Jadir. Depois que Hermógenes morreu, contam muitas pessoas, a casa dele ficou assombrada. Dizem, por exemplo, que o assoalho da casa se erguia e formava um caixão.

CIDADE DE DOIS VIZINHOS
AS CAÇADAS NO GIRAU

Desde o surgimento do povoado, que deu origem ao município, o local tem dois centros: sul e norte. Quando ainda era distrito de Pato Branco, a parte sul foi denominada Girau Alto, devido à construção de um rancho

de madeira tosca, no qual os caçadores de anta colocavam-se na parte superior e ficavam de tocaia aguardando os animais selvagens que se aproximavam do lambedor, às margens do rio Girau.

Certa vez, o caçador Waldomiro Schirmer surrou uma onça com um cobertor. O animal invadira a parte baixa do galpão, promovendo um grande alvoroço. Schirmer, pensando inocentemente que se tratava de uma briga entre cães, armou-se de seu cobertor e deu algumas lambadas no lombo de um dos “cães”.

Só depois ficou sabendo pelos companheiros que o tal “cão” tinha pelo de onça, urrava como uma onça e parecia nada satisfeito, como é próprio das onças, e que, portanto, era uma onça. Testemunhas de seu susto, os companheiros afirmam que a onça ainda deve estar correndo de medo.

CIDADE DE ITAIPULÂNDIA
A ÁRVORE DA MORTE

Contam os mais antigos, que nos tempos das obragens vivia nas barrancas do rio Paraná um argentino, este contratava somente homens solteiros para trabalhar em sua propriedade. Quando o empregado pedia a conta para ir embora, o argentino fazia o acerto; depois mandava capangas executar o empregado, enforcando-o na árvore e tirando todo o seu dinheiro. Todos os mortos tinham seus nomes entalhados na árvore.

CIDADE DE MAMBORÉ
PALA BRANCA

O conhecido Pala Branca veio da região de Caçador, Santa Catarina, após um tiroteio com a polícia daquele lugar. Passou a residir na região de Pensamento e possuía um documento com o nome de Fermino Caneveze, outro com o nome de Augusto Cela e havia, ainda, um terceiro documento. Era chamado de Pala Branca, pois sempre usava um pala desta cor, para cobrir as armas de fogo que carregava presas ao seu corpo.

Ele tinha três filhos e três filhas, todos muito educados. Todos os membros de sua família eram muito acolhedores, segundo contam os antigos. Ao chegar, à noite, na casa de alguém, por mais que fosse conhecido, não incomodava. Dormia próximo à cerca e só pela manhã chamava os donos da casa.

O Pala Branca era temido por aqueles que o conheciam ou sabiam de sua fama. Ao mesmo tempo, para os amigos, era um bom homem e estes usufruíam de sua proteção. Não era difícil para ele tirar a vida de alguém. Bastava que este o provocasse, ou prejudicasse um amigo seu. Numa festa em Pensamento, um bêbado o provocou e o ameaçou com uma faca. Pala Branca afastou-se até os limites dos galhos de uma árvore. Aí o bêbado o feriu na cabeça. Pala Branca sacou sua arma e o matou. Entre os integrantes de sua gangue, destacavam-se Pé Grande, Cabeça de Tigre e Camisa de Couro.

Numa ocasião chegou a entrar a cavalo num bar em Mamborê à procura de alguém.

Alguns proprietários de cavalos procuravam fazer amizade com Pala Branca; assim, ficavam mais tranqüilos e os animais não seriam roubados. Para alguns que o conheceram, ele não era um “ladrão de cavalos”, propriamente dito. Houve casos nos quais ele e seus homens retiraram animais de propriedades, só com a intenção de prejudicar o proprietário, inimigo seu. Estes animais não eram para ser vendidos nem utilizados por Pala Branca. Ele, porém, era envolto num grande mistério. Ninguém explicava como Pala Branca desaparecia nos momentos em que sua liberdade parecia ameaçada. Casos como o de uma festa com os amigos, numa residência em Mamborê. Lá pelas tantas, apareceu a polícia à procura de Pala Branca. Simplesmente ele desapareceu, voltando ao meio dos amigos algum tempo mais tarde.

Numa ida a Pensamento com um amigo, à noite e a cavalo, após aproximadamente cinco quilômetros da cidade, Pala Branca avistou dois Jeeps da polícia vindo em sentido contrário; disse ao amigo para que seguisse adiante. Assim ele fez. Passando a ponte, os policiais perguntaram ao amigo por Pala Branca. Este disse não saber. Os policiais seguiram em frente. Minutos mais tarde Pala Branca alcançou o amigo. Acontece que naquele trecho a estrada se transformava num verdadeiro corredor, com mato e cerca dos dois lados, não havendo a mínima possibilidade de se esconder.

Numa outra feita, Pala Branca e os amigos estavam numa zona do baixo meretrício, que se localizava nas proximidades da esquina da atual Av. Paulino F. Messias e rua Pirai. A polícia apareceu de repente na porta. Pareceu ser automático: entrou a polícia, Pala Branca sumiu. Os amigos disseram aos policiais que ele estava ali e que não sabiam para onde tinha ido. Apenas sua mula foi levada para a delegacia. Uma hora mais tarde, mais ou menos, Pala Branca já estava novamente entre os amigos e as mulheres.

Quando saiu de mudança para Pinhão foi ferido e escondeu-se em Pensamento, por um certo tempo. Veio a morrer mais tarde em uma briga com seus capangas, em Laranjeiras do Sul. Nesta, morreram, além de Pala Branca, mais duas pessoas.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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Guerra Junqueiro (O Rico e o Pobre)


Martinho era um rapazito, que ganhava a sua vida a fazer recados; um dia, tornando de uma aldeia muito distante da sua, morto de fadiga, deitou-se debaixo de uma árvore, à porta de uma estalagem, na beira da estrada. Principiava a comer um bocado de pão que tinha trazido para jantar, quando chegou uma bela carruagem, em que vinha um fidalguinho, com o seu preceptor. O estalajadeiro correu logo a perguntar aos viajantes se queriam apear-se, mas responderam-lhe que não havia tempo, e que lhes trouxesse ali mesmo um frango assado e uma garrafa de vinho.

O Martinho ficou pasmado a olhar para eles; olhou depois a sua côdea de broa, a sua velha jaqueta, o seu chapéu todo roto, e suspirando exclamou baixinho:

– Quem me dera a mim no lugar daquele menino tão rico! Antes ele aqui estivesse, e eu dentro da sua carruagem!

O preceptor ouviu o Martinho e repetiu as palavras dele ao seu aluno; este, lançando a cabeça fora da berlinda, chamou pelo Martinho com a mão.

– Diz-me lá é rapaz: ficavas satisfeito, podendo trocar a minha sorte pela tua?

Desculpe, meu senhor, replicou o Martinho corando, aquilo que eu disse não foi por mal.

– Olha que me não zango, tornou o fidalguinho. Ao contrário, vamos fazer a troca.

– Isso é mangação!… tornou o Martinho; um menino tão rico punha-se mesmo agora no meu lugar! Papo muitas léguas ao dia, como broa e batatas, e o senhor fidalguinho anda de carruagem, janta frangos e bebe do melhor.

– Pois se me dás o que tens e que eu não tenho, levas em troca e de boa vontade a minha riqueza toda.

O Martinho ficou de olhos pasmados, sem saber o que havia de responder; mas o preceptor continuou:

– Aceitas a troca?

– Ora essa! concluiu o Martinho, é boa a pergunta! Oh! como toda a gente da aldeia vai ficar assombrada quando me virem rodar numa carruagem tão bonita.

Então o fidalguinho chamou o trintanário, que abriu a portinhola e o ajudou a descer. Mas qual foi o espanto do Martinho, vendo-lhe uma perna de pau e a outra tão fraca, que se via obrigado a andar em duas muletas! Depois observando-o de mais perto, notou que era muito pálido, com cara triste de doente.

O fidalguinho sorriu e acrescentou com ar benévolo:

– Vê Já, sempre desejas a troca? Darias, se pudesses, as tuas pernas valentes e as tuas faces vermelhas, pelo gozo de ter uma carruagem e de andar bem vestido?

Oh! não, já não quero! replicou o Martinho.

– Pois eu, antes desejaria ser pobre e ter saúde. Mas, quis o destino que fosse aleijado e doente; sofro os achaques com paciência, dando graças a Deus pelos bens que me entregou na sua infinita misericórdia. Faz tu o mesmo, e lembra-te que, se és pobre e comes mal, tens força e saúde, coisas que valem bem uma carruagem, e que não podem comprar-se com dinheiro.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

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Conto Popular Árabe (História da Donzela de Pau)


Contam os livros do passado muitas histórias verdadeiras. Por exemplo, que um dia quatro homens: um carpinteiro, um ourives, um alfaiate e um monge, foram viagem. Depois de viajarem certo tempo, aconteceu terem que tiveram de passar a noite numa região perigosa. Temendo ser agredidos por animais ferozes, resolveram que cada um deles, por sua vez, vigiaria algum tempo. O primeiro foi o carpinteiro. Enquanto os outros dormiam, sentiu-se ele invadido de cansaço e, para afugentar o sono, pegou suas ferramentas. Derrubou uma árvore delgada, pôs-se a talhar a madeira, e acabou formando uma figura de donzela, com a cabeça, a mãos e os pés.

Depois foi a vez do ourives. Ao cabo de certo tempo, também este sentiu sono e procurou em que se ocupar. Então seus olhos encontraram a donzela de pau.

Admirou a arte com que estava feita e, para não ceder à sonolência, também deu provas de sua habilidade, fabricando para a estátua brincos, braceletes e outros adornos femininos, com os quais a enfeitou maravilhosamente.

Terminada a vigília do ourives, o alfaiate, por seu turno, ao despertar, avistou, com forte surpresa, o lindo figurino, e exclamou:

– Eu também tenho de mostrar a minha arte.

E fez um encantador vestido de festa para a donzela e vestiu-a da cabeça aos pés Quem a visse sem saber que era apenas uma figura esculpida, toma-la-ia por um ser vivo, tão parecido estava com um espírito encarnado.

Quando a vigília do alfaiate chegou ao fim, ele acordou o monge e foi deitar-se. Mal o monge abriu os olhos, viu a formosa figura. Teve a impressão de um viandante a cujos olhos, em meio as trevas noturnas, de repente rebrilha uma luz – e aproxima-se dela. Que viu? Uma linda figura de tal formosura que nem ascetas e anacoretas a deixariam de adorar; uma bela donzela sem-par; suas sobrancelhas, um oratório, para o amante suplicante rezar; os rubis dos lábios numa tez de marfim prometiam prazeres sem fim. Logo o monge os braços alçou implorando a Quem as almas criou:
– Ó Deus todo-poderoso, que do seio do nada brumoso -para os campos floridos do ser arrancaste o homem e a mulher, tu, só tu, tens o poder de fazer brotar do córtice duro fruto doce, fofo, maduro; ó Deus, demonstra-me tua graça, não me precipites na desgraça, ante os meus companheiros não me humilhe; eu te invoco, empresta alma a este corpo oco a fim de que goze da existência exaltando a tua clemência.

Assim rezava com todo fervor. Como fosse homem de coração puro, o Senhor ouviu-lhe a prece. Com sua inesgotável misericórdia, o Eterno presenteou a estátua com uma alma, e mandou-a viver. Ela se tornou uma linda donzela, cola a vida ligada a uma brilhante estrela; – começou a andar, a se balancear, como os ciprestes oscilam no ar e sem demora se pôs a falar, e tudo o que dizia era gaio como a fala de um papagaio.

Ao chegar da aurora e, com ela, do Sol, delicia do mundo, as olhos dos quatro viandantes caíram sobre o ídolo arrebatador chamado à vida durante a noite.

Apenas viram a esplêndida mulher, uma louca paixão lhes invadiu o ser, os anéis de seus cabelos prenderam-nos em cadeias e feitos moscas ao redor e candeias, voaram em torno dela, dementes, e de paixão doentes -os quatro começaram a brigar.

Sou eu – disse o carpinteiro – de sua vida o autor verdadeiro. Meu direito a vós outros vence; a mim, só a mim ela pertence

Porém o ourives falou assim:

Não lhe dei brincos, braceletes, enfim? Isso, como todos devem saber, é metade da alma de uma mulher. Ora, se tanto fiz por ela, claro que é minha esta donzela.

Disse o alfaiate, por sua vez:

Despesas com da minha bolsa também fez; vesti-a seda e brocado, tomando o seu encanto perfeito e acabado comunicando-lhe um brilho tal que acendeu nela a chama vital. Portanto, sou eu o sou dono, e a ninguém a abandono.

Mas o monge exclamou:

Não! – Tudo o que disseste é vão. Então esqueces me sua vida é fruto de minhas preces? Foi a mim que deu o Supremo Juízo, como antegozo das huris do Paraíso. Para mim a requisito; meu direito é manifesto!.

Em poucas palavras. não encontraram outra saída a não ser se meter suas reivindicações à decisão de um tribunal; e iam-se caminhar ao mais próximo, quando aparece diante deles um viandante vestido de pano de chita. Logo os quatro resolvem fazê-lo árbitro de sua divergência o aceitar qualquer sentença ele pronunciasse. Chamaram-no, pois. e contaram-lhe minuciosamente todo o sucedido. Mas logo o daroês viu a linda donzela – apaixonou-se por ela e, como flauta plangente, entrou a gemer de repente, refletiu no momento e, para curar o seu próprio tormento, assim falou aos quatro viajantes:

– Ó muçulmanos que palavras estultas acabais de pronunciar! Não temeis o Todo-Poderoso ao cometer tamanho crime querendo-me roubar minha legítima esposa?

Um de vós até ousa pretender havê-la talhado na madeira; outro ter pronunciado uma prece por ela. Dizei, afinal, algo de razoável, algo de possível segundo a lei divina! Esta é a minha mulher e as vestes e os objetos que ela usa, fui eu que mandei fazê-los. Alguns dias atrás, houve entre nós uma briga sem importância; aborrecida com isso, minha mulher deixou a casa esta noite. O desejo de encontrá-la fez-me ir à procura dela. Graças a Deus consegui encontrá-la, efetivamente. Cuidai vós outros pois, de não vos tonardes ridículos com conversas, destituídas de qualquer fundamento.

Assim o daroês, em vez de resolver a contenda, sobrepujou as reivindicações dos quatro viajantes, e então foram cinco a pretender cada um estar com razão contra os demais. Em discussões e brigas chegaram a uma cidade, e sem demora se dirigiram ao chefe de polícia para expor o seu caso. Mal o chefe de policia viu a jovem, apaixonou-se por ela com veemência mil vezes maior do que a dos cinco forasteiros, e, no intuito de obtê-la para si investiu deste modo contra eles:

– Homens pérfidos, esta criatura era mulher de irmão mais velho. Este foi morto por ladrões, que lhe roubaram a esposa. Mas, graças a Deus, sangue derramado não se perde e vossos pés vos conduziram ao laço.

Destarte o chefe de policia terminou sendo um rival mais impetuoso ainda que os outros cinco; mandou citá-los sem tardança perante a justiça e ele mesmo os acompanhou ao cádi. Cada um se esforçava por explicar sua pretensão àquele respeitável personagem, quando ele de súbito olhou para o rosto da mulher, e

Surgiu-lhe ante os olhos formosa menina,
Dos pés a cabeça – graciosa, divina!
Altivo cipreste, perdido deixava,
Enfermo de amores, a quem fitava.

Quando o cádi viu ante si essa criatura, sentiu-se presa do desejo de possuí-la.

– Meus amigos, disse ele, a contenda que estais levantando é nula. Esta linda mulher é uma escrava crescida em minha casa e tratada desde criança como se fora minha filha. Seduzida por homens maus, abandonou-me, levando as jóias e as vestes com que a vedes. Graças sejam dadas ao Altíssimo que ma restitui mercê de vossa obsequiosidade. Espero que Deus, que tudo sabe, leve em conta o serviço que me acabais de prestar e vos dê merecido prêmio.

Ao ouvir tais palavras, quatro dos competidores de apartaram, porque sabiam que o cádi lhes poderia infligir humilhações e castigos sem que eles se pudessem defender. Mas o darôes teve coragem para levantar a voz:

– Achas lícito, tu que pretender estar sentado no tapete do Profeta, não resolver uma contenda de muçulmanos ortodoxos segundo a lei sagrada, mas, pelo contrário, levantar tu mesmo uma pretensão, procurando arrebatar-nos esta donzela? Que religião te autoriza semelhante injustiça? Como te atreverás a comparecer amanhã, perante o Criador do mundo?

– Olha, ladrão de estátuas – respondeu o cádi, tu que por meios de jejuns encovaste as faces para enganar as gentes; tu que pretender fazer crer que andas curvado pelo temor de Deus, olha o provérbio que diz: “Um bom mentiroso deve ter não só excelente memória, mas também uma inteligência penetrante e aguda.”

Onde a tua inteligência? Querendo contar-nos patranhas, procura, ao menos, dar-lhes uma aparência decente. Será possível fazer um ser humano de um pedaço de madeira? Renuncia a pretensões tão ridículas e vai-te para onde quiseres. Eu felizmente recuperei minha escrava.

Havia no pátio do tribunal alguns cidadãos que assistiam à disputa. Referindo-se a estes, disse o monge:

– Os cidadãos aqui presentes, como ignoram o verdadeiro estado das coisas, devem supor, ó cádi, que a verdade está contigo Mas nós outros sabemos bem o que aconteceu.Teme pois, a Deus, e, em respeito ao Santo Profeta, decide o caso segundo a lei sagrada.

O cádi replicou ao monge, o monge por sua vez respondeu ao cádi com as palavras que lhe pareceram mais violentas, e de pronto o diálogo se transformou em veemente discussão.Os sete homens, todos mortalmente apaixonados, preparavam-se para a luta. Porém, os mais razoáveis dos circunstantes deliberaram reconciliá-los e disseram-lhes:

– Muçulmanos, a vossa contenda é um nó insolúvel, a menos que o Magnífico se digne desatá-lo. Portanto, atendendo ao conselho de um ditado do Profeta que nos foi transmitido:
Se a um caso da vida não sabes achar solução,
Consulta os que dormem seu sono debaixo do chão.

– Vamos todos juntos ao cemitério; ali vós rezareis e nós pronunciaremos o amém Destarte se pode esperar que Aquele-Que-Tudo-Segura elucide o mistério.

A proposta foi aceita e transportaram-se todos ao cemitério, onde o monge, erguendo os braços ao céu, e com lágrimas nos olhos, pronunciou com o mais intenso fervor, esta oração:

– Ó Fortíssimo, cujo poder não tem lindas, – que os pensamentos mais secretos deslindas -, cuja mente de antemão conhece – a nossa prece, – imploramo-te que desates o nó, que nos causa tanto dó – e declares bondosamente – quem diz a verdade e quem mente.

Quando acabou de pronunciar estas palavras, toda a assembléia exclamou a uma voz:

– Amém!

Nesse instante aconteceu que uma grande árvore, à qual se recostara a linda donzela durante a oração, fendeu-se de súbito, engoliu a donzela, e novamente se fechou, ficando como dantes. Dessa maneira se verificou mais uma vê a verdade da misteriosa sentença: “Todas as coisas voltam a sua origem.”

Tal desfecho pôs fim a qualquer discussão. Com os olhos da certeza, todos reconheceram que os quatro viajantes haviam dito a verdade e os outros homens haviam mentido. Assim a razão dos peregrinos se manifesta e desmascara-se a fraude infesta. O darôes, o chefe de polícia e o cádi ali ficaram e quedaram de todos desprezados e envergonhados.

Mas os quatro peregrinos – apaixonados pelo lindo figurino, ficaram perplexos ao ver a virgem – tornar destarte à sua origem.

Fonte:
Jô Andrada (seleção). Contos Populares do Mundo.

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Contos de Sempre: Jacob e Wilhelm Grimm (A Lua)


Em tempos que já lá vão havia uma terra onde a noite era sempre escura e o céu estendia-se sobre ela como um lenço negro, pois ali a Lua nunca subia e nenhuma estrela piscava na escuridão. Na altura da criação do mundo, a luz da noite era suficiente. Uma vez, saíram desta terra em peregrinação quatro rapazes e chegaram a um outro reino onde, quando à noite o Sol desaparecia atrás dos montes, havia uma esfera brilhante pendurada num carvalho, que deitava uma luz suave em todas as direcções. Devido a ela, era possível ver e distinguir tudo muito bem, embora não fosse uma luz tão forte como a do Sol. Os rapazes pararam e perguntaram a um lavrador, que passava por ali com o seu carro, que luz era aquela. “Aquilo é a Lua”, respondeu ele, “o nosso prefeito comprou-a por três moedas e pendurou-a no carvalho. Tem de lhe deitar óleo todos os dias e mantê-la limpa, para que ela não deixe de brilhar. Por isso, pagamos-lhe umamoeda por semana.”

Assim que o lavrador partiu, disse um deles: “Esta lanterna fazia-nos jeito, também lá temos um carvalho, tão alto como este, onde a podemos pendurar. Que grande alegria deixar de tropeçar na escuridão!”

“Sabem que mais?”, disse o segundo, “precisamos de arranjar um carro e um cavalo e levar a Lua embora. As pessoas daqui bem podem comprar uma outra.”

“Eu trepo com muita facilidade”, disse o terceiro, “trago-a já para baixo!” O quarto trouxe um carro e um cavalo e o terceiro trepou pela árvore acima, fez um buraco na Lua, passou-lhe um fio e fê-la descer. Assim que a Lua brilhante ficou dentro do carro, deitaram-lhe um lenço por cima, para que ninguém se apercebesse do roubo. Levaram-na sem problemas para a sua terra e penduraram-na num alto carvalho. Velhos e novos alegraram-se, quando a nova lanterna começou a estender a sua luz sobre os campos e os quartos e salas se encheram dela. Os anões saíram dos seus buracos nas rochas e os pequenos elfos, com os seus casacos vermelhos, faziam rodas nos prados.

Os quatro rapazes tratavam da Lua com óleo, limpavam a mecha e recebiam a sua moeda semanal. No entanto, envelheceram e quando um deles adoeceu e se apercebeu de que a morte estava próxima, ordenou que o quarto da Lua que lhe pertencia fosse levado com ele para a sepultura. Quando morreu, o prefeito trepou à árvore e, com a tesoura da poda, cortou um quarto da Lua que meteu no caixão. A luz da Lua diminuiu, mas não muito. Quando morreu o segundo, foi-lhe dado o segundo quarto e a luz mingou. Mais fraca ficou ainda quando morreu o terceiro, que também levou o seu quarto e, quando o quarto homem foi sepultado, instalou-se de novo a velha escuridão. Sempre que as pessoas saíam à noite sem lanterna, batiam com as cabeças umas nas outras.

Porém, assim que os quartos da Lua se juntaram no inferno, os mortos, habituados à escuridão, agitaram-se e acordaram do seu sono. Ficaram espantados por poderem ver de novo: a luz da Lua chegava-lhes bem, pois os seus olhos estavam tão fracos que não teriam podido suportar a luz do Sol. Ergueram-se, alegraram-se e retomaram os seus hábitos de vida. Alguns deles dedicaram-se ao jogo e à dança, outros foram para as tabernas onde pediram vinho, embriagaram-se, vociferaram e lutaram e, por fim, pegaram em cacetes e bateram uns nos outros. O barulho era cada vez maior até que, por fim, chegou ao céu.

São Pedro, que guarda as portas do céu, calculou que o inferno se tinha revoltado e chamou as hostes celestes, que lutavam contra o maligno, porque este e os seus associados pretendiam assolar a morada dos abençoados. Como, porém, elas não vinham, São Pedro montou no seu cavalo, atravessou as portas do céu e foi ao inferno. Aí sossegou os mortos, fê-los voltar de novo à sepultura e levou com ele a Lua, pendurando-a no céu.

Fonte:
José António Gomes e Isabel Ramalhete (Seleção e coordenação). Contos de Sempre. Porto/Portugal: Porto Editora, Setembro de 2004.

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Contos de Sempre: Charles Perrault (O Barba Azul)


Era uma vez um homem que tinha bonitas casas na cidade e no campo, baixela de ouro e prata, móveis em talha e carruagens douradas; mas, infelizmente, esse homem tinha a barba azul: isso tornava-o tão feio e terrível que não havia mulher ou menina que não fugisse dele.

Uma das vizinhas, senhora de categoria, tinha duas filhas de grande beleza. Ele pediu-lhe uma das filhas em casamento e deixou a dama escolher a que lhe iria dar. Nenhuma delas o queria e empurravam-no de uma para a outra, sem se resolverem a aceitar um homem de barba azul. O que mais as aborrecia era ele ter já casado com várias mulheres e não se saber o que era feito delas.

O Barba Azul, para travar relações, levou-as com a mãe e três ou quatro das melhores amigas e alguns rapazes da vizinhança para uma das suas casas de campo, onde ficaram oito dias. Eram só passeios, caçadas e pescarias, danças e festins e repastos: não dormiam e passavam a noite toda a gracejar uns com os outros. Enfim, tudo correu tão bem que a mais nova começou a achar que o dono da casa já não tinha a barba tão azul e que era um cavalheiro. Logo que regressaram à cidade, o casamento realizou-se.

Ao fim de um mês, o Barba Azul disse à mulher que precisava de fazer uma viagem à província de, pelo menos, seis semanas, para um negócio importante. Desejava que ela se divertisse muito durante a sua ausência, que convidasse as amigas, que as levasse para o campo, se quisesse, que gastasse à larga.

– Aqui estão – disse ele – as chaves das duas grandes arrecadações, aqui estão as da baixela de ouro e prata que não anda a uso, aqui estão as dos cofres onde está o meu ouro e a minha prata, as das caixas de pedrarias e a chave mestra de todos os quartos. Quanto a esta chavinha, é a chave do gabinete no fundo do corredor do andar de baixo. Abri tudo, ide aonde quiserdes, mas, quanto a esse gabinete, estais proibida de lá entrar e proíbo-o de tal forma que, se o abrirdes, podeis esperar tudo da minha ira.

Ela prometeu cumprir exactamente tudo o que lhe fora ordenado e ele, depois de a beijar, subiu para a carruagem e partiu. 20

As vizinhas e as amigas não esperaram que as fossem procurar para irem a casa da recém-casada, de tal forma estavam impacientes para ver as riquezas da casa, não ousando ir enquanto o marido lá estava, por causa da sua barba azul que lhes metia medo. Começaram logo a percorrer os quartos, os gabinetes, os guarda-roupas, todos mais bonitos e mais ricos uns do que os outros.

Subiram depois às arrecadações onde não se cansavam de admirar a quantidade e a beleza das tapeçarias, das camas, dos sofás, das mesinhas de pé-de-galo, das mesas e dos espelhos onde se viam da cabeça aos pés e cujas molduras, umas de vidro e outras de prata e de prata dourada, eram as mais belas e as mais magníficas que jamais se viram.

Não paravam de exagerar e de invejar a felicidade da amiga que, no entanto, não se divertia nada a ver todas essas riquezas, por causa da impaciência em que estava de ir abrir o gabinete do andar de baixo. Estava tão atormentada pela curiosidade que, sem pensar que parecia mal deixar as visitas, desceu a escadinha com tanta precipitação que esteve prestes a partir a cabeça por duas ou três vezes. Ao chegar à porta do gabinete, parou algum tempo, pensando na proibição que o marido lhe tinha imposto e considerando que lhe podia acontecer um desastre por ter sido desobediente; mas a tentação era tão forte que não conseguiu vencê-la. Pegou, pois, na chavinha e abriu, tremendo, a porta do gabinete.

Primeiro não viu nada, porque as janelas estavam fechadas. Alguns momentos depois, começou a ver que o chão estava coberto de sangue coalhado e que nesse sangue se reflectiam os corpos de várias mulheres mortas e amarradas ao longo das paredes (eram mulheres que o Barba Azul tinha desposado e degolado uma após a outra).

Pensou morrer de medo e a chave do gabinete, que tinha acabado de tirar da fechadura, caiu-lhe da mão.

Depois de voltar a si do susto, apanhou a chave, tornou a fechar a porta e subiu ao quarto para se refazer um pouco; mas não podia acalmar-se de tão impressionada que estava.

Ao reparar que a chave do gabinete estava manchada de sangue, limpou-a duas ou três vezes, mas o sangue não saía; bem a lavou e a esfregou com areia e com grés. O sangue continuou lá, porque a chave era enfeitiçada e era impossível limpá-la completamente. Quando se limpava o sangue de um lado, ele aparecia do outro. O Barba Azul voltou da viagem nessa mesma noite. Disse que tinha recebido umas cartas no caminho informando-o de que o negócio que o levara a partir tinha sido concluído em seu proveito.

A mulher tudo fez para demonstrar que estava encantada com o seu rápido regresso.

No dia seguinte, ele pediu-lhe as chaves e ela deu-lhas, com as mãos a tremer tanto que ele adivinhou logo tudo o que se tinha passado.

– Porque é que a chave do gabinete não está com as outras?

– Devo tê-la deixado lá em cima, na mesa.

– Não demoreis a devolver-ma – disse o Barba Azul.

Depois de várias delongas, foi preciso devolver a chave.

O Barba Azul, depois de a examinar, disse à mulher:

– Porque é que há sangue nesta chave?

– Não sei de nada – disse a pobre mulher mais pálida do que a morte.

– Não sabeis de nada – tornou o Barba Azul – mas eu sei muito bem. Quisestes entrar no gabinete. Pois bem, senhora, ides entrar no gabinete e tomar o vosso lugar ao pé das damas que lá vistes!

Ela lançou-se aos pés do marido, chorando e pedindo perdão, com todos os sinais de um verdadeiro arrependimento por não ter sido obediente.

Teria enternecido um rochedo tão bela e aflita estava, mas o Barba Azul tinha o coração mais duro que um rochedo.

– É preciso morrer, senhora – disse ele – e depressa.

– Já que é preciso morrer – respondeu ela, olhando-o com os olhos banhados em lágrimas – dai-me algum tempo para rezar.

– Dou-vos um quarto de hora – tornou o Barba Azul – mas nem mais um momento.

Quando ficou só, ela chamou a irmã e disse-lhe:

– Minha irmã Ana (porque elas tratavam-se assim), sobe, peço-te, ao alto da torre para ver se os meus irmãos não vêm; eles prometeram que viriam ver-me hoje e, se os vires, faz-lhes sinal para se apressarem.

Ana subiu ao alto da torre e a pobre, atormentada, gritava-lhe de vez em quando:

– Ana, minha irmã, não vês vir ninguém? E a irmã Ana respondia:

– Não vejo nada além do sol que se empoeira e da erva que verdeja.

Entretanto, o Barba Azul, segurando um grande facalhão, gritava com todas as forças à mulher:

– Descei depressa ou vou aí acima.

– Um pouco mais, por favor – respondia a mulher, e logo gritava baixinho:

– Ana, minha irmã, não vês vir ninguém?

E a irmã respondia:

– Não vejo nada além do sol que se empoeira e da erva que verdeja.

– Descei depressa – gritava o Barba Azul ou vou aí acima.

– Já vou – respondia a mulher e, depois, gritava:

– Ana, minha irmã Ana, não vês vir ninguém?

– Vejo – respondeu a irmã Ana – uma poeirada grande que vem deste lado.

– São os meus irmãos?

– Infelizmente não, minha irmã, é um rebanho de carneiros.

– Não ides descer? – gritava o Barba Azul.

– Mais um momento – respondia a mulher e, depois, gritava:

– Ana, minha irmã, não vês vir ninguém?

– Vejo – respondeu ela – dois cavaleiros que vêm deste lado, mas ainda estão longe.

E um momento depois exclamou:

– Deus seja louvado! São os meus irmãos, fiz-lhes sinal, o mais que pude, para se apressarem.

O Barba Azul pôs-se a gritar tão alto que toda a casa estremeceu. A pobre mulher desceu e atirou-se a seus pés, lavada em lágrimas e desgrenhada.

– Não vale de nada – disse o Barba Azul – é preciso morrer.

Depois, segurando-a com uma mão pelos cabelos e levantando com a outra o facalhão, ia decapitá-la.

A pobre mulher, virando para ele um olhar moribundo, pediu-lhe apenas um momento para se recolher.

– Não, não – disse ele – recomendai-vos bem a Deus! – e levantando o braço…

Nesse momento bateram à porta com tanta força que o Barba Azul parou de repente. Abriram e logo entraram dois cavaleiros que, com a espada na mão, correram para o Barba Azul. Ele reconheceu os irmãos da mulher, um deles Dragão e outro Mosqueteiro, de forma que fugiu para se salvar. Porém os dois irmãos seguiram-no tão de perto que o apanharam antes de ele chegar ao patamar da escada. Espetaram-lhe a espada no corpo e deixaram-no morto. A pobre mulher estava quase tão morta como o marido e nem forças tinha para se levantar e beijar os irmãos.

Acontece que o Barba Azul não tinha herdeiros e, assim, a mulher ficou senhora de todos os bens. Empregou uma grande parte para casar a sua irmã Ana com um jovem fidalgo, que há muito tempo a amava. Depois, outra parte, para comprar os cargos de capitão aos irmãos. E o resto para casar ela própria com um homem honesto, que a fez esquecer o tempo infeliz que
passara com o Barba Azul.

MORAL DA HISTÓRIA
A curiosidade, embora atraente,
Custa muito caro, frequentemente.
Todos os dias os exemplos são tantos!
É um prazer fácil de alcançar.
Quando se tem perde os encantos
E muito caro acaba por ficar.

OUTRA MORAL DA HISTÓRIA
Por pouco sensato que se possa ser
E de feitiçaria se possa saber
Através do conto é fácil de ver
Que esta história se passou noutros tempos.
Já não há maridos tão terríveis,
Nem que peçam às mulheres coisas impossíveis;
Por mais que sejam descontentes e ciumentos
Ao pé da mulher só mostram amor
E, seja a sua barba duma ou outra cor,
É difícil julgar quem é o senhor.

Fontes:
– José António Gomes e Isabel Ramalhete (Seleção e coordenação). Contos de Sempre. Porto/Portugal: Porto Editora, Setembro de 2004.
– Imagem = http://comentariosdemulher.blogspot.com

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Contos de Sempre (Os Seis Companheiros Invencíveis)


Era uma vez um homem que tinha muita habilidade para tudo: sentou praça, serviu o rei e, quando a guerra acabou, o rei mandou-o embora e deu-lhe dois vinténs para as despesas da viagem. O homem não gostou do presente, e protestou, no caso de encontrar quem o ajudasse, vingar-se do rei, que fora tão ingrato para ele.

Quando ia andando, viu no meio de uma grande mata um homem que arrancava árvores, como quem arranca cebolas.

– Ó homem! Queres vir daí comigo? – perguntou-lhe o soldado.

– Com a melhor das vontades, mas primeiro deixa-me levar este feixezito de lenha a minha mãe.

E pegando em cinco árvores, atou-as, pô-las às costas e partiu.

– Olha, nós dois havemos de conseguir tudo.

Foram andando, andando, e encontraram um caçador, de joelhos, com a espingarda apontada.

– O que estás a fazer aí, caçador?

– O que estou fazendo? Daqui a duas léguas está um mosquito numa folha de carvalho! Quero ver se lhe meto um grão de chumbo no olho esquerdo.

– Anda daí, caçador, nós três havemos de conseguir tudo.

Foram andando, andando, e chegaram a uns moinhos que se moviam muito depressa. Mas o que era melhor é que não havia vento.

O soldado observou:

– Ora esta! Não faz vento, e os moinhos andam.

E nisto foram andando, até que encontraram um homem em cima de uma árvore. Tapava com uma das mãos uma venta e assoprava pela outra venta.

– Que diacho estás tu aí a fazer, não me dirás? – perguntou o soldado.

– A dez léguas daqui há sete moinhos: como vês, sou eu que os faço andar com o sopro da minha venta esquerda.

– Anda daí, meu rapaz, nós quatro havemos de conseguir tudo.

O homem desceu e foi ter com os três. Foram andando, andando, quando deram com um indivíduo que estava firmado numa perna só, tendo a outra no chão, ao seu lado.

– Aqui está um maganão que quer com certeza descansar – notou o soldado.

– Corro muito – respondeu o tal indivíduo -, e para não correr tanto, desatarraxei a outra perna. Quando tenho ambas as pernas, corro mais depressa do que as andorinhas voam.

– Que me dizes?

– Anda daí, nós cinco conseguiremos tudo.

Foram andando, andando, quando no meio do caminho encontraram um indivíduo que tinha o chapéu inclinado sobre uma orelha.

– Salvo o devido respeito, meu caro senhor, – disse o soldado – parece-me que podia pôr o chapéu de um outro modo.

– Nessa é que eu não caio, meu amigo; quando ponho o chapéu direito na cabeça, faz um frio tal que os pássaros caem mortos, gelados, no chão.

– Anda daí, homem, nós seis havemos de conseguir tudo.

Foram andando, andando, até que chegaram a uma cidade, onde o rei anunciava que, se houvesse alguém que vencesse na carreira sua filha, receberia em prémio a mão da princesa, mas que se fosse vencido era degolado.

O soldado foi ter com o rei, e disse-lhe que tinha um criado que estava pronto para correr com a princesa.

O rei respondeu:

– Pois sim, mas olha que, se for vencido, as cabeças de vocês ambos são cortadas.

O soldado aceitou, e ordenou ao andarilho que atarraxasse a perna e que não se deixasse vencer.

A aposta era que seria vencedor o que trouxesse primeiro uma bilha de água de uma fonte que havia dali a uma légua.

A princesa e o andarilho receberam cada um a sua bilha, e partiram ao mesmo tempo. Ainda bem a princesa não tinha dado dois passos, e já o diacho do homem se perdia de vista. Chegou à fonte, encheu a bilha, e vinha já de volta, quando no meio do caminho lhe dá o sono; pôs a bilha no chão, e deitou-se. Pegou porém num crânio de cavalo e encostou nele a cabeça, julgando que a dureza do travesseiro o não deixaria dormir muito.

A princesa, que corria como outra qualquer pessoa, chegara à fonte, enchera a bilha e vinha já de volta, quando deu com o seu rival que estava ferrado num profundo sono.

– Bem, tenho o inimigo em minhas mãos!

E esvaziando a bilha do dorminhoco, pôs-se a caminho. Mas o caçador, que estava no alto de um castelo, vira tudo.

– Nada! A princesa não levará a melhor.

E apontando a espingarda, fez fogo e quebrou, sem fazer mal ao que dormia, o crânio do cavalo que lhe servia de travesseiro.

O homem acorda, dá com a bilha esvaziada, e vê que a princesa levava já uma grande distância.

Não perdeu o ânimo, voltou à fonte, encheu a bilha, e chegou a vencer a princesa.

– Até que enfim! – disse o andarilho. – Isto é que eu chamo andar e mexer as pernas.

O rei e a filha estavam furiosos. O vencedor não passava de um miserável soldado com baixa; resolveram dar cabo dele e dos cinco que o acompanhavam.

– Tenho um meio, um bom meio, verás. Não escaparão da que lhes vou preparar!

E com o pretexto de lhes querer dar um banquete, fê-los entrar num quarto cujo soalho, paredes e portas eram de ferro.

No meio do quarto estava uma mesa coberta de pastéis, doces e frutas.

– Entrem, entrem, e comam até fartar!

E assim que os viu dentro foi-se à chave e fechou-os por fora. Depois ordenou ao cozinheiro que acendesse um fogão debaixo daquela sala, até que o ferro ficasse vermelho.

Os seis companheiros, que estavam comendo e bebendo, começaram a sentir calor: ao princípio imaginaram que era do comer, mas o calor ia cada vez a mais, até que eles levantaram-se e foram até à porta para a abrirem. Estava a porta fechada por fora. Viram logo que o rei lhes queria fazer alguma das suas.

– Deixá-lo lá – observou o homem do chapéu. – Vou já fazer um frio tal, que não haverá calor que possa com ele.

E pôs o chapéu direito na cabeça. O calor desapareceu logo e os pratos gelaram na mesa.

Duas horas depois, o rei, imaginando que os homens estavam cozidos e recozidos, mandou abrir a porta, e veio ele mesmo em pessoa ver a sua obra. Achou os seis companheiros contentes e felizes, e dizendo que queriam sair dali para se aquecerem um pouco, tal era o frio que havia dentro daquela sala.

O rei, furioso, foi ter com o cozinheiro e perguntou-lhe porque não cumprira as suas ordens.

– Real senhor, saiba vossa majestade que cumpri. Aqueci o ferro até ele ficar vermelho.

O rei foi ver e reconheceu que o cozinheiro não mentia. Não sabendo porém como desfazer-se daqueles hóspedes tão incómodos, mandou chamar o soldado e falou assim:

– Se prescindires dos direitos que tens sobre minha filha, dar-te-ei tanto ouro quanto quiseres.

– Aceito, meu senhor, aceito, mas há-de dar-me tanto quanto puder levar um dos meus criados: nesse caso não exijo a mão da princesa.

O rei bateu as palmas de contente; o soldado disse que havia de vir buscar o dinheiro dentro de quinze dias. No entretanto reuniu os alfaiates que havia em todo o reino e encomendou-lhes um grande saco. Quando aquele saco, que levara quinze dias a coser por um exército de alfaiates, estava pronto, o valentão que arrancava árvores, como quem arranca cebolas, pegou nele às costas e apresentou-se no palácio.

O rei perguntou que espécie de homem era aquele valentão que trazia às costas um saco tão grande… Quando soube quem era, ficou desesperado por ver que dinheirão caberia ali dentro…

Mandou vir um tonel que fazia suar os dezasseis homens que o trouxeram: o valentão pegou no tonel com uma só mão e, metendo-o no saco, perguntou:

– Então é só isto?

O rei mandou buscar todos os seus tesouros, que foram direitinhos para o fundo do saco.

– Mais! Mais! Mais! – gritava o homem.

O rei mandou buscar setecentas carruagens carregadas de ouro e o valentão meteu-as, assim como os bois que as puxavam, dentro do enorme saco.

– Enfim, o melhor é ir metendo a esmo tudo o que eu apanhar ao alcance da mão!

E foi metendo, metendo tudo!

– O saco ainda não está cheio, mas afinal fechemo-lo assim mesmo.

E atando com uma grande corda a boca do saco, atirou-o para os ombros e partiu.

Assim que o rei viu que todas as suas riquezas iam às costas de um só homem, mandou reunir toda a sua cavalaria e deu ordem para que prendessem os seis companheiros, e que lhes tirassem o saco. Os regimentos abalaram atrás dos fugitivos.

– Alto aí! Alto aí! Senão, sereis esquartejados – gritaram os comandantes da tropa.

– O que é que vossemecês dizem? – tornou o homem que soprava pela venta -nós esquartejados! Esperem que eu vos ensino a todos!

E tirando a mão da venta, soprou, soprou, e não lhes digo nada!, soldados, cavalos, comandantes, tudo foi pelos ares.

Um velho general pediu misericórdia e o homem deixou de soprar, não sem lhe dizer:

– Vai dizer ao teu rei que não mande mais tropa contra a gente, que eu atiro-a toda por esses ares…

O rei, quando tal soube, redarguiu:
– Deixá-los lá, parece que aqueles homens são feiticeiros. Os seis companheiros dividiram todas aquelas riquezas, casaram-se, tiveram muitos filhos e foram muito felizes até à hora da morte.

Fonte:
José António Gomes e Isabel Ramalhete (Seleção e coordenação). Contos de Sempre. Porto/Portugal: Porto Editora, Setembro de 2004.

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