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Jorge Fregadolli (Livro de Trovas)


O homem nasce, cresce, morre,

deixa o mundo, a ilusão.

O que ninguém jamais esquece,

seu caráter, retidão.

No Rotary ou no lar,

é bom praticar o bem.

E deixe o tempo passar,

pra viver feliz também.

Bendito o irmão que na roça

puxa a enxada e planta o grão.

Tirando da terra a nossa

diária alimentação.

Neide Rocha Portugal,

pintora, jaz consagrada.

Poeta internacional…

nas telas, idolatrada!

Sem amor e sem carinho

vive o homem a lamentar.

Deixa o calor de seu ninho,

prá buscar noutro lugar!

Antenor, na plena idade,

chamou de Cidade Canção,

Maringá, bela cidade.

Aclamada pela multidão.

Por amar nossa Maringá,

divulgo meu amado chão!

– Lugar melhor não verá

meu torrão, meu coração!

Do arco-íris, o sinal

rebrilhando em Maringá,

nos mostra que a catedral

é benção ao Paraná!

Oh, bem-vindos, trovadores,

daqui, ali e acolá.

Trazendo sonhos e flores,

à radiante Maringá.

As garças brancas voando,

já no silêncio da aurora…

O seu sustento buscando,

ao romper da primeira hora.

Borboleta beijoqueira

dá beijos em cada flor.

Voando solta, fagueira,

vai fecundar seu amor.

Laura, tão querida tia,

será sempre a mãe amada.

Com gratidão, todo dia,

eternamente, idolatrada!

Na terra, no céu, no mar,

somos todos peregrinos.

A ciência há que buscar

os grandes e os pequeninos.

Arma-se a lona do circo,

todos os dias, no meio da rua.

Artista, enfrenta o risco…

o sorriso é marca sua.

Chove-chove, chuva amiga,

é benção à plantação.

Multiplica o fruto, a espiga,

dá mais vida e força ao chão!

– Que tamanho tem o mundo?

– Contém tudo, é o universo.

São seus sonhos mais profundos!…

Ele está em cada verso.

Fonte:

Olga Agulhon e Eliana Palma (orgs). Academia de Letras de Maringá: VII Coletânea 2011.

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Folclore do Paraná

O Paraná é rico em tradições folclóricas, assim como os demais estados brasileiros. Os costumes indígenas, podemos afirmar, são os mais antigos hábitos da terra e muitas influências legaram à nossa cultura. A língua portuguesa, por exemplo, de onde parte e retorna nosso mundo real e imaginário, recebeu inúmeras influências do tupi. Além disso, a imaginação do europeu, que aqui aportou na aurora da conquista, se redimensionou com os mitos e costumes indígenas. Por exemplo, em todo o Paraná, assim como em quase toda a América, o milho é parte integrante da culinária; a nossa pamonha, nosso bolo de milho ou o curau estão presentes em qualquer festa junina, ou festa de roça na época da colheita. Esse hábito herdamos dos índios e até hoje os guaranis ainda fazem o batismo do seu milho, confeccionando seus Mbojape, nossa pamonha ancestral.

No litoral, as tradições se encontram no cotidiano; em muitas localidades ainda se pratica o artesanato tradicional. Os potes de barro, os trançados, as pinturas com traços europeus e índios, podem ser encontrados em lugares recônditos das baías do litoral paranaense. Os “caiçaras” confeccionavam, até bem pouco tempo, as canoas de um pau só, com a árvore do guapuruvu, que, quase extinta, obriga a busca de outras soluções. O fandango, bailado tradicional do litoral, possui um aparato impressionante que envolve as comunidades em todo o seu processo. As violas, as rabecas, os tamancos são feitos pela comunidade; as danças, os cantos e modo de executar os instrumentos e bailar as modas são transmitidos espontaneamente; o fandango de um lugar traz sua marca, sua identidade própria, diferenciando-se de outros. É um arcabouço pertencente a uma comunidade, que identifica suas tradições, mentalidade e valores.

A professora Roselys Veloso Roderjan, musicista e grande pesquisadora da história e do folclore paranaense, realizou importante pesquisa, recolhendo junto a essas comunidades canções tradicionais do fandango, inclusive cifrando as letras para partituras, dando uma contribuição importante para a preservação da memória dessa nossa tradição.

As Folias de Reis ocorrem em quase todo o país. No norte e noroeste do Paraná são ainda uma tradição significativa. No processo de colonização do Paraná, migrou para o Estado com os paulistas e mineiros que colonizaram estas regiões. Assim como no fandango, os pontos de viola, os cantos, o conhecimento das alegorias são passados oralmente e intuitivamente de geração a geração. A memória dos velhos, dos cantadores, ou dos rezadores antigos, é o eixo principal da tradição: sem estes personagens a corrente se quebra e as tradições podem desaparecer. As bandeiras do divino são uma rica tradição ainda encontrada. Em Guaratuba celebra-se uma festa tradicional do divino, com duas bandeiras bem caracterizadas em procissão. As festas, rodas, danças ou terços de São Gonçalo do Amarante praticamente desapareceram – infelizmente – do Paraná (existe uma comemoração magnífica em Pernambuco, no município de Igarassu, localidade de Itapissuma). Santo que, em suas peregrinações no século XII, levava uma viola e unia o povo em torno dos seus cantos e em meio à roda de danças, São Gonçalo é, para os fiéis, detentor de grandes poderes.

As cavalhadas e as congadas são festas riquíssimas, de longa tradição. Guarapuava e Palmas realizavam suas cavalhadas. Na Lapa realiza-se uma congada de São Benedito; a festa que tem como principal elemento o simbolismo da coroação de um rei do Congo é realizada por ocasião da comemoração de São Benedito. As cavalhadas no Paraná, parece-nos, foram mais largamente praticadas pelo povo sertanejo no princípio do século XX. Estes, abandonados nos sertões do sul do Paraná e norte de Santa Catarina, pela república que nascia, promoveram uma das maiores revoluções camponesas da história do Brasil: a Guerra do Contestado (1912-1916). Liderados pelo monge João Maria praticavam a cavalhada, como forma de combate. Elementos medievais das cruzadas foram incorporados pelo Exército Encantado de São Sebastião, criado pelos revolucionários. Se as cavalhadas eram praticadas nos redutos dos camponeses, bem pode ser que tenham contribuído para a difusão e a permanência, até os dias de hoje, deste costume entre o povo da região de Palmas e Guarapuava.

Os imigrantes, radicados principalmente no sul, trouxeram manifestações próprias, incorporaram-nas ao nosso acervo popular. Tradições polonesas, alemãs, ucranianas, japonesas e tantas outras, somaram-se a essas manifestações antigas de origens índias, africanas, portuguesas e espanholas, tornando o Paraná moderno ainda mais complexo e rico.

Durante todo o ano ocorrem festas populares e celebrações sacras em todo o Estado. A maioria dessas celebrações homenageia santos ou santas padroeiras dos municípios, outras são antigas tradições praticadas por devotos, ou manifestações populares muito ricas, nas quais a arte popular e a religião se misturam ao longo do tempo. Grande parte é oriunda de antigas tradições, herdadas da Europa medieval; várias celebrações e festejos praticados no Brasil ocorriam, ou ainda ocorrem, também em Portugal, ou na Península Ibérica, demonstrando as influências culturais que possuímos da colonização portuguesa e espanhola.

Nas festas populares encontramos raramente as antigas manifestações folclóricas paranaenses: as cavalhadas ainda são praticadas, porém já desfiguradas de suas características originais; o fandango do litoral, com todos os costumes que o envolvem, ainda ocorre, porém somente em algumas localidades das baías de nosso litoral.

Estado com grande diversidade cultural, o Paraná recebeu também imigrantes de diversas partes do mundo e migrantes de inúmeros outros estados do Brasil. Deste modo, existe uma grande variedade de festas regionais, que são heranças da história local e, muitas vezes, devido a estas características singulares de ocupação e colonização, somente se apresentam naquela região. Em Siqueira Campos, por exemplo, ocorre há mais de setenta anos a festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, em honra a quem foi edificado um santuário com a vinda da imagem do santo, provavelmente de Minas Gerais. A região recebeu no início do século XX um grande número de migrantes mineiros, que estabeleceram um dos primeiros núcleos coloniais do norte pioneiro, então denominado Colônia Mineira.

Celebrações como as festas de São Benedito, santo negro protetor dos escravos, são encontradas em vários municípios. Em alguns municípios que margeiam rios, como o Paraná e o Iguaçu, se realiza a festa de Nossa Senhora dos Navegantes, celebração muito popular no Brasil, ocorrendo também na região norte e no sul do país. As celebrações de Folia de Reis, que contam a história da visita dos três reis magos à manjedoura de Jesus Cristo recém-nascido, são realizadas em muitos municípios; em alguns deles ocorrendo, inclusive, concursos para premiar as melhores folias. As folias, muito comuns em todo o país, também foram trazidas por paulistas e mineiros para o Paraná.

Em Antonio Olinto, tem-se a romaria de Nossa Senhora dos Corais, inclusive com missa dita em ucraniano. Os ucranianos são um dos mais significativos grupos de imigrantes que aportaram nestas terras, no início do século XX. A festa para a Virgem de Caacupê, em Guaíra, de origem paraguaia, homenageia a santa com procissões e, inclusive, missa em língua guarani. Os índios guaranis, por seu turno, ainda realizam seu ritual vespertino da Casa de Reza, talvez uma das mais antigas celebrações religiosas do Paraná, já que os guaranis, autóctones habitantes da terra, conviveram com as reduções jesuíticas há mais de quatrocentos anos.

Nos Campos Gerais, região de influência tropeira, grande parte das tradições são heranças desse ciclo econômico e cultural, um dos mais importantes ocorridos nas regiões meridionais do Brasil. Em Piraí do Sul, homenageia-se o senhor Menino Deus, festa que remonta a esses tempos do tropeirismo e cuja imagem original, estima-se, tenha sido trazida no século XVIII por tropeiros das ruínas das missões jesuíticas de Sete Povos, no Rio Grande do Sul, para a primeira capela surgida em Piraí do Sul, então local de passagem das tropas.

Inúmeras tradições populares, porém, estão em vias de desaparecer ou desapareceram no Paraná, como as festas de São Gonçalo, o Boi de Mamão, o Pau-de-Fita etc. As Folias de Reis são um bom exemplo desse fenômeno; outrora comuns em quase todo o Brasil – não diferentemente no Paraná – são hoje pequenas reminiscências praticadas pelos antigos em alguns municípios, com o singelo desinteresse das gerações mais novas. Os novos tempos se impõem, as tradições tendem a se transformar e, algumas vezes, infelizmente, são esquecidas e abandonadas.

… as flores que nunca morrem,
são essas que em ti se movem.
Árvore do Mundo, Carlos Nejar

Quem vai podar o homem dos sonhos, das suas ilusões, da imaginação fértil e livre que constrói os básicos sentidos para o mundo e a vida. Isso, até hoje, não pode, e não deve ser contido. Os símbolos e a linguagem (outro símbolo) planam soltos. Vêm, de onde ninguém sabe. E são eles que identificam uma sociedade, um povo, dando-lhe uma identidade singular, onde quer que ele esteja.

Os mitos e as lendas são fenômenos da psique, dos dados individuais e coletivos, da trajetória épica, trágica ou cômica, dos seres humanos. Através dos mitos e das lendas pode-se penetrar nos meandros psicológicos dos homens, investigar seus desejos e suas leituras da terra e de si mesmos; o que é, num certo sentido, conhecer a própria história. Só que em uma visão mais ampla do que a análise fatual. É uma tarefa árdua tentar divisar nas mitologias seus possíveis adventos fatuais. Mitos de criação do mundo, com seus heróis épicos em luta com a natureza e os deuses, são comuns nas sociedades antigas.

Essas histórias estão recheadas de eventos naturais catastróficos e monstros transumanos, contra os quais os heróis e heroínas se põem em luta bravia, para redimir a sociedade, de uma falta, uma culpa, ou um desvio impensado das conveniências divinas. Muitos desses eventos parecem ter sido ocorrências físicas, ou geológicas, reais. Mas, como o homem podia explicar o inexplicável? Os rituais de nascimento, morte e de passagens, as viagens fantásticas, são procedimentos necessários de expiação, busca da paz, da superação, da transposição para uma nova posição individual e social; são caminhos para o apaziguamento da alma. E, assim, os mitos e as lendas se fizeram e se fazem.

Como para a poesia está o poema. Ou seja, a antiga discussão entre forma e conteúdo. Sendo o poema a forma, as vestes da poesia, que se vela muito mais além e guarda os sentidos mais próprios. Muitas vezes está a lenda para o mito. O mito é fundante, mais profundo, uma matriz originária; as lendas e contos populares contam os mitos, de diversas maneiras, sendo que esses relatos vão se metamorfoseando, conforme o tempo passa, a natureza e a sociedade mudam.

O tempo e a imaginação popular se encarregam de rebuscá-los, continuamente. Como uma pintura que jamais é finalizada, interminável; pois, a cada dia o artista, ou os artistas, lhe altera as cores, os tons, as formas. E assim infinitamente.

As lendas e os contos populares, porém, estão libertos. Não estão presos ao destino de serem cantores dos mitos. Soltos, criam suas próprias histórias. Sua base fundamental é a oralidade. A fala do povo. É na conversa do povo, nos sotaques, feitos e jeitos, na produção artística e no trabalho, nos acontecimentos que “ninguém” viu, mas ouviu dizer, que os contos florescem. Férteis, sólidas crenças e crendices, pois bem arraigados na liberta imaginação.

Fonte:
SEEC – Paraná da Gente

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Folclore da Lapa/Paraná (João Maria, o Monge da Lapa)

Entre fins do século XIX e a primeira década do XX, o campo brasileiro viu-se sacudido por alguns movimentos populares. De norte a sul surgiram manifestações de cunho religioso, como se o país despertasse de uma enorme letargia.

Conselheiros no nordeste brasileiro (como Antônio Conselheiro, de Canudos, na Bahia) e monges nos sertões meridionais, vários personagens cruzavam os campos de lado a lado, medicando e aconselhando os caboclos, granjeando fama de milagrosos e poderosos. No interior do Paraná, uma figura que aparecia envolta em mistério, antes e durante os conflitos pela posse da terra na região sul do estado, na divisa contestada por Santa Catarina, foi um andarilho conhecido como o Monge da Lapa. Na verdade, foram três os monges que freqüentaram a região, em momentos críticos da história de nosso país.

O primeiro surgiu em meados do século XIX, na década de 40, pouco depois das revoltas liberais que sacudiram o Brasil e pouco antes do término da Guerra dos Farrapos. O segundo marcou sua presença nos anos próximos à abolição da escravidão e do advento da República; em meio à Revolução Federalista temos o seu primeiro registro concreto. Finalmente, José Maria, o terceiro monge, surgiu em 1912, quando a Primeira República incentivava largamente a imigração e a construção de estradas de ferro, com contratos altamente vantajosos para as construtoras.

Entre os dois primeiros existia uma forte semelhança no proceder, a ponto de serem considerados uma só pessoa. “Num dos retratos que corre como sendo do ‘santo’, estampa-se a legenda: ‘João Maria de Jesus, profeta com 188 anos’ – como que a afirmar que os dois foram um só” [2].

As explicações de ambos terem utilizado o mesmo nome aparecem na obra de Oswaldo Cabral, quando o autor aponta as razões de tal procedimento. “O povo chamava todos os monges de João Maria. Não sendo João Maria não seria monge”[3].

Ao assumir o nome de seu predecessor, João Maria de Jesus não forçava, ao ver de Cabral, uma impostura, mas assumia para si a memória de santidade do primeiro monge. Místico também, ele encontrava assim uma melhor forma de penetração junto às populações interioranas. A mudança do nome marca o início de uma transformação na vida.

Apesar de utilizar os dois primeiros nomes de João Maria de Agostini, nunca tomou o último nome deste, do mesmo modo que nunca afirmou ser o mesmo que percorreu os sertões em meados do século XIX. Afinal, o santo dos sertanejos não era de Agostini ou de Jesus, “… há apenas um João Maria, e não só o João Maria do Contestado, mas o querido João Maria da devoção popular” [4].

Várias são as lendas que permanecem na memória de moradores do interior paranaense e que acabaram por conquistar as cidades, localizando-se em diversas camadas da população, trazidas pelo êxodo rural. Muitas das localidades de Santa Catarina, apontadas a seguir, pertenciam ao território do Paraná e foram repassadas ao estado vizinho após acordo que ratificou a divisão da região contestada, à época do presidente Wenceslau Braz, em 1916.

São lendas que dizem respeito à origem dos monges, lendas sobre profecias, punições, milagres e prodígios e finalmente lendas relativas ao fim dos monges. Estas lendas confundem os monges que as praticaram ou sofreram, sendo atribuídas ao monge simplesmente. Este caráter dúbio é parte da própria estrutura das lendas.

Sobre a origem do monge, do porquê de sua peregrinação pelo sertão, a mais rica lenda que encontramos é a de que sendo cristão, abandonou a religião para se casar com uma moura e combateu o exército expedicionário francês. Sendo feito prisioneiro, após a morte de sua esposa, conseguiu fugir e no Egito teve a visão do apóstolo Paulo, que o mandou peregrinar 14 anos (ou 40 em outra versão) pelo mundo, reconvertendo-se assim ao cristianismo. Sua cidade de origem seria, neste caso, Belém, na Galiléia.

Outras lendas davam conta de ser o monge um criminoso, não se dizendo o crime, ou que tivesse seduzido uma religiosa, que teria falecido na viagem para a América. Sua penitência seria vagar solitário pelos sertões. Existe também aquela que dizia ser o monge um apátrida, nascido no mar, de pais franceses, tendo sido criado no Uruguai.

As lendas sobre profecias são também bastante extensas, a começar de seu próprio desaparecimento, quando terminasse sua missão, no morro do Taió, hoje território de Santa Catarina. Previu o aparecimento de uma cidade no local em que estava, o que efetivamente se deu após a definição do litígio sobre a fronteira; seu nome, segundo o monge, seria Santa Cruz, e a cidade chamou-se Cruzeiro e hoje é o município de Joaçaba, SC.

Teria previsto o advento da República alguns anos antes. Previu também os trens e os aviões, no estilo dos antigos profetas. “Linhas de burros pretos, de ferro, carregarão o pessoal”. Depois deles, as guerras com as derrotas sucessivas dos sertanejos e “gafanhotos de asas de ferro, e estes seriam os mais perigosos porque deitariam as cidades por terra”.

Chegando a uma casa onde uma mãe acabara de dar à luz, reclamou o batismo da criança recém-nascida e somente depois lhe foi contado que a parturiente havia feito promessa de dar o nome de João Maria e convidar o monge para padrinho, se fosse feliz na hora do nascimento.
O primeiro monge teria previsto que outros o seguiriam, enquanto o segundo teria indicado a guerra que se avizinhava (a guerra do Contestado), onde os seus seriam dizimados.

As lendas de caráter punitivo são muitas, que contrastam com a imagem bondosa do monge. De modo geral, são castigos para aqueles que, desdenhando de sua santidade, não respeitaram regras estabelecidas por ele.

Existem as histórias relativas ao queijo. Conta-se que pedindo um pedaço de queijo em uma fazenda, este lhe foi negado, tendo então repetido a profecia feita para Canoinhas, anunciando o fim da prosperidade da fazenda.

Conta-se que uma senhora querendo dar ao monge um queijo, tendo falado a este respeito com seu marido, ordenou-lhe este que lhe fosse dado um outro menor (outra versão diz menor e podre). Segundo uma narrativa teria o monge aceitado apenas um pequeno pedaço do queijo, jogado fora mais da metade, por adivinhar a má vontade do dono. Outros comentam que sendo podre o queijo, João Maria o levou e escondeu sob uma pedra, ou o esmigalhou no pasto, ainda dentro da propriedade do tal fazendeiro. Em todos os casos, a prosperidade da fazenda desandou, chegando, em uma das versões, toda a família à loucura, ou morrendo o fazendeiro na mais miserável pobreza.

Às regiões de pouca fé do povo, predisse pragas, dizendo que aqueles que quisessem salvar suas roças deveriam plantar aquilo que desse sob a terra (tubérculos) – o que realmente aconteceu em Taquara Verde, município de Porto União, SC. Predisse que a localidade de Vila Nova do Timbó, por seu povo ateu, se transformaria num porungal, ou seja, suas terras perderiam a fertilidade. O lugarejo teria realmente regredido.

Ao ser preso na Lapa, predisse castigos dos céus e um violento temporal sobre a cidade. Em duas cidades diferentes, Hamburgo Velho (RS) e outra do Paraná, ao ser apedrejado por crianças que o tomavam por mendigo, perdoou às crianças, mas disse, serenamente, que as cidades seriam apedrejadas como ele. Em ambos os casos, dias depois, uma chuva de granizo arrasou as plantações, castigando a cidade. Tal evento teria também acontecido na Lapa.

Com relação às fontes, contam-se duas lendas de caráter punitivo. Uma seria uma água abençoada por ele, com a previsão de que não se entrasse na fonte para se banhar. Duas prostitutas, tendo ignorado o aviso, banharam-se para curar algumas feridas, o que provocou o ressecamento imediato da fonte.

Nas proximidades da Lapa, uma família tendo comprado uma propriedade, que tinha em suas terras uma fonte benzida, e não crendo no poder da água santa, cercou a área, proibindo a entrada de intrusos. Ao mesmo tempo, ateou fogo ao cruzeiro e ao pinheiro que havia no pouso. Como resultado, perdeu todas as suas posses e ficou louca.
As lendas sobre milagres e prodígios fazem parte do maior grupo conhecido. Existia a crença de que em meio às tempestades, o monge permanecia sentado ao relento, mas que não se molhava, bem como nos lugares de determinadas cruzes.

Conta-se também que podia estar em dois lugares diferentes, orando em sua gruta e ao lado de uma doente que invocava por ele. Conta-se que podia ficar invisível aos seus perseguidores, atravessar a pé sobre as águas dos rios, e que suas cruzes cresciam – não só o corpo, como também os braços – ou brotavam 40 dias após o monge tê-las levantado.
Bastões, com a “medida do monge”, fincados em cada extremo de uma fazenda protegiam o gado contra doenças. As velas, feitas na medida do palmo do monge, afugentavam os maus espíritos e acalmavam as tempestades.

Conta-se que o monge era imune aos índios e às feras, não sendo jamais atacado por elas. Diz-se também que fazia surgir olhos d’água nos lugares onde pousava. Da mesma maneira, podia se fazer transportar no ar ou desaparecer quando a multidão que o cercava crescia em demasia.

As curas são constantes em suas lendas. Teria curado adultos e crianças já à morte com infusões de uma planta chamada vassourinha e rezas. Em Mangueirinha e na Lapa, se contam casos de curas milagrosas de dores de dentes.

As lendas referentes a galinhas são bastante difundidas. Conta-se que uma senhora ofereceu uma galinha ao monge, que não aceitou o presente por ele ter sido dado antes ao diabo. A mulher teria se referido à ave como “galinha do diabo” ao ter esta sujado seu vestido no caminho para a pousada de João Maria, ou praguejado dizendo “que o diabo a carregue”, por não ter conseguido pegar no terreiro, só o fazendo horas depois. É interessante notar, como o faz Oswaldo Cabral, que essa lenda já teria se referido anteriormente a outras pessoas.

Igualmente se conta a lenda da batata. João Maria teria sido convidado a comer batata-doce com leite com uma família, a qual havia incumbido uma escrava de colhê-las. A escrava teria dito que a maior seria dela e não do velho mendigo. Na hora do jantar, todas as batatas da mesa, o monge se recusou a comer a melhor das batatas-doces, por já possuir dono.

Pernoitando na dita fazenda, pediu ao amanhecer um cavalo ou burrico, para atender ao chamado de um doente distante. Pedindo um animal manso, foi lhe dado um manco, o qual na volta da jornada não portava nenhuma deficiência no andar. João Maria teria debelado, ainda, uma epidemia de varíola em Rio Negro, afastando a peste com rezas e com 14 cruzes plantadas como Via Sacra na cidade. Ainda hoje existe uma das cruzes na cidade: chama-se cruz de Mafra.

As lendas relativas ao desaparecimento ou morte do monge dão conta que ele teria dito que ao final de sua peregrinação iria para o morro do Taió, região que se sabia habitada por índios hostis, os botocudos. Após a sua morte, seu espírito teria aconselhado um viajante de Guarapuava que foi à sua procura no morro.

Outra tradição diz que morreu de velhice em Araraquara (SP), ou que foi encontrado agonizante próximo aos trilhos da estrada de ferro perto de Ponta Grossa. A crença mais difundida é, no entanto, que não teria morrido. Após jejuar por 48 horas no Taió, o monge teria sido levado por dois anjos para o céu. Em outra hipótese, seu corpo teria se envolvido em luz tão forte que o fez desaparecer, deixando uma marca vermelha no chão, que os incrédulos confundiam com sangue.

Criações do povo, estas lendas formam um conjunto de crenças que demonstram o caráter mágico de sua apreensão da realidade, indubitavelmente belas como demonstração de mentes criadoras. Vejamos algumas que permanecem na tradição de alguns outros municípios paranaenses.
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Notas
[1].Parte deste texto foi publicado como integrante da monografia para conclusão do curso de especialização Metodologia do Ensino Superior. CARNEIRO JR., Renato Carneiro. O Monge da Lapa: um estudo da religiosidade popular no Paraná. Curitiba: Faculdades Positivo, 1996.
[2].CABRAL, Oswaldo R. João Maria. Interpretação da Campanha do Contestado. São Paulo: Comp. Editora Nacional, 1960.
[3]. Idem.
[4]. Idem.
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Fontes:
SEEC – Paraná da Gente
Imagem do Acervo de Orty de Magalhães

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