Arquivo do mês: maio 2013

A. A. de Assis (Revista Virtual de Trovas "Trovia" – n.162 – junho de 2013)

I

Se acaso eu fosse rainha,
dava a você meu reinado;
e, se fosse uma andorinha,
o meu ninho no telhado.
Colombina

A esperança, na viagem,
é ter a felicidade
de chegar junto à miragem,
e a miragem ser verdade.
Élton Carvalho

Muita gente que eu não gabo
lembra a pipa colorida:
– quanto mais comprido o rabo
mais alto sobe na vida!…
Joubert de Araújo e Silva

Os bons vi sempre passar
no mundo graves momentos;
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Luís de Camões

Desconfio que a saudade
não gosta de ti, meu bem.
Quando tu vens, ela vai…
quando tu vais, ela vem…
Luiz Otávio

Isto é próprio das mulheres,
não tem quase nem talvez:
– Nem dizes que não me queres
nem me queres de uma vez…
Luiz Rabelo

 
Do cigarro, a xepa fria
atira com precisão.
Mostra boa pontaria,
mas bem pouca educação.
Adélia Woellner – PR

É sovina a minha amiga:
se vai à feira gastar,
não compra nem uma briga
sem primeiro pechinchar!
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Vovó, num desejo enorme
de um milagre conseguir,
por teimosia, não dorme
nem deixa vovô dormir!…
Edmar Japiassú Maia – RJ

Quando, dengosa, tu piscas
os teus olhinhos assim,
não precisas de outras iscas,
esse anzol cuida de mim…
Nélio Bessant – SP
 

O presente desatina
quem cai no conto falaz:
trocar voto por botina
leva sempre um pé por trás.
João B. X. Oliveira – SP

O carro virou paçoca
num acidente invulgar…
– Socorro!, grita a dondoca,
salvem o meu celular!
Maria Ignez Pereira – SP

Tem, por sorte, a fofoqueira
o noivo que lhe interessa:
– é de família açougueira,
e de “língua” entende à beça.
Osvaldo Reis – PR
 

Na noite do seu casório,
sendo um noivo muito antigo,
usou até suspensório,
mas não sustentou o artigo…
Wanda Mourthé – MG
 
Dê-se ao jovem liberdade
para sem medo ele ousar.
– É no ardor da mocidade
que o sonho aprende a voar!
A. A. de Assis – PR

Da janela do avião,
olhando as nuvens branquinhas,
sinto a grata sensação
de tuas mãos junto às minhas!
Alberto Paco – PR

A arte da dança é linda
quando fazemos brilhar
nos passos a graça infinda
de amar quem nos faz sonhar.
Agostinho Rodrigues – RJ

O medo é perturbador
e afeta a nossa razão;
faz que as coisas sem valor
pareçam mais do que são.
Amilton Maciel – SP

Tudo acabou em quimera
na tarde chuvosa e fria
e a grande perda me espera
dentro da casa vazia…
Angélica Villela Santos – SP

Paixão, doação, entrega,
cada um sabe da sua;
ninguém vê como se apega,
mas vai pro mundo da lua.
Antonio Cabral Filho – RJ

Vês as ondas deste mar
enormes e violentas?
Igual meu jeito de amar
que com o teu apascentas.
Benedita de Azevedo – RJ

Sempre acolho de mãos postas
e humilde tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar.
Carolina Ramos – SP

Sei quando vais demorar…
Mesmo assim tudo ofereço:
quem espera para amar
paga ao tempo qualquer preço!
Clenir Neves Ribeiro – Austrália
 
A neve nos pinheirais,
nestas paragens do Sul,
forma brincos de cristais
na terra da gralha azul.B
Cônego Telles – PR

Quiero siempre despertar
con trinos por la ventana,
que las aves saben dar
con fervor cada mañana.
Cristina Oliveira Chávez – USA

Não ligo às perdas e danos
que o destino impõe, porque
podem passar dez mil anos
que eu hei de esperar você!
Dáguima Verônica – MG

Anunciou a partida,
dizendo: – “É melhor assim”!
E saiu da minha vida,
levando o melhor de mim…
Darly O. Barros – SP
 
A mensagem foi pequena:
– Não me esperes, por favor!
Não chorei. Não vale a pena
chorar por um falso amor!
Delcy Canalles – RS

Tantos anos, e eu daqui,
cuidei da vida lá fora;
fiquei moço, envelheci…
– Mas estou voltando agora!
Diamantino Ferreira – RJ

Com as “notas” da alegria,
ou “dissonância” sofrida,
Deus compõe a melodia
da partitura da vida.
Domitilla B. Beltrame – SP

Velho tronco, na queimada,
em dolorosa utopia,
sonha ouvir a passarada
que em vida abrigou… um dia.
Dorothy Jansson Moretti – SP

Bendito seja o sujeito
que, traído pelo irmão,
tira do fundo do peito
a fortuna do perdão!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Às suas falas dispense
o respeito mais profundo,
que o silêncio nos pertence
mas a palavra é do mundo.
Élbea Priscila – SP

Voa, passarinho, voa,
que gaiola é só maldade.
Livre, lá nos céus entoa
o cantar da liberdade.
Eliana Jimenez – SC

Adeus com dores combina,
adeus inspira piedade.
Adeus de amor, triste sina
de quem vive de saudade!
Eliana Palma – PR

Eu não me prendo à verdade
e à razão sempre me imponho,
porque toda a realidade
antes de tudo foi sonho!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Para amainar meus cansaços,
num fim de tarde que tranço,
busco a rede dos teus braços
meigos laços… meu descanso!
Flávio Stefani – RS

Porteira velha, o gemido
dessa dor que te corrói…
é o teu passado esquecido
que em teu presente inda dói!
Francisco Garcia – RN

Velho – carrego esperanças,
adubando a vida em flor:
quem não cultiva as lembranças
mata as raízes do Amor.
Gabriel Bicalho – MG

Dei-lhe asas de querubim
e as penas do meu penar!…
– Meu coração mesmo assim,
não aprendeu a voar!…
Gisela Sinfrónio – Portugal

Não lembro de ti, passado,
pois consegui te esquecer;
agora só tenho ao lado
os sonhos que vou viver!
Gislaine Canales – SC

Não haverá sociedade
que possa ser construída
sem a fé na humanidade
e o respeito pela vida.
J. B. Xavier – SP

Meu otimismo teimoso
faz-me ver em cada irmão
o seu lado esplendoroso,
em permanente ascensão.
Jeanette De Cnop – PR

No meu sonho mais profundo,
em pensamentos imerso,
eu fui além do meu mundo,
viajei pelo universo.
Jessé Nascimento – RJ

O saber é consagrado,
tem mais valor do que o ter;
o ter pode ser roubado,
mas nunca roubam saber.
João Medeiros – RN

Correio, por que me fazes
recordar quem não devia?
Carteiro, por que não trazes
minha carta de alforria?
José Fabiano – MG

Tanto mal nós infligimos
a um alguém que bem nos queira,
que o perdão que lhe pedimos
é uma nuvem passageira.
José Feldman – PR
 
Sei que deste mundo lindo
vou sair, só não sei quando,
mas quero morrer dormindo
para entrar no céu sonhando.
José Lucas de Barros – RN

Ah, senhora Liberdade,
soltai-me de vossos laços;
devo ao Destino lealdade,
o Amor comanda meus passos.
José Marins – PR

Em rondas, meu coração,
tropeçando, aqui e ali,
bate em busca da ilusão
que nem sei onde perdi !
José Messias Braz – MG

Quando se tem por escopo
o trabalho e a persistência,
marcar presença no topo
deixa de ser coincidência!
José Ouverney – SP

Sendo a vida a maior graça
que do bom Deus recebemos,
ergamos a nossa taça
enquanto vida nós temos.
José Reinaldo – AL

Se a roseira tem espinho,
para que se aborrecer?
Nada resiste ao carinho,
mesmo podendo sofrer…
José Roberto P. de Souza – SP

Todo homem tem na mulher
um mistério a desvendar:
– sempre ela sabe o que quer,
mas nem sempre quer falar!…
Lucília Decarli – PR
 
Na tessitura do sonho,
vou cortar, sem mais tardança,
esse nó górdio que imponho
a um amor sem esperança.
Luiz Carlos Abritta – MG

Pode ir embora, querida…
Que eu guardo a dor compulsória
de ter que arrancar da vida
quem tatuei na memória.
Manoel Cavalcante – RN

Tem seu momento assinado,
desde o ventre, o filho arteiro:
um gol à vida marcado,
naquele chute primeiro!
Mª da Conceição Fagundes – PR

Ao clamor da liberdade,
tremem os reis e as nações,
porque a força da verdade
tem mais força que os canhões!
Mª Lúcia Daloce – PR

Na travessia das águas
ronda a grande solidão…
Não há sorrisos nem mágoas,
o que me ronda é a paixão.
Mª Luíza Walendowsky – SC

Pela ambição desmedida,
fiz da vida uma procela,
até descobrir que a vida,
quanto mais simples, mais bela.
Mª Madalena Ferreira – RJ

Quando você me critica
e aos amigos faz venenos,
o seu próprio gesto indica
qual de nós dois vale menos.
Maria Nascimento – RJ

Se de novo o amor palpita,
o velho se faz criança…
E como a vida é bonita
no retorno da esperança!
Mª Thereza Cavalheiro – SP
 
Sobre as vagas do oceano,
voando num céu de anil,
sinto alegria e me ufano
de estar voltando ao Brasil!
Marina Valente – SP

Já chorei demais por ela
sem que tenha merecido…
Hoje as lágrimas são dela
por eu já tê-la esquecido.
Maurício Cavalheiro – SP

Beijando, a brisa, meu rosto,
meiga, me faz relembrar,
com saudade e muito gosto,
o amor que pude lhe dar.
Maurício Friedrich – PR

Viajei pelo mundo inteiro
e nunca mais pude achar
o que no instante primeiro
encontrei no seu olhar.
Olga Agulhon – PR

Tua imagem refletida
no espelho de nosso quarto
mostra a saudade sentida,
que só contigo eu reparto…
Olga Ferreira – RS

Se todos fossem iguais,
o que seria da gente?
– Eu posso ser um a mais,
mas você é diferente
Raymundo Salles Brasil – BA

Sob a chuva ou sol, que abrasa,
como nos tempos antigos,
o portão da minha casa
não se fecha aos meus amigos!
Renato Alves – RJ

Um coração congelado
pega fogo, de repente,
quando o amor – fósforo alado,
risca faíscas na gente!….
Roza de Oliveira – PR

De manhã sou funcionária,
à tarde mãe e chofer,
cozinheira, secretária…
À noite, enfim, sou mulher!
Selma Patti Spinelli – SP

Do sonho compartilhado,
agora, somente resta
um convite, amarelado,
marcando o dia da festa…
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Não me culpe se a partilha
da sorte lhe foi mesquinha.
Se a sua estrela não brilha,
não tente apagar a minha.
Thalma Tavares – SP

Este amor que, em vão, mascaro,
pois o estampo em rosto mudo,
em silêncio eu te declaro…
Sem palavras, digo tudo!
Thereza Costa Val – MG

A travessia é mais triste
se, no meio do caminho,
nossa esperança desiste
e a gente segue sozinho.
Therezinha Brisolla – SP

Causador da minha insônia,
motivo do meu sorriso,
sem nenhuma cerimônia
me transporta ao paraíso!
Vânia Ennes – PR

O homem vai, sem detença;
rompe os ares, vence espaços!…
A esperança é que ele vença
o desamor em seus passos.
Wagner Marques Lopes – MG

O tempo passou… e agora
já é mais que entardecer,
mas tua presença é aurora
na noite do meu viver.
Zeni de Barros Lana – MG

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José Feldman (Universo de Versos n. 46)


Uma Trova do Paraná

DARI PEREIRA – Maringá

Contra toda a malvadeza,
que causa tantos horrores,
em resposta, a natureza
vem cobrir o chão de flores!
========================
Uma Trova sobre Esperança, de Aracaju/SE

SEVERINO UCHOA

Quem quiser ver a Esperança
olha uma noiva no altar
fite um rosto de criança,
repare uma mãe rezar!
========================
Uma Trova Lírica/ Filosófica de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI

Lembra o mar com suas águas
ao léu de ventos tristonhos,
um universo de mágoas
que arrasa a crista dos sonhos.
=======================
Uma Trova Humorística, de Belo Horizonte/MG

JOSÉ MACHADO BORGES

Do peixe, como eu dizia,
sem pretensão de iludi-los,
somente a fotografia
pesava mais de oito quilos!
======================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

A minha sogra, assanhada,
no barracão da mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!…
========================
Uma Trova Hispânica da Venezuela

HILDEBRANDO RODRÍGUEZ

La noche tiende la cama
como lógico remanso,
en madrugada que llama,
al cuerpo para el descanso
===================
Uma Trova Ecológica, de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI

Pelos meandros deslizando,
nada impede ao rio que siga,
enquanto viva  (até quando?)
a selva-mãe…  que o abriga.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

ANTONIO SALLES – Paracuru/CE
1868 – 1940

Eis um médico fardado
-que perfeito matador!-
quem escapa do soldado,
não escapa do doutor…
========================
Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

Estas Trovas foram sonhos
que um trovador já sonhou…
São uns farrapos tristonhos
de um grande amor que passou…
========================
Um Haicai de Alexandria/Egito

GIUSEPPE UNGARETTI
1888 – 1970

manhã
me ilumino
de imensidão
(tradução de Carlos Seabra)
================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Parem

parem
 eu confesso
 sou poeta

cada manhã que nasce
 me nasce
 uma rosa na face

parem
 eu confesso
 sou poeta
só meu amor é meu deus

eu sou o seu profeta
======================
Uma Poesia de Fortaleza/CE

ELIEZER DEMENESES
1910 –
Poema à Amada Constante

Teus olhos estão lânguidos.
E nascem cardos e urzes no meu pensamento.
Teus lábios falam promessas e pedem consolo.
E sou a árvore muda destroçada pela tempestade do mar.
Me convidas para a viagem da tua ternura.
E me obstino em ignorar a tua presença compassiva,
em comer os frutos maus e amargos da terra,
em procurar o teu oposto e a tua negação,
quando tudo em mim arde por ti, minha paz e meu bálsamo.
Minha vida e meu chão estão cheios de cinzas, –
não manches a tua túnica límpida
pois quero-te assim branca e pura.
Meus ouvidos transbordam de gritos.
Minha garganta sufoca-se de brados.
E no meu mar interior
andam barcos de velas negras,
e feios pássaros de bico recurvo,
e é noite, sempre noite sobre as águas…

Espera,
que voltarei com meu lado melhor, redimido e teu.
========================
Uma Setilha de Crato/CE

ANILDA FIGUEIREDO

Estava olhando o mar
pus o teu nome na areia
a onda enciumada
apagou nu´a volta e meia
qualquer dia eu volto lá
pra contigo navegar
nos braços duma sereia.
========================
Uma Poesia de Lisboa/Portugal

ANA LUÍSA AMARAL
Espaços

 As nuvens não se rasgaram
nem o sol: só a porta
do meu quarto

A abrir-se noutras
portas dando para outros
quartos e um corredor ao fundo

Não havia janelas nem
silêncios: sinfonias por dentro
a rasgar o silencio

A porta do meu quarto
já nem porta: madeiramento
para o fogo
========================
Um Soneto de São Luiz/MA

VESPASIANO RAMOS
1884 – 1916
Soneto ( fatalidade ) 

                              
Desde esse instante, sem cessar, maldigo,
aquele instante de felicidade!
Para que tu vieste ter comigo,
meu amor, minha luz, minha saudade?!

Dês que te foste, foram-se contigo
todos os sonhos desta mocidade…
A tua vinda – fora-me um castigo;
a tua volta – uma fatalidade!

Dês que te foste, dentro em mim plantaste
a ânsia infinita dos desesperados
porque voltando, nunca mais voltaste…

Correm-me os dias de aflições, cobertos:
eu entrei para o amor de olhos fechados
e saí para a dor de olhos abertos!
========================
Uma Poesia de Longe

ANDRÉ BRETON – Tinchebray/França
1896 – 1966
Poema

Tenho na minha frente a fada de sal
cuja túnica recamada de cordeiros
desce até ao mar
Cujo véu pregueado
de queda em queda ilumina toda a montanha.

Ela brilha ao sol como um lustro de água iridiscente
E os pequenos oleiros da noite serviram-se das suas
unhas onde a lua não se reflecte
para moldar o serviço de café da beladona.

O tempo enrodilha-se miraculosamente detrás dos seus
sapatos de estrelas de neve
ao longo dum rasto perdido nas carícias
de dois arminhos.

Os perigos anteriores foram ricamente repartidos
e mal extintos os carvões no abrunheiro bravo das sebes
pela serpente coral que sem custo passa
por um delgado
filete de sangue seco
na lareira profunda
sempre sempre esplendidamente negra
Esta lareira onde aprendi a ver
e sobre a qual dança sem cessar
o crepe das costas das primaveras
Aquele que é necessário lançar muito alto para dourar
a mulher em cujos cabelos encontro
o sabor que perdera
O crepe mágico o sinete voador
do amor que é nosso.
(Tradução: Nicolau Saião)
========================
Um Poetrix de Belo Horizonte/MG

ANGELA TOGEIRO
solidão

Pela janela espio
O vazio do escuro da solidão da noite sem luas
Minha companhia.
========================
O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
Aparição amorosa

 Doce fantasma, por que me visitas
 como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
 Tua transparência roça-me a pele, convida
 a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
 um beijo recebeu de rosto consumido.

 Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
 mesma voz, mesmo timbre,
 mesmas leves sílabas,
 e aquele mesmo longo arquejo
 em que te esvaías de prazer,
 e nosso final descanso de camurça.

 Então, convicto,
 ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
 e continua existindo, puro som.
 Aperto… o quê? a massa de ar em que te converteste
 e beijo, beijo intensamente o nada.
 Amado ser destruído, por que voltas
 e és tão real assim tão ilusório?
 Já nem distingo mais se és sombra
 ou sombra sempre foste, e nossa história
 invenção de livro soletrado
 sob pestanas sonolentas.
 Terei um dia conhecido
 teu vero corpo como hoje o sei
 de enlaçar o vapor como se enlaça
 uma idéia platônica no espaço?

 O desejo perdura em ti que já não és,
 querida ausente, a perseguir-me, suave?
 Nunca pensei que os mortos
 o mesmo ardor tivessem de outros dias
 e no-lo transmitissem com chupadas
 de fogo aceso e gelo matizados.

 Tua visita ardente me consola.
 Tua visita ardente me desola.
 Tua visita, apenas uma esmola.
========================
UniVersos Melodicos

DONGA, LUIZ PEIXOTO e MARQUES PORTO
Canção dos infelizes (canção, 1930)

São as mulheres raízes
Com frontes muito elevadas
Umas são sempre felizes
Outras as mais desgraçadas

Há as que amam na vida
E as que só vivem amadas
Sofrem as mais esquecidas
Gozam as sempre lembradas

Eu que quis alguém que não me quis bem
Agora também não quero a ninguém
Dei meu amor, deixaram perder
Eu morro de dor, mas hei de esquecer

No coração das mulheres
Quando um amor se agasalha
Ou dá milhões de prazeres
Ou corta mais que navalha

Uma infeliz quando ama
Não há amor igual ao dela
Anda mais baixa que a lama
Ou sobe mais que uma estrela

Eu quis alguém
Que não me quis bem
Agora também não quero ninguém
Se meu amor, deixaram perder
Eu morro de dor, mas hei de esquecer
==========
Uma Cantiga Infantil de Roda

A GATINHA PARDA

É uma roda de crianças, com uma no centro, de cócoras e olhos fechados, que é a gatinha. Cantam as da roda:

A minha gatinha parda,
Que em Janeiro me fugiu
Onde está minha gatinha,
Você sabe, você sabe, você viu ?

Depois, todas as meninas ficam de cócoras. A gatinha, ainda de cócoras, procura ticar na garota mais próxima, que deve miar, quando alcançada, para ver se a gatinha a conhece pelo miado. Se adivinhar será a gatinha seguinte.

Eu não vi sua gatinha,
Mas ouvi o seu miau
Quem roubou sua gatinha
Foi a bruxa, foi a bruxa pica-pau

Fonte: Rondas Infantis – Jangada Brasil 2002.
========================

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José Feldman (Universo de Versos n. 45)


 
Uma Trova do Paraná

CRISTIANE BORGES BROTTO – Curitiba

Falta de paz nos arrasa,
tal punhal cravado fundo…
Pois que a paz comece em casa
e se espalhe pelo mundo!       
========================
Uma Trova sobre Esperança, de Santos/SP

WALTHER WAENY JUNIOR

Esquecer? Fica a lembrança,
por mais que dela eu me queixe
e vou perdendo a esperança
de que a esperança me deixe…
========================
Uma Trova Lírica/ Filosófica de São Fidélis/RJ

ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG

Quero de novo aprender
para depois ensinar
como se deve viver
conjugando o verbo amar.
=======================
Uma Trova Humorística, de São Paulo/SP

MARINA BRUNA

– Três frangos, polenta e vinho –
pede um gordo comilão.
– Comes tudo isso sozinho?!?!
– Não garçom, como com pão!
======================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Ao criar os Trovadores
onde o verso prolifera;
para adorná-lo com flores,
Deus criou a primavera!
========================
Uma Trova Hispânica da França

CARLOS IMAZ

 De sencillez Espartana,
 sin diferencia social
 la gran Samba se engalana,
 ¡de ser internacional!
===================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Cantigas de portugueses
São como barcos no mar –
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

ALCY RIBEIRO SOUTO MAIORES – Rio de Janeiro/RJ
1920 – 2006

Na minha doce ilusão,
 ser uma trova eu queria,
 aquela que tua mão
 sem tremer assinaria.
========================
Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

Enfrentando tantas provas,
ao desenrolar dos anos,
]vou tirando da alma Trovas,
e enchendo-a de desenganos…
========================
Um Haicai de Cordisburgo/MG

GUIMARÃES ROSA
1908– 1967

verdes vindo à face da luz
na beirada de cada folha
a queda de uma gota
================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Parada cardíaca

 
essa minha secura
 essa falta de sentimento
 não tem ninguém que segure
 vem de dentrovem da zona escura
 donde vem o que sinto
 sinto muito
 sentir é muito lento.
======================
Uma Poesia de Mamanguape/PB

EDISON CEZAR DE CARVALHO
1918 –
Poema 

 

São mãos desconhecidas
Cortando a comprida cabeleira de nuvens alvas,
Parada para a minha contemplação.

Meus olhos adormecem.

E nesse instante branco de meu sonho
As minhas mãos se estendem para ele
Alcançam a sua cabeça secular
Afagam seus cabelos de fria luz.

Num instante, somente.
Começo da poesia,
Sentido de angústia.
========================
Sextilhas de Cordel, de Arapiraca/AL

CARLISSON GALDINO
Palito amigo de Freud
(sextilhas iniciais)

O meu nome não importa
Pois me chamam de Palito
Essa terrinha danada
Desde que eu nasci habito
Sou surfista dessa praia
Surfo até que a noite caia
Nesse pôr de Sol bonito

Tá ligado na parada
Lá da praia do Francês?
Você anda assim de jipe
Mais duas horas ou três
Com a praia acompanhando
E vai terminar achando
A praia do Pequinês

Perto da velha cidade
Chamada Nova Nemeia
Não está em nenhum mapa
Pode esquecer essa ideia
Tou falando, eu sou daqui!
Na praia eu sempre vivi
É uma praia bem véia

Sou surfista de pequeno
Não sei se cê tá ligado
Mas a praia é frequentada
Tenho um monte de chegado
Que nas ondas se exercita
Que você não acredita
É um povo procurado!

Aqui não tem telefone
A gente fala na cara
Carta só pra quem tá longe
Linha mesmo só na vara
Da turma que vai pescar
Mas é show esse lugar
E tem uma turma mara

Mas vou confessar um troço
Eu me amarro nisso aqui
A praia do Pequinês
É o canto onde eu nasci
Às vezes lá por abril
É que me dá um vazio
Dá vontade de partir
========================
Uma Poesia de Porto/Portugal

ANA HATHERLY
Pensar é encher-se de tristeza

 To think is to be full of sorrow
 J. Keats, Ode to a nightgale

 Pensar é encher-se de tristeza
 e quando penso
 não em ti
 mas em tudo
 sofro

 Dantes eu vivia só
 agora vivo rodeada de palavras
 que eu cultivo
 no meu jardim de penas

 Eu sigo-as
 e elas seguem-me:
 são o exigente cortejo
 que me persegue

 Em toda a parte
 ouço seu imenso clamor
========================
Um Soneto de Maceió/AL

VICÊNCIA JAMBO DA COSTA
1900 – 1950
Nas Asas do Vento 

                           
Helena sem os versos de Ronsard,
Beatriz sem Dante, Heloisa desprezada,
– é forçoso a mim mesma confessar! –
nunca serei a tua doce amada.

Dessa paixão que morre inconfessada,
– manhã de sol que em noite vai rolar –
não ficará uma canção truncada,
nem sequer uma frase hão de lembrar.

Mais feliz foi o amor, belo e proibido,
de Maria Nodier e o poeta Arvers,
pois transcendeu o sonho incompreendido

no soneto que o tempo não consome.
Mas, de nós dois: Quem saberá teu nome?
E indagará: “Quem foi essa mulher?”
========================
Uma Poesia de Longe

WILLIAM SHAKESPEARE- Stratford-upon-Avon/Inglaterra
1564 – 1616
Espelho não me Prova que Envelheço

 O espelho não me prova que envelheço
 Enquanto andares par com a mocidade;
 Mas se de rugas vir teu rosto impresso,
 Já sei que a Morte a minha vida invade.

 Pois toda essa beleza que te veste
 Vem de meu coração, que é teu espelho;
 O meu vive em teu peito, e o teu me deste:
 Por isso como posso ser mais velho?

 Portanto, amor, tenhas de ti cuidado
 Que eu, não por mim, antes por ti, terei;
 Levar teu coração, tão desvelado

 Qual ama guarda o doce infante, eu hei.
 E nem penses em volta, morto o meu,
 Pois para sempre é que me deste o teu.
========================
Um Poetrix de Rio Maina, Municipio de Criciúma/SC

ODETE RONCHI BALTAZAR
primavera

Arco-íris
caído
no meu jardim.
========================
O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
Ao Amor Antigo

 O amor antigo vive de si mesmo,
 não de cultivo alheio ou de presença.
 Nada exige nem pede. Nada espera,
 mas do destino vão nega a sentença.

 O amor antigo tem raízes fundas,
 feitas de sofrimento e de beleza.
 Por aquelas mergulha no infinito,
 e por estas suplanta a natureza.

 Se em toda parte o tempo desmorona
 aquilo que foi grande e deslumbrante,
 a antigo amor, porém, nunca fenece
 e a cada dia surge mais amante.

 Mais ardente, mas pobre de esperança.
 Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
 e resplandece no seu canto obscuro,
 tanto mais velho quanto mais amor.
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UniVersos Melodicos

ZEQUINHA DE ABREU e PINTO MARTINS
Tardes de Lindóia (valsa, 1930)

 Tardes silenciosas de Lindóia
 Quando o sol morre tristonho
 Tardes em que toda a natureza
 Veste-se de véu, e de sonho

 Baixo os arvoredos murmurantes
 Da tênue brisa a soprar
 Anjinho dos sonhos meus
 Não sabes tu como é sublime contigo sonhar

 Longe lá no horizonte calmo
 As nuvens se incendeiam
 Num incêndio de luz
 Vibra e se exalta minh’alma

 Na sensação que a seduz
 Um plangente sino toca
-Chamando à prece a todos

 Os que ainda sabem crer
 Então eu sonho e creio
 Beijar tua linda boca
 Para acalmar o meu sofrer.
(Fonte: Cifrantiga)
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Uma Cantiga Infantil de Roda

ALCEU VALENÇA
A Foca
LP A Arca de Noé – 1980

   Quer ver a foca
Ficar feliz?
É por uma bola
No seu nariz.

Quer ver a foca
Bater palminha?
É dar a ela
Uma sardinha.

Quer ver a foca
Comprar uma briga?
É espetar ela
Na barriga!

Lá vai a foca
Toda arrumada
Dançar no circo
Pra garotada.

Lá vai a foca
Subindo a escada
Depois descendo
Desengonçada.

Quanto trabalha
A coitadinha
Pra garantir
Sua sardinha.
(Fonte: Cifrantiga)
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José Feldman (Universo de Versos n. 44)

Uma Trova do Paraná

CAMILO BORGES NETO – Curitiba

Faixa, amigo, é garantia,
do pedestre ajuizado,
pra não ir parar um dia,
no hospital… Todo quebrado!

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Uma Trova sobre Esperança, de Juiz de Fora/MG

DINARTE BARBOSA ARMOND

Esperança – chama acesa
no coração a brilhar.
quando ela morrer, a tristeza
vem tomar o seu lugar
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Uma Trova Lírica/ Filosófica de São Paulo/SP

SELMA PATTI SPINELLI

Quando me pego tristonho,
de pensamento disperso,
tiro um sonho de outro sonho,
vou passear no universo!
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Uma Trova Humorística, de Ribeirão Preto/SP

NILTON MANOEL

Leia a sorte, meu senhor!
– Que sorte tenho,cigana?
Mão de pobre professor
vive sem linhas e grana.
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Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

A pergunta é meio louca,
mas, conhecendo o roteiro;
quero é dar beijo na boca…
“Vida boa é de solteiro”!
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Uma Trova Hispânica de Porto Rico

ELENA GUEDE ALONSO

¡Vamos todos a bailar
que el merengue nos conquista
y a su música sin par
no hay nadie que se resista!
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Uma Quadra Popular Portuguesa

Aquela loura de preto
Com uma flor branca no peito,
É o retrato completo
De como alguém é perfeito.
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Trovadores que deixaram Saudades

SÓLON BORGES DOS REIS– Casa Branca/SP
1917 – 2007

O tempo não pára, escoa,
sim, o tempo não demora.
Há quem diga que ele voa
mas o certo é que evapora.
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Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

Dura menos que um suspiro
ou como a folha que cai…
Mas quando penetra na alma,
a Trova fica… Não sai…
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Um Haicai

JANDIRA MINGARELLI

dia de sol –
até o canto do passarinho
tem cor
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O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
O mínimo do máximo

 Tempo lento,
 espaço rápido,
 quanto mais penso,
 menos capto.
 Se não pego isso
 que me passa no íntimo,
 importa muito?
 Rapto o ritmo.
 Espaçotempo ávido,
 lento espaço dentro,
 quando me aproximo,
 simplesmente me desfaço,
 apenas o mínimo
 em matéria de máximo
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Uma Poesia do Rio de Janeiro/RJ

DIRCEU QUINTANILHA
1918 – 1995
Poema do Arranha-Céu

Veste o vestido cor da noite,
Eu hoje vou embebedar-me de valsas
Para poder chorar…

Veste o vestido das noites
Sem estrelas.
Quero a pureza de uma dama antiga
Dentro de ti.
Dá-me amor, apenas.
O mais puro. O mais humano.
Quero sol na tua sensibilidade.

Eu hoje quero amar.’
Na ausência de todos os sonhos,
Aquela que tu foste…
A inocência do primeiro espanto.
E a queda no vazio
Na vertigem dos mundos descobertos…
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Uma Septilha de Batatais/SP

LEANDRO RAIMUNDINI

Meu corpo junto do seu
vira fonte de calor
que aquece meu coração
pois as chamas tem fervor
e assim seu quente beijo
realiza meu desejo
com o seu fogo do amor.
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Uma Poesia de Armamar, Alto Douro/ Portugal

AMÉRICO TEIXEIRA MOREIRA

Podemos dizer coisas enternecidas
diálogos de silêncios fugidios
frases quebradas na cumplicidade
de um tempo em fuga – imensa ternura
que nada brilhará mais no amor
que a voz inesgotável do corpo.
As palavras envelheceram no fingimento
– ácida angústia dos amantes
azul longo ardendo nas bocas
revelar ausência total do corpo.
Gesto da vida.
Chama de sangue.
Leve magia, submerso desejo
quando um frágil vazio
nos vem dizer pausa imensa.
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Um Soneto de Santos/SP

VICENTE AUGUSTO DE CARVALHO
1866 – 1924
Soneto (alma serena) 

Alma serena e casta, que eu persigo
com o meu sonho de amor e de pecado,
abençoada seja, abençoado
o rigor que te salva, e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
e assim possa morrer, morrer comigo,
esse amor, criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
uma ventura obtida com teu dano,
bem meu, que de teus males fosse feito.

Assim penso, assim quero, assim me engano…
Como se não sentisse que, em meu peito
pulsa o covarde coração humano! . . .
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Uma Poesia de Longe

WILLIAM SHAKESPEARE- Stratford-upon-Avon/Inglaterra
1564 – 1616
Há quem diga

 Há quem diga que todas as noites são de sonhos…
 Mas há também quem diga nem todas…
 Só as de verão…
 Mas no fundo isso não tem muita importância…
 O que interessa mesmo não são as noites em si…
 São os sonhos…
 Sonhos que o homem sonha sempre…
 Em todos os lugares, em todas as épocas do ano…
 Dormindo ou acordado…
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Um  Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

ELIANA MORA
furo de reportagem

De mim sou fato
notícia que não deu
no teu jornal
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O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
O Amor Bate na Aorta

 Cantiga de amor sem eira
 nem beira,
 vira o mundo de cabeça
 para baixo,
 suspende a saia das mulheres,
 tira os óculos dos homens,
 o amor, seja como for,
 é o amor.

 Meu bem, não chores,
 hoje tem filme de Carlito.

 O amor bate na porta
 o amor bate na aorta,
 fui abrir e me constipei.
 Cardíaco e melancólico,
 o amor ronca na horta
 entre pés de laranjeira
 entre uvas meio verdes
 e desejos já maduros.

 Entre uvas meio verdes,
 meu amor, não te atormentes.
 Certos ácidos adoçam
 a boca murcha dos velhos
 e quando os dentes não mordem
 e quando os braços não prendem
 o amor faz uma cócega
 o amor desenha uma curva
 propõe uma geometria.

 Amor é bicho instruído.

 Olha: o amor pulou o muro
 o amor subiu na árvore
 em tempo de se estrepar.
 Pronto, o amor se estrepou.
 Daqui estou vendo o sangue
 que corre do corpo andrógino.
 Essa ferida, meu bem,
 às vezes não sara nunca
 às vezes sara amanhã.

 Daqui estou vendo o amor
 irritado, desapontado,
 mas também vejo outras coisas:
 vejo beijos que se beijam
 ouço mãos que se conversam
 e que viajam sem mapa.
 Vejo muitas outras coisas
 que não ouso compreender.
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UniVersos Melodicos

CHIQUINHA GONZAGA, LUIZ PEIXOTO e HECKEL TAVARES
Casa de caboclo (canção, 1929)

Os versos desta canção “Numa casa de caboco / um é pouco / dois é bom / três é demais”, consagraram-se como um verdadeiro dito popular. Este fato, por si só, comprova a grande popularidade alcançada pela composição, que tornou conhecido o seu lançador, o então jovem cantor Gastão Formenti.
Autores de “Casa de Caboclo”, Hekel Tavares e Luiz Peixoto acabaram inspirando, juntamente com Joubert de Carvalho, uma onda de canções sobre motivos sertanejos, que proliferou no final dos anos vinte. Como acontece muitas vezes a músicas de sucesso, houve à época do lançamento quem considerasse “Casa de Caboclo” plágio de um tema de Chiquinha Gonzaga, levando a discussão aos jornais. Daí a informação que figura em algumas de suas regravações: “Canção baseada em motivos de Chiquinha Gonzaga”.

Você tá vendo essa casinha simplesinha
Toda branca de sapê
Diz que ela vIve no abandono não tem dono
E se tem ninguém não vê

Uma roseira cobre a banda da varanda
E num pé de cambuçá
Quando o dia se alevanta Virge Santa
Fica assim de sabiá

Deixa falá toda essa gente maldizente
Bem que tem um moradô
Sabe quem mora dentro dela Zé Gazela
O maió dos cantadô

Quando Gazela viu siá Rita tão bonita
Pôs a mão no coração
Ela pegou não disse nada deu risada
Pondo os oinho no chão

E se casaram, mas um dia, que agonia
Quando em casa ele voltou
Zé Gazela via siá Rita muito aflita
Tava lá Mané Sinhô

Tem duas cruz entrelaçada bem na estrada
Escrevero por detrás:
“Numa casa de caboclo um é pouco
Dois é bom, três é demais”
(Fonte: Cifrantiga)
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Uma Cantiga Infantil de Roda

TOM JOBIM & VINICIUS DE MORAES-
A cachorrinha – LP A Arca de Noé 2 – 1981

   Mas que amor de cachorrinha!
Mas que amor de cachorrinha!
Pode haver coisa no mundo
Mais branca, mais bonitinha
Do que a tua barriguinha
Crivada de mamiquinha?

Pode haver coisa no mundo
Mais travessa, mais tontinha
Que esse amor de cachorrinha
Quando vem fazer festinha
Remexendo a traseirinha?

Uau, uau, uau, uau!
Uau, uau, uau, uau!
Uau, uau, uau, uau!
(Fonte: Cifrantiga)
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José Feldman (Universo de Versos n. 43)

Uma Trova do Paraná

APOLLO TABORDA FRANÇA – Curitiba

Saudade não tem idade
e do amor é conseqüência…
Dá-nos carga de ansiedade,
coração em turbulência!
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Uma Trova sobre Esperança, do Rio de Janeiro

EDGAR BARCELOS CERQUEIRA

A esperança é como um sopro
de vida, dado por Deus.
é o dia, depois da noite,
é a volta, depois do adeus.
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Uma Trova Lírica/ Filosófica do Distrito Federal

ANTÔNIO CARLOS TEIXEIRA PINTO

Fibra, amor, eu tive um dia:
Foi triste a separação…
– apertei-te a mão vazia
e enchi de adeus minha mão!
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Uma Trova Humorística, de Ribeirão Preto/SP

RITA M.MOURÃO

De minissaia,acoroa
tenta a sorte… lá na praça.
De longe alguém diz: – “É boa…
Mas de perto… assusta a caça.
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Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca fez chover prantos
nos olhos dos nordestinos!
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Uma Trova Hispânica da Venezuela

CARLOS RODRIGUEZ SANCHEZ

Que no me toquen merengue
si en la iglesia voy a estar;
pues aunque el cura me arengue,
voy a tener que bailar.
===================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Tem um decote pequeno,
Um ar modesto e tranqüilo;
Mas vá-se lá descobrir
Coisa pior do que aquilo!
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Trovadores que deixaram Saudades

DELMAR GERALDO BARRÃO – Rio de Janeiro/RJ
1916 – ????

Talvez eu fosse feliz
se conseguisse esquecer
o bem que pude e ‘não fiz,
o mal que fiz sem querer.
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Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

Digo tudo sem receio…
Sei amor que não aprovas.
Meu coração retalhei-o
e, de pedaços, fiz Trovas…
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Um Haicai de Itabira /Minas Gerais

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

O senhor cultiva
epigramas?
Não, só a grama do meu jardim.
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O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Lápide 2

 epitáfio para a alma

aqui jaz um artista
 mestre em desastres

viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte
deus tenha pena
dos seus disfarces
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Uma Poesia de São Paulo/SP

JOÃO DA ILHA
(Ciro Vieira da Cunha)
1897 – 1976
Variações  Sobre a Saudade

Saudade! teu olhar longo e macio
Derramando doçura em meu olhar…

Um bocado de sol sentindo frio,
Uma estrela vestida de luar…

Saudade! pobre beijo fugidio
Que tanto quis e não cheguei dar…
A mansidão inédita de um rio
Na volúpia satânica do mar…

Saudade! o nosso amor… o teu afago…
O meu carinho… o teu olhar tão lindo…
Um pedaço de céu dentro de um lago…

Saudade! um lenço branco me acenando…
Uma vontade de chorar sorrindo,
Uma vontade de sorrir chorando
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Uma Septilha

ANÍZIO

Poeta não se encontra
Poeta não tem pra se achar
Poeta é joia polida
Dificil de se encontrar
Não tem como se fazer
Nem mesmo tem pra vender
Se tiver não prestará.
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Uma Poesia de Viana do Castelo, Costa Verde/Portugal

AMADEU TORRES
Proesemar Facilidades

 Métrica, rima, ritmos, a parafernália
 Usual, secular caiu de escantilhão
 Nalguns, acaso e sorte tentam ritmaçào,
 Mas os versos protestam como em represália.

Prosa e verso já calçam a mesma sandália
 E aplaudem Mallarmé só por embirraçâo
 Co´a diferença e leis de discriminação,
 Não obstante as lições da Fonte de Castália.

 Mas quem quer lição hoje de outrem, afinal,
 Se o raso quer assentar praça em general
 E o poetrasto bisonho é Camões em Constância?

 Fazem-me rir a crítica e a sua bitola:
 Muita vez, não se sabe quem lidera a bola,
 Se a amizade, a nesciência, a cor, a petulância.
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Um Soneto de Santos/SP

VICENTINA MESQUITA DE CARVALHO
1890 – 1955
 Soneto X ”

                
Houve quem me dissesse: – “A minha vida
depende só do que você me der”.
E eu, femininamente distraída,
nada lhe dei, nem prometi sequer.

De outros ouvi a frase sempre ouvida:
“Meu amor será seu quando quiser…”
Mas deixaram apenas comovida
minha tola vaidade de mulher.

Depois, mais tarde, alguém, indiferente,
passou por mim, e, desvairada e cega,
segui em seu encalço, inutilmente…

E, desde então, minha alma não sossega
e vive da esperança, tão somente,
de um pouco desse amor que ele me nega.
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Poesia de Longe

WILLIAM CARLOS WILLIAMS – Nova Jersey/EUA
1883 – 1963
O Lavrador

 
Perdido em pensamentos o
 lavrador passeia sob a chuva
 por seus campos vazios, mãos
 nos bolsos,
 na cabeça
 a colheita já plantada.
 Um vento frio vem encrespar a água
 entre as ervas tostadas.
 Por toda parte
 o mundo rola friorento para longe:
 negros pomares
 escurecidos pelas nuvens de março –
 deixando espaço livre aos pensamentos.
 Lá embaixo, além da galharia
 rente
 ao carreiro encharcado de chuva
 assoma a figura artista do
 lavrador – compondo
 – antagonista

Tradução: José Paulo Paes
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Um Poetrix do Rio de Janeiro

LILIAN MAIAL
semeando

Para plantar,
Na terra a pá cava,
No livro a pa lavra.
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O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
Amar

 
Que pode uma criatura senão,
 entre criaturas, amar?
 amar e esquecer,
 amar e malamar,
 amar, desamar, amar?
 sempre, e até de olhos vidrados amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
 sozinho, em rotação universal, senão
 rodar também, e amar?
 amar o que o mar traz à praia,
 o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
 é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
 o que é entrega ou adoração expectante,
 e amar o inóspito, o cru,
 um vaso sem flor, um chão de ferro,
 e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
 de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,
 distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
 doação ilimitada a uma completa ingratidão,
 e na concha vazia do amor a procura medrosa,
 paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
 amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
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UniVersos Melodicos

JOUBERT DE CARVALHO e OLEGÁRIO MARIANO
Tutu Marambá (canção, 1929)

 
Em 1929 Joubert de Carvalho mostrou para Olegário Mariano as melodias para dois poemas seus, o Cai, cai, balão e Tutu Marambá, gravadas por Gastão Formenti, dando início a uma parceria de 24 composições. (Cifrantiga)

Tutu Marambá não venhas mais cá
Que o pai do menino te manda matar…

No seu berço de renda
Com brocardo de oiro
Os olhinhos redondos
De tanta alegria!
Ele olha a vida
Como quem olha um tesoiro
Meu filho
É o mais lindo dessa freguesia!

O filho da coruja
A boquinha em rosa
A mãozinha suja
Com os dedinhos gordos
Já dá adeus!

Fala uma língua que ninguém compreende
Toda a gente que o vê se surpreende
Tão bonitinho
Benza Deus!

É redondo
Como uma bola
O seu polichinelo
Como um grande riso
A única cousa que o consola:
Meu filho é o meu melhor sorriso…

De noite clara
Anda lá fora
O luar entra no quarto mais lindo
Com a expressão angélica de beijar
Ronda o berço
O menino está dormindo
Então a vó de maldizente
Vai cantando no finalmente:

Tutu Marambá não venhas mais cá
Que o pai do menino te manda matar…
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Uma Cantiga Infantil de Roda

VINÍCIUS DE MORAES/TOQUINHO
A Aula de Piano
(LP A Arca de Noé – 1980)

Depois do almoço na sala vazia
A mãe subia pra se recostar
E no passado que a sala escondia
A menininha ficava a esperar
O professor de piano chegar
E começava uma nova lição
E a menininha, tão bonitinha
Enchia a casa feito um clarim
Abria o peito, mandava brasa
E solfejava assim

Ai, ai, ai
Lá, sol, fá, mi, ré
Tira a mão daí
Dó, dó, ré, dó, si
Aqui não dá pé
Mi, mi, fá, mi, ré
E a agora o sol, fá
Pra lição acabar

Diz o refrão quem não chora não mama
Veio o sucesso e a consagração
E finalmente deitaram na fama
Tendo atingido a total perfeição
Nunca se viu tanta variedade
A quatro mãos em concertos de amor
Mas na verdade, tinham saudade
De quando ele era seu professor
E quando ela menina e bela
Abria o berrador
(Fonte: Cifrantiga)
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José Feldman (Universo de Versos n. 42)

Uma Trova do Paraná

ARLENE LIMA – Maringá

Lavrador, ao fim do dia,
após a lida no chão,
tua enxada rodopia
celebrando a produção!
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Uma Trova sobre Esperança, do Rio de Janeiro

APARÍCIO FERNANDES

Pensando, na tarde calma,
logo me ocorre à lembrança
que a própria vida tem alma,
e a alma da vida é a esperança!
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Uma Trova Lírica/ Filosófica de Nova Friburgo/RJ

ELISABETH SOUZA CRUZ

Qualquer que seja o motivo
que a razão nos tente impor,
não se passa o corretivo
quando um erro é por amor.
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Uma Trova Humorística, de Belo Horizonte/MG

MARIA DOLORES PAIXÃO LOPES

Um fantasma apaixonado,
disse à fantasma, no além:
me esquenta que estou gelado!
– Estou gelada também!…
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Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

A “solidão” me parece,
ser um conforto sem fim…
quando um grande amor me esquece;
“Ela” se lembra de mim.
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Uma Trova Hispânica do Japão

JAVIER FERNANDO GARCIA PÁSARA

Como un arreglo floral
le das color a mis letras,
calor y punto final
como el Sol mi obra penetras.
===================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Santo Antônio de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo Antônio
Que as moças lhe têm amor.
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Trovadores que deixaram Saudades

LUIZ SIMÕES JESUS – Guarapari/ES
1916 – 1993

Tu me chamaste de louco,
 mágoa nenhuma eu senti:
 – de fato o juízo é pouco
 de quem tem paixão por ti.
========================
Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

A Trova tomou-me inteiro,
tão amada e repetida,
que agora traça o roteiro
das horas da minha vida!…
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Um Haicai

OLIVIA ICEBERG

passarinha na mão
no sofá estendida
ronrona emoção
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O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Lápide 1

 epitáfio para o corpo

Aqui jaz um grande poeta.
 Nada deixou escrito.
 Este silêncio, acredito,
 são suas obras completas.
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Uma Poesia de São Vicente/SP

CID SILVEIRA
1910 – ????
Elvira 

(Este crepúsculo espanta; .
o sol desfaz-se em estilhas
contra o dia que findou.)

Na rua, a menina canta:
– Quero uma de vossas filhas,
mato a tiro, tirorô.

(Passam duas sombras juntas,
de caminho para a igreja,
que a reza já começou.)
Fazem-se então as perguntas;
– Mas qual o senhor deseja,
– mato a tiro, tirorô?

(Luzes acendem-se. Em cada
luz, a mariposa gira,
na vertigem do seu vôo.)
Vem a resposta esperada:
– Eu quero a menina Elvira,
mato a tiro, tirorô.

(Surge o vulto venerando,
no peitoril da janela,
de um homem grave, um avô. )
E todos estão cantando:
– Mas que oficio dá pra ela,
mato a tiro, tirorô?

(Eis que um garoto se esconde;
quer ver melhor os sapatos
que o pai hoje lhe comprou.)
E a voz fraquinha responde:
– Dou oficio de lavar pratos,
mato a tiro, tirorô.

(Longe das outras, na esquina,
a menina delicada
põe-se a jogar diabolô.)
Responde a mesma voz fina:
– Esse oficio não lhe agrada,
mato a tiro, tirorô.
…………………………………………………………….
Passa o tempo. O mundo vira!
Penso na Elvira, coitada,
que nunca pratos lavou.
Porque… (coitada da Elvira… )
– é melhor não dizer nada –
mato a tiro, tirorô…
========================
Sextilhas de Carpina/PE

CARLOS AIRES
Esse é o Verdadeiro Amor!!!

Igual a qualquer poeta
Sou um mero sonhador
Que vagamente viaja
Nesse mundo encantador.
Passo a descrever belezas
E encantos que tem o amor

É tão nobre esse primor
Em seu grau de proporção
Acende a luz do desejo
Supera a voz da razão
E tem que ser bem guardado
Nos cofres do coração.

Pelo amor a Nação
Um jovem vai para guerra
Em favor da pátria amada
A sua vida se encerra
E assim é condecorado
Herói defensor da terra.

Eu amo meu Pé-de-Serra
Gestor dos meus ideais
A minha esposa e meus filhos
Eu prezo e amo de mais.
Amo a Deus e a natureza
A meus irmãos e meus pais

São amores fraternais
Os que aqui foram citados.
Mas vamos falar agora
Dos casais de namorados
Que numa troca de olhares
Ficam logo apaixonados

A atração dos dois lados
Vira um amor definido
No coração do casal
Logo que for atingido
E fatalmente crivado
Pela flecha de cupido

Entre mulher e marido
O amor é fundamental
É aí quando se atinge
O ponto mais crucial
Já não é só atrativo
Passa a ser amor carnal

Pra quem é sentimental
O amor é plena ternura
Mas existe o amor sádico
Que se transforma em tortura
Com seus gestos alterados
Que mais parece loucura

O amor se configura
De maneira especial
Esse dom vindo dos pais
É o puro amor paternal
E sendo a Deus representa
A grandeza Divinal

O amor é fenomenal
Não tem raça credo ou cor
Não tem pátria ou preconceito
Não quer “poder” nem “valor”
Só causa enlevo pra alma
Esse é o verdadeiro amor!
========================
Uma Poesia de Lisboa/Portugal

ALEXANDRE O’ NEILL
(Alexandre Manuel Vahia de Castro O´Neill de Bulhões)
1924 – 1986
Ao Rosto Vulgar dos Dias

 Monstros e homens lado a lado.
Não à margem, mas na própria vida.

Absurdos monstros que circulam
Quase honestamente.
Homens atormentados, divididos, fracos.
Homens fortes, unidos, temperados.

Ao rosto vulgar dos dias,
À vida cada vez mais corrente,
As imagens regressam já experimentadas,
Quotidianas, razoáveis, surpreendentes.

Imaginar, primeiro, é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir.
========================
Um Soneto de Campos/RJ

VILMAR RANGEL
1937 –
Soneto do Amor Demais

 
Não sei conter o fogo desta chama,
este amor que me queima, cega e fere,
que não cabe em si mesmo e se transfere
a tudo que o rodeia, e tudo inflama;

é como estranha dor que se derrama
pelo corpo, pela alma, e com seu dente
vibra golpes de um gozo longo e ardente
e envolve de ternura aquele que ama;

tão numeroso amor, doido e sublime,
que a mais sábia palavra não define,
que canta, chora e morre de ciúme;

amor demais, total e delirante,
que só sossega, amor, se em ti reúne
a um tempo esposa, mãe, amiga e amante.
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Uma Poesia de Longe

WILLIAM BLAKE – Londres/Inglaterra
1757 – 1827
O Jardim do Amor

 Tendo ingressado no Jardim do Amor,
 Deparei-me com algo inusitado:
 Haviam construído uma Capela
 No meio, onde eu brincava no gramado.

E ela estava fechada; “Tu não podes”
 Era a legenda sobre a porta escrita.
 Voltei-me então para o Jardim do Amor,
 Onde crescia tanta flor bonita,

E recoberto o vi de sepulturas
 E lousas sepulcrais, em vez de flores;
 E em vestes negras e hediondas os padres faziam rondas,
 E atavam com nó espinhoso meus desejos e meu gozo.

Tradução de Regina de Barros Carvalho
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Um Poetrix de Porto Alegre/RS

ALICE DANIEL
acordes

Se eu fosse um violão
queria a tua mão
tocando Lá, sem Dó

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O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
Acordar, Viver

 Como acordar sem sofrimento?
 Recomeçar sem horror?
 O sono transportou-me
 àquele reino onde não existe vida
 e eu quedo inerte sem paixão.

 Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
 a fábula inconclusa,
 suportar a semelhança das coisas ásperas
 de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

 Como proteger-me das feridas
 que rasga em mim o acontecimento,
 qualquer acontecimento
 que lembra a Terra e sua púrpura
 demente?
 E mais aquela ferida que me inflijo
 a cada hora, algoz
 do inocente que não sou?

 Ninguém responde, a vida é pétrea.
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UniVersos Melodicos

PIXINGUINHA e VINÍCIUS DE MORAES
Lamentos (choro, 1928)

 Morena tem pena
 Mas ouve o meu lamento
 Tento em vão
 Te esquecer

Mas olha, o meu tormento
 É tanto, que eu vivo em pranto,
 Sou todo infeliz
 Não há coisa mais triste, meu benzinho,
 Que este chorinho que eu te fiz

 Sozinho, morena
 Você nem tem mais pena
 Ai, meu bem
 Fiquei tão só
 Tem dó, tem dó de mim
Porque estou triste assim

 Por amor de você
 Não há coisa mais linda neste mundo
 Que o meu carinho por você
 Meu amor, tem dó
 Meu amor, tem dó
==========
Uma Cantiga Infantil de Roda

A ÁRVORE DA MONTANHA
1958

 Refrão:
A árvore da montanha / Olê aí a ô (4x)

Nesta árvore tem um galho
Ó que galho!
Belo galho!
Ai ai ai que amor de galho
O galho da árvore

Neste galho tem um ninho
Ó que ninho!
Belo ninho!
Ai ai ai que amor de ninho
O ninho do galho
O galho da árvore

Neste ninho tem um ovo
Ó que ovo!
Belo ovo!
Ai Ai Ai que amor de ovo
O ovo do ninho
O ninho do galho
O galho da árvore

Neste ovo tem um pássaro
Ó que pássaro!
Belo pássaro!
Ai ai ai que amor de pássaro
O pássaro do ovo
O ovo do ninho
O ninho do galho
O galho da árvore

Nesse pássaro tem uma pena
Ó que pena!
Bela pena!
Ai ai ai que amor de pena
A pena do pássaro
O pássaro do ovo
O ovo do ninho
O ninho do galho
O galho da árvore

Nessa pena tem uma flecha
Ó que flecha!
Bela flecha!
Ai ai ai que amor de flecha
A flecha da pena
A pena do pássaro
O pássaro do ovo
O ovo do ninho
O ninho do galho
O galho da árvore

Nessa flecha tem uma fruta
Ó Que fruta!
Bela fruta!
Ai ai ai que amor de fruta
A fruta da flecha
A fecha da pena
A pena do pássaro
O pássaro do ovo
O ovo do ninho
O ninho do galho
O galho da árvore

Nessa fruta tem uma árvore
Ó Que árvore!
Bela árvore!
Ai ai ai que amor de árvore
A árvore da fruta
A fruta da flecha
A flecha da pena
A pena do pássaro
O pássaro do ovo
O ovo do ninho
O ninho do galho
O galho da árvore
(Fonte: Cifrantiga)

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José Feldman (Universo de Versos n. 41)

Uma Trova do Paraná

CECILIANO JOSÉ ENNES NETO – Curitiba

Quem só pensa na riqueza
nunca vê o tempo passar… 
A vida só tem beleza
quando é usada para amar!
========================
Uma Trova sobre Saudade, de Pedro Leopoldo/MG

WAGNER MARQUES LOPES

Ciência, com todo brio,
não entende esta verdade:
por ser pleno… E tão vazio
um momento de saudade.
========================
Uma Trova Lírica/ Filosófica de São Paulo/SP

MARINA BRUNA

Pessoas que, na ilusão,
cantam virtudes sem tê-las,
são como as poças do chão
que pensam conter estrelas…
======================
Uma Trova Humorística, de Juiz de Fora/MG

ALOYSIO ALFREDO DA SILVA

Era tão feio o coitado,
que numa noite de lua,
fez um fantasma assustado,
ficar tremendo na rua.
======================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

As rosas tem seus floridos
que a “natura” se apodera,
dando beijos coloridos
no rosto da primavera!
========================
Uma Trova Hispânica da Espanha

CARMEN PATIÑO FERNÁNDEZ

Como dos leños ardientes
Tu serás llama, y yo astilla
Seremos dos afluentes
De un río en la misma orilla
========================
Trovadores que deixaram Saudades

JOUBERT DE ARAÚJO SILVA – Cachoeiro do Itapemirim/ES
1915 – 1993

Aliança é um elo sagrado,
 mas quando o amor morre cedo,
 lembrando um sonho acabado,
 é um zero enfeitando o dedo…
========================
Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

A trova, quando perfeita,
três reações pode causar:
a gente ri… ou suspira,
ou então, fica a pensar…
==================================
Um Haicai de São Paulo/SP

EDSON KENJI IURA

Procurando pouso
Na rua movimentada,
Borboleta aflita
================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Desencontrários

 Mandei a palavra rimar,
 ela não me obedeceu.
 Falou em mar, em céu, em rosa,
 em grego, em silêncio, em prosa.
 Parecia fora de si,
 a sílaba silenciosa.mandei a frase sonhar,
 e ela se foi num labirinto.

Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
 Dar ordens a um exército,
 para conquistar um império extinto.

nunca sei ao certo
 se sou um menino de dúvidas
 ou um homem de fécertezas o vento leva
 só dúvidas ficam de pé
======================
Uma Trova Ecológica, de São Paulo/SP

DARLY O. BARROS

Retumbante, a voz do rio
ergue-se, em tributo ao povo
que, abraçou o desafio
de ouví-lo, cantar…de novo…
===================
Uma Poesia de Porto/ Portugal

ALBERTO PIMENTA
Elegia

 já nada é o que era
e provavelmente nunca mais o será
e mesmo que o fosse
algo me diz que já não seria o que era
porque o que era
era o que era por ser o que era
do que eu me lembro muito bem
embora eu então não fosse o que agora sou
mas o que agora sou
ou estou a ser
é deixar de ser o que sou
porque eu sou deixando de ser
deixar de ser é a minha maneira de ser
sou a cada instante
o que já não sou
e o mesmo se deve passar com tudo o que é
motivo por que não admira que assim seja
quer dizer
quer nada seja o que era
e se assim é
ou  já não é
seja ou não seja
=================================
Sextilhas de Porto Velho/RO

JERSON BRITO
A Sextilha na Literatura de Cordel

Eu peço sua licença
Pra falar da estrutura
Do cordel, tão lindo estilo
Dentro da literatura
Sou fã incondicional
Dessa popular cultura

A estrofe se costura
Com a metrificação
Com rimas muito perfeitas
E também com oração
Eu vou falar da sextilha
Preste bastante atenção

Ressalto, de antemão
Quadra foi utilizada
Estrofe de quatro versos
Hoje é pouco propagada
A de cinco, a quintilha
Está quase abandonada

A sextilha aqui citada
É usada largamente
Por diversos escritores
De nossa amada vertente
É estrofe de seis versos
É fácil, amigo tente

O que se vê comumente
No tocante ao seu esquema
É usar uma só rima
Que não tem qualquer problema
Basta ter inspiração
E escolher bem o tema

No seu mais simples sistema
Dessa forma é feito o texto:
Só rimam os versos pares
O segundo, quarto e sexto
Os demais ficam sem rima
Pra errar não tem pretexto

Sem sair desse contexto
A sextilha usei aqui
Um troço chamado “deixa”
Nestas linhas eu segui
Esclareço, sem demora
Como a obra construí

Meu perdão se confundi
Eu explico, meu leitor
“Seguindo a deixa” peguei
Da estrofe anterior
O seu verso derradeiro
E rimei c’o sucessor

É preciso ainda expor
Na sextilha são cabíveis
Esquemas outros, distintos
São nessa estrofe plausíveis
Estão à disposição
Alternativas incríveis

Dentre todos os possíveis
Do tal “aberto” tratei
Com rimas nos versos pares
Conforme já mencionei
Inclusive foi com ele
Qu’este texto elaborei

Há vários outros, eu sei
De mais dois apenas trato
O “fechado” é atrativo
Pro amigo literato
Não conhece, nunca viu?
A charada agora eu mato

As rimas pares, é fato
Entre si são combinadas
Primeira, terceira e quinta
Hão de ser também rimadas
Vou mudar o esquema agora
Para mostrar as danadas

As rimas são colocadas
Todas no lugar devido
Sonoras, sintonizadas
Fazem bem pro nosso ouvido
As palmas são variadas
O poeta é sempre lido

Outro esquema permitido
É chamado de “corrido”
Eita, que mudei de novo!
Foi somente pra mostrar
Como se pode criar
Uma estrofes dessas, povo

Assim, acho que promovo
O cordel, minha paixão
Espero, sim, ter cumprido
Mais uma boa missão
Se gostaram, agradeço
Até mais, um abração!
========================
Uma Poesia do Rio de Janeiro/RJ

CARLOS HEITOR CONY
Poema das 3 horas da Madrugada  

 
Volto do baile sozinho com meus pensamentos.
A noite esta úmida como um lábio de mulher.
Na rua deserta, os trilhos conversam em silencio,
E as luzes rebrilham de manso
Nas poças d’água.

Eu caminho sozinho com meus pensamentos.
Ougo, apenas, o barulho dos meus passos.
E vou seguindo pela rua escura
Como um cão nômade e vagabundo.

Passo, sem querer, pela rua onde moras.
As poças d’água refletem as lâmpadas tristonhas.
Uma laranja abandonada na sarjeta,
Apodrece sem sentir . . .

Nao sei porque,
Senti inveja da laranja podre . . .
Talvez, tu mesmo a devoraste
Sequiosa do sabor daquela fruta…
E aquele gomo que fenece corrompido,
Cheio de mosquito,
Teve a ventura extrema de roubar
Dos lábios teus a sensação primeira …

Aquela casa que dorme como uma velha exausta
Tem, para mim, um prazer angustioso.
Nela tu dormes. Vejo a vil janela
Que me esconde, emudecida e fechada,
A visão do teu corpo em desalinho…

Aquela samambaia
Ali na varanda,
Recebe todo o dia
A benção singular
Do teu carinho de menina doce…
Que pena não poder ser uma samambaia …

Um bonde passa, em ponto nove,
Ligeiro e deserto, fazendo barulho.
E eu vou embora …

Pela noite úmida como um lábio de mulher,
Sentindo inveja de uma porção de coisas.
Eu sigo sozinho com meus pensamentos…
============================
Um Soneto do Rio de Janeiro/RJ

VINICIUS DE MORAES
1913 – 1980
Soneto de Inspiração 

Não te amo como uma criança, nem
como um homem e nem como um mendigo,
amo-te como se ama todo o bem
que o grande mal da vida traz consigo.

Não é nem pela calma que me vem
de amar, nem pela glória do perigo
que me vem de te amar, que te amo;
digo antes que por te amar não sou ninguém.

Amo-te pelo que és, pequena e doce
pela infinita inércia que me trouxe
a culpa de te amar – soubesse eu ver

através tua carne defendida
que sou triste demais para esta vida
e que és pura demais para sofrer.
=======================
Uma Poesia de Longe

WALLACE STEVENS – Readin,Pensylvania/EUA
1879 – 1955
O homem da neve

 É preciso uma mente de inverno
 Para olhar a geada e os ramos
 Dos pinheiros cobertos pela nevada

 E há muito tempo fazer frio
 Para observar os zimbros arrepiados de gelo,
 Os abetos ásperos no brilho distante

 Do sol de janeiro; e não pensar
 Em qualquer miséria no som do vento,
 No som de umas poucas folhas

 Que é o som da terra
 Cheia do mesmo vento
 Que sopra no mesmo lugar vazio

 Para alguém que escuta, escuta na neve,
 E, ausente, observa
 Nada que não está lá e o nada que é.

 (tradução de Paulo Venâncio Filho)
===================
Um Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

ISRAEL DOS SANTOS
a carta

Li em gotas,
Tantas que borraram
Final que me descarta.
===============
O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
Versos de Deus

I

Ao sentir nos pássaros
tanta liberdade
e aéreo poder,
imagina um pássaro
superior a todos
e tão invisível
que seu vôo deixe
sensação de sonho.
Com leveza e graça
o homem pensa Deus.

II

No mais alto ramo
Deus está pousado
com uma garra apenas
e fita o mundo.
Do mais alto ramo
desfere vôo
e sai por aí
bicando as coisas,
indiferente às coisas
bicadas,
encantadas.

III

Bica-me Deus
de manso nos olhos,
antes referência
que repreensão.
Alisa o bico
no local. E dói.
Ao sumir crocita:
“Hoje te perdôo.”
O que Deus perdoa,
só o sabe Deus.

IV

Deus rumina
que fazer, acaso.
Mais um terremoto?
De que proporções?
Uma nova guerra?
De quantas nações?
Que margem ceder
ao capricho do homem?
Vai nascer um artista?
Nascerão idiotas?
Surgirão robôs?

V

Ao findar o tempo
tudo se acomoda
à sua vontade.
Já não há projeto
de outro Deus ou vários.
Laços entrançados,
gemidos, crepúsculo
sempre continuado.
O homem arrependo-me
da criação de Deus,
mas agora é tarde.
============================
UniVersos Melodicos

LAMARTINE BABO e GONÇALVES DE OLIVEIRA
Os Calças Largas (marcha/carnaval, 1927)

A primeira marchinha de Lamartine gravada, foi a divertida “Os Calças-Largas”, em que o compositor debochava dos rapazes que usavam calças boca-de-sino. Em 1937, com a censura imposta pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, carnavalescos irreverentes como Lamartine Babo ficaram proibidos de utilizar a sátira em suas composições. Sem a irreverência costumeira, as marchinhas não foram mais as mesmas. (Cifrantiga)

Acho graça dessa gente convencida
 Passeando na Avenida
 Passeando na Avenida

 Quando passa uma linda criatura
 Ficam todos na secura
 Ficam todos na secura

 Essa gente de jaquetas bem curtinhas
 Tem a cara bonitinha
 Tem a cara bonitinha

 Oh! Que turma esquisita e encrencada
 Calça larga bem folgada
 Rastejando na calçada

 Vem, meu bem
 Que os calças largas
 Não te podem sustentar
 Sem vintém
 Almoçam brisas
 E à noite vão dançar

 Lá na casa de um doutor na Piedade
 Foi uma calamidade
 Foi uma calamidade

 Da tal gente estava a sala infestada
 Minha capa foi furtada
 Minha capa foi furtada

 Do tal charleston é bom não se falar
 Faz lembrar peru de água
 Quando a gente o quer matar

 E os bonecos artificiais são concorrentes
 Lá da Praça Tiradentes
 Lá da Praça Tiradentes
==========

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José Feldman (Universo de Versos n. 40)

Uma Trova do Paraná

CIDINHA FRIGERI – Londrina

– Você caminha comigo,
 partilha seu Eu interno;
 isto o faz ser meu amigo,
 um querido Ser fraterno.
========================
Uma Trova sobre Esperança, do Rio de Janeiro

COLBERT RANGEL COELHO

Há muito mais esperança
segundo o meu evangelho,     
numa lágrima de criança
que num sorriso de velho.  
========================
Uma Trova Lírica/ Filosófica de Juiz de Fora/MG

CLEVANE PESSOA DE ARAÚJO LOPES

O amor oculto floresce
qual rara flor, num penedo:
perfume que remanesce
das delícias de um segredo…
===================
Uma Trova Humorística, de Bauru/SP

ANTÔNIO V. RUFATTO

Sou valente além da conta!
Topo briga a qualquer hora…
Fantasma não me amedronta,
mas barata me apavora.
======================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Aquela mão estendida
é Nau que ainda trafega
no mar revolto da vida
que a própria vida renega…
========================
Uma Trova Hispânica do Estados Unidos

CRISTINA OLIVEIRA

Al encuentro de la muerte,
van viejos niños y jóvenes;
según te toque la suerte
 ¡en la vida y sus andenes!
===================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Deixaste cair a liga
Porque não estava apertada…
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.

========================
Trovadores que deixaram Saudades

VERA VARGAS – Piraí do Sul/PR
1922 – 2000

Angústia é isto: este anseio,
 pássaro aflito, doente.
 Nem se sabe de onde veio
 pra sofrer dentro da gente!
========================
Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

A trova é tão pura e humilde
que eu julgo, pensando nisto,
que o primeiro trovador
foi, por certo, Jesus Cristo.
==================================
Um Haicai de Campinas/SP

GUILHERME DE ALMEIDA
1890 – 1969

Por que estás assim,
violeta? Que borboleta
morreu no jardim?
================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Dois loucos no bairro

 um passa os dias
 chutando postes para ver se
 acendemo outro as noites
 apagando as palavras
 contra um papel branco
todo bairro tem um louco
 que o bairro trata bem
 só falta mais um pouco
 pra eu ser tratado também
========================
Uma Trova Ecológica, de Niterói/RJ

BRUNO P. TORRES

Estão definhando os rios…
Socorra-os logo a nação.
– Se eles ficarem vazios,
nem lágrimas sobrarão!
===================
Uma Poesia de Santo Antonio do Monte/MG

BUENO DE RIVERA
1911 – 1982
Manhã

O pão entre as flores de janela,
a vasilha de leite sob o orvalho.
As rosas e as crianças nuas
esperando o sol no alpendre.
Leio no jornal a frase mágica
“Glória aos que amanhecem !”

Galo do vizinho, a lua ainda
perdida no céu claro,
A água fresca no rosto

as idéias como espuma
Amanhece no meu espírito.
sinto as alegrias, os afetos
como corolas acesas.
A gravata como um símbolo.
As roupas leves conduzem
o meu corpo pelas ruas.
Vamos apagar o ódio
da face dos semelhantes.
Vamos rasgar a história.
Façamos de conta, irmãos,
que este dia tão puro
é o primeiro de mundo!

Olho o relógio e a folhinha,
A cabeça cai nas mãos.
Não adianta a alegria
amorosa da manha,
nem os eflúvios, os arroubos.
Amanhece no pássaro, na flor,
no trabalho das abelhas,
na pureza dos meninos,
mas cai a tarde nos ombros,
anoitece nos espíritos.
O homem acorda a nao sabe
que a vida espera na esquina.
============================
Uma Setilha de Belo Horizonte/MG

ARLINDO TADEU HAGEN

A linguagem fraternal
que nos une em acalanto
facilita o entrosamento
com irmãos de qualquer canto.
Deste modo, versejar
é quase como falar
uma espécie de Esperanto!
========================
Uma Poesia de Coimbra/Portugal

ALBERTO OSÓRIO DE CASTRO
1868 – 1946
Oração do Fim

 Sol poente – coração de gládios trespassado…
Ó luz do entardecer, ó Senhora das Dores!
Esconde-nos, ó mãe! O coração magoado
N´um manto virginal de mortos esplendores.

Salve-Rainha, mãe d´infinita doçura!
Do azul onde agoniza a nossa alma sem norte
Lança o místico olhar de luz e d´amargura
Sobre a eterna Injustiça, e a prodridão da morte.

A ti brindamos,nós, degradados do mundo
Envolve-nos, Senhora! em teu manto sereno…
A terra é triste, e o céu tão distante e profundo
É ruivo e flavo como o doce Nazareno.

Toda em sangue ressurge a tragédia divina!…
Ó Jesus, ó Jesus! Erram já pelos céus
Sobre a tua nudez purpurada e franzina
Trevas e sombra – a dor e a maldição de Deus.

A noite vem descendo, e os seus vagos terrores…
Esconde-nos, ó luz! n´um manto d´oiro e rosa,
Ó luz de entardecer, ó Senhora das Dores,
Ó clemente, ó piedosa, ó dolorosa!
=================================
Um Soneto de Rio de Janeiro/ Guanabara

VIRGILIO BRÍGIDO FILHO
1895 –
Hora Aflita 

               
Vêm os dias de angústias; os mais amenos
passaram… Hoje a sorte que intimida
põe nos meus olhos calmos e serenos
uma ansiedade quase irreprimida.

Mas isto passa. Todos mais ou menos
passam por isto: acalma-te, querida!
A vida é grande e somos tão pequenos
que encontraremos um lugar na vida.

Ah! tu bem sabes! todo o mundo sabe
que é natural que atrás desta parede
o pão nos falte e todo o vinho acabe.

– Tudo nos falta, mas não nos consome,
quem tem água nos olhos não tem sede,
quem tem beijos na boca não tem fome..
===============================
Poesia de Longe

JACQUES PRÉVERT – Neuilly-sur-Seine/França
1900 – 1977
O Pintor, o Pássaro e a Gaiola

 Primeiro pinte uma gaiola com a porta aberta
 Depois pinte
 algo gracioso,
 algo simples,
 algo bonito
 algo útil
 para o pássaro.
 Então encoste a tela a uma árvore
 num jardim
 num bosque
 ou numa floresta.
 Esconda-se atrás da árvore
 sem falar
 sem se mover…
 Às vezes o pássaro aparece logo
 mas ele pode demorar muitos anos
 antes de se decidir.
 Não desanime.
 Espere.
 Espere durante anos se necessário.
 A rapidez ou a lentidão do pássaro
 não influi no bom resultado do quadro.
 Quando o pássaro aparecer
 se ele aparecer
 observe no mais profundo silêncio
 até o pássaro entrar na gaiola.
 E quando ele entrar
 delicadamente feche a porta com o pincel.
 Então
 apague uma a uma todas as grades
 tomando cuidado para não tocar
 na plumagem do pássaro.
 Em seguida pinte a árvore
 escolhendo o mais bonito dos seus galhos
 para o pássaro.
 Pinte também a folhagem verde
 e o frescor do vento
 o dourado do sol
 e a algazarra das criaturas na relva
 sob o calor do verão.
 E então espere até que o pássaro decida cantar.
 Se o pássaro não cantar
 é um mau sinal,
 um sinal de que a pintura está ruim.
 Mas se ele cantar é um bom sinal,
 um sinal de que você pode assinar.
 Então, com muita delicadeza,
 você arranca uma das penas do pássaro
 e escreve o seu nome num canto do quadro
===================
Um Poetrix de Recife/PE

IZA MOTA
estou só

Oprimindo
Letras… Nesta
Folha branca
==================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
Tristeza do Império

Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na se-rena
pa-ra li-vre sus-pi-rar”
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé,
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos
arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático
========================
UniVersos Melódicos

Canhoto (melodia) e João do Sul (versos)
Abismo de rosas (valsa, 1925)

O grande violonista Canhoto tinha apenas 16 anos quando compôs “Abismo de Rosas”, em 1905. A composição era um desabafo a uma decepção amorosa, pois o autor acabara de ser abandonado pela namorada, filha de um escravo. Canhoto realizou três gravações desta valsa: a primeira, com o nome de “Acordes do Violão”, lançada no disco Odeon número 121249, em meados de 1916; a segunda, já como “Abismo de Rosas”, no disco Odeon 122932, em 1925; e, finalmente, a terceira no disco Odeon 10021- a que fazia parte do suplemento de agosto de 1927, um dos primeiros da era da gravação elétrica no Brasil.

 Ressalta nesta terceira gravação seu vibrato característico e inigualável, que ele tirava de um violão de corpo mais fino com braço não muito rígido. Peça obrigatória no repertório de nossos violonistas – de Dilermando Reis a Baden Powell -, “Abismo de Rosas” é considerada o hino nacional do violão brasileiro pelo professor Ronoel Simões, uma autoridade no assunto. (Cifrantiga)

Ao amor em vão fugir
Procurei
Pois tu
 Breve me fizeste ouvir
Tua voz, mentira deliciosa
 E hoje é meu ideal
Um abismo de rosas
 Onde a sonhar
Eu devo, enfim, sofrer e amar !

 Mas hoje que importa
Se tu’alma é fria
 Meu coração se conforta
Na tua própria agonia
 Se há no meu rosto
Um rir de ventura
 Que importa
o mudo desgosto
 De minha dor assim,
Sem fim

 Se minha esperança
O que não se alcança
 Sonhou buscar
Devo calar
 Hoje, meu sofrer
E jamais dele te dizer
 O amor se é puro
Suporta obscuro
 Quase a sorrir
A dor de ver,
A mais linda ilusão morrer.

 Humilde, bem vês que vou,
A teus pés levar,
 Meu coração que jurou,
Sempre ser, amigo e dedicado,
 Tenha, embora, que viver,
Neste sonho enganado,
 Jamais direi,
Que assim vivi, porque te amei !
====================

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José Feldman (Universo de Versos n. 39)

Uma Trova do Paraná

HARLEY CLÓVIS STOCCHERO – Curitiba
O pinheiro deu-me a chama,
deu-me a pinha e o pinhão;
deu-me o teto, deu-me a cama,
deu-me o livro e o violão!
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Uma Trova Sobre a Trova, de Curitiba/PR

WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ

A trova é mais que um recado
escrito por nossa mão,
é um lindo cartão timbrado
pela voz do coração.
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Uma Trova Lírica/ Filosófica de Natal/RN

JOSÉ LUCAS DE BARROS

– Sei que, deste mundo lindo,
vou sair, só não sei quando,
mas quero morrer dormindo
para entrar no céu sonhando.
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Uma Trova Humorística, do Rio de Janeiro/RJ

JORGE MURAD

É tão feio o “seu” Botelho,
que ele mesmo até se pasma,
quando se mira no espelho,
e pensa ver um fantasma…
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Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Assim que começa o dia,
envolto em profundo enlevo,
sinto o cheiro da poesia
em cada verso que escrevo.
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Uma Trova Hispânica do México

MARIA ELENA E. MATA

Que no haya sol en el cielo.
Que se resequen los mares.
¡Que importa si tú, mi anhelo,
Borras todos mis pesares!
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Uma Quadra Popular Portuguesa

Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.
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Trovadores que Deixaram Saudade

HELENA KOLODY – Cruz Machado/PR
1912 – 2004

Tinha um corpo delicado,
era asa delta em menina.
Agora é um carro enguiçado
que não sai mais da oficina.
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Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

A Trova definitiva,
ideal do Trovador,
por mais que eu padeça e viva
eu jamais hei de compor…
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Um Haicai Do Japão

YOSA BUSON
1716 – 1783

chegado para ver as flores,
sobre elas dormirei
sem sentir o tempo
(tradução de Olga Savary)
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O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Dança da chuva

 senhorita chuva
 me concede a honra
 desta contradança
 e vamos sair
 por esses campos
 ao som desta chuva
 que cai sobre o teclado parem
 eu confesso
 sou poeta cada manhã que nasce
 me nasce
 uma rosa na face parem
 eu confesso
 sou poeta só meu amor é meu deus eu sou o seu profeta um dia
 a gente ia ser homero
 a obra nada menos que uma ilíada

depois
 a barra pesando
 dava pra ser aí um rimbaud
 um ungaretti um fernando pessoa qualquer
 um lórca um éluard um ginsberg por fim
 acabamos o pequeno poeta de província
 que sempre fomos
 por trás de tantas máscaras
 que o tempo tratou como a flores
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Uma poesia de Barbacena/MG

ANUAR FARES
Canto Festivo ao Amor Novo

Nasceram palavras novas para o amor novo.
Nasceram ternuras novas para o amor novo.
Outros gestos surgiram
E morreram todas as saudades.
Nada houve antes dele e nada haverá depois.
Meus nervos hoje despertaram
E não mais irão adormecer.
Quando houver dias tristes e eu não os verei.
Quando houver dias alegres eu os sentirei melhor.
Todas as noites serão propícias.

Aleluia, porque chegou o grande dia do meu amor novo!
Serei panteísta.
Saberei cantar cousas festivas.
Serei simples e bom como S. Francisco.
Entao os pássaros me entenderão.
Os meninos se acercarão de mim:
– A benção, poeta.
– Deus vos abençoe, crianças lindas.

Aleluia!
Hoje é o dia do meu amor novo.
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Septilha de Teixeira/PB

ZÉ LIMEIRA (POETA DO ABSURDO)
1886 – 1954

O meu nome é Zé Limeira
De Lima, Limão , Limansa
As estradas de São Bento
Bezerro de Vaca Mansa
Vala-me, Nossa Senhora
Ai que eu me lembrei agora:
Tão bombardeando a França
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Uma Poesia de Porto/Portugal

ALBERTO DE SERPA
1906 – 1992

Riqueza

Por parques e praças,
Ruas e travessas,
Tu, meu olhar, caças
A vida.  E tropeças.

Uma gargalhada
Vem dum par contente. 
Guarda-a bem guardada,
Mas caminha em frente.

Surgem-te sorrisos
Dum e de outro lado.
Não faças juízos
Rápidos.  Cuidado!

Uma face grave
Nada te revela?
Talvez a dor cave,
Só mais tarde, nela.

Num choro, num grito,
Pressentes a dor?
E quedas, aflito.
Seque, por favor!

Seque, bem aberto
Para cada canto!
Olha o desconcerto
Que parece tanto!

Corre, olhar, em roda!
O que me intimida?
A vida?  Só toda
Pode amar-se, a vida.
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Um Soneto de Campos/RJ

WALTER SIQUEIRA
1927 – 2003
Soneto XI 

              
Preso na tua mão de rosa e leite,
o pássaro do Amor me acaricia.
Ó primeiras delícias do deleite
no fusco-fusco da melancolia!

Piedosa e pura, na existência, sei-te
alma sem os arroubos da alegria.
O coração revelas, sem enfeite,
para os meus olhos vis, em agonia.

E com simplicidade comovente,
espias a cisterna de tristeza
que mora em meu espírito dolente.

Preso na tua mão de neve e lírio;
o pássaro do Amor sente a beleza
que transcendentaliza meu martírio.
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Uma Poesia de Longe

HERMAN HESSE – Calw/Alemanha
1877 – 1962

Alguém amou e, amando, encontrou-se.
 Quantos não há, porém, que amam para se perderem.
 Que seria da razão e do bom senso,
 se não houvesse a loucura?
 Que seria do prazer dos sentidos,
 se por trás dele não estivesse a morte?
 Que seria do amor
 sem o eterno e mortal antagonismo dos sexos?
 Amor não deve pedir,
 nem tampouco exigir.
 Ele haverá de ter a força
 de chegar por si mesmo à certeza
 e ao invés de atrair,
 passa a ser atraído.
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Um Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

JACQUES LEVIN
aqui no agora

Um pássaro pousou.
Em um só instante
o presente já passou.
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O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987

Três presentes de fim de ano
I

Querida, mando-te
uma tartaruguinha de presente
e principalmente de futuro
pois viverá uma riqueza de anos
e quando eu haja tomado a estígia barca
rumo ao país obscuro
ela te me lembrará no chão do quarto
e te dirá em sua muda língua
que o tempo, o tempo é simples ruga
na carapaça, não no fundo amor.

II

corbeilles nem
letras de câmbio
nem rondós nem
carrão 69
nem festivais
na ilha d’amores
não esperes de mim
terrestres primores.
Dou-te a senha para
o dom imperceptível
que não vem do próximo
não se guarda em cofre
não pesa, não passa
nem sequer tem nome.
Inventa-o se puderes
com fervor e graça.

III

Sempre foi difícil
ah como era difícil escolher
um par de sapatos, um perfume.
Agora então, amor, é impossível.
O mau gosto
e o bom se acasalaram, catrapuz!
Você acha mesmo bacana esse verniz abóbora
ou tem medo de dizer que é medonho?
E aquele quadro (objeto)? aquela pantalona?
Aquela poesia? Hem? O quê? não ouço
a sua voz entre alto-falantes, não distingo
nenhuma voz nos sons vociferantes…
Desculpe, amor, se meu presente
é meio louco e bobo
e superado:
uns lábios em silêncio
(a música mental)
e uns olhos em recesso
(a infinita paisagem).
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UniVersos Melódicos

MARCELO TUPINAMBÁ (melodia) e JOÃO DO SUL (versos)
O Cigano (fox-canção, 1924)

Nem só de música sertaneja se constitui a obra de Marcelo Tupinambá. Um bom exemplo de seu lado cosmopolita é “O Cigano”, uma das primeiras composições brasileiras a receberem a designação de fox-canção. Seguindo a moda de músicas sobre motivos exóticos, que imperava na época, Tupinambá fez em estilo andaluz esta canção, que trata da transitoriedade do amor, através do canto de um misterioso cigano.

Com uma bela melodia (que lembra a composição Oriental, de Patápio Silva) vestindo esta fantasia de gosto duvidoso, O cigano fez sucesso em 1924, quando foi gravado por Vicente Celestino, e 22 anos depois, ao ser revivido por Francisco Alves. Até então, segundo Tupinambá, as edições impressas da canção já haviam vendido mais de cem mil exemplares, o dobro de O matuto, seu segundo maior sucesso. Gastão Barroso, que assina a letra com o pseudônimo de João do Sul, era um amigo de Tupinambá desde os tempos de mocidade. (Cifrantiga)

Um dia
 eu em Andaluzia
 ouvi um cigano cantar
 Havia
 no canto a nostalgia
 de castanholas batidas ao luar
 Mas era
 a canção tão sincera
 que eu a julguei para mim
 E agora
 que a minh’alma te chora
 ouve bem a canção que era assim:

 “O amor
 tem a vida da flor
 Não sonhe alguém
 do seu sonho a colher
 do seu sonho a colher
 Pois bem
 como acontece à flor
 o lindo amor
 principia a morrer
 principia a morrer”

 Cigano
 que sabias o engano
 por que me fizeste tão mal?
 Não fôra
 a canção traidora
 e o meu sonho seria eternal
 Quem há de
 fugir à realidade
 que vem desmentir a ilusão?
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José Feldman (Universo de Versos n. 38)

Uma Trova do Paraná

GLYCÍNIA DE FRANÇA BORGES – Curitiba

Saudade, aquele quesito
que nos punge, que devora.
Aquele amor infinito
sem piedade, foi-se embora.
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Uma Trova Sobre a Trova, de Natal/RN

FRANCISCO MACEDO

A trova nascida da alma
tem mensagem diferente,
ela incendeia e acalma
as atitudes da gente.
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Uma Trova Lírica/ Filosófica de Fortaleza/CE

FRANCISCO JOSÉ PESSOA

Meu coração safenado
me fez ficar mais feliz,
pois está recauchutado
pra mulher que eu sempre quis!
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Uma Trova Humorística, de Pindamonhangaba/SP

WALTER LEME

Um político eloqüente,
num tropeço vai ao chão:
limpa a boca e exclama:  Gente,
quis beijar este torrão!
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Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

A vida escreve-me enredos
com finais que eu abomino.
Meus sonhos viram brinquedos
nas mãos cruéis do destino…
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Uma Trova Hispânica da Argentina

NORA GRACIELA LANZIERI

Mis sueños al sol están
y mi alma en ti descansa
tu eres mi hombre galán,
tú, amor de mi esperanza.
===================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?
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Trovadores Que Deixaram Saudades
HEITOR STOCKLER DE FRANÇA – Palmeira
1888 – 1975

O céu de estrelas constela
o infinito azul de Deus,
mas, nenhum dos astros vela
o fulgor dos olhos teus.
========================
Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.
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Um Haicai de São Paulo/SP

EUGÉNIA TABOSA

no aconchego da terra
a semente
vive a espera
========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR (1944 – 1989)
Carta ao acaso

 a carta do baralho
 grande gilete
 corta sem barulho
 o olho do valete
 o rei a fio de espada
 a água e a farinha
 uma só passada
 a espada na rainha
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Uma Trova Ecológica, de Taubaté/SP

ANGELICA VILLELA SANTOS

Por entre o verde da mata,
permeia o rio azulado,
que nas cheias arrebata
árvores, casas e o gado.
===================
Uma Poesia de Ubá/MG

ANTONIO OLINTO
1919 – 2009
Noturno

Os rios da noite passam pelos desvãos do homem,
por todos os pedaços vazios da memória,
pelos olhos secos de tanta sombra.

É uma presença física
de palavras batidas de vida,
de silêncio oscilante da iminência do grito.

As árvores estão sós – o vento é morto
é preciso um avançar exato do gestos
para captar a vida sob as horas imóveis.

Um piano aberto na areia,
diante do mar e das pedras.
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Uma Setilha de Caicó/RN

PROF. GARCIA
Tive uma longa passagem
no mundo da educação,
ensinei por trinta anos
sempre naquela ilusão
de ver alguém mais feliz,
fazendo o que sempre quis
dono da própria razão.
========================
Uma Poesia de Porto/Portugal

ALBERTO DE OLIVEIRA
1873 – 1940
Bíblia do Sonho

 O Mar agita-se, como um alucinado:
a sua espuma aflui, baba da sua Dor…
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano, algum mergulhador.

Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!

E em vão as ondas se enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassível, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:

Assim devemos nós, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
– Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas!
=================================
Um Soneto de Jundiaí/SP

WENCESLAU QUEIROZ
1863 – 1921
Revelação 

               
Nada te digo nem direi… Mas penso
que o meu olhar, quando em teus olhos pousa,
te revela em segredo alguma cousa,
alguma cousa deste amor imenso…

Minha boca – bem vês – como uma lousa
é muda, embora num desejo intenso
arda meu corarão como um incenso,
envolto no mistério em que repousa…

Que outros proclamem seu amor em frases
de fogo, alçando a voz enternecida,
cheios de gestos e expressões falazes…

Eu, não… Nada te disse nem te digo…
Mas sabes que este amor é minha vida
e que em silêncio morrerá comigo…
======================================
Uma Poesia de Longe

JOHANN WOLFGANG VON GOETHE – Frankfurt Am Main/Alemanha
1749 – 1832
Aos leitores amigos

Poetas não podem calar-se,
 Querem às turbas mostrar-se.
 Há de haver louvores, censuras!
 Quem vai confessar-se em prosa?
 Mas abrimo-nos sob rosa
 No calmo bosque das musas.

Quanto errei, quanto vivi,
 Quanto aspirei e sofri,
 Só flores num ramo – aí estão;
 E a velhice e a juventude,
 E o erro e a virtude
 Ficam bem numa canção.
===================
Um Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

ISRAEL DOS SANTOS
clave de dó

Ao som do piano
Não mais sorvia
Pausa nem harmonia.
===============
O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902 – 1987
Retorno

Meu ser em mim palpita como fora
do chumbo da atmosfera constritora.
Meu ser palpita em mim tal qual se fora
a mesma hora de abril, tornada agora.

Que face antiga já se não descora
lendo a efígie do corvo na da aurora?
Que aura mansa e feliz dança e redoura
meu existir, de morte imorredoura?

Sou eu nos meus vinte aons de lavoura
de sucos agressivos, que elabora
uma alquimia severa, a cada hora.

Sou eu ardendo em mim, sou eu embora
não me conheça mais na minha flora
que, fauna, me devora quanto é pura.
==================
Universos Melódicos

Zequinha de Abreu (melodia) e Duque de Abramonte (versos)
Branca (valsa, 1924) –

“Aurora”, “Branca” e “Elza” são os nomes femininos que intitulam três das mais conhecidas valsas de Zequinha de Abreu. Dessas, pelo menos “Branca” seria inspirada por uma musa verdadeira, a jovem Branca Barreto, filha do chefe da estação ferroviária de Santa Rita do Passa Quatro, terra do compositor.
Conta João Bento Saniratto – amigo de Zequinha, citado por Almirante num artigo publicado em O Dia – que a valsa foi composta de improviso, na presença de um grupo que conversava à porta do Grêmio Literário Recreativo. Como na ocasião a moça passasse pelo local, o autor (que era seu admirador) resolveu homenageá-la na composição.
“Branca” é uma bela valsa sentimental, de melodia triste, uma característica predominante na música de Zequinha de Abreu. Composta por volta de 1918, ganhou popularidade a partir de 1924, quando teve a sua primeira edição. Mas, ao que se sabe, somente seria gravada em 1931, no mesmo disco que lançou o Tico-tico no fubá. Tem uma letra de Duque de Abramonte (Décio Abramo), embora seja uma valsa essencialmente instrumental. (Cifrantiga)

 Há tempos que a vi
Que eu a conheci
 Ela era linda, um primor, de amor
 Misto de estrela e de flor
 Mas também sofreu
Eu sei vou contar
 Pois li naquele olhar,
Cansado de chorar

 De tarde ao chegar
Os trens um a um
 Ela viu desembarcar
Um estranho tentador
 Vi Branca cismar
Num sono de amor
 Ficou logo apaixonada
Do mancebo tentador

 Mas essa flor
Não sentiu florir o amor
 Nunca o sentiu florir
Porque ele teve que partir
 Viu-o embarcar
Como um dia após o amar
 E nunca mais /
Sentiu o puro amor
 Do jovem tentador

VEJA ESTA VALSA NA INTERPRETAÇÃO DE FRANCISCO PETRÔNIO EM http://www.youtube.com/watch?v=GLs70tDoyTM

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José Feldman (Universo de Versos n. 37)


Uma Trova do Paraná

GÉRSON CÉSAR SOUZA – São Mateus do Sul

O progresso traz mudanças,
cria fábricas e usinas,
mas se esquece das crianças
que dormem pelas esquinas!
===========================
Uma Trova Sobre a Trova, de Curitiba/PR

ROZA DE OLIVEIRA

Num ritmo de eternidade
e encanto que se renova,
há comboios de saudade
nos quatro trilhos da trova.
==================
Uma Trova Lírica/ Filosófica de Ribeirão Preto/SP

NILTON MANOEL

Cavalgando sem rodeios
por galáxias estreladas,
o poeta, em seus anseios
tece trovas requintadas.
======================
Uma Trova Humorística, de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Se a vida alheia ela malha,
E é ferina e tagarela,
Há um remédio que não falha:
Tesoura na língua dela!
======================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Coloquei a foto errada.
Viram logo os menestréis…
Como eu vou subir escada
Se me falta um dos meus pés?
===========================
Uma Trova Hispânica do Chile

JAIME CORREA

Como sol de primavera,
Llegases así, a mi vida.
Mi mujer, mi compañera,
¡mi rayo de sol, querida!
===================
Uma Quadra Popular Portuguesa


Aquela senhora velha
Que fala com tão bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: “Não incomodo”.
========================
Trovadores que Deixaram Saudade

ARIANE FRANÇA DE SOUZA – Curitiba

Sou ditosa no meu lar
e por ele tenho zelo.
Vivo bem, sem ter pesar,
vou desfiando meu novelo.
========================
Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO

1916-1977
Ó trovas – simples quadrinhas
que tem sempre um que de novo…
– Como podem quatro linhas
trazer toda a alma de um povo?!
==================================
Um Haicai de Barreirinha/AM

THIAGO DE MELLO
Cresce a erva do tempo, devagar,
brota do chão
e me devora.
========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça
========================
Uma Poesia de Mariana/MG

ALPHONSUS DE GUIMARÃES FILHO
1918 – 2008
Vento da Treva

Vento da noite, vento da treva,
Meu santo irmão!
Agita os sinos do desespero,
Vento da treva,
Agita os sinos do desespero,
Para que sofra meu coração!
Vento da noite, vento da treva,
Meu santo irmão!
Frade sem pouso, vento da treva,
Agita as vagas do desespero,
Agita as vagas do desespero,
Para que uive meu coração!
Vento da noite, vento da treva,
Meu santo irmão!
Com as mãos rapaces viola os astros,
Vento da treva,
Com as mãos rapaces viola os astros,
Para que morra meu coração!
============================
Uma Septilha de Santa Juliana/MG

DÁGUIMA VERÔNICA DE OLIVEIRA
Versejando a Saudade…

Não conto mesmo a ninguém
essa dor que me atrofia,
eu me calo e escrevo em verso,
porque sei que a poesia
seca o choro da saudade
e nunca diz a verdade
sobre o mundo da agonia.
========================
Uma Poesia de Lisboa/Portugal

AL BERTO
(Alberto Raposo Pidwell Tavares)
1948 – 1997
Regresso à Fuga

a noite de escuros voos apanhou-me
com a cabeça acesa numa teia de tinta
é sempre uma mentira existir
fora daquilo que está no fundo de mim
abro
o livro das visões
e uma cidade são todas as cidades trituradas
na memória calcinada do homem nómada

canto
ó resplandecentes águas ó murmúrio quieto
das areias
um pulso que se abre e estremece violento
ó dor da árvore ó surdo ruído do coração
onde a seiva das bocas brilha derramando-se
sobre o corpo
que na asa do migrante pássaro navega
ávido de mundo e desolação.
========================
Um Soneto de Salvador/BA

WILSON WOODRON RODRIGUES
Nascida Foste… 

 
Nascida foste sobre um mar de bruma
e ao mar roubaste as curvas peregrinas.
E guardas em teu corpo a cor da espuma
e em teu olhar desejos de neblinas.

Danças em torno a mim. São névoas finas
os gestos sensuais. E dança alguma
sugere tanto o misto de onda e pluma,
de mar e céu, de dúbias bailarinas.

És para mim paisagem de delícias,
diversa e vaga, lúbrica e ondulante,
perdida numa tarde tão nevoenta,

que eu mesmo temo que sutis caricias
me poderão fugir num breve instante,
quando de instante a instante o amor aumenta.
=====================================
Uma Poesia de Longe

EDGAR ALLAN POE – Boston/EUA
1809 – 1849
Linhas sobre a Cerveja

 Cheio de espuma e âmbar misturados
 Esvaziarei este copo novamente
 Visões as mais hilariantes embarafustam
 Pela alcova de meu cérebro
 Pensamentos os mais curiosos
 fantasias as mais extravagantes
 Ganham vida e se dissipam;
 O que me importa o passar das horas?
 Hoje estou tomando cerveja.
========================
Um Poetrix de Porto Alegre/RS

ISIARA CARUSO
terremoto

dormiu seguro,
despertou tremendo,
morreu no escuro.
===============
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Verbo Ser

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer?
Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
========================
Versos Melodicos

EROTHIDES DE CAMPOS
Ave Maria (valsa-serenata, 1924)

Esta valsa-serenata foi a primeira “Ave Maria” a fazer sucesso na música popular brasileira. Seu autor é Erothides de Campos, um paulista de Cabreúva que passou a maior parte da vida em Piracicaba, compondo, tocando vários instrumentos e… ensinando física e química na Escola Normal Sud Mennucci. De sobrenome Neves pelo lado materno, ele usava o pseudônimo Jonas Neves quando fazia letras, como é o caso desta canção, que muitos pensam ser de duas pessoas.
Composta em 1924 e lançada em disco em 1926, por Pedro Celestino, “Ave Maria” somente ganhou sua gravação ideal em 1939, quando Augusto Calheiros soube valorizar o clima de nostalgia e misticismo romântico que marca a composição. Uma prova do sucesso nacional de “Ave Maria” é a valsa “Cheia de Graça”, escrita em Recife, no final dos anos vinte, por Nelson Ferreira e Eustórgio Wanderley, em homenagem a Erotides de Campos. O curioso em “Cheia de Graça” é que a canção repete as notas iniciais da “Ave Maria”, só que em escala descendente, ao contrário do original. (Cifrantiga)

  Cai a tarde tristonha e serena,
em macio e suave langor
Despertando no meu coração
a saudade do primeiro amor!
Um gemido se esvai lá no espaço,
nesta hora de lenta agonia
Quando o sino saudoso murmura
badaladas da “Ave-Maria”!

Sino que tange com mágoa dorida,
recordando sonhos da aurora da vida
Dai-me ao coração paz e harmonia,
na prece da “Ave Maria”!

Cai a tarde tristonha . . .. (repetir a 1a. Estrofe)

No alto do campanário uma cruz
simboliza o passado
De um amor que já morreu,
deixando um coração amargurado
Lá no infinito azulado
uma estrela formosa irradia
A mensagem do meu passado
quando o sino tange “Ave Maria”

Clique abaixo para ver interpretação desta valsa:


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José Feldman (Universo de Versos n. 36)

Uma Trova do Paraná

HULDA RAMOS GABRIEL – Maringá

Tão suave é o teu carinho:
Há nele a calma de um lago…
– Tem a ternura de um ninho
E a paz de um materno afago!
========================
Uma Trova Sobre a Trova, de Natal/RN

JOAMIR MEDEIROS

A trova – Musa divina,
é terna canção de amor…
É tão pura e cristalina,
que faz santo o trovador!
========================
Uma Trova Lírica/ Filosófica de Nova Friburgo/RJ

CLENIR NEVES RIBEIRO

Afinal hoje regressas
mas eu contei, uma a uma,
as tuas tantas promessas
que não cumpriste nenhuma!
======================
Uma Trova Humorística, de Niterói/RJ

ELEN DE NOVAIS FELIX

Depois que a sua sogrinha
deu-lhe uns tapas, o granjeiro,
descobriu que é uma galinha
quem canta no seu terreiro.
=====================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

A justiça incompetente,
por um deslize qualquer,
toma o dinheiro da gente
e dá todo pra mulher!…
========================
Uma Trova Hispânica do Peru

PAÚL TORRES

Aunque la noche me cierra
No hay niebla que me doblega,
Como el sol llega a la tierra
La luz de mi amor te llega.
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Uma Quadra Popular Portuguesa

Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.
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Trovadores que Deixaram Saudade

ANTONIO SALOMÃO – Curitiba

Ao confessar que te amei
quando não eras tão minha,
não era ainda o teu rei,
porque nem eras rainha.
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Uma Trova sobre a Trova, do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
1916-1977

Cada quadrinha que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesmo furto a minha alma.
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Um Haicai de São Paulo/SP

EUNICE ARRUDA
primavera

 Na banca da feira
o viço das alcachofras
Mais um ano passou
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Uma Trova Ecológica de Balneário Camboriú/SC

ELIANA RUIZ JIMENEZ
Corre o rio em harmonia,
sem saber que mais à frente
a ganância humana, fria,
devasta o meio ambiente.
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O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)
O Assassino Era o Escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular]
com um paradigma da 1ª conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas:
sempre achava um jeito assindético
de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode
declinava partículas expletivas,
conetivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia,
matei-o com um objeto direto na cabeça.
========================
Uma Poesia de Jaraguá/GO

AFONSO FÉLIX DE SOUZA
1925 – 2002
Canção da Noite Nua

Noite sem alma
Noite sem vozes roucas
assombrando o silencio.
Noite nua.

Passos incertos
duro como o asfalto
e pensamentos leves
guiando-me os passos.
Indiferença do luar.
Na rua triste
paradas súbitas.
No olhar o medo ingênuo
da infância que não morre.

Risos de mulher
atrás da janela fechada.
Desejos rápidos
a apressar os passos…
A memória murmura
confidencias,
que o silêncio apaga.

Noite sem véu.
Noite que tem a clara nudez da alma
que sonha no escuro.
Desejos leves de amor a guiar os passos
e essa ânsia incontida de sonhar
que como, a infância
não morre nunca.
========================
Uma Décima de Natal/RN

ADEMAR MACEDO

Vou abrir a bodega da cultura
a as entranhas fecundas do juízo
e dizer para o povo hoje é preciso
que este mote está à minha altura;
pois eu sou simplesmente a criatura
que Deus irá deixar para semente,
e por ordem do pai onipotente,
não há mote nenhum que eu não dê jeito;
vou abrir a cancela do meu peito
pra passar a boiada do repente.
========================
Uma Poesia de Ereira, Montemor-o-velho/Portugal

AFONSO DUARTE
1884 – 1958
Alegoria da Tarde

 Recolhe o dia aos campos e à cidade,
A Tarde… E num crepúsculo de beijos,
-Que o sol dlança a boca aos meus desejos,
As horas vão morrendo com saudade.

E o dia lembra – que é chegado ao fim,
Ao Pintor de Penumbras a que venha…
E como deixa nos altos da montanha
O Sol, a Tarde, afasta-se de mim.

Vai lone a aça de oiro e pedrarias
Das voluptuosas, bêbadas manhãs,
Do grande Sol heróico dos bons-dias!

E ao recair das horas, pelo Outono,
As coisas choram lágrimas cristãs
Sob as cinzas da tarde, ao abandono.
========================
Um Soneto de  Rio de Janeiro

SÔNIA SOBREIRA
Tenho Pena

                   
Tenho pena dos que sofrem na vida,
neste mundo tão mau tão inclemente,
dos que morrem sem culpa, do inocente
que sozinho, nem sabe o que é guarida.

Da montanha calada e soerguida
que altiva enfrenta as águas da vertente.
Do mar enfurecido de repente,
das ondas  que se curvam na descida.

Tenho pena do brilho das estrelas,
dos cegos que jamais poderão vê-las
e do tempo que mostra a realidade.

Tenho pena das lágrimas vertidas,
da ilusão cujas asas são partidas
e de um sonho que deixou tanta saudade.
========================
Uma Poesia de Longe

DOROTHY PARKER – Long Branch, Nova Jérsey/EUA
1893 – 1967
A Alma Buscada

 Quando peso os prós e os contras
 das coisas que meu amor encontra
 uma boca curva, um punho de fogo
 um cenho interrogativo, um belo jogo
 de palavras tão batido quanto o pecado
 uma orelha pontuda, um queixo rachado
 membros longos, agudos e olhos oblíquos
 nem frios, nem meigos, nem escurecidos
 Quando então pondero usando a razão
 nas superficialidades que satisfazem meu coração
 sou surpreendida com tal banalidade
 me maravilha com a minha normalidade.

========================
Um Poetrix de Porto Alegre/RS

ISIARA CARUSO
terremoto

dormiu seguro,
despertou tremendo,
morreu no escuro.
========================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Turno à Janela do Apartamento

Silencioso cubo de treva:
um salto, e seria a morte.
Mas é apenas, sob o vento,
a integração da noite.
Nenhum pensamento de infância,
nem saudade nem vão propósito.
Somente a contemplação
de um mundo enorme e parado.
A soma da vida é nula.
Mas a vida tem tal poder:
na escuridão absoluta,
como líquido, circula.
Suicídio, riqueza ciência…
A alma severa se interroga
e logo se cala. E não sabe
se é noite, mar ou distância.
Triste farol da ilha rosa.
========================
Versos Melodicos

EDUARDO SOUTO
Tatu Subiu no Pau (samba paulista, 1923)

Em “Tatu Subiu no Pau”, classificada como “samba à moda paulista”, Eduardo Souto mostrava a intenção de diversificar o repertório com uma peça bem ao estilo vitorioso de Marcelo Tupinambá.
 E acertou em cheio, pois criou uma composição tipicamente caipira, baseada em motivos folclóricos e que, apesar dessa característica, apareceu com destaque no carnaval.
 Para isso, contribuiriam seus métodos de divulgação, que incluíam a execução repetida das músicas nos pianos da Casa Carlos Gomes, com distribuição das letras aos transeuntes, e até a criação de um bloco que frequentava a Festa da Penha. (Cifrantiga)  

 Tatu subiu no pau
É mentira de mecê
 Lagarto ou lagartixa
Isso sim é que pode sê

O melhor da galinha é o ovo
Que se pode comê gostoso
 A moléstia do pinto é o gôgo
A coberta do velho é o fogo

 Tatu subiu no pau
É mentira de mecê
 Santo Antônio ajudando?
Isso sim é que pode sê

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XXVI Jogos Florais de Ribeirão Preto (Nacional – Resultado Final)

TEMA NACIONAL: MURALHA

CATEGORIA: VENCEDOR
(Troféu)

1º LUGAR

O meu bom senso não cede
a um desejo extravasado…
É a muralha que me impede
seguir um caminho errado!
MARILÚCIA REZENDE
São Paulo/SP

2º LUGAR

Ante os revezes da estrada,
eu só permaneço em pé,
por ter a vida cercada
pela muralha da fé.
MAURICIO CAVALHEIRO
Pindamonhangaba/ SP

3º LUGAR

É muito triste esta vida
de quem implora por pão
e enfrenta a muralha erguida
por quem não tem coração…
IZO GOLDMAN
São Paulo/ SP

4º LUGAR

Para acabar com a guerra,
que traz luto aos corações,
basta que caía por terra
a muralha entre as nações.
OLYMPIO DA CRUZ SIMÕES COUTINHO
Belo Horizonte/ MG

5º LUGAR

Devemos manter vigília
contra o mal aliciador
blindando nossa família
com a muralha do amor.
MAURICIO CAVALHEIRO
Pindamonhangaba/ SP

CATEGORIA: MENÇÃO HONROSA
(Medalha Dourada)

1º LUGAR

Para vencer a batalha,
por um viver mais profundo,
se há de transpor a muralha,
dos desenganos do mundo…
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY
Natal/ RN

2º LUGAR

Esta muralha que ergueste,
depois de acabado o amor,
sem querer me ofereceste
um mundo cheio de cor!…
MARICLAIRE REZENDE MITNE
Londrina/ PR

3º LUGAR

Ante a muralha não paro
e com fé transponho o muro;
na vida só chega ao claro
quem não tem medo do escuro.
OLYMPIO DA CRUZ SIMÕES COUTINHO
Belo Horizonte/ MG

4º LUGAR

A “muralha” mais temida
é o desprezo que se tem
desgastando a nossa vida
pelos caprichos de alguém.
RUTH FARAH NACIF LUTTERBACK
Cantagalo/ RJ

5º LUGAR

Seja alegre ou seja triste,
a saudade, simplesmente,
quebra a muralha que existe
entre o passado e o presente!
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP

CATEGORIA: MENÇÃO ESPECIAL
(Medalha Prateada)

1º LUGAR

Eu não temo o que amealha
as pedras do ódio e rancor,
por crer que qualquer muralha
cede… ante a força do amor!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

2º LUGAR

Enfim eu pude transpor,
até com certa altivez,
essa muralha no amor
que se chama timidez.
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Rio de Janeiro/RJ

3º LUGAR

Teu abraço me agasalha
com carinho tão profundo…
sinto em volta uma muralha,
separando-nos do mundo!…
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP

4º LUGAR

Vence sempre quem labuta.
um mais tarde, outro mais cedo,
e este é o que, antes de ir à luta,
vence a muralha do medo.
JAIME PINA DA SILVEIRA
São Paulo/SP

5º LUGAR

Há, na vida, uma batalha
– parece-me sem igual –
É verdadeira muralha:
a “batalha conjugal”.
DJALDA WINTER SANTOS
Rio de Janeiro/RJ

TROVAS HUMORÍSTICAS

TEMA: CERCA

VENCEDORES (troféu)

1. lugar 


Na cerca ficou provado,
o adultério de Rosinha,
ficou no arame farpado
um pedaço da calcinha.
LUIZ HENRIQUE DOS SANTOS
Pindamonhangaba/SP.

2. lugar

Pular cerca é mau caminho
mas é coisa prazerosa,
pois a fruta do vizinho
sempre é muito mais gostosa.
OLYMPIO DA CRUZ SIMÕES COUTINHO
Belo Horizonte/MG.

3. lugar

A cerca sempre pulando
e a esposa nada falava,
acabou desconfiando…
viu que ela também pulava.
FLAVIO FERREIRA DA SILVA
Nova Friburgo/RJ

4. lugar

Ao dar tudo o que ela quer,
a evitar que o amor se perca,
o corno cerca a mulher
mas a mulher pula a cerca.
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO
Juiz de Fora/ MG

5. lugar

Sem que nada mais se perca,
nosso amor não tem futuro:
Ela vai pulando a cerca
e eu venho pulando o muro…
SÉRGIO FONSECA
Mesquita/ RJ.

MENÇÕES HONROSAS

1. lugar

Manter a mulher fechada
para que ela não se perca,
não vai adiantar de nada,
pois pode pular a cerca!
JOSÉ MARQUES
Bauru/ SP

2. lugar
“Pular cerca? Isso eu não faço!”
e a vizinha, em ato esperto,
aumenta seu embraço,
deixando o portão… aberto!
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/ SP

3. lugar

Vendo a vizinha chegar,
ouvindo a porta bater,
Meu amigo, sem pensar,
pulou a cerca e foi ver…
DARI PEREIRA
Maringá/ PR

4. lugar

Ao ver, na cerca, a viuvinha
usando roupa sumária,
diz o esposo da vizinha:
-Que mulher extra…ordinária!!!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

5. lugar

Desde jovem, muito afoita,
com um, não se contentava;
Já casada, mas na moita,
Sempre ela a cerca pulava.
JESSÉ NASCIMENTO

Angra dos Reis/ RJ

MENÇÕES ESPECIAIS

1. lugar

Um buraco foi aberto
na cerca do galinheiro.
o meu galo, muito esperto,
fez a festa o dia inteiro!
ALBERTO PACO
Maringa/ PR

2. lugar

Pra que a filha não se “perca”,
meu vizinho fica alerta…
De que vale “fazer cerca”
pra quem tem porteira aberta?!
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/ SP

3. lugar

Em lugar de dar vexame
sobre a cerca do rival,
melhor reforçar o arame
da cerca do teu quintal…
ANTÔNIO AUGUSTO DE ASSIS
Maringá/ PR

4. lugar

No carnaval, animada,
pulou a cerca e assumiu,
deu uma sorte danada,
“Tava” escuro… ninguém viu.
DENISE CATALDI
Condominio Maravista/ RJ

5. lugar

Pulou a cerca a Maria,
mas foi um caso bem sério
Porque ela não sabia
Que ia dar no cemitério
MARINA DE OLIVEIRA DIAS
São Gonçalo/ RJ

Fonte:

Nilton Manoel

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José Feldman (Universo de Versos n. 35)

Uma Trova do Paraná

DÂMILA FERNANDA FIGUEIREDO – Bandeirantes

No alto daquele gramado,
que linda flor amarela!
Mas, que destino malvado…
Hoje, enfeita uma lapela!!!
========================
Uma Trova sobre a Trova, de São Paulo
LUIZ ANTONIO CARDOSO
E no princípio era o verso…
mas Deus, que tudo renova,
iluminou o universo,
formando a estrofe da trova!
========================
Uma Trova Lírica/Filosófica de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Uma rosa rubra e bela
Brasão de Irmãos sonhadores,
traz a mensagem singela:
UNIÃO DOS TROVADORES.
========================
Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

TEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Gritei: “Pare, seu Joaquim!”,
quando o trem apareceu.
Ele ainda olhou pra mim,
Falou “impare” … e morreu.
========================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

========================
Uma Trova Hispânica do Chile

JAIME CORREA

Es otoño, y con su viento,
Las hojas cayeron tristes.
Solas en ese momento
Isla, dime: ¿Acaso existes?
========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE – São Luis/MA
1863 – 1946

Morto, peço-te uma esmola,
peço a ti, que és minha luz.
que partindo, esta viola,
faças dela a minha cruz.
========================
Outra Trova sobre a Trova, do Príncipe da Trovas

LUIZ OTÁVIO
1916 – 1977

A Trova tomou-me inteiro,
tão amada e repetida,
que agora traça o roteiro
das horas da minha vida!…
========================
Um Haicai de Sena Madureira/AC

JORGE TUFIC

Cadeira antiga.
Nela sentou-se a família,
agora a fadiga.
========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma
========================
Uma Poesia de Monteiro Lobato/SP

PAULO VINHEIRO
Engasgado no Éden

Em tufos de fumaça que rolam
Em ondas de desinformações
Querências tolas entre bombas
Que explodem entre multidões

Maratona desengonçada partiu
Pedaços de mim e minas gerais
Atravessou a sala e já sumiu
Esperando manchete de amanhã

Não engulo tanta notícia vil
Não sinto medo por estar vivo
Apenas não respiro mais, engasgo
A repetição contínua e histérica

Não sinto medo da morte, morro
Só assim, morrendo a cada dia
Só assim sobrevivo, sobrevôo
Sobre a vida à toa atolam olhos

E a tv não te vê, faz ver que há
E mesmo não havendo sugere
E conta que faz um faz de conta
E tanta gente tonta despetala

Enterrados em rasa vala resvalam
Revelam seus sonhos toscos mais
Entremeados reclames vendem
Entre meados de maio que virá

Abril a porta do outono no sul assim
Que da prima Vera do norte medeia
A esperança da flor atômica e verde
Das florestas frientas do mar sem fim

Querem nosso medo, assim se fartam
Como se nosso medo fosse barato
Mas é barato sim e cara a ignorância
Mas a mais procurada em nosso jardim
========================
Septilhas do Rio Grande do Norte

ZÉ LUCAS X ADEMAR MACEDO X FRANCISCO GARCIA
Nos Arpejos das Septilhas (Debate pela Internet)

01 – Prof. Garcia
Ademar, vate dos vates
de uma inspiração sagrada,
convide o mestre dos mestres
para a nova caminhada;
fomos heróis em sextilhas,
vamos tentar em septilhas
chegar ao fim da jornada.

02 – Ademar
Zé Lucas, meu camarada,
para atender ao Garcia
formulo então o convite
para a nossa parceria;
são três vates de valores,
três poetas trovadores
se desmanchando em poesia…

03 – Zé Lucas
É, de fato, uma alegria
cantar nossos ideais.
Em seis pés, fomos tão longe,
onde vão poucos mortais
por este mundão afora,
mas em sete pés, agora,
vamos correr muito mais.

04 – Prof. Garcia
Somos três pobres mortais,
três artistas sonhadores;
não somos três repentistas
nem somos três cantadores,
somos três vates poetas,
três respeitados estetas,
três amantes trovadores.

05 – Ademar
Nós somos três locutores
na freqüência da poesia,
botando versos no ar
com cadência e melodia;
e na verdade eles são
produtos da inspiração
que nasce em nós todo dia!

06- Zé Lucas
A ciência humana cria
os mais belos instrumentos,
foguetes que vão à Lua
e toda sorte de inventos,
mas não cria, aqui no chão,
fábrica de inspiração
nem prisão de pensamentos.

Obs. Debate concluído com 150 estrofes.
========================
Uma Poesia de Lisboa/Portugal

Sóror VIOLANTE MONTESINO
1602 – 1693
Ao Amado Ausente

Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte,
Se ausente d’alma estou, que me dá vida?

Não quero sem Sylvano já ter vida,
Pois tudo sem Sylvano é viva morte;
Já que se foi Sylvano venha a morte,
Perca-se por Sylvano a minha vida.

Ah, suspirando ausente, se esta morte
Não te obriga a querer vir dar-me vida.
Como não vem dar-me a mesma morte?

Mas se n’alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte,
Que é porque sinta a morte de tal vida.
========================
Um Soneto do Rio de Janeiro/RJ

EDMAR JAPIASSU MAIA
Auto Retrato

Nem sei há quanto tempo que um sorriso
não enfeita o meu rosto macerado
pelas dores que têm m dominado,
pelos árduos caminhos que hoje piso…

Bem sei o quanto tenho me esforçado
para encontrar o amor de que preciso,
e transportar-me em luz ao paraíso
de sonhos que a ilusão me tem negado…

Quando tristonho ao pranto me condeno,
percebo ser no pranto um Ser pequeno,
que na apatia busca o seu abrigo.

E a sorte, nos seus rasgos de avareza,
não deixa que eu me dispa da tristeza,
e possa parecer menos comigo!
========================
Uma Poesia de Longe

BERTOLT BRECHT – Augsburg/Alemanha
1898 – 1956
Elogio do aprendizado

Aprenda o mais simples!
Para aqueles cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Arenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!
Frequente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando.

Não se
envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixei convencer
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe.
Verifique a conta
É você que vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: O que é isso?
Você tem que assumir o comando.
========================
Um Poetrix de São Luiz Gonzaga/RS

RENEU BERNI
porões

Vão-se os fantasmas
ficam os medos
vazios de nós!
========================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Toada do Amor

E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga

Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele,
também que graça que a vida tinha?
========================
Versos Melodicos

LEOPOLDO FRÓES
Mimosa (canção, 1921)

 
Mimosa !
Tão delicada e melindrosa…
Mimosa !…Mimosa!
Mimosa!
Deus que te fez assim formosa
Tens o perfume de uma rosa
Mimosa! … Mimosa!

Quando tu passas pela estrada
Ou pela fresca madrugada
Ou pela noite enluarada
minha alma fica magoada
E o meu amor te apoteosa
Maldosa!… Mimosa!
==========
Nota: No soneto da Renata Paccola do Universo de Versos n. 34, faltou o último verso:
que pudesse atender aos teus desejos!  

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Amadeu Amaral (Memorial de Um Passageiro de Bonde) Reticências

Encontrei-me hoje no bonde, depois do almoço, com o Nicolau Coelho. Como eu lhe dissesse, um dia, que lera com prazer a sua crônica sobre finados, desse dia em diante se aproximou de mim, e não me vê sem que me venha apertar a mão. Ainda hoje pagou a minha passagem. 

Conheço Nicolau desde menino, fui amigo de seu pai, professor gratuito de um dos seus irmãos, e nunca se julgara obrigado a usar de cortesias comigo. Passei a ser alguém para ele no dia em que lhe elogiei uma crônica, a ele que tantas e tão aplaudidas tem escrito, a ele carregado de glórias. 

Nicolau, vendo-me no último banco, ergueu-se do seu e desfechou-se de lá. Sacou de cinco tiras de papel e disse, com modéstia: 

-“Isto é curtinho… Gostaria que lesse, preciso da sua opinião.” 

Fixei os meus olhos nos seus. 

-“Precisa da minha opinião?” 

-“Sim pois…” 

-“Mas isso é grave, meu amigo. Então a minha opinião vale?” 

-“Muito.” 

-“Nesse caso, eu necessitaria ler com vagar, com toda a atenção.” 

-“Mas, eu tenho de levar o original à folha. É curtinho. Lerá num momento.” 

Li. Li e não achei mal. Ao contrário. Certa harmonia agradável e constante, harmonia de forma, harmonia de fundo, feitas de pequenas audácias de pensamento e de expressão, difíceis de orquestrar. Notei apenas um exagero de sinais sintáticos, travessões, virgulas, pontos-e vírgulas, pontos finais, e sobretudo, reticências. 

O abuso das reticências me é particularmente enervante (a não ser quando entram, num sistema personalíssimo de notações, compreensível em certos indivíduos muito irregularmente “individuais”.) Ponham quantas forem necessárias para indicar suspensão ou transição inesperada. Mas este costume de derramar ao pé de cada período uma série de pontinhos, para denotar que a frase é aguda, que ali há coisa, que a passagem envolve malícia ou profundidade 

-não, não. 

O leitor (sempre inteligente) irrita-se por não se lhe deixar o gosto de descobrir por si mesmo as sutilezas, as intenções, os valores velados. E depois o autor acaba por botar reticências em tudo, porque é difícil que um autor não veja coisas a realçar em cada um dos seus períodos. Afinal, a função dos pontinhos desaparece, e onde eles não estão é que a gente vai ver se desentoca o melhor. 

A mania das reticências não tarda em semeá-las no próprio pensamento. Recolhem, como as bexigas. E lá se vai o amor da claridade e da justeza, lá vem o prazer vicioso do equívoco, do ambíguo, do flutuante. 

Os antigos não usavam reticências. Faltou-lhes pois uma boa forma de notação, hoje indispensável. Mas o fato é que a estreiteza do sistema de suplementares da palavra tinha as suas vantagens. Forçava-os a tudo exprimir e sugerir com os recursos únicos da frase nua e dos seus ritmos naturais. Em vez de pôr um sinal de ironia tinham de açacalar a ironia através da rede dos períodos. Em vez de indicar com que óculos cinzentos ou vermelhos se havia de ler o capítulo ou a página, davam à página ou ao capitulo a tonalidade sentimental ou mental conveniente. Era o processo direto, que penetrava até às carnes e aos nervos do estilo. 

Podiam falecer-lhe a este as flexibilidades e esfumaturas da sensibilidade moderna, mas ainda isso era uma vantagem, porque era uma disciplina. O escritor havia de se resignar, por muito indeciso e ondulante que tivesse o espírito, ao freio de um métier e havia de viver perpetuamente em busca do límpido, do incisivo, do luminoso. Nunca se entregava senão a construções de pensamento com uma classificação e um fim. Toda a sua aspiração era fabricar obras acabadas, portáteis, que representavam aquisições (como diz Emerson a propósito já não lembra de que autor) coisas que se poderiam sopesar, palpar, pôr no bolso e levar para casa como um utensílio, como uma jóia, como uma fruta. 

Representei tudo isto por outras e mais breves palavras, a Nicolau, cujo valor não deixei de tomar para estribilho. Guardou os originais, acendeu um cigarro e perguntou, com um sorriso reticente: 

-“Então, só um excesso de… pontinhos?” 

“Só, Nicolau, só. Mas isso mesmo, ó Artista, ó Imaginífico, ó Mistagogo! é talvez mania ou sutileza do meu bestunto emperrado. Quando vejo um desses escritos retalhados em pequenos parágrafos cada parágrafo seguido de uma secreção de pontinhos, tenho logo a idéia de uma desfilada de cabritos. 

“Mas, pensando bem, penso que um escritor moço precisa de ter certa porção de cacoetes e singularidades, até de erros, dentro de certo limite porque tudo isto serve exatamente de lhe dar um ar de viçoso verdor e de divinatória inexperiência, a graça do gênio ainda ignorante de si próprio, todo em flor e esperança. 

“As pequenas carepas envolvem uma promessa festiva de aperfeiçoamento ao passo que a lixa insistente e minuciosa, tirando todas as titicas e asperidades da superfície, deixa ver melhor as imperfeições essenciais da matéria e da construção. 

“Esses cacoetes, essas singularidades, esses descuidos constituem uma garantia para o escritor. Ninguém suspeita nele um gramático, um espírito peco e miúdo, preocupado com a língua e outras superfluídades peróbicas. Perdoam-lhe por simpatia, numa absolvição geral, as faltas cometidas, e ainda as que venha a perpetrar. Ao passo que os escritores corretos dão ganas a todo o mundo de lhes descobrir trincas e manchas. 

E isto sempre se consegue: a correção é uma zona ideal de equilíbrio instável…” 

Ia eu assim dissertando, alheio ao bonde e ao tempo, quando uma brecada instantânea fez estralejar todo o arcabouço do carro. Gritos, borborinho. O bonde havia pegado uma carroça pela rabeira e arremessado esse veículo, com os seus dois animais, a três metros de distância. 

A carroça adernara, com uma das rodas meio fora do eixo, e os burros, presos ao correame e aos varais abatidos, resfolegavam largamente, com estremeções espaçados de toda a courama. 

O pior é que o próprio carroceiro, cuspido para o chão, raspara a poeira e se estatelara ao lado, a verter sangue da cabeça, as mãos meio enclavinhadas, o peito a arquejar sob a camisa aberta. 

Magotes de curiosos iam e vinham enquanto dois homens de maior iniciativa tratavam de recolher a vítima a uma casa próxima e de levantar os animais. 

Válidos, prestantes bons homens! Surgiram de repente da massa amorfa, como os que sabemquerer e mandar. E eu era da massa amorfa, imprestável distraída, hesitante. Ó céu, cada dia me reservas uma humilhação! 

Depois, que, vinda a polícia e o carro da assistência, o bonde pôde continuar a viagem, os passageiros consternados ainda pormenorizavam o ocorrido, explicavam o desastre, discutiam as culpas. Quanto a mim, conservava-me quieto, com a visão pasmada daquele homem caído no chão, a derramar sangue na poeira, e do triste do motorista que parecia fulminado de estupor, na balorda prostração do animal tocado de raio. 

Nicolau catucou-me de repente no braço. Voltei-me para ele como quem despertava. 

-“Mas!… quer que lhe diga?” (recomeçou) “não estou de acordo com o senhor.” 

E tinha um arzinho entre provocador e mofento. 

-“Comigo?! Em que?!…” 

– “Nesse negócio de reticências. A mim me parecem indispensáveis. A questão está naquilo que se pretende dizer ou sugerir.” 

E por aí foi, a traçar com o indicador o desenho dos argumentos. Dei-lhe sempre razão até o termo do discurso e da linha. “Sim. Claro. Sim! Pois não. Sim, sim!” 

Afinal, disse um adeus veloz a esse espírito gentil e corri a um café, onde fui tomar a minha xícara em silêncio e em penitência, e reatar os fios inacabáveis do meu perene diálogo comigo mesmo -com o único indivíduo que não se aborrece quando o contrario, com o único indivíduo que me aborrece quando o não quero contrariar. 

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Alcântara Machado (Carmela)

Dezoito horas e meia. Nem mais um minuto porque a madama respeita as horas de trabalho. Carmela sai da oficina. Bianca vem ao seu lado.

 A Rua Barão de Itapetininga é um depósito sarapintado de automóveis gritadores. As casas de modas (AO CHIC PARISIENSE, SÃO PAULO-PARIS, PARIS ELEGANTE) despejam nas calçadas as costureirinhas que riem, falam alto, balançam os quadris como gangorras.

 – Espia se ele está na esquina.

 – Não está.

 – Então está na Praça da República. Aqui tem muita gente mesmo.

 – Que fiteiro!

 O vestido de Carmela coladinho no corpo é de organdi verde. Braços nus, colo nu, joelhos de fora. Sapatinhos verdes. Bago de uva Marengo maduro para os lábios dos amadores.

 – Ai que rico corpinho!

 – Não se enxerga, seu cafajeste? Português sem educação!

 Abre a bolsa e espreita o espelhinho quebrado, que reflete a boca reluzente de carmim primeiro, depois o nariz chumbeva, depois os fiapos de sobrancelha, por último as bolas de metal branco na ponta das orelhas descobertas.

 Bianca por ser estrábica e feia é a sentinela da companheira. 

 – Olha o automóvel do outro dia.

 – O caixa-d’óculos?

 – Com uma bruta luva vermelha.

 O caixa-d’óculos pára o Buick de propósito na esquina da praça.

 – Pode passar.

 – Muito obrigada.

 Passa na pontinha dos pés. Cabeça baixa. Toda nervosa.

 – Não vira para trás, Bianca. Escandalosa!

 Diante de Álvares de Azevedo (ou Fagundes Varela) o Ângelo Cuoco de sapatos vermelhos de ponta afilada, meias brancas, gravatinha deste tamanhinho, chapéu à Rodolfo Valentino, paletó de um botão só, espera há muito com os olhos escangalhados de inspecionar a Rua Barão de Itapetininga.

 – O Ângelo!

 – Dê o fora.

 Bianca retarda o passo.

 Carmela continua no mesmo. Como se não houvesse nada. E o Ângelo junta-se a ela. Também como se não houvesse nada. Só que sorri.

 – Já acabou o romance?

 – A madama não deixa a gente ler na oficina.

 – É? Sei. Amanhã tem baile na Sociedade.

 – Que bruta novidade, Ângelo! Tem todo domingo. Não segura no braço!

 – Enjoada!

 Na Rua do Arouche o Buick de novo. Passa. Repassa. Torna a passar.

 – Quem é aquele cara?

 – Como é que eu hei de saber?

 – Você dá confiança para qualquer um. Nunca vi, puxa! Não olha pra ele que eu armo já uma encrenca!

 Bianca rói as unhas. Vinte metros atrás. Os freios do Buick guincham nas rodas e os pneumáticos deslizam rente à calçada. E estacam.

 – Boa tarde, belezinha…

 – Quem? Eu?

 – Por que não? Você mesma…

 Bianca rói as unhas com apetite.

 – Diga uma cousa. Onde mora a sua companheira?

 – Ao lado de minha casa.

 – Onde é sua casa?

 – Não é de sua conta.

 O caixa-d’óculos não se zanga. Nem se atrapalha. É um traquejado.

 – Responda direitinho. Não faça assim. Diga onde mora.

 – Na Rua Lopes de Oliveira. Numa vila. Vila Margarida n.0 4. Carmela mora com a família dela no 5.

 – Ah! Chama-se Carmela… Lindo nome. Você é capaz de lhe dar um recado?

 Bianca rói as unhas.

 – Diga a ela que eu a espero amanhã de noite, às oito horas, na rua… na…. atrás da Igreja de Santa Cecília. Mas que ela vá sozinha, hein? Sem você. O barbeirinho também pode ficar em casa.

 – Barbeirinho nada! Entregador da Casa Clark!

 – É a mesma cousa. Não se esqueça do recado. Amanhã, as oito horas, atrás da igreja.

 – Vá saindo que pode vir gente conhecida.

 Também o grilo já havia apitado.

 – Ele falou com você. Pensa que eu não vi?

 O Ângelo também viu. Ficou danado.

 – Que me importa? O caixa-d’óculos disse que espera você amanhã de noite, às oito horas, no Largo Santa Cecília. Atrás da igreja.

 – Que é que ele pensa? Eu não sou dessas. Eu não!

 – Que fita, Nossa Senhora! Ele gosta de você, sua boba.

 – Ele disse?

 – Gosta pra burro.

 – Não vou na onda.

 – Que fingida que você é!

 – Ciao.

 – Ciao.

 Antes de se estender ao lado da irmãzinha na cama de ferro Carmela abre o romance à luz da lâmpada de 16 velas: Joana a Desgraçada ou A Odisséia de uma Virgem, fascículo 2.0

 Percorre logo as gravuras. Umas tetéias. A da capa então é linda mesmo. No fundo o imponente castelo. No primeiro plano a íngreme ladeira que conduz ao castelo. Descendo a ladeira numa disparada louca o fogoso ginete. Montado no ginete o apaixonado caçula do castelão inimigo de capacete prateado com plumas brancas. E atravessada no cachaço do ginete a formosa donzela desmaiada entregando ao vento os cabelos cor de carambola.

 Quando Carmela reparando bem começa a verificar que o castelo não é mais um castelo mas uma igreja o tripeiro Giuseppe Santini berra no corredor:

 – Spegni la luce! Subito! Mi vuole proprio rovinare questa principessa!

 E – raatá! – uma cusparada daquelas.

 – Eu só vou até a esquina da Alameda Glette. Já vou avisando.

 – Trouxa. Que tem?

 No Largo Santa Cecília atrás da igreja o caixa-d’óculos sem tirar as mãos do volante insiste pela segunda vez:

 – Uma voltinha de cinco minutos só… Ninguém nos verá. Você verá. Não seja má. Suba aqui.

 Carmela olha primeiro a ponta do sapato esquerdo, depois a do direito, depois a do esquerdo de novo, depois a do direito outra vez, levantando e descendo a cinta. Bianca rói as unhas.

 – Só com a Bianca…

 – Não. Para quê? Venha você sozinha.

 – Sem a Bianca não vou.

 – Está bem. Não vale a pena brigar por isso.

 – Você vem aqui na frente comigo. A Bianca senta atrás.

 – Mas cinco minutos só. O senhor falou…

 – Não precisa me chamar de senhor. Entrem depressa.

 Depressa o Buick sobe a Rua Viridiana.

 Só pára no Jardim América.

 Bianca no domingo seguinte encontra Carmela raspando a penugenzinha que lhe une as sobrancelhas com a navalha denticulada do tripeiro Giuseppe Santini.

 – Xi, quanta cousa pra ficar bonita!

 – Ah! Bianca, eu quero dizer uma cousa pra você.

 – Que é?

 – Você hoje não vai com a gente no automóvel. Foi ele que disse.

 – Pirata!

 – Pirata por quê? Você está ficando boba, Bianca.

 – É. Eu sei porquê. Piratão. E você, Carmela, sim senhora! Por isso é que o Ângelo me disse que você está ficando mesmo uma vaca.

 – Ele disse assim? Eu quebro a cara dele, hein? Não me conhece.

 – Pode ser, não é? Mas namorado de máquina não dá certo mesmo.

 Saem à rua suja de negras e cascas de amendoim. No degrau de cimento ao lado da mulher Giuseppe Santini torcendo a belezinha do queixo cospe e cachimba, cachimba e cospe.

 – Vamos dar uma volta até a Rua das Palmeiras, Bianca?

 – Andiamo.

 Depois que os seus olhos cheios de estrabismo e despeito vêem a lanterninha traseira do Buick desaparecer, Bianca resolve dar um giro pelo bairro. Imaginando cousas. Roendo as unhas. Nervosissima.

 Logo encontra a Ernestina. Conta tudo ã Ernestina.

 – E o Ângelo, Bianca?

 – O Ângelo? O Ângelo é outra cousa. E pra casar.

 – Há!…

Fonte:
Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda.

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José Feldman (Universo de Versos n. 34)

Uma Trova do Paraná

AMÁLIA MAX – Ponta Grossa

A esperança em nossa vida,
pelo valor que ela ostenta,
pode até ser resumida,
como o pão que nos sustenta.
========================
Uma Trova sobre a Trova, de Pedro Leopoldo/MG
WAGNER MARQUES LOPES
 Trova é dom que se insinua…
E, entre sombras, prevalece:
raio de sol ou de lua,
hino de amor, uma prece.
========================
Uma Trova Lírica/Filosófica de São Paulo/SP

CAMPOS SALES
Distante de quem adoro
minha alma triste se queixa,
tento fingir que não choro,
mas meu semblante não deixa!
========================
Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

ROBERTO TCHEPELENTYKY

De político do “avesso”,
a gente já tem calombo…
pois, quando ele dá tropeço,
é o povo que leva o tombo!!!
========================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Com minha alma enternecida,
confesso com todo ardor;
Deus me deu dois dons na vida:
ser “Pai” e ser “Trovador”!…
========================
Uma Trova Hispânica da Republica Dominicana

CLAUDIO MARTÍNEZ

Brasil queda vertical
en una trova infinita,
tan tierna y angelical
que en el alma nos palpita.
========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Não digas mal de ninguém,
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

HELENA FERRAZ – Rio de Janeiro/RJ

Muito cuidado, se mentes
 e se o mentir te seduz:
 – a mentira é, das sementes,
 a que mais se reproduz!
========================
Outra Trova sobre a Trova, do Príncipe da Trovas

LUIZ OTÁVIO

Fazer trova de improviso
não me arrisco, e nunca tento;
só faz quem não tem juízo
ou quem tem muito talento.
========================
Um Haicai de Belém/PR

PAULO MARCELO BRAGA

Haicai Educativo
 
Se ofender é objetivo,
jamais nenhum debate
poderá ser educativo.
========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)


 Uma poesia ártica
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
tres versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não. Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.
========================
Uma Poesia do Rio de Janeiro/RJ

CECÍLIA MEIRELLES
1901 – 1964
Despedida

Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? – me perguntarão. –
Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação …
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra … )
Quero solidão.
========================

Uma Trova Ecológica, de Balneário Camboriú/SC
ELIANA RUIZ JIMENEZ
Desfazendo a natureza,
vai o homem construtor
desconstruindo a certeza
de um futuro promissor.
========================
Diálogo em Sextilhas do Rio Grande do Norte

ZÉ LUCAS x ADEMAR MACEDO x FRANCISCO GARCIA.

Três à Mesa da Poesia

01 – Zé Lucas
Com Ademar e Garcia
vou pelejar desta vez,
enchendo a taça dos versos
com carinho e lucidez,
para que o vinho sagrado
das musas dê para os três.

02 – Ademar
Vou beber com honradez
uma taça todo dia,
e eu peço a Deus neste verso
talento e sabedoria,
e que este vinho sagrado
me embriague de poesia.

03 – Prof. Garcia
Eu vou beber todo dia
para afastar o meu pranto,
deste vinho que embriaga
e nunca me causa espanto,
porque o vinho do verso
tanto é puro quanto é santo.

04 – Zé Lucas
Pai, Filho e Espírito Santo,
eis a Trindade Divina;
Jesus, Maria e José
brilham na mesma doutrina;
TRÊS À MESA DA POESIA
cantam porque Deus ensina.

05 – Ademar
Tem a Trindade Divina
e a Trindade da poesia,
a Divina, todos sabem:
Jesus, José e Maria;
na poesia somos nós:
Zé Lucas, Eu e Garcia.

06 – Prof. Garcia
A trindade que eu queria
desta vez está formada:
Eu, Ademar e Zé Lucas
trilhando na mesma estrada,
atrás da outra Trindade
que é santa, pura e sagrada.

Obs. Debate pela Internet, com 150 estrofes
========================
Uma Poesia de Funchal, Ilha da Madeira/Portugal

DALILA TELES VERAS
Do amor e seus silêncios

No destempero e ardências
da fúria inaugural
a palavra sem proveito
(verbalização de corpos)

No rito já maturado
do caminho reconhecido
a muda comunhão
(frêmito de carne e espírito)

Urgências mitigadas
os silêncios primordiais
já agora interpretáveis
(epifania outonal)
========================
Um Soneto de São Paulo/SP

RENATA PACCOLA
Feitiço

Se eu tivesse os poderes de uma fada,
estaria contigo o tempo inteiro,
iluminando tua madrugada
como se fosse a luz de um candeeiro.

Seria teu bordel e teu mosteiro,
seria teu refúgio e tua estrada,
do nascer ao momento derradeiro,
da hora da partida até a chegada.

Eu te seduziria qual sereia.
Então, nos amaríamos na areia;
depois te afogaria com meus beijos.

E no final eu me transformaria
numa estrela repleta de magia
que pudesse atender aos teus desejos!
 ========================
Uma Poesia de Longe

CHARLES BAUDELAIRE – Paris/França
1821– 1867
O gato

Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço;

Guarda essas garras devagar,
E nos teus belos olhos de ágata e aço
Deixa-me aos poucos mergulhar.

Quando meus dedos cobrem de carícias
Tua cabeça e o dócil torso,
E minha mão se embriaga nas delícias

De afagar-te o elétrico dorso,
Em sonho a vejo. Seu olhar, profundo
Como o teu, amável felino,
Qual dardo dilacera e fere fundo,

E, dos pés à cabeça, um fino
Ar sutil, um perfume que envenena
Envolvem-lhe a carne morena.
(Tradução de Ivan Junqueira)
========================
Um Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

RICARDO INGENITO ALFAYA
porcelana chinesa

Luz na água do chá
O rosto de um monge
Dentro da xícara
========================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Soneto da Perdida Esperança

Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para a casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
========================
Versos Melodicos

J. RESENDE e MIRANDELA
A rolinha do sertão (assim é que é) – (samba/carnaval, 191
9)

Eu quizera ser a rola (Pois é)
A rolinha do sertão (Pois é)
Para fazer o meu ninho (Pois é)
Na palma de sua mão (Assim que é)

Não precisa ser a rola (Pois é)
A rolinha do sertão (Pois é)
Que o teu ninho já está feito (Pois é)
Dentro do meu coração (Assim que é)

O fogo nasce da lenha (Pois é)
A lenha nasce do chão (Pois é)
Bem querer nasce dos olhos (Pois é)
O amor do coração (Assim que é)

Sexta-feira faz um ano (Pois é)
Que meu coração fechou (Pois é)
Quem morava dentro dele (Pois é)
Tirou a chave e levou (Assim que é)

Eu vi a garça voando (Pois é)
Lá pra banda do sertão (Pois é)
Levava a Maria no bico (Pois é)
E Teresa no coração (Assim que é)

Um anjo me disse agora (Pois é)
Eu amendrontado ouvi (Pois é)
Que no céu Nossa Senhora (Pois é)
Tinha ciúmes de ti (Assim que é)

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José Feldman (Universo de Versos n. 33)

Uma Trova do Paraná

ELIANA PALMA – Maringá
Tão preguiçoso o noivinho
que trocou o seu papel
com o papel do padrinho
em plena lua de mel…
========================
Uma Trova Lírica/Filosófica de São Paulo/SP

ALBA CHRISTINA CAMPOS NETTO

Quebro a taça do passado
e o vinho espalhado ao chão
é meu brinde apaixonado
aos cacos de uma ilusão!
========================
Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

IZO GOLDMAN

No paraquedas fechado
uma etiqueta dizia:
– “Se falhar ao ser usado,
reclame. Tem garantia…”
========================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Cada verso que componho,
nele, eu conto um sonho meu;
todos nós temos um sonho…
E cada um que conte o seu!
========================
Uma Trova Hispânica do México

LEONARDO HUERTA

Bendita sea la amistad,
esa emoción tan bonita
que nos trae felicidad
dulce, divina e infinita!!!!
========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem estar.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

ANIS MURAD – Rio de Janeiro/RJ
1904 – 1962

Debaixo de nossa cama,
que tu deixaste vazia,
o meu chinelo reclama
o teu chinelo, Maria…
========================
Uma Trova sobre a Trova de Araçatuba/SP

DÉBORA NOVAES DE CASTRO

Trovador que faz as trovas
e as diz com real calor,
é um anjo de boas novas
na sementeira do amor.
========================
Um Haicai de Curitiba/PR

HELENA KOLODY
1912 – 2004

O brilho da lâmpada,
no interior da morada,
empalidece as estrelas.
========================
Uma Poesia de Porto Príncipe/Haiti

GEORGES CASTERA
Agite Antes de Usar

até a alvorada
hermética da pedra
te entrego ao abandono
das pontuações
à espreita das dissonâncias

a conivência do vento
em minha paixão
a eternidade nos desnuda.
(tradução Anderson Braga Horta)
==========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

eu ontem tive a impressão
que deus quis falar comigo
não lhe dei ouvidos

quem sou eu para falar com deus?
ele que cuide dos seus assuntos
que eu cuido dos meus
========================
Uma Poesia de Curitiba/PR ( rad.)

WALMOR MARCELLINO
Sonetilha

É possível que este amor
seja mais que fome e sede
uma ferida na solidão, cutelada:
a dor física que não se mede.
Mais ainda que qualquer dor,
uma retribuição que se perde,
dor-surpresa, punção sangrada
Amor de fruição perdida, apaixonada.
========================
Sextilhas a Quatro Vozes (Debate)

ADEMAR MACEDO (RN) ; PROF. GARCIA (RN) ; ZÉ LUCAS (RN) ; THALMA TAVARES (SP)

01 – Ademar
Convido o mestre Garcia,
Poeta que tanto brilha,
E José Lucas de Barros,
Um “poeta maravilha”,
Para compormos com Thalma
“QUATRO VOZES EM SEXTILHAS”.

02 =- Garcia
Juntos nesta mesma trilha,
Aumenta o nosso conceito.
Ademar, grande poeta,
Zé Lucas quase perfeito,
Thalma Tavares conosco
Brilhará do mesmo jeito.

03 – Zé Lucas
O convite foi aceito,
O pacto já está firmado;
Somos quatro nordestinos
Caminhando lado a lado,
Um quarteto que tem tudo
Pra dar conta do recado.

04 – Thalma
Caminhar de braço dado
Com três poetas divinos,
Três gigantes da sextilha,
É cometer desatinos
Querendo igualar-se aos grandes,
Sendo um dos mais pequeninos.

05 – Ademar
Nós que somos nordestinos,
Recanto dos cantadores,
Onde o verso se reflete
Num arco-íris de cores,
Mostramos, pois, para o mundo
Nossos mais puros valores.

06 – Garcia
Somos quatro vencedores
Nesta luta de titãs,
Quatro amantes da poesia,
Quatro irmãos e quatro fãs
Das belezas nordestinas
Nas auroras das manhãs.

07 – Zé Lucas
Eu ericei minhas cãs
Com tanto verso bonito
De quatro cabras da peste
Mandando aos céus o seu grito,
Ou quatro marretas de aço
Arrebentando granito.

08 – Thalma
Os céus conhecem meu grito
– clamor de cabra da peste –
Que junto ao de vocês três
Fará tremer o Nordeste,
Fará tremer o Brasil
No Centro, Sul e Sudeste.

Obs. Debate concluído com 200 estrofes.
========================
Uma Trova Ecológica de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI

Velho tronco, na queimada
em dolorosa utopia,
sonha ouvir a passarada
que em vida abrigou… um dia.
========================
Uma Poesia de Curitiba/PR

EDIVAL ANTONIO LESSNAU P
ERRINI
O Surfista

Olhos de águia
olham
sobre o hálito do mar
estrelas que só eles veem.

O corpo abre um talho na água.

Entre vagalhões,
a prancha
é lança e é guerreira.

Soberano,
o surfista
põe-se de pé
e costura a onda
tantas e tantas vezes
que o fio
interminável
é o da linha do horizonte.

Na areia
uma vestal sorri,
e molha-se também.
========================
Uma Trova Sobre Esperança, de Pouso Alegre/MG

ALFREDO DE CASTRO

No verdor da mocidade,
quanta esperança entretive! 
Agora tenho saudade
das esperanças que tive!
========================
Um Soneto de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA

1888 – 1935
Não quero rosas, desde que haja ros
as.

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?
Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir. Para quê?…
Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria…
Ah, com que esmola a aquecerei?…
========================
Uma Poesia de Longe

RUDYARD KIPLING – Bombain/India
1865 – 1936
Se

Se consegues manter a calma
quando à tua volta todos a perdem
e te culpam por isso.
Se consegues ter confiança em ti
quando todos duvidam de ti
e aceitas as suas dúvidas
Se consegues esperar sem te cansares por esperar
ou caluniado não responderes com calúnias
ou odiado não dares espaço ao ódio
sem porém te fazeres demasiado bom
ou falares cheio de conhecimentos
Se consegues sonhar sem fazeres dos sonhos teus mestres
Se consegues pensar sem fazeres dos pensamentos teus objectivos
Se consegues encontrar-te com o Triunfo e a Derrota
e tratares esses dois impostores do mesmo modo
Se consegues suportar a escuta das verdades que dizes
distorcidas pelos que te querem ver cair em armadilhas
ou encarar tudo aquilo pelo qual lutaste na vida
ficar destruído e reconstruíres tudo de novo
com instrumentos gastos pelo tempo
Se consegues num único passo
arriscar tudo o que conquistaste
num lançamento de cara ou coroa,
perderes e recomeçares de novo
sem nunca suspirares palavras da tua perda.
Se consegues constringir o teu coração,
nervos e força para te servirem na tua vez
já depois de não existirem, e aguentares
quando já nada tens em ti a não ser a vontade que te diz:
“Aguenta-te!”
Se consegues falar para multidões
e permaneceres com as tuas virtudes
ou andares entre reis e pobres
e agires naturalmente
Se nem inimigos ou amigos queridos
te conseguirem ofender
Se todas as pessoas contam contigo
mas nenhuma demasiado
Se consegues preencher cada minuto
dando valor a todos os segundos que passam
Tua é a Terra e tudo o que nela existe
e mais ainda, tu serás um Homem, meu filho!
========================
Um Poetrix de Porto Alegre/RS

RICARDO MANIERI
do tempo

Contemplo o tempo
do alto de meus dias
e sinto alguma vertigem…
========================
Cancioneiro Popular Português – Cancioneiro de Barqueiros (Alto Douro)

MARIA ADELAIDE DA SILVA PAIVA
Cantilena de Pedreiros

CANTILENA DOS PEDREIROS

  Ó pedra, ó!
Esta é a nossa surriba
ó pedra ó,
vai pelo monte arriba.

 Ó pedra, ó!
Gosto deste entremês
ó pedra ó,
rola mais uma vez

  Ó pedra, ó!
Está o trabalho feito.
Anda, vem ao meu mando,
que eu empurro com jeito.
=============================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Sonetilho do Falso Fernando Pessoa

Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto
e que odiei ou senti.

Nem Fausto nem Mefisto,
à deusa que se ri
deste nosso oaristo,

eis-me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto.
========================
Versos Melodicos

PIXINGUINHA e CHINA
Já te digo (samba / carnaval, 1919)

Considerando-se atingidos pelo “Quem São Eles”, os irmãos Pixinguinha e China (Otávio da Rocha Viana) revidaram com o “Já Te Digo”, em que achincalham o rival Sinhô. Terceira resposta ao “Quem São Eles” esta foi também a de maior sucesso e a mais cruel ( “Ele é alto, magro e feio / e desdentado / ele fala do mundo inteiro / e já está avacalhado…”), sendo as outras o “Fica Calmo que Aparece”, de Donga, e “Não És Tão Falado Assim”, de Hilário Jovino.
O curioso é que, a rigor, a polêmica foi gratuita, pois não havia no samba de Sinhô qualquer alusão ofensiva aos adversários.
Pela repercussão alcançada no carnaval de 1919, “Já Te Digo” projetou Pixinguinha como compositor. Com uma forma musical mais definida do que a maioria criada por seus contemporâneos, ele extravasava em suas composições um conhecimento teórico de música superior. “Já Te Digo” tem a forma A-B-A-C-A-D-A, sendo que cada grupo de quatro compassos é repetido sempre ao longo de cada segmento. A composição é ainda o primeiro exemplo da extraordinária capacidade de Pixinguinha de prender ouvinte já na introdução, um primor neste caso. Mais tarde, como arranjador de música alheia, isso se repetiria constantemente. Por coincidência, “Já Te Digo” e “Quem São Eles” foram lançados por um mesmo cantor, o Bahiano da Casa Edison.

Um sou eu, e o outro não sei quem é
Um sou eu, e o outro não sei quem é
Ele sofreu pra usar colarinho em pé
Ele sofreu pra usar colarinho em pé

Vocês não sabem quem é ele, pois eu vos digo
Vocês não sabem quem é ele, pois eu vos digo
Ele é um cabra muito feio, que fala sem receio
Não tem medo de perigo
Ele é um cabra muito feio, que fala sem receio
Não tem medo de perigo

Um sou eu, e o outro não sei quem é
Um sou eu, e o outro não sei quem é
Ele sofreu pra usar colarinho em pé
Ele sofreu pra usar colarinho em pé

Ele é alto, magro e feio
É desdentado
Ele é alto, magro e feio
É desdentado
Ele fala do mundo inteiro
E já está avacalhado no Rio de Janeiro
Ele fala do mundo inteiro
E já está avacalhado no Rio de Janeiro

Vocês não sabem quem é ele, pois eu vos digo
Vocês não sabem quem é ele, pois eu vos digo
Ele é um cabra muito feio, que fala sem receio
Não tem medo de perigo
Ele é um cabra muito feio, que fala sem receio
Não tem medo de perigo

(Cifrantiga)
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José Feldman (Universo de Versos n. 32)

Uma Trova do Paraná

LUIZ HÉLIO FRIEDRICH – Curitiba
Como “Luiz Hélio” ou “anônimo”,
meu trovar não é bem sábio.
Necessito de um pseudônimo…
Quem me dera Luiz Otábio!
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Uma Trova Lírica/Filosófica do Piauí

WALDIR RODRIGUES

Para meu mal não existe
um remédio com certeza
como é triste ser-se triste
e sofrer-se de tristeza.
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Uma Trova Humorística de Curitiba/PR

HELENA KOLODY

Cresceu estranho tumor
no pé descalço do Zé.
Será que eu tenho, doutor,
apendicite no pé?
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Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Almoço e janto poesia.
E neste meu universo,
mastigo um pão todo dia
amanteigado de verso.
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Uma Trova Hispânica da Argentina

NERINA THOMAS

El hombre avaro se muestra
bajo la piel de una oveja
por su ambición tan siniestra
la justicia muerta deja.
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Uma Quadra Popular Portuguesa

A caixa que não tem tampa
Fica sempre destampada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
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Trovadores que deixaram Saudades

APARÍCIO FERNANDES – Rio de Janeiro/RJ
1935 – 1996

Dia a dia vai se impondo
este conceito batata:
a terra é um mundo redondo
repleto de gente chata…
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Uma Trova sobre a Trova do Pará

“NATO” AZEVEDO

A trova é peça singela
que o artista inspirado lavra,
retoca, molda, cinzela,
unindo cada palavra.
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Um Haicai de Curitiba/PR

SUZANA LYRA STRAPASSON

Manhã de inverno –
o marulhar das ondas
na concha vazia.
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Uma Soneto de Lisboa/Portugal

LUIZ VAZ DE CAMÕES
c.1524 – 1580

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
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O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

de colchão em colchão
chego à conclusão
meu lar é no chão
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Uma Poesia de Rio Verde/PR

ADY XAVIER DE MORAES
Mulher

És bela, não porque se fez bela,
mas porque tens no íntimo
o brilho de uma estrela
que durante o dia se esconde
e, durante a noite, no infinito,
mostra tua face que resplandece.

És linda, não porque se fez linda,
mas porque a natureza preparou
para nascer e brilhar.
Tu não precisas de arranjos,
porque uma flor já nasce
com toda a beleza, tenra
e perfumada.

És perfeita, não porque te fez perfeita,
mas porque a vida deu-te de tudo.
A simplicidade de um anjo.
A inocência de uma criança.
O carisma de uma rainha
quando sorri…
sorri com os olhos,
com os lábios, com o coração.

Mostras com muita esperança,
a vontade de vencer na vida
e não sabe da virtude que tens,
por isso, és linda, és bela,
como a flor do meu jardim.
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Setilha de Crato/CE

JOSENIR A. DE LACERDA

Todo poeta de fato
é grande observador.
Seja da rua ou do mato,
seja leigo ou professor.
Faz verdadeira pesquisa.
Vasto estudo realiza,
buscando essência e teor.
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Uma Trova sobre Esperança, de Campos/RJ

DENANCY MELLO  ANOMAL

Entre o meu pai – já velhinho
e o meu filho – uma criança,
vejo estender-se o caminho
por onde passa a esperança.

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Um Soneto de Santiago/Chile

PABLO NERUDA
1904 – 1973
Soneto de Amor

Talvez não ser é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio-dia
como uma flor azul, sem que caminhes
mais tarde pela névoa e os ladrilhos,

sem essa luz que levas na mão
que talvez outros não verão dourada,
que talvez ninguém soube que crescia
como a origem rubra da rosa,

sem que sejas, enfim, sem que viesses
brusca, incitante, conhecer minha vida,
aragem de roseira, trigo do vento,

e desde então sou porque tu é,
e desde então é, sou e somos
e por amor serei, serás, seremos.
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Um Poetrix de Santo Antonio de Jesus/BA

RONALDO RIBEIRO JACOBINA
problemas, eis a questão

Não me envolvo em novelos:
Se posso resolve-los, resolvo, sem alaridos.
Se não, já estão resolvidos.
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Cantigas Populares Portuguesas de Trás-os-Montes e Alto Douro

Cantigas à Desgarrada

“Nas feiras, festas e arraiais, dois cantadores, ou cantador e cantadeira, divertiam os romeiros curiosos improvisando ou repetindo versos, ao som da concertina ou de simples gaita de boca. Se havia cantadeira, era dela a última estrofe.

Havia, pois, as cantigas improvisadas e as decoradas, geralmente do tipo pergunta e resposta.

Como é habitual na poesia popular, exprimiam-se em quadras de redondilha maior, mas transformadas em sextilhas divididas em dois grupos de três versos, com os seguintes esquemas (Folclore de Portugal):

1º b a b, b c d
2º a a b, b c d

Exemplo duma quadra com dois esquemas:

Boa noite, meus senhores,
Vamos então começar:
Diz-me lá, ó cantador,
Quantos peixes há no mar.

1º esquema

Vamos então começar:
Boa noite, meus senhores,
Vamos então começar.

Pausa

Vamos então começar:
Diz-me lá, ó cantador,
Quantos peixes há no mar

2º esquema

Boa noite, meus senhores,
Boa noite, meus senhores,
Vamos então começar.

Pausa

Vamos então começar:
Diz-me lá, ó cantador,
Quantos peixes há no mar.”
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Um Soneto de Assaré/CE

PATATIVA DO ASSARÉ
1909 – 2002
O burro

Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.
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Uma Poesia de Longe

WALT WHITMAN – Huntington/Estados Unidos
1819 – 1892
Enquanto eu lia o livro

Enquanto eu lia o livro, a famosa biografia:
– Então é isso (eu me perguntava)
o que o autor chama
a vida de um homem?
E é assim que alguém,
quando morto e ausente eu estiver,
irá escrever sobre a minha vida?
(Como se alguém realmente soubesse
de minha vida um nada,
quando até eu, eu mesmo, tantas vezes
sinto que pouco sei ou nada sei
da verdadeira vida que é a minha:
somente uns poucos traços
apagados, uns dados espalhados
e uns desvios, que eu busco
para uso próprio, marcando o caminho
daqui afora.)
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Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Sentimento do Mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados

ao amanhecer esse amanhecer
mais noite que a noite.

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Versos Melodicos

MÁRIO DE SÃO JOÃO RABELO (Portugal)
A baratinha (marcha, 1918)

A marcha A baratinha composta pelo português Mário de São João Rabelo, foi divulgada no Brasil por companhias de teatro musicado e foi o grande sucessso no carnaval de 1918. Primeira gravação na Casa Edison em 1917 por Bahiano, e em 1918 na Odeon, pelo grupo O Passo no Choro (instrumental).

Chega, chega, minha gente,
Que o choro vai começá,
Repara como é gostoso,
Este samba de matá.

A baratinha,a baratinha,
A baratinha, bateu asas e voou.
A baratinha, iaiá,
A baratinha, ioiô,
A baratinha, bateu asas e voou.

Perna de porco, é presunto,
Mão de vaca, é mocotó,
Quem quiser viver feliz,
Deve sempre dormir só…

Minha menina faceira
Cinturinha de retrós
Põe a chaleira no fogo
Vai quentá café pra nós…

Menina da saia curta
Que mora lá no riacho
Atrepa neste coqueiro
Joga-me os cocos pra baixo…
(Cifrantiga)
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José Feldman (Universo de Versos n. 31)

Uma Trova do Paraná

SARA FURQUIM – Rio Branco do Sul

A vida é um mar de rosas
legando beleza e olor,
às criaturas bondosas,
que sabem semear o amor.
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Uma Trova contra a Dengue, de Pedro Leopoldo/MG

WAGNER MARQUES LOPES
Sucata empoçando chuvas –
à dengue, bom ambiente,
onde ela cresce… E põe luvas
para atacar muita gente!
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Uma Trova Lírica/Filosófica de Fortaleza/CE

LEDA COSTA LIMA

Vivi de amor, de alegria
hoje, a saudade, em surdina,
jorra sonhos e a poesia,
deixa um verso em cada esquina!
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Uma Trova Humorística de Juiz de Fora/MG

DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO

Nhoque, foi esta a razão
da causa morte do Roque:
deu um tapa no leão
e o leão fez nele … nhoque!
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Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO  – Natal/RN
1951 – 2013

Adotei o isolamento,
feito um ermitão qualquer.
Pra fugir do casamento
e das manhas de mulher!…
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Uma Trova Hispânica da Argentina

MIRTA CORDIDO

En el medio de la mar
encontré yo una botella
que decía: “Me has de amar,
y serás mi flor mas bella”
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Uma Quadra Popular Portuguesa

Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
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Trovadores que deixaram Saudades

FÉLIX AIRES– Buriti Bravo/MA
1904 – 1979

 Por esses campos azuis,
 ó lua do meu sertão,
 tu és um pente de luz
 nas tranças da escuridão!
========================
Uma Trova sobre a Trova, de Maringá/PR

ALBERTO PACO

Cada momento vivido,
na vida que se renova,
às vezes é definido
apenas em uma trova!
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Um Haicai do Rio de Janeiro/RJ

MILLÔR FERNANDES
1923 – 2012

Usucapião
É contemplar as nuvens
Do próprio chão.
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O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

a uma carta pluma
só se responde
com alguma resposta nenhuma
algo assim como se a onda
não acabasse em espuma
assim algo como se amar
fosse mais do que a bruma

uma coisa assim complexa
como se um dia de chuva
fosse uma sombrinha aberta
como se, aí, como se,
de quantos se
se faz essa história
que se chama eu e você
========================
Uma Poesia de São Paulo/SP

MÁRCIA SANCHEZ LUZ

Melodia
 
Não há que negar
nossas diferenças
posto que existem
o claro e o escuro
na mais densa mata
de todos os palcos
desta melodia
cujo nome é vida!

Transportada em redes
de luares rentes
pois que a ti concedem
o clarão da alma
da mais pura calma
concebida em noites
de total silêncio
onde a dor acaba
e o furor transcende
transpassando a mente
doce e saborosa
pois que vicejante
em tua fala quente
que atordoa e mente!

Faz-se soberana
como em ti emana
a presença humana…
Mãos que se entrelaçam
entregando espaços
antes tão restritos
a ínfimos laços!
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Uma Poesia de Porto/Portugal

VITOR OLIVEIRA JORGE
Superfície

Às vezes o mar enruga-se como uma cortina horizontal.
Até ao infinito.
Como um cântico dos defuntos
Que sob ele jazem, e que voltam com as suas rugas
À superfície, clamando redenção.

 Mas como os defuntos estão reduzidos a fragmentos,
Só se vêem à superfície pequenos pedaços do que foi
O passado de cada pessoa, a história de cada biografia.
São ecos longínquos, que vêm de outro universo,
E entre os quais vamos avançando numa praia baixa,
Afastando cortinas, descortinando sussurros,
Vendo por vezes rostos mortos mais belos
Do que quando eram em vida.

 Passeamos por este mar em pregas.
Como se atravessássemos a saia do mundo
Em busca do que sempre a saia esconde, e mostra,
O seu umbigo cheio de algas, o seu odor.

 E nestas experiências empíricas nos perdemos,
Caminhando, caminhando, enquanto os defuntos cantam,
E o mar ondula como uma cortina, como uma toalha
Nunca lisa, enrugada sobre o passado, num sentimento
De que nada está jamais pronto, reencontrado, completo,
E apenas nos ficam imagens e sons, o coração trespassado
Por cruzes, as mãos incapazes de alisar tudo.
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Sextilhas do Ceará

GINA CARLA NUNES SILVA
Poema Nordestino

 
“Oxente” sou da terra do cangaço
Somos “cabra” bom de braço
Com “coragi” prá dar e vender
“Num” aceito “disafouro”
Mas, “tumbém” busco o tesouro
Que a vida têm a oferecer

“Nois” aqui dessa terra
“Festejamu” as “primavera”
Com festa de arrasta pé
Tem uns bestas que “manga”
Do “sutaqui” que encanta
E da forma da nossa fé

Mas, chamo mãe de “mainha”
Piaba aqui não é sardinha
Que nos açudes “vamu” pescar
Galinha de angola é capote
Novilha pequena é garrote
No sertão tudo tem seu lugar

“Muié” aqui “num” é perdida
Apenas ela foi “bulida”
Por um tal da “capitá”
Se engravidou ficou prenha
A gente chama Sinhá Penha
Prá “mó” da criança chegar

Somos povo festeiro, sem igual
É festa junina e carnaval
“Inventamu” até a micareta
E o país todinho gosta
E quando a morena “incosta”
É no forró que vou me acabar

Meu “viu” aqui é um “visse?”
Não confundam com o “vixe!”
São duas “afirmação” diferente
O “visse?” pergunta se entendeu
O “vixe!” admiração que sofreu
Essa é a língua de minha gente.

Meu lugar começa na Bahia
Vem em Sergipe, Alagoas, que alegria!
Quando chega no Pernambuco
Vou fazendo “vuco-vuco” “inté” o Ceará
Coração Paraibano, Piauiense e Potiguá
É somente no Maranhão que vai se acabar.

As moças aqui são formosas
Os “machus” de roupa cheirosa
E as praias têm sabor de sal
Somos felizes de água na boca
Das comidas que me deixam “louca”
Eu como “inté” passar mal.

Assim são os nordestinos
Dispostos, guerreiros e contínuos
Ninguém é melhor do  que nós
Vivemos em eterna labuta
Nunca fugimos à luta
E não vão calar minha voz.
========================
Uma Trova sobre Esperança, do Rio de Janeiro/RJ

JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAUJO
1922 – 2004

Neste mundo que nos cansa
tanta maldade se vê,
que a gente tem esperança
mas já nem sabe de quê…
========================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
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Um Soneto de Uberlândia/MG

RAQUEL ORDONES
Amo-te

Amo-te desde sempre e além do fim
Antes da essência da estrela e do céu
Após a curva do infinito de onde vim
Em circuito inicio, meio e fim do anel.

Amo-te com a carne e de toda a alma
Na tua presença e na minha saudade
Amo-te em vendaval que me acalma
Em todo instante é minha eternidade.

Amo-te, simples assim naturalmente.
Com a emoção; sem nem um segredo.
Amo-te; amo-te, digo isso sem medo.

Amo-te desde antes do nascer do mar
Maciço é o desejo quem vem na onda
Amo-te, ininterruptamente me ronda.
========================
Uma Poesia de Longe

EDMOND JABÈS – Cairo/Egito
1912 – 1991
Canção Para Uma Noite de Luar

Tu deslocas as ruas.
A cidade é um labirinto.
Sempre acabo em tua rua.

Tu mudas de nome.
Os dias são meus degraus.
Tua janela é tão alta.

Perco-te de vista.
À tua porta, um ladrão
ataca a fechadura.

Circundas meus sonhos.
Escapas à terra,
Ao inverno, às lágrimas.

    (tradução: Mário Laranjeira)
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Um Poetrix de Manaus/AM

ROSA CLEMENT
borboleta

centro da cidade
a mariposa entra no ônibus
e passa pela borboleta
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Uma Poesia de Maputo/Moçambique

JOSÉ CRAVEIRINHA
1922 – 2003
Um Homem Nunca Chora

Acreditava naquela história
do homem que nunca chora.

 Eu julgava-me um homem.

 Na adolescência
meus filmes de aventuras
punham-me muito longe de ser cobarde
na arrogante criancice do herói de ferro.

 Agora tremo.
 E agora choro.

 Como um homem treme.
Como chora um homem!
========================
Versos Melodicos

Pelo Telefone (Samba, 1917)

Primeira composição classificada como samba a alcançar o sucesso, “Pelo Telefone” marca o início do reinado da canção carnavalesca. É a partir de sua popularização que o carnaval ganha música própria e o samba começa a se fixar como gênero musical. Desde o lançamento, quando apareceram vários pretendentes à sua autoria, e mesmo depois, quando já havia sido reconhecida sua importância histórica, essa melodia seria sempre objeto de controvérsia, tornando-se uma de nossas composições mais polêmicas em todos os tempos.
Quase tudo que a este samba se refere é motivo de discussão: a autoria, a afirmação de que foi o primeiro samba gravado, a razão da letra e até sua designação como samba. Todas essas questões, algumas irrelevantes, acabaram por se integrar à sua história, conferindo-lhe mesmo um certo charme. “Pelo Telefone” tem uma estrutura ingênua e desordenada: a introdução instrumental é repetida entre algumas de suas partes (um expediente muito usado na época) e cada uma delas tem melodias e refrões diferentes, dando a impressão de que a composição foi sendo feita aos pedaços, com a junção de melodias escolhidas ao acaso ou recolhidas de cantos folclóricos.
Outra versão, relatada por Donga a Ary Vasconcelos e ao jornalista E. Sucupira Filho, é a de que “Pelo Telefone” teria surgido de uma estrofe a ele transmitida por um tal Didi da Gracinda, elemento ligado ao grupo de Hilário Jovino. Já Mauro de Almeida, que parece nunca ter-se preocupado em afirmar sua participação na autoria, declarou, em carta ao jornalista Arlequim, ser apenas o “arreglador” dos versos, o que corresponderia à verdade. “Pelo Telefone” foi lançado em discos Odeon, em dezembro de 1916, simultaneamente pelo cantor Bahiano (foto) e a Banda da Casa Edison.
Em 1917, o samba Pelo Telefone se transformou no marco inicial da história fonográfica daquele gênero musical. Historiadores, porém já registraram, em suas pesquisas, gravações anteriores que podem ser reconhecidas como samba e que comprovadamente foram gravadas antes da composição assinada pela dupla Donga/Mauro de Almeida.
A história oral menciona vários autores para o samba Pelo Telefone, mas quando Donga fez seu registro na Biblioteca Nacional omitiu todos declarando ser seu único compositor. As primeiras partituras, ainda na ortografia da época, que grafava Telephone, exibiam apenas o nome de Donga. A grita que se seguiu não teve muitos resultados, mas pelo menos serviu para que Mauro de Almeida (foto) fosse reconhecido como um dos parceiros. O Peru dos Pés Frios, como era conhecido o jornalista carnavalesco, aparece aqui em raríssima foto, mesmo porque faleceu pouco tempo depois da gravação do samba, ficando todas as luzes apenas sobre Donga, que delas sempre soube tirar proveito pessoal.
O sucesso cercou Pelo Telefone de aspectos os mais variados, fugindo da simples conseqüência musical, de cair na preferência popular, no assobio das calçadas e na cantoria das festinhas de subúrbio. Logo um sem-número de pais-da-criança apareceu, cada um puxando a brasa para sua sardinha, todo mundo ignorando a iniciativa de Donga (foto ao lado) em registrar oficialmente sua autoria na Biblioteca Nacional.
Da cantoria, lá pelo ano de 1916, participavam também Donga, o jornalista Mauro de Almeida – a quem Almirante credita a autoria indiscutível do samba -, João da Mata, o dono do refrão, e o conflituoso Sinhô, que como autor da frase “samba é como passarinho, está no ar, é de quem pegar”, evidentemente tentou também se apossar da paternidade da novidade. Ironizando a atuação de Aurelino Leal, o novo chefe de policia do Rio de Janeiro, o samba teve seus versos fixados por Mauro de Almeida, que nem assim foi reconhecido como co-autor no registro da Biblioteca Nacional.
Cantado em público pela primeira vez (segundo Almirante) no Cinema Teatro Velo, à rua Haddock Lobo, na Tijuca, despertou de imediato a cobiça alheia e – com razão ou sem ela – contestações quanto à autoria de Donga pipocaram de todos os lados. A principal veio de Tia Ciata, criando uma briga que jamais chegou à reconciliação, com um anúncio publicado no Jornal do Brasil garantindo que no Carnaval de 1917, na avenida Rio Branco, seria cantado o “verdadeiro tango Pelo Telefone dos inspirados carnavalescos João da Mata, o imortal Mestre Germano, a nossa velha amiguinha Ciata, o bom Hilário, com arranjo do pianista Sinhô, dedicado ao falecido repórter Mauro”, seguindo-se a letra com o nome de Roceiro, denunciando Donga nas entrelinhas:

“Pelo telefone
A minha boa gente
Mandou avisar
Que meu bom arranjo
Era oferecido
Para se cantar 
Ai; ai, ai
Leve a mão na consciência,
Meu bem
Ai, ai, ai
Mas porque tanta presença
meu bem? 

Ó que caradura
De dizer nas rodas
Que esse arranjo é teu
E do bom Hilário
E da velha Ciata
Que o Sinhô escreveu 

Tomara que tu apanhes
Para não tornar a fazer isso,
Escrever o que é dos outros 

Sem olhar o compromisso”.

Não faltaram também os aproveitadores, que na esteira do êxito da gravação de Bahiano correram atrás dos lucros que se imaginava para os autores de Pelo Telefone (Mauro de Almeida jamais recebeu um tostão de direitos…). Carlos Lima editou Chefe da Folia no Telefone; J. Meira registrou Ai, Si A Rolinha Sinhô, Sinhô e Maria Carlota da Costa Pereira se apresenta como autora de No Telefone, Rolinha, Baratinha & Cia.
 
Pelo Telefone (samba, 1917) – Donga e Mauro de Almeida
 

O chefe da folia pelo telefone manda lhe avisar
Que com alegria não se questione para se brincar
O chefe da polícia pelo telefone manda lhe avisar
Que na Carioca tem uma roleta para se brincar
: – Ai, ai, ai,
– Deixa as mágoas para trás ó rapaz
– Ai, ai, ai,
– Fica triste se é capaz, e verás :
: Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Tirar o amor dos outros
E depois fazer feitiço :
 Ai se a rolinha (Sinhô, sinhô)
Se embaraçou (Sinhô, sinhô)
É que a avezinha (Sinhô, sinhô)
Nunca sambou (Sinhô, sinhô)
Porque este samba (Sinhô, sinhô)
De arrepiar (Sinhô, sinhô)
Põe perna bamba (Sinhô, sinhô)
E faz chorar

A versão do povo

No dia 20 de outubro de 1916, Aureliano Leal, chefe de polícia do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, determinou por escrito aos seus subordinados que informassem “antes pelo telefone” aos infratores, a apreensão do material usado no jogo de azar. Imediatamente o humor carioca captou a comicidade do episódio, que ao lado de outros foi cantado em versos improvisados nas festas de Tia Ciata e registrado rapidamente por Donga em seu nome, na Biblioteca Nacional. É lógico que os versos “oficiais” eram diferentes daqueles que ridicularizavam o chefe de polícia. Sua versão popular, a que corria na boca das ruas dizia:

“O chefe da polícia
Pelo telefone
Mandou avisar
Que na Carioca
Tem uma roleta
Para se jogar
Ai, ai, ai
O chefe gosta da roleta,
Ô maninha
Ai, ai, ai
Ninguém mais fica forreta
É maninha.
Chefe Aureliano,
Sinhô, Sinhô,
É bom menino,
Sinhô, Sinhô,
Prá se jogar,
Sinhô, Sinhô,
De todo o jeito,
Sinhô, Sinhô,
O bacará
Sinhô, Sinhô,
O pinguelim,
Sinhô, Sinhô,
Tudo é assim”.

A letra registrada por Donga, que passou a ser conhecida como original e aparece nas gravações até hoje, é alongada, homenageando o “Peru”, o jornalista Mauro de Almeida, co-autor da obra, e o “Morcego”, Norberto do Amaral Júnior, conhecido no Clube dos Democráticos. Incorpora também elementos do folclore nordestino:
 
“O chefe da folia
Pelo telefone
Manda avisar
Que com alegria
Não se questione
Para se brincar.
Ai, ai, ai,
Deixa as mágoas para trás
Ó rapaz!
Ai, ai, ai,
Fica triste se és capaz
E verás
Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Tirar amores dos outros
E depois fazer feitiço…
Ai, a rolinha
Sinhô, Sinhô
Se embaraçou
Sinhô, Sinhô
É que a avezinha
Sinhô, Sinhô
Nunca sambou
Sinhô, Sinhô,
Porque esse samba,
Sinhô, Sinhô,
É de arrepiar,
Sinhô, Sinhô,
Põe a perna bamba
Sinhô, Sinhô,
Me faz gozar,
Sinhô, Sinhô.
O “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Eu fazer tolice,
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse que não disse.
Ai, ai, ai,
Aí está o canto ideal
Triunfal
Viva o nosso carnaval.
Sem rival.
Se quem tira o amor dos outros
Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno só habitado.
Oueres ou não
Sinhô, Sinhô,
Vir pro cordão
Sinhô, Sinhô
Do coração,
Sinhô, Sinhô.
Por este samba”.

Fonte dos Versos Melódicos:
Excertos obtidos em A Canção no Tempo (Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello), História do Samba – Ed. Globo. Disponível em Cifrantiga

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José Feldman (Universo de Versos n. 30)

Uma Trova do Paraná

VÂNIA MARIA SOUZA ENNES – Curitiba

Navegam os trovadores
em e-mails de ilusões,
computando riso e dores,
conectando as emoções…
========================
Uma Trova Lírica/Filosófica de Garibaldi/RS

LACY JOSÉ RAYMUNDI

Quando os vejo, todo dia,
sempre me espanta,não nego,
perceber, no olhar do guia
a luz dos olhos do cego!
========================
Uma Trova Humorística de Fortaleza/CE

FERNANDO CÂNCIO ARAUJO

Rapaz nobre, inteligente
e por demais escolado:
só come cachorro-quente
se o mesmo for vacinado…
========================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO – Natal/RN
1951 – 2013
A distância nos redime
se a saudade nos escolta;
ir pra longe é tão sublime
como sublime é a volta!
========================
Uma Trova Hispânica do México

LEONARDO HUERTA
Yo quiero morir dormido,
¡soñando con tus amores!
Y cuando ya haya partido
¡que tus trovas sean mis flores!
========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Uma mosca sem valor
poisa, c’o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

ISIMBARDO PEIXOTO – Campos dos Goytacazes/RJ
1896 – ????

Saudade não se define,
 e defini-la quem há-de?
 Por mais que a gente rumine,
 saudade é sempre saudade!
========================
Uma Trova sobre a Trova, de Pitangui/MG

JOSÉ ANTONIO DE FREITAS

Quando a inspiração palpita
nos meus dias mais risonhos,
cada trova é uma pepita
na bateia dos meus sonhos.
========================
Um Haicai de São José dos Pinhais/PR

SÉRGIO FRANCISCO PICHORIM

A garoa fina.
Nos para-brisas dos carros
o vaivém constante.
========================
Um Soneto de Russowsky

MIGUEL RUSSOWSKY – Santa Maria/RS
1923 – 2009
Oração do Poeta

– Que me darás, Senhor, pela jornada
de dores, privações e misereres?
– Eu te darei a noite salpicada
de estrelas e silêncio. Que mais queres?

– E para a solidão da madrugada?
– Já fiz o mundo cheio de mulheres.
procura e encontrarás a tua amada.
Faz os mais lindos versos que puderes.

– Mas como irei, Senhor, reconhecê-la?
– Há no céu, entre todas, uma estrela
que apenas tu verás. Que mais perguntas?

– E este frio e esta angústia que ora sinto?
– Quando ela penetrar em teu recinto
a primavera e a paz hão de vir juntas.
==================================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

aves
de ramo
em ramo
meu pensamento
de rima
em rima
erra

até uma
que diz
te amo
========================
Uma Poesia de Palmeira/PR

HEITOR STOCKLER DE FRANÇA
1888 – 1975

Gosto de Fazer Versos Quando Chove

Gosto de fazer versos quando chove
E ouço o marulho d’água nas sarjetas;
Esse fragor de indômitas maretas,
Tem não sei que de estranho e me comove …
Não é que eu seja um triste, uma alma doente,

Mas, apenas porque
Minhas recordações de infância,
Despertam meu passado
Que, embora distante
Ainda mora em meu ser.

Revejo, então, contemplativo,
Como num Cosmorama,
Detalhes da época vivida
No lugarejo natal.

Agora, a casa paterna.
Depois, lá fora, na chácara,
A horta verde, o pomar,
O campo, a aguada, a mangueira,
A lida da criação;

O vento, a chuva, a bonança,
A enxurrada nos caminhos,
O sol dourando a paisagem,
E eu, como um rei de tudo,
Contente a gozar a vida.

Por isso, se está a chover
E se outra coisa não faço,
Faço poemas, versos traço,
Para a infância reviver! …
========================
Uma Sextilha de São Paulo/SP

ASSIS COIMBRA

Quem inventou esse “S”
Com que se escreve saudade
Foi o mesmo que inventou
O “F” da falsidade
E o mesmo que fez o “I”
Da minha infelicidade
========================
Uma Trova Sobre Esperança, de São Paulo/SP

ORLANDO BRITO

Cabelos brancos… Idade
de enternecida aliança:
o alvorecer da saudade,
e o por-do-sol da esperança…
========================
Uma Poesia da África, de São Vicente/Cabo Verde

OVÍDIO MARTINS
1928 – 1999
Medo

Ah sempre este sonho ingrato
de reduzir a distância!
Meus gestos
          perdi-os
                    no aceno do mar
Meus olhos
          cansei-os
                    no afago das ondas
E agora este medo desesperado
de ter o sonho na palma da mão
e sem gestos
          para o acariciar
e sem olhos
          para o deslumbramento!
========================
Um Soneto de Cabo Verde/MG

PEDRO SATURNINO
1883 – 1953
Cavalo Pampa

 
Devo contar (naturalmente em rima)
que também tive o meu cavalo pampa,
de muita fibra, de bonita estampa,
em que eu montava para ver a prima.

O soberbo animal de minha estima,
que bem marchava pela estrada escampa,
ao pé da casa dela, numa rampa,
estralava as ferragens rua acima.

Adivinhando que eu gostava dela,
com tal força batia as ferraduras,
que ela vinha postar-se na janela.

E eu lograva da flor do lugarejo,
das mais belas e gentil das criaturas,
um sorriso de amor melhor que um beijo!
========================
Uma Poesia de Longe

ITZEL A. SOSA – Canadá
Entre Animais

         a Frida Kahlo

Entre animais
eu sou a que bebe água
e a transforma em tempo

A que se rompe na luz
de certas tardes
que se rompem em mil
                            geométricas
                            caleidoscópicas

A que no vento incendeia
algum ramo de nuvens
         alguma paisagem
                   suas guitarras

A que sou também ao mesmo tempo
esta terra que anda na intempérie enrubescida
vestida de milho

Sou a que questiona os espelhos
                   no túnel negro
                            os abismos
a que profere azuis maldições
verdes        rezas
violáceas                          despedidas

Sou a que não pára de sangrar
enquanto levanta o rosto para a noite
e que reclama
                   a cicatriz do dia
a infância deste mundo
o desamparo submerso     aqui nos ossos

Sou este círculo de sal
de paredes estendidas
de que úmida e saciada emerjo
         semelhante
                            companheira

Sou
este animal bípede e marinho
montanha vertebrada
caracol de mil anos que dorme
em um pulso de mulher

Entre animais
sou
um grito sempre aquático na boca.
========================
Um Poetrix de Belém/PA

ROSEANE FERREIRA
cortinas…

Ao vento,serpenteiam,
Abrigar segredos
Mistérios além da seda.
========================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Rosa Rosae

Rosa
e todas as rimas
Rosa
e os perfumes todos
Rosa
no florindo espelho
Rosa
na brancura branca
Rosa
no carmim da hora
Rosa
no brinco e pulseira
Rosa
no deslumbramento
Rosa
no distanciamento
Rosa
no que não foi escrito
Rosa
no que deixou de ser dito
Rosa
pétala a pétala
despetalirosada
========================
Versos Melodicos

ANONIMO
O Meu Boi Morreu

(refrão)
O meu boi morreu
Que será de mim
Manda buscá outro
Ó maninha
Lá no Piauí
O meu boi morreu
Que será de mim
Manda buscá outro
Ó maninha
Lá no Piauí

Seu moço inteligente
Faz favô de mi dizê
Em riba daquele morro
Quantos capim há de tê
Se o raio não cortou
Se o gado não comeu
Em riba daquele morro
Tem o capim que nasceu.

(refrão)

Me arresponda sem tretê
Mas me arresponda já
O que é que a gente vê
E que não pode pegá?
Aquilo que a gente vê
E que não pode pegá
É a lua e as estrela
Que no céu tão a briá.

(refrão)

Vou lhe fazê uma pregunta
Pra vancê me arrespondê
Vinte e cinco par de gato
Quantas unha deve te?
Intrei no raio de sol
Saí no raio de lua
Vinte e cinco par de gato
Com certeza tem mil unha.

(refrão)

Em riba daquela serra
Tem um sino sem badalo
E uma arroba de capim
Pra você comê, ó cavalo
Em riba daquela serra
Tem um sino ferrugento
Se eu hei de comê capim
Coma você, ó seu jumento.

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Manuel Alegre (Caravela da Poesia)

Manuel Alegre de Melo Duarte (Águeda/ Portugal, 12 de Maio de 1936)

AS MÃOS

 Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
 Com mãos tudo se faz e se desfaz.
 Com mãos se faz o poema – e são de terra.
 Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

 Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
 Não são de pedras estas casas, mas
 de mãos. E estão no fruto e na palavra
 as mãos que são o canto e são as armas.

 E cravam-se no tempo como farpas
 as mãos que vês nas coisas transformadas.
 Folhas que vão no vento: verdes harpas.

 De mãos é cada flor, cada cidade.
 Ninguém pode vencer estas espadas:
 nas tuas mãos começa a liberdade.

O PRIMEIRO SONETO DO PORTUGUÊS ERRANTE

Eu sou o solitário o estrangeirado
o que tem uma pátria que já foi
e a que não é. Eu sou o exilado
de um país que não há e que me dói.

Sou o ausente mesmo se presente
o sedentário que partiu em viagem
eu sou o inconformado o renitente
o que ficando fica de passagem.

Eu sou o que pertence a um só lugar
perdido como o grego em outra ilíada.
Eu sou este partir este ficar.

E a nau que me levou não voltará.
Eu sou talvez o último lusíada
em demanda do porto que não há.

ÚLTIMA PÁGINA

Vou deixar este livro. Adeus.
Aqui morei nas ruas infinitas.
Adeus meu bairro página branca
onde morri onde nasci algumas vezes.

Adeus palavras comboios
adeus navio. De ti povo
não me despeço. Vou contigo.
Adeus meu bairro versos ventos.

Não voltarei a Nambuangongo
onde tu meu amor não viste nada. Adeus
camaradas dos campos de batalha.
Parto sem ti Pedro Soldado.

Tu Rapariga do País de Abril
tu vens comigo. Não te esqueças
da primavera. Vamos soltar
a primavera no País de Abril.

Livro: meu suor meu sangue
aqui te deixo no cimo da pátria
Meto a viola debaixo do braço
e viro a página. Adeus.

SOBRE UM MOTE DE CAMÕES

Se me desta terra for
eu vos levarei amor.
Nem amor deixo na terra
que deixando levarei.

Deixo a dor de te deixar
na terra onde amor não vive
na que levar levarei
amor onde só dor tive.

Nem amor pode ser livre
se não há na terra amor.
Deixo a dor de não levar
a dor de onde amor não vive.

E levo a terra que deixo
onde deixo a dor que tive.
Na que levar levarei
este amor que é livre livre.

ILHA DE COS

Eu sabia que tinha de haver um sítio
Onde o humano e o divino se tocassem
Não propriamente a terra do sagrado
Mas uma terra para o homem e para os deuses
Feitos à sua imagem e semelhança
Um lugar de harmonia
Com sua tragédia é certo
Mas onde a luz incita à busca da verdade
E onde o homem não tem outros limites
Senão os da sua própria liberdade

AS MÃOS

 Com mãos se faz a paz se faz guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

 Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

 E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

 De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

O HOMEM SENTADO À MESA
 
Eis o homem sentado à mesa
Diante da folha branca.
Um longo, longo caminho,
Da vida para a palavra.

Decantação, purificação
Para chegar ao pássaro.

O homem que está à mesa
Atravessou muitos desertos
Virou do avesso a certeza
Naufragou nos mares do sul.

Entre ditongo e ditongo
Para chegar ao pássaro
Tu próprio terás de ser
Cada vez mais substantivo.

Irás de sílaba em sílaba
Ferido por sete espadas
Diante da folha branca
Serás fome e serás sede
Como o homem que está à mesa,

O homem tão despojado
Que a si mesmo se transforma
No pássaro que busca a forma.

Este é tempo do homem
perdido na multidão
Como ser desintegrado
Na folha branca da cidade.

Tempo do homem sentado
À mesa da solidão.

Há palavras como asas,
outras mais como raízes

O pássaro voa por dentro
Do homem sentado à mesa.
Vai de fonema em fonema
Sobre as cordas dos sentidos.
 
Se vires o homem que passa
Como se fosse no ar
Já sabes: é o homem que está
Diante da folha branca.
 
Às vezes levanta vôo
Para outro espaço, outro azul
E deixa dentro das sílabas
Um rastro como de sul.
 
Quando recordas,
Quando a tristeza
toca demais as cordas do coração
 
Quando um ritmo começa
Dentro das palavras,
 
Um sapateado inconfundível
(Malagueña, malagueña!)
E a folha branca é uma Espanha
Para cantar, para dançar
Para morrer entre sol e sombra
Às cinco em sangue…
 
Então verás chegar
O homem sentado à mesa
Às cinco en sombra de la tarde
Malagueña, Malagueña!
Diante da folha branca
Como por terras de Espanha.
 
Nos descampados deste tempo
Nos aeroportos auto-estradas
Nos anúncios sob as pontes
Talvez no marco geodésico
 
No fumo do lixo ardendo
No cheiro do alcatrão
Nos dejectos de lata e plástico
Nos jornais amarrotados
Nas barracas sobre a encosta
Na estrutura de betão
Sobre o gasóleo e a tristeza
Sobre a grande poluição
Onde nem folha ou erva cresce
 
Seco, duro, estéril tempo
Diante da folha branca
Da solidão suburbana
Onde a multidão se perde
Entre tristeza e tristeza
 
Às vezes um coração:
Talvez um pássaro verde
Ou talvez só a canção
Do homem sentado à mesa
 
O homem que está à mesa
Tem qualquer coisa que escapa
Qualquer coisa que o faz ser
Ausente quando presente
 
Às vezes como de mar
Às vezes como de sul
 
Um certo modo de olhar
Como atravessando as coisas
Um certo jeito de quem
Está sempre para partir.
 
O homem sentado à mesa
Não está sentado: caminha
Navega por sobre os mares
Ou por dentro de si mesmo.
 
Vem de longe para longe
Do passado para agora
De agora para amanhã
Está no avesso da hora!
 
Solta o pássaro, não pára,
Tem outro espaço, outro azul
Às vezes como de mar
Às vezes como de azul
 
E não se tem a certeza se está do lado de cá
Ou se está do outro lado, deste lado onde não está.
Mesmo se sentado à mesa
Não é possível detê-lo
O homem que tem um pássaro
É sempre um homem que passa.
 
Tem qualquer coisa que nem se sabe
O quê nem de quem
 
É talvez um mais além
Algo que sobe e que voa
Entre o Aqui e o Ali
Algo que não se perdoa
Ao homem quando ele tem
Um pássaro dentro de si…
 
Há um tocador a tocar
As harpas de cada sílaba
 
Diante da folha branca
Tudo é guitarra e surpresa.
 
Escutai o pássaro e o canto
Do homem sentado à mesa!

TROVA DO VENTO QUE PASSA

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/portugal/manoel_alegre.html
http://www.jornaldepoesia.jor.br/alegre.html
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/alegre.html

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Amadeu Amaral (Memorial de Um Passageiro de Bonde) 31. Um Fio de Cabelo

Aquela moça espigada que entrou no bonde com o ímpeto ágil de um gafanhoto e ficou sentada ao meu lado, nunca imaginaria que fosse causa possível de uma pequena tragédia.

Entrou, sentou-se, tão isenta, como diria o Camões, tão longe de mim que sentia a irradiação das suas calorias! Viçosa, inocente e jocunda como um cacho de flores de resedá arrancado ao galho pela manhã, tinha a afilada silhueta de uma girl esportiva e a despachada simplicidade de um rapaz. Tirou a espécie de boina que trazia na cabeça, agitou o nevoeiro de fogo do cabelo, ajeitou-o com as mãos, de leve, como se lhas queimasse, e minutos depois, repondo o gorro, partia, num outro salto de gafanhotinho brincalhão.

Jeunesse de visage et jeunesse de coeur!

Quando cheguei a casa, tinha no ombro um fio de cabelo, um fio de chama. Descobriu-o a criada, com um sorriso ingênuo e perverso. Pegou nele, de intrometida, examinou-o à luz da janela, e ia deixá-lo cair quando eu, não me podendo conter, exclamei: “Deus a faça careca, Manuela!” Manuela olhou-me com cara de surpresa e desapontamento, como a pedir explicação. Não lha dei, limitando-me a assoviar uns compassos da Marcha de Cádis, para não lhe deixar a impressão de estar zangado, e retirei-me para o meu quarto.

Na verdade, estava zangado. Aquele ato da pobre mulher apertara a mola ao mecanismo das minhas melancolias. Pus-me a considerar os frutos de suspicácia, de bisbilhotice e de malignidade que a moral produz nas almas simples; e de reflexão em reflexão achei-me de repente imerso, mal sustendo a cabeça de fora, na imensurável e irremediável miséria da bicharia humana.

E aí está como aquela menina, inocente como o é a Lua, dos raios que deixa cair, não esteve longe de ser causa de um desaguisado doméstico. Ao mesmo tempo que alisava o cabelo, num movimento de mãos e numa dança de dedos leve e aérea como um gorjeio, poderia estar agitando a corrente de dois destinos ignorados e preparando uma pororoca longínqua.

Ai! por muito pobre que seja a imaginação dos malfazejos, os distúrbios que ela consegue promover são pequena coisa diante do mal que todos fazemos uns aos outros pelo simples fato de existir.

Não há pior acidente do que ocupar um lugar no espaço. Um simples fio de cabelo caindo de uma cabeça pode ser para alguém como o raio destruidor partindo do punho de Arimã. Vivemos assim uma eterna e terrível mitologia. Participamos da natureza dos deuses, ao menos para o mal. Só para o mal. A vida é a angústia do terror difuso e permanente.

Fonte:
Domínio Público

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Charles Dickens (Horácio Sparkins) Parte II, final

– Faltam cinco para as cinco – disse o Sr. Malderton consultando o relógio. – Espero que ele não nos desiluda.

 – Ei-lo! – exclamou a Senhorita Teresa ao ouvir duas fortes pancadas à porta.

 Todos procuraram assumir o ar de quem nem suspeitava a chegada de quem quer que fosse, como costumam fazer as pessoas que esperam ansiosas uma visita.

 A porta da sala abriu-se.

 – O Sr. Barton – anunciou a criada.

 – Raios o partam! – murmurou Malderton – Ah, meu querido, como vai você? Que há de novo?

 – De novo mesmo – retrucou o comerciante na sua habitual maneira rude – não há nada. Nada que eu saiba. Como vamos, meninas e rapazes? Sr. Flamwell, prazer em vê-lo!

 – Eis o Sr. Sparkins – disse Tom, que estava olhando pela janela – num formidável cavalo preto!

 Lá vinha Horácio, bem seguro, montando um grande cavalo preto que curveteava e cabriolava como um surpanumerário de bufar, de empinar-se, de escoicear, o animal consentiu parar a umas cem jardas da porta. O Sr. Sparkins apeou-se e o confiou aos cuidados do cavalariço do Sr. Malderton. A cerimônia de introdução realizou-se com as devidas formalidades. O Sr. Flamwell fitou Horácio por trás de seus óculos verdes com ar misterioso e importante ao mesmo tempo, e o galante Horácio olhou para Teresa com uma expressão indizível.

 – É o nobre Sr. Augustus como-se-chama-mesmo? – perguntou baixinho o Sr. Malderton a Flamwell, que o escoltava para a sala de jantar.

 – Bem, não é ele… pelo menos não precisamente – volveu a grande autoridade – , não precisamente.

 – Quem é, então?

 – Psiu! – disse Flamwell abanando a cabeça com gravidade como para mostrar que o sabia bem, mas se achava impedido por alguma grave razão de revelar o notável segredo.

 Podia ser um ministro que procurava inteirar-se das opiniões do povo.

 – Sr. Sparkins – disse a encantadora Sra. Malderton – queira dividir as senhoras. João, ponha uma cadeira para o cavalheiro entre as senhoritas.

 Estas palavras foram dirigidas a um homem que, em condições normais, acumulava as funções de criado e jardineiro mas, como era necessário impressionar o Sr. Sparkins, fora forçado a calçar sapatos e pôr um lenço branco no pescoço, e havia sido retocado e escovado até assemelhar-se a um segundo lacaio.

 O jantar era excelente. Horácio dava a maior atenção à Senhorita Teresa e todos estavam de bom humor, exceto o Sr. Malderton, o qual, conhecendo as propensões de seu cunhado, sofreu a espécie de agonia que, segundo as informações dos jornais, experimenta a vizinhança quando um servente de taverna se enforca num depósito de feno, agonia “mais fácil de ser imaginada que descrita”.

 – Flamwell, tem visto ultimamente o seu amigo sir Thomas Noland? – perguntou o Sr. Malderton, lançando a Horácio um olhar oblíquo para ver o efeito que sobre ele exercia o nome de tamanho homem.

 – Bem, não muito… quer dizer, não ultimamente. Mas vi Lorde Gubbleton há três dias.

 – Ah espero que S. Exa. esteja passando bem – disse Malderton num tom de profundo interesse.

 Desnecessário declarar que, até aquele momento, ignorava de todo a existência da personalidade em apreço.

 – bem, estava passando bem… muito bem até. É um ótimo camarada. Encontrei-o na City, e tivemos uma longa prosa. Damo-nos muito. Mas não pude conversar com ele todo o tempo que queria, porque ele ia à casa de um banqueiro, um homem rico e membro do Parlamento, com o qual também me dou bastante… poderia até dizer – intimamente.

 – Sei a quem você está se referindo – retrucou o hospedeiro, que o sabia tão pouco, na realidade, quanto o próprio Flamwell. – Ele tem um negócio formidável.

 Era tocar em assunto perigoso.

 – Por falar em negócios – interveio o Sr. Barton, do centro da mesa – um cavalheiro que você conhecia muito bem, Malderton, antes de você ter dado aquele primeiro golpe feliz, passou outro dia na nossa loja e…

 – Barton, permite-me que lhe peça uma batata? – interrompeu o infeliz dono da casa, na esperança de cortar a história pela raiz.

 – Pois não! – respondeu o comerciante, insensível de todo ao objetivo de seu cunhado – E ele me disse sem rodeios…

 – Mais farinhenta, por favor, – interrompeu Malderton outra vez, temendo o fim da anedota e a repetição da palavra loja.

 – Ele me disse assim – continuou o culpado depois de passar a batata: – “Como vão os negócios?” Entoa eu lhe disse brincando – você conhece a minha maneira – , sim, eu lhe disse: “Eu nunca estou acima dos meus negócios, e espero que eles também nunca estejam acima de mim” Ah! Ah!

 – Sr. Sparkins – disse o dono da casa, debalde procurando disfarçar a sua consternação – um copo de vinho?

 – Com o maior prazer, meu senhor.

 – O prazer é todo meu.

 – Obrigado.

 – Uma dessas noites – resumiu o hospedeiro dirigindo-se a Horácio, em parte com a intenção de ostentar os dotes de conversador de seu novo conhecido, em parte com a esperança de abafar as histórias do cunhado – uma destas noites conversamos sobre a natureza do homem. Sua argumentação me impressionou muito fortemente.

 – E a mim também – disse o Sr. Frederico.

 Horácio inclinou a cabeça graciosamente.

 – Por favor, Sr. Sparkins, qual a sua opinião a respeito da mulher? – indagou a Sra. Malderton.

 As moças sorriam tolamente.

 – O homem – respondeu Horácio – , o homem, quer quando erra nos campos luminosos, alegres e floridos de um segundo Éden, quer quando percorre as regiões estéreis, áridas e, por assim dizer, vulgares a que somos forçados a nos habituar em tempos como estes; o homem, em qualquer circunstância ou em qualquer lugar, vergado sob as mortíferas rajadas da zona frígida ou comburido pelos raios de um sol vertical – , o homem sem a mulher, estaria sozinho.

 – Estou muito contente de verificar que o senhor tem opiniões tão respeitáveis – declarou a Sra. Malderton.

 – Eu também – acrescentou a Senhorita Teresa.

 Horácio fitou-a com olhar encantado, e a jovem corou.

 – Pois bem, na minha opinião… – disse o Sr. Barton.

 – Eu sei o que é que você quer dizer – interveio Malderton, determinado a não dar oportunidade a seu parente – e discordo de você.

 – Como? – perguntou o comerciante, espantado.

 – Sinto não estar de acordo com você, Barton – lançou o hospedeiro de modo tão positivo como quem deveras contradiz uma asserção feita por seu interlocutor – mas não posso aprovar o que eu considero uma afirmação monstruosa.

 – Mas eu queria dizer…

 – Você nunca poderá me convencer – afirmou o Sr. Malderton com obstinada determinação – Nunca.

 – Pois eu – disse o Sr. Frederico, a auxiliar o ataque de seu pai – não posso subscrever integralmente a argumentação do Sr. Sparkins.

 – Como! – exclamou Horácio, que se tornara mais metafísico e argumentador ao ver a parte feminina da família ouvi-lo com enlevada atenção. – Como! É o efeito conseqüência da causa? É a causa precursora do efeito?

 – Aí está – disse Flamwell.

 – Sem dúvida – concordou o Sr. Malderton.

 – Porque se o efeito é a conseqüência da causa e se a causa precede o efeito, parece que o senhor se engana – prosseguiu Horácio.

 – Sem sombra de dúvida – acudiu o sicofanta Flamwell.

 – Pelo menos esta dedução me parece lógica e justa.

 – Sem dúvida alguma – repercutiu Flamwell – Com isso a questão está liquidada.

 – Talvez esteja – disse o Sr. Frederico. – Não o percebi logo.

 – Eu nem agora o percebo – opinou o comerciante – , mas suponho que tudo esteja certo.

 – Que inteligência maravilhosa! – segredou a Sra. Malderton às filhas quando se retiraram para o salão.

 – É um amor! – disseram juntas as duas moças. – fala como um oráculo. Ele deve ter visto coisas.

 Ficando a sós os cavalheiros, produziu-se uma pausa, durante a qual todos olharam com suma gravidade, como se exaustos com a profundidade da discussão. Flamwell, que resolvera elucidar quem era e o que era o Sr. Horácio Sparkins, foi o primeiro a quebrar o silêncio.

 – Desculpe-me, senhor – disse aquela distinta personalidade – suponho que estudou para advogado, não? Eu mesmo já tive o desejo de adotar essa profissão… pois estou em relações bastante íntimas com algumas das glórias do nosso foro.

 – N… não… – respondeu Horácio depois de hesitar um pouco. – Precisamente, não.

 – Mas, ou muito me engano, ou o senhor tem tido contato com as becas de seda, – disse Flamwell com deferência.

 – Quase toda a minha vida – replicou Sparkins.

 Assim, a questão estava resolvida no espírito do Sr. Flamwell. Tratava-se de um moço que entraria a advogar dentro em pouco.

 – Eu não gostaria de ser advogado – disse Tom, falando pela primeira vez e olhando para todos a ver se alguém lhe prestava atenção.

 Ninguém respondeu.

 – Não gostaria de usar cabeleira postiça – insistiu o rapaz.

 – Tom, peço que não se torne ridículo, – observou-lhe o pai. – Peço-lhe que preste atenção ao que está ouvindo, para aproveitá-lo, sem fazer a cada momento essas declarações absurdas.

 – Está certo, papai, – respondeu o infeliz Tom, que não pronunciara nem uma palavra sequer depois que pedira outro bife, às cinco e um quarto; agora já eram oito.

 – Bem, Tom – disse o tio bondoso – , não se aflija. Eu estou de acordo com você. Não gostaria de usar cabeleira postiça; prefiro um avental.

 O Sr. Malderton tossiu com violência. O Sr. Barton quis concluir:

 – Pois se um homem está acima dos seus negócios…

 A tosse voltou com decuplicada violência, e não cessou antes que o seu infeliz motivo, de tão alarmado, houvesse de todo esquecido o que pretendia dizer.

 – Sr. Sparkins – interrogou Flamwell, voltando a carga – conheceu por acaso o Sr. Delafontaine, de Bedford Square?

 – Trocamos os nossos cartões, e desde então já tive a oportunidade de servi-lo bastante, – replicou Horácio, corando um pouco, sem dúvida por haver sido forçado a fazer essa confissão.

 – O senhor pode considerar-se feliz por haver tido ocasião de ser útil a esse grande homem – observou Flamwell com profundo respeito.

 Depois, murmurou confidencialmente ao Sr. Malderton, quando acompanhavam Horácio ao salão:

 – Não sei quem é. Mas é certo que ele pertence à justiça e que é alguém de grande importância, com relações das mais altas.

 – Não há dúvida.

 O resto da noite decorreu de modo mais agradável. Aliviado de suas apreensões por haver o Sr. Barton caído em sono profundo, o Sr. Malderton ficou tão amável e gentil quanto possível.

 A Senhorita Teresa tocou A queda de Paris de maneira magistral, conforme declarou o Sr. Sparkins, e ambos, assistidos pelo Sr. Frederico, ensaiaram um sem número de canções e trios do começo ao fim, chegando à agradável evidência de que suas vozes se harmonizavam à perfeição. Por via das dúvidas, cantaram todos a primeira parte. Horácio, além da leve desvantagem de não ter ouvido, estava na mais perfeita ignorância de qualquer nota musical. Contudo, passaram o tempo deliciosamente. Era mais de meia-noite quando o Sr. Sparkins pediu que lhe trouxessem o seu corcel com ar de cavalo de coche fúnebre, pedido esse que só foi satisfeito com a condição expressa de que ele repetiria a visita no domingo seguinte.

 Quem sabe se o Sr. Sparkins não deseja fazer parte do nosso grupo amanhã de noite? – sugeriu a Sra. Malderton – O Sr. Malderton quer levar as meninas a verem o pantomimo.

 O Sr. Sparkins inclinou-se e prometeu ir ter com elas no decorrer da noite, no camarote 48.

 – Não o requisitamos para a parte da manhã – disse a Senhorita Teresa num tom fascinante – porque mamãe nos leva a uma porção de lojas a fazer comprar. Sei que os cavalheiros têm horror a essa espécie de passatempo.

 O Sr. Sparkins inclinou-se outra vez e declarou que ficaria encantado, mas negócios de grande monta ocupavam-no durante a manhã. Flamwell olhou significativamente para o Sr. Malderton.

 – É dia de vencimento – sussurrou.

 No dia seguinte a carruagem encontrava-se às doze horas na porta de Oak Lodge a fim de levar a Sra. Malderton e as filhas para a sua expedição. Deviam elas jantar e vestir-se para o espetáculo na casa de um amigo. Primeiro, carregadas de caixas de chapéus, tinham de fazer uma excursão à loja dos Srs. Jones, Spruggins & Smith, em Tottenham Court Road; depois, outra, à Casa Redmayne, em Bond Street; depois outras, a inumeráveis lugares de que nunca ninguém tinha ouvido falar. As meninas procuravam diminuir o tédio da viagem elogiando o Sr. Horácio Sparkins, censurando a própria mãe por conduzi-las tão longe só para economizar um xelim, e perguntando se jamais chegariam a seu destino. Por fim o veículo parou em frente à loja de um fanqueiro, de aspecto sujo, com toda espécie de mercadoria e letreiros de todos os tamanhos na vitrina. Havia ali enormes setas com minúsculos “três quartos de pêni” ao lado, perfeitamente invisíveis a olho nu; “cinqüenta mil e trezentos estolas de senhoras, desde um xelim até um pêni e meio; sapatos franceses de legítima pele de cabrito, dois xelins e nove pence o par; sombrinhas verdes, a preço não menos módico; e toda espécie de mercadorias a cinqüenta por cento abaixo do custo”, como diziam os donos, que o deviam saber melhor do que ninguém.

 – Por Deus, mamãe, a que lugar a senhora nos trouxe! – exclamou a Senhorita Teresa. – Que diria o Sr. Sparkins se nos visse?

 – Com efeito, que diria! – concordou a Senhorita Mariana, horrorizada com a idéia.

 – Sentem-se, minhas senhoras. Qual é o primeiro artigo? – perguntou o obsequioso mestre de cerimônias do estabelecimento, o qual, com seu grande lenço branco no pescoço e sua gravata solene, parecia um mau “retrato de um cavalheiro” numa exposição de Somerset House.

 – Gostaria de ver sedas – respondeu a Sra. Malderton.

 – Pois não, minha senhora! Sr. Smith! Onde está o Sr. Smith?

 – Estou aqui, senhor! – gritou uma voz do fundo da loja.

 – Tenha a bondade de apressar-se, Sr. Smith, – disse o mestre-de-cerimônias. – O senhor nunca está onde a sua presença é necessária.

 Convidado assim a desenvolver a maior rapidez possível, o Sr. Smith pulou o balcão com grande agilidade e plantou-se diante das freguesas. A Sra. Malderton deu um grito abafado. A Senhorita Teresa, que se tinha curvado para falar à irmã, levou a cabeça e viu – Horácio Sparkins!

 “Encobriremos com um véu”, como dizem os romancistas, a cena subseqüente. O misterioso, filosófico, romântico e metafísico Sparkins – aquele que, aos olhos da interessante Teresa, parecia encarnar o ideal dos jovens duques e dos tafuis poéticos que vestiam chambre de seda azul e chinelos idem idem, os quais ela conhecia dos livros e com os quais sonhava, mas que nunca esperava ver – transformara-se de repente no Sr. Samuel Smith, auxiliar de uma loja barata, o caixeiro mais moço de uma firma incerta, de três semanas de existência. O desaparecimento honroso do herói de Oak Lodge, em seguida a esse reconhecimento inesperado, não pôde senão ser comparado ao furtivo esgueirar-se de um cachorro com uma enorme chaleira presa ao rabo. Todas as esperanças dos Maldertons se derreteram de vez, como sorvetes de limão num banquete; Almacks era para eles mais distantes que o Pólo Norte.

FIM

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1º Concurso da 4ª Etapa do Projeto de Trovas para uma Vida Melhor (01 junho a 30 de julho)

Tema – FAMÍLIA

de 01/06/2013 a 30/07/2013
resultado em 20/08/2013

Convivendo em sociedade

A família, primeira célula da sociedade, compete a semeadura dos valores e princípios universais, assim como a escola , por seu desenvolvimento, reforçando e aprimorando-os, a educação como um todo.

A tomada de atitude, a autenticidade e coerência, no convívio em sociedade, é de suma importância, alem de serem verdadeiros valores, contribuem para a formação dos princípios universais e humanitários.

ORIENTAÇÕES:

1. Os trovadores de língua portuguesa se encaixarão nos grupos 1(trovadores já premiados) e grupo 2 (Trovadores iniciantes e não premiados) independente do Pais ou Estado a que reside.

Enviar para mifori14@yahoo.com.br

2. Grupo 3 alunos, estudantes do Ensino Básico e Médio

3. Grupo Internacional – em espanhol para os países que não falam a língua portuguesa – Enviar para Cristina – USA

Apenas uma trova inédita por trovador(a), via Internet.

O tema deverá constar da trova: 4 versos setessílabos, rimando o 1º com o 3º e o 2º verso com o 4º, conforme regulamento do Projeto.
=
A trova – FAMÍLIA
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——————-
—————
——————-
Nome:
Grupo:
Cidade
Estado
País
E-mail:
(Rua,Av, nº – complementos)

Fonte:
Mifori

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José Feldman (Trova Brasil n. 11 – maio)

Mais um numero do Trova Brasil.

Em suas 57 páginas, trovas de
Francisco Pessoa (CE),
Jorge Fregadolli (PR),
Ferdinando Fernandes (PORTUGAL),
Ubiratan Lustosa (PR),
Mara Mellini (RN) e
Sotero Silveira de Souza (MG).
 
Concursos de trovas em andamento.

Leia AQUI
ou 
Faça o download AQUI

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José Feldman (Universo de Versos n. 29)


Uma Trova do Paraná

LIGIA CHRISTINA DE MENEZES – Pinhais

Meu girassol pobrezinho
saudoso, não resistiu.
Morreu olhando o caminho
por onde meu bem partiu…
========================
Uma Trova Lírica/Filosófica de Caicó/RN

FRANCISCO GARCIA

Busquei no UNIVERSO um dia,
uma resposta eficaz;
que transformasse a poesia
num hino de amor e paz!!!
========================
Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Pra cantá, estudamo um méis
e num é que nóis se gabe:
nóis quebra um galho em ingleis
e portugueis… nóis já sabe!
========================
Uma Trova do Feldman

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Vejo o mar beijando a areia
no raiar de um novo dia,
ouço o canto da sereia,
com promessas de alegria.
========================
Uma Trova Hispânica da Espanha

CARMEN PATIÑO FERNÁNDEZ

Dicen que si la justicia
obrara como debiera,
la mitad de la codicia
del mundo se extinguiera.
========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas
amargas lições de filosofia.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

ANTONIO FACCI – Maringá/PR
1941 – 2008

Embora nos cause mágoa,
a lágrima é um grande bem.
– Nada fazemos sem água,
e é dela que tudo vem!
========================
Uma Trova sobre a Trova de Fortaleza/CE

REJANE COSTA BARROS

Trova, pequeno poema
que se faz com quatro versos,
tal qual fosse um teorema
de resultados diversos!
========================
Um Haicai de Botucatu/SP

SANDRA REGINA BENATO

vento gelado –
engana o céu sem nuvens
sobre o telhado
========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

 

Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
========================
Uma Poesia de Palmeira dos Índios/AL

FREI ELIAS MEDEIROS FERRO
A Romãzeira e a Rosa

 A Romãzeira rica ri da rosa
Rubra e ridente, na rural rechã,
E um raio em risca, ou raia rogorosa,
Rápido rompe o ramo da romã.

 Resvala o ramo e ríspido reclama
Rangendo ao raio em rígida reação:
Repele e rosna um ronco que rebrama
Da roça em rumo e ao rórido rincão

 A rosa, a restaurar a rasgadura,
Recuar resoluta à ribanceira,
Repõe radiante a raspa da rotura
E restitui o ramo à romãzeira.

 Retoca o resto em roda da ramada,
Recorta a relva, e, rúbida respira;
Revê, regando, a raiz renovada,
E realça a ré que, rindo, a repelira.

 Rompem no riso a rosa e a romãzeira,
Roçando em ruído a rama revoltosa.
E na ruidosa e rústica ribeira,
Rende-se a rica romãzeira à rosa.
========================
Uma Trova às Mães, de Limoeiro/PE

=============================
Sextilhas de São João do Mereti/RJ

DETE REIS
Poema Renascido…Esperança Sem Avesso

Será que volto a compor?
Pois choro só, nesse outono.
E minha canção de amor…
Deixou de ninar meu sono.
Virou um canto de dor,
Nas horas de abandono!!

A minha viola chora…
Essa amargura no peito
E os tempos bons de outrora:
Que foi um sonho perfeito…
São só saudades, agora,
Tudo passou… não tem jeito!!!!

Agora meu sentimento,
Anda meio descomposto.
A dúvida e o lamento,
Já se mostram no meu rosto,
Sei que tenho dois momentos:
Entre a amargura e o desgosto!!!

E parte da inspiração,
Vou deixando no caminho,
Em meio a decepção,
Tento ser feliz sozinho.
Saudade é contradição:
Alegra e mata um pouquinho.

Levando meu coração,
Qual folha seca, ao vento.
Sem sonho a desilusão,
Chegou sem nenhum alento.
Mas busco nova emoção…
Busco um novo sentimento!!!!

Depois da noite vem dia,
Alvorada de beleza…
Mesmo quando há agonia,
Mesmo em noite de tristeza.
Vem renovada alegria…
Que a fé nos dá com certeza!

Na força do dia-a-dia:
Assim retorna a bonança.
Grande fome de poesia,
Saudade, só na lembrança,
Sonhos cheios de utopia,
Olhos cheios de esperança,

Faço um poema pra ela:
Esperança sem avesso.
A vida mostrada em tela,
Lindo e novo recomeço!
Paisagem na janela…
Muito mais do que mereço!!

Sonho lindo sempre tive,
E esse sonho me embala.
Que sem sonhar não se vive:
Me ajuda a andar, me fala!
Em meu coração retive…
A canção que não se cala!!

Minha poesia de amor,
Volta a falar de alegria.
Tem nova rima e calor…
Bela e doce melodia!
Tão linda e cheia de cor,
Tem brilho e tem harmonia.
========================
Uma Poesia de Santa Tecla/ El Salvador

CARLOS ERNESTO GARCÍA
Canhões Ociosos

  Vagamos pelo Mediterrâneo
  enquanto o céu
  incendeia no horizonte
  dando passagem à escuridão
  que suave e calada
  se impõe no firmamento.

  Onde, nas margens
  os povos costeiros
  amáveis saúdam
  com milhares de vagalumes.     

   Nas profundezas deste mar
  pedaços de galeões descansam
  com formosas caraças na proa.
  Um imenso e desolado cemitério
  de soberbos destrutores
  de canhões ociosos.
  Submarinos que guardam, imóveis
  apenas o uniforme e os restos
  do soldado aguerrido
  em seu posto de combate.

   A maré arrasta quiçá
  lascas de embarcações dos aqueus
  que sucumbiram na tormenta
  ou na batalha.
========================
Um Soneto de União dos Palmares/AL

JORGE DE LIMA
O Acendedor de Lampiões

 Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

 Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

 Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

 Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!
========================
Uma Poesia de Longe

EUGÊNIO MONTALE – Gênova/Itália
1896 – 1981
Madrigais Privados

Deste meu nome a uma árvore? Não é pouca coisa;
embora não me resigne a ficar apenas sombra, ou tronco,
abandonado num subúrbio. Eu o teu
dei a um rio, a um longo incêndio, à minha sorte
cruel, à confiança
sobre-humana com que falaste ao sapo
que saiu do esgoto, sem horror ou pena
ou exaltação, ao alento daquele poderoso
e suave lábio teu que consegue,
nomeando, criar: sapo flores relva rocha —
carvalho pronto a desfraldar-se sobre nós
quando a chuva dispersa o pólen das carnosas
pétalas de trevo e a chama se levanta.

     (tradução: Geraldo H. Cavalcanti)
========================
Um Poetrix de Belo Horizonte/MG

SILVANA GUIMARÃES
Deu Bandeira

febre, dor pelo corpo afora,
a estrela que eu podia ter sido e não fui:
um tango à toa a vida inteira
========================
Uma Poesia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Remissão

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?
========================
Uma Poesia de Porto/Portugal

ADOLFO CASAIS MONTEIRO
1908 – 1972
Aurora

          A poesia não é voz – é uma inflexão.
         Dizer, diz tudo a prosa. No verso
         nada se acrescenta a nada, somente
         um jeito impalpável dá figura
         ao sonho de cada um, expectativa
         das formas por achar. No verso nasce
         à palavra uma verdade que não acha
         entre os escombros da prosa o seu caminho.
         E aos homens um sentido que não há
         nos gestos nem nas coisas:
         vôo sem pássaro dentro.
========================
Versos Melódicos

OSCAR DE ALMEIDA (versos e melodia)
Pierrot e Colombina (valsa, 1913)

Antes do advento do samba e da marchinha, fazia sucesso no carnaval qualquer tipo de música, nem sempre alegre, como é o caso de “Pierrot e Colombina”. Também chamada de “O despertar de Pierrot” e “Paixão de Pierrot”, esta valsa de versos (“A vós que acabais de ouvir meu pranto, meu padecer / quero um pedido fazer / tenham dó do meu carpir…”) e melodia carregados de tristeza, tomou conta do Rio de Janeiro nos carnavais de 1915 e 16, por paradoxal que possa parecer.

Embora atribuída em algumas publicações à dupla Oscar de Almeida e Eduardo das Neves, “Pierrot e Colombina” é só de Almeida, segundo Almirante em sua coluna no jornal O Dia: “‘Pierrot e Colombina’ é letra e música de Oscar de Almeida dos Correios; o Edu das Neves somente a gravou”. Como vários personagens da música popular brasileira no início do século, Almeida era funcionário dos Correios e Telégrafos. (Cifrantiga)

Há quanto tempo saudoso
Procuro em vão Colombina
Sumiu-se a treda ladina
Deixou-me em trevas choroso
Procuro-a sim como um louco
Nos becos, nas avenidas
As esperanças perdidas
Tendo-as vou já pouco a pouco

Se em todo o carnaval
Não conseguir ao menos
Seu rosto fitar
Palavra de Pierrot
Eu juro me matar
Não posso suportar
Esta cruel ausência
Que me afoga em dor
Meu coração morrer
Sinto de amor

É dia de risos e flores
Todos folgam só eu não
Ela, talvez num cordão
Procure novos amores
Oh! Companheira impiedosa
Vê que suplício cruel
Vejo a minha alma afogar-se
Num oceano de fel

Oh!: Vós que acabais de ouvir
Meu pranto, meu padecer
Tenho um pedido a fazer
Tenham dó do meu carpir
Se encontrarem Colombina
Que é da minha alma o vigor
Digam-lhe que assim se fina
Procurando-a, seu Pierrot

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Cláudia Dimer (Eu Quis Ver Deus)

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12 de maio de 2013 · 22:44

Amadeu Amaral (Memorial de Um Passageiro de Bonde) 30. Ainda a Rosa

A rosa que o meu amigo velho me dera anteontem ainda estava hoje bem passável. Olhei-a, pela manhã, quando lavava o rosto, e achei-lhe um encanto dorido de mulher bonita que, em pleno solstício de encantos, de repente se vê marcada pelos primeiros gorgulhos do tempo.

Esborrifei-lhe um pouco de água, e disse-lhe: “Que será de si amanhã, minha rosa?” As rosas sabem falar, e para ouvir e entender o que elas dizem não é preciso amar alguma senhora, como, segundo o poeta, se requer de quem deseje ouvir as estrelas. E a rosa, com soberba indiferença, respondeu: “Que será de mim? Olha esse grosseiro antropomorfismo, néscio animal! Então tu julgas que nós outras somos feitas da tua massa? Para mim e minhas irmãs todas as voltas do mundo são as mesmas. Eu, amanhã, não serei nada que tu aprecies, mas aí ficam infinidades de rosas desabrochadas e por desabrochar. E todas elas são eu mesma, porque eu sou todas, e não desapareço, nem sucumbo”.

Muito bem, muito bem. Em todo caso, como rosa individual, a minha durava bastante. Malherbe assinou a esta flor, como prazo fixo de vida l’espace d’un matin, e entretanto é geralmente sabido que ela pode durar dois ou três dias, e mais. Mas também está geralmente convencionado que, para os efeitos poéticos, há de durar uma só manhã.

Verdades duplas, assim, há muitas, há tantas que o mundo está cheio delas.

A borboleta, símbolo da volubilidade na poesia, é com efeito uma excelente imagem da
constância, porque só faz indefinidamente a mesma coisa.

A abelha, essa dizem que é o tipo do ecletismo intelectual ou sentimental que saqueia a corola de todas as flores; na verdade, é a representação mais fiel da inflexibilidade de princípios, pois que não visita senão as flores que lhe forneçam matéria-prima, e delas não quer senão a pequenina dose de matéria-prima que possam dar.

O gato considerado como um animal de caráter independente, vive de fato na estreita dependência própria dos parasitas, não sabendo senão estar nas cozinhas e nos telhados; gravitando em redor da paparoca preparada.

À palmeira, chamam-lhe esbelta e soberba, ou altiva, ou senhoril. Não há o que se lhe oponha, porque, realmente, a gente pode dar às coisas os adjetivos que quiser, não havendo contrariedade declarada; mas é muito de notar que, assim como a palmeira é esbelta e senhoril, também poderia ser senhoril e esbelto um espanador de cabo comprido, ou uma vassoura do tipo antigo, trastes estes havidos como sumamente prosaicos.

O boi, símbolo da força, é um colosso tão frágil que passa da mocidade à decrepitude em meia dúzia de anos, e possui muitíssimo menos energia ativa do que uma formiga ou uma pulga. E a águia, emblema do gênio, porque tem asas e vive nas alturas, é menos inteligente do que uma galinha e nem sofre comparação com o castor, que passa a existência no fundo dos vales e no lamaçal dos rios.

Enfim, não se contam as verdades, duplas que todo o mundo enxerga, ou poderia enxergar, mas deliberadamente separa e torna reciprocamente estanques. E não só no que respeita ao mundo objetivo, mas também no que se refere ao próprio domínio subjetivo da experiência moral.

A economia é uma virtude, quando se põem sobre ela os óculos simpáticos da generalização poética; a economia, em seus casos concretos, é sempre uma indecenciazinha de que nos envergonhamos e que satirizamos nos mais.

“O amor é a mais bela e a mais santa das coisas desta vida”: mas ninguém torne esse conceito como preceito porque se arrisca a ser apedrejado na praça.

“A calúnia é o fel das almas ignóbeis”: na realidade, a calúnia é um vício tão generalizado e tão familiar como o do cigarro; e quem não o cultivar está no perpétuo risco de passar por idiota ou por “jesuíta”.

Mas, afinal de contas, esses desdobramentos da verdade são úteis, porque correspondem a duas tendências fundamentais do espírito humano: a que visa a adaptação deste à natureza, e a que procura a sua adaptação à sociedade.

A primeira procede por via de indagações meticulosas e serenas; a segunda marcha por meio de conceituações imediatas e sínteses arrojadas.

A primeira é lenta, dificultosa e fatigante; a segunda é rápida, leve e encantadora.

A primeira fornece exercício a uma minoria de cabeças, especializa e desmembra funções, e como que pulveriza a continuidade e a fluência do real numa infinidade de corpúsculos gelados; a segunda comunica impulsos a toda a sorte de mentes, aproxima-as, harmoniza-as, estimula a imaginação e a simpatia, dando a todas a mesma concepção aproximativa das coisas, deformante mas agradavelmente fácil, ampla e satisfatória.

A primeira prepara o viveiro das verdades exatas e necessárias de amanhã; a segunda alarga o domínio das verdades agradáveis e convencionais provisórias para uns, perpétuas para a maior parte.

Instinto de saber, instinto de poesia. Dois irmãos inimigos, que não podem viver um sem o outro.

Posta de parte essa parlenda, o fato é que a resposta da rosa mais me enamorou dela. Enfiei-a na botoeira, apesar de já meio fanada. -Precisei, para tanto, de um pouco de decisão e atrevimento, pois nunca uso flores comigo, nem mesmo frescas. Audácia de carneiro. Atrevimento de cágado.

Instalado no bonde, semicerrados os olhos, e sentindo na face a carícia de uma pétala pendente, instiguei a minha interessante companheira a falar ainda, antes que algum golpe de vento ou algum encontrão a despojasse da sua voz feita de cor e perfume. Não se fez de rogada.

“Não sabes, amigo? Tal como aqui me vês, sou filho do conúbio do homem e da natureza… Tanto devo o ser ao solo, ao sol, ao ar, como ao espírito, à arte e à mão humana.

Sou um produto da terra e da civilização: duplamente flor de cultura.

Sou ao mesmo tempo a glória de Flora e a mais perfeita das flores artificiais. Tendo o viço hereditário das rosas selváticas e a aura humana das rosas de papel e de tecido, armadas por magras mãos de operárias tristes, mãos febris de moças namoradas.

O homem faz-me, cheio de suas vaidades, seus desejos, suas ambições, seus sobejos de carinhos, seu saber, seu gosto amável, paciente e caprichoso. Assim, uma infinidade de forças diversas vêm-se coordenando e vêm colaborando, através dos séculos, na seleção das minhas formas, dos meus tons e dos meus olores – florindo e reflorindo em mim.

De mim, pois, aprende, homem tolo e ingrato! a olhar a tua humanidade não tanto na sombria confusão dos seus galhos e ramas, como na vária e fugitiva permanência das suas flores, ou no perpétuo esplendor das suas graças transitórias.

Ama-a com todos os seus vícios e brutezas, com todos os seus primores e pulcritudes.

Não há vícios, não há primores, há só o homem. O homem e nada mais. O homem inumerável, incomportável e indefinível. O homem que te ultrapassa no espaço e no tempo, e cujos últimos limites partem do centro da terra e vão perder-se nas constelações.

Perdoa-lhe tudo, tudo. Perdoa-lhe simplesmente. Sem gestos e sem frases. Perdoa-lhe mesmo na cólera e na angústia. Reserva-lhe ao menos uma promessa de perdão no infinito, até para o que não possas, até para o que não devas perdoar.

Se tudo, nele, coopera na produção destes milagres de melindroso e incorruptível prestigio!

Milagres em que o fugitivo se confunde com o permanente, e o encanto de uma hora é um sorriso dos séculos.

Passam as catedrais, esfarelam-se os granitos e os bronzes, desagregam-se os impérios, e as nações dissolvem-se, mas eu permaneço na minha deliciosa insignificância, Como a última confidência de ternura e de beleza que as gerações legam umas as outras através dos abismos do tempo.

Sou a obra mais duradoura do homem. Não há ferrugem nem verme, nem guerras nem sinistros que me atinjam.

Vê como uma coisa assim pequenina e branda vem a ser o único triunfo comum das energias contraditórias derramadas pela face da terra!

Eis-me aqui, doce como um afago, leve como uma asa, breve como um sonho, mas forte como o que permanece e perdura, imorredoura e essencial como a lágrima e como o sorriso, esses dois resumos humanos da infinita comédia, e da infinita alegria do universo…

Serve-me com os olhos, aspira-me, grava-me na alma. E sabe que nunca faltarei ao pé de ti, se o quiseres. Busca-me, achar-me-ás. Eu só desapareço de teus olhos para que em ti se renove a ânsia pela minha presença.

Toda a perene agitação do mundo parece não ter outro fim que produzir uma espuma de rosas. Nada tão ao alcance da tua mão.

Colhe, beija e sorri.

Nesse minuto estarás num pináculo da vida e num ponto luminoso da eternidade.

Eu sou a Rosa, eu sou a Rosa, a beleza e a graça fugentes, a doce filha da terra vil e do homem desgraçado…”

Fonte:
Domínio Público

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Lima Barreto (Um e outro)

(A Deodoro Leucht)
Não havia motivo para que ela procurasse aquela ligação, não havia razão para que a mantivesse. O Freitas a enfarava um pouco, é verdade. Os seus hábitos quase conjugais; o modo de tratá-la como sua mulher; os rodeios de que se servia para aludir à vida das outras raparigas; as precauções que tomava para enganá-la; a sua linguagem sempre escoimada de termos de calão ou duvidoso; enfim, aquele ar burguês da vida que levava, aquela regularidade, aquele equilíbrio davam-lhe a impressão de estar cumprindo pena.

 Isto era bem verdade, mas não a absolvia perante ela mesma de estar enganando o homem que lhe dava tudo, que educava sua filha, que a mantinha como senhora, com o chaufleur do automóvel em que passeava duas vezes ou mais por semana. Por que não procurara outro mais decente? A sua razão desejava bem isso; mas o seu instinto a tinha levado.

 A bem dizer, ela não gostava de homem, mas de homens; as exigências de sua imaginação, mais do que as de sua carne, eram para a poliandria. A vida a fizera assim e não havia de ser agora, ao roçar os cinqüenta, que havia de corrigir-se. Ao lembrar-se de sua idade, olhou-se um pouco no espelho e viu que uma ruga teimosa começava a surgir no canto de um dos olhos. Era preciso a massagem… Examinou-se melhor. Estava de corpinho. O colo era ainda opulento, unido; o pescoço repousava bem sobre ele, e ambos, colo e pescoço, se ajustavam sem saliências nem depressões.

 Teve satisfação de sua carne; teve orgulho mesmo. Há quanto tempo ela resistia aos estragos do tempo e ao desejo dos homens? Não estava moça, mas se sentia ainda apetitosa. Quantos a provaram? Ela não podia sequer avaliar o número aproximado. Passavam por sua lembrança numerosas fisionomias. Muitas ela não fixara bem na memória e surgiam-lhe na recordação como cousas vagas, sombras, pareciam espíritos. Lembrava-se às vezes de um gesto, às vezes de uma frase deste ou daquele sem se lembrar dos seus traços; recordava-se às vezes da roupa sem se recordar da pessoa. Era curioso que de certos que a conheceram uma única noite e se foram para sempre, ela se lembrasse bem; e de outros que se demoraram, tivesse uma imagem apagada.

 Os vestígios da sua primitiva educação religiosa e os moldes da honestidade comum subiram à sua consciência. Seria pecado aquela sua vida? Iria para o inferno? Viu um instante o seu inferno de estampa popular: as labaredas muito rubras, as almas mergulhadas nelas e os diabos, com uns garfos enormes, a obrigar os penitentes a sofrerem o suplício.

 Haveria isso mesmo ou a morte seria…? A sombra da morte ofuscou-lhe o pensamento. Já não era tanto o inferno que lhe vinha aos olhos; era a morte só, o aniquilamento do seu corpo, da sua pessoa, o horror horrível da sepultura fria.

 Isto lhe pareceu uma injustiça. Que as vagabundas comuns morressem, vá! Que as criadas morressem, vá! Ela, porém, ela que tivera tantos amantes ricos; ela que causara rixas, suicídios e assassinatos, morrer era uma iniqüidade sem nome! Não era uma mulher comum, ela, a Lola, a Lola desejada por tantos homens; a Lola, amante do Freitas, que gastava mais de um conto de réis por mês nas cousas triviais da casa, não podia nem devia morrer. Houve então nela um assomo íntimo de revolta contra o destino implacável.

 Agarrou a blusa, ia vesti-la, mas reparou que faltava um botão. Lembrou-se de pregá-lo, mas imediatamente lhe veio a invencível repugnância que sempre tivera pelo trabalho manual. Quis chamar a criada: mas seria demorar. Lançou mão de alfinetes.

 Acabou de vestir-se, pôs o chapéu, e olhou um pouco os móveis. Eram caros, eram bons. Restava-lhe esse consolo: morreria, mas morreria no luxo, tendo nascido em uma cabana. Como eram diferentes os dois momentos! Ao nascer, até aos vinte e tantos anos, mal tinha onde descansar após as labutas domésticas. Quando casada, o marido vinha suado dos trabalhos do campo e, mal lavados, deitavam-se. Como era diferente agora… Qual! Não seria capaz de suportá-lo mais… Como é que pode?

 Seguiu-se a emigração… Como foi que veio até ali, até aquela cumiada de que se orgulhava? Não apanhava bem o encadeamento. Apanhava alguns termos da série; como porém se ligaram, como se ajustaram para fazê-la subir de criada a amante opulenta do Freitas, não compreendia bem. Houve oscilações, houve desvios. Uma vez mesmo quase se viu embrulhada numa questão de furto; mas, após tantos anos, a ascensão parecia-lhe gloriosa e retilínea. Deu os últimos toques no chapéu, concertou o cabelo na nuca, abriu o quarto e foi à sala de jantar.

 – Maria, onde está a Mercedes? perguntou.

 Mercedes era a sua filha, filha de sua união legal, que orçava pelos vinte e poucos anos. Nascera no Brasil, dois anos após a sua chegada, um antes de abandonar o marido. A criada correu logo a atender a patroa:

 – Está no quintal conversando com a Aída, patroa.

 Maria era a sua copeira e Aída a lavadeira; no trem de sua casa, havia três criadas e ela, a antiga criada, gostava de lembrar-se do número das que tinha agora, para avaliar o progresso que fizera na vida.

 Não insistiu mais em perguntar pela filha e recomendou:

 – Vou sair. Fecha bem a porta da rua… Toma cuidado com os ladrões.

 Abotoou as luvas, concertou a fisionomia e pisou a calçada com um imponente ar de grande dama sob o seu caro chapéu de plumas brancas.

 A rua dava-lhe mais força de fisionomia, mais consciência dela. Como se sentia estar no seu reino, na região em que era rainha e imperatriz. O olhar cobiçoso dos homens e o de inveja das mulheres acabavam o sentimento de sua personalidade, exaltavam-no até. Dirigiu-se para a Rua do Catete com o seu passo miúdo e sólido. Era manhã e, embora andássemos pelo meado do ano, o sol era forte como se já verão fosse. No caminho trocou cumprimentos com as raparigas pobres de uma casa de cômodos da vizinhança.

 – Bom dia, “madama”.

 – Bom dia.

 E debaixo dos olhares maravilhados das pobres raparigas, ela continuou o seu caminho, arrepanhando a saia, satisfeita que nem uma duquesa atravessando os seus domínios.

 O rendez-vous era para a uma hora; tinha tempo, portanto, de dar umas voltas à cidade. Precisava mesmo que o Freitas lhe desse uma quantidade maior. Já lhe falara a respeito pela manhã quando ele saiu, e tinha que buscá-la ao escritório dele.

 Tencionava comprar um mimo e oferecê-lo ao chauffeur do “Seu” Pope, o seu último amor, o ente sobre-humano que ela via coado através da beleza daquele “carro” negro, arrogante, insolente cortando a multidão das ruas, orgulhoso como um deus.

 Na imaginação, ambos, chauffeur e “carro”, não os podia separar um do outro; e a imagem dos dois era uma única de suprema beleza, tendo a seu dispor a força e a velocidade do vento.

 Tomou o bonde. Não reparou nos companheiros de viagem; em nenhum ela sentiu uma alma; em nenhum ela sentiu um semelhante. Todo o seu pensamento era para o chauffeur, e o “carro”. O automóvel, aquela magnífica máquina, que passava pelas ruas que nem um triunfador, era bem a beleza do homem que o guiava; e, quando ela o tinha nos braços, não era bem ele quem a abraçava, era a beleza daquela máquina que punha nela ebriedade, sonho e a alegria singular da velocidade. Não havia como aos sábados em que ela, recostada às almofadas amplas, percorria as ruas da cidade, concentrava os olhares e todos invejavam mais o carro que ela, a força que se continha nele e o arrojo que o chauffeur moderava. A vida de centenas de miseráveis, de tristes e mendicantes sujeitos que andavam a pé, estava ao dispor de uma simples e imperceptível volta no guidão; e o motorista que ela beijava, que ela acariciava, era como uma divindade que dispusesse de humildes seres deste triste e desgraçado planeta.

 Em tal instante, ela se sentia vingada do desdém com que a cobriam, e orgulhosa de sua vida.

 Entre ambos, “carro” e chauffeur, ela estabelecia um laço necessário, não só entre as imagens respectivas como entre os objetos. O “carro” era como os membros do outro e os dois completavam-se numa representação interna, maravilhosa de elegância, de beleza, de vida, de insolência, de orgulho e força.

 O bonde continuava a andar. Vinha jogando pelas ruas em fora, tilintando, parando aqui e ali. Passavam carroças, passavam carros, passavam automóveis. O dele não passaria certamente. Era de “garage” e saía unicamente para certos e determinados fregueses que só passeavam à tarde ou escolhiam-no para a volta dos clubes, alta noite. O bonde chegou à Praça da Glória. Aquele trecho da cidade tem um ar de fotografia, como que houve nele uma preocupação de vista, de efeito de perspectiva; e agradava-lhe. O bonde corria agora ao lado do mar. A baía estava calma, os horizontes eram límpidos e os barcos a vapor quebravam a harmonia da paisagem.

 A marinha pede sempre o barco a vela; ele como que nasceu do mar, é sua criação; o barco a vapor é um grosseiro engenho demasiado humano, sem relações com ela. A sua brutalidade a violenta.

 A Lola, porém, não se demorou em olhar o mar, nem o horizonte; a natureza lhe era completamente indiferente e não fez nenhuma reflexão sobre o trecho que a via passar. Considerou dessa vez os vizinhos. Todos lhe pareciam detestáveis. Tinham um ar de pouco dinheiro e regularidade sexual abominável. Que gente!

 O bonde passou pela frente do Passeio Público e o seu pensamento fixou-se um instante no chapéu que tencionava comprar. Ficar-lhe-ia bem? Seria mais belo que o da Lúcia, amante do Adão “Turco”? Saltava de uma probabilidade para outra, quando lhe veio desviar da preocupação a passagem de um automóvel. Pareceu ser ele, o chauffeur. Qual! Num táxi? Não era possível. Afugentou o pensamento e o bonde continuou. Enfrentou o Teatro Municipal. Olhou-lhe as colunas, os dourados; achou-o bonito, bonito como uma mulher cheia de atavios. Na avenida, ajustou o passo, concertou a fisionomia, arrepanhou a saia com a mão esquerda e partiu ruas em fora com um ar de grande dama sob o enorme chapéu de plumas brancas.

 Nas ocasiões em que precisava falar ao Freitas no escritório, ela tinha por hábito ficar num restaurant próximo e mandar chamá-lo por um caixeiro. Assim ele lhe recomendava e assim ela fazia, convencida como estava de que as razões com que o Freitas lhe justificara esse procedimento eram sólidas e procedentes. Não ficava bem ao alto comércio de comissões e consignações que as damas fossem procurar os representantes dele nos respectivos escritórios; e, se bem que o Freitas fosse um simples caixa da casa Antunes, Costa & Cia., uma visita como a dela poderia tirar de tão poderosa firma a fama de solidez e abalar-lhe o crédito na clientela.

 A espanhola ficou, portanto, próximo e, enquanto esperava o amante, pediu uma limonada e olhou a rua. Naquela hora, a Rua Primeiro de Março tinha o seu pesado transito habitual de grandes carroções, pejados de mercadorias. O movimento quase se cingia a homens; e se, de quando em quando, passava uma mulher, vinha num bando de estrangeiros recentemente desembarcados.

 Se passava um destes, Lola tinha um imperceptível sorriso de mofa. Que gente! Que magras! Onde é que foram descobrir aquela magreza de mulher? Tinha como certo que, na Inglaterra, não havia mulheres bonitas nem homens elegantes.

 Num dado momento, alguém passou que lhe fez crispar a fisionomia. Era a Rita. Onde ia àquela hora? Não lhe foi dado ver bem o vestuário dela, mas viu o chapéu, cuja pleureuse lhe pareceu mais cara que a do seu. Como é que arranjara aquilo? Como é que havia homens que dessem tal luxo a uma mulher daquelas? Uma mulata…

 O seu desgosto sossegou com essa verificação e ficou possuída de um contentamento de vitória. A sociedade regular dera-lhe a arma infalível…

 Freitas chegou afinal e, como convinha à sua posição e à majestade do alto comércio, veio em colete e sem chapéu. Os dois se encontraram muito casualmente, sem nenhum movimento, palavra, gesto ou olhar de ternura.

 – Não trouxeste Mercedes? perguntou ele.

 – Não… Fazia muito sol…

 O amante sentou-se e ela o examinou um momento. Não era bonitos muito menos simpático. Desde muito verificara isso; agora, porém, descobrira o máximo defeito da sua fisionomia. Estava no olhar, um olhar sempre o mesmo, fixo, esbugalhado, sem mutações e variações de luz. Ele pediu cerveja, ela perguntou:

 – Arranjaste?

 Tratava-se de dinheiro e o seu orgulho de homem do comércio, que sempre se julga rico ou às portas da riqueza, ficou um pouco ferido com a pergunta da amante.

 – Não havia dificuldade… Era só vir ao escritório… Mais que fosse…

 Lola suspeitava que não lhe fosse tão fácil assim, mas nada disse. Explorava habilmente aquela sua ostentação de dinheiro, farejava “qualquer coisa” e já tomara as suas precauções.

 Veio a cerveja e ambos, na mesa do restaurant, fizeram um numeroso esforço para conversar. O amante fazia-lhe perguntas: Vais à modista? Sais hoje à tarde? -ela respondia: sim, não. Passou de novo a Rita. Lola aproveitou o momento e disse:

 – Lá vai aquela “negra”.

 – Quem?

 – A Rita.

 – A Ritinha!… Está agora com o “Louro”, croupier do Emporium.

 E em seguida acrescentou:

 – Está muito bem.

 – Pudera! Há homens muito porcos.

 – Pois olha: acho-a bem bonita.

 – Não precisavas dizer-me. És como os outros… Ainda há quem se sacrifique por vocês.

 Era seu hábito sempre procurar na conversa caminho para mostrar-se arrufada e dar a entender ao amante que ela se sacrificava vivendo com ele. Freitas não acreditava muito nesse sacrifício, mas não queria romper com ela, porque a sua ligação causava nas rodas de confeitarias, de pensões chics e jogo muito sucesso. Muito célebre e conhecida, com quase vinte anos de “vida ativa”, o seu college com a Lola, que, se não fora bela, fora sempre tentadora e provocante, punha a sua pessoa em foco e garantia-lhe um certo prestígio sobre as outras mulheres.

 Vendo-a arrufada, o amante fingiu-se arrependido do que dissera, e vieram a despedir-se com palavras ternas.

 Ela saiu contente com o dinheiro na carteira. Havia dito ao Freitas que o destinava a uma filha que estava na Espanha; mas a verdade era que mais de metade seria empregada na compra de um presente para o seu motorista amado. Subiu a Rua do Ouvidor, parando pelas montras das casas de jóias. Que havia de ser? Um anel? Já lhe havia dado. Uma corrente? Também já lhe dera uma. Parou numa vitrine e viu uma cigarreira. Simpatizou com o objeto. Parecia caro e era ofuscante: ouro e pedrarias – uma cousa de mau gosto evidente. Achou-a maravilhosa, entrou e comprou-a sem discutir.

 Encaminhou-se para o bonde cheia de satisfação. Aqueles presentes como que o prendiam mais a ela; como que o ligavam eternamente à sua carne e o faziam entrar no seu sangue.

 A sua paixão pelo chauffeur durava havia seis meses e encontravam-se pelas bandas da Candelária, em uma casa discreta e limpa, bem freqüentada, cheia de precauções para que os freqüentadores não se vissem.

 – Faltava pouco para o encontro e ela aborrecia-se esperando o bonde conveniente. Havia mais impaciência nela que atraso no horário. O veículo chegou em boa hora e Lola tomou-o cheia de ardor e de desejo. Havia uma semana que ela não se encontrava com o motorista. A última vez em que se avistaram, nada de mais íntimo lhe pudera dizer. Freitas, ao contrário do costume, passeava com ela; e só lhe fora dado vê-lo soberbo, todo de branco, casquette, sentado à almofada, com o busto ereto, a guiar maravilhosamente o carro lustroso. impávido, brilhante, cuja niquelagem areada faiscava como prata nova.

 Marcara-lhe aquele rendez-vous com muita saudade e vontade de vê-lo e agradecer-lhe a imaterial satisfação que a máquina lhe dava. Dentro daquele bonde vulgar, num instante, ela teve novamente diante dos olhos o automóvel orgulhoso, sentiu a sua trepidação, indício de sua força, e o viu deslizar, silencioso, severo, resoluto e insolente, pelas ruas em fora, dominado pela mão destra do chauffeur que ela amava.

 Logo ao chegar, perguntou à dona da casa se o José estava. Soube que chegara mais cedo e já fora para o quarto. Não se demorou muito conversando com a patroa e correu ao aposento.

 De fato, José estava lá. Fosse calor, fosse vontade de ganhar tempo, o certo é que já havia tirado de cima de si o principal vestuário. Assim que a viu entrar, sem se erguer da cama, disse:

 – Pensei que não viesses.

 – O bonde custou muito a chegar, meu amor.

 Descansou a bolsa, tirou o chapéu com ambas as mãos e foi direita à cama. Sentou-se na borda, cravou o olhar no rosto grosseiro e vulgar do motorista; e, após um instante de contemplação, debruçou-se e beijou-o, com volúpia, demoradamente.

 O chauffeur não retribuiu a carícia; ele a julgava desnecessária naquele instante. Nele, o amor não tinha prefácios, nem epílogos; o assunto ataca-se logo. Ela não o concebia assim: resíduos da profissão e o sincero desejo daquele homem faziam-na carinhosa.

 Sem beijá-lo, sentada à borda da cama, esteve um momento a olhar enternecida a má e forte catadura do chauffeur José começava a impacientar-se com aquelas filigranas. Não compreendia tais rodeios que lhe pareciam ridículos

 – Despe-te!

 Aquela impaciência agradava-lhe e ela quis saboreá-la mais. Levantou-se sem pressa, começou a desabotoar-se devagar, parou e disse com meiguice:

 – Trago-te uma coisa.

 – Que é? fez ele logo.

 – Adivinha!

 – Dize lá de uma vez.

 Lola procurou a bolsa, abriu-a devagar e de lá retirou a cigarreira. Foi até ao leito e entregou-a ao chauffeur. Os olhos do homem incendiaram-se de cupidez; e os da mulher, ao vê-lo satisfeito, ficaram úmidos de contentamento.

 Continuou a despir-se e, enquanto isso, ele não deixava de apalpar, de abrir e fechar a cigarreira que recebera. Descalçava os sapatos quando o José lhe perguntou com a sua voz dura e imperiosa:

 -Tens passeado muito no “Pope” ?

 – Deves saber que não. Não o tenho mandado buscar, e tu sabes que só saio no “teu”.

 – Não estou mais nele.

 – Como?

 – Saí da casa… Ando agora num táxi.

 Quando o chauffeur lhe disse isso, Lola quase desmaiou; a sensação que teve foi de receber uma pancada na cabeça.

 Pois então, aquele deus, aquele dominador, aquele supremo indivíduo descera a guiar um táxi sujo, chocalhante, mal pintado, desses que parecem feitos de folha-de-flandres! Então ele? Então… E aquela abundante beleza do automóvel de luxo que tão alta ela via nele, em um instante, em um segundo, de todo se esvaiu. Havia internamente. entre as duas imagens, um nexo que lhe parecia indissolúvel, e o brusco rompimento perturbou-lhe completamente a representação mental e emocional daquele homem.

 Não era o mesmo, não era o semideus, ele que estava ali presente; era outro, ou antes, era ele degradado, mutilado, horrendamente mutilado. Guiando um táxi… Meu Deus!

 O seu desejo era ir-se, mas, ao lhe vir esse pensamento, o José perguntou:

 – Vens ou não vens?

 Quis pretextar qualquer cousa para sair; teve medo, porém, do seu orgulho masculino, do despeito de seu desejo ofendido .

 Deitou-se a seu lado com muita repugnância, e pela última vez.

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Alcântara Machado (Gaetaninho)

– Xi, Gaetaninho, como é bom!

 Gaetaninho ficou banzando bem no meio da rua. O Ford quase o derrubou e ele não viu o Ford.

 O carroceiro disse um palavrão e ele não ouviu o palavrão.

 – Eh! Gaetaninho! Vem prá dentro.

 Grito materno sim: até filho surdo escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o chinelo.

 – Subito!

 Foi-se chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro.

 Êta salame de mestre!

 Ali na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho.

 O Beppino por exemplo. O Beppino naquela tarde atravessara de carro a cidade. Mas como? Atrás da tia Peronetta que se mudava para o Araçá. Assim também não era vantagem.

 Mas se era o único meio? Paciência.

 Gaetaninho enfiou a cabeça embaixo do travesseiro.

 Que beleza, rapaz! Na frente quatro cavalos pretos empenachados levavam a tia Filomena para o cemitério. Depois o padre. Depois o Savério noivo dela de lenço nos olhos. Depois ele. Na boléia do carro. Ao lado do cocheiro. Com a roupa marinheira e o gorro branco onde se lia: ENCOURAÇADO SÃO PAULO. Não. Ficava mais bonito de roupa marinheira mas com a palhetinha nova que o irmão lhe trouxera da fábrica. E ligas pretas segurando as meias. Que beleza rapaz! Dentro do carro o pai os dois irmãos mais velhos (um de gravata vermelha outro de gravata verde) e o padrinho Seu Salomone. Muita gente nas calçadas, nas portas e nas janelas dos palacetes, vendo o enterro. Sobretudo admirando o Caetaninho.

 Mas Gaetaninho ainda não estava satisfeito. Queria ir carregando o chicote. O desgraçado do cocheiro não queria deixar. Nem por um instantinho só.

 Gaetaninho ia berrar mas a tia Filomena com a mania de cantar o “Ahi, Mari!” todas as manhãs o acordou.

 Primeiro ficou desapontado. Depois quase chorou de ódio.

 Tia Filomena teve um ataque de nervos quando soube do sonho de Gaetaninho. Tão forte que ele sentiu remorsos. E para sossego da família alarmada com o agouro tratou logo de substituir a tia por outra pessoa numa nova versão de seu sonho. Matutou, matutou, e escolheu o acendedor da Companhia de Gás, Seu Rubino, que uma vez lhe deu um cocre danado de doído.

 Os irmãos (esses) quando souberam da história resolveram arriscar de sociedade quinhentão no elefante. Deu a vaca. E eles ficaram loucos de raiva por não haverem logo adivinhado que não podia deixar de dar a vaca mesmo.

 O jogo na calçada parecia de vida ou morte. Muito embora Gaetaninho não estava ligando.

 – Você conhecia o pai do Afonso, Beppino?

 – Meu pai deu uma vez na cara dele.

 – Então você não vai amanhã no enterro. Eu vou!

 O Vicente protestou indignado:

 – Assim não jogo mais! O Gaetaninho está atrapalhando!

 Gaetaninho voltou para o seu posto de guardião. Tão cheio de responsabilidades.

 O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as mãos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.

 – Passa pro Beppino!

 Beppino deu dois passos e meteu o pé na bola. Com todo o muque. Ela cobriu o guardião sardento e foi parar no meio da rua.

 – Vá dar tiro no inferno!

 – Cala a boca, palestrino!

 – Traga a bola!

 Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou.

 No bonde vinha o pai do Gaetaninho.

 A gurizada assustada espalhou a noticia na noite.

 – Sabe o Gaetaninho?

 – Que é que tem?

 – Amassou o bonde!

 A vizinhança limpou com benzina suas roupas domingueiras.

 Às dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro da Rua do Oriente e Gaetaninho não ia na boléia de nenhum dos carros do acompanhamento. Ia no da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres por cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a palhetinha.

 Quem na boléia de um dos carros do cortejo mirim exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino.


Fonte:
Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda.

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Charles Dickens (Horácio Sparkins) Parte I

Conto em duas partes.–––––––––––––––––––––––
Com efeito, meu querido, ele deu muita atenção a Teresa no último sarau – disse a Sra. Malderton dirigindo-se ao marido, o qual, após as canseiras do dia na City, sentado com um lenço de seda na cabeça, os pés sobre o guarda-fogo, bebia seu vinho. – Muita atenção, realmente; e repito que se deve dar-lhe todo e qualquer estímulo. Não há dúvida que ele deve ser convidado para jantar aqui.

 – Quem? – perguntou o Sr. Malderton.

 – Bem, você sabe, meu querido, a quem estou me referindo: àquele moço de suíças pretas e gravata branca que há pouco veio ao nosso clube e de quem todas as moças falavam. É o jovem… meu Deus! como se chama mesmo?… Mariana, lembra-me o nome dele, – disse a Sra. Malderton voltando-se para a filha mais nova, que estava ocupada em fazer uma bolsa de tricô e olhar sentimentalmente.

 – Sr. Horácio Sparkins, mamãe – respondeu Mariana com um suspiro.

 – Isso mesmo! Horácio Sparkins – disse a Sra. Malderton.

 – Decididamente é o jovem mais elegante que já vi na minha vida. No casaco tão elegante que ele usava a noite passada, parecia-se com… com…

 – Com o príncipe Leopoldo, mamãe… tão nobre, tão cheio de sentimento! – sugeriu Mariana, entusiasmada.

 – Você não deve esquecer, meu querido – resumiu a Sra. Malderton – que Teresa tem agora 28 anos. É da maior importância que se faça alguma coisa.

 A Senhorita Teresa Malderton era uma jovem muito pequena, gorducha, de faces avermelhadas, mas de bom humor e ainda sem compromisso, embora – para fazer-lhe justiça – tal desgraça não decorresse absolutamente de sua falta de perseverança. Em vão tinha namorado durante 10 anos. Em vão o Sr. e a Sra. Malderton mantinham assiduamente relações com grande número de rapazes solteiros e elegíveis de Camberwell, e até de Wandsworth e Brixon, sem falar daqueles que ocasionalmente apareciam na cidade. A Sra. Malderton estava tão conhecida como o leão do topo de Northumberland House e tinha a mesma probabilidade de “sair”.

 – Estou certa de que você gostará dele – continuou a Sra. Malderton. – Ele é tão galante!

 – E tão hábil – acrescentou Mariana.

 – E tão eloqüente – observou Teresa.

 – Tem muito respeito a você, meu querido – disse a Sra. Malderton ao esposo.

 Ele tossiu e olhou para o fogo.

 – Sim, estou certo de que ele tem o maior interesse em conhecer papai – declarou Mariana.

 – Sem a menor dúvida – ecoou Teresa.

 – É verdade, ele me disse confidencialmente – voltou a Sra. Malderton.

 – Está bem – replicou o Sr. Malderton, algo lisonjeado. – Se o encontrar amanhã no clube, talvez o convide. Naturalmente ele sabe que moramos em Oak Lodge, não, minha querida?

 – Naturalmente. Sabe também que você tem uma carruagem de um cavalo.

 – Vou ver isso – disse o Sr. Malderton, dispondo-se a uma soneca.

 O Sr. Malderton era um homem cujo campo de idéias estava limitado ao Lloyd’s, à Bolsa, à Indian Houve e ao Banco. Algumas especulações bem sucedidas o levaram de uma situação de obscuridade e relativa pobreza a um estado de abastança. Como tantas vezes acontece em tais casos, suas idéias e as da sua família foram-se exaltando em extremo, ao passo que lhe crescia a fortuna; todos afetavam elegância, bom-gosto, e outras tolices, imitando seus superiores, e tinham um horror muito decidido e característico a tudo quanto pudesse eventualmente ser considerado baixo. Era hospitaleiro por ostentação, liberal por ignorância, e cheio de preconceitos por presunção. O egoísmo e o amor à exibição faziam-no manter mesa excelente; a conveniência e o amor às coisas boas da vida asseguravam-lhe grande número de convivas. Gostava de ter à mesa homens hábeis ou que considerava tais, pois eram grande tema para conversação, mas nunca pôde suportar aqueles a quem chamava “camaradas espertos”. Provavelmente conseguiu comunicar este sentimento a seus dois filhos, que nesse ponto não causavam nenhuma inquietação ao responsável progenitor. A família tinha a ambição de travar conhecimentos e relações em qualquer esfera social superior à sua, e uma das conseqüências de tal desejo, facilitada pela extrema ignorância em que estavam de tudo quanto ficava além de seu estreito círculo, era que toda pessoa pretendia conhecer gente da alta sociedade tinha seguro passaporte para a mesa de Oak Lodge.

 O aparecimento do Sr. Horácio Sparkins no clube provocou, entre os freqüentadores assíduos, extraordinária surpresa e curiosidade. Quem podia ser? Ele era evidentemente reservado e visivelmente melancólico. Um eclesiástico? Mas dançava bem demais. Um advogado? Mas dizia que ainda não fora chamado a praticar. Empregava palavras muito finas e era grande conversador. Seria algum estrangeiro distinto vindo à Inglaterra que freqüentava jantares e bailes públicos a fim de conhecer a alta-roda, a etiqueta, o requinte inglês? Mas não tinha sotaque. Era um cirurgião, um colaborador de revistas, um autor de romances, um artista? Não: a cada uma dessas suposições, como ao conjunto delas, havia alguma objeção válida. “De qualquer maneira – concordavam todos – ele deve ser alguém.: – “Deve ser, com certeza – dizia com seus botões o Sr. Malderton – , uma vez que percebe a nossa superioridade e nos dá tamanha atenção.”

 A noite seguinte a conversa que acabamos de relatar era noite de reunião. A carruagem recebeu ordem de estar à porta de Oak Lodge às nove horas em ponto. As Senhoritas Malderton estavam vestidas de azul-celeste ornado de flores artificiais, e a Sra. Malderton (que era baixa e gorda), idem, idem, parecendo sua filha mais velha multiplicada por dois. O Sr. Frederico Malderton, o filho mais velho, em traje de rigor, representava o beau idéal de um garçom elegante, e o Sr. Tomas Malderton, o mais jovem, de gravata branca de gala, paletó azul, botões brilhantes e fita de relógio vermelha, de perto se parecia com Jorge Barnewll. Todos do grupo estavam interessados em cultivar a amizade do Sr. Horácio Sparkins. A Senhorita Teresa preparava-se para mostrar amável e interessante como em geral o são as moças de 28 anos à procura de um marido. A Sra. Malderton ia ser toda sorrisos e graças. A Senhorita Mariana lhe pediria o favor de escrever alguns versos em seu álbum. O Sr. Malderton tomaria sob sua proteção, o grande desconhecido, convidando-o a jantar em sua casa. Tom dispunha-se a averiguar a extensão de seus conhecimentos em matéria de rapé e charutos. O próprio Sr. Frederico Malderton, a autoridade da família em tudo o que dizia respeito à elegância do traje e das maneiras, e ao bom gosto; que possuía seu apartamento próprio na cidade; que tinha ingresso livre no teatro Covent Garden; que se vestia sempre com formalidade com a moda do mês; que ia às águas duas vezes por semana, durante a estação; que tinha um amigo íntimo que outrora conhecera um cavalheiro que tinha vivido no Albany – ele mesmo declarou que o Sr. Horácio devia ser um sujeito famoso e que lhe daria a honra de desafiá-lo para uma partida de bilhar.

 O primeiro objeto que feriu os olhos ansiosos da expedita família, ao entrarem no salão, foi o interessante Horácio, com os cabelos atirados sobre a fronte e os olhos fixos no chão, recostado numa das cadeiras em atitude contemplativa.

 – Ei-lo, meu querido, – cochichou ao marido a Sra. Malderton.

 – Como se parece com Lord Byron – murmurou Teresa.

 – Ou com Montgomery – segredou a Senhorita Mariana.

 – Ou com os retratos do capitão Cook! – sugeriu Tom.

 – Tom, não seja burro! – disse o pai, que o morigerava a cada passo, provavelmente com o intuito de o impedir de se tornar “esperto”, coisa totalmente desnecessária.

 O elegante Sparkins continuava em sua atitude afetada, de admirável efeito, até que a família cruzou a sala. Então se levantou precípite, com o ar mais natural de surpresa e enlevo, aproximou-se da Sra. Malderton com a maior cordialidade, cumprimentou as moças de modo encantador, inclinou-se perante o Sr. Malderton, cuja mão apertou com respeito que raiava a veneração, e retribuiu a saudação dos dois rapazes com um jeito meio agradecido, meio protetor, que acabou convencendo-os que ele devia ser uma personagem importante mas condescendente ao mesmo tempo.

 – Senhorita Malderton – disse Horácio após os cumprimentos de praxe e inclinando-se profundamente – é-me lícito conceber a esperança de que me permitirá ter o prazer de…

 – Não sei se já estou comprometida – disse a Senhorita Teresa com terrível afetação de indiferença – mas realmente… assim… tão…

 Horácio ostentou uma expressão primorosamente lastimável.

 – Terei muito prazer – externou por fim a interessante Teresa. O rosto de Horácio brilhou de repente como um velho chapéu sob a chuva.

 – É realmente um moço muito distinto – declarou o Sr. Malderton, quando o obsequioso Sparkins e seu par se dirigiram para a quadrilha que se formava.

 – Ele tem, de fato, boas maneiras – observou o Sr. Frederico.

 – Sim, é um rapaz notável – interveio Tom, que não deixava passar oportunidade de meter os pés pelas mãos. – ele fala que só um leiloeiro.

 – Tom, disse o pai com solenidade, suponho já lhe ter pedido que não seja tolo.

 Tom ficou tão contente como um galo em manhã escura.

 – Como é delicioso – dizia à sua dama o interessante Horácio – enquanto passeavam pela sala depois da contradança – , como é delicioso, repousante, abrigar-nos das tempestades nebulosas das vicissitudes, dos dissabores da vida, embora apenas por alguns instantes fugazes, e passar esses instantes por mais efêmeros e rápidos que sejam, no delicioso, no abençoado convívio de um ser – cujo franzir de sobrancelhas seria a morte, cuja frieza seria a loucura, cuja falsidade seria a ruína, cuja constância seria a ventura, e cuja afeição seria a recompensa mais brilhante e elevada que os Céus pudessem outorgar a um homem!

 – Quanto ardor! Quanto sentimento!”- pensava a Senhorita Teresa, apoiando-se com força no braço de seu cavalheiro.

 – Mas basta, basta! – resumiu o elegante Sparkins com ar teatral. – Que foi que eu disse? Que tenho eu… que ver… com sentimentos como este? Senhorita Malderton – aqui ele parou de repente – , posso esperar o consentimento para oferecer-lhe o humilde tributo de…

 – Na verdade, Sr. Sparkins – retrucou a enlevada Teresa, corando na mais deliciosa confusão – tem que falar com papai. Eu nunca poderia sem o consentimento dele atrever-me a …

 – Decerto ele não fará objeção alguma…

 – Ora, o Sr não o conhece ainda! – interrompeu-o a Senhorita Teresa, bem sabendo que não havia nada a temer, mas desejosa de transformar a cena em um romance romântico.

 – Ele não poderá fazer objeção alguma a que eu lhe ofereça um copo de sangria – volveu o adorável Sparkins com certa surpresa.

 – “Era apenas isso? – pensou Teresa desiludida – Quanto barulho por nada!”

 – Terei o maior prazer, senhor, em vê-lo a jantar em Oak Lodge, Camberwell, domingo próximo, às cinco horas, se não tiver compromisso melhor, – disse o Sr. Malderton no fim da reunião, quando ele e os filhos conversavam com o Sr. Horácio Sparkins.

 Este curvou-se agradecendo e aceitando o convite.

 – Devo-lhe confessar – continuou o pai, oferecendo rapé ao novo conhecido – que gosto muito menos destas reuniões que do conforto, ia quase a dizer do luxo, de Oak Lodge. Elas não têm grandes encantos para um homem de certa idade.

 – Aliás, senhor, que é afinal o homem? – perguntou o metafísico Sparkins. – que é o homem? Digo eu.

 – Ah, isso mesmo – disse o Sr. Malderton – , isso mesmo.

 – Sabemos que vivemos e respiramos – continuou Horácio – que temos aspirações e desejos, anelos e apetites…

 – Sem dúvida – replicou o Sr. Frederico Malderton com ar profundo.

 – Sabemos que existimos, digo eu – repetiu Horácio, levantando a voz – mas aí nos detemos; ai está o fim do nosso conhecimento, o limite do nosso alcance, o termo de nossos fitos. Que mais sabemos?

 – Nada – respondeu o Sr. Frederico.

 E realmente ninguém tinha mais direito que ele de fazer tão afirmativa. Tom ia arriscar um reparo, mas, a bem de sua reputação, percebeu o olhar zangado do pai e escapuliu-se como um cão apanhado em flagrante de furto.

 – Palavra de honra – disse o Sr. Malderton pai quando a família voltava para casa na carruagem – este Sr. Sparkins é admirável. Quantos conhecimentos! Que amplidão de informações! Que maneira esplêndida de se exprimir!

 – Para mim ele deve ser alguém disfarçado – declarou a Senhorita Mariana. – Que encantadoramente romântico!

 Tom arriscou:

 – Ele fala forte e muito bem. Apenas não entendo exatamente o que ele quer dizer.

 – Quase começo a desesperar de você entender qualquer coisa, Tom – disse o pai, o qual, naturalmente, ficara edificadíssimo com a palestra do Sr. Horácio Sparkins.

 – Tenho a impressão, Tom – disse a Senhorita Teresa – de que você foi bastante ridículo esta noite.

 – Sem a menor dúvida! – gritaram todos.

 E o pobre Tom procurou reduzir-se ao menor volume possível. Naquela noite o Senhor e a Senhora Malderton conversaram longamente sobre as perspectivas e o futuro de sua filha. A Senhorita Teresa foi deitar-se perguntando a si mesma se, caso desposasse um aristocrata, devia incentivar as visitas de suas conhecidas atuais, e sonhou a noite inteira com gentis-homens disfarçados, grandes recepções, plumas de avestruz, presentes nupciais e Horácio Sparkins.

 Na manhã do domingo se aventaram diversas conjecturas acerca da condução que o ansiosamente esperado Horácio iria adotar. Ia tomar um cabriolé? Montaria a cavalo? Preferiria a diligência? Tais e outras mais hipóteses de igual importância absorveram a atenção da Sra. Malderton e de suas filhas durante toda a manhã, depois do ofício divino.

 – palavra de honra, minha querida, aborrece-me que o simplório do seu irmão tenha convidado a si mesmo para jantar aqui hoje – disse o Sr. Malderton à mulher. – Por causa da visita do Sr. Sparkins eu me abstive, de propósito, de convidar fosse quem fosse, além de Flamwell. E agora pensar que seu irmão… um lojista… não, é insuportável. Não gostaria que fizesse qualquer referência à loja diante do nosso convidado… não, nem por mil libras! Preferiria que tivesse o bom senso de esconder a desgraça que ele representa para a família, porém ele gosta tanto do seu horrível negócio que não deixará de falar a respeito.

 O Sr. José Barton, a pessoa em apreço, era dono de um grande armazém, homem vulgar e tão despido de sensibilidade que não tinha o menor escrúpulo em confessar que não estava acima do seu negócio; juntara seu dinheiro graças a ele, e não fazia questão de encobri-lo.

 – Ah, Flamwell, meu caro amigo, como vai? – perguntou o Sr. Malderton ao ver um homenzinho azafamado, de óculos verdes, entrar na sala. – Recebeu o meu bilhete?

 – Recebi sim, e estou aqui às suas ordens.

 – Não conhecerá de nome, por acaso, esse Sr. Sparkins? Você conhece todo o mundo.

 Era o Sr. Flamwell um desses cavalheiros de relações extremamente vastas que a gente encontra de quando em quando na sociedade, os quais pretendem conhecer a todos mas na verdade não conhecem ninguém. Em casa dos Maldertons, onde qualquer história sobre gente distinta era acolhida com ouvidos gulosos, estimavam-no especialmente. Vendo com que espécie de pessoas tratava, levou ao extremo a paixão de exibir as suas relações. Tinha um modo peculiar de contar as suas maiores mentiras num parêntese, com ar de quem se desmente a si mesmo, como se estivesse receando parecer egoísta.

 – Bem, não o conheço por esse nome – , replicou em voz baixa e com um jeito de imensa importância. – No entanto, devo conhecê-lo, sem a menor dúvida. É alto?

 – É de estatura mediana – disse a Senhorita Teresa.

 – Cabelos pretos? – perguntou Flamwell, arriscando uma suposição arrojada.

 – Sim – respondeu a Senhorita Teresa ansiosamente.

 – De nariz bastante arrebitado?

 – Não – replicou Teresa com desaponto. – tem um nariz romano.

 – Pois não foi o que eu disse, um nariz romano? – disse Flamwell. – Não é um moço elegante?

 – É.

 – De maneira excessivamente simpáticas?

 – Sim – exclamou a família toda. – Naturalmente você o conhece.

 – Foi o que pensei: naturalmente você o conhece, se ele é “alguém”, – triunfou o Sr. Malderton. – Quem pode ser ele?

 – Bem, pela descrição de vocês – disse Flamwell ruminando e baixando a voz até o cochicho – ele se parece de modo estranho com o nobre Augustus Fitz-Edward Fitz-John Fitz-Ozborne. É um rapaz de muito talento e bastante excêntrico. É muitíssimo provável que tenha mudado de nome por algum motivo especial.

 O coração de Teresa batia forte. Seria mesmo o nobre Augustus Fitz-Edward Fitz-John Fitz-Ozborne? Que nome para ser gravado elegantemente em dois cartões acetinados, atados com uma fita de cetim branco! A nobre senhora Augustus Fitz-Edward Fitz-John Fitz-Ozborne! Só o pensar nisso dava um êxtase!
–––––––––-
continua…

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José Feldman (Universo de Versos n. 28)

Uma Trova do Paraná

OTAVIO LEITE GOETTEN – Paranavaí
A Terra no seu início,
foi palácio verde em flor!
Agora é um precipício
de enchentes e dissabor.
========================
Uma Trova em Homenagem às Mães, de Fortaleza/CE

FRANCISCO JOSÉ PESSOA

O amor seria fecundo
e como se espalharia,
se toda mãe que há no mundo
tivesse um nome: MARIA!
===================
Uma Trova Lírica/Filosófica de Natal/RN

JOAMIR MEDEIROS

– A trova é o Sol que ilumina
os sonhos dos trovadores.
É também prece divina
que alivia nossas dores.
========================
Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

RENATA PACCOLA

Ao chegar em Portugal,
depois da grande conquista,
vendo a sogra em seu quintal,
diz Cabral: “Encrenca à vista!”
========================
Uma Trova do Feldman

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Numa tarde tu chegaste,
vieste bem de mansinho.
Meu coração envolveste
no calor de teu carinho.
========================
Uma Trova Hispânica da Argentina

CATALINA MARGARITA MANGIONE

Triste me hallo en este día
que, por la justicia ausente,
se premia a la tiranía,
y se castiga al decente.
========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

P’ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAÚJO – Rio de Janeiro/RJ
1922 – 2004

Me diga, pai:– FURACÃO
é feito de vento? – Exato!
– Mas se o vento fura o cão,
porque é que não fura o gato?
========================
Uma Trova sobre a Trova de Maringá/PR

ARLENE LIMA

Em cada trova que faço,
mando alegria e emoção
levando fraterno abraço
do meu ao teu coração!
========================
Um Haicai de Curitiba/PR

ROSÂNGELA JACINTO DA SILVA

A beira do mar.
Como se fosse num espelho
o brilho da Lua.
========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

Ambígua volta
em torno da ambígua ida,
quantas ambiguidades
se pode cometer na vida?
Quem parte leva um jeito
de quem traz a alma torta.
Quem bate mais na porta?
Quem parte ou quem torna?
========================
Uma Poesia de Governador Valadares/MG

LUCIENE BARREL (LUBARREL)
As Fadas

Seres iluminados
Cheios de bondade
São como anjos encarnados
Repartindo caridade.

Quem quiser ser uma fada
é tão fácil como o soprar do vento
Basta ter sempre na alma
o amor doando a todo o tempo.

Fada que se presa não empresta
doa o coração sem espera
pois seu galardão é seguro
Quando o seu sentimento é puro.

Fadas no mundo são poucas
mas valem por uma multidão
pois repartindo a bondade
vai ganhando coração.

A cada coração conquistado
Sua aura resplandece
Seu esplendor se enaltece
e o céu sutilmente , agradece.

Procure em seu interior
a fada então adormecida.
Desperte-a cheia de fulgor
e sejas feliz por toda a vida.
========================

Trova em Homenagem às Mães, de Maringá/PR

 ======================
Sextilhas de Recife/PE

MANUEL BANDEIRA
1886 – 1968
Sextilhas Românticas

Paisagem da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
– Mas que importa o rouxinol?
Frio, nevoeiro da serra
Quando na manhã se levanta
Toda banhada de sol!

Sou romântico? Concedo.
Exibo, sem evasiva,
A alma ruim que Deus me deu.
Decorei “Amor e medo”,
“No lar”, “Meus oito anos”… Viva
José Casimiro Abreu!

Sou assim por vício inato.
Ainda hoje gosto de Diva,
Nem não posso renegar
Peri, tão pouco índio, é fato,
Mas tão brasileiro… Viva,
Viva José de Alencar!

Paisagens da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
– Pinhões para o rouxinol!
Frio, nevoeiros da serra
Quando a manhã se levanta
Toda banhada de sol!

Ai tantas lembranças boas!
Massangana de Nabuco!
Muribara de meus pais!
Lagoas das Alagoas,
Rios do meu Pernambuco,
Campos de Minas Gerais!
========================
Uma Poesia de Angola

DAVID MESTRE
1948 – 1998
Nas Barbas do Bando

E quem
nesta roda
riscou no peito
a ave
inviolável?

Qual de vós
apostou a morte
e perdeu?
Qual de vos
inegáveis patifes

navalhas encantadas
traçou no areal
a mais bela aventura
nas barbas
do bando?
========================
Um Soneto de Maceió/AL

LÊDO IVO
1924 – 2012
Acontecimento do Soneto

À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros

versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.

Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,

irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.
========================
Uma Poesia de Longe

OCTAVIO PAZ – Cidade do Mexico/Mexico
1914 – 1998
Destino do Poeta

Palavras ?  Sim.  De ar
e perdidas no ar.
Deixa que eu me perca entre palavras,
deixa que eu seja o ar entre esses lábios,
um sopro erramundo sem contornos,
breve aroma que no ar se desvanece.

Também a luz em si mesma se perde.
========================
Um Poetrix de Mato Grosso do Sul

TÂNIA SOUZA
Vitrine

Confeitos coloridos!
Nos olhos do menino
A fome chora.
========================
Uma Trova de Itabira/MG

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada:
amor é o sumo da vida.
========================
Versos Melodicos

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE (versos) e JOÃO PERNEMABUCO (melodia)
Luar do Sertão (Toada, 1914)

 
A toada “Luar do Sertão” é um dos maiores sucessos de nossa música popular em todos os tempos. Fácil de cantar, está na memória de cada brasileiro, até dos que não se interessam por música. Como a maioria das canções que fazem apologia da vida campestre, encanta principalmente pela ingenuidade dos versos e simplicidade da melodia. Embora tenha defendido com veemência pela vida afora sua condição de autor único de “Luar do Sertão”, Catulo da Paixão Cearense deve ser apenas o autor da letra.

A melodia seria de João Pernambuco ou, mais provavelmente, de um anônimo, tratando-se assim de um tema folclórico – o côco “É do Maitá” ou “Meu Engenho é do Humaitá” -, recolhido e modificado pelo violonista. Este côco integrava seu repertório e teria sido por ele transmitido a Catulo, como tantos outros temas. Pelo menos, isso é o que se deduz dos depoimentos de personalidades como Heitor Villa-Lobos, Mozart de Araújo, Sílvio Salema e Benjamin de Oliveira, publicados por Almirante no livro No tempo de Noel Rosa.

Há ainda a favor da versão do aproveitamento de tema popular, uma declaração do próprio Catulo (em entrevista a Joel Silveira) que diz: “Compus o Luar do Sertão ouvindo uma melodia antiga (…) cujo estribilho era assim: ‘É do Maitá! É do Maitᔑ. A propósito, conta o historiador Ary Vasconcelos (em Panorama da música popular brasileira na belle époque) que teve a oportunidade de ouvir “Luperce Miranda tocar ao bandolim duas versões do ‘É do Maitá’: a original e ‘outra modificada por João Pernambuco’, esta realmente muito parecida com Luar do sertão”.

Homem humilde, quase analfabeto, sem muita noção do que representavam os direitos de uma música célebre, João Pernambuco teve dois defensores ilustres – Heitor Villa-Lobos e Henrique Foreis Domingues, o Almirante – que, se não conseguiram o reconhecimento judicial de sua condição de autor de Luar do Sertão, pelo menos deram credibilidade à reivindicação. Ainda do mesmo Almirante foi a iniciativa de tornar o Luar do Sertão prefixo musical da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a partir de 1939. (Cifrantiga)

Não há, ó gente, oh não luar
Como este do sertão
Não há, ó gente, oh não luar
Como este do sertão

Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão
Esse luar cá da cidade, tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão (refrão)

A gente fria desta terra sem poesia
Não se importa com esta lua
Nem faz caso do luar
Enquanto a onça, lá na verde capoeira
Leva uma hora inteira,
Vendo a lua a meditar (refrão)

Ai, quem me dera que eu morresse lá na serra
Abraçado à minha terra e dormindo de uma vez
Ser enterrado numa grota pequenina
Onde à tarde a surunina chora sua viuvez (refrão).

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Dorothy Jansson Moretti (Trova em Homenagem äs Mães)

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11 de maio de 2013 · 23:57

José Feldman (Universo de Versos n. 27)


Uma Trova do Paraná

VÃNIA MARIA SOUZA ENNES – Curitiba

Trovador por excelência,
tem nas veias o otimismo:
faz as trovas com sapiência,
e dá lições de altruísmo!
========================
Uma Trova contra a Dengue de Pedro Leopoldo/MG

WAGNER MARQUES LOPES

Aquele que sempre joga
o lixo em qualquer lugar
é o desleixado que roga:
“ –Venha, dengue,  me atacar!”.
========================
Uma Trova Lírica/Filosófica de São Paulo/SP

SELMA PATTI SPINELLI

Com tanta delicadeza,
um regato a serra desce…
E eu tenho quase certeza
que a própria serra agradece!
========================
Uma Trova Humorística de Nova Friburgo/RJ

CLENIR NEVES RIBEIRO

A mulher do amolador,
que é fofoqueira afamada,
diz que se casou sem amor
só pra ter língua afiada!
========================
Uma Trova do Feldman

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Num retrato amarelado,
a saudade em mim se deu.
Ontem tinha meu pai ao lado
sem ele, hoje, o pai sou eu.
========================
Uma Trova Hispânica das Ilhas Canárias/Espanha

TERESA DE JESÚS RODRÍGUEZ LARA

Te quiero porque te quiero,
sin que medie condición…
y por justicia yo espero
que me des tu corazón.
========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Mal de amor, raro se perde
É como a nódoa da amora
Só com outra amora verde
A nódoa se vai embora.
========================
Trovadores que deixaram Saudades

TAPAJÓS DE ARAÚJO – Sorocaba/SP
(Raimundo de Araujo Chagas)
1894 – 1969

Nesse amor aberto em palmas,
espero encontrar depois
um céu para duas almas
e um sonho para nós dois.
========================
Uma Trova sobre a Trova de Piraquara/PR

HORÁCIO F. PORTELLA

Não chame a trova trovinha
nem diga que ela é pequena…
Seja sua ou seja minha,
é majestosa verbena.
========================
Um Haicai de Curitiba/PR

ROSALVA FREITAS BRÜSCH

Vento de inverno
Folheou o meu livro
E não leu nada
========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois
========================
Uma Poesia de Belo Horizonte/MG

CÉLIA JARDIM
Tempestade na Alma

Carrego o peso de minhas amarguras
tentando sobreviver a todos temporais
minha alma há tempos em clausura
já não reage a tantos vendavais
A escuridão me acompanha, me dá medo
carrego solitária toda minha sofreguidão
já não sei da vida qual o segredo
que me liberte desta mutilação
Meus rastros se perderam no caminho
já não busco um futuro no passado
plantei flores, colhi tantos espinhos
deixei também, meu presente sepultado
Talvez em algum tempo desconhecido
haja um lugar onde eu possa repousar
secar esta alma encharcada, coração ferido
que o destino se encarregou de maltratar
Vou vivendo e morrendo lentamente
escondendo minha face deste mundo
se eu morrer que seja secretamente
pois meu orgulho foi ferido até o fundo
========================
Sextilhas de Rio Claro/SP

FAGUNDES VARELA
1841 – 1875

Amo o cantor solitário
Que chora no campanário
Do mosteiro abandonado,
E a trepadeira espinhosa
Que se abraça caprichosa
À forca do condenado

Amo os noturnos lampírios
Que giram, errantes círios,
Sobre o chão dos cemitérios,
E ao clarão das tredas luzes
Fazem destacar as cruzes
De seu fundo de mistérios

Amo as tímidas aranhas
Que lacerando as entranhas
Fabricam dourados fios
E com seus leves tecidos
Dos tugúrios esquecidos
Cobrem os muros sombrios

Amo a lagarta que dorme,
Nojenta, lânguida, informe,
Por entre as ervas rasteiras
E as rãs que os pauis habitam
E os moluscos que palpitam
Sob as vagas altaneiras

Amo-os, porque todo o mundo
Lhes vota um ódio profundo,
Despreza-os sem compaixão
Porque todos desconhecem
As dores que eles padecem
No meio da criação.
========================
Uma Trova Ecológica de São Paulo

========================
Uma Poesia de Inhambane/Moçambique

RUI KNOPFLI
1932 – 1997
Princípio do dia

Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.

 Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.

 No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.

 E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.

 (Amanhã volto a experimentar).
========================
Um Soneto de Santarém/Portugal

ARLETE PIEDADE
Enigmas de menino

Estou tão triste e revoltado com a vida
não sei porque me deixaram aqui sozinho
foi-se embora a minha mãezinha querida
agora ninguém mais me irá dar carinho…

esta manhã estava tanto gelo na estrada
minhas mãos ficaram de golpes a sangrar
meus pés descalços gretados lá na picada
cheios de bicos, pele dolorosa a queimar

meu estômago pequenino e vazio dói tanto
ninguém me acode nem enxuga meu pranto…
ah! Será que este é de verdade o meu mundo?

Venham me buscar! – Não sou deste recanto!
Imploro olhando o céu, com tal espanto…
medonha solidão, desespero tão profundo!
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Uma Poesia de Longe

JUAN RAMÓN JIMÉNEZ – Moguer,Huelva/Espanha
1881 – 1959
Consciência Hoje Azul

 Consciência de fundo azul do dia, hoje
concentração de transparência azul;
mar que sobe em minha mão criando sede
de mar e céu no mar,
em ondas abrazantes, de sal vivo.

Manhã de verdade no fundo ar
(céu de água funda
de outro viver ainda em imanência)
explosão suficiente (nuvem, onda, espuma
de onda e nuvem)
para levar-me em corpo e alma
ao âmbito de todos os confins,
a ser o eu que aspiro
e a ser o tu que aspiras em meu anseio,
consciência hoje do vasto azul,
consciência desejante e desejada,
deus hoje azul, azul azul e mais azul,
semelhante ao deus de meu Moguer azul,
um dia.

(Tradução: Antonio Miranda)
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Um Poetrix de Rondônia

TASSO ROSSI
Geométrica mente

tuas curvas,
meus planos…
tangentes.
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Uma Elegia de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1902– 1987
Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
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Versos Melodicos

EUSTÓRGIO WANDERLEY (melodia) e ADELMAR TAVARES (versos)
Lágrimas e risos (valsa, 1913)

A vida é toda feita assim
De riso e dor um mar sem fim
Alegre um dia o riso vem
E o pranto seguirá também

A criancinha assim que nasce
Conhece a dor, põe-se a chorar
No entanto o riso em sua face
Só muito após vem a aflorar

Sorrir, chorar e assim vai-se a vida a passar
Cantar, gemer, a mágoa vem junto ao prazer
É louco também quem nos diz, que se considera feliz
Que a sorte aos seus braços lhe atira, mentira, mentira
Pois breve ao invés de cantar
Chorar, chorar

Eu que cantando estou hoje aqui
Enquanto o público sorri
Quem sabe se em vez de cantar
Tenho vontade de chorar

Num circo, vê-se sobre a arena
Ri o palhaço a se perder
E em casa a filha assim pequena
Talvez deixasse-lhe a morrer

Sorrir, chorar e assim vai-se a vida a passar
Cantar, gemer, a mágoa vem junto ao prazer
Palhaço que ri sem cessar
Não deve não pode chorar
Pois quem é pago pra rir pra chalaça
Desgraça, desgraça
Se em pranto tens alma de par
Sorrir, cantar

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Juraci Siqueira (Encavernado)

Chove sobre a cidade. Chuva densa, impiedosa. Chuva que exerce sobre mim o estranho poder de conduzir-me às brenhas de mim mesmo qual animal acuado à procura da toca. Troglodita indefeso em busca do ventre pétreo da caverna…

Mergulho em meus comigos a cismar sobre o destino da Terra e do Homem – esse construtor de estradas para lugar nenhum. Mas quando a antevisão do caos me deixa apavorado e triste, transponho os muros do real e vou colher, no pomar dos sonhos, os pomos dourados da poesia.

Poetas somos, em nosso ofício, criaturas solitárias por razões que bem não atino. Talvez pela necessidade de estarmos a sós com a palavra no momento mágico da concepção da poesia, para que nenhum mortal possa testemunhar a dor ou a alegria estampadas em nossas faces na hora do parto do poema.

Chove. Cerco-me de palavras para tentar esquecer que neste momento o planeta é oferecido em holocausto aos deuses do progresso e que, em nome de Deus e da Justiça, homens sacrificam-se mutuamente como se fosse possível conceber guerra justas e santas!…

Tento desesperadamente convencer-me de que a poesia está acima do bem e do mal, acima dos homens, de suas leis, crenças e ideologias. Digo a mim mesmo que os poetas somos seres privilegiados, que não devemos, por isso, deixar que a voz das armas fale mais alto aos nossos ouvidos que a voz do vento, que a voz do mar, que a voz do nosso coração. Mas é impossível enganar-se a si mesmo quando se tem o peito dilacerado por uma bala ou por uma lâmina de baioneta que, sem pedir licença, invadem nossos lares via satélite. Impossível não escutar as trombetas do Apocalipse anunciando que mais cordeiros serão imolados para saciar a sede de modernos e sádicos vampiros.

A chuva faz-me regredir no tempo e voltar à caverna, jardim de infância da humanidade onde o homem rabiscou a primeira flor, domou a primeira fera, articulou a primeira palavra, fabricou a primeira arma e, seguramente, organizou a primeira batalha contra seus semelhantes…

Os ruídos da chuva misturam-se ao som do televisor que exibe imagens de um conflito qualquer. Imagens cruéis, animalescas. Fatos que fazem com que eu me sinta, verdadeiramente, um troglodita cercado de feras e condenado aos limites de minha própria caverna. Humana e trágica caverna a se fechar, cada vez mais, em torno de meus medos, meus delírios, minhas convicções…

E é assim que vejo a alegoria platônica da caverna realizar-se em mim. Atualizar-se com o regresso do homem ao seu primitivo útero de pedra. Mas, ao contrário do mito, já não há boas novas para anunciar. Apenas a triste constatação de que o homem moderno, a despeito de sua avançada tecnologia que lhe permite destruir seu semelhante e o meio em que vive com o auxílio do átomo, não conseguiu ser um pouco melhor que seus ancestrais que já faziam o mesmo com paus e pedras. É triste admitir que em plena era da informática as armas continuem a falar mais alto que as palavras e que estas sirvam de instrumento para promover a discórdia entre os povos, para inverter e perverter valores, para transformar a liberdade numa “calça velha, azul e desbotada…”

A chuva passou mas eu continuo entrincheirado entre palavras. Afundo e confundo-me nelas para proteger-me das garras do ódio, para resistir às leis das armas. Com elas fabrico, quixotescamente, meu escudo e minha lança para investir contra os moinhos da insensibilidade humana.

Os poetas somos criaturas solitárias a esgrimir com o verbo. E precisamos, urgentemente, de paz para continuar semeando amor e poesia nos canteiros do mundo, nos pomares da vida, nos corações dos homens.

Fonte:
http://blogdobotojuraci.blogspot.com.br/

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Raimundo de Araujo Chagas (Folhas Poéticas)

Espaço Das (facebook)
JUDAS
 
Antes de vir o Sol, a vila já alarmada,
mostra em cada garoto um grande espadachim,
que anda de rua em rua, em louca disparada,
atrás de um Judas vil, de crânio de capim;

De um Judas moleirão de cara amarrotada,
de pança desconforme e cheia de estopim,
que liga um buscapé a uma bomba encerada,
pronta para estrugir, em honra do festim.

Num bulício infernal, a garotada infrene,
espera com prazer, do sino a voz solene
para então reduzir em cinzas o espantalho!…

E os vampiros reais, os judas elegantes,
vivem sempre a cantar, como viviam dantes,
desdenhando do Bem, da Vida e do Trabalho.

O CANÁRIO DE BERTHA
 
Júlia tinha um canário, tu bem viste,
mas Bertha tinha um outro extraordinário
que muitas vezes o seu canto ouviste
como se fosse um sonho imaginário.

Júlia tratava os dois de modo vário!
Tanto assim que o de Bertha fez-se triste
porque ela dava alpiste ao seu canário
dando arroz ao de Bertha em vez de alpiste.

Como o canário original de Bertha,
estristeci, vendo na vida incerta
esse grupo de cínicos que existe,

que estende a mão de amigo sendo algoz,
vão criando canários com arroz
e alimentando amigos com alpiste…

FASES DO ANO

Janeiro! Eleva-se o rio.
Fevereiro — alaga os campos.
Março e Abril! Noites de frio,
bordadas de pirilampos.

Maio! Festa… sacramentos.
Junho — geme o órgão dos ventos,
buscando o luar de agosto.

Setembro e Outubro. É o verão.
Novembro, espalha alegrias
nas praias de Amarração.

Natal! Dezembro. O ano expira.
Trezentos e muitos dias
só de ilusões … de mentira!

SAUDADE

Eu vivo como o mar, bebendo os rios,
rios da Dor que crescem, com certeza,
em meu ser, quando o inverno da Tristeza
chega e vence ao cair dos tempos frios.

Eu vivo como os pássaros sombrios,
dos quais a tempestade em luta acesa
roubou dos ninhos frágeis e macios,
isolando-os da própria natureza.

Eu vivo como as águas das cascatas
que a força eterna de um tremendo fado
desfia em prantos no painel das matas.

Eu vivo sem viver, esta é a verdade,
pois não pode viver um torturado
que se alimenta apenas da saudade!…

O HOMEM
 
Garboso rei supremo das quimeras,
que vieste, por momentos, como eu vim,
a este orbe, onde por grande que pareças,
um dia hás de ter sempre o mesmo fim

que têm as borboletas, os vampiros,
as lesmas, as serpentes e os abutres.
No entanto,à luz de exemplos tão frisantes,
somente de vaidades, enfim, te nutres.

Se comercias, ninguém mais honesto
no serviço do peso ou da medida.
Tens filho? — Hás de supor que os teus parecem
as almas mais perfeitas desta vida.

Contudo és grande: regulaste o tempo,
mediste a terra, devastaste o espaço.
Tudo tens feito aos rasgos do teu gênio
seguido pela força do teu braço.

E assim te elevas, orgulhosamente.
Do mundo gozas todos os conceitos.
Tudo sabes fazer, mas, por desgraça,
não sabes conhecer os teus defeitos!

Baixa, pois, desce até chegar aos vermes.
Busca o teu nível, sofre e te consola.
Não julgues nunca que és alguma cousa
diante do pobre que te pede esmola.

Humilha-te, portanto, ante os humildes.
Sonda tua alma, purga os teus pecados.
“Os que se humilham neste mundo, no outro
serão pelos feitos exaltados”.

Fonte:
O BEMBÉM, Ano 1,  N. 8, N. 8, Parnaíba, Piauí, 21 de agosto de 2008. Disponivel em http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/piaui/r_petit.html

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José Feldman (Universo de Versos n. 26)

Uma Trova do Paraná

MAURÍCIO FERNANDES LEONARDO – Ibiporã

Semblante santificado
cabeleira cinza escuro,
mamãe viveu seu passado
planejando meu futuro.
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Uma Trova contra a Dengue, de Pedro Leopoldo/MG
 –
WAGNER MARQUES LOPES
Saneando nossas casas,
sem lixo na vizinhança,
mosquito não cria asas,
a dengue jamais avança.
====================== 
Uma Trova Lírica/Filosófica de Juiz de Fora/MG

GERALDA ARMOND

A saudade é simplesmente,
um claro espelho encantado,
mira-se nele o presente
e ele reflete o passado.
==================
 Uma Trova Humorística de Magé/RJ

MARIA MADALENA FERREIRA

Quando a foto iam bater,
meu patrício se escondia,
pois… queria aparecer…
… “de surpresa”… pra Maria!!!
==================
 Uma Trova do Feldman

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR
A mãe de minha mulher
diz que é sogra muito boa.
Sem querer meter colher,
no meu filme ela é viloa…
======================
Uma Trova Hispânica da Colômbia

MARTHA SENOVIA VELÁSQUEZ VÉLEZ
La justicia es patrimonio
de toda la humanidad;
es el mejor testimonio
de amor, paz y libertad.
=====================
Uma Trova de Góis/Portugal

CLARICE BARATA SANCHES

Como um tesouro fecundo,
a Caridade escondida,
se não se mostra no mundo,
ver-se-á na outra Vida!
===================
Trovadores que deixaram Saudades

BAPTISTA NUNES  – Rio de Janeiro/RJ
1883 – 1965

As dores e os desencantos
 têm dois destinos diversos:
 ou se dissolvem nos prantos,
 ou se desfazem nos versos.
===========================
Uma Trova sobre a Trova de Natal/RN

PROF. FRANCISCO GARCIA

Eu sempre quis numa trova
provar tudo quanto fiz;
mas nunca passei na prova,
nem fiz a trova que quis.
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Uma Quadra Popular Portuguesa

Após um dia tristonho
de mágoas e agonias
vem outro alegre e risonho:
são assim todos os dias
=========================
Um Haicai de Campinas/SP

Guilherme de Almeida
(1890-1969)

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se “Agora”.
==================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri
antigamente eu era eterno
========================
Uma Poesia de Jaú/SP

ANGÉLICA TURINI FERREIRA

Neste labirinto que se chama terra,
que se chama cérebro
que se chama vida,
há estruturas complexas
fragmentos bíblicos
notícias escorrendo…

Pés sangrando.

Dragões alados
alfaias
palavras que se perdem
eis o resultado da meditação!
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Uma Sextilha de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS
Verdade, pura verdade,
a que esta sentença encerra,
válida agora e amanhã,
no Brasil e em toda a Terra:
– O amor sempre tem razão,
mesmo quando, às vezes, erra!
=====================
Uma Trova Ecológica de

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Uma Poesia de São Vicente/Cabo Verde

YOLANDA MARAZZO

Derrocada

A asa de um morcego transparente
e no canto um olho descaído
de pestanas longas espreitando
o ácido viscoso da loucura
escorrendo pelos telhados do mundo

Viajante incansável do pasmo
no silêncio das órbitas vagabundas
dos mares-mortos delírio-espasmo
do cansaço mole das brisas vazias
que do nada se afirmam nas florestas
do ódio de gigantes e anões liliputianos

Blocos monolíticos tristes quedos
imagens-desespero cancerosos
miasmas-visco cobras moribundas
agonizando em convulsões de magma
lanças setas envenenadas dirigidas
ao coração das virgens e crianças

Sombra parda pálida acutilante
teu vulto de insônia transparente
bóia nas trevas flutuantes
da noite dos espiões pelas estradas
das feras que matam as ovelhas
e apunhalam pastores no caminho

Sombra feroz invernal medonha
destroços e cadáveres pútridos
sugando o seio das madonas
e acalentando monstros nas cavernas
pelas horas taciturnas do medo dos teus passos.
============================
Um Soneto de Taubaté/SP

NOEMISE DE FRANÇA CARVALHO
Lua Cheia

À noite, ao chegar a lua cheia,
eu penso ser o mundo pequenino,
se imensa escuridão ela clareia,
apenas, com seu rosto cristalino,

e se a doce madrugada devaneia,
ouvindo de tão longe a voz de um sino,
a lua espera o sol, que serpenteia
nas luzes do arrebol, olhar divino…

Ó lua cheia em ninhos de plumagem
das nuvens, sonolentas, na voragem
de sonhos, com seus versos de poetas!

Ao ver-te dos vitrais de minha vida,
só chego a ti, se houver a despedida
das mortas ilusões em dores quietas.
==============================
Uma Poesia de Longe

WILLIAM BUTLER YEATS – Dublin/Irlanda
1865 – 1939
Quando Fores Velha

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.
========================
Um Poetrix de Luanda/Angola

THOMAZ RAMALHO
Melancolia

Os cotovelos no parapeito da sacada
e o pensamento apoiado
na linha do horizonte.
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Versos Melodicos

DOMINGOS CORREIA (versos) e SANTOS COELHO (melodia)
Flor do mal (Saudade eterna) (valsa, 1912)

O poeta Domingos Correia suicidou-se no dia 6 de maio de 1912, bebendo um copo do desinfetante Lisol, numa casa de chope no Rio de Janeiro. Antes, porém, perpetuou nos versos da canção “Flor do Mal” o motivo do suicídio: sua paixão não correspondida por Arminda Santos, uma jovem pernambucana que então iniciava carreira artística nos palcos da cidade.
“Oh! Eu me recordo ainda / desse fatal dia / em que tu me disseste, Arminda, / indiferente e fria / eis do meu romance o fim…”.
Como não era compositor, fez esses versos tristíssimos em cima da melodia, mais triste ainda, de “Saudade Eterna”, uma valsa do violonista Santos Coelho, autor de um método de guitarra portuguesa, muito usado na época.
Tendo recebido em 1909 a letra de Catulo da Paixão Cearense (sob o título de “Ó como a saudade dorme num luar de calma”). “Saudade Eterna” era apenas razoavelmente conhecida, tornando-se grande sucesso ao transformar-se em “Flor do Mal”, talvez até pelo impacto da tragédia.
Segundo o historiador Ary Vasconcelos (em Panorama da música popular brasileira na belle époque), Domingos Correia “era branco, baixo e tinha uma. cabeça enorme”, o que lhe valeu o apelido de Boneco nos meios boêmios onde bebia e cantava com voz possante”. Com tal figura, era mesmo tarefa impossível ao Boneco conquistar a bela Arminda. (Cifrantiga)

Oh ! Eu me recordo ainda,
Deste fatal dia…
Em que tu me disseste, Arminda,
Indiferente e fria.
– Eis do meu romance o fim!
– Senhor!
– Basta!
– Esquece-te de mim,
Amor.

Por que?
Não procures indagar,
A causa ou a razão?
Por que?
Eu não te posso amar?
Oh ! Nunca quis não,
Será fácil te esquecer.
Prometo,
Oh! minha flor,
Não mais ouvir falar de amor.

Eu!
Hipócrita!
Fingido coração!
De granito…
Ou de gelo…
Maldição…
Ah!
Espírito satânico!
Perverso!
Titânico chacal…
Do mal…
Num lodaçal imerso…

Sofrer!
Quanto tenho sofrido!
Sem ter uma consolação!
O Cristo também foi traído!
Por que?
Não posso ser então…
Oh, Não !

Que importa,
O meu sofrer ferino…
Das coisas é ordem natural!
Seguindo o meu destino,
Chamar-te-ei, eternamente,
A Flor do Mal.

Sofrer!
Quanto tenho sofrido!
Sem ter uma consolação!
O Cristo também foi traído!
Por que?
Não posso ser então…
Oh, Não!

Que importa,
O meu sofrer ferino…
Das coisas é ordem natural!
Seguindo o meu destino,
Chamar-te-ei, eternamente,
A Flor do Mal….

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José Feldman (Universo de Versos n. 25)

Uma Trova do Paraná

JOSIAS MOREIRA DE ALCANTARA – Curitiba

Sonhar faz parte da vida,
viver o sonho também,
pois a sorte  só é banida
do ser que sonho não tem.
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Uma Trova Lírica/Filosófica de Belém/PR

SARAH RODRIGUES

Quando a brisa beija a praia
surge a sereia entre brumas
e a onda suspende a saia
toda bordada de espumas.
==========================
Uma Trova Humorística do Rio de Janeiro/RJ

WALDIR NEVES

É um alpinista de fama,
mas dele a vida debocha:
por ironia se chama
Caio Rolando da Rocha
==========================
Uma Trova do Feldman

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Tanta gente em si perdida
Entre sombras se escondendo
Cada dia é outra vida
que em disfarces vai morrendo…
==========================
Uma Trova Hispânica dos Estados Unidos

CRISTINA OLIVEIRA CHÁVEZ

La justicia verdadera
es bandera de la paz;
es cual sol de primavera
¡Sin sombras, sin antifaz!
==========================
Uma Quadra Popular Portuguesa

Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer
==========================
Trovadores que deixaram Saudades

JUNQUILHO LOURIVAL – Natal/RN
1895 – ????

Oh perfeita entre as perfeitas,
eu tenho invejas estranhas
da cama em que tu te deitas,
da água com que te banhas!
==========================
Uma Trova sobre a Trova de Tambaú/SP

SEBAS SUNDFELD

A Trova que se revela
em sua forma e magia
é uma pequena aquarela
na tela da Poesia.
==========================
Um Haicai de Bandeirantes/PR

NEIDE ROCHA PORTUGAL

Quermesse da roça –
Bandeirinhas coloridas
sobre o pó da estrada
==========================
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)

Não Discuto

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
==========================
Uma Poesia de Viana/Portugal

JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO
Poema para Maria

 Os longes da memória, o tempo e o modo
renascem, inventados, água e lodo…

 Rasgando a treva, a chama de um farol,
por montes, vales, plainos, surge o trilho…

 O múrmuro trinar do rouxinol
poisou no choro brando do teu filho.

 E de montante, o rio rumoreja,
espreguiçando a doce melodia.

 P’los campos, o olivedo que esbraceja
candeia que há-de ser já anuncia…

 Na calma santa e mítica de luz,
a vida sonha e quer-se imaginário…

 O tudo e o nada, o todo se reduz
ao berço do infinito planetário…
==========================
Uma Sextilha de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ

Não revelo meu segredo,
se temo ventos ao léu…
Relâmpago é luz que acende;
se um trovão faz escarcéu,
eu penso: é festa de arromba
dos anjinhos, lá no céu!
==========================
Uma Trova Ecológica de Fortaleza/CE
==========================
Uma Poesia de Guiné-Bissau

CARLOS SCHWARZ
Do Que Chora a Criança

Do que chora a criança?
É dor no seu corpo
Do que chora a criança?
É sangue que cansou de ver

Um pássaro grande chegou
Com ovos de fogo
0 pássaro grande veio
Com os ovos da morte

Caçadores desconhecidos
Enganados metralharam a tabanca
Caçadores, pretos como nós
Enganados metralharam a bolanha

Queimou-se o mato
Queimaram-se as casas
Perdurou a dor na nossa alma
==========================
Um Terceto de Carlos Drummond de Andrade

Tevê colorida
fará azul-rósea
a cor da vida?
==========================
Um Soneto de Porto Velho/RO

SELMO VASCONCELLOS

O Homem no Meio Social

O Homem com toda fortaleza
é um fraco.
Enquanto está bem esconde
sua fraqueza.
Quando está só
Busca em Deus que tenha dó.

 Reza, promete, implora,
Fala, grita e chora.
==========================
Uma Poesia de Longe

FEDERICO GARCIA LORCA – Fuente Vaqueros/Espanha
1898 – 1937
O Poeta Pede Ao Seu Amor Que Lhe Escreva

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

( tradução:  William Agel de Melo )
==========================
Um Poetrix de São José dos Pinhais/PR

DALTON LUIZ GANDIN
Arte

Meu papel foi natura.
Agora,
eu imprimo cultura.
==========================
Versos Melodicos

CHIQUINHA GONZAGA
Lua Branca (moda,, 1911)

“Compondo incessantemente, e oferecendo periodicamente ao público músicas saborosíssimas de caráter brasileiríssimo, Chiquinha Gonzaga conservou em toda sua longa existência a faculdade inalterável de imprimir às suas melodias um som enfeitiçador que as levava sempre ao fundo da alma dos que as ouviam.

Por isso, cada nova música sua era um êxito seguro. Vale lembrar até como bom exemplo uma certa canção que apresentou numa revista de Luis Peixoto e Carlos Bittencourt chamada “Forrobodó”, e que foi a canção marcante de uma peça em que dezenas de outras músicas se destacavam de modo especial. Mas a que perdurou por anos e anos foi a “Lua Branca” de Chiquinha Gonzaga” (Almirante em O Pessoal da Velha Guarda de 15/10/1947). (Cifrantiga)

Ó lua branca de fulgores e de encanto,
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
vem tirar dos olhos meus, o pranto
Ai vem matar essa paixão que anda comigo,

Ai! Por quem és, desce do céu, ó lua branca
Essa amargura do meu peito, ó vem e arranca
Dá-me o luar da tua compaixão
Ó vem, por Deus, iluminar meu coração.

E quantas vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em noite calma e constelada,
A sua luz então me surpreendia
Ajoelhado junto aos pés da minha amada

Ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo
Vinha em seus lábios me ofertar um doce beijo…
Ela partiu, me abandonou assim
Ó lua branca, por quem és, tem dó de mim!…

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Herberto Sales (Os Pareceres do Tempo)

Herberto Sales (Andaraí, BA, 1917- Rio de Janeiro,RJ,1999) surge no panorama literário brasileiro, em 1944, com o seu primeiro romance, Cascalho, a nos apresentar os crimes e lutas inerentes aos garimpos, num contexto de violência e aventura, numa moderna retomada da temática de Lindolfo Rocha, regionalista do princípio do século XX. Quarenta anos depois de Cascalho, precedidos pela publicação de contos e outros romances do autor, surgem Os Pareceres do Tempo, “romance de duas velhas famílias que se enredam em episódios vividos por uns tantos membros dela: os Golfões e os Rumecões, na antiga região denominada Cuia d’Água.” O cenário principal de Os Pareceres do Tempo é a Bahia do final do século XVIII.

O romance tem como ponto de partida a vinda para o Brasil do português Antônio José Pedro Policarpo Golfão – “mais crescido nos prenomes, que no sobrenome” (LIVRO I, p. 11) – que recebe uma sesmaria no município de Cachoeira, como reconhecimento do rei de Portugal por seu pai, um fidalgo, cujo nome não nos é dado a conhecer, ter morrido ainda no mar, indo para a Índia, em missão portuguesa. Ou numa “outra versão da morte do fidalgo: a que ele, entre os da família do tão célebre apelido Golfão, o mais antigo ancestral na tradição referido, encontrou a morte, não no mar, mas na batalha de Alcácer-Quibir, batendo-se contra o gentio, no elevado propósito de no incréu incutir a Fé, com a ajuda eficaz da Espada; isso, sob o comando superior e piedoso de El-Rei D. Sebastião, que ali, desgraçadamente, também pereceu”.

Este é, pois, fato cuja veracidade é incerta:

Conquanto não haja documentos que indiquem, sob a grave proteção dos arquivos, haver existido em qualquer tempo esse fidalgo, não ousamos pôr em dúvida tão respeitável versão, que até nos chegou sem discrepância, robustecida por mais de dois séculos de tradição local”. (LIVRO I, p.11)

E, como está nos REGISTROS FINAIS (p. 409), segundo o narrador:

“Estes registros fizemo-los depois de visitarmos em Cuia d’Água a antiga fazenda do capitão Policarpo, já praticamente em ruínas. Braulino José foi o nosso principal informante. Levou-nos até ao cemitério da fazenda, em parte já invadido pelo mato”.

O enredo de Os Pareceres do Tempo é construído com base na tradição oral interna da obra, através do depoimento do filho de Policarpo – Braulino José, aos 132 anos de idade – dado ao narrador; depoimento este aliado à dinâmica do panorama da Bahia dos anos de setecentos. Mas

“a dualidade de versões do óbito infortunado fidalgo e – já agora, por que não dizer? – também possível guerreiro, de quem em linha direta descendia Policarpo Golfão, não alterou o desfecho do reconhecimento póstumo que por justiça a pátria lhe tributou, aquinhoando, como de fato aquinhoou, o seu filho único e legítimo com a já competentemente citada sesmaria no alto serão da Bahia, então sede do governo colonial do Brasil”. (LIVRO I, p. 13)

Eram, portanto, as terras do Brasil de quem aqui chegasse munido de documento de doação concedido pelo rei de Portugal.

Desde Cascalho, verificamos esse gosto do autor pela oralidade popular:

“Nos barulho do Coxó
Briga até as lagartixa
– Os calango de combléia
E elas de manulicha…” (p. 47).

“Viva Santa Rita,
Que é Santa mulher,
No céu e na terra,
Ela faz o que quer!” (p.78).

Em Os Pareceres do Tempo, a construção da vida de Policarpo, refletida no seu estado de espírito, nos vai sendo apresentada pela ótica popular, em pequenos versos:

“Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão”. (LIVRO XVII, p. 94)
“Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão
Com Liberata no coração”. (LIVRO XLIX, p. 350)

“Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão
De volta da sua vingança
Com Liberata na lembrança (LIVRO LII, p. 372)

“Lá vai Policarpo Golfão
No seu cavalo alazão
Levando com devoção
A sua igreja no coração”. (LIVRO LIV, p. 398)

Conta-nos o narrador – tão ironicamente distanciado do autor no prefácio – como as três raças que compõem a mestiçagem brasileira conviviam, mas não se misturavam, procurando conservar suas características sociais e culturais.

“E foram todos, depois, para a mesa, com o Fidalgo sentado à cabeceira, e Policarpo a seu lado. O padre Gumercindo e o padre Salgado, e mais o Quincas Alçada, ocuparam os outros lugares. Isto no corpo principal da mesa; porque, continuando-a, no seu desdobramento festivo, democraticamente franqueado aos principais auxiliares de Policarpo na fundação da fazenda e na edificação da casa-grande, outros lugares havia, reservados ao mestre-de-obras Dinis e a seu filho Serafim, e ao capitão-do-mato José do Vale e ao seu auxiliar Bertoldo. E abriram-se garrafas de vinho, e com generosidade o serviram, as garrafas transitando na mesa e esvaziando-se no degustado e comovido suceder dos goles, que o vinho, a todos apetecendo, também lhes lembrava, no enlevo de seus vapores, o tão distante quanto amado Portugal. (…)

(…) Os escravos e os índios comiam à parte, servindo-se duns fumegantes caldeirões comandados pelo índio Nicodemus (ex-Sinimu), disso encarregado por Quincas Alçada. (…)” (LIVRO XXIII, p. 134-5)

Ainda neste almoço, os escravos cantaram e dançaram:

“Taratatara kundê / Ogum de lê / Oyá jamba / Maion gangê / Kawô / Kawô / Oyá ajô”

E comenta o narrador:

“Ninguém entendia o que diziam, o que cantavam eles; mas as palavras, os sons da cantoria deles impressionavam pela tristeza profunda e doce, pela dorida melancolia que comunicavam, ao mesmo tempo em que eram carregados duma aspereza de imprecações dramáticas”.

E diz mais o narrador:

r“Ao contrário dos negros, os índios conservavam-se em silêncio, no mesmo lugar onde desde o começo estavam. Trocavam entre si, às vezes, um olha, mas, entre si, não se falavam. Ou falavam entre si com os olhos.” (LIVRO XXIII, p. 135-6)

Essa reação dos índios de não se deixarem dominar nem aculturar é-nos mostrada mais à frente da narrativa de modo decisivo:

“Policarpo reconheceu-o:
– Gonçalo!
– Não sou Gonçalo! – respondeu o índio, evidentemente zangado. Meu nome é Icurê. Gonçalo foi o nome que padre botou em índio. Gonçalo é nome de branco. Icurê não é branco. Índio é índio. Meu nome é Icurê.” (LIVRO I, p. 358)

Nessa narrativa nós, leitores, somos conduzidos pelos passos do tentacular Policarpo – “consta que era alto, e corpulento; era branco, e louro, com viçoso bigode e barba farta, emparelhados com basta cabeleira cacheada. Um homem bonito; um soberbo varão, segundo registro da mais fundamentada tradição oral.” (LIVRO I, p. 12) – até a cruel realidade de um contexto onde “o levar ou o trazer escravos assim acorrentados e amarrados, (…) era fato assaz corriqueiro naqueles tempos, nas ruas da Bahia; ninguém lhes prestava atenção, ou quase ninguém”. (LIVRO XI, p. 58).

Nesse mundo antiético, onde o caos e o cotidiano se justapõem – o vai-e-vem de escravos acorrentados, estranhos transeuntes traficados da África nas ruas da Bahia, a esbarrarem-se com as famílias portuguesas que, se por um lado mostravam religiosidade, temor a Deus, por outro, faziam tráfico de escravos, na sua maioria:

“Explicou, ainda, o Almeidão a Policarpo Golfão que, tendo em vista que a hospedaria não lhe proporcionava a ele satisfatórios lucros, resolvera, para não ter de resignar-se ao ganho dum sustento sem futuro, buscar em outra atividade a necessária complementação de renda. E que a escolha dessa atividade recaíra no tráfico de escravos, por ser ela, além de lucrativa, de muita respeitabilidade na Bahia. Ademais, quase todos que a ela se entregavam eram portugueses, não os de inferior condição, mas, ao contrário, os de mais representação na colônia; e, tanto isto era verdade, que os portugueses traficantes de escravos tinham mesmo a sua Irmandade própria, que cuidava dos seus interesses deles na sociedade civil e no Foro; e que constituía a dita Irmandade, em suma, uma respeitabilíssima entidade sócio-jurídica, que se organizara sob a grave invocação de São José. Enfim, a ninguém repugnava – fosse português o sujeito, fosse ele até mesmo brasileiro – a ninguém repugnava traficar com escravos, visto ser esta atividade, no comércio baiano, quiçá do Brasil, um dos ramos mais lucrativos.” (LIVRO III, p. 20)

O tráfico de escravos praticado pelo padre Salviano Rumecão é por ele cinicamente narrado ao seu amigo Quincas Alçada; justificando-se:

“A propagação da fé, dos ensinamentos da Igreja; o empenho em manter os fiéis à salvaguarda do Demônio, pregando-lhes a palavra de Jesus, e ensinando-lhes a serem justos uns para com os outros: o piedoso pastoreio das almas, para manter em fervorosa união o rebanho de Deus – se, de fato, todas essas altas atribuições dignificavam e elevavam a missão do sacerdote, não havia, na prática, como preterir, no exercício delas, a pecúnia, a remuneração, o santo e rico dinheirinho (…) E os mártires, como se sabia, tendiam, com o progresso, a desaparecer de todo.” (LIVRO V, p. 27-8)

Tudo a transcorrer dissimuladamente, num misto de profanação e religiosidade, compondo o decoro hipócrita de uma sociedade impudentemente barroca.

Os Pareceres do Tempo são também uma história de amor. Duas mulheres amam Policarpo: Liberata Rumecão e a escrava Gertrudes. Mas o triângulo amoroso não se consolida de fato, em nenhum momento da narrativa, talvez por preconceito ou por ser Poli carpo realmente fiel ao seu amor por Liberata, até mesmo depois da morte dela. Em determinado momento ele diz à Gertrudes:

“- Sabes que podias ter tido um filho meu? – perguntou-lhe Policarpo, olhando-a com ternura.
Ela baixou a cabeça. Ele, com um sorriso embaraçado:
– Esquece o que te disse. Hoje somos compadres. Hoje somos apenas amigos. De resto, Liberata te estimava muito, e sabia que eu te estimava. Esquece o que te disse. Liberata estará sempre entre mim e ti”. (LIVRO LIV, p. 393)

E é pelo amor de Liberata que Policarpo se enche de vigor, de coragem, de energia para realizar todos os seus empreendimentos, para viver. Liberata vivia no Solar dos Sete Candeeiros e a sua presença, com seus “cabelos muito negros” que “caíam-lhe em tranças sobre o busto, emoldurando-lhe o rosto gracioso” (LIVRO VI, p. 32) é sempre, para Policarpo, a luz que ilumina a áspera realidade daquele contexto “uma formosa jovem que, mostrando-se ao sol, e tendo por ele realçada a sua beleza (…) pareceu-lhe ela a Policarpo Golfão como se fora uma flor, ou uma luz, porque era luzente como uma estrela a sua figura gentil.” (LIVRO VI, p. 32)

E, no decorrer da narrativa:

“Era a donzela Liberata que entrava. Então, a nave acendeu-se em ouro e púrpura, e em ouro acesa iluminou nos altares os crisântemos, no teto a fímbria das cornijas, na capela-mor os tocheiros perfilados. (…)
– Liberata… As letras daquele mágico nome: forma e cor e luz saindo ordenados dum resplandecente maço de emoções que uma fita desatasse” (LIVRO XXVIII, p. 172-3). “Como uma luz que na sombra de repente se acendesse.” (LIVRO XXXVIII, p. 250)

Herberto Sales incorpora ao seu romance a figura de mestre Manuel, do saveiro Viajante Sem Porto – personagem de Jorge Amado

– “que nasceu em saveiro e morou sempre em saveiro, aparenta trinta anos, ninguém lhe dá os cinqüenta que traz no costado, todo ele é de uma cor só, um bronze escuro, e é tão difícil dizer se é branco, negro ou mulato; é um marinheiro que raramente fala e que é respeitado em toda a zona do cais do porto da Bahia e em todos os pequenos portos onde pára seu saveiro.”

Configura-se, aqui, uma personagem mítica, alegórica, semelhando-se, em alguns aspectos, a Caronte, o barqueiro que transportava as almas para o Hades, o inferno grego.

Em Os Pareceres do Tempo, mestre Manuel, num diálogo com Policarpo, explica a origem do nome do seu barco:

“- Mas, Manuel, que te deu na telha para batizares o teu barco com o nome de Viajante Sem Porto? Olha que estranhei esse nome! Então não tens tu um porto para ti e o teu barco? – tornou Policarpo Golfão, sorrindo e fazendo sorrir também o Almeidão e Quincas Alçada.
– É que esse nome foi dum barco do meu pai – disse mestre Manuel. Enfim, se isto é verdade, também verdade é que vivo de porto em porto com o meu barco, como se porto não tivéssemos ele e eu: quando chego a um, já tenho que partir para outro. Não me parece mau esse nome Viajante Sem Porto. Não o acho nada estranho. E só espero é que o Manuelzito, meu único filho homem, quando mais tarde lhe houver chegado a vez de me substituir, que seja também um mestre e que tenha também o seu Viajante Sem Porto, que haverá de tomar o lugar do meu.” (LIVRO X, p. 55)

E comenta o narrador de Os Pareceres do Tempo, numa clara referência a Jorge Amado:

“Praza a Deus que, em dias que hão de vir, encontre essa bela região do Recôncavo baiano um escritor que a descreva num livro tão belo quanto ela, que corra o Brasil e o próprio mundo; e que, captando toda a poesia que docemente a impregna, fale dos seus saveiros e da sua gente, talvez dum novo Viajante Sem Porto, talvez dum novo mestre Manuel”. (LIVRO XII, p. 66)

Conclusão

Os Pareceres do Tempo são uma obra de ficção, cujo contexto narrativo é a Bahia do final do século XVIII. O enredo deste romance é tecido aliando ficção e realidade; uma ficção construída com base na tradição oral interna da obra.

Os Pareceres do Tempo conta-nos histórias de amor, de dominação, mas, sobretudo, a história da formação de um povo; da construção de um país, do Brasil.

Herberto Sales, em Os Pareceres do Tempo, através da humanidade de suas figuras, apresenta-nos uma história cheia de força, vigorosamente atual, numa expressão e linguagem tão equilibradas, que fazem deste romance uma síntese da narrativa genuinamente brasileira.

Fonte:
http://www.seruniversitario.com.br

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Darcy França Denófrio (Livro de Poesias)

Biblioteca Manuel Antonio Pina
 À SOMBRA DE EVA

I

Era um tempo de trevas
e de brumas sobre o meu corpo.
Um tempo de pesadas vestes:
uma única janela para o meu rosto.

Um cavalo avassalava
minhas planícies e vales,
me punha bridas e loros,
depois um cinto de castidade.

Eu não falava: minha língua
guardava-se em ostra
e o estro silenciava-se
numa lira que dormia.

Meu amo determinava:
eu só ouvia.
Meu amo vociferava:
eu encolhia.

II

Com a roca e o fuso
e um cesto da mais pura lã,
adestrava meus dedos
para tecer a manhã.

Sozinha no burgo,
(ah! bem longe era o meu Senhor)
embalava no berço
a balada que eu compus.

E meu canto se alçava
e com ele também eu,
enquanto durava a paz
que a guerra me podia dar.

Eu não lia nem soletrava
sobre uma távola redonda;
só adestrava meus dedos
para tecer a manhã.

E num bosque bem fundo,
numa grota dentro de mim,
meu estro se formava
numa lira eólia
que acordava.

E eu enredava no fuso
(horário) outra manhã.

III

Quantos séculos dormiu meu canto?
Quem estrangulou minha garganta
afiada para solar, meu canto?

Era um pássaro mudo
engolindo a cascata
aérea de seu canto.

Um pássaro na gaiola
ferindo as asas —
sonata a debater-se.

Um pássaro preso
a olhar o céu (arquiteto)
e seu aceno de poesia.

PROCURA-SE

Quero um amigo verdadeiro
a quem possa vomitar
a alma e o coração inteiro.

Que me ouça sem interromper,
sem condenar nem defender,
que apenas me ouça o mais profundo.

E depois, sem nada cobrar,
seja terno, seja puro, só amigo,
bebendo comigo, sem dividir nem multiplicar,
a grande solidão de meus segredos.

O RISCO DAS PALAVRAS
(Para Moema de C. e Silva Olival)

Ah! a miséria da oficina das palavras!
Onde pescar a que melhor convém?
                                       Maiakovski

Diante de você sempre emudeço.
Tenho as palavras batendo, ba-ten-do
ao peito mais que à garganta.
Mas é tão grande o risco das palavras
que, delas, finjo que me esqueço.

Ah, as palavras, se não houvesse o risco,
eu diria todas, tropeçando em pedras
como algumas cachoeiras, mas jorrando
sem parar a urgência de suas águas.

Mas as palavras acordam até mesmo
os deuses mais adormecidos
e é melhor não dizê-las, guardá-las
como pedras, mesmo ferindo o peito.

Se eu não as disse algum dia,
alguém lhe dirá sem medo do risco,
porque há os que abrem as comportas
e extravasem sem reservas suas águas.

Mas eu sou dessas barragens
que não se entregam nem extravasam,
mesmo com a maior das enchentes.

LIÇÃO

Embaixo, a rede.
Em cima, a lição
de um caramanchão.

Um trançado de cipós
camadas secas sobrepostas
nenhum sinal de vida
                                havida.

Sobre lianas mortas
outra explosão de verde
outra explosão em flor.

E um pássaro em concerto.

POEMA DA DOR SEM NOME

Essa mágoa
ói tão fundo
como se houvesse
perfurado o abismo
interior de meu  mundo.

Dela, não serei vassala
só quero lançá-la
como um fio infinito
que se joga no abismo
até vomitar de vez
o início da ponta.

Depois, chegar
à íntima alegria
sem sentir a broca
perfurando a rocha
de meu poço artesiano.

À alegria de alcançar
as águas tranquilas
minhas mais profundas
reservas humanas.

 E ouvir o íntimo silêncio
águas entre rochas calcárias
sem nenhuma pressa
águas que não estremecem
nem trincam
                     o espelho da alma.

ÍNVIO LADO

Tell all the truth but tell it slant –
Success in circuit lies.
                         Emily Dickinson

Há um lado da flor
que não penetramos:

 talvez a reserva sitiada
onde guarda seu aroma.

 Quase sempre esbarramos
em seus ferrões de defesa
e sangramos nossa dor
pela ponta dos espinhos.

 E aí então paramos
e olhamos só por fora
a beleza que se entrega
com sua quota de reserva.

 É do outro lado
(do mistério)
que não alcançamos
que a flor explode
em toda sua grandeza.

 É lá que se contorceu
e guardou a sua história
e sangrou as suas gotas
e a solidão que (sobre)carrega.

 Quem olha uma flor
ou um ser desabrochado
vê um prisma (feio ou lindo)
jamais o seu lado
                              inviolado.

 ESCAPE

 A raça humana
não pode suportar muita realidade.
T.S. ELIOT

 Conheço a distância
que vai entre o sonho
e a dura realidade.

 E conheço a fórmula
de amortecer o susto
e a queda do último piso.

Olhar sem crer lá fora
esse vidro que corta
e fechar, atrás de si, a porta.

 Plantar, como sempre faço,
essas flores no paredão do muro
para deslumbrarem os meus olhos.

 E, nessa lente distorcida,
em que capto a beleza,
mesmo aquela que não existe,

 ficar musgo sobre a rocha
— véu veludoso verde veludo —,
cobrindo essa faca que cega o corte.

OS PEIXES DE MEU RIO
 Não, não é fácil escrever. É duro como
quebrar rochas.
          Clarice Lispector

 Eu me desnudo e me visto
neste duro ofício de entrega.

 Se as vestes revelam o corpo,
há o pudor e a dissimulação

 no trançado desse tecido
que é teia e tato antes de tudo.

 Eu me desnudo e me visto.
e nem assim eu me preservo.

 Sob o vestido há sempre a pele
que transpira e se revela;

 há outra dimensão do signo
que corcoveia e se rebela.

 Sob o tecido há sempre um corpo
que se amotina e se entrega.

 POEMA

 No reverso, a história de meus versos.
No avesso, a pura canção de gesso,
que se sustenta no azul da lenda,
no equilíbrio do fio que (entre)teço.

 Na superfície, a frauta noturna
de sustenidos ais e bemóis.
Na superfície, a fraude fria
e a neblina sobre mil lençóis.

 E no fundo d’água, nos peraus,
que moram os peixes de meu rio.
É no remanso que alguma iara
sempre se esquiva solitária.

 De repente, o susto da cilada,
um anzol recurvo — aço e isca —
mas os meus peixes não se entregam,
apenas provam de leve, triscam.

PONTO FINAL

Se não há mais nada a fazer
é isto mesmo – em frente.
Não importa a direção
a que se ande (já disseram)
desde que seja para frente.
Se a última palavra
já foi pronunciada
não cabe vírgula
nem outros sinais de pontuação
a não ser o ponto final

A VERDADE DENTRO

Se não houvesse
esse pacto secreto
de silêncio de chumbo

ou essa oclusão completa
de um travo-de-ferro
na grota da garganta,

a verdade fluiria fluida
do flanco da montanha
ou do poço da garganta.

Mas esse silêncio
foi fabricado, dentro,
não por mim ou você,

mas por oceanos de mãos,
segurando bridas e freios,
esmagando goelas e anseios,

desde a mais remota manhã
em que o potro selvagem
ensaiou sua disparada na planície.

Fonte:
Antonio Miranda

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Darcy França Denófrio (1936)

Nasceu na fazenda Nova Aurora, hoje município de Itarumã-GO, a 21 de julho de 1936. Autora de mais de duas dezenas de livros, distribuídos nas áreas; didática, crítica e literária. Sua crítica tem-se voltado fundamentalmente para difusão da Literatura Goiana. Dedicou trinta anos de sua vida ao magistério, destacando-se como professora de Teoria literária nos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Goiás.

Seu nome integra algumas antologias, entre as quais A poesia goiana no Século XX, de Assis Brasil. Rio de Janeiro: Imago Ed.; Goiânia-GO: Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira, 1997 (co-edição); Goiás, meio século de poesia, de Gabriel Nascente. Goiânia: Editora Kelps, 1997; Feitio de Goiás, de Stella Leonardos. Goiânia: Editora da UFG, Ed. da UCG, 1996.

Em 2006, contou com uma seleção de poemas publicada na revista acadêmica Sirena (2006:1), traduzida ao espanhol pelo Prof. Jorge R. Sagastume e ao inglês pelo Prof. Alexis Levitin, ambos do Departamento de Espanhol e Português, de Dickinson College-PA, responsável pela revista, distribuída por The Johns Hopkins University Press.

Em três oportunidades teve também poemas traduzidos, lidos e distribuídos em brochuras na Middle Tennessee State University: no Tenth, Eleventh e Fifteenth Annual Womens’s International Poetry Reading (20 de março de 2002; 26 de março de 2003 e 28 de março de 2007, respectivamente).

Obra Crítica

1) Cora Coralina: celebração da volta
Organização em parceria com Goiandira Ortiz de Camargo. Goiânia: Cânone Editorial, 2006.

2) Da Aurora de vidro ao sol noturno: estudo sobre a poesia de Fernando Py
Goiânia: Cânone Editorial, 2005.

3) O redemoinho do lírico: estudos sobre a poesia de Gilberto Mendonça teles Prêmio Geraldo de Menezes de Ensaio, História e Crítica literária – 2007, da UBE – RJ. Petrópolis – RJ: Vozes, 2005.

4) Cora Coralina
Coordenação, apresentação crítica e biografia. São Paulo: Global, 2004. (Coleção Melhores poemas).

5) Lavra dos Goiases III – Leodegária de Jesus
Medalha Leodegária de Jesus, 2001, da UBE- RJ e Prêmio Colemar Natal e Silva de Crítica Literária, 2003, da Academia Goiana de Letras. Goiânia: Cânone Editorial, 2001.

6) Lavra dos Goiases II – Afonso Félix de Sousa
Goiânia, Cânone Editorial, 2000.

7) Léo Lynce: poesia quase completa
Coordenação editorial, prefácio e notas críticas. Goiânia: Editora da UFG, 1997.

8) Lavra dos Goiases: Gilberto e Miguel
Prêmio Bolsa de Publicações Cora Coralina, 1996, da Fundação Cultural Pedro Ludovico Goiânia: Fundação Cultural Pedro Ludovico, 1997.

9) Hidrografia Lírica de Goiás I
Medalha Conceição Fagundes – 1996, e Prêmio Alejandro José Cabassa 1997 – Hors Concours de Ensaio Crítico-Literário, ambos da UBE, Rio de Janeiro. Goiânia: Editora da UFG, 1996.

10) Antologia do conto goiano I – dos anos dez aos sessenta
Organização em parceria com Vera M. Tietzmann Silva. Goiânia: Editora da UFG, 1992.

11) A obra poética de Afonso Félix de Sousa: dois estudos
Goiânia: Cegraf / UFG, 1991.

12) Literatura contemporânea: o regresso às origens
Porto Alegre: Acadêmica, 1987.

13) O poema do poema em Gilberto Mendonça Teles
Rio de Janeiro: Presença, 1984.

Obra poética:

14) Ínvio lado
Prêmio Jorge de Lima, 2000, da Academia Carioca de Letras, Rio de Janeiro. Goiânia, Editora da UFG, 2000. (Coleção Vertentes).

15) Amaro mar
Prêmio Literário Nacional do Instituto Nacional do Livro – 1987 e Prêmio Especial para Autor Goiano, na I Bienal de Poesia Itanhangá. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.

16) O risco das palavras
Finalista da I Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, 1982, inédito.

17) Vôo cego
Prêmio Estadual Cora Coralina, 1981, da União Brasileira de Escritores, Goiás. Goiânia: Editora da UFG, 1980.

18) Poemas de dor & ternura (Goiânia: Cânone Editorial, 2008)

Obra didática:

19) Composição programada (volumes 1, 2 e 3)
São Paulo: Editora do Brasil, 1970.

Fonte:
Antonio Miranda

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José Feldman (Universo de Versos n. 24)

Uma Trova do Paraná

ADILSON DE PAULA – Joaquim Távora

Pôr do sol, campos desertos,
e o pinheiro então parece
estar de braços abertos
a sussurrar uma prece.
–––––––––––––––––––––––––––-
Uma Trova Lírica/Filosófica de Tambaú/SP

SEBAS SUNDFELD

Não necessita de sorte
toda existência de bem:
– uma planta ergue o seu porte
sobre as raízes que tem.
––––––––––––––––––––––––––––––––-
Uma Trova Humorística de Garibaldi/RS

LACY JOSÉ RAIMUNDI

É mentira ou é verdade?
É verdade ou é mentira?
Se a mulher disser a idade
não acredite: confira!…
–––––––––––––––––––––––––––––––-
Uma Trova do Feldman

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Nas minhas tardes de criança,
brincadeiras de corrida.
Hoje danço em outra dança,
danço no circo da vida.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––-
Uma Trova Hispânica da Venezuela

CLARA TROCEL DE MEZA

Cargado de sentimientos,
un día andaste en mi vida,
entre nubes y tormentos
te cure toda tu herida.
–––––––––––––––––––––––––––
Uma Quadra Popular Portuguesa

O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
– quando consigas fazer
mais p’los outros que por ti!
––––––––––––––––––––––––––––––-
Trovadores que deixaram Saudades

LUCY SOTHER ROCHA – Belo Horizonte/MG
1928 – 2006

Murmuram de nós que amamos
 um ao outro, mas que importa?…
 Importa o que murmuramos
 nós dois, por detrás da porta…
–––––––––––––––––––––––––––––––-
Um Haicai de São Paulo/SP

IRENE M. FUKE

Mãos arroxeadas
Se aquecem ao sol de inverno.
Mendigo na praça.
––––––––––––––––––––––––––––––
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)
Incenso Fosse Música

isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
–––––––––––––––––––––––––
Uma Poesia de Belém/Pará

ANDREEV VEIGA
Persiana

a luz listrada acende o mofo que ilustra a vida no estreito da cama
minha mãe atravessa a morte sem fazer barulho
me assusto com o copo d’água
pousa uma gaivota em meus lábios se afogando

a morte surge sempre suave para os mortos
deus não haverá de conceber a saudade ao mar
só aos que ficarão
pois estes não têm barcos nem são deuses
mas
suficientemente estúpidos como o céu de pessoa

a persiana retém os desfiladeiros neste cômodo
o que escrevo desaparece com a noite
fica na memória o eco
fragmentando o pouco do café

os vendavais precisam das chuvas
para que as horas revelem às montanhas
o suicídio que as habita

já não atento migrar para o imenso da areia

(tudo é indefinido até a hora das ondas)
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Uma Sextilha de Porto Alegre/RS

MILTON SEBASTIÃO SOUZA

O sextilheiro padece
para se manter na trilha,
ou a internet demora
para trazer a sextilha,
ou, quando menos espera,
traz duas, três, uma pilha…
––––––––––––––––––––––––––––––––––
Uma Trova Ecológica
 

––––––––––––––––––––
Uma Poesia de Huambo/Angola

MARIA ALEXANDRE DÁSKALOS

O garoto corria corria
não podia saber
da diferença entre as flores.
0 garoto corria corria
não podia saber
que na sua terra há
morangos doces e perfumados,
o garoto corria corria
fugia.

Ninguém lhe pegou ao colo
ninguém lhe parou a morte.
––––––––––––––––––––––––––
Uma Trova sobre a Trova do Rio de Janeiro/RJ

JOÃO FREIRE FILHO

Apesar do espaço estreito
da trova, em que me reflito,
é nele que eu tenho feito
viagens…pelo infinito!
–––––––––––––––––––––––––––––––-

Um Soneto do Rio de Janeiro/RJ

J. G. DE ARAUJO JORGE
1914 – 1987
Dedicatória

Este meu livro é todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glória
verso por verso, a estranha trajetória
desta nossa afeição ciumenta e rara!

Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta cousa afinal na nossa história…
E este verso – é a feliz dedicatória…
onde a minha alma inteira se declara…

Abre este livro… E encontrarás então
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração…

E se o leres mais alto, quando a sós,
é como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua própria voz!
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––-
Uma Poesia de Longe

VELIMIR KHLEBNIKOV – aldeia de Malye Derbety, República da Calmúquia / Russia
1885 – 1922

Neste dia de ursos cerúleos
a correr sobre cílios tranqüilos
transvejo para além da água azul
o acordar na taça das pupilas.

Na colher de prata de olhos latos
vejo a procelária em mar sonoro
e ao largo vai a Rússia dos pássaros
transvoando entrecílios ignotos.

Marventoso em celamor soçobra
a vela de alguém na azul esfera,
e eis que o desespero tudo engolfa
trovão e porvir de primavera.

(Tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––-
Um Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

O Poetrix é um terceto que não pode ultrapassar 30 sílabas poéticas, mas não determina normas para a distribuição destas sílabas dentro do poema. O poetrix tem temática livre e pode acontecer no passado, presente ou futuro

LILIAN MAIAL
Auto-estima

o desamor não tem desculpa
tempo não é desabono
são folhas secas que enfeitam o outono
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Versos Melódicos

ABDON LYRA – PE/RJ (melodia) e ADELMAR TAVARES – PE/RJ (versos)
Estela (modinha, 1910)

De noite
O plenilúnio é como um sol
Nasce tristonho
Olhando pelo céu
Beijando o mar
As estrelas no azul
Brilham sorrindo,
Estás dormindo
E eu venho, meu amor,
Te despertar

Ai, como beija o mar
O luar
E o mar suspira e geme
E treme
E no alto céu sorrindo lindo
Acorda, abre a janela
Estela

Desperta
Dorme toda a natureza
Que beleza
Venho unir tua voz
A minha voz
Entre lírios, violetas, crisantemos
Cantaremos
Como dois infelizes rouxinóis

Ai, como beija o mar
O luar
E o mar suspira e geme
E treme
E no alto céu sorrindo lindo
Acorda, abre a janela
Estela

No teu leito de seda
Dormes quieta
E o teu poeta
Canta para o teu sono suavizar
Dorme, que eu cantarei
Como é o suave canto de ave
Que gorjeia de amor
Fitando o luar

Ai, como beija o mar
O luar
E o mar suspira e geme
E treme
E no alto céu sorrindo lindo
Acorda, abre a janela
Estela

Canto
Embora amanhã
Encontres morta
À tua porta
A visão de quem te amava no abandono
Dirás ao ver Estela
Que sou eu o pombo correio
O rouxinol que te embalava os sonhos

Ai, como beija o mar
O luar
E o mar suspira e geme
E treme
E no alto céu sorrindo bonito
Não abras a janela
Estela

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José Lins do Rego (Fogo Morto)

José Lins do Rego é um dos escritores mais importantes do chamado Neo-Realismo Regionalista Nordestino, que integra a segunda fase do Modernismo brasileiro, ao lado de nomes como Graciliano Ramos, na prosa, e Drummond, na poesia.

O romance modernista dos anos 30 recebeu muitas sugestões da sociologia de Gilberto Freire, um dos organizadores do Congresso Regionalista do Recife, que, em 1926, apresentou um amplo projeto de estudo e compreensão da sociedade local. O livro mais importante de Gilberto Freire é Casa Grande e Senzala (1933).

Fogo Morto (1943) é a obra-prima de José Lins do Rego. Como romance de feição realista, esse livro procura penetrar a superfície das coisas e revelar o processo de mudanças sociais por que passa o Nordeste brasileiro, num largo período que vai desde o Segundo Reinado, incluindo a Revolução Praieira e a Abolição, até as primeiras décadas do século XX.

O tema central de Fogo Morto é o desajuste das pessoas com a realidade resultante do declínio do escravismo nos engenhos nordestinos, nas primeiras décadas do século XX. O romance conta a história de um poderoso engenho, o Santa Fé, desde sua fundação até o declínio, quando se transforma em “fogo morto”, expressão com que, no Nordeste, designam-se os engenhos inativos. Retomando o espírito de observação realista, o autor produz um minucioso levantamento da vida social e psicológica dos engenhos da Paraíba. Em virtude do apego ao cotidiano da região, Fogo Morto apresenta não apenas valor estético, mas também interesse documental.

Fogo Morto não se esgota na classificação de romance regionalista, embora essa seja uma noção correta. Há outros componentes importantes na obra, a partir dos quais se pode enquadrá-la numa tipologia consagrada. Talvez o mais ilustre antecedente de Fogo Morto na literatura brasileira seja O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo. Em que sentido? No sentido de tomar uma personagem coletiva como objeto de análise. Assim como Aluísio investiga o nascimento, vida e morte de um cortiço do Rio de Janeiro, José Lins penetra no surgimento, plenitude e declínio do Engenho Santa Fé, localizado na zona da mata da Paraíba. Com efeito, o engenho parece possuir vida própria, embora suas células sejam as pessoas que o formam. Como análise quer dizer decomposição, o autor decompõe as pessoas como forma de expor a constituição do todo. Por essa perspectiva, Fogo Morto tanto pode ser entendido como um romance social quanto psicológico. Em rigor, uma categoria não existe sem a outra. O livro é forte em ambas as dimensões.

Embora Fogo Morto apresente uma estória muito movimentada, não se trata de um romance de ação: pretende atrair pela problematização social e existencial, e não pela surpresa dos acontecimentos. O estilo da obra é modernista, pois baseia-se na linguagem cotidiana, revestindo-se de oralidade espontânea, isto é, o autor procura escrever como se fala. Resulta daí a impressão de vivacidade e dinamismo. Possui força dramática e senso do real. Poucas vezes um autor obteve tanto êxito na manipulação da frase curta e elementar, com palavras extraídas do uso diário. Seu ritmo sintático e narrativo é nervoso, quase frenético, imitando o vaivém das pessoas pelas estradas do engenho. Pertence ao Regionalismo Nordestino, porque aborda a paisagem específica dessa região, mas as questões abordadas transcendem os limites regionais, o que é comum nas obras bem realizadas.

Em Fogo Morto, o autor soube transformar em ficção a vida real dos engenhos nordestinos. Trata-se de uma sociedade decadente, marcada pelo ressentimento, pelo desajuste e pela revolta. Domina em tudo uma atmosfera de ruína social e depauperamento psicológico, embora persistam aqui e ali sinais de uma felicidade antiga, restrita aos habitantes da casa-grande. Sem pertencer propriamente ao famoso Ciclo da Cana-de-Açúcar, Fogo Morto é uma retomada mais densa da matéria dos romances que o compõem: Menino de Engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), e Usina (1936). Neste último romance, José Lins retrata a decadência dos engenhos por força do processo industrial das usinas, que suplantam a produção artesanal. Todavia, em Fogo Morto, ainda não há sinais de industrialização na produção de açúcar. Quanto a José Amaro, sim, sua decadência decorre em parte do processo de industrialização das selas, que já ocorre nos centros urbanos.

A fábula do livro não apresenta rigorosa unidade, isto é, não conta apenas uma estória, mas diversas, porque o propósito do romance é investigar e revelar o variado tecido social de um engenho típico da Paraíba. Assim, o livro divide-se em três partes: “O Mestre José Amaro”, “O Engenho de Seu Lula” e “Capitão Vitorino Carneiro da Cunha”.

Na primeira parte domina a figura do seleiro Zé Amaro, morador revoltado do Engenho Santa Fé, que enfrenta enorme problema de inadaptação com o mundo. Na verdade, está praticamente se despedindo da vida. Em aguda crise existencial, pressente a morte nos mínimos detalhes. Permanece sentado na tenda de trabalho em frente de casa, à beira da estrada, por onde passam os diversos moradores do engenho.

A segunda parte de Fogo Morto traça os antecedentes da situação de José Amaro, que é semelhante à de seu compadre Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, cujo destino também se confunde com a vida do engenho. Nesta parte, há um longo flashback ou retrospectiva da formação do latifúndio, em que se evocam as lutas do fundador, Capitão Tomás Cabral, para o estabelecimento daquela unidade econômica.

A terceira parte concentra-se nas aventuras do Capitão Vitorino, cujas ações se pautam pelo desejo de justiça. Nesse particular, irmana-se a José Amaro. Mas é radicalmente contra a alternativa oferecida pelo cangaço. É também contra o governo, mas não admite a subversão da lei. Em rigor, é um aventureiro do sonho. Estabelece o elo entre ricos e pobres, fracos e fortes. Para ele, o homem mais valente do mundo é ele mesmo. Não obstante, empregava a valentia apenas no auxílio do próximo. Trata-se de uma paródia muito convincente de Dom Quixote. Por isso, sua figura resulta numa mescla de momentos sublimes com momentos ridículos. Apesar dos percalços, surras e prisões, é a única personagem gloriosa no romance.

Personagens que não sofrem alteração são consideradas sem profundidade psicológica. Por isso são chamadas planas, das quais os tipos são uma variação. José Passarinho é personagem plana, pois mantém sempre o mesmo estatuto, do princípio ao fim do romance. Por outro lado, trata-se de personagem secundária, cuja função é apoiar a existência das demais. Assim são o pintor Laurentino, o aguardenteiro Alípio, o negro Floripes e outros coadjuvantes.

Tipo é a personagem que se confunde com o estereótipo, no qual se condensam características genéricas de uma certa categoria de pessoas. Capitão Antônio Silvino é um tipo revestido de significação alegórica. Funciona como uma espécie de emblema, representando a força da subversão, o poder de uma justiça ilegal porém legítima. Tira dos ricos para dar aos pobres. O Tenente Maurício é semelhante ao cangaceiro, pois também representa uma instituição, a força legal do governo, manchada de mando ilegítimo.

As personagens que sofrem mudança substancial possuem mais densidade psicológica, sendo por isso chamadas de esféricas. As três personagens principais de Fogo Morto são esféricas, pois toda a trama do romance decorre das transformações de seu estado psicossocial. Quanto mais ambígua a personagem, mais rico o seu significado. Num certo sentido, essas três personagens podem ser consideradas loucas, embora em diferentes graus e com sintomas diversos.

A eficiência das situações e personagens de Fogo Morto decorre também do fato de o autor escrever em tom memorialístico, como se fizesse uma crônica sobre o que vivenciou em sua experiência com a realidade do povo da Paraíba, sua terra natal. Sendo um neo-realista, só poderia escrever sobre fatos observados empiricamente.

Fogo Morto é uma obra caracterizada pela captação da vida interior das personagens. Nela, a paisagem externa é importante, mas as vivências interiores recebem mais atenção do artista. Há muita ruminação psicológica no livro. Tal investigação do universo mental processa-se sobretudo através do discurso indireto livre, pelo qual se chega a densos monólogos interiores, que se confundem com o fluxo de consciência.

Fonte:
http://www.seruniversitario.com.br

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A Estética De Uma Redação

No nosso primeiro contato com a redação, podemos achar que é muito fácil mas, na realidade, surge algo que torna importante o nosso ato de escrever que se mantém na forma de passar a mensagem ao nosso leitor e a estética do trabalho redacional, que mostra o quanto estamos interessados em que nosso pensamento seja bem compreensível com lógica e clareza.

Surge então a busca por um trabalho mais limpo e com estética para a estrutura. Observando os exemplos de redações da dica passada, podemos notar que a estética não é tão ordenada, por isso a sequência lógica se perde no meio do caminho e fica sem sentido no que diz respeito ao desenvolvimento de seus argumentos centrais e finais para uma conclusão mais segura e estruturada.

Lembre-se sempre que, ao formar um Plano de Trabalho para escrever sua redação, você deve visualizar também a sua ESTÉTICA:
 

= Nunca comece uma redação com períodos longos. Basta fazer uma frase-núcleo que será a sua idéia geral a ser desenvolvida nos parágrafos que se seguirão;

= Nunca coloque uma expressão que desconheça, pois o erro de ortografia e acentuação é o que mais tira pontos em uma redação;

= Nunca coloque hífen onde não é necessário como em penta-campeão ou separação de sílabas erroneamente como ca-rro (isto só acontece em espanhol e estamos escrevendo na língua portuguesa);

= Nunca use gírias na redação pois a dissertação é a explicação racional do que vai ser desenvolvido e uma gíria pode cortar totalmente a sequência do que vai ser desenvolvido além de ofender a norma culta da Língua Portuguesa;

= Nunca esqueça dos pingos nos “is” pois bolinha não vale;

= Nunca coloque vírgulas onde não são necessárias (o que tem de erro de pontuação !);

= Nunca entregue uma redação sem verificar a separação silabica das palavras;

= Nunca comece a escrever sem estruturar o que vai passar para o papel;

= Tenha calma na hora de dissertar e sempre volte à frase-núcleo para orientar seus argumentos;

= Verifique sempre a ESTÉTICA: Parágrafo, acentuação, vocabulário, separação silábica e principalmente a PONTUAÇÃO que é a maior dificuldade de quem escreve e a maioria acha que é tão fácil pontuar !

= Respeite as margens do papel e procure sempre fazer uma letra constante sem diminuir a letra no final da redação para ganhar mais espaço ou aumentar para preencher espaço;

= A letra tem que ser visível e compreensível para quem lê;

= Prepare sempre um esquema lógico em cima da estrutura intrínseca e extrínseca;

= Não inicie nem termine uma redação com expressões do tipo: “… Eu acho… Parece ser… Acredito mesmo… Quem sabe…” mostra dúvidas em seus argumentos anteriores;

= Cuidado com “superlativos criativos” do tipo: “… mesmamente… apenasmente.” . E de “neologismos incultos” do tipo: “…imexível… inconstitucionalizável…”.

Se você prestou atenção nas redações da dica anterior, percebeu que elas estavam seguindo a estrutura redacional intrínseca (interior) quanto a INTRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO E CONCLUSÃO, mas não obedeciam a parte extrínseca (exterior) que é a apresentação da Redação, ou melhor, a aparência da escrita mostrando um conteúdo limpo e claro.

O que notamos é que nas redações faltaram parágrafos e respeito às margens (estética do trabalho) e a DISSERTAÇÃO do estudante que colocou várias idéias na introdução sem definir uma geral e tornou odesenvolvimento confuso, pois faltou dissertar sobre as tais conveniências comerciais do ovo de páscoa da introdução e centrou muito na História da Figura do Cordeiro sem explicar o que a ver a malhação de Judas e o Domingo de Páscoa. A conclusão começa a ficar em apuros e o fechamento das idéias da introdução e do desenvolvimento terminam prejudicadas. Nosso desafio é escrever esta dissertação usando todas as dicas para uma redação boa.

Como disse meu colega, o Professor Rogério: “A melhor dica para Redação: é Pensar. Penso logo escrevo” O segredo é simples: EU ESCRITOR TAMBÉM SOU LEITOR . ( Tudo que estou escrevendo vem do que penso e preciso montar um bom plano para entender o que escrevo e deixar minha leitura mais compreensível para os demais leitores )

A LÓGICA ESTRUTURAL: FRASE-NÚCLEO

Observe o texto dissertativo e analise a sua parte lógica na introdução, desenvolvimento e conclusão:

A PÁSCOA CRISTÃ

A Páscoa é uma festa cristã. Nela celebramos a Libertação dos Hebreus por Móises e Javé (Jeová -verbo hebraico para Ser) como também a Ressurreição de Cristo.

A Bíblia relata no Velho Testamento a saída do povo hebreu perseguido pelo Faraó e libertos pelo Senhor na passagem do Mar Vermelho, mas no Novo Testamento a Ressurreição abre uma idéia de salvação, de vida nova, de libertação do corpo pela vida eterna após a morte e eleva o sonho de um mundo novo: A Nova Jerusalem. Por estes eventos comemoramos a Páscoa.

Em todo mundo cristão comemora-se a Páscoa como a festividade mais significativa de libertação e ressurreição por dois momentos bíblicos que marcam a mesma esperança de encontrar a Nova Jerusalém.
Nota-se claramente que além da estética exterior e da simples idéia de seguir a estrutura interna, o escritor prezou pela lógica de sua redação e não só pelo segmento da introdução, desenvolvimento e conclusão mas nota-se uma definição muito clara de uma idéia geral (central) na introdução que fortaleceu o encadeamento das idéias e protegeu o sentido argumentativo do contexto e fechou a conclusão trazendo ao leitor a visão do que o tema pediu a Páscoa Cristã e que foi mencionada no núcleo frasal: “… A Páscoa é uma festa cristã…”.

Veja o esquema lógico montado em cima da estrutura redacional: TEMA: A Páscoa Cristã; Núcleo ou Tópico-frasal: A Páscoa é uma festa cristã (idéia geral) Desenvolvimento (idéias encadeadas ou periféricas que sustentam a idéia central)

Saída do povo hebreu (EXODUS)

Ressurreição de Cristo (PROMESSA DE DEUS)

Promessa de Vida Eterna (NOVA JERUSALEM) Conclusão (Conversão das idéias proclamadas na redação)

“… todo mundo cristão…” “… festividade significativa…”(puxa a idéia central da introdução)

“…dois momentos bíblicos…” “… Nova Jerusalem…” (puxa o argumento do desenvolvimento)
O que ocorreu na dissertação anterior a esta foi a confusão de idéias e isto complicou a estrutura então podemos dizer que dentro da introdução surge a primeira idéia a ser construída na redação e a conclusão termina a montagem de nosso pensamento escrito. E como fica o desenvolvimento ? Isto vamos mostrar em suas formas de ordenações que é o mais simples de se fazer dentro de um tópico frasal bem estruturado e vamos mostrar todas as formas de ordenações do desenvolvimento. Não percam!

Montamos em nossa tela mental o que vamos fazer no papel:

TEMA: Os brasis do Brasil Frase-núcleo: O Brasil por suas variadas diversidades possui vários brasis que se moldam no território nacional e determinam algo que vai além de suas fronteiras regionais.

Desenvolvimento:

A divisão territorial;
A formação regional;
Os diferentes brasis.

Conclusão:

Cada região territorial é um Brasil diferente não só por sua divisão fronteiriça mas por sua diversidade cultural, geográfica e muito mais política fortalecendo o Brasil como Nação e Governo.

Temos um Brasil que se forma de diversas maneiras em cada região e possui uma forma diferente de observar o País como meio de sobrevivência de um povo ou de fortalecimento político das massas emergentes em suas áreas de atuações territoriais, regionais, culturais e políticas.

Quase preparamos a redação só na esquematização da lógica inicial da introdução.

Fonte:
http://www.seruniversitario.com.br

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O Moderno Romance Brasileiro (Vertentes)

Libreria Fogola Pisa
Toda a ficção da literatura brasileira pós-Alencar segue uma das duas vertentes, que nascem com a narrativa do autor de Senhora e que correm paralelamente. Essas vertentes paralelas são a corrente regionalista e a corrente psicológica.

O homem e sua relação com o meio é a matéria-prima do regionalismo que, por sua vez, tem aqui um conceito nada redutivo. Entendemos como regionalista tanto a literatura que tem como temática o meio rural, campesino, quanto a que tem como temática as grandes capitais e as zonas suburbanas, sendo, por isso, nossa ficção, em sua maioria, regionalista: Aluísio de Azevedo, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Herberto Sales, João Ubaldo Ribeiro, Antônio Torres.

Na outra margem, a corrente psicológica se ocupa de analisar o comportamento do homem diante dele mesmo e em face aos outros: Machado de Assis, Raul Pompéia, Adelino Magalhães, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, Lígia Fagundes Teles, Rubem Fonseca.

Toda a ficção nacional é de motivação, de temática, de ambiente, de linguagem brasileira, preocupando-se e ocupando-se nossos ficcionistas com o gênero humano. No romance e no conto brasileiros, em suas duas vertentes, há momentos em que se entrelaçam, se justapõem as duas vertentes ficcionistas, como, por exemplo, na obra de Graciliano Ramos. O Modernismo não fugiu à regra, continuando na incorporação da matéria-prima local, que é o Brasil.

A ficção brasileira tem fisionomia e comunicação verbal próprias: o povo, a paisagem, os costumes, os tipos e patologias sociais, os problemas, tudo e todos integrantes de um mundo brasileiro, mas não por isso menos universal.

Nesta exploração de motivos regionais, ao olhar para si e suas circunstâncias, no tratar da sua gente e dos seus costumes, ao mostrar sua terra e sua cultura, nossa ficção encontra os valores universais no mundo humano regional, pois, como disse Tolstoi, para ser universal deve-se cantar a sua aldeia.

A nossa história começa com a chegada de um homem vindo da Sibéria, quando nível do mar baixou, e o Estreito de Bering era terra firme, pouco antes de 20.000 a.C. Depois de milhares de anos de vida seminômade, experimenta a agricultura, adquirindo um desenvolvimento econômico, cultural, social e político que não pode ser desprezado, como o foi desde a época da colonização. Mas estamos às portas de um novo século, de um novo milênio e não podemos incorrer em sectarismos.

O brasileiro é um povo mesclado, um povo mestiço, um misto de etnias diferentes: índios, negros, brancos com sensibilidade própria, com uma concepção própria da vida. A ficção nacional deve ser compreendida como um todo, que prossegue com um desenrolar-se contínuo, que parte de mananciais brasileiros, de elementos do folclore, da tradição oral, de um imaginário e um fabulário populares que geram os componentes da nossa narrativa; que partem desse complexo cultural. Nossas constantes literárias – o indianismo, o abolicionismo, o sertanismo, o urbanismo – são provenientes da oralidade advinda da formação, da fomentação social brasileira. Essa marcante oralidade prenuncia o futuro gosto dos nossos ficcionistas pelo documentário em suas narrativas calcadas, sobretudo, na sensibilidade e no inconsciente populares somados ao tratamento e aos elementos literários que lhes irão conferir validade estética.

A ficção irá predominar em uma nova fase do Modernismo brasileiro, desencadeada por A Bagaceira, de José de Américo de Almeida e por Macunaíma, de Mário de Andrade. Neste momento, as duas direções da narrativa brasileira – a regionalista e a psicológica – são marcadas por um veemente caráter de brasilidade e de renovação. Depois do realismo e do impressionismo, ativadas ainda pelo experimentalismo, essas duas direções amadureciam para gerar a época de ouro da ficção modernista, uma das mais altas da nossa literatura, dos anos de 1930 e 1945.

Nesta época de inquietações sociais originadas com a crise econômica de 1929, a literatura brasileira trilhou novos rumos à esquerda, com um enfoque novo do realismo, que veio a influenciar profundamente a ficção social portuguesa da década de 40, através das narrativas de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado. Esses ficcionistas têm a terra como elemento constitutivo de seus contos e romances. Outra característica de certos autores desse período é apresentar uma obra de cunho documental, o que ocasiona algumas dúvidas quanto ao valor dessa ficção e a relação entre o romance – do ponto de vista estético – e o seu sentido social. Mas esses ficcionistas, com uma expressão artística atualizada, redefiniram o romance regionalista tradicional. Suas narrativas, ainda que ambientadas numa determinada região, possuem uma dimensão que poderia compreender o conjunto de todo o Brasil, sobretudo pela visão crítica convergindo para o caráter social. Eles não estavam a representar os problemas específicos de uma determinada região e sim, problemas nacionais.

A literatura brasileira desse período procura retratar o que ocorria efetivamente, de modo realista, com um sentido bastante engajado, visando a transformar a realidade em suas estruturas sociais. O percurso do romance social de 30 estende-se nas décadas posteriores, em que se procurava enxergar o país a partir de setores marginalizados, incluindo-se, também, seus registros de fala, como acontece, por exemplo, na ficção de Jorge Amado.

A ficção amadiana está envolvida por toda uma reflexão crítica dos problemas sociais do Brasil, e procura conscientizar o leitor dos verdadeiros problemas do seu tempo. Nesse período é predominante o romance de intervenção social, sendo para seus autores a ficção um espaço de crítica ou de denúncia social, numa tentativa de encontrar solução para aqueles problemas mesmo diante do poder de pressão exercido por Getúlio Vargas sobre os órgãos de comunicação.

O Modernismo, nos seus primeiros tempos, retoma o espírito de liberdade e o sentimento de orgulho em ser brasileiro, fazendo uma releitura dos valores românticos. O desejo de liberdade modernista reflete-se sobretudo na linguagem, que vai procurar transcrever o coloquial nos diálogos da nossa ficção, alcançando seu ponto alto na obra de Jorge Amado.

Dentro de toda esta profusão de anseio pelo novo, pelo movimento, pelo futuro, surge a geração de 45, a procurar impor ordem, disciplina ao que, para ela, seria o caos. A geração de 45, num certo retorno parnasiano, tenta apurar o estilo ficcional brasileiro valorizando a linguagem acima de tudo, tendo seu ponto máximo na obra revolucionária de Guimarães Rosa, cuja força épica e poder onírico de sua narrativa abalaram a consciência literária brasileira, desde a publicação de Sagarana, em 1946. Na ficção rosiana, a revolução se dá principalmente na linguagem: primeiro, na construção da frase, passando, posteriormente, para o rebuscamento vocabular, desencavando arcaísmos mineiros, como um verdadeiro filólogo amador, criando ousados neologismos.

O romance de 45, todavia, não deixa de ter, como a ficção de 30, um teor documental.

Fonte:
http://www.seruniversitario.com.br

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José Feldman (Universo de Versos n. 17)

Obs: Corrigindo uma falha na sequencia no Universo de Versos, como se diz por cá “endoidei o cabeção” e pulei do 16 para o 18. Para os que colecionam, segue então o 17. Amanhã prossigo com a sequencia normal.
perdoe a falha,
José Feldman
 
Uma Trova do Paraná

MARIA ELIANA PALMA – Maringa

Corpo mole, mal antigo,
não é dengue nem catiça…
O seu mal, meu velho amigo,
é excesso de preguiça.
———————
Uma Trova Lírica/Filosófica de Pouso Alegre/MG

ROBERTO RESENDE VILELA – Pouso Alegre
Cai a chuva… o rio inunda…
o vento torce o arvoredo…
Mas, se a raiz é profunda…
nenhuma planta tem medo!
——————————
Uma Trova Humorística de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

– Chamaste meu pai de otário?
Repete-o, se és homem, vem!
– Chamei não, pelo contrário,
mas que ele tem cara, tem!

——————————
 Uma Trova do Feldman
 –

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR
Vivi em busca de carinho
Em castelos de ilusão
Tanto tempo estou sozinho
Quem me aquece é a solidão.
——————————
Uma Trova Hispânica do México

MARTHA ALICIA QUI AGUIRRE

El deshonesto se envicia
de abusar del enjuiciado;
goza de actuar sin justicia,
sin temor de ser juzgado.
—————————-
Uma Quadra Popular Portuguesa

Para não fazeres ofensas
e teres dias felizes,
não digas tudo o que pensas,
mas pensa tudo o que dizes.
—————————
Trovadores que deixaram Saudades

ARGENTINA DE MELLO E SILVA – Curitiba/PR
1904 – 1996

Eu hoje chamo saudade
o que ontem chamava amor.
A minha felicidade
mudou de nome e de cor.
————————
Um Haicai de Brasília/DF

CARLOS VIEGAS

sob o sol de inverno
o gato se espreguiça
ainda no cesto.
———————–
O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)
O Hóspede Despercebido


  Deixei alguém nesta sala
que muito se distinguia
de alguém que ninguém se chamava,
quando eu desaparecia.
Comigo se assemelhava,
mas só na superfície.
Bem lá no fundo, eu, palavra,
não passava de um pastiche.
Uns restos, uns traços, um dia,
meus tios, minhas mães e meus pais
me chamarem de volta pra dentro,
eu ainda não volte jamais.
Mas ali, logo ali, nesse espaço,
lá se vai, exemplo de mim,
algo, alguém, mil pedaços,
meio início, meio a meio, sem fim.
————————————–
Uma Poesia de Itapema/SC

PEDRO DU BOIS
Futuro

Não havia o traço esbranquiçado
rasgando o firmamento, nem a britadeira
e o caminhão misturando cimento e areia:

manualmente transportados
manualmente contados
manualmente colocados
blocos de pedras
superpostos
sobrepostos
erguiam paredes
em pequenos arcos
de telhados

sobre o topo o homem
sonhava traços de fumaça
cortando o firmamento.
————————
Uma Sextilha de Caicó/RN

HÉLIO PEDRO SOUZA

Bate forte um coração
quando um sonho é bem sonhado,
o caminho é mais florido
fica o céu mais estrelado,
e a lua aumenta o seu brilho
se o sonho é realizado.
————————-
Uma Trova Ecológica


Uma Poesia de Catembe/Moçambique


NOÊMIA DE SOUZA
1926– 2001
Infelizmente Jamais

No instintivo temor das ruas
Maria hesitava nos passeios
até não pressentir
o mais fugaz
presságio.

Contorno de sombra
à berma de uma além –asfalto
fatal presságio da rua
infelizmente já não
a intimida.

Cumprido o funesto prenúncio
já atravessava uma avenida
infortunadamente já nenhum risco
intimida o espírito
de Maria.

Doentiamente eu amaria ver
Maria ainda amedrontada
e nunca como depois
em que já nada a intimida.
——————————
Uma Tanka do Rio de Janeiro/RJ

SILVIA MOTA
Sob o aspecto literal, Tanka significa poema curto (tan – curto, breve; e ka – poema ou música). Constitui-se em estilo clássico de poesia japonesa. Além de ser uma forma popular de poema de amor, ao longo de séculos foi, também, veículo para expressar interdependência com a natureza. Formado por 31 sílabas poéticas, trata-se de um poema de cinco versos: 5-7-5-7-7 e divide-se em duas estrofes: a primeira formada por 5-7-5 sílabas, chamada de kami no ku (“primeiro verso”) e a segunda, com 7-7 sílabas, chamada de shimo no ku (“último verso”). A mais antiga coletânea da poesia “Tanka”, na época chamada de “Waka” (poesia do Japão), foi compilada no século VII (743-759), sob a denominação “Manyoshu”. Compõem-se de 20 volumes, 4516 poemas, escritos por mais de 400 praticantes, do imperador ao simples camponês. Até hoje a família imperial realiza no início do ano uma reunião cerimoniosa onde o imperador, a imperatriz, os príncipes e as princesas apresentam seus “tanka”. Trata-se do “Shinen-uta-kai-hajime”. A participação popular ocorre através dos “tanka” enviados pelo povo, criados a partir de tema sugerido pelo imperador. Deve-se ressaltar que o “Kimiga-yo”, Hino Nacional do Japão, é um “tanka” escrito por tankista anônimo que consta na coletânea Kokinshu, compilada no século X (905). O “tanka” surge no Brasil, pela primeira vez, com Teijiro Suzuki (pseudônimo Nanju), um dos primeiros imigrantes japoneses. Por outro lado, quem o implantou e divulgou na colônia japonesa foi Kikuji Iwanami.(http://silviamotatankas.blogspot.com.br/)

Árvore graúda
casca de fibras com sulcos –
sequóia milenar
      Altiva – quase no céu –
      consagrada Natureza
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Um Soneto de Mariana/MG

CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
VIII

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.
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Uma Poesia de Longe

    HERBERTO HELDER – Funchal/Ilha da Madeira
Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
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Versos Melódicos

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JUCA STORONI – RJ
No Bico da Chaleira (polca,1909)

Diariamente, o Morro da Graça no bairro das Laranjeiras no Rio de Janeiro era freqüentado por dezenas de pessoas – senadores, deputados, juízes, empresários ou, simplesmente, candidatos a cargos públicos ou mandatos eletivos. A razão da romaria era que no alto do morro morava o general senador José Gomes Pinheiro Machado, líder do Partido Republicano Conservador, que dominou a política nacional no início do século.

Pois foi para satirizar o comportamento desses bajuladores que o maestro Costa Júnior (Juca Storoni) fez a animada polca “No Bico da Chaleira”, sucesso do carnaval de 1909: “Iaiá me deixe subir nessa ladeira / eu sou do grupo que pega na chaleira…”. E tamanha foi a popularidade da composição que acabou por consagrar o uso dos termos “chaleira” e “chaleirar” como sinônimos de bajulador e bajular. Isso porque, dizia-se na época, o pessoal que subia a ladeira da Graça disputava acirradamente o privilégio de segurar a chaleira que supria de água quente o chimarrão do chefe. (Cifrantiga)

Iaiá
me deixa subir esta ladeira
Eu sou do bloco
Mas não pego na chaleira
Na casa do Seu Tomaz
Quem grita
é que manda mais
Que vem de lá
Bela Iaiá
Ó abre alas
Que eu quero passar
Sou Democrata
Águia de Prata
Vem cá mulata
Que me faz chorar

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Conde de Ficalho (A Caçada do Malhadeiro)

 Tínhamos ido — o mestre Domingos ferreiro, o malhadeiro(1) do Valfundo e eu — em busca de um porco-do-mato, que o malhadeiro atalaiara na véspera. Tencionávamos fazer apenas uma mancha(2) pequena, próximo da qual o porco fora visto, e voltar à tarde ao monte das Pedras Alvas, onde ficara o nosso rancho.

O malhadeiro foi com os cães bater, enquanto o mestre Domingos e eu esperávamos nas portas. O porco não estava na mancha. Batemos segunda, onde também não estava; mas aí os cães pegaram com força no rasto, e embaixo do vale achamos-lhe as saídas frescas. Sempre na esperança de o encontrar, batemos terceira e quarta mancha, e fomos de cerro em cerro, de vale em vale, até que, quando nos decidimos a voltar — sem ter visto um pêlo do porco — estávamos a duas léguas, e léguas de serra áspera das Pedras Alvas. Era em dezembro, já ao cair da tarde. Começava a chover, e as nuvens grossas, correndo ao lado do sul, anunciavam uma noite de água.

— Nós, com um tempo desses, não deitamos nas Pedras Alvas senão alta noite — disse o mestre Domingos.

— Não deitamos, é certo! Maus raios partam o porco! — acrescentou o malhadeiro, para se consolar.

— Mas que há a fazer?

— Podíamos ir à malhada da Crespa, que é daqui meia légua. O tio João sempre há de ter alguma coisa que se coma, e um lume pra gente se enxugar.

— Pois vamos lá.

As nuvens negras tinham-se fundido num tom cinzento. A chuva engrossava. Batida com força pelo vento, passava em linhas claras, apertadas, quase horizontais, sobre o verde-negro dos cerros. O malhadeiro abria caminho a corta-mato,(3) e o mestre Domingos e eu seguíamos, abaixando a cabeça, fugindo às rajadas de chuva que nos açoitavam a cara. Em fila atrás dos nossos calcanhares vinham os cães, tristes, de orelha caída. O mato escorria. Nos vales, cheios de erva densa, a terra ensopada cedia fofa debaixo dos pés; e as pegadas, marcadas no musgo verde, enchiam-se logo da água que ressumava. À luz tênue da tarde, algumas poças maiores brilhavam, com reflexos frios de prata polida. Duas galinholas saltaram-nos aos pés, sacudindo com a ponta da asa as gotas cintilantes, presas às folhas viscosas das estevas; mas as espingardas estavam carregadas de bala, bem acomodadas debaixo do braço, com as fecharias tapadas pelas abas dos jalecos, e nenhum de nós ia de humor para atirar em galinholas.

— Maus raios partam o porco! — dizia de vez em quando o malhadeiro.

Era noite fechada, quando os perfis confusos de umas azinheiras grandes se desenharam diante de nós, no clarão baço do céu. Ouvimos ladrar os cães — estávamos na Crespa. O tio João veio à porta, conheceu a voz do outro malhadeiro e abriu logo. Estava só em casa, com a nora e os netos pequenos; o filho andava trabalhando longe dali, e não voltara.

Improvisou-se rapidamente uma ceia pobre, que nos pareceu excelente. Duas braçadas de lenha seca de azinho estalavam na enorme chaminé, com uma chama clara, muito alegre. E quando acabamos de cear e nos chegamos para o lume, acendendo os cigarros, penetrou-nos uma grande sensação de bem-estar. Lá fora ouvia-se o cair monótono da chuva, e as lufadas do sul assobiando na telha-vã da malhada.

Naturalmente falou-se de caça — o ferreiro e os dois malhadeiros eram os três primeiros caçadores da serra.

— Oh! tio João, você é que fez uma caçaria melhor que todas essas? — disse o ferreiro, depois de se contarem muitos casos de mortes de porcos e de veados.

— Fiz… fiz… — disse o velho, como quem meditava.

— Você devia nos contar esse caso esta noite.

— Ó mestre Domingos, eu não gosto de falar nisso.

— Ora, uma vez não são vezes… Eu sei do caso, mas nunca lho ouvi contar bem a preceito como ele foi, e os mais que aqui estão não o sabem.

— Pois conto — respondeu o malhadeiro, abaixando-se para acender o cigarro em uma brasa.

Estava sentado defronte de mim, dentro da chaminé, ao lado da nora. A luz crua da labareda iluminava-lhe brutalmente a cara enérgica, sulcada de rugas fundas, muito queimada. Entre os joelhos tinha o neto, uma criança de sete ou oito anos, com uma cabecita redonda, bem encabelada, e uns olhinhos pretos, vivos, em que a chama punha pontos brilhantes. De vez em quando a mão negra, muito dura, do velho passava sobre a cabeça do pequeno, com um toque suave, de uma doçura infinita. Diante do lume, o ferreiro e o Joaquim do Valfundo estendiam para o brasido os sapatos grossos e as polainas, que ainda fumavam. A chama, levantando e abaixando, projetava-lhes as sombras, desmesuradamente grandes, na parede caiada do fundo, fazendo-as dançar de um modo fantástico.

— Isto por aqui, no tempo dos franceses, esteve mau… muito mau! — começou o malhadeiro. Passaram aí duas vezes. Quando passaram juntos, em tropa, bem foi; mas depois, quando iam na retirada, sem respeito lá aos seus comandantes nem a ninguém, queimavam e roubavam tudo. Os montes, nos barros, estavam todos desertos; e mesmo cá na serra, nas malhadas mais perto das estradas, não ficou viva alma. Todos fugiam, levando alguma coisa melhorzita que tinham. Meu pai quis aqui ficar. “Pra onde há de a gente ir? — dizia ele. — E depois, isto é cá desviado, não vêm cá”.

Eu, ao tempo, era rapazote, ia nos meus dezassete. Estava aqui com meu pai e as minhas duas irmãs; a Inês, a mais nova, que ainda vive, era mais velha do que eu um ano; e a Mariana, Deus lhe perdoe, teria então os seus vinte ou vinte e um.

Passou tempo, sem os franceses aparecerem. A gente sabia que passavam tropas, aí pelas estradas, direitas a Espanha; mas cá na serra já estava descuidada. Quando uma manhã, que eu andava lavrando com a parelha ali no farrejal, e meu pai estava falquejando umas aivecas aqui na empena, a Inês, que tinha ido à fonte… — a fontinha lá abaixo na umbria, sabes, Joaquim? — a Inês veio fugindo ladeira acima, e chegou aí esfalfada, dizendo: “Aí vêm… aí vêm!”

E vinham. Tinham se desviado da estrada, perderam-se e vieram a corta-mato, diretos à casa, que viam aqui na altura. Eram oito. Vinham muito rotos, com os sapatos em frangalhos, atados com trapos. Um — estou-o vendo — alto, magro, com o nariz grande e o bigode caído nos cantos da boca, trazia um lenço branco, sujo, com grandes manchas de sangue, atado à roda da cabeça.

Meu pai bradou-me, e quando eu vim correndo, disse-me baixo: “Esconda as espingardas”.

Fui àquele canto onde elas sempre têm estado, peguei-as, passei à porta de trás, e fui metê-las na palha da arramada. Quando voltei, já os franceses estavam dentro de casa. Não se percebia nada do que diziam, senão vino… vino…, e faziam sinal que queriam comer. O pai disse às moças que lhes dessem o que havia; mas eles não esperavam, abriam as arcas e traziam o que achavam pra cima dessa mesa. Meu pai tinha-se sentado naquele banco…

O velho indicava os lugares com o gesto, que o Joaquim e o mestre Domingos seguiam no movimento de atenção dos olhos; e assim contada, naquela casa que não tinha mudado nos últimos sessenta anos, onde ainda se viam as espingardas encostadas ao mesmo canto, e o banco tosco ao lado da porta, a história adquiria uma intensidade de vida, uma atualidade singular.

— Os franceses — prosseguiu o tio João — comeram, beberam, estavam já alegres, rindo e gritando. Um deles, um loiro, que tinha um galão e parecia mandar alguma coisa nos outros, quando a minha Inês passou ao pé dele, deitou-lhe um braço à cintura, sentou-a à força nos joelhos e deu-lhe um beijo.

Eu vi isto, e no mesmo instante vi meu pai de pé, e um machado de cortar azinho direito à cabeça do francês. O francês era leve, furtou-se; quatro ou cinco deles agarraram-se a meu pai, e depois de uma luta o deitaram no chão. Eu tinha levado uma coronhada pelos peitos, e estava encostado àquela arca, seguro por outros dois. O loiro ria-se com um riso mau, mas dizia — quis-me a mim parecer — que nos não fizessem mal, que nos atassem. Estava aí uma corda grande, com que eles ataram o pai de pés e mãos. A mim, ataram-me com um baraço e com a minha cinta.

As moças… arrastaram-nas para a casa de dentro, gritando e chorando…

À mesa ficaram dois franceses, bebendo.

Eu ouvia minhas irmãs chorarem lá dentro, chamando-nos, que lhes acudíssemos; e via o pai deitado no chão, com a camisa rasgada e as mãos atadas atrás das costas. Na luta, quando caiu, partiu a cabeça na esquina do banco. Um fio delgado de sangue corria-lhe da testa até às suíças brancas; e, dos olhos muito fitos, vi correrem-lhe as lágrimas, que se misturavam com o sangue.

Não posso dizer o tempo que isto durou; mas pareceu-me muito.

Quando os franceses saíram, rindo e metendo nos bornais o pão e uns queijinhos que tinham sobejado, nem olharam para o pai; a mim, pegaram-me, e assim mesmo atado como estava, levaram-me à porta para lhes ensinar o caminho. Não sei o que me lembrou, mas em lugar de lhes mostrar o atalho que vai direito à estrada, mostrei-lhes a que desce para a ribeira. Essa era a mais seguida das duas. Eles não desconfiaram, deitaram as espingardas ao ombro e desceram vale abaixo.

A Inês não dava acordo de si; mas a Mariana, muito branca, muito enfiada, veio cá fora desatar o pai. Ele não falava. Quando a Mariana me desatou, disse-me só: “As espingardas”.

Fui à arramada buscá-las, e quando vim, já o pai tinha o polvorinho a tiracolo; apontou para o outro polvorinho, que eu enfiei; tirando da arca o saco das balas, esteve-as dividindo; deu-me um punhado delas e meteu as outras na algibeira. Saímos, sem ele dizer uma palavra à Mariana. Fez-lhe sinal que chamasse e fechasse os cães. Só deixou ir uma podenga velha vermelha; mas a podenga era — salvo seja — como uma criatura; quando estava numa porta, nem latia nem mexia um cabelo. À ponta dos farrejais, abaixou-se; desafivelou a coleira do chocalho da cadela e deitou-a fora.

Nós íamos devagar. Entendi eu que meu pai os queria deixar meter bem para os vales mais ásperos. Lá embaixo, nos matões do barranco do Alendroal, é que os apanhamos. Vimo-los de longe, numa volta da trilha. Meu pai não falava, fez-me sinal que fosse à meia encosta da umbria, que ele ia pela soalheira; e quando nos apartamos, numa voz ainda trêmula, disse-me só estas palavras: “Não atires, sem eu atirar”.

Eu meti à encosta, de gatas, por baixo das estevas. Era uma criança ainda, mas não me lembrei de ter medo. Fui… fui, até que cheguei bem à distância de um tiro. Já nesse tempo atirava bem. Desde pequeno eu andava com meu pai. E você ainda se lembra como ele atirava, mestre Domingos?

— Era a primeira espingarda da serra, a chumbo e a bala! — afirmou o ferreiro.

— E era! — continuou o velho. — Eu não o via; mas sabia que ele ia na outra encosta. Os franceses iam embaixo, no vale, todos numa linha, porque a trilha era estreita. Numa volta do vale, ouvi um tiro; e o francês, o loiro, que ia adiante, abriu os braços e caiu de bruços. Os outros pararam; eu apontei bem um, dei no dedo, e ele caiu redondo. Ao segundo tiro, viraram-se para o meu lado; então o pai, para me livrar, apareceu-lhes no mato. Atiraram-lhe todos, e eu vi as estevas cortadas pelas balas em volta dele; mas não lhe deram. Os homens ainda quiseram avançar pela encosta, direito a ele, mas era uma moita de mato muito forte; não puderam romper, e, deixando os dois mortos, abalaram a correr pelo vale.

O pai chamou-me, e fomos juntos sempre pelo fio da altura, a ver o caminho que tomavam. Acho que se arrecearam de ir pelo vale, que era cada vez mais estreito, e meteram a uns matos ralos, de umas queimadas que se tinham feito nesse ano, direito à porta-baixa do Sovereiral.

Quando os topamos, foi já no barranco do Algeriz, ali no açude do Moinho Velho. Estávamos metidos nos medronhais altos, e eles vieram sair no claro do areal do barranco — mesmo onde tu mataste a porca grande, Joaquim, na semana passada.

Era quase à queima-roupa: caíram dois. Os homens eram valentes. Os quatro que restavam ficaram direitos, encostados uns aos outros. Atiraram para o mato, na direção do sítio em que tinham visto o fumo, e uma bala cortou um ramo por cima da minha cabeça. Nós separamo-nos, e mesmo de rastos por baixo do mato, fomos carregando. Quando atiramos, eu precipitei-me e errei; mas o pai não errou… nem errava! Os três perderam coragem e fugiram para o mato. Era já escuro, perdemo-los.

Fomos para um cabeço e ficamos ali toda a noite. Eu estava cansado, era uma criança, e ali me deitei. Mas o pai nunca dormiu; e quando eu de noite acordava, com o frio e com a fome, via-o sentado numa pedra, direito, encostado à espingarda.

Logo ao romper da manhã, abalamos. Os três franceses tinham tido toda a noite para fugir; mas aqui na serra, quem não é prático, jamais avança caminho de noite. Pode um homem andar uma noite toda, e de manhã achar-se no mesmo sítio. Ainda assim deram-nos trabalho; atalaiamos pelos cerros; rastejamos os vales e as passagens dos barrancos, como se a gente andasse à busca de um javardo ou de um veado; até a cadela, Deus me perdoe, já lhes pegava no rasto. Seria meio-dia quando os vimos lá muito embaixo, nos areais da ribeira. Tinham ido à água. Dali a duas horas estavam mortos todos três.

Quando voltamos para a malhada, já os abutres andavam no ar às voltas, às voltas, por cima do vale, onde ficaram os dois primeiros.

Meu pai, ao entrar em casa, não disse nada; mas agarrou as filhas e teve-as muito tempo abraçadas, e nunca até à hora da sua morte o ouvi falar no que tinha sucedido.

O lume ia-se apagando, sem que — presos à narração — nos lembrássemos de o atiçar; e o vasto brasido, onde ainda corriam umas chamas incertas, azuladas, iluminava vagamente a figura austera do velho, que amparava com muito cuidado sobre os joelhos o pequenito adormecido.

NOTAS:

1 – Malhadeiro: indivíduo que trata de colméias; colmeeiro.
2 – Mancha: cama do javali, ou porco-do-mato
3 – A corta-mato: a direito, por atalho; pelo caminho mais curto.

Fonte:
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira & Paulo Ronái. Mar de histórias. vol. 5. RJ: Nova Fronteira.

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José Feldman (Universo de Versos n. 23)

Uma Trova do Paraná

MARIA LUCIA DALOCE CASTANHO – Bandeirantes
De ilusões eu fui vivendo…
E a esperança, disfarçada,
via os meus sonhos morrendo,
e nunca me disse nada!

Uma Trova Lírica/Filosófica de Santos/SP

BRITES Q. FIGUEIREDO
Num cofre-forte, guardado
por bruxas, lá na distância,
está o que me é negado:
– os sonhos de minha infância!

Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

SÉRGIO FERREIRA DA SILVA
Uma receita eu preparo,
e um gato me desanima
chega perto… apura o faro…
e joga areia por cima.

Uma Trova do Feldman

JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR
Quando se perde um amor,
o coração dá um brado:
– Por favor, tire essa dor.
Ó Pranto! Fique calado!

Uma Trova Hispânica da Argentina

MARÍA CRISTINA FERVIER
Señora de ojos vendados,
no le robes la esperanza
a los pobres derrotados.
La justicia es su templanza.

Uma Quadra Popular

Mulher é livro fechado,
Mas fechado para valer…
Nunca confessa o pecado,
Faz do pecado viver

Trovadores que deixaram Saudades

NÁDIA ELISA SANCHES HUGUENIN – Nova Friburgo/RJ
Na trova e no trovador,
é que se encontram, suponho,
criatura e criador
unidos no mesmo sonho!

Um Haicai de São Paulo/SP

CARLOS SEABRA
era uma vez
um sapo que beijado
poeta se fez

O Universo de Leminski

PAULO LEMINSKI
Curitiba (1944 – 1989)
Por um lindésimo de segundo

Tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas.

Uma Poesia de Curitiba/PR

LÚCIA CONSTANTINO
Saudade

Irmã da terra,
dos ventos,
das tempestades,
por onde pisam agora
teus pés de saudade?

Deixou rosas,
espinhos
e tantos trigais.
E foi ninar num travesseiro de jasmins
à sombra dos pinheirais.

Uma Sextilha de São Paulo/SP

THALMA TAVARES
Descobri um grande amor
– meio século já faz –
e ainda hoje é o motivo
que sempre alegre me traz,
por ser a troca constante
de ternura, amor e paz.

Uma Trova Ecológica

Uma Poesia de Santo Antão/Cabo Verde

DINA SALUSTIO
(pseudonimo de Bernardina Oliveira)
Éramos Tu e Eu

Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espetáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.

Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.

Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.

 Éramos tu e eu
Dentro de nós.

 As contrações cada vez mais rápidas
O descontrole
A emoção
A ciência atenta
O oxigênio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A Hora
A Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.

 São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.

Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.

A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.

Um Limerique de São Paulo/SP

TATIANA BELINKY

Alguns estudos dizem que surgiu na França no início do século 17, já outros dizem que na Irlanda  na cidade de  Limerick, onde soldados cantavam pequenos poemas com um certo humor para passar o tempo. O principal  autor destes pequenos versos, no entanto, dizem ser um inglês Edward Lear, que gostava de escrevê-los com sátira, humor  e um certo tanto de absurdo. No Brasil, começou a ser divulgado por dois escritores são eles, Joaquim de Souza Andrade ou Souzândrade como ele gostava de ser chamado e Clarice Lispector. Porém quem mais difundiu esta categoria aqui no Brasil foi a escritora ( famosa por seus livros infantis) Tatiana Belinky, que os define assim: […” são cinco linhas, três versos rimando, o primeiro, o segundo e o quinto; o terceiro e o quarto, mais curtos, rimam entre si. Isso dá ritmo, é ótimo para fazer algumas brincadeiras. (Kate Weiss )

Quem pensa que eu sou uma ogra
No seu pensamento malogra.
Língua bifurcada?
Só quando enfezada.
Porque eu sou mesmo é sogra.

Um Soneto de Minas Gerais

SÔNIA MARIA DE FARIA
Travessia

Se num belo sonho se envolve a vida,
Traz ele novos ares de alegria,
Uma força com meta definida
E um desejo incontido se anuncia.

Mergulha o coração no desafio…
Busca firme traçar a sintonia
Entre dias de sol, noites de frio,
Nada fere sua essência, a euforia.

Se é difícil a paz na travessia,
São os sonhos as borbulhas de magia,
A força estranha, o caminho, a certeza…

Escolher sonhar é sabedoria:
É dos que sonham o raiar do dia…
É dos que lutam sua realeza.

Uma Poesia de Longe

CONSUELO TOMAS – Bocas del Toro/Panamá
Eu era uma casa

Eu era uma casa que quase se fechava
Antiga memória de beijos
Carícia no exílio
Mar calmo e já de volta

Então foste tu
abrindo minhas janelas
Colocando os passos da mirada
música da ternura em tua doce mão
espantando o pó do desengano
uma ou outra palavra e o abraço

ilusão imperfeita
um minuto de vida
oportunidade serena
para ensaiar o amor e suas rupturas

Agora tenho que esquecer-te e não sei como
Recuperar o mecanismo da calma, a música do mar
E sua cumplicidade imensa
O perfeito equilíbrio do que foi conquistado

De qualquer forma antes que a noite chegue
Aqui sempre haverá lugar para teu rosto
Um espaço vazio para que teus braços preencham ou a lembrança
Um silêncio estendido para que teu canto voe ao mais elevado
Aqui.

Uma Poesia do Porto/Portugal

ALBERTO DE SERPA
1906 – 1992
Recreio

Na claridade da manhã primaveril,
Ao lado da brancura lavada da escola,
as crianças confraternizam-se com a alegria das aves….

E o sol abre-lhes rosas nas faces saudáveis
A mão doce do vento afaga-lhes os cabelos,
— Um sol discreto que se esconde às vezes entre nuvens brancas…

As meninas dançam de roda e cantam
As suas cantigas simples, de sentido obscuro e incerto,
Acompanhadas de gestos senhoris e graves.

Os rapazes correm sem tino e travam lutas,
Gritam entusiasmados o amor espontâneo à vida,
À vida que vai chegando despercebida e breve…

E a jovem mestra olha todos enlevadamente,
Com um sorriso misterioso nos lábios tristes…

Outra Quadra Popular

Rouxinol canta de noite,
de manhã a cotovia;
todos cantam, só eu choro
toda a noite e todo o dia!

Uma Poesia em Música

CUPERTINO DE MENEZES (melodia) e HERMES FONTES (versos)
Constelações (modinha, 1908)

 
Constelações, que fulgurais
Iluminai as minhas lágrimas finais
Carbonizai meu coração
Para domar e sufocar
E exterminar essa paixão
Oh! sol crestai, vento esfolhai
Das rosas d’alma as frias pétalas de gelo
A minha vida é um pesadelo
E o pesadelo uma visão
Que pouco a pouco vai roubando-me a razão.

Só é feliz quem não se diz
Saber libar os flébeis beijos do luar
Alma sem luz, vinde sonhar
Ao terno som consolador
Das flautas mágicas do amor
Oh! coração sem ilusões
Que inda bateis, mas não viveis, não tendes vida
Minh’alma é como uma ferida a gotejar sangue de luz
Como a do mártir que morreu pregado à cruz

Quando anoitece, a sombra desce
A voz da prece nos espíritos languesce
Fica a cismar meu pensamento
No firmamento que se fulge num momento
A fulgurar
Quando amanhece, o céu floresce
A loura messe das abelhas estremece
Fica a gemer meu coração, fica a sentir, a palpitar
Como o vulcão na tíbia luz crepuscular

Manhãs de abril, dai-me esta luz
Que ao sonho induz meu coração primaveril
Em ouro e anil se fulge o azul
Sobre o paul em que vivemos num monótono torpor
Como um clarim descanta em mim
Um serafim que marca o fim dos meus pesares
Nos vagalhões de etéreos mares hei de ser navegador
Para sulcar ou naufragar num mar de amor

Oh! corações, como tufões
Passai, voai por sobre todas as paixões
Amai a luz, ò rosicler
Amai as flores, esquecei os vãos amores da mulher
Sois loucos pois, vós todos sois
As mariposas que se vão queimar na chama
Jesus tem pena de quem ama
Indulta amor que tudo quer
Ai! Quanta força tem o amor de uma mulher.

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Vicente de Carvalho (Poemas Avulsos)

(Santos SP, 1866 – idem, 1924)

Folha Solta

Eis o ninho abandonado
Dos sonhos do nosso amor…
É o mesmo o chão onde oscila
A mesma sombra tranquila
Dos arvoredos em flor.

É o mesmo o banco de pedra
Onde assentados nós dois
Falamos de amor um dia…
Lembras-te? Então, que alegria!
E que tristeza depois!…

Falamos de amor… E sobre
Minh’alma arqueava-se o azul
Do teu olhar transparente
Como o céu alvorecente
Das nossas manhãs do sul.

Quanta loucura sonhamos!
Quanta ilusão multicor!
Quanta risonha esperança
Nessas almas de criança
Iluminadas de amor!

 Marinha

I

Eis o tempo feliz das pescarias — quando
Maio aponta a sorrir pela boca das flores.
Derramam-se na praia as gaivotas em bando…
Alerta, pescadores!

Crepusculeja ainda a aurora, mas quem pesca
Deve esperar o dia entre as ondas — enquanto
Sopra enfunando a vela a matutina fresca
E o sol não queima tanto.

Mulheres, fazei fogo! Ao alcance do braço,
Mesmo à porta do rancho a maré pôs a lenha.
Aprontai o café! Vibra já pelo espaço
A buzina roufenha.

Peixe na costa! O aviso erra de frágua em frágua,
Chama de rancho em rancho os pescadores. Eia!
As canoas estão ainda fora d’água
Encalhadas na areia:

Prestes, descei-as! Ide apanhar às estacas
A rede. Ide-a colhendo às pressas; colocai-a
Na canoa. Descendo agora nas ressacas,
Isso, fora da praia!

E é remar, é remar para o largo… As crianças
E as mulheres, em terra, esperam aguentando
O cabo que por sobre o azul das ondas mansas
A rede vai largando…

Sugestões do Crepúsculo

Estranha voz, estranha prece
Aquela prece e aquela voz,
Cuja humildade nem parece
Provir do mar bruto e feroz;

Do mar, pagão criado às soltas
Na solidão, e cuja vida
Corre, agitada e desabrida,
Em turbilhões de ondas revoltas;

Cuja ternura assustadora
Agride a tudo que ama e quer,
E vai, nas praias onde estoura,
Tanto beijar como morder…

Torvo gigante repelido
Numa paixão lasciva e louca,
É todo fúria: em sua boca
Blasfema a dor, mora o rugido.

Sonha a nudez: brutal e impuro,
Branco de espuma, ébrio de amor,
Tenta despir o seio duro
E virginal da terra em flor.

Debalde a terra em flor, com o fito
De lhe escapar, se esconde — e anseia
Atrás de cômoros de areia
E de penhascos de granito:

No encalço dessa esquiva amante
Que se lhe furta, segue o mar;
Segue, e as maretas solta adiante
Como matilha, a farejar.

E, achado o rastro, vai com as suas
Ondas, e a sua espumarada
Lamber, na terra devastada,
Barrancos nus e rochas nuas…

A Ternura do Mar

No firmamento azul, cheio de estrelas de ouro
Ia boiando a lua indiferente e fria…
De penhasco em penhasco e de estouro em estouro,
Embaixo, o mar dizia:

“Lua, só meu amor é fiel tempo em fora…
Muda o céu, que se alegra à madrugada, e pelas
Sombras do entardecer todo entristece, e chora
Marejado de estrelas;

Ora em pompas, a terra, ora desfeita e nua
— Como a folha que vai arrastada na brisa —
Aos caprichos do tempo inconstante flutua
Indecisa, indecisa…

Desfolha-se, encanece em musgos, aos rigores
Do céu mostra a nudez dos seus galhos mesquinhos,
A árvore que viçou toda folhas e flores,
Toda aromas e ninhos:

Cóleras de tufão, pompas de primavera,
Céu que em sombras se esvai, terra que se desnuda,
A tudo o tempo alcança, e a tudo o tempo altera…
— Só o meu amor não muda!

Há mil anos que eu vivo a terra suprimindo:
Hei de romper-lhe a crosta e cavar-lhe as entranhas,
Dentro de vagalhões penhascos submergindo,
Submergindo montanhas.

Hei de alcançar-te um dia… Embalde nos separa
A largura da terra e o fraguedo dos montes…
Hei de chegar aí de onde vens, nua e clara,
Subindo os horizontes.

Um passo para ti cada dia entesouro;
Há de ter fim o espaço, e o meu amor caminha…
Dona do céu azul e das estrelas de ouro,
Um dia serás minha!

E serei teu escravo… À noite, pela calma
Rendilharei de espuma o teu berço de areias,
E há de embalar teu sono e acalentar tua alma
O canto das sereias.

Quando a aurora romper no céu despovoado,
Tesouros a teus pés estenderei, de rastros…
Ser amante do mar vale mais, sonho amado,
Que ser dona dos astros.

Deliciando-te o olhar, afagando-te a vista,
Todo me tingirei de mil cores cambiantes,
E abrir-se-á de meu seio a brancura imprevista
Das ondas arquejantes.

Levar-te-ei de onda e monda a vagar de ilha em ilha,
Tranquilas solidões, ermas como atalaias,
Onde o marulho canta e a salsugem polvilha
A alva nudez das praias.

Ao longe, de repente assomando e fugindo,
Alguma vela, ao sol, verás alva de neve:
Teus olhos sonharão enlevados, seguindo
Seu vôo claro e leve;

Sonharão, na delícia indefinida e vaga
De sentir-se levar sem destino, um momento,
Para além… para além… nos balanços da vaga,
Nos acasos do vento.

Far-te-ei ver o país, nunca visto, da sombra,
Onde cascos de naus arrombadas, a espaços
Dormem o último sono, estendido na alfombra
De algas e de sargaços.

Opulentos galeões, pelas junturas rotas,
Vertem ouro, troféus inúteis, vis monturos,
Que foram conquistar às praias mais remotas,
Pelos parcéis mais duros:

Flâmula ao vento, proa em rumo ao largo, velas
Desfraldadas, varando ermos desconhecidos,
Rudes ondas, tufões brutais, turvas procelas,
Sombra, fuzis, bramidos,

Todo o estranho pavor das águas afrontando,
Altivos como reis e leves como plumas,
Iam de golfo em golfo, em triunfo arrastando
Uma esteira de espumas.

Ei-los, carcassas vis donde o ouro em vão supuro,
Esqueletos de heróis… dei-os em pasto à fome
Silenciosa e sutil da multidão obscura,
Dos moluscos sem nome.

Essa estranha região nunca vista, hás de vê-la,
Onde, numa bizarra exuberância, a flora
Rebenta pelo chão pérolas cor de estrela
E conchas cor de aurora;

Onde o humilde infusório aspira ás maravilhas
Da glória, sonha o sol, e, dos grotões mais fundos
De meu seio, levanta a pouco e pouco as ilhas,
Arquipélagos, mundos…

Lua, eu sou a paixão, eu sou a vida… Eu te amo.
Paira, longe, no céu, desdenhosa rainha!…
Que importa? O tempo é vasto, e tu, bem que reclamo!
Um dia serás minha!

Embalde nos afasta e embalde nos separa
A largura da terra e o fraguedo dos montes:
Hei de chegar aí de onde vens, nua e clara,
Subindo os horizontes…”

—****

Na quietação da noite apenas tumultua
Quebrada de onda em onda a voz brusca do mar:
Corta o silêncio, agita o sossego, flutua
E espalha-se no luar…

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