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Olivaldo Júnior (Último Lampejo)

Quando se atravessa um deserto, espera-se encontrar um oásis. Ou não.

Uma lâmpada

Ficou acesa, quando devia ter ficado apagada.
Apagou-se, quando devia ter ficado candente.

Uma lâmpada, uma lâmina, uma luz guardada,
não uma busca, uma augusta chance presente.

Ficou à mesa, quando devia ter ficado velada.
Revelou-se, quando devia ter virado semente.

Uma lâmpada, uma lança, não uma luz parada,
mas uma luz, mas uma lua, grande e plangente.

Virou a presa, quando devia ter virado caçada.
Escondeu-se, quando devia ter virado nascente.

Uma lâmpada, uma lã, mina de luz, mais nada.

Moji Guaçu, SP, dezenove de março de 2013.

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Olivaldo Júnior (Água com Açúcar)

Segundo alguém,
sou um copo de água com açúcar.

Mas esse copo,
mas esse corpo,
sem se mover,
“amarga” o ser.

Segundo alguém,
sou um copo de água com açúcar.

Mas, sem afeto,
jamais me afeto.
Segundo alguém,
sou um copo de água com açúcar
cujo gosto d’água
está sem gosto.

Mas esse gosto,
mas esse rosto,
sem se gostar,
apaga o olhar.

Segundo alguém,
sou um copo de água cujo açúcar
quer toda a água
que não tem gosto
e não deságua.

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O Autor

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Olivaldo Junior (Morangos Silvestres)

Sei que venho prometendo algo que não tenho feito. Os “morangos” de minha vida foram colhidos, e eu nem vi. Devo ausentar-me por um tempo. Segue – para quem se interesse – meu “morango” para Bergman.

Morangos Silvestres – Um poema*
Para Ingmar Bergman

Os morangos, silvestres ou não, jamais fenecem.
Nalguma parte de nós, no canto escuro da alma,
ensolarados apenas quando de nós se esquecem,
os morangos silvestres, na selva, em minhalma,
são vermelhos, enrubescem-se quando perecem,
pois nunca o fazem de todo.
Posso ser velho, posso ser jovem, que fascinam.
Os rubros da vida me ensinam que sou sanguíneo,
bem mais que eu descortino, pois ainda ensinam
mais ciência que poesia nas escolas: que declínio!
Os morangos, mofados, ou não, são os silvestres
que nasceram nos rupestres corações que trago,
como se eu fumasse algo, no “cinema sem testes”
que compreendo ao lado, alado pelo que afago
quando me lembro de tudo.
Antes que eu morra, mato este velho que mina,
que mata, que assassina quem eu fui: um menino,
talvez com melhor destino que o deste (ruína)
homem, o que se inclina sobre as águas do ensino
que só os sonhos tem, e colhe o fruto que mina
da boca o não-silvestre de morangos que rumino.

Moji Guaçu, SP, trinta e um de janeiro de 2013.
—–

* Morangos Silvestres (1957) é um filme do cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007), cujo enredo discute sobre a passagem do tempo ao retratar um dia na vida de um velho professor de Medicina, exatamente quando será condecorado pelo trabalho de toda uma vida. Se esse professor está contente pela honraria? Descubra assistindo ao filme e tire suas próprias conclusões.
O poema acima é em homenagem a Bergman, um poeta da escrita, do pensamento e da imagem.


Fonte:
O Autor

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Olivaldo Junior (Para o Amor que me Mata)

Não direi o quanto estou cansado e desterrado de mim.
Olivaldo

Faço, para o amor que me mata,
este modo de meter medo
em quem não tem medo de nada.

Nada, caro amor que me mata,
supera este mito que mora
tão fora da meta, tão na estrada,
que está mesmo na aurora,
o resto de estrelas, na alvorada.

Tudo, caro amor que promete,
separa este moço que muda
sem nada mudar e sem confete,
que este amor não me muda,
poeta de estrondos, tipo NET.

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O Autor

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Olivaldo Junior (Uma Rosa)

Era uma vez uma rosa que não era rosa. Eu explico: era uma rosa vermelha. Dona de um jardim só dela, não se via nada humilde, nem fazia questão de ser. Nadava em cravos e pousava em flores menos “pop”. Pode ser que tivesse, lá no fundo de suas pétalas, um pouco de humildade, mas não se via mesmo nada que a pudesse salvar. O orgulho é um grande abismo entre a beleza e o dia a dia, pois nem sempre é primavera.
Julgando-se eterna, uma rosa começou a murchar. Já não tinha o mesmo rubro nas bordas, e o verde no caule que a sustinha já nem dava bandeira. As margaridas, bem mais fortes que ela, madrugadoras, já cochichavam, quando a rosa acordou. Era uma rosa preguiçosa e, mais que isso, dormia para ver se a beleza a impregnava de novo com seu rastro de estrela, com seu porte de estátua que não é de mármore, mas se martiriza.
Feinha, com as pétalas por desabar, viu-se nas mãos de uma senhora que passava defronte ao jardim da casa em que morava. Desesperada, viu a porção de cravos envoltos em pobres margaridas, todos lhe dizendo adeus do canteiro em que estavam. De que havia valido a uma rosa tanta pose? A pobre, quase sem pétalas, sem caule, acabou assim, no cemitério mais próximo, dando vida a um túmulo, em preto-e-branco.
Fonte:
O Autor

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Olivaldo Junior (Uma Estrela)

A palavra não é minha. Mas a ideia me doma. Então, escrevo.
–––––-
Era uma vez uma estrela. Mas não era uma estrela como outra qualquer que está no céu. Era uma estrela da terra. Tinha caído do céu havia um tempo, mas ainda não estava acostumada com a vida terrestre. Estrela não se acostuma muito fácil com a vida que a gente leva. Vales, selvas e vilas: mas a estrela, caída no meio de um monte de estrume, não brilhava, nem nada. Seu DNA não era dínamo para esgarçar as chinelas pela estrada. A estrela não andava. Portanto, foi preciso esperar. Um dia, sem que esperasse, quase que uma cobra a comeu. Mas, por sorte, passou um carro velho que, espantando o bicho, fez a estrela feliz. O tempo diria se ela sobreviveria ao seu destino. O ninho de uma estrela estava sendo um monturo.
Um dia, sem que a estrela tivesse mais por que esperar, passou uma libélula que, se esgueirando no esterco, tocou a pele da estrela, sujinha de estrume de vaca brava, sem toque, nem truque de excelsa condição. A vida ensina. A mina de estrelas tinha deixado cair uma das suas. As estrelas também caem. Morna, a estrela grudou no inseto transparente que lha sobrevinha, incauto. Atrelada àquela libélula, pôde chegar à cidade e, ao passarem por um poste de iluminação da via pública, saltou de banda das frágeis costas da inocente a salvá-la. Salvadores, muitas vezes, são ingênuos. Socorro também surge sem querer. Bem que alguém podia ser livre.
A estrela estava no alto de um poste de rua, tentando se equilibrar, sondando o terreno. Não estava mais num monte de estrume, sem eira nem beira que a fizesse ser alvo de cobras, nem de aves de rapina. Estava “por cima”. Não estava no céu, mas chegaria lá. Quem não duvida, pode bem alcançar.
A noite avançava. Fazia um tempo de chuva. O vento soprava. A luz daquele poste estava quebrada. Passou um vento mais forte, que empurrou a estrelinha para cima do velho bocal do novo poste. Assim, a luz voltou.
Moji Guaçu, SP, dezesseis de janeiro de 2013.
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O Autor

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Olivaldo Junior (Para Nós)

Tentei falar o que não posso. Tentei poder o que não falo. Tentei falar. Não consegui. Jamais adiantaria.

Para nós, nenhum pára-raios
daria um jeito no curto-circuito.
Somos fogo, mas se apaga
nossa história.
Sei que me apego,
mas não te pego.
Só me afogo, pois quem paga
toda a conta
sou eu.
Eu, que me meto a cantar,
que te canto adoidado,
mas não sei onde eu ando.
Ando sempre ao lado
de onde você não me nota,
de onde você faz de conta
que eu não sou amado.
Para nós, nenhum parabéns
faria efeito no longo descuido
que bem tivemos conosco.
Moji Guaçu, SP, dez de dezembro de 2012.
Fonte:
O Autor

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Olivaldo Junior/ SP (Trovas Sobre Drummond)

Dia 31 de outubro Carlos Drummond de Andrade completaria 110 anos de vida. Vida, para um poeta, é artigo de duplo sentido, posto que a vida é de todos, menos dele. O poeta usa a vida que flui, mas nem sempre a usufrui. Carlos, onde quer que esteja, torce por nós. 
Cento e dez anos Drummond
estaria completando
caso fosse de bom tom
não morrer de vez em quando…
Quando a vida vira tema,
vivo, sim, um grande impasse:
sete faces de um poema
desafiam minha face.
Uma pedra no caminho
fez Drummond poetizar;
um poeta faz seu ninho
no rochedo que encontrar.

De Itabira para o mundo,
o Poeta se anuncia:
todo mundo é mais profundo
quando vive em Poesia.

Quando “alguma poesia”
faz alguém melhor viver,
vive a vida, o dia a dia,
para a “pedra” desfazer.

Vide o “Caso do vestido”,
o seu nobre ensinamento:
a mulher, sem o marido,
se “vestiu” de sentimento.
Fonte:
O Autor

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Olivaldo Junior (Trovas sobre Desprezo)

Desprezado por você, 
fui prezar as madrugadas.
Cada rua que me vê
só me pega nas calçadas.
Ao findar-se a primavera,
entre as pedras, no capim,
tu desprezas quem eu era
quando eu era seu jardim. 
Violão, “viola à-toa”,
não despreze o seu amigo!
Tudo fica numa boa
quando fica a sós comigo.
Fonte:
O Autor

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Olivaldo Junior (Trovas Sobre o Mito de Narciso)

É que Narciso acha feio o que não é espelho”
Caetano Veloso, in Sampa, 1978
Contemplando o próprio rosto,
sem saber do que é preciso,

sou “Narciso” e tenho o gosto
que provém do meu sorriso.

Sou “Narciso” sem vaidade,

cuja luz não se precisa;

mas, na brisa da saudade,

meu reflexo se enraíza.


Narcisista de mão cheia,

só me inclino para mim;

nenhum anjo me clareia
quando caio no sem-fim.

Fonte: 
O Autor

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Olivaldo Junior (Maria, as Moedas e um Menino em Dúvida)

Escrevo, para o Dia de Nossa Senhora Aparecida e das Crianças, breve história que me ocorreu à noite.

A música Romaria foi a primeira que aprendi a cantar, quando eu tinha um ano de idade, mais ou menos.

Não tenho sentido vontade de aprender novas músicas, pois que as velhas ainda resistem ao tempo. Meu tempo é o de fechar as cortinas e arrumar os papéis (coisa que não faço faz tempo), arrumando, também, minha alma. Não sei. Os papéis, amarelos, deixaram rastros na alma, bagunçada demais, desde criança, Maria. 

MARIA, AS MOEDAS E UM MENINO EM DÚVIDA

Era igreja pequena, mas cheia de afrescos, sinais do talento de gente do povo, tão cheia de fé que nem sabe que a tem. A igreja, embora singela, trazia nela um bom nome, o de Nossa Senhora, Aparecida, em louvor. Louvor a quem? A Nosso Senhor. 

A cidade onde ficava essa igreja também era mini, mas super feliz com a ideia de que Nossa Rainha guardava os fiéis. Um deles era um pobre menino que não tinha quase nada a perder. Os pobres hão de ter mais de uma chance de aprender sobre o Céu e suas coisas divinas, porque têm muito pouco a perder. Perdido, perambulava e só.

Um dia, onze de outubro de um ano qualquer, quando a fome apertava cada fibra do estômago daquela criança, teve a súbita imagem da caixinha dourada que abrigava as moedas de Nossa Senhora, bem aos pés de Maria. Não pensou duas vezes. Roubar!

A igreja estava quase vazia. Os olhos de cada imagem, sucintos, caíam sobre as costas do pobre enquanto ele catava as mais de vinte moedas do claustro de ofertas. 

Na rua, com as moedas cantando nos bolsos, calava no peito uma dúvida atroz: onde iria comer? Gastaria, ou guardaria o dinheiro para quando tivesse mais fome que a fome sentida nos últimos dias? Não sabia. Os passos, mais rápidos que sempre os soubera, corriam nas beiras do asfalto, querendo chegar. Não tinha parada. Chorou.

Assim, ao cruzar outra esquina, deu de cara com a triste mulher, de longo vestido, com criança nos braços, parecendo chorar, pois não dava para ver os seus olhos pedintes com a cabeça materna junto ao pobre bebê. A mulher não pediu. Ele não pararia! Mas, nos bolsos, cantando sem letra, as moedas pediam como se rogassem a ele que as deixasse com ela, vã mendiga no olho da rua. Cego de fome, deu de ombros, mas não “fugiu”. Parou, dando as moedas à pobre, que, num gesto sem força, fez menção de sorrir. A vida é sem jeito!, pensou ele, faminto, chorando. Chorava, mas era bondoso.

Caindo o sol, à tardinha, numa praça sem nome, o menino deitou-se. Não sabia rezar, mas olhou para o céu. Cada estrela era um sopro de luz sobre um triste e apagado menino. A fome doía. O corpo penava. O menino morreu. A mesa, no Céu, à espera dos justos e de quem amou, não seria, àquela noite de festa, mais um sonho sem nexo. A mendiga (meu Deus!) tinha dado ao menino franca entrada pra o Céu, aparecendo ali.

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O Autor

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Olivaldo Junior (Um Menino, a Solidão e um Par de Asas com Frágeis Penas de Seda)

Este texto me foi enviado ontem, 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, mas me chegou tarde às mãos (mais precisamente, aos olhos). Quando Olivaldo se refere a Hoje, será na verdade ontem, e ao falar Amanhã, é hoje.

Hoje é Dia de São Francisco de Assis e, também, dos Animais. Animais são mais que figuras em volta de nós. Nossa vida é reanimada por eles. Amanhã é Dia das Aves. Aves são a chave da inspiração à liberdade. Não somos livres, mas levamos jornais, diria Drummond… Somos o Sonho, que Rodrigo Maranhão tão bem cantou. Cantar é minha forma de amar. E, se também toco, é porque não há quem o faça por mim. Minha solidão não tem se sentido acompanhada, como diria Chico Buarque à bela Iolanda. Ando, que as asas, suas penas, têm frágeis penas de seda e logo cedem.

UM MENINO, A SOLIDÃO E UM PAR DE ASAS COM FRÁGEIS PENAS DE SEDA

Era uma vez um menino que nasceu numa pequena cidade do interior. Altamente introspectivo, admirava os carros e pessoas que passavam na rua, sempre impossível para ele. O maior medo era o maior desejo, pois o Medo é o Desejo arruinado, sem jeito. Até que era bom, como, em potencial, são bons todos os homens. 

O menino tinha pai, mãe e um irmão mais novo, o qual queria muito que houvesse, pois sempre se sentia só. Coitado… O menino dessa história não sabia que a Solidão, sempre atenta, à espreita, em todos nós se ajeita com o passar do Tempo. O Tempo é grande amigo dela e sempre lha reserva um lugar legal no futuro. A Solidão, em alguns, nem precisa esperar tanto, pois, desde cedo, passa a ter todos. 

Passou-se o tempo, e os carros da rua ficaram mais rápidos, tanto quanto os passos, lépidos, de todos que conhecia. Meio tonto, tão tolo quanto um par de asas com frágeis penas que se tem como seus, o menino foi ficando triste. A Tristeza é uma prima do Tempo, que, em certos casos, também ama a Alegria. Não, o menino não era amigo de festas, de coisas da moda, mas de coisas do tempo em que as rodas rondavam as noites de inverno, ou verão, das casas de então. Fora do tempo, e cansado de tantas por que havia passado na vida, o menino, quase um rapaz, trancou-se no quarto e, de lá, não saiu por longo tempo. O Tempo vinha bater palmas à porta do quarto, mas nada. O menino, irredutível, reduziu-se a isto: um triste jovem com um par de asas com frágeis penas, que jamais serviam de chaves para outros ares de vida. A Morte, até mesmo a Morte, por diversas vezes, cantou seu cântico de mortandade para o triste amigo de nem um amigo. Amigos… eis o que sempre esperou aquele pobre coração vadio, vazio como um ponteiro de relógio marcando o tempo para o fim das roseiras.

O par de asas com frágeis penas de seda sempre esteve no quarto, bem ao lado do pobre. Mas os olhos nem sempre dão conta de enxergar o que existe. Existir era uma luta constante com flores e estrelas em volta da cama, no canto das portas, em cima das telhas, vermelhas, de casa onde mora um rapaz que esteve, desde cedo, atrasado.

Foi que um dia, de tanto chorar, teve secas suas lágrimas, vendo livre a sua estrada, porque há léguas que somente os pés que temos podem, ainda que não se tenha carro, ter no velocímetro em nós. As horas são mais que ponteiros.

Acordando para a vida, vendeu o Medo sem nada ter em troca e partiu. Esse pobre rapaz, tão pobre quanto quem tem o chão sem nada como seu, esse homem partiu para a vida, videira nem sempre em uvas, mas sempre em vívidas folhas. A folha em que o menino se via não era nem verde, era branca. O branco das folhas carregava o que ele mais tinha e mantinha no cerne de árvore nascida gente, gente com ares de pássaro, pássaro passando um tempo entre os presos. Presa fácil para sonhos, o homem conhecera o amor que não se pode, nem se deve tocar, mas, nem por isso, é menor. O Amor nunca é mínimo, sempre é o máximo. No entanto, cansado de nunca ser correspondido, o homem foi ficando escuro como um domingo sem sol, até que a Solidão pousasse outra vez em suas asas, tão frágeis, no quarto. O quarto de um homem é seu parto para o mundo lá fora. Fora isso, tinha sempre um por que não parar. Vai que, um dia, faz sol, e ele, lá fora, possa, enfim, se iluminar… Tinha um amigo, sim, alguém que lhe dera um raio de luz entre as horas de bruma. Mas também triste era essa estrita amizade com quem sequer, quase nunca, estava. O Tempo, suspeitoso, era sempre vão.

Queria, enfim, que o par de asas funcionasse e, Deus do Céu, ali ao lado houvesse alguém voando além. Mas nada, qual nada, nunca nada! O som da Solidão, impregnando os sons da vida em torno dele, impulsionava o coração a ser mais Ícaro e a ganhar o ar. O ar pode ser muito para um par de asas com frágeis penas de seda confundindo os ventos, se arrastando à toa para qualquer canto. Cantar era o bastante? Não sabia. Mas cantava e tocava um pouco, mesmo só, para que alguém, mesmo não lá, pudesse ouvi-lo, pudesse olhá-lo e, quem sabe, levantá-lo e devolvê-lo para ele ao fim.

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O Autor

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Olivaldo Junior (Três Poemas)

Dentro em pouco, ficarei um tempo assim, sem escrever. Sabe-se lá se voltarei, mas espero, sim, voltar. Escrever e cantar, para mim, são como formas de vida. Por mais que não gostem, ou repilam o que tenho a dizer, também escrevo para mim. Foi assim que forjei degraus para os meus pés, tão fortes, tão frágeis, como tudo na vida que temos, ou melhor, que nos tem.

O VELHO MENINO

Há um velho menino
nos porões de minhalma
que inda insiste
em ficar 
ao pé da vitrola,
esperando companhia.

Há um velho menino
nos portões de minhalma
que inda insiste
em tirar
o sol da cartola,
esperando quem sorria.

Há um velho menino
nos porões de minhalma
que inda insiste
em levar
nos pés uma bola,
celebrando companhia.

Há um velho menino
nos portões de minhalma
que inda insiste
em velar
o sol na gaiola,
esperando quem só ria.

Há um velho menino
nos verões de minhalma,
que inda existe
no quintal
que se desenrola,
espreitando o dia a dia.

Moji Guaçu, SP, 1° de outubro de 2012.

NÃO SOMOS AMIGOS

Não somos amigos,
mas é bom sentir sua mão
quando a gente
se esbarra nos espaços
do presente.

Não somos amigos,
mas é bom sentir seu abraço
quando a gente
se encontra no portão
do passado.

Não somos amigos,
mas é bom sentir-se irmão
quando a gente
se esquina nos mil passos
do futuro.

MÚSICA PARA UM MISTÉRIO

Quero música para um mistério,
embora não haja mistério nenhum
em ser quem sou,
em ver quem és.

Quero música para um mistério,
embora não caiba mistério algum
no crer em mim,
no meu convés.

O convés de um homem
é sua forma de inventar
um novo jeito de ser hoje
o que ele vai abandonar.

Quero música,
quero mímica,
quero método
para lágrimas,
verso tão ébrio
quanto a voz
no meu cérebro.

Quero música para um mistério,
que o maior mistério
é gostar demais
de quem faz miséria
deste seu rapaz.

Moji Guaçu, SP, 1° de outubro de 2012. 

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O Autor

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Olivaldo Junior (Para Um Pássaro à Beira da Estrada que me Leva ao Trabalho)

Sim, foi um pássaro.
Teve ninho, céus e pousada
nos galhos das árvores
que o mundo 
lhe dava.

Sim, foi um pássaro.
Teve bico, pena e pousada
nos braços das almas
que o mundo
levava.

Sim, foi um pássaro.
Teve cisco, seiva e pousada
nos sábados mártires
que o mundo 
nos dá.

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O Autor

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Olivaldo Junior (Trovas sobre Chuva)

O tempo responde pouco a quem pergunta muito.

Pouca chuva, ou temporal,
pouco importa, minha flor!
O que inunda meu quintal
são as “lágrimas” de amor.

Chuvarada, na cidade,
faz nascer de uma enxurrada
toda a vã eternidade
de um barquinho à molecada!

Já chorei por meu amor,
já gostei demais de alguém…
Hoje eu caio sobre a flor,
como a chuva cai também.

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O Autor

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Olivaldo Junior (A Flor, a Vaidade e os Vagalumes)

À noite, os poetas mortos me visitam, e eu fico mais vivo.
Olivaldo Junior

Era uma vez uma flor que se achava a mais bela de todas as flores do mundo. Não era uma rosa, sequer flor-de-lis, era uma flor sem estirpe. Mas se achava mesmo a melhor, sem páreo nenhum nos solos da vida. A vida, para flor tão vaidosa, era uma brisa constante, sem chance de enraizamento. A flor e a vaidade não fazem par. O par das flores deve ser a humildade, com sua parte obediente, sempre a servir-nos.

Foi que um dia passou um homem e colheu aquela flor tão sem jeito. Desesperada, pois sabia que morreria poucas horas depois, tentou agarrar-se ao caule enquanto algumas formiguinhas se esforçavam por desprendê-la depressa, cravando os “dentinhos” na haste. Uma alegre borboleta, bem vermelha, acenava para a flor, coitada, distante das outras, no meio daquela estrada onde passavam muitos viajantes.

Socada no embornal de um caipira, a pobre e vaidosa flor, talvez uma flor-do-campo, não sei, pôs-se a verter a seiva mais triste de que era dona. O homem, um lavrador a mais nessa Terra, pensava no quanto a esposa o beijaria quando dele recebesse o presentinho que havia colhido à margem da estrada. O mundo é mesmo mágico. Aquele homem, com a flor no embornal de estopa, sobre o cavalo de sela mais nobre do sítio, sentiu que alguma coisa se mexia no saquinho em que pusera a flor. Não queria parar, mas foi forçado pela situação. Fazia o sol das seis e pouco da tarde.

O lavrador, num gesto abrupto, mexia no embornal e logo sentira um leve choque na ponta dos dedos. Assustado, como quem faz “arte”, deixou cair o embornal e, de dentro dele, uma porção de vagalumes ganhara o ar, voara longe, para o céu. As outras flores da estrada, sem nada entenderem, alvoroçaram-se todas, e uma delas desprendeu tanto aroma que ficou conhecida como dama da noite, de tão cheirosa que esteve. O pobre homem, ainda espantado, montou num átimo e saiu logo a galope.

Ainda se veem, nas noites da mata, no meio do mato, a réstia de flores vaidosas que se chamam vagalumes. Você sabia dessa? O gesto vaidoso de uma simples florzinha fez nascer a quimera de luzinhas que voam, vagalumes, luz-esperança.

Moji Guaçu, SP, trinta de agosto de 2012.
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O Autor

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Olivaldo Junior (Em suma [Baião de Dois])

Um dia, o pulmão se expectora de tanta história não crida, de tanta falta de vida. E, ao ganhar o ar, se enche de nada e acha que pode seguir. 
Olivaldo

Em suma
(Baião de dois)

Não, nunca houve um amor,
nunca houve um amigo,
nunca um só beijo.

Não, nunca houve um barzinho,
nunca houve um couvert,
nunca uma dor.

Não, nunca houve uma estreia,
nunca houve uma estrada,
nunca uma força.

Não, nunca houve um gorjeio,
nunca houve uma horinha,
nunca um irmão.

Não, nunca houve o que junta,
nunca houve uma letra,
nunca uma morte.

Não, nunca houve uma noite,
nunca houve uma ode,
nunca uma porta.

Não, nunca houve uma queda,
nunca houve uma rixa,
nunca uma súplica.

Não, nunca houve o que testa,
nunca houve o que urge,
nunca um violão.

Não, nunca houve uma xícara,
nunca houve um zum-zum,
nunca uma música.

Em suma, nunca houve, pois,
baião de dois.

Moji Guaçu, SP, trinta de agosto de 2012.

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O Autor

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Olivaldo Junior (Destino atroz)

Ao meu amor

Eu tentei, ó Destino, não amar
quem não ama, nem é do coração
que só sabe em poemas malograr,
consagrando por mim a solidão.

Eu falhei, ó Destino, no gostar
de quem chamo e reclamo sem razão,
pois só sabe em mil penas me lograr,
conquistando de mim desilusão.

A quem amo, dou “pétalas” de mim,
dou a minha palavra, mesmo triste,
para o meu girassol, do meu jardim.

O jardim, sem quem amo, não resiste,
mas resisto, e persiste, até meu fim,
meu amor, ó Destino, a quem desiste.

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O autor

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Arquivado em Moji-Guaçu, Soneto.

Olivaldo Junior (Quando não se tem mais nada a dizer)

Seria tão bom se eu me calasse e nunca mais incomodasse a quem me odeia. No entanto, enquanto o canto rodeia, rompo a cadeia em que me pus, ou me puseram, não sei, há muito tempo na Terra. A terra tem um cheiro tão doce quando a chuva chega e se impõe sobre ela, molhando a dureza, o chão. Faz tempo que eu não molho a dureza do meu sertão. Faltam-me lágrimas, não? Sim, faltam-me gotas de orvalho íntimo, coração.

A beleza, quando não se tem nada a dizer, fala por mim. O difícil mesmo é ser belo, é ser mais que o cerebelo, atingindo, em cheio, o irmão alheio, à mercê do nada. Nada é mais triste do que não se ter nada a dizer. A partir do nada, nenhuma estrada, nenhum tijolo pode ser posto. Vide o desgosto. A carência tem cara de quem não tem nada a ser dito. Quanto vale um coração bonito? Coração não é só feito de sangue e músculo, cadência e força. Coração tem flama na alma de quem o tem. Tenho tanta pena no coração que vou virar um passarinho. Mas não choro, não… Faltam-me as lágrimas.

Quando não se tem mais nada a dizer, fala-se do tempo, de onde, quando, como e por que vai fazer sol, se é que vai fazer. Fazer falta é dizer ao próximo que você vale a pena. Pena que as palavras não dizem tudo. Tudo o que eu tinha a dizer me faz ficar quieto. Cala-te, boca… Boca não serve quando fala demais. Mas é vício de quem pode falar falar pelos cotovelos. Vê-los tão quietos me faz suspirar e pensar no quanto me esquecem. Prece não é só com palavras. Sai de mim a minha essência e percorre o espaço: é você? Se você sabe quem eu sou, por que não me diz nada? Sua ausência é vã.

Vamos andar um pouco, viver um pouco, que a vida é breve, leve como um pássaro no azul. Azul é minha sina, não vivo sem ele. Amigo, quanto azul, no verde dos olhos a quem sobra esperança. Cansa um pouquinho, para um bocado, mas vai. Quando não se tem aonde chegar, chega-se assim mesmo. Queria tanto chorar, quem sabe, passava. Mas passo e lhe peço que se lembre de mim. Enfim, há milágrimas no paraíso.

Moji Guaçu, SP, dez de julho de 2012.

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O Autor

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Olivaldo Junior (Último Adeus)

Eu, que não custo a voltar atrás, volto atrás e digo agora meu último adeus. Mas antes, não minto, queria ter seus olhos frente a mim, suas horas ora sim, não adeus. Adeus não combina quando há Deus. Deus, que me pega e me bota no colo quando choro (e faz tempo que não verto nem muitas nem poucas lágrimas por nada). Nem nada que eu lhe digo, nem tudo que lhe conto o fazem vir. Escrevo, e me escavo ao saber.

Saber que me ignora é como ver que não fui visto, não de perto. Perto de mim, longe de mim, não há problema: surge sempre um verso, e nasce mais um tema. A vida é feita de versos, não de universos. Sonho com sua vinda, mas é longe, é tarde, é noite. Entre as músicas, nem sinal de “ocê”, um dia, regressar. Rua acima, rua abaixo, prendo-me a velhos sonhos, sonho alto e me esborracho; esmagando a “flor”, não sinto dor.

Dói-me quando escrevo essas mensagens. Ajo sem saber que me delato. Lato e nunca escuta meu ganido. Outra vez sucumbo à dor. Estrelas dormem. Eu não durmo: apenas sonho. Sonho com sua volta, com sua voz, com seu silêncio. Escreve. Adeus.

Fonte:
O Autor

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Olivaldo Junior (Adeus)



A um velho amigo 

Palavra que eu não queria mais nunca escrever é a palavra adeus. Muitas vezes, sinto que me dizem essas letras de outra forma, sem que eu sinta que estão sendo ditas. Adeus tem cinco letras, mas saudade tem sete. A saudade sempre ganha do adeus. Pode voar bem longe, posso voar bem mais. Mas saudade sempre ganhará dos adeuses. Nas asas de cinco estrofes, no canto de versos limpos, adeus tem um jeito de passarinho que sabe voltar. Quando quer.

Todo adeus começa assim:
com seu “a” de adoração,
diz ao mundo que o seu fim
não termina em solidão.

Com seu “d”, o adeus delata
que os dizeres da poesia
são promessa ao que nos ata
pelos prós que contraria.

Com seu “e”, que estrago faz!
Entre os erros que espalharam,
murcha um pouco e se desfaz,
dando adeus aos que estacaram.

Um adeus tem sempre um “u”.
Essa letra é quase um lenço,
quase um velho e triste “blue”,
doce azul, que não dispenso.

Sobre o adeus, a letra “s”
tem segredos que não diz:
cada verso é minha prece
contra o tempo mais feliz.

Fonte:
O Autor

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Olivaldo Junior (Saudades)

Tenho saudade. Saudade das estrelas que eu contava no seu rosto, das estradas que eu contava no seu passo, dos passeios que eu fazia nos meus sonhos. Sonhar é bom até que chegue a solidão, que também se chama amor. Amor é uma bela poesia que não foi escrita. Poema é amor consumido, sumido em si mesmo. O amor que eu tinha me estafa. Um dia o amor me mata e eu viro flor: saudade sua. 
Olivaldo 
Trovas 
Saudade
A saudade é um velho jeito
de entender meu coração:
quando bate em tom perfeito
não tem som: tem solidão.
A saudade é um chinelinho
que se arrasta na memória,
despertando o meu vizinho
para ouvir a minha história.
A saudade é um pé de cravo
num jardim que já morreu:
jardineiro é mesmo escravo
das “roseiras” que perdeu.
Fonte:
O Autor

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Cícero Alvernaz /SP (Noite Pequena)


Esta noite tão pequena
Para mim se fez mui grande:
Fugiu de mim o meu sono,
Fiquei só, no abandono.

Fiquei roendo ideias,
O amor foi remoendo,
Lá fora o galo cantava
E a lua no céu brilhava.

Eu virava para o canto
Tentando assim dormir.
Eu pensava em um verso,
Que fosse lindo, diverso…

Esta noite tão pequena
Para mim se fez mui grande:
Eu não dormi quase nada
Até alta madrugada.

Eu pensei em tanta coisa
Até cantei e dancei.
Me vi sozinho no escuro
Pulando um alto muro…

Quando a noite enfim passou
E o sol no céu despontava,
Fui achado pelo sono
Perdido, triste e sem dono.

Então dormi como um anjo.
Será que os anjos dormem?
Depois, porém, levantei
E estes versos rabisquei.

Fonte:
http://caeseubt.blogspot.com.br/

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