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Sylvia Orthof (Bruzundunga da Silva)

Cada livro tem uma história… mas este livro que você está começando a ler é um livro diferente. A começar pelo nome: Bruzundunga da Silva.

Você quer saber quem é Bruzundunga da Silva? Eu vou contar, só pra você, a vida dele. Bruzundunga nasceu numa casa em Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Nasceu numa tarde de muito calor, no dia 6 de fevereiro de 1985. A mãe do livro, a escritora que o escreveu, ficou logo aflita quando Bruzundunga chegou neste mundo. Porque Bruzundunga chegou, olhou em volta… e ficou encharcado.

– Eu não sabia que livro chorava, eu não sabia! – disse a escritora, buscando um lenço para enxugar os olhos do seu filho-livro. – Por que você está chorando, hein? – perguntou pra ele.

– É que eu sou um livro, já nasci sabendo o que me espera.

Nasci, olhei aí para os meus irmãos-livros da sua estante, mamãe… buá, buá… eles estão com um ar tão sofrido! A mãe do livro entendeu o filho, botou no colo, ninou.

Bruzundunga foi crescendo: completou a primeira página.

Para comemorar um aniversário tão importante, a Dona Mãe de Bruzundunga fez uma festa, com bolo de letras, teatro de fantoches, bolas de soprar. O tio, Dicionário de Inglês, veio muito importante e cantou o “Parabéns”, dizendo “Happy Birthday to You”.

Mas, de repente… Bruzundunga pulou no colo da tia Enciclopédia e recomeçou a chorar:

– Buá, Buá!

– O que foi, filho meu? Mas o que será que aconteceu? perguntou a Dona Mamãe de Bruzundunga.

– Não sei, mãe… é uma aflição… tenho medo… medo… medo…

– Medo de fantasmas? – perguntou um livro de Hisórias de Botar Cabelo Em Pé, dando um susto em Bruzundunga, pois veio voando, vestido de lençol.

– Ui, ui… que susto, buá, buá! – berrou o livro.

Mamãe Dona Mãe de Bruzundunga não entendia o motivo da aflição de seu filho. Mas mesmo assim o compreendia, porque tentava entender, mas não entendia, entende? Não? Nem eu. Só sei que era assim.

O livro Bruzundunga cresceu, completou as páginas necessárias para ir ao encontro da luta pela vida. Cresceu meio magrela, sempre dando umas choradinhas. A Dona Mãe de Bruzundunga, ao contrário, nervosa com o nervosismo do filho, desatou a comer farofa com caldo de feijão. Era só o livro-filho demonstrar um nervosinho, Dona Mãe de Bruzundunga corria pra cozinha e desatava a comer, pra ficar calma. O livro ficou magrela, a Dona Mãe, ao contrário, já estava da grossura do NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO, por parte de pai, e de …E O VENTO LEVOU, por parte de mãe.

São livros gordíssimos, talvez porque tenham tido problemas e tenham começado a devorar feijão com farofa, sei lá!

Bruzundunga da Silva, enfim, nervosérrimo, foi para a luta pela vida, fora do escritório da mamãe. Ainda não estava bem com jeito de livro, tinha palavras risxxx, quero dizer, riscaxxxx, ora, tinha riscos e xxxxx, remendos…

enfim, era ainda um papel, ou melhor, várias folhas de papel, com cópias de papel carbono, devidamente numeradas e grampeadas.

Bruzundunga foi posto num envelope. A Dona Mãe de Bruzundunga escreveu o nome da editora no tal envelope e enviou as cópias das páginas escritas, aquelas que tinham sido copiadas com carbono.

A editora ficava em São Paulo. Bruzundunga iria pelo correio, lá do Largo do Machado, que é um correio que fica numa praça que tem de tudo: tem trinta e nove mil pombos, uma igreja, um buraco de metrô, bancos com namorados, desquitados, divorciados e amigos em geral. Tem também crianças, barulho de buzinas… e o tal correio.

Bruzundunga tremia dentro do envelope, chorando baixo. Chorou tanto, que o envelope derreteu, furando, e Bruzundunga fugiu. Logo que Bruzundunga escapuliu, a Dona Mãe de Bruzundunga, muito distraída, foi colocar o envelope no correio, mas jogou-o dentro do buraco do metrô, lá do Largo do Machado. Em vez de selo, Dona Mãe de Bruzundunga havia comprado uma passagem de metrô, que colara, com cuspe, no envelope.

Depois, Dona Mãe de Bruzundunga atravessou a praça, o tal Largo do Machado, para comer feijão com farofa num restaurante da esquina, por nervosismo.

Mãe quando se separa de filho fica assim, geralmente. Tem algumas que ficam aliviadas, dependendo do momento…porque nenhuma pessoa é igual a outra.

Bruzundunga da Silva, livre do seu envelope, que foi enviado de metrô pra não sei onde, ficou assim, fungando, no meio dos pombos do Largo do Machado.

Bruzundunga era branco. Veio um vento, abriu suas páginas… e de repente ele voou junto com os pombos.

Olhando de longe, cá de baixo, ninguém saberia dizer quem era pombo e quem era Bruzundunga. Bruzundunga ficou assustado, vendo a igreja lá embaixo… mas bateu suas asas de papel, voou e gostou.

Foi aí que Bruzundunga conheceu Bernardina, uma pomba roliça, bonitona. Dizem até que Bernardina e Bruzundunga tiveram um caso de amor, um caso rápido, porém lindo: coisa de muita asa e vôo.

A noite chegou. Todos os pombos foram comer milho.

No Largo do Machado tem uma velha, chamada Dona Pipoca, que todas as tardes leva milho para os pombos.

Bruzundunga, achando que era pombo, viu os pombos comerem milho e… nhoc! avançou, também. Mas não conseguiu engolir. Ficou tossindo, tossindo… até que Bernardina deu um tapa nas costas dele. O tapa foitão forte que Bruzundunga subiu, subiu, depois desceu, desceu… e foi planando, planando, até cair dentro de uma coisa escura e quente.

– Ui, ui… buá… buá… – choramingou Bruzundunga.

– Mas é o meu filho! – gritou a mãe, a Dona Mãe de Bruzundunga, pescando o lambuzado filhote de dentro do prato de caldo de feijão. Ela não saíra ainda do restaurante.

– Mãe! – exclamou o filho.

– Filho! – exclamou a mãe.

– Mãezinha queridinha! – reexclamou o filho.

– Filhotinhozinho queridozinho! – reexclamou a mãe.

Os dois, abraçadíssimos, voltaram para casa. As cigarras continuavam a cantar, porque ainda era verão.

Finalmente, depois de muito conversarem, depois de muito choro, feijão e farofa, os dois resolveram que tinham que crescer.

A mãe despediu-se do filho, levou-o para a caixa do correio mesmo.

O envelope tinha uma fralda dentro, que era para o caso de Bruzundunga chorar e evitar que o envelope ficasse molhado e tudo acontecesse de novo.

O editor leu o livro, ou melhor, o editor leu as páginas, fez um contrato com a escritora. Teve um momento em que a escritora pediu mais um dinheirinho, meio envergonhada… mas, afinal, escrever livros era a profissão dela, não é? E tudo ficou combinado.

Bruzundunga ficou conhecendo o ilustrador, que desenhou a história da sua vida. Depois, foi para a gráfica… e saiu assim, livro mesmo.

Aliás, ele virou milhares de exemplares iguais.

Quando ele está numa livraria, todo bonito, exposto para ser vendido, e alguém chega, olha pra ele, gosta e compra… aí, Bruzundunga fica feliz, feliz… e parece até que engorda, pois fica inchado.

Mas tem certas gentes que olham para um exemplar de Bruzundunga, torcem o nariz e dizem:

– Gastar dinheiro com livro? Para quê? Criança lê, depois não liga… É dinheiro jogado fora!

Quando isso acontece, Bruzundunga chora, se desmancha todo: molha a estante, desbota, encharca a livraria.

Vira um problema, dizendo:

– É por causa disso que eu já chorava, quando ainda era um bebê-papel-texto-e-pauta… buá… buá… Os meus irmãos livros, logo que eu nasci, me contaram das dificuldades pelas quais passa um livro… buá… livro sofre!

Quando Bruzundunga completou a segunda edição, aí ele já ficou menos chorão. Olhava bem pra cara das pessoas que não gastavam com livros, mas gastavam com sorvetes e sanduíches.

E quando uma daquelas gentes dizia:

– Comprar livro é besteira… A gente compra um livro para uma criança, depois a criança lê e joga pro lado…

Bruzundunga olhava bem pra cara dessas gentes, botava a língua de fora, fazia uma careta amassada e respondia, malcriado:

– É? É, não é? Quer dizer que livro é besteira, porque a pessoa lê e depois joga para um lado? E sorvete? A pessoa come… e depois? Depois… o que é que acontece com o sorvete e o sanduíche, hein? Depois de comido, digerido… vira o quê, hein? E quer saber de uma coisa? Você não merece livro, tá? Quem quiser gostar de mim, vai gostar de mim… e pode até, de vez em quando, me querer de novo, reler minha história. Falei e disse!

Bruzundunga não queria contar uma história assim, que diz que livro é importante, coisas de moral de história. Ele nem foi escrito para isso… mas é que, sem querer, livro também sente, né? E Bruzundunga resolveu falar bem dele mesmo, porque Bruzundunga resolveu, ora!

Mas neste instante Bruzundunga está inchando de felicidade!

Porque você é legal: gosta de sorvete, sanduíche… e livro… porque, se não gostasse, não ia querer saber de Bruzundunga até aqui, não é mesmo?

E a Dona Mãe de Bruzundunga?

Ela está com medo das críticas sobre Bruzundunga… está nervosa… e come feijão com farofa… e mais feijão com farofa… mas, nos intervalos, lê e escreve, ora! É isso aí.

E Bernardina, a pomba?

Ela não gosta de ler: come pipoca… e descome, come e descome… mas não liga pra livrarias. Sabe por quê?

Bernardina é míope, não usa óculos porque é vaidosa. E, sem óculos, ela só gosta de livro quando pensa que livro é pombo, como aconteceu com Bruzundunga.

Tem pomba que é assim, pombas!

FONTE:
A Garupa, e outros contos /Sylvia Orthof…[et al.]. São Paulo: Martins Fontes, 2002 – (Coleção literatura em minha casa ; v.2)

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João Cirino Gomes (Floresta Encantada)

Os moradores da floresta encantada viviam em festa e fantasia.

Cascudinho e Douradinho eram dois peixinhos, e moravam em um riacho que cortava a floresta.

Naquela tarde ensolarada os dois amiguinhos brincavam de pular.

Douradinho se dizia campeão de salto em altura. Como Cascudinho não queria ficar atrás, começou a disputa.

A cada pulo olhavam pra fora da água, apostando quem enxergava mais longe.

Na volta diziam o que tinham visto.

Depois de vários saltos, Douradinho voltou com a novidade.

– Esta chegando alguém.

– Quem será? – Perguntou Cascudinho que era curioso.

– Não sei, mas vamos ver – respondeu Douradinho.

Em seguida, viram a dona Anta, e suas duas filhas, Antônia e Antonieta que se aproximavam… Depois de saciarem a sede, elas se sentaram na relva e se puseram a conversar.

Em dado momento, Antônia pediu: – Mamãe; conta àquela estória do menino que era desobediente?

-É mesmo mamãe! – Concordou sua irmã Antonieta toda empolgada.

Depois de algumas insistências, dona Anta começou: – Era uma vez um garoto branquinho, que morava com sua mãe na floresta. A mulher era muito bondosa, mas seu filho se tornou um peralta. João de Barro é quem o diga. O garoto vivia o perseguindo.

Dona Sabiá também não tinha sossego, e já estava magra de tanto fugir das pedradas do menino. Com sua perversidade o malvado tirava a paz de todos os moradores da floresta. Muitas vezes o garoto tentou derrubar a casinha, que João de barro construíra com sacrifício.

Sua maior magoa, era ver João de barro e Joaninha cantarem felizes da vida, sobre os galhos da paineira.

Certa tarde, depois de muito matutar, o menino resolveu que acabaria com aquela alegria. Escondido da mãe pegou um tição no fogão, e foi para a floresta.

Todo empolgado juntou um monte de folhas, e acendeu uma fogueira junto ao tronco da paineira, onde morava João de barro.

– Eles vão ver comigo – dizia o perverso, esfregando a mão de contentamento.

Deitou-se na relva, e ficou olhando para o alto, esperando o resultado da sua perversidade. Mas pegou no sono, e as chamas começaram a se alastrar.

João de barro e Juaninha percebendo o perigo; cantavam tentando desperta-lo, mas nada do menino acordar.

Quando as chamas lamberam seu calcanhar, ele se levantou e pensou em fugir, porem já era tarde… Desesperado tentou subir na arvore para se livrar das labaredas. Quando se agarrou em um galho foi ao chão e quebrou a perna. Então aumentou seu desespero; não conseguia se levantar, e começou a gritar.

Tanto gritou que sua mãe veio ao seu socorro.

Depois de enfrentar as chamas, a bondosa senhora o pegou no colo, e o levou para a casa.

Mas o malvado tinha se queimado, e estava pretinho como um carvão.

Desde então, ganhou o apelido de Saci Perere.

***

– Mamãe agora conta àquela estória do bicho papão? – Pediu Antonieta.

– Vamos para casa, pois já esta ficando tarde. Amanhã eu conto – concluiu dona anta, e saiu, sendo seguida por suas filhas.

Os dois amiguinhos também se despediram.

E quando iam se afastando, apareceu “Odoro”, tio de Douradinho, que chegava para fazer uma visita a sua irmã Dorotéia.

– Ao avistar o sobrinho, Odoro perguntou: – Que você esta fazendo até estas horas longe de casa menino?

– Tio eu e meu amigo Cascudinho estávamos ouvindo a dona Anta contar a estória de um menino muito levado, que se chama Saci Perere. Ele era malvado, e não obedecia a sua mãe, e talvez por isso tenha recebido um castigo.

– Quando eu era jovem, ouvi falar deste menino – disse Odoro.

– O que você ouviu titio?

– Vamos pra casa, chegando lá eu conto.

Então Douradinho abanou a cauda mais rapidamente, e devido a sua grande curiosidade pediu: – O tio vai contando pelo caminho! – Fique calmo guri, eu vou contar, agora ande vamos!

Nem bem entraram por entre as pedras, onde morava Dourotéia, e o garoto já estava ao lado do tio, pedindo ansioso: – Agora conta!

Diante da insistência, Odoro começou a narrativa.

– Certa tarde eu nadava na maior tranqüilidade, quando notei dois pescadores se aproximando em uma canoa.

Ao invés de prestarem atenção no que estavam fazendo, eles remavam distraidamente, conversando animadamente.
Eu aproveitei estas distrações, e tirei a isca do anzol deles por varias vezes. Mas não querendo abusar da sorte, e já de barriga cheia, fiquei ouvindo suas conversas.

O mais velho disse:

– Este riacho me parece encantado, em todo lugar que vou pescar, nunca perco uma fisgada, quando puxo sai uma lasca de um peixão, e aqui já puxei varias vezes; perdi varias iscas e não peguei nada.

– Como assim encantado? – Perguntou o pescador mais novo, ao contador de prosa, que usava um chapelão de palha.

– Rapaz, eu tenho um compadre chamado Bentinho, que cuida de uma roça pra estas bandas, – disse o velho.

Certa vez ele me contou, que quando voltava do trabalho, resolveu pegar umas espigas de milho. Chegando a casa debulhou o milho e colocou numa panela. Em seguida encheu o cachimbo com um fumo que ele mesmo cultivava, e começou a meditar:

– Depois de comer um punhado de pipoca, dou uma tragada no meu cachimbo e vou descansar.

Com estes pensamentos, deitou-se na rede e ficou balançando, esperando a pipoca estralar.

E como estava cansado, meu compadre adormeceu.

Quando acordou, foi até o fogão, e notou que não havia nenhum grão de pipoca na panela. Então ele ficou cismado.

Pegou seu cachimbo, e nele também não tinha fumo.

– Eu não lembro de ter fumado, – pensou ele.

Olhou para um canto, olhou para o outro, coçou a cabeça, e perguntou a si mesmo, – será que estou caducando? Não pode ser; também não comi pipoca, e tenho certeza que eu trouxe milho. A maior prova disso são as palhas que estão aqui!

Naquela noite meu compadre ficou matutando até tarde.

No dia seguinte foi para a roça, e trabalhou o dia todo pensativo.

À tarde quando saiu do trabalho, olhou para o milharal, e pegou outras espigas.

Chegando a sua casa debulhou o milho e colocou na panela. Pegou seu cachimbo encheu de fumo, e o deixou sobre o fogão.

Deitou-se na rede, e ficou ali com um olho fechado e o outro aberto, fingindo que cochilava.

Logo escutou um assobio. Em poucos instantes um menino pretinho chegou pulando numa perna só. Entrou porta adentro e foi direto ao fogão. Encheu a mão de pipoca, e levou a boca. Lambeu os beiços, e despejou o restante da pipoca dentro da toca.

Depois pegou uma brasa colocou no cachimbo, deu uma baforada e saiu.

Já no terreiro, deu uma gargalhada e sumiu.

– Então é isso seu safado? – pensou meu compadre.

Eu estouro pipoca; você vem e come, fuma meu cachimbo, e ainda sai dando risada?

– Há, mas eu vou te dar uma lição; vou sim, pode esperar seu danado!-Disse meu compadre; que estava bravo feito uma onça.

No dia seguinte, fez à mesma coisa, escolheu três rechonchudas espigas de milho, com belas cabeleiras ruivas, e foi para casa.

Lá chegando, debulhou o milho e colocou na panela.

Só que ao invés de por fumo no cachimbo, colocou pólvora. Deitou – se na rede, e ficou fingindo que cochilava…

Não demorou muito ouviu o assobio, logo o pretinho entrou sorridente pulando numa perna só. Foi para o fogão, experimentou um punhado de pipoca e despejou novamente o restante dentro da toca. Pegou o cachimbo, e quando o ascendeu e deu uma tragada, a pólvora se incendiou e, bumm!

Com a explosão, e a fumaceira, o Saci tomou um susto e caiu de costas.

Meu compadre deu um grito, e só viu o vulto que se engatinhou por baixo da rede e fugiu.

Bentinho foi até a porta e gritou: – Viu seu safado, quem ri por ultimo ri melhor! Em seguida deu uma gargalhada e retornou para dentro da casa ainda enfumaçada.

Quando já se deitava na rede, notou que na sua pressa, o Saci tinha esquecido a toca cheia de pipoca.

O dia seguinte amanheceu fazendo muito frio, e Bentinho resolveu dormir até mais tarde.

Assim que o sol começou a surgir, escutou um choro.

Saiu para o quintal, e viu o saci chorando.

– Porque chora seu peralta? – Perguntou Bentinho.

-É que eu estou com muito frio. Por favor, seu moço me devolva minha toca. Sem ela eu não tenho magia.

– Então você esta querendo a toca de volta, para continuar aprontando das suas em?

– Não seu moço, eu prometo não fazer mais artes.

– Se for assim eu devolvo.

Depois de colocar a toca na cabeça, o Saci agradeceu e se foi. Daí em diante ninguém mais ouviu falar nele!

***

– Tio, amanhã a dona Anta vai contar uma estória do bicho papão, será que ele existe mesmo?

– Já faz muito tempo que não ouço falar nele! – Respondeu Odoro.

– Há muito tempo atrás, o rei Leão autorizou o Bicho Papão comer todas as crianças desobedientes.

Com medo do Bicho Papão, as crianças se tornaram boas, e não desobedeciam mais seus pais.

Desta forma aconteceu que o Bicho Papão ficou sem alimentação, pois o rei tinha autorizado ele comer somente as crianças teimosas.

Com fome; Bicho Papão que era cheio de astúcia, resolveu fazer uma festa. Sua intenção era convidar todos os animais, e come-los um a um.

O Bicho Preguiça ficou incumbido de entregar os convites.

Quando chegou o dia da festa, nenhum convite ainda tinha sido entregue.

E o bicho papão desiludido, virou uma fera.

Chamou o Bicho Preguiça de lerdo, de irresponsável… E o Bicho Preguiça chateado com as ofensas respondeu:

– Se você ficar me criticando, e me apressando; eu não vou entregar droga de convite nenhum.

Então o Bicho Papão se afastou resmungando, mas não desistiu.

No dia seguinte, resolveu organizar uma nova festa.

Desta vez, o macaco que era mais ágil, é quem iria entregar os convites.

Só tinha um inconveniente, precisavam de um barco, pois a festança seria em uma ilha.

E os animais da floresta, sem desconfiar das intenções do Bicho Papão, começaram a trabalhar na construção do barco.
No dia da festa, o Pavão apareceu todo empolgado com sua plumagem colorida.

O Coelho e dona Coelha, davam saltos de alegria.

Todos entraram no barco e seguiram em direção a ilha.

A festa estava animada…. A bicharada dançava, pulava e batia palmas.

O macaco batucava, a cigarra chiava, a coruja cantava e tocava sanfona, e o bode corria entre os convidados, fazendo a maior farra.

E o Bicho Papão em um canto, Matutava:

– Vou embebedar a todos… Assim será mais fácil come-los!

O Gambá foi o primeiro a ficar bêbado, e queria brigar com o Tatu.

Então Bicho Papão apartou a briga e disse:

– Eu levarei o compadre ao riu para se refrescar. Abraçou-se ao Gambá e se afastaram. – Este é o primeiro que vou comer, – pensou ele.

Assim que chegaram ao rio, viu que tanto ele quanto o Gambá estavam fedendo.

Por mais que o esfregasse aquele mau cheiro persistia. Varias vezes tentou engolir o gambá, chegou até a tapar o nariz, mas quando se aproximava com a boca aberta, sentia o fedor, fazia ânsia e se afastava.

Depois de muito tempo dentro da água gelada, o bicho papão começou a espirrar. – Atichim… Atichim… Revoltado, e com fome, abandonou o bêbado em um canto, e decidiu voltar para o baile.

Antes, porem, resolveu soltar o barco na correnteza.

Enquanto desamarrava o barco dizia: – Agora ninguém mais sai daqui. E quando eu sarar desta gripe, vou comer todos, um após o outro.

Mas o Pavão que estava de ressaca, foi beber água no rio. Ao ouvir o que o bicho papão dizia, voltou voando para a festa, e lá chegando contou para bicharada o que tinha visto e ouvido.

De madrugada a coruja começou a cantar um estranho refrão:

– Coitado de quem não sabe?

E a bicharada respondia: – Ainda bem que estou sabendo!

E o refrão continuava. – Coitado de quem não sabe…! – Ainda bem que estou sabendo…

– Atichim… Que musica é esta? – Perguntou o Bicho Papão.

– Então o compadre não sabe? – Vem vindo um temporal ai, e o vento vai levar tudo pelos ares – respondeu o macaco.

– Não diga! E como eu farei compadre? Eu não quero ser levado pelo vento! – Disse o Bicho Papão temeroso.

– Nós vamos nos amarrar nas arvores! – Informou o macaco.

– E o compadre pode me amarrar?- Perguntou o Bicho Papão.

-Sim! Só que você será o ultimo! – Falou o macaco, que era muito maroto.

– Eu sendo o dono da festa, tenho o direito de ser amarrado primeiro! – Questionou o Bicho Papão.

– Então vamos consultar os convidados, – disse o macaco. – Se todos estiverem de acordo, faremos a sua vontade!
Só tem um inconveniente, precisamos de um cipó bem forte.

-Pode deixar que eu pego o cipó! – Falou o bicho papão.

Entrou na floresta, e logo retornou com uma braçada de cipó.

Então os animais amarraram o Bicho Papão em um tronco, e lhe deram uma surra com vara de marmelo.

Depois jogaram o tronco na correnteza.

E o Bicho Papão se foi rio abaixo.

Se ainda existe não sei. Mas que existiu, existiu! Isso eu falo e afirmo! – Disse Odoro.

Fontes:
Colaboração do autor. http://www.autores.com.br/
Saci Pererê = http://centoeuma.com.br/
Bicho-Papão = http://www.jangadabrasil.com.br/

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Cristiane Madanêlo de Oliveira (Irmãos Grimm entre 1785 e 1863)

Jacok e Wilhelm Grimm

Inseridos num contexto histórico alemão de resistência às conquistas napoleônicas; os Irmãos Grimm recolhem, diretamente da memória popular, as antigas narrativas, lendas ou sagas germânicas, conservadas por tradição oral. Buscando encontrar as origens da realidade histórica germânica, os pesquisadores encontram a fantasia, o fantástico, o mítico em temas comuns da época medieval. Então uma grande Literatura Infantil surge para encantar crianças de todo o mundo.

Tinham dois objetivos básicos com a pesquisa:
– levantamento de elementos lingüísticos para fundamentação dos estudos filológicos da língua alemã;
– fixação dos textos do folclore literário germânico, expressão autêntica do espírito da raça.

O primeiro manuscrito da compilação de histórias data de 1810 e apresentava 51 narrativas. Em sua primeira edição, a compilação foi entitulada “Histórias das crianças e do lar” e já contava com mais algumas histórias. A qüinquagésima edição, última com os autores vivos, já totalizava 181 narrativas. Algumas dessas estórias são de fundo europeu comum, tendo sido também recolhidas por Perrault, no séc. XVII, na França (o que remete à existência de uma fonte comum).

Na tradição oral, as histórias compiladas não eram destinadas ao público infantil e sim aos adultos. Foram os Irmãos Grimm que dedicaram-nas às crianças por sua temática mágica e maravilhosa. Fundiram, assim, esses dois universos: o popular e o infantil. O título escolhido para a coletânea “Histórias das crianças e do lar” já evidencia uma proposta educativa. Alguns temas considerados mais cruéis ou imorais foram descartados do manuscrito de 1810.

O Romantismo trouxe ao mundo um sentido mais humanitário. Assim, a violência (presente nos Contos de Perrault) cede lugar a um humanismo, onde se destaca o sentido do maravilhoso da vida. Perpassam pelas histórias, de forma suave, duas temáticas em especial: a solidariedade e o amor ao próximo. A despeito dos aspectos negativos que continuam presentes nessas estórias, o que predomina, sempre, é a esperança e a confiança na vida.

Ex: Confrontando os finais da estória do “Chapeuzinho Vermelho”; em Perrault (que termina com o lobo devorando a menina e a avó) e em Grimm (onde o caçador chega, abre a barriga do lobo, deixando que as duas vivam vivas e felizes; enquanto o lobo morria com a barriga cheia de pedras que o caçador ali colocou…).

Vários críticos afirmam serem as histórias dos Grimm incentivadoras do conformismo e da submissão. Ainda assim, a permanência dessas narrativas, oriundas da tradição oral, justificam o destaque conferido a estes autores alemães.

Nos Contos de Grimm não há, propriamente, contos-de-fadas, distribuem-se em:
– contos-de-encantamento (estórias que apresentam metamorfoses, ou transformações, por encantamento, a maioria);
– contos maravilhosos (estórias que apresentam o elemento mágico, sobrenatural, integrado naturalmente nas situações apresentadas);
– fábulas (estórias vividas por animais, algumas);
– lendas (estórias ligadas ao princípio dos tempos, ou da comunidade, e onde o mágico aparece como “milagre” ligado a uma divindade);
– contos de enigma ou mistério (estórias que têm como eixo um enigma a ser desvendado);
– contos jocosos (humorísticos ou divertidos).

A característica básica de tais narrativas (qualquer que seja sua espécie literária) é a de apresentar uma problemática simples: um só núcleo dramático.

A repetição, ou reiteração, juntamente com a simplicidade de problemática e da estrutura narrativa, é outro elemento constitutivo básico dos contos populares. Da mesma forma que a elementaridade, ou simplicidade da mente popular, ou da infantil, repudia as estruturas narrativas complexas (devido à dificuldade de compreensão imediata que elas apresentam), também se desinteressam da matéria literária que apresente excessiva variedade, ou novidades que alterem continuamente as estruturas básicas já conhecidas.

Essa reiteração dos mesmos esquemas, na literatura popular-infantil, vai, pois, ao encontro da exigência interior de seus leitores: apreciarem a repetição das “situações conhecidas”, porque isso permite o prazer de conhecer, por antecipação, tudo o que vai acontecer na estória. E mais, dominando, a priori, a marcha dos acontecimentos, o leitor sente-se seguro interiormente. é como se pudesse dominar a vida que flui e lhe escapa …

Fonte:
Cristiane Madanêlo de Oliveira. “Irmãos Grimm: Jacob e Wilhelm (entre 1785 e 1863)”
Disponível http://www.graudez.com.br/litinf/autores/grimm/grimm.htm

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Irmãos Grimm (Os Sete Corvos)

Era uma vez um homem que tinha sete filhos, todos meninos, e vivia suspirando por uma menina. Afinal, um dia, a mulher anunciou-lhe que estava mais uma vez esperando criança.

No tempo certo, quando ela deu à luz, veio uma menina. Foi imensa a alegria deles. Mas, ao mesmo tempo, ficaram muito preocupados, pois a recém-nascida era pequena e fraquinha, e precisava ser batizada com urgência. Então, o pai mandou um dos filhos ir bem depressa até a fonte e trazer água para o batismo.

O menino foi correndo e, atrás dele, seus seis irmãos. Chegando lá, cada um queria encher o cântaro primeiro; na disputa, o cântaro caiu na água e desapareceu. Os meninos ficaram sem saber o que fazer. Em casa, como eles estavam demorando muito, o pai disse, impaciente:

– Na certa, ficaram brincando e se esqueceram da vida!

E, cada vez mais angustiado, exclamou com raiva:

– Queria que todos eles se transformassem em corvos!

Nem bem falou isso, ouviu um ruflar de asas por cima de sua cabeça e, quando olhou, viu sete corvos pretos como carvão passando a voar por cima da casa. Os pais fizeram de tudo para anular a maldição, mas nada conseguiram; ficaram tristíssimos com a perda dos sete filhos. Mas, de alguma forma, se consolaram com a filhinha, que logo ficou mais forte e foi crescendo, cada dia mais bonita. Passaram-se anos.

A menina nunca soube que tinha irmãos, pois os pais jamais falaram deles. Um dia, porém, escutou acidentalmente algumas pessoas falando dela:

– A menina é muito bonita, mas foi por culpa dela que os irmãos se desgraçaram…

Com grande aflição, ela procurou os pais e perguntou- lhes se tinha irmãos, e onde eles estavam. Os pais não puderam mais guardar segredo. Disseram que havia sido uma predestinação do céu, mas que o batismo dela fora a inocente causa. A partir desse momento, não se passou um dia sem que a menina se culpasse pela perda dos irmãos, pensando no que fazer para salvá-los.

Não tinha mais paz nem sossego. Um dia, ela fugiu de casa, decidida a encontrar os irmão onde quer que eles estivessem, nesse vasto mundo, custasse o que custasse. Levou consigo apenas um anel de seus pais como lembrança, um pão grande para quando tivesse fome, um cantil de água para matar a sede e um banquinho para quando quisesse descansar.

Foi andando, andando, se afastando cada vez mais, e assim chegou ao fim do mundo. Então, foi falar com o sol. Mas ele era assustador, quente demais e comia crianças. A menina fugiu e foi falar com a lua. Ela era horrorosa, mais fria que o gelo, e também comia crianças. Quando viu a menina, disse com um sorriso mau:
– Hum, hum… que cheirinho bom de carne humana!

A menina se afastou correndo e foi falar com as estrelas. Encontrou–as sentadas, cada uma na sua cadeirinha. Todas elas foram bondosas e amáveis com ela.

A Estrela D’alva ficou em pé e lhe deu um ossinho de frango, dizendo:
– Sem este ossinho, você não poderá abrir a Montanha de Cristal, e é na Montanha de Cristal que estão seus irmãos.

A menina pegou o ossinho, embrulhou-o num pedaço de pano, e de novo se pôs a andar. Andou, andou e afinal chegou na Montanha de Cristal. O portão estava fechado; quando desembrulhou o paninho para pegar o osso, ele estava vazio! Ela havia perdido o presente da estrela… E agora, o que fazer? Queria salvar os irmãos, mas não tinha mais a chave da Montanha de Cristal.

Sem pensar muito, meteu o dedo indicador dentro do buraco da fechadura e girou-o, mas o portão continuou fechado. Então, pegou uma faca em sua trouxinha, cortou fora um pedaço do dedo mindinho, meteu o pedaço do dedo na fechadura: felizmente, o portão se abriu.

Assim que ela entrou, um anãozinho veio a seu encontro:

– O que esta procurando, minha menina?

– Procuro meus irmãos, os sete corvos.

– Os senhores corvos não estão em casa e vão se demorar bastante. Mas, se quiser esperar, entre e fique à vontade.

Assim dizendo, o anãozinho foi para dentro e voltou trazendo a comida dos corvos em sete pratinhos, e a bebida em sete copinhos. A menina comeu um bocadinho de cada prato e bebeu um golinho de cada copo, mas deixou cair o anel que trouxera dentro do último copinho. Nesse momento, ouviu-se um zunido e um bater de asas no ar.

– São os senhores corvos que vêm vindo – explicou o anãozinho. Eles entraram, quiseram logo comer e beber e se dirigiram para seus pratos e copos. Então um disse para o outro:

– Alguém comeu no meu prato! Alguém bebeu no meu copo! E foi boca humana!

E quando o sétimo corvo acabou de beber a última gota de seu copo, o anel rolou até o seu bico. Ele reconheceu o anel de seus pais e exclamou:

– Queira Deus que nossa irmãzinha esteja aqui! Então, estaremos salvos!

Ao ouvir esse pedido, a menina, que estava atrás da porta, saiu e foi ao encontro deles. Imediatamente, os corvos recuperaram sua forma humana. Abraçaram-se e se beijaram na maior alegria e, muito felizes, voltaram todos para casa.

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Irmãos Grimm (Rumpelstichen)

Era uma vez um moleiro muito pobre, que tinha uma filha linda. Um dia ele se encontrou com o rei e, para se dar importância, disse que sua filha sabia fiar palha, transformando-a em ouro.

– Esta é uma habilidade que me encanta – disse o rei. – Se é verdade o que diz, traga sua filha amanhã cedo ao castelo. Eu quero pô-la à prova. No dia seguinte, quando a moça chegou, o rei levou-a para um quartinho cheio de palha, entregou-lhe uma roda e uma bobina e disse:

– Agora, ponha-se a trabalhar. Se até amanhã cedo não tiver fiado toda esta palha em ouro, você morrerá! – Depois saiu, trancou a porta e deixou a filha do moleiro sozinha.

A pobre moça sentou-se num canto e, por muito tempo, ficou pensando no que fazer. Não tinha a menor idéia de como fiar palha em ouro e não via jeito de escapar da morte. O pavor tomou conta da jovem, que começou a chorar desesperadamente. De repente, a porta se abriu e entrou um anãozinho muito esquisito.

– Boa tarde, minha linda menina – disse ele. – Por que chora tanto?

– Ah! – respondeu a moça entre soluços. – O rei me mandou fiar toda esta palha em ouro. Não sei como fazer isso!

– E se eu fiar para você? O que me dará em troca?

– Dou-lhe o meu colar. O anãozinho pegou o colar, sentou-se diante da roda e, zum-zum-zum: girou-a três vezes e a bobina ficou cheia de ouro. Então começou de novo, girou a roda três vezes e a segunda bobina ficou cheia também. Varou a noite trabalhando assim e, quando acabou de fiar toda a palha e as bobinas ficaram cheias de ouro, sumiu.

No dia seguinte, mal o sol apareceu, o rei chegou e arregalou os olhos, assombrado e feliz ao ver todo aquele ouro. Contudo, seu ambicioso coração não se satisfez. Levou a filha do moleiro para outro quarto um pouco maior, também cheio de palha, e ordenou-lhe que enchesse as bobinas de ouro, caso quisesse continuar viva. A pobre moça ficou sentada olhando a palha, sem saber o que fazer. “Ah… se o anãozinho voltasse…”, pensou, querendo chorar. Nesse instante a porta se abriu e ele entrou.

– O que você me dá, se eu fiar a palha? – perguntou.

– Dou-lhe o anel do meu dedo. Ele pegou o anel e se pôs a trabalhar. A cada três voltas da roda, uma bobina se enchia de ouro. No outro dia, quando o rei chegou e viu as bobinas reluzindo de ouro, ficou mais radiante.

Mas ainda dessa vez não se contentou. Levou a moça para outro quarto ainda maior, também cheio de palha e disse:

– Você vai fiar esta noite. Se puder repetir essa maravilha, quero que seja minha esposa. O rei saiu, pensando: “Será que ela é mesmo filha do moleiro? Bah! O que importa é que vou me casar com a mulher mais rica do mundo!” Quando a moça ficou sozinha, o anãozinho apareceu pela terceira vez e perguntou:

– O que você me dá, se ainda dessa vez eu fiar a palha?

– Eu não tenho mais nada…

– Se é assim, prometa que me dará seu primeiro filho, se você se tornar rainha. “Isso nunca vai acontecer”, pensou a filha do moleiro. E não tendo saída, prometeu ao anãozinho o que ele quis.

Imediatamente ele se pôs a trabalhar, girando a roda a noite inteira. De manhãzinha, quando o rei entrou no quarto, encontrou prontinho o que havia exigido. Cumprindo sua palavra, casou-se com a bela filha do moleiro, que assim se tornou rainha.

Um ano depois, ela deu à luz uma linda criança. Já nem se lembrava mais do misterioso anãozinho. Mas naquele mesmo dia, a porta se abriu repentinamente e ele entrou.

– Vim buscar o que você me prometeu – disse. A rainha ficou apavorada e ofereceu-lhe todas as riquezas do reino, se ele a deixasse ficar com a criança. Mas ele não quis.

– Não! Uma coisa viva vale muito mais para mim que todos os tesouros do mundo! A rainha ficou desesperada; tanto chorou e se lamentou, que o anãozinho acabou ficando com pena.

– Está bem – disse. – Vou lhe dar três dias. Se no fim desse prazo você adivinhar o meu nome, poderá ficar com a criança. A rainha passou a noite lembrando os nomes que conhecia e mandou um mensageiro percorrer o reino em busca de novos nomes. Na manhã seguinte, quando o anãozinho chegou, ela foi dizendo:

– Gaspar, Melquior, Baltazar- e assim continuou, falando todos os nomes anotados. Mas a cada um deles o anão respondia balançando a cabeça:

– Não é esse meu nome! No segundo dia, a rainha pediu às pessoas da vizinhança que lhe dessem seus apelidos, e fez uma lista dos nomes mais esquisitos, como: João das Lonjuras, Carabelassim, Pernil-mal-assado e outros. Mas a todos a resposta do anão era a mesma:

– Não é esse meu nome! No terceiro dia, o mensageiro que andava pelo reino à cata de novos nomes voltou e disse:

– Não descobri um só nome novo. Mas eu estava andando por um bosque no alto de um monte, onde raposas e coelhos dizem boa-noite uns aos outros, quando vi uma cabana. Diante da porta ardia uma fogueirinha e um anão muito esquisito, pulando num pé só ao redor do fogo, cantava:

– Hoje eu frito! Amanhã eu cozinho! Depois de amanhã será meu o filho da rainha! Coisa boa é ninguém saber Que meu nome é Rumpelstichen! Pode-se imaginar a alegria da rainha, quando ouviu esse nome. E quando um pouco mais tarde o anãozinho veio e perguntou:

– Então, senhora rainha, qual é meu nome? Ela disse antes:

– Será Fulano?

– Não!

-Será Beltrano?

– Não!

– Será por acaso Rumpelstichen?

– Foi o diabo que te contou! – gritou o anãozinho furioso. E bateu o pé direito com tanta força no chão, que afundou até a virilha. Depois, tentando tirar o pé do buraco, agarrou com ambas as mãos o pé esquerdo e puxou-o para cima com tal violência, que seu corpo se rasgou em dois. Então, desapareceu.

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Júlia Lopes de Almeida (Conto: A Pobre Cega)

dados da autora no final
Na cidade de Vitória, no Espírito Santo, havia uma ceguinha que, por ser muito amiga de crianças, ia todos os dias sentar-se perto de uma escola, num caminho ensombrado por bambus. Entretinha-se ela ouvindo as conversas da pequenada que subia para as aulas.

As auras do mar vinham de longe queimar-lhe o rosto trigueiro. Imóvel, com o cajado nas mãos pequenas, ela imaginava quanto os rapazinhos deveriam estar pimpões dentro das suas roupinhas bem lavadas, e ria-se quando, a qualquer ameaça ou repelão de um dos mais velhos, os pequenos gritavam:

—Eu vou dizer à mamãe!

E havia sempre um coro de gargalhadas, a que se juntava uma voz lamurienta.

Um dia, dois dos estudantes mais velhos, já homenzinhos, desciam para o colégio, quando verificaram ser ainda muito cedo, e sentaram-se também numas pedras, a pequena distância da mendiga. O dever da pontualidade, que não deve ser esquecido em nenhum caso da vida, aconselhou-os a ficarem ali até a hora fixada pelo mestre para a entrada na escola. Entretanto, para não perderem tempo, repassaram os olhos pela lição, lendo alto, cada um por sua vez, o extrato que tinham feito em casa, de uma página de História do Brasil.

A cega, satisfeita por aquela inesperada diversão, abriu os ouvidos à voz clara de um dos meninos, que dizia assim:

“A civilização adoça os costumes e tem por objetivo tornar os homens melhores, disse-me ontem o meu professor, obrigando-me a refletir sobre o que somos agora e o que eram os selvagens antes do descobrimento do Brasil. Eu estudei história como um papagaio, sem penetrar nas suas idéias, levado só por palavras. Vou meditar sobre muita coisa do que li. Que eram os selvagens, ou os índios, como impropriamente os chamamos? Homens impetuosos, guerreiros com instintos de animal feroz. Entregues absolutamente à natureza, de que tudo sugavam e a que por modo algum procuravam nutrir e auxiliar, estavam sujeitos às maiores privações; bastando que houvesse uma seca, ou que o animais emigrassem para longe das suas tabas, para sofrerem os horrores da fome. Sem cuidar da terra e sem amor ao lar, abandonavam as suas aldeias, poucos anos habitadas, e que ficavam pobres “taperas” sem único indício de saudade daqueles a quem agasalharam! Elas ficavam mudas, com os seus telhados de palma apodrecidos, sem ninhos, sem aves, que as flechas assassinas tinham espantado, sem flores, sem o mínimo vestígio do carinho que temos por tudo que nos rodeia. Abandonando as tabas, que por um par de anos os tinham abrigado, os donos iam plantar mais longe novos arraiais. Os homens marchavam na frente, com o arco pronto para matar, e as mulheres iam atrás, vergadas ao peso das redes, dos filhos pequenos e dos utensílios de barro de uso doméstico. O índio vivia para a morte; era antropófago, não por gula, mas por vingança.

Desafiava o perigo, embriagava-se com sangue e desconhecia a caridade. As mulheres eram como escravas, submissas, mas igualmente sanguinárias. Não seriam muito feios se não achatassem os narizes e não deformassem a boca, furando beiços. Além da guerra e da caça, entretinham-se tecendo as suas redes, bolsas, cordas de algodão e de embira, e polindo machados de pedra com que cortavam lenha. Quero crer que as melhores horas da sua vida seriam passadas nessas últimas ocupações.

Que alegria invade o meu espírito quando penso na felicidade de ter nascido quatrocentos anos depois desse tempo, em que o homem era uma fera, indigno da terra que devastava, e como estremeço de gratidão pelas multidões que vieram redimir essa terra, cavando-a com a sua ambição, regando-a com seu sangue, salvando-a com a sua cruz!

Graças a elas, agora, em vez de devastar, cultivamos, e socorremo-nos e amamo-nos uns aos outros!

Pedro Álvares Cabral, Pêro Vaz de Caminha, Frei Henrique de Coimbra, vivei eternamente no bronze agradecido, com que no Rio de Janeiro vos personificou o mestre dos escultores brasileiros!”

Vinham já os outros rapazes muito apressados a caminho da escola. A cega calculou pelas vozes o tipo e a estatura de cada um, e, quando já se perdia ao longe o rumor dos passos da maior parte deles, sentiu, como nos outros dias, cair-lhe devagarinho no colo uma laranja e um pedaço de pão.

Nenhuma palavra costumava acompanhar aquela dádiva, mas uma corridinha leve denunciou, como das outras vezes, o fugitivo, o Chico, que não tendo nunca dinheiro para dar à pobrezinha, dava-lhe a sua merenda!

Nesse dia as crianças voltaram imediatamente do colégio: o professor adoecera e não havia aula. Sentindo-os, a cega levantou o bastão para que parassem e perguntou:

— Como se chama o menino que todos os dias me mata a fome, dando-me a sua merenda?

Ninguém respondeu. Como a pobre renovasse a pergunta, Chico fugiu envergonhado. Reconhecendo-o pela bulha dos passarinhos rápidos, a mendiga exclamou:

— É aquele que fugiu! Tragam-mo cá; quero beijar-lhe as mãos!

Alcançado pelos colegas, Chico retrocedeu, vermelho como uma pitanga, e deixou-se abraçar pela mendiga, que lhe passava os dedos pelo rosto, procurando adivinhar-lhe as feições.

Familiarizados com ela, os meninos perguntaram-lhe:

— Vocemecê não vê nada, nada?

— Nada.

— Já nasceu assim?

— Não…

— Como foi?

— Coitadinha…

As perguntas das crianças não a humilhavam, porque ela já as tinha por amigas.

— Querem saber como fiquei cega? Escutem: quando eu era moça, morava e frente à casa de uma viúva carregada de filhos. Uma noite acordei ouvindo gritos. — Socorro, socorro! Pediam em brados. Levantei-me à pressa, vesti-me não sei como, e fui à janela. Da casa fronteira saíam chamas e grandes novelos de fumo; na rua, a dona da casa, gritando sempre, aconchegava os filhos ao peito. De repente deu um grito agudíssimo: faltava um dos filhos mais moços – o Manoel!

A desgraçada quis atirar-se às chamas, ms as crianças agrupavam-se todas agarradas à sua saia: então eu atravessei correndo a rua, e de um pulo trouxe para fora o menino, já meio tonto e pálido como um morto. Não me lembro senão do calor do fogo que me cercava por todos os lados, da fumaça que oprimia e da dor horrível que senti nos olhos, quando, à rajada fria da noite, entreguei na rua o filho à mãe.

Ela gritou radiante: — Está salvo! e eu pensei com amargura: — Estou cega…

— E essa família? Inquiriu um dos meninos.

— Era pobre também. Nem sei onde pára…

— Sei eu! Respondeu um dos pequenos; essa família é a minha! A criança que a senhora salvou é hoje um homem trabalhador e que há-de protegê-la. É meu pai.

Uma hora depois a velha cega entrava para sempre em casa de Chico, onde lhe deram o melhor leito e a trataram sempre com o mais doce carinho, provando assim que muita razão tinha o mestre fazendo ver ao discípulo quanto a civilização adoça os caracteres e torna os homens bons!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Histórias da nossa terra. (Rio de Janeiro. Ed. Francisco Alves, 1925), 99. 25-34. apud LAJOLO, Marisa, & ZILBERMAN, Regina. Um Brasil para crianças. Global, SP, 1993, 4ª ed. Disponível em

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Dados da Autora

Júlia Valentim da Silveira Lopes de Almeida (24 de setembro de 1862, Rio de Janeiro – 30 de maio de 1934, Rio de Janeiro), foi uma escritora abolicionista.

Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida nasceu na então Província do Rio de Janeiro, em 24 de setembro de 1862, filha do Dr. Valentim José da Silveira Lopes, professor e médico, depois Visconde de São Valentim, e de D. Adelina Pereira Lopes. Mãe dos escritores Afonso Lopes de Almeida, Albano Lopes de Almeida e Margarida Lopes de Almeida. Viveu parte da infância em Campinas, S.P. Onde estreou sua carreira de escritora, 1881, escrevendo na Gazeta de Campinas. Desde cedo mostrou forte inclinação pelas letras, embora no seu tempo de moça não fosse de bom-tom nem do agrado dos pais, uma mulher dedicar-se à literatura. Numa entrevista concedida a João do Rio entre 1904 e 1905, confessou que adorava fazer versos, mas os fazia às escondidas. Em 28/11/1887 casou-se com um jovem escritor português, Filinto de Almeida, à época diretor da revista A Semana, editada no Rio de Janeiro, que recebeu a colaboração sistemática de Dona Júlia por vários anos. Sua produção literária foi vasta, mais de 40 volumes abrangendo romances, contos, literatura infantil, teatro, jornalismo, crônicas e obras didáticas. Em sua coluna no jornal O País, durante mais de 30 anos, discutiu variados assuntos e fez diversas campanhas em defesa da mulher. Foi presidenta honorária da Legião da Mulher Brasileira, sociedade criada em 1919; e participou das reuniões de formação da Academia Brasileira de Letras, da qual ficou excluída por ser do sexo feminino. Sua coletânea de contos Ânsia Eterna, 1903, sofreu influência de Guy de Maupassant e uma das suas crônicas veio a inspirar Artur Azevedo ao escrever a peça O dote. Em colaboração com Felinto de Almeida, seu marido, escreveu, em folhetim do Jornal do Comércio seu último romance A casa verde, 1932, vindo a falecer dois anos depois, 30/05/1934, na cidade do Rio de Janeiro.

Romances
A Família Medeiros ; Memórias de Marta ; A Viúva Simões ; A Falência ; Cruel Amor ; A Intrusa ; A Silveirinha ; A Casa Verde (com Felinto de Almeida) ; Pássaro Tonto ; O Funil do Diabo

Novelas e contos
Traços e Iluminuras ; Ânsia Eterna ; Era uma vez… ; A Isca (quatro novelas) ; A caolha

Teatro
A Herança (um ato) ; Quem Não Perdoa (três atos) ; Nos Jardins de Saul (um ato) ; Doidos de Amor (um ato)

Diversos
Livro das Noivas ; Livro das Donas e Donzelas ; Correio da Roça ; Jardim Florido ; Jornadas no Meu País ; Eles e Elas ; Oração a Santa Dorotéia ; Maternidade (obra pacifista) ; Brasil (conferência)

Escolares
Histórias da Nossa Terra ; Contos Infantis (com Adelina Lopes Vieira) ; A Árvore (com Afonso Lopes de Almeida)

Fontes:
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/juliaLopes_vida.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Julia_lopes_de_almeida

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