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A. A. de Assis (Triversos III)
Longindo-se vai,
suminte, o barquinho a vela.
Quem será com quem?
62
Ah, espelho meu.
Cada vez que em ti me vejo
vejo menos eu.
63
Receita do sapo:
quem quer um sono tranquilo
antes coma o grilo.
64
A rosa, Keké,
a rosa que coisa é?
– Email de Deus.
65
Quantas vezes, ah,
eu vi o pião rodar.
E os anos também.
66
Poeta no parque.
Enquanto caminha ao sol
vai catando haicais.
67
Do dente por dente
ao voto por dentadura.
A lei da mordida.
68
Nuns de vez em quando
sou porventura menino.
Melhores momentos.
69
Na praia desfilam
sungas, biquínis. De gala,
um par de pinguins.
70
O Sol que se cuide.
Volta e meia a meia-lua
chega em casa cheia.
71
Tanto foi ao brejo,
que a vaca um lírio gerou.
O copo-de-leite.
72
Bolsa de valores.
Nem só de ações morre o homem,
mas também de infarto.
73
Mágica é a palavra.
Beija-flor é beija-flor,
colibri nem tanto.
74
Tinha um pé de pinha
no quintal vizinho. Tinha.
Nem quintal tem mais.
75
Nem ao vento verga
o velho jequitibá.
Dá flores, porém.
76
As celebridades?…
Dê-lhes tempo: logo-logo
serão gasparzinhos.
77
Equino sem trema?
Desculpem, mas me parece
cavalo sem jóquei.
78
O parto da história:
aquele em que Adão, dormindo,
fez-se Adão e Eva.
79
Um pingo de luz
no topo do arranhacéu.
Brincando de estrela.
80
Garrincha e Pelé.
Depois deles nunca mais
houve igual olé.
81
Ao velhinho, o dia.
Nem passado nem futuro
têm-lhe serventia.
82
Meu sonho está aí?…
Por favor, mande-o de volta,
que a saudade dói.
83
Entre o céu e a terra,
quanta vã filosofia…
E o pior: bem paga.
84
Pois é, meu poeta:
até as crateras da Lua
de longe são belas.
85
Antissolidão.
A cada velhinho a tela
de um computador.
86
Doce portuñol.
Para los niños los nidos
… y los abuelos.
87
Pousa o passarinho
na imagem de São Francisco.
Os irmãos se entendem.
88
Branquinhas, branquinhas,
voam as garças em V.
Vitória da paz.
—
ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.
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A. A. de Assis (Triversos) II
31
É a cegonha, bem…
Tá caçando uma barriga
pra ninhar neném…
32
Tudo bem, poeta.
Minha terra tem Palmeiras,
mas sou são-paulino.
33
“Por que não te calas?”,
diz a arara ao papagaio.
– Se calo, me peias.
34
Na aguinha da bica
molha o bico o tico-tico.
Depois bica a tica.
35
Céu de “brigadeiro”.
– Aniversário de quem?,
me pergunta o neto.
36
Zunzunzum… zunzum…
É um pernilongo brincando
de fórmula um.
37
Balança o palanque.
O peso na consciência
do nobre orador.
38
Xô daqui, Seu Grilo.
Pega a tua cantoria,
pousa noutra cuca.
39
Dó-ré-mi-fá-sol,
dó-ré-mi-fá-sol-lá-si.
Sabiá-laranjeira.
40
Eram todos sábios.
Mas somente o sabiá
sabia cantar.
41
Tão simples, meu santo:
“ame e faça o que quiser”.
O resto é discurso.
42
Diz-me alegre a neta:
– Olha, vô, é a borboleta
do poeta azul.
43
Releio Bilac.
Aquele que a Via Lác-
tea ouvia e via.
44
Vaga o vagalume.
Vaga luz num vago mundo
procurando vaga.
45
Cigarra dá curso
de canto no formigueiro.
E a fábula acaba.
46
De longe o cheirinho
a que Adão não resistiu.
Festa da maçã.
47
Rodada de mate.
Negrinho do Pastoreio
passa bem no meio.
48
Quero-quero-quero,
que queres tu tanto assim?
– Quero a quera-quera.
49
Mindim, seu-vizim,
pai-de-todos, fura-bolo…
Ao sobrante, o piolho.
50
Tão meninas elas,
as meninas dos teus olhos.
Pedem colo, ainda.
51
Nobre girassol.
Como podem, no mercado,
chamá-lo commodity?
52
Toda prosa a rosa.
Vitória-régia-mirim
numa poça d’água.
53
Cubram-se as estrelas.
Tem gente capaz de ao vê-las
lhes roubar as pilhas.
54
Vovó faz a sesta
na cadeira de balanço.
Reprise de sonhos.
55
Corrija-se a tempo.
Mais de mater que magistra
necessita o povo.
56
Era um fino belga.
Fez sucesso ao transformar-se
num canário brega.
57
No ap da canária
pinta o 7 o pintassilgo.
Pinta um pintagol.
58
A abelhinha, não.
Bela e útil, não lhe assenta
ser chamada “inseto”.
59
Na Idade da Pedra
talvez já se comentasse:
– É uma pedra a idade.
60
Cada tiquetaque
leva um tiquinho da gente.
Para o céu, espero.
ASSIS, A. A. de. Vida, Verso e Prosa. Maringá:EDUEM, 2010.
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