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A. A. de Assis (4 de Outubro – Dia de São Francisco de Assis)

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4 de outubro de 2012 · 22:20

A. A. de Assis (Triversos III)

61
Longindo-se vai,
suminte, o barquinho a vela.
Quem será com quem?

62
Ah, espelho meu.
Cada vez que em ti me vejo
vejo menos eu.

63
Receita do sapo:
quem quer um sono tranquilo
antes coma o grilo.

64
A rosa, Keké,
a rosa que coisa é?
– Email de Deus.

65
Quantas vezes, ah,
eu vi o pião rodar.
E os anos também.

66
Poeta no parque.
Enquanto caminha ao sol
vai catando haicais.

67
Do dente por dente
ao voto por dentadura.
A lei da mordida.

68
Nuns de vez em quando
sou porventura menino.
Melhores momentos.

69
Na praia desfilam
sungas, biquínis. De gala,
um par de pinguins.

70
O Sol que se cuide.
Volta e meia a meia-lua
chega em casa cheia.

71
Tanto foi ao brejo,
que a vaca um lírio gerou.
O copo-de-leite.

72
Bolsa de valores.
Nem só de ações morre o homem,
mas também de infarto.

73
Mágica é a palavra.
Beija-flor é beija-flor,
colibri nem tanto.

74
Tinha um pé de pinha
no quintal vizinho. Tinha.
Nem quintal tem mais.

75
Nem ao vento verga
o velho jequitibá.
Dá flores, porém.

76
As celebridades?…
Dê-lhes tempo: logo-logo
serão gasparzinhos.

77
Equino sem trema?
Desculpem, mas me parece
cavalo sem jóquei.

78
O parto da história:
aquele em que Adão, dormindo,
fez-se Adão e Eva.

79
Um pingo de luz
no topo do arranhacéu.
Brincando de estrela.

80
Garrincha e Pelé.
Depois deles nunca mais
houve igual olé.

81
Ao velhinho, o dia.
Nem passado nem futuro
têm-lhe serventia.

82
Meu sonho está aí?…
Por favor, mande-o de volta,
que a saudade dói.

83
Entre o céu e a terra,
quanta vã filosofia…
E o pior: bem paga.

84
Pois é, meu poeta:
até as crateras da Lua
de longe são belas.

85
Antissolidão.
A cada velhinho a tela
de um computador.

86
Doce portuñol.
Para los niños los nidos
… y los abuelos.

87
Pousa o passarinho
na imagem de São Francisco.
Os irmãos se entendem.

88
Branquinhas, branquinhas,
voam as garças em V.
Vitória da paz.

Fonte:
ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.

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A. A. de Assis (Triversos) II


31
É a cegonha, bem…
Tá caçando uma barriga
pra ninhar neném…

32
Tudo bem, poeta.
Minha terra tem Palmeiras,
mas sou são-paulino.

33
“Por que não te calas?”,
diz a arara ao papagaio.
– Se calo, me peias.

34
Na aguinha da bica
molha o bico o tico-tico.
Depois bica a tica.

35
Céu de “brigadeiro”.
– Aniversário de quem?,
me pergunta o neto.

36
Zunzunzum… zunzum…
É um pernilongo brincando
de fórmula um.

37
Balança o palanque.
O peso na consciência
do nobre orador.

38
Xô daqui, Seu Grilo.
Pega a tua cantoria,
pousa noutra cuca.

39
Dó-ré-mi-fá-sol,
dó-ré-mi-fá-sol-lá-si.
Sabiá-laranjeira.

40
Eram todos sábios.
Mas somente o sabiá
sabia cantar.

41
Tão simples, meu santo:
“ame e faça o que quiser”.
O resto é discurso.

42
Diz-me alegre a neta:
– Olha, vô, é a borboleta
do poeta azul.

43
Releio Bilac.
Aquele que a Via Lác-
tea ouvia e via.

44
Vaga o vagalume.
Vaga luz num vago mundo
procurando vaga.

45
Cigarra dá curso
de canto no formigueiro.
E a fábula acaba.

46
De longe o cheirinho
a que Adão não resistiu.
Festa da maçã.

47
Rodada de mate.
Negrinho do Pastoreio
passa bem no meio.

48
Quero-quero-quero,
que queres tu tanto assim?
– Quero a quera-quera.

49
Mindim, seu-vizim,
pai-de-todos, fura-bolo…
Ao sobrante, o piolho.

50
Tão meninas elas,
as meninas dos teus olhos.
Pedem colo, ainda.

51
Nobre girassol.
Como podem, no mercado,
chamá-lo commodity?

52
Toda prosa a rosa.
Vitória-régia-mirim
numa poça d’água.

53
Cubram-se as estrelas.
Tem gente capaz de ao vê-las
lhes roubar as pilhas.

54
Vovó faz a sesta
na cadeira de balanço.
Reprise de sonhos.

55
Corrija-se a tempo.
Mais de mater que magistra
necessita o povo.

56
Era um fino belga.
Fez sucesso ao transformar-se
num canário brega.

57
No ap da canária
pinta o 7 o pintassilgo.
Pinta um pintagol.

58
A abelhinha, não.
Bela e útil, não lhe assenta
ser chamada “inseto”.

59
Na Idade da Pedra
talvez já se comentasse:
– É uma pedra a idade.

60
Cada tiquetaque
leva um tiquinho da gente.
Para o céu, espero.

Fonte:
ASSIS, A. A. de. Vida, Verso e Prosa. Maringá:EDUEM, 2010.

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