romper cadeias e escrever além dos códices
e dos modismos da vanguarda — além do cânone
ultrapassar a concisão do verso mínimo
compor sonetos no rigor de rima e métrica
tentando ingleses portugueses e simétricos
aventurar-se do insensato ao ultra-lúcido
do social ao pornográfico e ao lírico
e ainda ousar o verso livre e — sem metáforas
desembocar meio a haicais belos e herméticos
e retornar a esgrimir o econômico
minimalismo da palavra exposta ao máximo
usufruir a criação de modo ávido
na liberdade de dizer-se o que é legítimo
fiel apenas à poesia em si e à ética
(BARR)OCO
um oco mais oco que o oco
do coco esquecido da água
que escorre do oco do coco
e um oco mais oco que o oco
no corpo do coco destrava
um oco mais oco que o oco
um oco sem corpo e sem coco
um oco mais copo que corpo
repleto do oco mais oco
que o oco do oco — nonada
ÔMEGA
voem os peixes sobre as árvores de enforcados
e no escuro mais profundo do oceano possam
os pássaros finalmente erguer seus ninhos
teça o vento tsunamis de estrelas de napalm
que derramem-se e derretam todo olho toda pele —
salgue o sangue o que era leite o que era rio
e da terra que era terra e que ora nada nenhuma
vida rebente até que em frio faça-se o quente
até que o que era consciência seja caldo elemental
até que um deus qualquer desperte e o ciclo todo recomece
O QUADRO
complacente ela se aquieta e espia
não o toca nada neles diz intimidade
estão ali há séculos imóveis sentados
o silêncio retumbando em cores vívidas
SEQUÊNCIA
toco a teia de ausência nesta tarde
que semelha mais outono
que verão
e o silêncio se me gruda à pele e arde
qual lamento de sem dono
gato ou cão
colhendo fado e infância em cada parte
deste réquiem de abandono
sem perdão
que ora entoo
QUASE UM FREVO-CANÇÃO
era a noite era o pátio era o frevo
era o povo era o passo era a rua
a cerveja esfriava na mesa
e uma a uma as orquestras passavam
se uma história doída findava
(sem sequer revelar-se à tevê
cuja luz bem ali se acendia)
uma nova se já pressentia
(só a lua sabia o porquê)
quando spok edgar jazzeava
e as canções do coral evocavam
do passado o valor e a beleza
nos despiram depois noite e lua
e mais nada direi — não me atrevo
Tábua de Marés.