Ialmar Pio Schneider (Versos Diversos)


SONETO à FLORBELA ESPANCA
*8.12.1894  – +8.12.1930

Foi amando teus versos que aprendi
a soluçar também o mal do amor,
nos desencontros e no frenesi
que envolveram meu estro sonhador…

 Soubeste extravasar todo o calor
que sentias, assim como senti,
das paixões que me fazem ser cantor
dos mesmos temas que provêm de ti.

 Ó divina poetisa, os teus tormentos
expressos na poesia e nos lamentos,
que soluçaste, fazem-te imortal…

 Ninguém foi tão sincera e tão brilhante,
fazendo versos de mulher e amante,
enaltecendo sempre Portugal !

SONETO A RAINER MARIA RILKE
Nascimento do poeta em 4.12.1875

Sonetos geniais vou lendo agora
de um primoroso vate que escreveu:
´´Cartas a um Jovem Poeta´´ e lhe deu
conselhos pra seguir a qualquer hora…

´´A obra de arte é boa quando nasceu
por necessidade…(…),´´; nada descora
a beleza natural de uma aurora
e o que criares sempre vai ser teu !

Rainer Maria Rilke, também busco
em teus escritos muito que preciso
pra poetizar meus versos de sozinho;

e te aprendendo sei que não ofusco
minha tarefa, às vezes, de indeciso,
sempre à procura de um melhor caminho !

SONETO PARA O ANO-NOVO

Há quanto tempo não escrevo um verso,
De amor ardente ou de filosofia…
Quem me dera, fazê-lo neste dia
De Ano-Novo no esplêndido Universo !

Vede a luz que dos céus tanto irradia
Raios difusos quando me disperso
Em pensamentos e me vejo imerso
No mar azul da linda fantasia !…

E quem sinto povoar-me a solidão,
nessas horas em que o sol vai se pôr ?!
– Posso dizer que é uma grande paixão !

E aquela que a causou não vou falar,
Talvez nem saiba compreender o ardor
De minh´alma… Terá que adivinhar !

A PORTA QUE SE ABRIR…

Ouvindo a música suave e mansa
eu passo as minhas horas solitárias…
Que difícil manter uma esperança
quando as próprias ideias são contrárias !

Como desejo ter uma mudança,
nestas ocasiões, tão necessárias;
penso na estrela que jamais se alcança
e na desgraça que recai nos párias…

Entretanto, procuro não cair,
porque os espíritos, enfim, reagem
mesmo perante a mais feroz tristeza…

Espero pela porta que se abrir
em meu destino e assim me dê passagem
p’ra conviver com a tua beleza…

SONETO A GONÇALVES DIAS
Falecimento do poeta em 3.11.1864- In Memoriam –

Poeta das palmeiras e também
dos indígenas, com força genial,
cantou grandes amores que ninguém
houvera feito assim sentimental…

Lendo seus versos a saudade vem
me visitar de modo especial,
da minha terra que palmeiras tem
onde o sabiá modula sem igual.

Gonçalves Dias, vate da natura,
és um astro que em nosso céu fulgura,
com tuas mais românticas poesias…

Soubeste transmitir a inspiração
que as Musas te trouxeram na solidão
do mundo ideal das alegorias !

SONETO A CARLOS MAGALHÃES DE AZEREDO
– Falecimento do poeta em 4.11.1963 aos 91 anos. – In Memoriam -.

Quando leio sonetos dos poetas,
velhos românticos de antigamente,
sinto quão suas musas são diletas
nos versos que escreveram docemente…

Poesias inspiradas e discretas,
mas também outras, de romance ardente,
que tudo dizem, atingindo as metas
que se propunham, na paixão ingente.

Leio Carlos Magalhães de Azeredo,
o seu ´´Verão e Outono´´, em que demoro,
curtindo um verso no final do enredo

em que ele escreve: ´´Doce e amargo encanto !
São tuas próprias lágrimas que choro !´´
E aprendo, então, como é tão forte o pranto…

SONETO A RUI BARBOSA
Nascimento do escritor Rui Barbosa em 5.11.1849 – In Memoriam –

Rui Barbosa
Literato
Foi de fato
Rei da Prosa.

Escritor
Mui correto
Tão dileto
Prosador.

Assombrou
C´o saber
Tão profundo…

Pois honrou
Seu dever
Neste mundo.

SONETO ALEXANDRINO A AMADEU AMARAL
Nascimento do poeta Amadeu Amaral em 6.11.1875 – In Memoriam –

“Rios”, “Sonhos de Amor”, e “A um Adolescente”,
são sonetos de escol que leio comovido,
porque me fazem bem neste dia envolvente
pela nublada luz do céu escurecido…

E fico a meditar, trazendo para a mente,
os poemas “A Estátua e a Rosa”, em sublime sentido;
“Prece da Tarde”, quando exsurge a voz do crente
como um sopro de amor no caminho escolhido…

Estou perante o mestre Amadeu Amaral,
cujos versos serão sempre muito admirados,
como régio cultor da nobre poesia…

Além do mais, ficou sendo vate Imortal,
pois eleito ele foi por membros consagrados
de nossa Brasileira Excelsa Academia !

SONETO PARA CECÍLIA MEIRELES
Nascimento da poeta em 7.11.1901 – In Memoriam –

Procuro viajar nestes poemas
que me emocionam tanto e permaneço
conhecendo em mais variados temas,
a vida alegre ou triste em que padeço…

Procurei fazer versos, de tropeço
em tropeço, p´ra resolver problemas
que enfrentei no viver, desde o começo,
quando me apareciam os dilemas.

Um dia encontrei doce poesia
melancólica, plena de ternura,
mas também sempre límpida e correta.

São horas de tristeza e nostalgia
que me suscitam a feliz candura,
de Cecília Meireles, a poeta !

SONETO A ARTHUR RIMBAUD
Falecimento do poeta francês em 10.11.1891 – In Memoriam –

Jovem poeta que parou bem cedo
de fazer versos plenos de emoção…
Soneto de “Vogais” em cujo enredo
cada uma tem a significação.

Sua obra não foi simples arremedo
de alguém que pensa apenas na ilusão;
não se sabe do enigma nem do medo
de a poesia dar continuação…

O certo é que depois, quando indagado
se era parente de Rimbaud, dizia:
“Eu nunca ouvi falar !” E assim calado

continuou pelo resta da vida, só,
com sua nova e vã filosofia
em que se sabe que seremos pó !

SONETO A AUGUSTO DOS ANJOS
Falecimento do poeta em 12.11.1914 – In Memoriam –

Leio seus versos de poeta ousado,
e me comovo com a verve forte,
que se deprime qual um condenado,
a cada instante lamentando a sorte.

Mas foi um grande, embora desgraçado,
sem ter um lenitivo que o conforte,
em cada verso um passo encaminhado
rumo ao destino que o esperava: a morte !

E sendo um vândalo destruidor,
andou por ´´templos claros e risonhos´´,
como num pesadelo com pavor…

Então, num ímpeto de iconoclastas,
´´quebrou a imagem dos seus próprios sonhos´´,
´´erguendo os gládios e brandindo as hastas´´!

SONETO A CRUZ E SOUSA
Nascimento do poeta em 24.11.1861 – In Memoriam –

Poeta das Visões e dos Mistérios,
Evocando outros mundos de Quimera
Onde devem viver seres etéreos
Que por aqui passaram n´outra Era…

São espíritos cuja Vida austera
Atravessaram cá momentos sérios,
Sem conhecer a eterna Primavera,
Hoje ouvindo dos Anjos os saltérios…

São as almas que o Vate Cruz e Sousa
Evocava em seus versos: “ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!”

Lembramos que sua alma ora repousa
Por Mundos para nós desconhecidos,
Mas plenos de canções… louvor… hosanas…

APÓS LER CRIME DO PADRE AMARO DE EÇA DE QUEIROZ
Nascimento do escritor em 25.11.1845 – In Memoriam –

Uma história de amor que nos surpreende,
libélulo ao celibato imposto,
lança no espírito feroz desgosto
que por maior esforço não se entende.

São os mistérios que jamais se aprende:
uma existência trágica ao sol-posto
penetra o cérebro e no próprio rosto
dá contrações de nervos e se estende.

O mundo estupefato ao Padre Amaro
lançará seu desprezo inconformado,
pois mesmo que procure achar amparo

na vã filosofia de um idílio,
surgirão tão fatal como o pecado
a pobre Amélia morta e morto o filho…

SONETO  A GREGÓRIO DE MATOS
Falecimento do poeta em 26-11-1696 – In Memoriam –

Gregório de Matos – Boca do Inferno,
assim o apelidou o poviléu,
apesar de às vezes ser mui terno
e descantar também bênçãos do céu…

Na Bahia causavam escarcéu,
suas notas satíricas e hodierno,
se despertou talvez algum labéu,
há de ficar seu estro sempiterno…

Vejo que a data do seu nascimento,
será sete de abril?! ou vinte e três,
ou vinte de dezembro?! Não é certa…

Mas sei que foi poeta de talento,
e tudo o que escreveu, e disse, e fez,
mostra a coragem de sua alma aberta…

VENTO DO MAR

 Vento que sopras furibundo
 e vens meus sonhos despertar,
 as tristezas de todo o mundo
 parece que trazes do mar…

 Ouvindo o lamento profundo
 sempre constante a marulhar,
 quedo-me triste, me confundo
 co’a voz misteriosa do mar…

 Altas horas, cada segundo
 teimas o meu corpo abraçar,
 quando em reflexões me aprofundo
 para obter segredos do mar…

SONETO
Comemora-se no Brasil, o Dia Nacional da Leitura (a partir de 2009 – Lei nº 11.899).

A distração do espírito é a leitura
e os grandes mestres nos ensinam tal;
nas obras-primas, vasto cabedal
a mente encanta e o pensamento apura…

A existência tem fases de amargura,
pois há um confronto assaz fenomenal:
de um lado luta o bem e de outro o mal
e o que vence por fim é o que perdura.

Escrevam, romancistas, seus romances !
Cantem, poetas, salutar poesia !
Porquanto houver na vida tantos transes,

não vão morrer as páginas aflitas
e nem há de ficar a imagem fria
das criações pra todo sempre escritas.

DIA DA CRIANÇA

Julgavas que este amor não encontrasse
pedras e espinhos pela estrada afora,
mas são os sofrimentos e a demora
o que fazem eterno o que é fugace.

Repara-me nos olhos e na face
para ver quanta mágoa me devora,
por não ter alma cândida e sonora
a fim de ser o que teu sonho amasse.

Deixemos de torturas e cansaços,
reclina-te serena nos meus braços,
confia em mim na maior esperança…

Faz de conta que nada mais existe,
então verás alguém que foi tão triste
convertido na mais alegre criança…

SONETO   ÍNTIMO

 Enfrenta teu destino sem alarde;
 que ninguém saiba o que te vai na mente…
 Não te lastimes, murmurando: “É tarde !”
 Esquece o teu passado, indiferente…

 Também não fujas, como vil covarde,
 à luta que te espera, e simplesmente
 pede ao Senhor que te proteja e guarde
 em Sua bondade infinda, onipotente.

 Encontrarás, enfim, sabedoria
 para atingir a meta projetada,
 sem falso orgulho, mágoa ou rebeldia;

 porque tua fé com força redobrada
 renascerá com flores de alegria,
 enfeitando pra sempre tua estrada.

CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE
Soneto em homenagem póstuma – In Memoriam

Faz-me lembrar o tempo de menino,
no lar paterno, lá na velha aldeia,
com minha mãe, irmãos e irmãs, na ceia,
de noitezinha, ao bimbalhar do sino…

Depois, eu contemplava a lua cheia
e perguntava aos céus: qual meu destino,
neste mundo que roda e cambaleia,
com momentos de luz e desatino?!…

E ouvia a minha voz na voz do vento,
dizendo que eu tivesse paciência,
estudasse, aprendesse e na paixão

de adquirir maior conhecimento,
ingressasse no reino da sapiência…
Que lindo era o Luar do meu Sertão !…

SONETO DE UM CAVALEIRO TRISTE

O sol descai… Montado no alazão
eu sigo pensativo pela estrada,
ouvindo o triste mugir da manada
que procura abrigar-se no capão.

Horas de amor… horas que o coração
modula calmamente uma toada;
que a tarde vai descendo para o nada
e cheio de poesia fica o rincão.

Morre a tardinha e nasce então o sonho
que anima, que cativa, que reluz,
embora seja às vezes tão tristonho.

A noite vai descendo, foge a luz,
por toda parte um reluzir tardonho
e eu prossigo levando a minha cruz !

SONETO DE UM ANDARILHO

Eu vivo solitário e maltrapilho,
a caminhar por este mundo afora,
e levo a vida por um triste trilho,
boêmio sem amor e sem aurora.

Da solidão sou sempre um pobre filho,
e com imensa dor minh´alma chora,
quando lembro sozinho o nosso idílio,
aquele louco amor que tive outrora.

Hoje, tristonho e maltrapilho vivo,
da sociedade sempre longe, esquivo…
Apenas nas tabernas acho paz.

E lá, quando me afogo na bebida,
olvido a desventura desta vida
e penso, doido, que me amando estás.

SONETO ARDENTE
Aos poucos vou contando minha história
nos poemas, nas crônicas, nos versos
dos sonetos, das trovas… – merencória
poesia – todos por aí dispersos…

Relembrando os amores mais diversos
que passaram, bem sei, longe da glória
de se concretizarem ou perversos,
magoando a minha triste trajetória…

Lendo as páginas de outros sonhadores
que enfrentaram fracassos, dissabores,
eu me ponho a pensar no céu da vida

que me pudesse dar felicidade
e chego a bendizer esta saudade
como se aos beijos da mulher querida…

SONETO TRISTONHO

Que lindo é o modular do passaredo
que canta desde a aurora vir chegando
até que a tarde triste vá tombando
e a noite desça cheia de segredo.

Ai! quem me dera que eu cantasse ledo
sem estes prantos que me vão cegando
e quando a noite vier se aproximando,
cantar contente sem nenhum degredo !

Como meu peito já não quer cantar
e minha vida sem amor definha,
no verso derradeiro a chorar

te peço encantadora moreninha,
que quando a morte me vier buscar,
reza uma prece pela alma minha !

MATE NO GALPÃO

O mate amargo passa de mão em
mão e a gente se lembra de tropeadas
do destino que leva por estradas
desconhecidas, tristes, sem ninguém.

A cuia prateada me entretém,
escutando os causos dos camaradas
que fizeram de suas gauchadas
por terras que se somem pelo além.

Ruivo fogo crepita no galpão,
nobre abrigo dos tauras soberanos
que saudosos se ajuntam no rincão

a fim de recordar passados anos.
E a cuia do gostoso chimarrão
me é tristezas, saudades, desenganos…

SONETO DO FIM DO DIA

A noite vem descendo vagamente,
as estrelas no céu vão apontando,
a lua começa sua jornada urgente,
de um lado para outro vai passeando…

Quem nestas horas, de um amor ausente,
não fica triste a imensidão mirando,
e embora tantas vezes queira e tente
modular, de tristor fica chorando?!

Nesses momentos sempre é que a saudade
me desanima, me tortura, ingrata…
E eu me recordo, olhando a imensidade,

dos felizes passeios pela mata;
e a feroz aflição que então me invade
irrompe dentro em mim como cascata !

SONETO À MULHER MORENA

Linda manhã radiosa me convida
a prosseguir nos passos rumo ao mundo,
porque sonhar amando é tão profundo,
que mais e mais, também prolonga a vida !

Mas se eu pudesse ser um vagabundo,
sem conhecer a estrada percorrida,
com certeza, conceberia a lida
de procurá-la até em um submundo…

Eu sei que vou lhe amar a todo o instante,
com seu sorriso límpido e brilhante,
qual se fosse de Alencar – ´´A Iracema´´!…

E para consagrar meu preito à bela
morena, que não sai da minha tela,
eis o soneto que ainda é o poema !

FARRAPO

Levantou-se o gaúcho sobranceiro
no alto da coxilha verdejante,
carregava uma carga no semblante
dum tristor que seria o derradeiro.

A glória de lutar e ser galante:
o sonho que conduz o aventureiro.
A glória de ser livre e ser gigante:
o lema que conduz o pegureiro.

Este lema e este sonho se fundiram
e assim surgiu o nobre Farroupilha
que lutou com ousada galhardia,

porque a honra e a justiça escapuliram
da canhada e do topo da coxilha,
do pago em que ele viu a luz do dia !

QUANDO MURCHAR A PRIMAVERA

Quando murcharem as flores dos caminhos
e o peito calar-me indiferente
como a serena mudez dos passarinhos
em noite senil e permanente…

Órfão de afetos, insaciado de carinhos
caminharei tristonho de dolente,
buscando outras sensações em novos ninhos
como a cura ao meu amor fervente.

E nada há de curar a viva chaga
que deixaste a sangrar em meu desejo
ao provar a doçura do teu beijo

naquela tardinha rubra e vaga
e onde estiveres chorarás baixinho
a mágoa de deixar-me tão sozinho.

CANSAÇO

No corpo sentírás a lassidão
de uma canseira incrível, de um torpor
que te virá só para em ti depor
as esperanças que te morrerão…

E numa palidez verás, então,
teus olhos magoados pela dor,
vidrados sem o brilho sonhador
que te deixava tão alegre são…

Desejarás dormir nestes instantes.
O sono não virá dar-te um abraço.
Irás cantar, mas inda que tu cantes

passarás amarguras como passo
e enxergarás que em risos deslumbrantes
te sorrirá flamívolo cansaço…


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Arquivado em Poemas, Rio Grande do Sul

Carolina Ramos (Ano Novo) e Agradecimentos

Aguarde para ler o poema inteiro desta grande poetisa santista 

 

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Enfim, finalizamos sempre em ascensão. Obrigado aos que colaboraram com seus textos, e a todos que participaram diretamente e indiretamente prestigiando estas páginas. Paro por agora, mas retorno dia 3 de janeiro de 2014., desejando uma ótima passagem de ano a todos. 
Ano que vem estaremos juntos novamente.
 
José Feldman
 
P.S.: Se beber, não dirija. Quero te ver com saúde e vivo em 2014

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Arquivado em agradecimento, Comunicado, Poemas

José Feldman (Aquarela de Trovas n. 9)


Ave, irmãos, amai as aves,
deixai que voem, que cantem…
Deixai que, livres de entraves,
o verde e a vida replantem!
A. A. DE ASSIS – Maringá

Só verdade e compaixão
ponha no que você faz;
derrame amor e perdão
e deixe fluir a paz.
ADÉLIA MARIA WOELLNER – Curitiba/PR

Para o retirante é certo
que a árvore neste verão
é qual um sombreiro aberto
que Deus botou no Sertão.
ADEMAR MACEDO – Natal/RN

Relógio fique parado!
Não deixe o tempo passar…
Eu quero ser enganado,
quando a velhice chegar!
AMÁLIA MAX – Ponta Grossa/PR

 Procura longa e constante,
num sempre querer achar…
Um sonho louco e distante,
impossível de alcançar…
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG – São Fidélis/RJ

Amigos também são Anjos
com que Deus cuida de nós;
eles sempre têm arranjos
que desatam nossos nós…
AMILTON MACIEL MONTEIRO – São José dos Campos/SP

Prato de vidro, vazio,
feito um espelho, em teu fundo
refletes o olhar sombrio
das injustiças do mundo!
ANTÔNIO DE OLIVEIRA – Rio Claro/SP

 Mamãe!… Não há quem exprima
uma palavra mais bela,
pois mesmo não tendo rima
a vida rima com ela!
ANTÔNIO ROBERTO – Campos dos Goytacazes/RJ

Se todos, sinceramente,
mostrarem paz e labor,
nós teremos, brevemente,
menos ódio, mais amor!
ARLENE LIMA – Maringá/PR


Eu te imploro, por favor
não insistas nesse adeus,
se não for por meu amor,
fica pelo amor de Deus!
ARLINDO TADEU HAGEN – Belo Horizonte/MG

Um fato triste, por certo,
não convém ser relembrado…
Jamais conserve por perto
as tristezas do passado!
BENEDITO MADEIRA – Porto Alegre/RS

Há quem chore por defunto
bem na beira do caixão,
mas ninguém quer ficar junto
do finado sob o chão.
CARLOS ALBERTO DE ASSIS CAVALCANTI – Arco Verde/PE

Y es que el amor de los dos
quisiera escribirlo en oro
por que eres cosa de Dios…
¡Amor mío! ¡Yo te adoro!
CARMEN PATINO FERNÁNDEZ – (CARMIÑA) – Espanha
 –
Há contraste em nossas vidas
mas, perfeito é o desempenho:
luz e sombra, quando unidas,
dão força e vida ao desenho…
CAROLINA RAMOS – Santos/SP

Terra de todas as raças,
muito verso e trovador.
Têm pinheiros, parques, praças
e um povo trabalhador.
CECILIANO JOSÉ ENNES NETO – Curitiba/PR

Água pura e cristalina
no meu pote mergulhou…
E como luz que ilumina
minha sede então saciou.
CIDINHA FRIGERI – Londrina/PR

Palhaços de profissão?
Ah, Como é bom, fazem bem.
O triste é ter coração
e ser palhaço de alguém!
CLÁUDIO DE CÁPUA – Santos/SP

A mulher do amolador,
que é fofoqueira afamada,
diz que casou sem amor
só pra ter língua afiada!
CLENIR NEVES RIBEIRO – Nova Friburgo/RJ

Gosto de vocês demais,
que me alcançam, pelo espaço…
Somos galhos especiais,
unidos num mesmo laço…
CLEVANE PESSOA ARAÚJO – Belo Horizonte/MG

Solo versos sin belleza,
va luciendo mi alma herida,
pues me invade la tristeza
!al no compartir tu vida!
CRISTINA OLIVEIRA – Estados Unidos

Desmatar!…Ânsia incontida
ataque sem precedente…
ousadia contra a vida
que Deus nos deu de presente!
CYNIRA ANTUNES DE MOURA – Santos/SP

Os meus garbosos oitenta
jamais pensei alcançar:
– será que a carcaça agüenta
uns outros mais a chegar?
DIAMANTINO FERREIRA – São Fidélis/RJ

Inútil, desagradável,
tornar alguém diferente,
para que seja ajustável
aos interesses da gente.
DJALMA MOTA – Caicó/RN

 Nesta vida rotineira,
tua saudade em minha alma
é cantiga de goteira
em noite de chuva calma!
DOMITILLA BORGES BELTRAME – São Paulo/SP
 –
Ora eloquente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de tudo,
no fútil revés… do nada!
DOROTHY JANSSON MORETTI – Sorocaba/SP

Quem meditar por instantes,
certos conceitos refaz:
– O mais caro dos brilhantes
não vale o brilho da paz!
EDERSON CARDOSO DE LIMA – Rio de Janeiro/RJ


Fecha-se o tempo passado,

meia-noite, eu me depuro;
o ano nasce, iluminado,
abre-se o tempo futuro.


ELIANA RUIZ JIMENEZ –  Balneário Camboriú/SC

 Vivo em constante conflito
entre o delírio e a razão:
– meu sonho alcança o infinito,
meus pés tropeçam no chão!
ELISABETH SOUZA CRUZ – Nova Friburgo/RJ

 Ela é plantadora, a gralha,
e plantando tudo dá;
é riqueza que não falha,
no solo do Paraná.
FERNANDO VASCONCELOS – Ponta Grossa/PR

Em ternura plena e extrema,
nossos sonhos se cruzaram!
E a noite se fez poema…
e os versos também se amaram!…
FLÁVIO ROBERTO STEFANI – Porto Alegre/RS

 Teus olhos, de um verde jade,
no instante do nosso adeus,
revelaram que a saudade
tem a cor dos olhos teus.
FRANCISCO JOSÉ PESSOA – Fortaleza/CE

Mi corazón te prefiere,
por mujer entre mujeres,
eres la flor que surgiere
donde mi tumba yaciere.
GERMÁN ECHEVERRÍA AROS – Chile

Aquela ponte que unia
nossas vilas ribeirinhas
une, ainda, por magia,
tuas saudades e as minhas.
GISLAINE CANALES – Porto Alegre/RS

A bengala, cor da paz,
que o homem cego conduz,
tem um mistério que faz
o som transformar-se em Luz!…
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO – Rio de Janeiro/RJ

Recebo a auréola de um santo,
levito pelos espaços,
chegando aos céus por encanto
quando me tens em teus braços!
IVONE T. PRADO – Belo Horizonte/MG

 Voltaste, e a Felicidade,
que voltou no mesmo dia,
rebatizou a Saudade:
– “Teu nome agora é Alegria!!!”
IZO GOLDMAN – São Paulo/SP

Amor… dois copos de vinho,
são nossos dois corações,
cujo sabor é o carinho
transbordando de emoções!
JOSÉ FELDMAN – Maringá/PR

Não penses que estás distante
de uma estrada mais florida,
há sempre um mágico instante
que muda os rumos da vida!
JOSÉ LUCAS DE BARROS – Natal/RN

 O ganso jurou vingança
ao notar, estupefato,
que o pato dormiu com a gansa
e ele fez  “papel de pato”!
JOSÉ OUVERNEY – Pindamonhangaba/SP

Você é luz de luar,
É poesia encantadora!
Venha, pois, iluminar
Minha vida sonhadora!
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE – Pinhalão/PR

Coração desconsolado,
não podeis esmorecer,
se viver é complicado,
muito mais é não viver.
LUIZ ANTONIO CARDOSO – São Paulo/SP

O que dói, às vezes sara
e o que sara não castiga.
A ponte que nos separa
pode ser a que nos liga.
MIGUEL RUSSOWSKY – Joaçaba/SC

Quem diz que eu olho e não vejo
a lágrima em seu olhar
não merece mais meu beijo,
pois sofro a me controlar.
NEI GARCEZ – Curitiba/PR

Sonhando de trova em trova
pela estrada da poesia,
minha vida se renova
no correr de cada dia.
NILTON MANOEL – Ribeirão Preto/SP

Companheiro, estenda a mão,
que nem um bom cavalheiro,
ao colega, amigo, irmão…
porém lave a mão primeiro!
OSVALDO REIS – Maringá/PR

Que os rumos de meus irmãos
não se percam nas estradas
e as vias de duas mãos
sejam vias de mãos dadas!
RENATA PACCOLA – São Paulo/SP

 Quando o Sol encontra a Lua
– no entardecer de ouro e prata –
entoam canções na rua
com vestes de serenata.
SARAH RODRIGUES – Belém/PA

Há dias em que os palhaços
têm conflitos, sem medida,
quando, em segredo, aos pedaços,
mendigam risos da vida.
SILVIA ARAÚJO MOTTA – Belo Horizonte/MG

A minha Vida hoje eu traço
nestas linhas de meu verso,
assim acho meu espaço
e tenho todo o Universo !…
SÔNIA DITZEL MARTELO – Ponta Grossa/PR

Este perdão que me negas
por “um nada” que te fiz,
é mais um cravo que pregas
na cruz de um peito infeliz.
THALMA TAVARES – Tambaú/SP

Quando a vida é limitada
eu lhe amplio a dimensão:
cada coluna é bordada
com retalhos de ilusão…
VANDA FAGUNDES QUEIROZ – Curitiba/PR

O tempo mostrou com calma,
que apesar dos seus desvelos,
não pôde polir minha alma
sem respingar meus cabelos.
WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ– Curitiba/PR

Nosso amor, nossos carinhos,
vão conosco na viagem,
pondo flores nos caminhos
e embelezando a paisagem!
YEDDA PATRÍCIO – Pouso Alegre/MG

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Lairton Trovão de Andrade (Trova e Quadra no Brasil)

A Trova, que surgiu na amena região de Provença, ainda nos longínquos idos da Idade Média, expandiu-se naturalmente pela Itália, Espanha e Portugal, transbordando de ternura os corações das classes sociais da época, numa clara manifestação do espírito,  frequentemente espontâneo e extrovertido,  dos povos de línguas neolatinas.

Através dos tempos, a Trova não permaneceu inalterável como algo estático e acabado, mas sofreu alterações em sua estrutura, principalmente externa, como que a procura da própria identidade e perfeição.

Assim sendo, fora se transformando  progressivamente, através das literaturas, a tal ponto que podemos evidenciar: “As trovas dos seus primeiros tempos, bem como dos tempos de Dom Dinis,  diferem,  e muito, daquelas que praticamos hoje”.

Ainda no passado próximo, as alterações foram bem acentuadas. Cristalizaram-se definitivamente os versos setissilábicos. As rimas, que a princípio nem sempre existiam, tornaram-se indispensáveis. 

Posteriormente, nos jogos florais e nos concursos, não se admitiu mais a presença de trovas com rimas simples ( rima do 2º com o 4º verso), permanecendo, como regra, apenas as de rimas duplas , do 1º com o 3º, e do 2º com o 4º verso.

As históricas alterações, entretanto, preservaram na Trova a grandeza da essência. O  íntimo substancial praticamente permaneceu, a tal ponto que o conceito “trova” ultrapassou os séculos e as culturas e, em nossos dias, recebeu  imenso vigor de expressividade.

E as tendências continuam…

Trovadores sérios do Brasil não admitem mais os termos “quadrinha”, “trovinha” etc. como referências à “Trova”.

Ainda mais: Em se tratando de trovadores brasileiros, mesmo que “trova” e “quadra” sejam ainda sinônimos, já existe por aqui, talvez por influência de trovadores da UBT (União Brasileira de Trovadores), tendência de não reconhecer o termo “quadra” como simples sinônimo de “trova”.

A Trova representa profícua escola literária da Língua Portuguesa, onde o dinamismo dos seus membros, no seio de entidades como a UBT, por exemplo, expressa o esmero de um gênero literário florescente, além da convivência de seus pares numa confraria exemplar. 

Entre os brasileiros, o conceito “quadra” faz pensar, muitas vezes, que se trata de uma forma de versejar do povo, sem nenhuma preocupação gramatical, lembrando forma simples de poemeto de uma estrofe só, onde a simplicidade confunde-se com expressões incultas.

Diante da sua relevante envergadura, designá-la simplesmente de “quadra” parece-nos “sacrilégio literário”.

Nos dias de hoje, o conceito “trova” supõe rigor maior:  Há exigências incondicionais quanto ao número de sílabas, quanto ao sistema de rimas, quanto ao primor de conteúdo, quanto à correção gramatical e quanto à conclusão perfeita  de um pensamento.

Mais do que nunca, representa hoje a “excelência de um achado”. Por isso, a Trova, por sua estirpe e magnitude, pertence à alta nobreza da Literatura.

Enfim, o que se propõe, acima de tudo, é o cultivo da “Trova Literária” que, no seu íntimo, deve ser muito diferente da simples “trova popular”, apesar de que o desejo de todo trovador é que sua trova torne-se popular, no sentido de que seja lida e recitada  por todas as camadas sociais, manifestando a cultura e o esplendor do lado puro e simples da Língua Portuguesa.

Apesar disso, a “Trova Literária” será sempre erudita, ainda que espontânea, cujo conceito  ultrapassa, sem comparações, o mundo limitado e tacanho do conceito, às vezes pejorativo, de  “quadra  popular” do Brasil.

Trovador é aquele que faz trovas. O trovador é maior que o simples poeta, pois todo trovador é poeta, mas nem todo poeta é trovador. No reino das musas, não há orgulho maior que ser trovador!

Por isso, aquele que tem o dom de fazer trovas deve se sentir privilegiado, pois a Língua Portuguesa adquiriu suas primeiras formas literárias, através do labor heróico dos trovadores medievais.   

Os modernos trovadores são os legítimos herdeiros dos primeiros cultores da língua portuguesa.

É possível que, num futuro não muito distante, a Literatura Brasileira, o Dicionário Aurélio e outros possam apresentar diferenças essências entre “Trova” e “quadra”, uma vez que a Língua Portuguesa, sendo viva e dinâmica, pode, muito bem, continuar a ter evoluções e aquisições de novos conceitos, mesmo que alterando noções antigas por serem já, na opinião de muitos, obsoletas e inadequadas.

Concluindo, as considerações feitas aqui não dizem respeito à Trova de Portugal, denominada pelos irmãos lusitanos de “Quadra Popular”, que historicamente serviu de suporte ao nascimento da trova no Brasil.

Fonte:
Falando de Trovas e Trovadores – Nº  03 – Outubro de 2006. Disponível no Portal CEN

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Jangada de Versos do Ceará (2)

NILTO MACIEL
Baturité (1945)
Se Me Chamares Fogo

Se me chamares fogo
eu te labaredas.

Se me quiseres água
eu te correntezas.

Se me julgares vento
eu te tempestades.

Se me disseres pedra
eu te porcelanas.

Se me chamares chão
eu te profundezas.

Se me quiseres noite
eu te estrela Vésper.

Se me julgares pássaro
eu te vendavais.

Se me disseres corvo
eu te Allan Poe.

Se me chamares serpe
eu te paraíso.

Se me quiseres corda
eu te Tiradentes.

Se me julgares diabo
eu te tentações.

Se me disseres anjo
eu te candelabros.

Se me chamares deus
eu te eternidade.

Se me quiseres louco
eu te poesia.

Se me julgares santo
eu te crucifixos.

Se me disseres vida
eu te funerais.

Se me chamares mito
eu te tecelões.

Se me quiseres pródigo
eu te ancestrais.

Se me julgares hoje
eu te amanhã.

Se me disseres sempre
eu te nunca mais.

Se me chamares vem
eu te seguirei.
====================

RACHEL DE QUEIROZ
Fortaleza (1910 – 2003)
Telha de Vidro

Quando a moça da cidade chegou,
veio morar na fazenda
na casa velha…
tão velha…
quem fez aquela casa foi seu bisavô…
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
Mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha..a.
A moça não disse nada;
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro,
queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade…

Agora
o quarto onde ela mora
e o quarto mais alegre da fazenda.
Tão clara que, ao meio-dia, aparece uma renda
de arabescos de sol nos ladrilhos vermelhos
que, apesar de tão velhos,
só agora conhecem a luz do dia…

A lua branca e fria
também se mete às vezes pelo claro
da telha milagrosa…
ou alguma estrelinha audaciosa
carateia no espelho onde a moça se penteia…
Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta, fria,
sem um luar, sem um clarão…
Por que você não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida?
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
==========================
SOARES FEITOSA
(Francisco José Soares Feitosa)
Ipu (1944)
Réquiem em Sol da Tarde

Grita, para ver se alguém te responde.
(Livro de Jó, 5, 1)

Sim,
a porteira do caminho do rio
ainda era a mesma.

A direção do rio também;
presumo não tenham mudado o rio.

O benjamim,
disseram, morrera na seca do 93;
arrancaram-no pelo tronco.

Não replantaram sombra,
nem pássaro.

O banco de aroeira,
racharam-no em lenha de fogo.
O curral das vacas,
também.

O chiqueiro das ovelhas,
À esquerda da casa,
e o dos bodes,
à esquerda do das ovelhas,
sumiram todos.

O batente da porta-da-frente,
e abaixo dele outro batente,
onde uma pedra,
com um caneco d’água
lavei os pés,
ainda estão lá,
os batentes;

e nos batentes também estavam
meus rastros em riscos de fogo,
que continuam.

Os canários amarelos,
os mofumbos florados,
não os vi;
nem flor…
que também não vi.

Os armadores da rede,
na sala-da-frente, sim,
estavam no logar,
parecem,
outra vez prontos para rangir.

E daquelas pessoas,
quando perguntei por elas,
fizeram-me um gesto distante.

Perguntei por mim;
ninguém sabia quem era.

Eu disse:
é um conhecido meu que gostava muito
daqui.

Perguntaram-me quem eu era.
Um amigo, disse,
e fiz um gesto
ao tempo.

Ficaram sentidos por não saberem
nem de mim, nem do “outro”.

Um menino pequeno começou a chorar,
lá dentro.

A mãe correu
para acudir.

Despedi-me
sem dizer palavra.
======================

VIRNA TEIXEIRA
Fortaleza (1971)
Visita

Criado-mudo:
Bíblia e
rosário de contas.

Na cama, ao lado
a nudez
sem nome.
=================

FLORIANO MARTINS
Fortaleza (1957)
I  Salas de reconhecimento

Sou eu o nome as letras
em que te arrastas
As perguntas que iniciam
a travessia de tua dor

Noite inquieta sob escombros
Delicado tambor das tormentas 
Tua sombra vem vindo
ao ninho de minhas sílabas errantes

Tua sombra erguida 
Intimidade de cinzas
onde a dor o lábio toca 
Formas ressurgidas do caos
Prolongas teu ser em tudo o que me falta

Noite submersa em tremores
Esplendor de infernos  devassados 
Pousa tua mão
na esfera crepitante de meus sentidos

Uma prova o livro que conduz
ao templo 
Missal de cinzas 
Teu corpo soprado mil vezes
a queimar mais e mais longe de ti

Sou eu morte as ruínas
de tua história 
Lugar onde ninguém mais te escuta
Onde as pedras de fogo são polidas

Tua sombra erguida 
Oculto fósforo
no desmaio dos sentidos 
Os delicados jogos da morte
Assim escavas sob os pilares do tempo

A treva em ti atingirá
a fonte de outra queda 
Tumulto que eleva
tua vida acima de toda ruína

Sou eu o livro 
As vozes
de tua memória agitando os segredos do silêncio
Tuas carnes devoradas pelo tempo

Noite cerimonial do abismo
Tuas ruínas respiram em meu canto 
Mil nomes segreda
o ar ao cruzar as entradas invisíveis

Aqui andei 
Entre as criaturas
dementes do mundo 
Peregrino dentro de um quadro
Escrituras folheando o vento

Ressurges em mim 
Ávida sentença de meus
dias nas trevas 
Alma inacabada a sorrir das formas
que engendro como portas ao absoluto

Uma prova as últimas chamas
evocadas 
Braseiro confirmando a pele de teus dias
e suportar  as figuras do vazio

Noite nascendo em outra noite
Por trás das colunas circulares o fogo abriga o livro
do invisível pranto de suas cinzas

Aqui andei 
Fomos um e todos
Mascar o tempo é rito de alucinados 
Os episódios
virão dar todos nesta escura sala

Fonte:

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Irmãos Grimm (O Fiel João)

Houve uma vez, um velho rei que, sentindo-se muito doente pensou:

“Este será o meu leito de morte!” – disse então aos que o cercavam:

– Chamem o meu fiel João.

O fiel João era o seu criado predileto, assim chamado porque durante toda a vida, fora-lhe extremamente fiel. Portanto, quando se aproximou do leito onde estava o rei, este lhe disse:

– Meu fidelíssimo João, sinto que estou me aproximando do fim; nada me preocupa, a não ser o futuro do meu filho; é um rapaz ainda inexperiente e, se não me prometeres ensinar-lhe tudo e orientá-lo no que deve saber, assim como ser para ele um pai adotivo, não poderei fechar os olhos em paz.

– Não o abandonarei nunca – respondeu o fiel João – e prometo servi-lo com toda a lealdade, mesmo que isso me custe a vida.

– Agora morro contente e em paz – exclamou o velho rei, e acrescentou: – depois da minha morte, deves mostrar-lhe todo o castelo, os aposentos, as salas e os subterrâneos todos, com os tesouros que encerram. Exceto, porém, o ultimo quarto do corredor comprido, onde está escondido o retrato da princesa do Telhado de Ouro; pois, se vir aquele retrato ficara ardentemente apaixonado por ela, cairá um longo desmaio e, por sua causa, correra grandes perigos dos quais eu te peço que o livres e o preserve.

Assim que o fiel João acabou de apertar, ainda uma vez, a mão do velho rei, este silenciou, reclinou a cabeça no travesseiro e morreu.

O velho rei foi enterrado e, passados alguns dias, o fiel João expôs ao príncipe o que lhe havia prometido pouco antes de sua morte, acrescentando:

– Cumprirei minha promessa. Ser-te-ei fiel como o fui para com ele mesmo, mesmo que isso me custe a vida.

Transcorrido o período de luto, o fiel João disse-lhe:

– Já é tempo que tomes conhecimento das riquezas que herdaste; vamos, vou mostrar-te o castelo de teu pai.

Conduziu-o por toda parte, de cima até embaixo, mostrando-lhe os aposentos com o imenso tesouro, evitando, porém uma determinada porta: a do quarto onde se achava o retrato perigoso. Este estava colocado de maneira que ao abrir a porta, era logo visto; e era tão maravilhoso que parecia vivo, tão lindo, tão delicado que nada no mundo lhe podia comparar. O jovem rei notou que o fiel João passava sempre sem parar diante daquela única porta e, curiosamente perguntou:

– E essa porta, porque não abres nunca?

– Não abro porque há lá dentro algo que te assustaria – respondeu o criado.

O jovem rei, porém insistiu:

– Já visitei todo o castelo, agora quero saber o que há lá dentro – E foi se encaminhando, decidido a forçar a porta. O fiel João deteve-o, suplicando:

– Prometi a teu pai, momentos antes de sua morte, que jamais verias o que lá se encontra, porque isso seria causa de grandes desventuras para ti e para mim.

– Não, não – replicou o jovem – a minha desventura será ignorar o que há lá dentro, pois não mais terei sossego, enquanto não conseguir ver com meus próprios olhos. Não sarei daqui enquanto não abrires essa porta.

Vendo que nada adiantava opor-se, o fiel João, com o coração apertado de angustia, procurou no grande molho a chave indicada. Tendo aberto a porta, entrou em primeiro lugar, pensando assim, encobrir com seu corpo a tela, a fim de que o rei não a visse. Nada adiantou, porém, porque o rei erguendo-se nas pontas dos pés, olhou por cima de seu ombro e conseguiu vê-la.

Mal avistou o retrato da belíssima jovem, resplandecente de ouro e pedrarias, caiu por terra desmaiado. O fiel João precipitou-se logo e carregou-o para a cama, enquanto pensava, cheio de aflição: “A desgraça verificou-se; Senhor Deus, que acontecerá agora?” Procurou reanimá-lo, dando-lhe uns goles de vinho, e assim que o rei recuperou os sentidos, suas primeiras palavras foram:

-Ah! De quem é aquele retrato maravilhoso?

-É da princesa do Telhado de Ouro – respondeu o fiel João.

– Meu amor por ela, – acrescentou o rei, – é tão grande que, se todas as folhas das árvores fossem línguas, ainda não bastariam para exprimi-lo; arriscarei, sem hesitar, minha vida para conquistá-la; e tu, meu fidelíssimo João, deves ajudar-me.

O podre criado meditou, longamente, na maneira conveniente de agir; porquanto, era muito difícil chegar à presença da princesa. Após muito refletir, descobriu um meio que lhe pareceu bom e comunicou ao rei.

– Tudo o que a circunda é de ouro: mesas, cadeiras, baixelas, copos, vasilhas, enfim, todos os utensílios de uso doméstico são de ouro. Em teu tesouro há cinco toneladas de ouro; reúne os ourives da corte e manda cinzelar esse ouro; que o transformem em toda espécie de vasos e objetos ornamentais: pássaros, feras e animais exóticos; isso agradará a princesa; apresentar-nos-emos a ela, oferecendo essas coisas todas e tentaremos a sorte.

O rei convocou todos os ourives e estes passaram a trabalhar dia e noite até aprontar aqueles esplêndidos objetos. Uma vez tudo pronto, foi carregado para um navio; o fiel João disfarçou-se em mercador e o rei teve de fazer o mesmo para não ser reconhecido. Em seguida zarparam, navegando longos dias até chegarem à cidade onde morava a princesa do Telhado de Ouro.

O fiel João aconselhou o rei a que permanecesse no navio esperando.

– Talvez eu traga comigo a princesa, – disse ele; portanto, portanto, providencia para que tudo esteja em ordem; manda expor todos os objetos de ouro e adornar caprichosamente o navio.

Juntou, depois, diversos objetos de ouro no avental, desceu à terra e dirigiu-se diretamente ao palácio real. Chegando ao pátio do palácio, avistou uma linda moça tirando água da fonte com dois baldes de ouro. Quando ela se voltou, carregando a água cristalina, deparou com o desconhecido; perguntou-lhe quem era.

– Sou um mercador, – respondeu ele, abrindo o avental e mostrando o que trazia.

– Ah! Que lindos objetos de ouro! – exclamou a moça.

Descansou os baldes no chão e pôs-se a examiná-los um por um.

– A princesa deve vê-los, – disse ela; gosta tanto de objetos de ouro que, certamente, os comprará todos.

Tomando-lhe a mão, conduziu-o até aos aposentos superiores, que eram os da princesa. Quando esta viu a esplêndida mercadoria disse encantada;

– Está tudo tão bem cinzelado que desejo comprar todos os objetos.

O fiel João, porém, disse-lhe:

– Eu sou apenas o criado de um rico mercador; o que tenho aqui nada é em comparação ao que meu amo tem no seu navio; o que de mais artístico e precioso se tenha já feito em ouro, ele tem lá.

Ele pediu que lhe trouxessem tudo, mas o fiel João retrucou:

– Para isso seriam necessários muitos dias, tal a quantidade de objetos. Seriam necessárias também muitas salas de expô-los, e este palácio, parecem-me, não tem espaço suficiente.

Espicaçou-lhe assim a curiosidade e o desejo; então ela concordou em ir até ao navio.

– Leva-me, quero ver pessoalmente os tesouros que teu amo tem a bordo.

Radiante de felicidade, o fiel João conduziu-a a bordo do navio e quando o rei a viu achou que era ainda mais bela do que no retrato; seu coração ameaçava saltar-lhe do peito de tanta alegria. O rei recebeu-a e a acompanhou-a ao interior do navio. O fiel João, porém, ficou junto ao timoneiro, ordenando-lhe que zarpasse depressa.

– A toda vela, faça com que voe como um pássaro no ar, – dizia ele

Entretanto, o rei ia mostrando à princesa, um por um, os maravilhosos objetos de ouro: pratos, copos, vasilhas, pássaros, feras e monstros, exaltando-lhes as formas e o fino cinzelamento. Passaram, assim, muitas horas na contemplação daquelas obras de arte; em sua alegria ela nem sequer percebera que o navio estava navegando. Tendo examinado o último objeto, agradeceu ao mercador, dispondo-se a voltar para casa; mas chegando ao tombadilho, viu que o navio corria a toda vela rumo ao mar alto, distante da costa.

– Ah, – gritou apavorada, – enganaram-me! Fui raptada, estou à mercê de um vulgar mercador, prefiro morrer!

O rei, então, pegando-lhe a mãozinha disse:

– Não sou um vulgo mercador; sou um rei de nascimento não inferior ao teu. Se usei de astúcia para te raptar, fi-lo por excesso de amor. Quando vi pela primeira vez teu retrato, a emoção prostou-me desmaiado.

Ouvindo essas palavras, a princesa do Telhado de ouro sentiu-se confortada e de tal maneira seu coração se prendeu ao jovem, que consentiu em se tornar sua esposa.

O navio continuava em mar alto e os noivos extasiavam-se a contemplar aqueles objetos todos; enquanto isso, o fiel João; sentado à proa, divertia-se a tocar o seu instrumento; viu, de repente, três corvos esvoaçando, que pousaram ao seu lado. Parou de tocar, a fim de ouvir o que grasnavam, pois tinha o dom de entender a sua linguagem. Um deles grasnou:

– Ei-lo que vai levando para casa a princesa do Telhado de Ouro?

– Sim, – respondeu o segundo, – mas ela ainda não lhe pertence!

– Pertence, sim, – replicou o terceiro, – ela está aqui no navio com ele.

Então o primeiro corvo tornou a grasnar:

– Que adianta? Quando desembarcarem, sairá a seu encontro um cavalo alazão, o rei tentará montá-lo; se o conseguir, o cavalo fugirá com ele, alcançando-se em voo pelo espaço, e nunca mais ele voltará a ver a sua princesa.

– E não há salvação? – perguntou o segundo corvo.

– Sim, se um outro se lhe antecipar e montar rapidamente no cavalo; pegar o arcabuz que está no coldre e conseguir com o mesmo matar o cavalo; só assim o rei estará salvo. Mas quem é que está a par disso? Se, por acaso, alguém o soubesse o prevenisse o rei, suas pernas, dos pés aos joelhos, se transformariam em pedra, quando falasse.

O segundo corvo falou:

– eu sei mais coisas. Mesmo que matem o cavalo, o jovem rei não conservará a noiva, pois, ao chegarem ao castelo, encontrarão numa sala um manto nupcial que lhes parecerá tecido de ouro e prata, ao invés disso é tecido de enxofre e de pez. Se o rei o vestir, queimar-se-á até a medula dos ossos.

O terceiro corvo perguntou:

– E não há salvação?

– Oh, sim, – respondeu o segundo, – se alguém tendo calçado luvas, agarrar depressa o manto e o atirar ao fogo para que se queime, o jovem rei estará salvo. Mas que adianta se ninguém sabe disso? E se soubesse e prevenisse o rei, se transformaria em pedra desde os joelhos até o coração.

O terceiro corvo, por sua vez, falou:

– Eu ainda sei mais: mesmo que queimem o manto, ainda assim o jovem rei não terá a noiva; pois, após as núpcias, quando começar o baile e a jovem rainha for dançar, ficará repentinamente pálida e cairá no chão como morta. E se alguém não a acudir depressa e não sugar três gotas de sangue de seu seio direito, cuspindo-o em seguida, ela morrerá. Mas se alguém souber disso e o revelar ao rei, ficará inteiramente de pedra desde a cabeça até as pontas dos pés.

Finda essa conversa, os corvos levantaram voo e sumiram. O fiel João, que tudo ouvira e entendera, tornou-se, desde então, tristonho e taciturno. Se não contasse o que sabia ao seu amo, este iria de encontro à própria infelicidade; por outro lado, porém, se lhe revelasse tudo, seria a própria vida que sacrificaria. Por fim resolveu-se: “Devo saldar meu amo, mesmo que isso me custe a vida.”

Quando, portanto, desembarcaram, sucedeu exatamente o que havia predito o corvo: saiu-lhes ao encontro um belo cavalo alazão.

– Muito bem – exclamou o rei, – este cavalo me levará ao castelo, e fez menção de montá-lo.

O fiel João, porém, antecipou-se-lhe, saltou na sela, tirou o arcabuz do coldre e, num instante, abateu o cavalo. Os outros acompanhantes do rei, que não simpatizavam com o fiel João, exclamaram indignados:

– Que absurdo! Matar um animal tão belo! Tão apropriado para levar nosso rei ao castelo!

– Calem-se, deixem-no fazer o que achar conveniente; sendo meu fidelíssimo João, deve ter motivos razoáveis para agir assim.

Encaminharam-se todos para o castelo; na sala depararam com o manto nupcial, que parecia tecido de ouro e prata, sobre uma salva. O jovem rei logo quis vesti-lo, mas o fiel João, com gesto rápido afastou-o e, de mais enluvadas, agarrou o manto e o lançou ao fogo, que o consumiu imediatamente.

Os acompanhantes do rei tornaram a protestar contra esse atrevimento:

– Vejam só! Ousa queimar até o manto nupcial do rei!

Mas o rei tornou a interrompê-los:

– Calem-se! Deve haver um sério motivo para isso; deixem que faça o que deseja, ele é meu fidelíssimo João.

Tiveram inicio as bodas, com grandes festejos. Chegando a hora do baile, também a noiva quis dançar; o fiel João, atento às menores coisas, não deixava de observar-lhe o rosto; de súbito, viu-a empalidecer e cair como morta. De um salto, aproximou-se dela, tomou-a nos braços e carregou-a para o quarto, reclinando-se em seu leito; ajoelhando-se ao lado da cama, sugou-lhe do seio direito três gotas de sangue e cuspiu-as. Com isso ela imediatamente recuperou os sentidos e voltou a respirar normalmente.

Orei, porém, que a tudo assistia sem comprometer as atitudes do fiel João, ficou furioso e ordenou:

– Prendam-no já! Levem-no para o cárcere.

Na manhã seguinte, o fiel João foi julgado e condenado a morte. Levaram-no ao patíbulo, mas, no momento de ser executado, de pé sobre o estrado, resolveu falar.

– Antes de morrer, todos os condenados têm direito de falar; terei eu também esse direito?

– Sim, sim – anuiu o rei

Então o fiel João revelou a verdade

– Estou sendo injustamente condenado; sempre te fui fiel.

E narrou, detalhadamente, a conversa dos corvos, que ouvira quando estavam a bordo em alto mar. Fizera o que fizera só para salvar o rei, seu amo. Então, muito comovido, o rei exclamou:

– Oh, meu fidelíssimo João, perdoa-me! Perdoa-me! Soltem-no imediatamente.

Porém, assim que acabara de pronunciar as ultimas palavras, o fiel João caiu inanimado, transformado em uma estátua de pedra.

A rainha e o rei entristeceram-se profundamente, e este ultimo em prantos, lamentava-se:

– Ah! Quão mal recompensei tamanha fidelidade!

Deu ordens para que a estátua fosse colocada em seu próprio quarto, ao lado da cama. Cada vez que seu olhar caía sobre ela, desatava a chorar, lamuriando-se:

– Ah! Se me fosse possível restituir-te vida, meu caro, meu fiel João.

Decorrido algum tempo, a rainha deu a luz dois meninos gêmeos, os quais cresceram viçosos e bonitos e constituíam a sua maior alegria. Uma ocasião, enquanto a rainha se encontrava na igreja e os dois meninos brincavam junto do pai, este volveu-se entristecido para a estátua suspirando:

– Se pudesse restituir-te a vida, meu fiel João!

Então viu a pedra animar-se e falar:

– Sim – disse ela – está em seu poder restituir-me a vida, a custa, porém do que te é mais caro.

Assombrado com essa revelação, o rei exclamou:

– Por ti darei o que me seja mais caro nesse mundo!

A pedra então continuou:

– Pois bem; se, com tuas próprias mãos, cortares a cabeça teus dois filhinhos e me friccionares com seu sangue, eu recuperarei a vida.

O rei ficou horrorizado à ideia de ter que matar seus filhos estremecidos; mas lembrou-se daquela fidelidade sem par que lhe dedicara o fiel João, a ponto de morrer para salvá-lo e não hesitou mais: sacou a espada e decepou a cabeça dos filhos. Depois friccionou com o sangue deles a estátua de pedra e esta logo se reanimou aparecendo-lhe vivo e são o seu fiel João.

– A tua lealdade – disse-lhe ele, não pode ficar sem recompensa.

Então apanhando as cabeças dos meninos, recolocou-as sobre os troncos; untou-lhes o corte com o sangue deles e, imediatamente, os garotos voltaram a saltar e a brincar como se nada houvesse acontecido.

O rei ficou radiante de alegria; quando viu a rainha que vinha voltando da igreja, escondeu o fiel João e os meninos dentro de um armário. Assim que ela entrou, perguntou-lhe:

– Foi a igreja rezar?

– Sim, respondeu ela – mas não cessei de pensar no fiel João; por nossa causa ele foi tão desventurado!

Então o rei insinuou:

– Minha querida mulher, nós poderíamos restituir-lhe a vida; mas custa a vida de nossos filhinhos. Acha que devemos sacrificá-los?

A rainha empalideceu, sentindo o sangue gelar-se-lhe nas veias; contudo animou-se e disse:

– Pela incomparável fidelidade que nos dedicou acho que devemos.

Felicíssimo por ver que a rainha concordava com ele, o rei abriu o armário e fez sair as crianças e o fiel João.

– Graças a Deus – disse – aqui está ele desencantado e temos os nossos filhinhos.

Depois contou-lhe detalhadamente o ocorrido. E, a partir de então, viveram todos juntos, alegres e felizes, até o fim da vida.

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Francisca Júlia (Cristais Poéticos 2)

ADAMAH
(a Júlia Lopes d’Almeida)

Homem, sábio produto, epítome fecundo
Do supremo saber, forma recém-nascida,
Pelos mandos do céu, divinos, impelida,
Para povoar a terra e dominar o mundo;

Homem, filho de Deus, imagem foragida,
Homem, ser inocente, incauto e vagabundo,
Da terrena substância, em que nasceu, oriundo,
Para ser o primeiro a conhecer a vida;

Em teu primeiro dia, olhando a vida em cada
Ser, seguindo com o olhar as barulhentas levas
De pássaros saudando a primeira alvorada,

Que ingênuo medo o teu, quando ao céu calmo elevas
O ingênuo olhar, e vês a terra mergulhada
No primeiro silêncio e nas primeiras trevas…

CARLOS GOMES

Essa que plange, que soluça e pensa,
Amorosa e febril, tímida e casta,
Lira que raiva, lira que devasta,
E que dos próprios sons vive suspensa,

Guarda nas cordas uma escala imensa,
Que, quando rompe, espaço fora arrasta
Ora do mar as queixas, ora a vasta
Sussurração de uma floresta densa.

Ei-la muda; mas tal intensidade
Teve a música enorme do seu choro,
O dilúvio orquestral dos seus lamentos,

Que, muda assim, rotas as cordas, há de
Para sempre vibrar o eco sonoro
Que su’alma lançou aos quatro ventos.

NATUREZA

Um contínuo voejar de moscas e de abelhas
Agita os ares de um rumor de asas medrosas;
A Natureza ri pelas bocas vermelhas
Tanto das flores más como das boas rosas.

Por contraste, hás de ouvir em noites tenebrosas
O grito dos chacais e o pranto das ovelhas,
Brados de desespero e frases amorosas
Pronunciadas, a medo, à concha das orelhas…

Ó Natureza, ó Mãe pérfida! tu, que crias,
Na longa sucessão das noites e dos dias,
Tanto aborto, que se transforma e se renova,

Quando meu pobre corpo estiver sepultado,
Mãe! transforma-o também num chorão recurvado
Para dar sombra fresca à minha própria cova.

A FONTE DE JACÓ

Na velha Samaria era Sicar situada;
Ora, em Sicar, Jacó, filho de Isac, um dia,
Velho já, tarda a mão, à sua gente amada
Uma fonte rasgou d’água límpida e fria.

O Mestre, certa vez, a essa borda abençoada,
(No tempo de Jesus a fonte inda existia)
À hora sexta quedou-se, a fronte angustiada
De dor, a ver passar gentes de Samaria.

Uma Samaritana, acaso, à fonte veio;
E ao passar por Jesus, com seu cântaro cheio,
O alto busto ondulou numa graça lasciva…

— Água! pediu Jesus, mata-me a sede e a mágoa!
Do cântaro, que tens, dá-me uma pouca d’água
Que, em troca, eu te darei da fonte d’água viva.

A UMA SANTA

Foge, sem ódio, ao mal; o bem pratica;
Se a dor lhe dói, cuida-a gostosa e boa,
Ou faz então com que ela lhe não doa;
Na pobreza em que está julga-se rica;

O mal, sabe que passa, o bem, que fica;
Por isso o bem acolhe e o mal perdoa.
Quanto mais vive, mais se aperfeiçoa,
Quanto mais sofre, mais se glorifica.

Por essa alta moral os atos regra;
Em nenhum outro esforço em vão se cansa,
Por nenhum outro ideal se bate em vão.

E é feliz, mais feliz porque se alegra
Não com o muito que a sua mão alcança,
Porém com o pouco que já tem na mão.

A UM VELHO

Por suas próprias mãos armado cavaleiro,
Na cruzada em que entrou, com fé e mão segura,
Fez um cerco tenaz ao redor do Dinheiro,
E o colheu, a cuidar que colhia a Ventura.

Moço, no seu viver errante e aventureiro,
O peito abroquelou dentro de uma armadura;
Velho, a paz vê chegar do dia derradeiro
Entre a abundância do ouro e o tédio da fartura.

No amor, de que é rodeado, adivinha e pressente
O interesse que o move, o anima e o faz ardente;
Foge por isso ao mundo e busca a solidão.

O passado feliz o presente lhe invade,
E vive de gozar a pungente saudade
Das noites sem abrigo e dos dias sem pão.

DE VOLTA

Mais encanto que a mais populosa cidade,
Dentre tantas que viu, a sua aldeia encerra,
— Uma nesga de gleba e socalcos de serra
Sob um céu sempre azul, de ampla serenidade.

Por tudo o olhar derrama ungido de saudade,
E, evocando o passado, os tristes olhos cerra.
Neste instante feliz, nada há que mais lhe agrade
Que sentir-se entre os seus em sua própria terra.

Chega. O primeiro amigo a quem a mão aperta,
Quase à meiga pressão se esquiva, indiferente,
E de outras efusões mais vivas se liberta.

Nessa mão, que recua, outras, frias, pressente…
Antes exílio e dor, pão duro e vida incerta,
Que o desprezo arrostar da sua própria gente.

PÉRFIDA

Disse-lhe o poeta: “Aqui, sob estes ramos,
Sob estas verdes laçarias bravas,
Ah! quantos beijos, trêmula, me davas!
Ah! quantas horas de prazer passamos!

Foi aqui mesmo, — como tu me amavas!
Foi aqui, sob os úmidos recamos
Desta aragem, que uma rede alçamos
Em que teu corpo, mole, repousavas.

Horas passava junto a ti, bem perto
De ti. Que gozo então! Mas, pouco a pouco,
Todo esse amor calcaste sob os pés”.

“Mas, disse-lhe ela, quem és tu? De certo,
Essa mulher de quem tu falas, louco,
Não, não sou eu, porque não sei quem és…”

NO BAILE

Flores, damascos… é um sarau de gala.
Tudo reluz, tudo esplandece e brilha;
Riquíssimos bordados de escumilha
Envolvem toda a suntuosa sala.

Moços, moças levantam-se; a quadrilha
Rompe; um suave perfume o ar trescala;
E Flora, a um canto, envolta na mantilha,
Espera que o marquês venha tirá-la…

Finda a quadrilha. Rompe a valsa inglesa.
E ela não quer dançar! ela, a marquesa
Flora, a menina mais formosa e rica!

E ele não vem! Enquanto finda a valsa,
Ela, triste, a sonhar, calça e descalça
As finíssimas luvas de pelica!

CARIDADE

A alma do homem se torna egoísta e má
Porque a impiedade de hoje é a sua escola.
Essa, que no Evangelho se acrisola,
Caridade cristã, onde é que está?

Capazes, hoje em dia, poucos há
Dessa piedade rara, que consola,
Que os olhos fecha para dar a esmola,
A fim de que não veja a quem a dá.

Sede piedosos. Bem-aventurados
Os que fazem o bem de olhos fechados.
Pois a esmola é só útil e eficaz,

Só tem justo valor, sem dano ou perda,
Se não chega a saber a mão esquerda
O benefício que a direita faz.

OUTRA VIDA

Se o dia de hoje é igual ao dia que me espera
Depois, resta-me, entanto, o consolo incessante
De sentir, sob os pés, a cada passo adiante,
Que se muda o meu chão para o chão de outra esfera.

Eu não me esquivo à dor nem maldigo a severa
Lei que me condenou à tortura constante;
Porque em tudo adivinho a morte a todo instante,
Abro o seio, risonha, à mão que o dilacera.

No ambiente que me envolve há trevas do seu luto;
Na minha solidão a sua voz escuto,
E sinto, contra o meu, o seu hálito frio.

Morte, curta é a jornada e o meu fim está perto!
Feliz, contigo irei, sem olhar o deserto
Que deixo atrás de mim, vago, imenso, vazio…

NOTURNO

Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério…
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de um misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua…
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.

E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele, em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.

À NOITE

Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra;
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois, a pensar… De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um “requiem” doloroso.

No alto uma estrela triste as pálpebras descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso…

Em noite escura assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor tão cheia de alma…

É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.

Fonte:

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Humberto de Campos (A Bilha)

Sentado em um banco de madeira tosca, colocado por ele próprio diante da sua chácara do “Bom Retiro”, a dois quilômetros de São Fidélis, olha o coronel Saturnino as grandes águas do Paraíba, que rola, sereno e inchado, no rumo de São João da Barra. A cinco metros do honrado fazendeiro, no leito do rio, emergem duas cabeças queridas: a do filho, o Alfredinho, um pirralho louro, forte, vivaz, de quatro anos, feitos em setembro, e a da sua segunda esposa, D. Florinda, cujos cabelos castanhos, soltos e molhados, lhe orlam, como um capuz de freira, o formoso rosto moreno. O fazendeiro olha, sorrindo, os dois banhistas que lhe enchem o coração, e dá ordens:

– Não vá para longe, Alfredo. Fique aí mesmo.

E para a esposa:

– Mergulhe, Lindinha. Está com medo?

A moça dá um mergulho ligeiro, e aparece mais distante, com os lindos olhos fechados, para que lhe escorra melhor sobre o colo forte, como pérolas dissolvidas, a água que lhe encharca os cabelos.

Diverte-se o coronel, assim, com os dois anjos que lhe constituem a família, quando, tomando uma bilha velha e inservível que se achava próxima, se põe de pé, e a atira, longe, um exercício dos músculos vigorosos, na corrente do rio. Apanhada pela correnteza, a vasilha de barro começa a descer, rápida, rodopiando, arrebatada pelas águas. De repente, porém, com a boca para cima, começa a encher-se, afundando-se pouco a pouco, até que desaparece, sem deixar vestígio, no tumulto um redemoinho fervente.

Alfredinho olha, atento, a viagem da vasilha, e, vendo-a desaparecer na voragem, franze o cenho infantil, perguntando, intrigado, ao velho:

– Papai, por que é que a bilha foi para o fundo?

– Porque entrou água; está claro! – explicou o coronel.

– Ela não estava com a boca para cima?

– Estava, sim.

– E como entrou água?

– Porque estava furada, – tornou o velho.

O pequeno meditou um instante, franziu a testazinha inteligente, e, olhando Dona Florinda, que se encaminhava com o rosto fora d´água, para o meio do rio, gritou, alto, alarmado, com a vozinha fina:

– Mamãe, venha mais p’ra beira!…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze.

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Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) VII

AGORA

A vida acontece
A todo o momento e em qualquer lugar
Estejamos ou deixemos de estar.
Atemporal escorre pelos dedos das mãos
Pegajosa lambuza-nos de gente
O coração.

ADOLESEMPRE
 
Meu coração inconsequente
Doce quente adolescente
Esquece o tempo que diz:

Tuas melenas brancas
Não fazem de ti criança
Então por que és tão feliz?

MERCADORES DA PALAVRA

Não aceito a palavra maldita
A palavra bendita rejeito
Prefiro a palavra não dita
Que faça abalar-me o peito
Porque
A palavra afiada
Eloquente e vazia
Não me diz nada
E
A palavra mansa
Mas cheia de hipocrisia
Simplesmente me cansa.

UÓ UÓ UÓ

Enquanto a ambulância
Desespera-se pela avenida
Trânsito e pessoas engarrafadas
Dizem não à vida.

SEMEADOR
 
Planto sementes, resoluto.
Sei nunca serei
Árvore ou flor
Sou fruto.

SEM CHANCE

Essa vida é uma escada
Apontada para o nada
Para aqueles que a vivem
Sem gozar a utopia
Das pessoas simples, vadias
Que amam e entregam-se amadas.

CICLOS

Nasço no verão
No outono frutifico
Morro no inverno
Na primavera ressuscito.

ALQUIMI$TA$

No princípio
Era o verbo
Um alquimista alegre
Cercado de crianças geniais.
Hoje
Alquimistas e crianças
$ão $eres $érios demai$.

CLOWN

Pintei um sorriso no rosto
Para disfarçar meu cansaço.
Hoje
Uns me chamam de louco
Outros exclamam, palhaço!!!

BEZERRAS

Tato frágil
Tito mais
Tita flor
Ambrózia
Pai…
Perdoem-me
Ser mais forte
Poeta
Sonho mais.

ADULTO

Vestido de feliz
Caminha o adulto triste
Enquanto a felicidade
Despida de maldade
Brinca de roda
Num coração
Infantil.

FLOR DO MEIO DIA

Eu nasci para ser feliz
Não lembro mais porque chorei
Também não sei porque sofri
O que sei é que amo demais
Do meu jeito meu mau jeito.
Importante!
É que ainda hoje consigo sorrir
Porque nasci neste lugar
E vim morar com a poesia
Menina flor
Musa do meio-dia.

FIO DE OURO

Num céu azul
De iluminadas núvens
Uma pipa dançando
Brinca de liberdade
Atrelada ao sonho que livra
Um garoto de sua dura realidade.

ESCREVER
 
Não jogues com palavras
Como quem joga dados
Nem com sentimentos
Como quem lê mãos…
Tuas sementes
Cultiva na mente
Com raízes fincadas
Em teu coração.

AVENIDA QUALQUER

Dos altos prédios impassíveis
Janelas olham, radares observam,

Antenas perfuram o céu
Da famosa cidade…
Êta ruazinha futriqueira, meu Deus!

OFÍCIO

Escrevo
Como quem acha um trevo
Escrevo
Como quem dá um beijo
Escrevo
Tudo o que desejo
Por muito desejar
Escrevo
Escrevo
Escrevo.

PRIMAVERA

A primavera talvez seja
Duas mãos cheias de cores
Que vêm silenciosamente
Abrir uma janela de fora pra dentro de nós
Movimentando de lá pra cá, daqui pra lá
Suavemente as coisas velhas
Sem nada quebrar.

BAILARINA
(Karina)

Ah, teus pés [rimas preciosas]
Bailam giram voam encantam
Como duas rosas.

Ai, teus pés [delicados artistas]
Quando finalmente no chão
Correm para as mãos do calista.

BALA PERDIDA
(No alvo)

Arma empunhada
Mirada no ser humano

Bala no alvo
Corpo no chão
Inocente ou não

Revólver do povo
Gatilho da lei
Ou vice-versa
Não sei

Sei que toda bala
Acerta sempre em cheio
O peito e o seio
De nossa frágil sociedade.

NEGRO

Negro jazz
Negro samba
Negro soul.

O branco canta e se encanta
Com o que a alma africana
Criou

Negro jazz
Negro samba
Negro soul
E Rock and roll!

OSCAR

Deus revela-se
Através das curvas
Leves, sinuosas e belas
Das monumentais mulheres
De Niemeyer.

LEITURA

Palavras dormem
No silêncio dos livros fechados
Cobertos pela poeira da ignorância…
Mas acordam
Em algazarra num livro aberto
Pela curiosidade de uma criança.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

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Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) VI – Uma Balda do Gemada

Mais vale jeito que força.

O meu cavalinho, o Gemada, era um ótimo animal, de cômodo e rédea: marrequeiro fino e até farejador de perdizes, pelo hábito aprendido com a minha cachorra Tetéia, que foi uma maravilha.

Mas o Gemada tinha uma balda; a não ser comigo, não havia quem o obrigasse a passar um rio, em balsa. Para cavalo era até uma burrice, isso; pois os próprios cavalos confessam – confessam pelo comportamento – que é muito mais agradável atravessar o rio na balsa, do que nadando: cansa menos e não é tão frio…

O Gemada, porém, era refratário a tais comodidades.

Fosse um peão ou qualquer outra pessoa fazê-lo entrar na balsa: gastaria horas, zangar-se-ia, cairia n’água e nada arranjava: o cavalo firmava-se, recuava, pulava, empacava-se, mas não entrava; a cacete, então era pior: empinava-se, couceava, mordia, mas não ia…

Ora, certa vez que, da barranca, eu assistia a uma dessas cenas, e tendo muita pressa e pouca paciência para fazê-lo passar a nado e encilbar do outro lado; enquanto o balseiro, já cansado de firmar a embarcação, praguejava, e o peão, já de mau humor, dava sofrenaços e tirões, e um outro auxiliar já estava rouco de tanto gritar com o cavalo, e embarreado e encharcado; enquanto essa luta durava, a mim fervia-me o sangue, e batia o queixo, enraivado, como que sacudido por febre de sezões…

Não me contive.

Desci da barranca, tomei o cavalo, apertei muito bem os arreios montei e mandei que os peões se afastassem, e que obalseiro, encostando bem a balsa à beira do rio, apenas a segurasse com a mão, de terra.

Isto feito, afastei-me como umas sete braças, firmei as rédeas e cravei as esporas na barriga do cavalo teimoso: ele gemeu com a dor, mosqueou, e saltou pra frente, como unia mola!

Daquele arranco vim à praia, e sempre tocado de espora e rebenque, de pulo, o Gemada atirou-se dentro da balsa, comigo em cima, olé!

O impulso para diante foi tão forte, que a balsa, como uma flecha, deslizou sobre a água e foi, certinha, abicar na outra margem!…

E conforme lá cheguei, tomei a cravar as esporas no Gemada, e ele, desesperado, arrancou, e, de pulo, atirou-se da balsa para terra…

O impulso para trás foi tão forte, que a balsa desandou sobre a água, e foi certinha, como uma flecha, abicar na margem donde havia saído…

Fora esse, exatamente, o cálculo que eu havia feito.

Dai por diante nunca mais inquietei-me. Havia rio para passar, em balsa? Ora!

Espora… pulo.., balsa pra lá!
Espora… pulo.., balsa pra cá!
======================
continua… mais casos

Fonte:
Wikipedia

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Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 15 – 20 de marco de 1887

“Câmara Municipal
Sem ter regimento interno!”
Exclamou, com ar paterno
Vereador pontual.

“Sem um acordo fraterno,
Um papel, um manual,
Certo, acabaremos mal,
Faremos disto um inferno.

“Digo-vos que é usual,
Em qualquer lugar externo
Haver regimento interno
Para evitar todo o mal.”

Em tom sossegado e terno
Diz outro municipal
Que o pau (físico ou moral)
É regime mais superno.

— “Há de haver algum sinal
Aqui, pelo lado interno,
Do efeito vivo e fraterno
Desse estatuto formal.

“Palavras (é dito eterno)
Às sopas não trazem sal;
Quero ação, ação real,
Venha do céu ou do averno.

“E que outra menos verbal
Que a ação do cacete alterno,
Não como um vento galerno,
Porém, como um vendaval?

Se, assim amparado, externo
Meu parecer cordial,
Para que me serve o tal
Regimento de caderno?

“Saiba a câmara atual
Que, se eu aqui não governo,
Tenho este dever paterno
De a não fazer trivial.

“Paterno disse? Materno;
Quero outro tom pessoal.
Fique-lhe o tom paternal
Ao colega mais moderno.

“Sim, o pau, é pau real
Venha do céu ou do averno,
E palavras (dito eterno)
Às sopas não trazem sal “.

Não sei que disse o paterno
Vereador pontual;
Eu, por mim, prefiro a tal
Um copo do meu falerno.

Não que seja um casual,
Ruim, triste e subalterno
Modo de encontrar em erno
O consoante final,

É falerno e bom falerno
Sorrir da municipal
Que vive tant bien que mal,
Sem ter regimento interno.

Ou esse escrito legal
Que o outro chamou caderno,
Para o bom viver paterno
Vale tudo ou nada val.

Se não, por que é que o superno
Parlamento nacional
Conserva um trambolho igual,
Quer de verão, quer de inverno?

Se sim, como é curial,
Que não tenha esse uso interno,
Corpo tal, que vive alterno,
Conservador, liberal?

Relevem se um subalterno
Entrou nesse cipoal…
Olha a taça de cristal,
Leitor, vamos ao falerno!

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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Aluízio Azevedo (Vida Literária) III – Um fruto da época

Ontem, quando saí do trabalho, para ir tomar o aperitivo do costume antes do jantar, dou com o nosso querido escritor, o Ernesto Branco, que eu não via há muito tempo.

– Olá! exclamei. Bons ares te restituam à rua do Ouvidor. Como vai isso, poeta? Que tens feito? Qual é agora o teu livro? Qual é o teu novo amor?

Ernesto respondeu-me a tudo isso com um gesto seco, acompanhado de um triste sorriso, que até então nunca lhe vira nos lábios.

E notei que a sua inteligente fisionomia perdera a primitiva expressão de alegre coragem, e parecia agora fechada sobre um surdo desgosto, desses que nos acabrunham, não pela violência da dor, mas pela pungente convicção de que não há esperança de remédio para eles.

– Que tens? perguntei-lhe, encarando-o. Parece-me doente.

– Tédio, murmurou o meu amigo, fechando por um instante os olhos e levando lentamente o charuto à boca.

– Tomaste já o teu vermouth?

– Já não tomo vermouth

– Tomarás hoje. Vem daí.

Subimos até ao largo de S. Francisco e fomos ter àquela confeitaria onde há um viveiro de passarinhos.

Uma vez instalados ao canto mais sombrio do botequim, disse-nos Ernesto enquanto o servente esperava as nossas ordens:

– Não bebas vermouth francês. Li numa revista médica muito séria, que essa detestável bebida é de todos os veículos alcoólicos o mais rápido para chegar à morte ou ao delirium tremens. Depois dele é que está classificado o ilustre absinto, e em terceiro lugar o piperment.

– Pois tomemos uma passagem de segunda classe. Garçom, dois absintos!

– Com goma?

– Não! com água e gelo. Para que adoçar os meios de morte?…

E, voltando-me de todo para o meu amigo, atirei-lhe misteriosamente a nova pergunta a respeito do que ele fazia nesse momento. Era impossível que Ernesto, o fecundo trabalhador das letras brasileiras, não tivesse em mão um novo livro. Quem sabe mesmo se não seria o excesso de trabalho o que lhe dera ao semblante aquele ar de fadiga e aborrecimento ?… Escrever com arte é coisa tão penosa e acabrunhante!… E eu sabia perfeitamente que Ernesto era desses artistas que, quanto mais produzem, melhor e mais acabado querem produzir; desses que, ao terminar uma obra, pensam logo em principiar outra, porque aquela lhes parece ainda incompleta e falhada. Qual seria, pois, a minha desilusão, qual seria o meu desgosto, notando que Ernesto, em vez de responder ao sincero interesse da minha pergunta de admirador e de amigo, deixara pender a cabeça e olhava vagamente para o seu copo?

– Então?! insisti. E’ segredo?! Fala-me do teu novo livro! Dize-me o que estás escrevendo agora…

– Nada…

– Nada ?! Ora essa! Por quê?

– Não vale a pena!

– Ó injusto! Ó ingrato! Pois tu, o único homem de letras que ultimamente no Brasil tem ganho dinheiro… tu, que tens leitores certos; que tens editores para tudo o que escreves; tu, ó felizardo! tens a coragem de falar desse modo…. Vai para o diabo que te carregue! Não sei que queres tu então!

– Estás enganado… – replicou-me Ernesto sem se alterar. Estás muito enganado a meu respeito. Eu tinha com efeito três leitores, mas um abandonou-me para entregar de corpo e alma ao jogo da bolsa e agora só pensa em salvar-se do naufrágio em que o lançaram; o outro deixou-me pela política e, perseguido pelo governo atual, só pensa em salvar da fome a mulher e os filhos e em livrar do cutelo da legalidade a própria cabeça ameaçada. Bem vês que quem tem a pensar em coisas tão preciosas – o dinheiro e a vida, – não se pode dar ao luxo de ler os meus livros.

– E o terceiro?

– Ah! com o terceiro não conto; não contei nunca para pôr o livro no prelo ou a panela no fogo.

O terceiro é o meu colega, é o literato, é o jornalista, é o crítico; é o leitor que foi muito meu amigo enquanto as minhas obras nada rendiam, e que começou a dar-me bordoada de cego, desde que a coisa cheirou a sucesso de livraria.

Não o amaldiçoa; devo-lhe talvez mesmo a coragem triunfante com que trabalhei durante de anos; devo-lhe a convicção do meu valor e da minha energia, agora apagados; devo-lhe o cuidado crescente com que fui caprichando mais e mais toda a nova obra que eu produzia; mas não estou disposto a escrever só para ele, por uma razão muito simples, porque esse leitor não paga!

– Não! bradei eu com um murro na mesa. Não tens razão. Ou te esvaziaste o teu saco, meu rapaz, ou foste invadido pela preguiça! Os teus paradoxos são desculpas de cabo de esquadra! Dize-me que te esgotaste, e nada protestarei, mas…

– Não! Creio que não me esgotei, porque preciso empregar verdadeira violência para não continuar a escrever. Mas trabalhar para quê? por quê? para quem? em que língua? Nesta que falamos? Mas isso é escrever para a família; isto é o mesmo que falar para dentro de um garrafão vazio? E’ ridículo escrever na língua portuguesa!

– Uma bela língua!

– Qual história! Uma língua incompleta e dificílima; uma língua sem prestígio, sem utilidade, sem vocabulário técnico para a ciência e para as coisas da vida moderna; unia língua que nem sequer tem ortografia, porque não tem ainda um dicionário definitivo; uma língua tão mesquinha, que não tem palavras de tratamento. – O homem é senhor, a mulher é senhoira, e acabou-se! Demoiselle, Miss, Senhorita não têm tradução em português. Uma língua em que é preciso errar, quando se não quer ser afetado na linguagem, porque não se há de fazer os personagens tratarem-se por vós, quando o que se usa é você. Você é gíria, é uma asneira que não existe autorizada por língua nenhuma do mundo!

– Você é a corrupção de Vossa Mercê.

– Não é tal! Vossa Mercê é um tratamento respeitoso, e eu não posso perguntar a urna senhora a quem falo pela primeira vez: “Você como vai?” o Usted espanhol, sim, é que pode ser usado e corresponde em respeito e legalidade ao desusado e inútil Vossa Mercê da língua portuguesa.

– Não! Pode-se perfeitamente falar ou escrever a boa língua portuguesa sem errar.

– Sem afetação clássica é impossível. Diz-me a gramática que o imperativo consta de “Faze tu; fazei vós; e eu digo todos os dias ao meu criado: “Faça isto: faça aquilo”. Um horror! Pois eu posso lá continuar a escrever em semelhante língua?… Maldita a hora em que nô-la impingiram os donos dela, A língua portuguesa foi um presente grego!

– Ninguém pode negar que é um idioma elegante…

– Elegante e limpo: A barba que se usa por debaixo do queixo chama-se “Passa-piolho”. A nostalgia da pátria chama-se “Morrinha galega”.

O Antônio Castilho para dizer numa página que, no lugar descrito por ele, havia grande número de raparigas, exprimiu-se assim: “havia moçame à tripa forra”… Que elegância! Que distinção!

– Não concordo contigo.

– Pois não concordes. Ainda não há muito tempo, o Azeredo Coutinho, fazendo a tradução de uma comédia francesa, viu-se em sérios embaraços, para dizer em português um diálogo travado entre dois personagens de sexo diferente, porque os dois não deviam, nem podiam tratar–se por tu, mas também não deviam tratar-se por senhor, que é tratamento muito cerimonioso; e como não existe ou não se usa em português o tratamento de vós, o nobre tradutor, para não abandonar a sua obra, teve de fazer, sabes o teve de dar um título a cada um dos dois personagens, a mulher fez baronesa, e ao homem conde, para que eles pudessem conversar do seguinte modo, sem se tratarem por tu, nem por senhor: “A Baronesa é cruel”, “Não diga isso, Conde”, “A Baronesa não quer ouvir-me, mas eu hei de fazer-me ouvir pela Baronesa…”, “Oh, o Conde não tem razão, mas eu perdoo o Conde”. Delicioso! Mas ainda assim, prefiro que os senhores tradutores vão imitando Portugal na farta distribuição de títulos, ruas não imitem os atuais escritores portugueses que, apertados como o Azeredo na dificuldade do tratamento, recorreram ao passivo si, fazendo-o concordar com a pessoa com quem se fala; de sorte que, escritas por esses mestres aquelas frases citadas, ficariam assim: “A Baronesa não quer ouvir-me, ruas eu hei de fazer-me ouvir por si”, “O Conde não tem razão, mas eu perdoo a si”. Ah, bandidos! E queres tu, meu amigo, que eu escreva em semelhante língua, e para semelhante público de imbecis?!… Não! antes uma boa morte!

E Ernesto, com a resolução de um suicida, gritou para o moço do botequim:

– Garçom! traz um expresso de segunda ordem, bem carregado, bem forte, bem rápido, que me atire o mais depressa possível ao outro inundo! Ao menos lá hei de falar alguma língua que não seja a do padre Sena Freitas!

O Combate, 5 de março de 1892.

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura

Imagem = Aluizio Azevedo, por William Medeiros

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Luiz Flávio do Prado Ribeiro (Poemas Avulsos)

Libreria Fogola Pisa (facebook)
Buarquianas n°1: No lugar

Ele já vai
e eu nem me despedi.
Vai resoluto,
ajeitando a gola
e eu aqui de camisola
de cor de luto.

Ele já foi
e eu nem me despedi.
Incontinenti,
bateu a porta,
assim como quem corta
o ar da gente.

Por quê assim,
se tantos anos se passaram em alegria,
e outros tantos, tantos dias,
tanta estrada,
entre prantos de esperança,
entre juras de mudança,
pra levar a nada …

Fica a vida tão pequena,
a cama grande demais,
a saudade vem sem pena,
a tristeza não fica atrás.

Homenagem à RPBA
Samba composto em Candeias (Disul), 1983

Jorrou
o primeiro poço em Lobato
e ali começou de fato
um grande movimento
que teve o seu momento
com a Lei 2004

Fruto das aspirações brasileiras
de salvaguardar o país
da intromissão estrangeira
essa lei nos garantiu o monopólio
para industrializarmos
o nosso petróleo

E após tantos anos a velha Bahia
que não tem mais a primazia
dos novos e grandes achados
ainda trabalha com valentia
pra produzir
o seu volume provado

Prestamos a nossa homenagem
a essa Região de Produção
e de tradição:
Água Grande, Taquipe, Araçás, Lamarão
Fazenda Bálsamo, Miranga, Remanso, Dom João
Candeias, Brejinho, Imbé, Conceição
Malombê, Buracica, Mata de São João

Jorrou …

Samba para o trabalhador do Recôncavo

Todos os Santos desceram do céu
com arco-íris, pincel e cinzel
e assim criaram, num lindo desenho
um monumento de arte e engenho …

Mas o Recôncavo
não é só a riqueza de seu solo encantado
não é só a beleza e o nome histórico
é também o suor de seus anônimos heróis
que pela vida
vão deixando a força e a voz

É também a viagem
passagem num mundo de fé e coragem
onde a nobreza é a nascente e a foz

Por isso navega …

Navega, navega
barcaça de cacau
nas ondas tão doces do canavial

Moinhos de sonho são dor e prazer
mão na massa, pé na estrada de massapê

Cavalga, cavalga
cavalo-de-pau
explora esses campos com alto ideal
que a luta, conduta de vida,
é força moral.

Salve o trabalhador:
Herói nacional !

Nossa parte
Enchi do vaso
o espaço terra.

Plantei
adubei
reguei.

Hei de colher,
que a flor
não erra.

Árvore que se planta
e rega,
não nega
a seiva.

O fruto-futuro,
sem eiva.

Fonte:
Goulart Gomes (organizador). Antologia do Pórtico.

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Nilto Maciel (Apontamentos para um Ensaio)

Chegou antiquíssima, atual e eterna, com a sua cara de máscara.
Moreira Campos, Dizem que os cães veem coisas.

 No dia 7 de maio de 1994 Mauritz Zetterling chegou a Fortaleza. Não esperava nenhuma recepção, quer no aeroporto, quer no hotel. Afinal, ninguém da cidade o conhecia. Ninguém sequer sabia de sua existência. Talvez algum estudioso de literatura já tivesse lido seu nome. E se essa pessoa tivesse lido seus livros? Não, seus livros não haviam sido ainda traduzidos para o português. Nem mesmo em Portugal. Decididamente nenhum habitante de Fortaleza o conhecia. Ele, porém, conhecia uma pessoa daquela cidade. Não, não conhecia a pessoa, mas a obra literária dela. Pequena parte da obra, é verdade. E com aquela viagem tinha exatamente o objetivo de conhecer pessoalmente o autor de uns maravilhosos contos que havia lido em Estocolmo. Ah! como ansiava conversar com Moreira Campos.

No táxi trocou duas palavras com o motorista. E se perguntasse se conhecia o escritor? Não, os escritores não são cantores populares. Nem nas suas próprias terras. Apesar de muito cansado, tomou banho, almoçou, folheou um jornal e se pôs diante de uma televisão.

O primeiro brasileiro lido por Mauritz tinha sido Jorge Amado. Havia quase vinte anos. Interessou-se pelo Brasil e leu outros brasileiros. Em sueco ou em inglês. Lenngren, um tradutor amigo seu, levava-lhe novidades. Em 1993 mostrou-lhe um livro de Moreira Campos. Traduziu alguns contos para o sueco e, entusiasmado, pediu a opinião a Mauritz. Um novo Tchekhov, gritou o crítico. E se pôs a fazer apontamentos para o ensaio.

Os estudos de Zetterling sobre as obras de George Stiernhielm e Esaias Tegner eram tidos como essenciais para a compreensão da arte literária sueca desde Erikskrönikan. Nenhum crítico na Suécia o superava em conhecimento da literatura de sua pátria. Por que, então, abandonar esse posto e partir em busca de outros mares, de distantes, desconhecidas e ainda informes literaturas?

Tão exaltado se achava Mauritz que decidiu conhecer pessoalmente o contista brasileiro. E zarpou para o Rio de Janeiro. Logo, porém, se encheu de decepção e descrença. Nas livrarias não encontrou nenhum livro do contista. Nas universidades ninguém sabia da existência de Moreira Campos. Teria sido ludibriado? Maldito Lenngren! Ou o castigo imposto ao escritor partia dos editores, livreiros, professores, jornalistas? Já desesperado, ouviu de um vendedor – esse autor é gaúcho e os livro dele só são vendidos em Porto Alegre. Rumou para o sul. Não, Moreira Campos era mineiro e somente em Minas Gerais era lido. De Belo Horizonte partiu para Brasília. No Itamarati ninguém sabia da existência de contistas. Mandaram-no ao Ministério da Cultura. O sueco se havia equivocado – o nome da pessoa procurada era Moreira Campista, deputado e cotista de uma empresa de transportes urbanos. Dirigiu-se à Câmara. O deputado nem escrever sabia. A pessoa a quem Mauritz buscava – informou um assessor legislativo – chamava-se Moreia Campos, banqueiro.

Pronto a desistir de encontrar o escritor e voltar a Estocolmo, o crítico arrumou as malas e sentou-se na beira da cama. Não, não existia um contista brasileiro chamado Moreira Campos. Súbito lembrou-se de detalhe da biografia do contista traduzida por Lenngren: “Moreira Campos nasceu em Senador Pompeu”. Ora, certamente o escritor ainda morava na cidade natal, razão por que não se teria feito conhecido no resto do país. Consultou um mapa do Brasil. Não, o contista não viveria numa cidadezinha. Provavelmente morava numa cidade maior. Levou o mapa ao gerente do hotel e concluiu ser em Fortaleza a morada de Moreira Campos.

Animado com os novos rumos de sua peregrinação, Mauritz viajou para a capital do Ceará. Algumas horas depois de sua chagada, já quase satisfeito consigo mesmo, esteve para morrer de susto – o locutor de televisão anunciou o falecimento de Moreira Campos. E num relance o sueco constatou: havia sido conduzido pelo destino a conhecer o contista no seu último dia.

Surpresa maior Mauritz sentiu após os funerais. Em visita à casa da viúva encontrou os apontamentos por ele feitos para um ensaio sobre a obra de Moreira Campos. Achavam-se junto a rascunhos de contos. Apavorado, perguntou à senhora quem havia escrito ou copiado aquilo. E justificou a pergunta, cuidadoso de não ofender a viúva. Ora, havia deixado aquelas anotações numa gaveta fechada a chave, em sua casa. Lembrou-se do sorriso nos lábios do falecido, ao vê-lo deitado no caixão.

No dia seguinte Mauritz Zetterling regressou a Estocolmo. Tinha pressa em abrir a gaveta da escrivaninha. Virou a chave e nem sequer teve tempo de rever seus apontamentos para o ensaio. Subitamente tombou, sem vida.

Fonte:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

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Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Yehudi Bezerra

Yehudi Bezerra (1946 – ?) faleceu jovem, tendo deixado impresso apenas um livro de contos, Tocaia (1977). Ficaram inéditos Momentos (poemas de 1964 a 1970), Barriga de Bombo ou As Desventuras de Pedroca Mundo, 1º. lugar no Concurso Universitário de Peças Teatrais, promovido pelo Serviço Nacional de Teatro e, em preparo, A Revolução das Bonecas e o romance Tonante.

As nove histórias de Tocaia se desenvolvem em pequenas cidades do Ceará e os personagens são quase sempre homens e mulheres simples. Mas há também coronéis-fazendeiros (os antigos chefes políticos, herdeiros dos coronéis da Guarda Nacional), padres, autoridades constituídas, em permanentes embates com seus rivais. Cada narrativa é um drama de violência e morte, com desfecho de tragédia. O título do volume expressa bem essa constatação.

Yehudi Bezerra faz uso da narração em primeira pessoa e também em terceira, com raríssimos diálogos e quase nenhuma descrição. Cada personagem-narrador tem características próprias. Na primeira obra, “Tocaia”, Venâncio Lustosa espera, pacientemente, atrás de uma moita, a passagem de Joca Viana, para matá-lo e vingar a morte do coronel Zezinho do Vale, em cujas terras, a fazenda Água-Bela, o matador trabalhava “no cabo da enxada ou da foice”. Venâncio parece falar para si mesmo (monólogo interior), até que na metade da narrativa diz ter conhecido Joca há muitos anos, desde “quando ele andava lá pras bandas de Penedo, nossa terra”. Somente então o leitor percebe que o matador fala para outra pessoa. Pouco mais adiante aparece detalhe do interlocutor: “Você era menino, nesse tempo”. Algumas linhas depois a informação se enriquece: O outro é irmão de Venâncio (“Rosalinda, nossa mãe”). E se reafirma com estas palavras: “você é meu irmão”. Ao final, o leitor compreenderá por que no início da narrativa o narrador parece monologar: “Pena você ser mudo, senão eu ia ouvir o que você tinha pra dizer”. Ou seja, o monólogo se transformaria em diálogo.

Em “Mané Piauí, Colo e o Vigário”, não fosse a única vez em que o “eu” aparece, embora em elipse, o leitor não veria no narrador um personagem: (…) “nunca vi tão leve no carregar uma dama” (…). Isto é, o ponto de vista seria do escritor/narrador onisciente. Trata-se de história do tipo oral, narrada nos pretéritos mais-que-perfeito, perfeito e no imperfeito.

Luiz, engenheiro recém-formado, de “Durante a viagem”, narra no tempo presente (monólogo interior) uma viagem de trem, de Fortaleza para Iguatu. Vez por outra, relembra fatos e faz uso do pretérito: “Um dia, no cabaré, eu estava numa das mesas” (…). Todos os pequenos fatos e incidentes e até um crime de morte vistos pelo protagonista são narrados detalhadamente.

Em “O Prefeito e sua gente”, o contista se vale do discurso indireto livre: o narrador onisciente dá voz ao personagem, sem uso de travessão ou aspas, isto é, na fusão da terceira e da primeira pessoa. Como quando se refere ao negro Mundurí: (…) “o diabo do negro não morreu” (…) “eu tenho corpo fechado” (…) Na verdade, são falas e diálogos no interior da narração.

Por último, o protagonista de “A Vida na Ponta da Língua”. Preso por homicídio, monologa em volteios, ora no passado, ora no presente: “sou um negro que conheço o meu lugar”; “perguntou onde era que eu tinha roubado aqueles couros”.   

Nas composições com ponto de vista onisciente, os personagens interagem, logicamente, e os conflitos se desenrolam aos olhos do leitor. Alzira, João e a filha Vilani, de “Oi, Gostosa!”, vivem típica história de costumes do sertão nordestino. O tempo se dilata a cada segmento da narrativa, passado e presente se confundem. Em “Larí Cabeção” o protagonista sobressai. Alarico se torna apenas Larí.  Filho espúrio, menino humilhado pelos outros, larápio de quinquilharias, Larí é um zé-ninguém. O tempo se arrasta e as ações se sucedem, para alcançar deslinde nada trágico: Larí chega à capital, volta a ser Alarico e se torna bandido de respeito. Típico conto de personagem. Em “Uma questão de honra” a trama gira em torno do tradicional triângulo amoroso, com todos os ingredientes de tragédia: Dorinha, Valdomiro e João. Aqui também os seres fictícios se sobrepõem ao drama, porque de desfecho anunciado, como é de praxe nesse tipo de história. Em “O Prefeito e sua gente”, vê-se mais um conto de personagens, como o próprio título indica. São tipos sertanejos clássicos em ação: um coronel, seus opositores políticos, sua mulher bonita, um padre mulherengo, um guarda-costas fidelíssimo. Em “O Pessoal da Rua 7” alguns seres fictícios se envolvem em diversos episódios entrelaçados.

Os narradores dos contos em primeira pessoa são tipos diferentes entre si e a manipulação da linguagem varia de narração para narração. Venâncio é narrador lento, quase silencioso, porque fala para seu irmão mudo, atrás de uma moita, em tocaia. A linguagem, apesar de coloquial, é correta na construção frasal. Uma ou outra palavra é grafada como no linguajar sertanejo: “peduvido” (pé-do-ouvido); “gavando” (gabando); “mindim” (mindinho). O protagonista de “Durante a viagem” é engenheiro e, portanto, tem um maior domínio da linguagem do que um simples matuto. Sua dicção não chega a ser erudita, mas as frases têm estrutura da língua culta. No entanto, faz uso de termos e expressões populares ou da gíria. O terceiro personagem-narrador está preso, após matar um homem. Como Venâncio, é um pobre serviçal de coronel. Sua fala é de fácil compreensão de leitores ou ouvintes de todos os matizes. Uma ou outra palavra pode parecer estranha a alguns, como “destamainho”.

Já o ponto de vista onisciente nas demais obras apresenta diversas variantes. Assim, em “Oi, Gostosa” as frases são curtas e os diálogos breves se intercalam às narrações. A trama se inicia com alguns retrospectos e tem no desenlace a gravidação de Vilani e sua expulsão de casa, pelo padrasto. Em “Mané Piauí, Coló e o Vigário”, o contista utiliza, aqui e ali, o diálogo indireto no interior da narração, quase toda no pretérito imperfeito. Em “Larí Cabeção” presente e pretérito perfeito se misturam ao longo da narração sem diálogos. “Uma questão de honra” também não apresenta falas. Em “O prefeito e sua gente” o leitor pode perder o fôlego desde o início, com longos períodos apenas virgulados. O primeiro ponto aparece na quarta página. As frases seguintes são um pouco mais curtas, de uma página. Em “O pessoal da rua 7” ocorre um entrelaçamento de histórias. No primeiro momento o protagonista é Chico, depois Chico Beira D’água. A seguir, Vila ou Vilani, “a mais valente rapariga daquelas bandas”. O terceiro personagem aparece logo: Rocildo ou Cidinho. O quarto é Zé Põe no Mato e o quinto, Maria. Algumas falas aparecem entre aspas.

Os dramas de Tocaia têm como raízes o modo de vida, a cultura da violência, os costumes sertanejos. Os enredos de Yehudi Bezerra, de tão fechados, costurados, dão ao leitor a impressão de que os desenlaces não poderão ser outros senão o fim trágico do protagonista ou do seu oponente. E isto não se dá sempre. Pois o contista prega uma peça no leitor a cada obra. Como a dizer, o realismo pode ser muito mais do que óbvio, sem precisar ser fantástico ou mágico.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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A. A. de Assis (Revista Virtual de Trovas "Trovia" – n. 169 – janeiro 2014)

Gostar de ti, quem não há de?
Inspiras tal simpatia,
que a gente sente saudade
se deixa de ver-te um dia.
Colombina

Candelabro, iluminaste
meus dias… que glórias viste!
Agora és um velho traste
nas noites de um velho triste..
Jacy Pacheco
 
Meu sonho bom, tu me bastas,
mas, perto do amargo fim,
se por acaso te afastas,
morre um pedaço de mim!
Lavínio Gomes de Almeida

Descalços pelo gramado,
teus pés mansamente vão…
Pões, no pisar, tanto agrado,
que eu tenho inveja do chão!…
Marina Bruna

Ao que pede, à tua porta,
dá, também, tua afeição.
Um pouco de amor conforta
mais que um pedaço de pão!
Rodolpho Abbud – RJ

Não vivas com tanto orgulho
em razão do teu talento.
O tambor, que faz barulho,
tem por dentro apenas vento.
Vasques Filho

 

Um buraco foi aberto
na cerca do galinheiro.
O meu galo, muito esperto,
fez a festa o dia inteiro.
Alberto Paco – PR

A madame era tão chique
e de tão fina linhagem,
que até para ter chilique
retocava a maquiagem!
Arlindo Tadeu Hagen – MG

– “Mas, mamãe, se é gravidez,
que remédio é sugerido?”
– “Arranjar, com rapidez,
algum trouxa, pra marido!”…
Darly O. Barros – SP

Vive a coroa adoentada,
com o esposo desnutrido:
de dia… tome gemada!
de noite…tome gemido!
Edmar Japiassú Maia – RJ

Pergunta a esposa fiel,
com tristeza no semblante:
– Bem, nossa lua-de-mel
entrou em quarto minguante?…
José Fabiano – MG

O malandro te enganou
com truques, filha querida?
E a mocinha perguntou:
– Truque, paizinho, engravida?
José Lucas de Barros – RN

Separou-se… e com mais pique
justifica encabulada:
marido que dá chilique
não consegue dar mais nada…
Maria Nascimento – RJ

Em meu leito de abandono,
eu, mulher, só penso em ti;
se sem ti eu perco o sono,
que será contigo aqui?
Olympio Coutinho – MG


O tempo voa, bem sei,
nos dias da mocidade;
mostra onde errei e acertei,
tem remorso e tem saudade …
Almir Pinto de Azevedo – RJ

Neste encontro inesperado,
vamos brindar a nós dois.
Primeiro, o beijo guardado…
o vinho eu peço depois!
Almira Guaracy Rebelo – MG

Velho trem me faz lembrar
os meus tempos de menino,
em que eu me punha a cismar
qual seria o meu destino…
Amilton Monteiro – SP

Felicidade é encanto
que se vive por um triz,
mas celebro, por enquanto,
apenas o que Deus quis.
Antonio Cabral Filho – RJ

Superando os meus problemas,
descubro que os teus abraços
são elos com que me algemas
no presídio dos teus braços.
Antonio Colavite Filho – SP

Racistas, intransigentes,
olhai o exemplo da mão:
cinco dedos diferentes
na mais perfeita união!
Antonio Juracy Siqueira – PA

Na bagagem que hoje trago
quase tudo joguei fora;
só guardei o bom afago
e as alegrias de agora.
Benedita de Azevedo – RJ

Já velhinho, sonha ainda,
mantendo o brilho no olhar,
que a juventude só finda
quando é impossível sonhar!
Carolina Ramos – SP

Não posso mais recolher
o que perdi no caminho;
mas se alguém me suceder
vai tropeçar em carinho.
Cida Vilhena – PA

Navegando pela vida,
em águas nem sempre mansas,
junto à bagagem sofrida
carrego mil esperanças!
Conceição Abritta – MG

Teu grande amor, que ironia,
é hoje coisa esquecida:
foi luz que por um só dia
iluminou minha vida.
Conceição de Assis – MG
 
Por que não curtir saudade,
que é parte do nosso ser?
– Saudade não tem idade,
fica em nosso entardecer.
Cônego Telles – PR

El primer Nobel del mundo
jamás ha sido entregado,
fue El de Paz y amor profundo;
ganador? Jesus amado!
Cristina Olivera Chávez – EUA

A trama que a vida urde,
tal qual a teia de aranha,
é perfeita, mas ilude
por ser cheia de artimanha…
Cyroba Ritzman – PR

Para o Natal ser perfeito,
com paz, amor e esperança,
faça um presépio em seu peito
e abrigue Jesus criança.
Dáguima Verônica – MG

A trova, de qualquer jeito,
chega forte e vai bem fundo.
Em seu contexto perfeito,
já percorreu todo o mundo.
Diamantino Ferreira – RJ

De beijar-te eu tenho ânsia,
pois vivemos separados…
“O beijo é a menor distância
entre dois apaixonados.”
Djalma da Mota – RN

Revejo o passado e penso,
sem surpresa e sem espanto,
que o tempo, às vezes, é o lenço
com que Deus me enxuga o pranto…
Domitilla Borges Beltrame – SP

Mesmo que a Terra se mude
e os montes vão para os mares,
Deus é refúgio e quietude
na angústia em que te encontrares.
Dorothy Jansson Moretti – SP

Ao devolver minhas cartas,
o carteiro nem sabia
que, além de saudades fartas,
os meus sonhos devolvia.
Eduardo A. O. Toledo – MG

Num desabafo insincero,
chorando em teu ombro amigo,
digo coisas que não quero,
quero coisas que não digo…
Élbea Priscila – SP

Nos vales ou nos outeiros,
levando a luz da instrução,
escolas são candeeiros
que aplacam a escuridão.
Eliana Jimenez – SC

Quando, sem fazer alarde,
me sinto só, esmoreço…
– Inútil meu Mastercard,
amizade não tem preço!
Eliana Palma – PR

Meu beijo tem a fragrância
dos perfumes da amizade,
mas.. dado assim à distância
tem mais sabor de saudade!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Correndo entre paralelas
de aço, o trem foi a glória
para quem hoje vê nelas
apenas traços da história.
Ercy Marques de Faria – SP

Sempre sozinha, aos farrapos,
mas de rosário na mão…
A fé tecida entre os trapos
remendava a solidão!
Francisco Garcia – RN

Todo indivíduo que é tolo,
mas que de sábio se arvora,
é tal um pão sem miolo…
só tem a casca por fora!
Francisco Pessoa – CE

Refém de ti, não recuo,
réu do amor que me corrói:
cada sonho que construo,
tua apatia destrói…
Gilvan Carneiro – RJ

Eu quero poder cantar
meus versos aos quatro cantos,
e assim talvez transformar
em risos todos os prantos!
Gislaine Canales – RS

Teu retrato desbotado,
num canto velho e sozinho,
são resquícios do passado
das pedras do meu caminho.
Gutemberg Liberato – CE

Hoje trago na lembrança
uma dor que sobrevive
num fiapo de esperança,
pelo amor que nunca tive.
J.B. Xavier – SP

Fazer as pazes… Presente
melhor a dar a um irmão
é desfraldar, complacente,
a bandeira do perdão.
Jeanette De Cnop – PR

Me esculpindo a cada dia,
vendo no Mestre o padrão,
tento chegar – que utopia! –
mais perto da perfeição.
Jessé Nascimento – RJ

Na aliança nunca desfeita,
alma e corpo te entreguei:
juntei a ideia perfeita
ao passo maior que eu dei.
Josafá Sobreira da Silva – RJ

Uma chave carregamos,
porta de um mundo melhor,
entretanto não largamos
a muleta de um pior.
José Feldman – PR

Cada vez que alguém cria algo, nasce de novo (Vanda F. Queiroz)

Tempo, cavalo indomável
que tento frear à toa…
Qual pégaso formidável,
quanto mais freio, mais voa…
Jaime Pina da Silveira – SP

Para abraçar-te, menina,
meu anseio é tão profundo,
que a distância de uma esquina
parece uma volta ao mundo.
José Lucas de Barros – RN

Sendo pobre ou um paxá,
na rua vou de roldão.
De que me vale o crachá,
sozinho na multidão?
José Marins – PR
 
No aeroporto, o adeus, o abraço…
e no olhar… rastros de dor.
– Lá se foi, rasgando o espaço,
uma promessa de amor…
José Messias Braz – MG
 

Fugir, poeta, não queiras,
do que a vida preceitua:
teu destino é abrir fronteiras
e deixar que o sonho flua!
José Ouverney –SP

O anel que eu ponho em teu dedo,
mais que um simples adereço,
tem no amor nosso segredo;
do coração o endereço!
José Roberto P. de Souza – SP

Bendigo a lágrima doce
da chuva que cai lá fora.
Bom seria se assim fosse
o pranto que a gente chora!
José Valdez – SP

Ai, amor, estou doente…
Então devo declarar:
a saudade não consente
que tu venhas me curar!
Laérson Quaresma – SP

Se não me dás teu carinho,
se não me queres amar,
sou barco triste e sozinho,
que já não quer navegar.
Luiz Carlos Abritta – MG

Nunca mostres apatia
diante da luta na vida,
mas brinda com simpatia
e a inércia será vencida!
Mª Luíza Walendowski – SC

 
A distância, o céu aberto,
não podem mudar o amor,
que, embora longe está perto,
como a raiz junto à flor.
Mª Thereza Cavalheiro – SP

Nesta vida o tempo ensina:
quem partilhar seu amor
a paz também dissemina,
exterminando o rancor.
Marina Valente – SP

As marcas do teu batom,
deixadas no meu cristal,
têm sabor e têm o dom
de um grande amor, no final.
Maurício Friedrich – PR

Enquanto espero a velhice
eu passo a vida trovando,
pois sei que é muita burrice
passá-la só lamentando.
Nei Garcez – PR
 
Sangra a terra quando arada:
fica frágil, tão exposta…
Mesmo sofrendo calada,
com seus frutos dá a resposta.
Olga Agulhon – PR

Meus sonhos, em grandes asas,
voam no azul infinito
e fulgem, tal como brasas,
por este céu tão bonito.
Olga Ferreira – RS

Solidão e violão
são irmãos e não se largam:
uma amarga o coração,
outro adoça os que se amargam.
Olivaldo Júnior – SP

Tenho em meu peito guardada
para você, que me evita,
a alma um tanto magoada,
mas com ternura infinita.
Renato Alves – RJ

Nossas almas parecidas,
nossos sonhos se irmanando,
eu e tu, vidas vividas
tarde demais se encontrando!
Rita Mourão – SP

Poesia é também música. Música é som.
Som se conta com o ouvido, não com o olho.

Na praia deixei meus sonhos
e, junto às ondas do mar,
pousei meus olhos tristonhos
à espera de te encontrar.
Sarah Rodrigues – PA

A semente, pequenina,
sob a terra protegida,
é assinatura divina
no grande livro da vida.
Selma Patti Spinelli – SP

Coração, nunca te emendas!…
És de fato um sonhador.
Até nas duras contendas
tu vês motivos de amor!
Thalma Tavares – SP

Partiste. Fiquei perdida:
vi meu céu escurecer…
Sem o sol da minha vida,
sempre é noite em meu viver.
Thereza Costa Val – MG
 
Passas por mim… nem me agradas…
e a saudade, sem tardança,
traz de volta as madrugadas
que hoje vivem na lembrança.
Therezinha Brisolla – SP

Meu tempo tornou-se esparso…
Por mais que tente retê-lo,
nem com tintura disfarço
o cinza do meu cabelo.
Vanda Alves – PR

Por mais que o progresso iluda,
deturpe e inverta valor,
o que Deus fez ninguém muda:
amor será sempre Amor.
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Meus desenganos de amor
na poesia buscam fim:
eu não choro a minha dor…
meus versos choram por mim!
Wanda Mourthé – MG

Anjos brancos, as fumaças
dos casebres, no sertão,
aos céus sobem, dando graças
pelo almoço no fogão.
Yedda Patrício – SP

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Irmãos Grimm (Os Três Cabelos de Ouro do Diabo)

Há muitos e muitos anos, numa casinha pobre, nasceu um menino bonito e forte, mas que, ao contrário de todas as outras crianças, nasceu com todos os dentes na boca. Os pais, assim que o viram, ficaram muito assusta-os, pensando se tratar de alguma bruxaria. As vizinhas, entretanto, os tranquilizaram, dizendo que nascer com dentes era sinal de boa sorte. E uma delas, que era considerada feiticeira, profetizou que o menino, ao completar quinze anos, se casaria com a filha do imperador do país.

Um dia, quando o menino ainda era bem pequeno, o imperador passou casualmente pela vila e ouviu contar a história da criança, que era chamada de o “Filho da Sorte.” Indignado com a possibilidade de ver sua filha casada com um tipo qualquer, pobre e de origem humilde, o imperador resolveu dar um jeito de impedir que a profecia se cumprisse.

Dizendo-se um rico comerciante, apresentou-se na casa onde vivia o Filho da Sorte. Tomou a criança nos braços e, fingindo-se encantado com sua beleza, disse aos pais que era muito rico e não tinha ninguém a quem deixar sua herança. Por isso, gostaria muito de poder levar o bebê e criá-lo como se fosse seu filho. O casal, a princípio, não aceitou a proposta, mas o imperador foi tão hábil e convincente que os fez acreditar que daria ao menino uma vida muito melhor do que ele teria naquela casa pobre.

Assim, o perverso imperador levou consigo o pequeno Filho da Sorte e, logo que se viu sozinho, fora da cidade, colocou-o numa caixa e atirou-a ao rio, na certeza de que ela afundaria, matando a criança.

Mas o menino parecia merecer mesmo o nome de Filho da Sorte, pois a caixa, em vez de afundar, saiu flutuando rio abaixo, indo parar no açude de um moinho.

Um velho moleiro que ali trabalhava, pensando ter encontrado um tesouro, foi correndo tirar a caixa da água. Quando a abriu, ficou comovido por ver uma criança tão linda e esperta abandonada para morrer. Como não tinha filhos, levou o bebê para casa. A mulher do moleiro ficou muito feliz, e o Filho da Sorte cresceu ali, rodeado pelo carinho dos pais adotivos.

* * *

O tempo passou e, um dia, alguns meses depois que o menino havia completado quinze anos, o imperador e sua comitiva viajavam pela região quando caiu uma tempestade muito forte. Como não havia nada por perto a não ser o moinho, o imperador foi obrigado a pedir abrigo na casa do velho moleiro.

O casal de velhos o recebeu muito bem. Para que o tempo passasse mais depressa, ficaram conversando com o imperador. Não demorou para que a beleza e a vivacidade do Filho da Sorte chamassem a atenção do monarca, que perguntou ao moleiro se o menino era seu filho. A mulher, inocentemente, respondeu-lhe que não, e acabou contando a história de como haviam encontrado a criança.

Quando ela terminou de falar, os olhos do imperador estavam vermelhos de ódio, pois ele logo se deu conta de quem era o rapaz. Furioso por ele ainda estar vivo, começou imediatamente a pensar num jeito de liquidar o moço de uma vez.

Como estava no meio de uma grande viagem e demoraria muitos meses para voltar ao palácio, o imperador ficou com medo de que a profecia se concretizasse durante sua ausência. Assim, resolveu agir rapidamente e, dando algumas moedas aos velhos, pediu-lhes que deixassem o rapaz levar uma mensagem à rainha, na capital do reino. Em seguida, mandasse à sua mulher ordenando que ela mandasse executar imediatamente o rapaz que lhe entregasse aquela carta.

No dia seguinte, bem cedinho, lá se foi o Filho da Sorte na direção da capital do reino, sem saber que levava nas mãos sua própria sentença de morte.

Andou o dia inteiro, sem descanso, pois queria chegar logo ao palácio. No entanto, como nunca havia deixado a vila em que morava, o rapaz se desviou do caminho certo e acabou se perdendo no meio da floresta.

Quando já estava anoitecendo, o Filho da Sorte viu, numa clareira, uma cabana, onde resolveu pedir ajuda. Bateu à porta e uma velhinha muito bondosa veio atender. A mulher o acolheu com simpatia e, depois de ouvir sua história, deu-lhe de comer e de beber, mas avisou-lhe que seria melhor ele não dormir ali, pois aquela cabana servia de esconderijo a perigosos ladrões, que certamente o matariam quando o encontrassem.

O rapaz, entretanto, não teve medo e insistiu tanto que a boa senhora arranjou-lhe um canto da cabana onde pudesse dormir aquela noite.

De madrugada, quando o Filho da Sorte dormia a sono solto, chegaram os ladrões. A velha, temendo pela vida de seu hóspede, avisou aos malfeitores que havia alguém na cabana, mas que se tratava apenas do filho de um moleiro que estava a caminho da capital para levar uma carta do imperador à mulher.

O chefe dos bandidos ficou muito curioso para saber o conteúdo da carta e a abriu para ler. Ao ver a maldade que estava fazendo com o pobre rapaz, ficou indignado e resolveu pregar uma peça no malvado soberano. Imitando a letra do imperador, escreveu uma nova mensagem à rainha, ordenando que ela casasse imediatamente a princesa com o portador daquela carta. Em seguida, queimou a carta verdadeira e colocou a outra em seu lugar.

Na manhã seguinte, o Filho da Sorte, sem saber de nada, partiu. Orientado pelo próprio chefe dos ladrões, encontrou facilmente o caminho certo para a capital e horas depois se apresentava no palácio.

A rainha, ao ler a mensagem que julgava ler de seu marido, preparou tudo para o casamento, que se realizou naquela mesma tarde, na capela do palácio.

* * *

Meses depois o imperador voltou de sua viagem e, vendo sua filha casada com o filho do moleiro, ficou furioso com a mulher, lista, sem entender por que o marido estava tão bravo, mostrou-lhe a carta que havia recebido. Como não havia mais remédio para a situação, o imperador decidiu não punir nem a mulher nem o genro, para a felicidade da princesa, que gostava muito do marido. Por outro lado, era impossível aceitar que a princesa vivesse casada com um tipo qualquer, sem eira nem beira, como aquele; por isso o imperador chamou o genro e lhe disse:

– Para eu consentir que você e minha filha continuem vivendo juntos, é preciso que você se torne digno de ser um príncipe realizando alguma façanha. Por isso, eu lhe dou uma tarefa para cumprir: quero que vá até o inferno e traga de lá três cabelos de ouro do Diabo. Se conseguir realizar esse feito, quando voltar eu o farei príncipe.

O Filho da Sorte, esperto e valente como era, partiu sem demora rumo ao inferno.

* * *

Caminhou durante muitos dias, até chegar à porta de uma grande cidade, onde uma sentinela lhe perguntou que problemas ele sabia resolver.

– Todos! – respondeu o rapaz.

– Todos?! – disse o guarda. – Então faça-me o favor de dizer por que a fonte do nosso mercado, que antes jorrava um vinho delicioso, agora está tão seca que não solta nem uma gota de água!

– Não posso responder agora – ele respondeu -, mas, se me deixar passar, eu lhe trarei a resposta na volta.

A sentinela, confiando na palavra do rapaz, abriu as portas da cidade para que ele passasse.

O Filho da Sorte seguiu seu caminho e alguns dias depois chegou à porta de uma outra cidade, onde havia outra sentinela que também lhe perguntou que problemas ele sabia resolver.

– Todos! – respondeu ele mais uma vez.

– Ah, é? – disse a sentinela. – Então me responda por que é que a árvore grande dos jardins do nosso rei, que antes dava frutos de ouro, agora está tão seca que não tem nem uma folha mais!

– Não posso responder agora – disse o moço -, mas, se me deixar passar, eu lhe trarei a resposta na volta!

O guarda também acreditou em sua palavra e o deixou seguir.

Alguns dias depois, o filho do moleiro chegou a um grande rio que precisava atravessar para chegar ao inferno. Só havia ali um barqueiro que, ao vê-lo, perguntou a mesma coisa que as duas sentinelas. Quando ouviu o rapaz dizer que sabia resolver todos os problemas, o barqueiro, interessado, disse-lhe:

– Meu jovem, se você sabe mesmo de tudo, então me explique logo por que eu preciso ficar a vida inteira sendo barqueiro, atravessando gente de um lado para outro do rio, sem nunca encontrar uma alma boa que venha me substituir neste trabalho!

– Não sei explicar o motivo – disse o Filho da Sorte -, mas, se me levar à outra margem, prometo que na volta eu trarei a resposta à sua pergunta!

O barqueiro também acreditou na palavra do Filho da Sorte e o levou para o outro lado do rio.

Bem perto dali ficava a porta do inferno. O rapaz bateu bem forte e esperou ser atendido. Algum tempo depois, apareceu à porta a avó do Diabo, dizendo que seu neto não estava. Como ela parecia ser uma boa pessoa, o moço contou-lhe sua história, e a velha, condoendo-se da sua situação, resolveu ajudá-lo.

– Mas se o meu neto o encontrar aqui – disse ela -, vai ficar tão furioso que vai querer matá-lo no mesmo instante e comê-lo assado no jantar. Por isso preciso escondê-lo.

Assim, a velha transformou o Filho da Sorte numa formiguinha e o escondeu numa das dobras de sua saia.

Minutos depois, chegava em casa o Diabo, e já vinha faminto, pois havia sentido cheiro de carne humana, seu prato predileto. Farejou por todos os cantos do inferno, mas, como nada encontrasse, a velha lhe disse:

– Você anda com mania de sentir cheiro de gente! Venha comer que eu matei um franguinho novo especialmente para. o seu jantar!

O Diabo comeu até fartar-se e, depois, como era seu costume, deitou-se no colo da avó para que ela lhe fizesse cafuné. Dali a pouco, dormia profundamente e a velhinha aproveitou-se disso para arrancar o primeiro fio de ouro de sua cabeça.

– Ai! – gritou Satanás. – Que é que você está fazendo, minha avozinha?

– Nada – respondeu a velha. – É que tive um sonho mau e acordei agarrada em seus cabelos!

– E qual foi o sonho que teve? – perguntou o Diabo.

– Sonhei que a fonte do mercado de uma cidade, que antigamente só jorrava vinho, agora anda tão seca que não solta nem uma gota de água.

Satanás deu uma gostosa gargalhada e depois respondeu:

– É verdade! É verdade! É que existe uma pedra tampando o nascedouro da fonte! Se a tirarem, a fonte voltará imediatamente a jorrar vinho.

A avó do Diabo voltou a fazer cafuné na cabeça do neto e logo depois ele dormia tão pesado que roncava. Quando estava num sono ferrado, a velha aproveitou para arrancar o segundo fio de cabelo.

– Ai! Ai! Ai! – fez ele de novo. – O que é que aconteceu agora?

– Eu sonhei outra vez! – disse a avó.

Desta vez foi com uma outra cidade onde havia, no jardim do rei, uma árvore que dava frutos de ouro e que agora está cada dia mais seca!

O Diabo riu gostosamente e respondeu:

– Isto também é verdade, minha avó! E sabe por que a árvore secou? Porque em- baixo dela há um rato que diariamente rói suas raízes. Se matarem o rato, a árvore ficará verde outra vez. Se o deixarem lá, ela ficará cada dia mais seca, até morrer!

Depois de dizer isso, Satanás ajeitou de novo a cabeça no colo da avó e, logo, embalado pelo cafuné, dormia outra vez. A velhinha aproveitou então para arrancar o terceiro fio e ele, acordando por causa da dor, gritou furioso:

– Ai, minha avó! Seus sonhos vão acabar me deixando careca! O que foi desta vez?

– Sonhei com um barqueiro – disse a avó – que se queixava de ficar eternamente passando gente de uma margem para outra< do rio sem nunca encontrar alguém que o substituísse nesse trabalho sem fim!

– Ah! – respondeu o Diabo, dando outra gargalhada. – Esse barqueiro é um bobo! Se ele quiser sair de lá, é preciso apenas que abandone os remos na mão da primeira pessoa que aparecer pedindo para passar à outra margem do rio! A pessoa não terá outro remédio senão tomar o lugar do barqueiro!

Como já estava de posse dos três fios de cabelo, e já havia obtido as respostas para as três perguntas, a velhinha finalmente deixou Satanás dormir sossegado.

Logo de manhã, dizendo ao neto que ia buscar água, a avó do Diabo saiu do inferno e retirou a formiguinha da dobra da saia, restituindo ao Filho da Sorte a forma humana. De posse das três respostas, o rapaz pegou os três fios de cabelo de ouro e, depois de agradecer muito à -velhinha, iniciou o caminho de volta.

Logo chegava outra vez à margem do grande rio e o barqueiro, ansioso, perguntou pela sua resposta.

– Primeiro você precisa me levar ao outro lado – respondeu o rapaz.

E, assim que o barqueiro o atravessou, o moço ensinou-lhe como deveria fazer para escapar da sina de ser barqueiro eternamente. Muito feliz, o homem agradeceu a ajuda e o Filho da Sorte seguiu seu caminho.

Depois de alguns dias, chegava ao portão da cidade onde existia a árvore que dava frutos de ouro. Ensinou à sentinela o que se devia fazer para recuperar a árvore, e o homem, agradecido, deu-lhe como recompensa dois jumentos carregados de ouro e pedras preciosas.

Mais à frente, passou outra vez pelo portão da cidade cuja fonte de vinho havia secado. A sentinela logo indagou da resposta e o moço ensinou-lhe o que fazer, conforme havia ouvido da boca de Satanás. Muito feliz, o guarda deu-lhe mais dois jumentos carregados de ouro e lá se foi o Filho da Sorte, rumo ao reino de seu sogro.

Chegou ao palácio muito satisfeito, pois, além de haver cumprido a façanha exigida, estava agora muito rico.

A princesa, sua esposa, o recebeu com muita alegria e o imperador, depois de ter em mãos os três cabelos de ouro e ver a riqueza que o genro trazia, permitiu que ele vivesse com sua filha e o tornou príncipe.

Tudo ia muito bem no palácio, mas o imperador era muito ambicioso e morria de curiosidade para descobrir como e onde o genro havia conseguido tantas riquezas.

Um dia, não resistindo mais, acabou perguntando, e o Filho da Sorte lhe respondeu:

– Foi muito fácil, meu sogro! No caminho para o inferno há um grande rio onde está sempre um barqueiro que atravessa todas as pessoas. É só pedir para ele atravessá-lo e colher, na margem de lá, todo o ouro que puder carregar, pois o ouro ali é a areia do chão!

– E eu posso ir até lá pegar ouro para mim também? – perguntou o imperador.

– Claro, meu sogro! – respondeu o rapaz. – É só falar com o barqueiro!

O ganancioso imperador saiu logo na manhã seguinte, ansioso por encontrar o lugar onde havia tanta riqueza. Viajou por vários dias e, de fato, acabou encontrando o barqueiro. Este, que aguardava ansiosamente o aparecimento de alguém, assim que o imperador lhe pediu que o atravessasse, entregou-lhe com satisfação os remos e disse: – Atravesse você mesmo, ora! Movido pela ambição, o imperador aceitou a tarefa e saiu remando, enquanto o barqueiro, feliz da vida, saía por esse mundo afora, livre outra vez.

E dizem que até hoje o imperador está lá, Cumprindo a eterna tarefa de atravessar gente de um lado para outro do rio.

Quanto ao Filho da Sorte, viveu feliz por muitos e muitos anos, junto com a princesa, sua amada esposa.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/os_tres_cabelos_de_ouro_do_diabo

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Francisca Júlia (Cristais Poéticos)

DESEJO INÚTIL
(a Vicente de Carvalho)

Qualquer cousa afinal de belo escolher devo
Para em verso plasmar no esforço da obra-prima:
Flor que viceja à sombra, asa que paira em cima,
Aroma de um pomar ou de um campo de trevo.

Aroma, ou asa, ou flor… Tudo o que diga e exprima
Perde, ao moldar-se em verso, o seu próprio relevo,
Porque sinto, mau grado a glória com que escrevo,

Presa a imaginação no limite da rima.

Não val pois provocar, e sem que isto te praza,
Minh’alma, e por amor d’arte que se não doma,
A mágoa que te dói e a febre que te abrasa:

O aroma, sente! est’asa, admira! esta flor, toma!
Mas deixa continuar inexprimidas a asa,
A beleza da flor e a frescura do aroma.

A CAÇADA
(a Valentim Magalhães)

Ao mirante gentil de construção bizarra
Acabou de subir naquele mesmo instante
Em que o seu noivo foi à caça; e, palpitante,
Lá fora cuida ouvir os sons de uma fanfarra.

E, ao mesmo tempo ouvindo o selvagem descante
Que, entre as folhas, sibila a estrídula cigarra,
Ela vai ler a carta onde o seu noivo narra
A dor que há de sofrer quando estiver distante…

E dorme, vendo o sol que, através de uma escassa
Nuvem branca, ilumina as íngremes encostas
Onde aos saltos rabeia a matilha da caça;

E, bem perto, ao rumor de trompas e ladridos,
O seu noivo gentil que, de espingarda às costas,
Lhe oferta uma porção de pássaros feridos…

SONHO AFRICANO
(a João Ribeiro)

Ei-lo em sua choupana. A lâmpada, suspensa
Ao teto, oscila; a um canto, um velho e ervado fimbo;
Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo
Cor de cinábrio em torno à carapinha densa.

Estira-se no chão… Tanta fadiga e doença!
Espreguiça, boceja… O apagado cachimbo
Na boca, nessa meia escuridão de limbo,
Mole, semicerrando os dúbios olhos, pensa…

Pensa na pátria, além… As florestas gigantes
Se estendem sob o azul, onde, cheios de mágoa,
Vivem negros reptis e enormes elefantes…

Calma em tudo. Dardeja o sol raios tranqüilos…
Desce um rio, a cantar… Coalham-se à tona d’água,
Em compacto apertão, os velhos crocodilos…

RAINHA DAS ÁGUAS
(a Alberto de Oliveira)

Mar fora, a rir, da boca o fúlgido tesouro
Mostrando, e sacudindo a farta cabeleira,
Corta a planura ao mar, que se desdobra inteira,
Na esguia concha azul orladurada de ouro.

Rema, à popa, um tritão de escâmeo dorso louro;
Vão à frente os delfins; e, marchando em fileira,
Das ondas a seguir a luminosa esteira,
Vão cantando, a compasso, as piérides em coro.

Crespas, cantando em torno, as vagas, à porfia,
Lambem de popa à proa o casco à concha esguia,
Que prossegue, mar fora, a infinda rota, ufana;

E, no alto, o louro sol, que assoma, entre desmaios,
Saúda esse outro sol de coruscantes raios
Que orna a cabeça real da bela soberana.

A FLORISTA

Suspensa ao braço a grávida corbelha,
Segue a passo, tranquila… O sol faísca…
Os seus carmíneos lábios de mourisca
Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.

Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha
Zumbe em torno ao cabaz… Uma ave, arisca,
O pó do chão, pertinho dela, cisca,
Olhando-a, às vezes, trêmula, de esguelha…

Aos ouvidos lhe soa um rumor brando
De folhas… Pouco a pouco, um leve sono
Lhe vai as grandes pálpebras cerrando…

Cai-lhe de um pé o rústico tamanco…
E assim descalça, mostra, em abandono,
O vultinho de um pé macio e branco.

A UM ARTISTA

Mergulha o teu olhar de fino colarista
No azul: medita um pouco, e escreve; um nada quase:
Um trecho só de prosa, uma estrofe, uma frase
Que patenteie a mão de um requintado artista.

Escreve! Molha a pena, o leve estilo enrista!
Pinta um canto do céu, uma nuvem de gaze
Solta, brilhante ao sol; e que a alma se te vaze
Na cópia dessa luz que nos deslumbra a vista.

Escreve!… Um céu ostenta o matiz da celagem
Onde erra o sol, moroso, entre vapores brancos,
Irisando, ao de leve, o verde da paisagem…

Uma ave banha ao sol o esplêndido plumacho…
Num recanto de bosque, a lamber os barrancos,
Espumeja em cachões uma cachoeira embaixo…

OS ARGONAUTAS
 
Mar fora, ei-los que vão, cheios de ardor insano;
Os astros e o luar — amigas sentinelas —
Lançam bênçãos de cima às largas caravelas
Que rasgam fortemente a vastidão do oceano.

Ei-los que vão buscar noutras paragens belas
Infindos cabedais de algum tesouro arcano…
E o vento austral que passa, em cóleras, ufano,
Faz palpitar o bojo às retesadas velas.

Novos céus querem ver, miríficas belezas,
Querem também possuir tesouros e riquezas
Como essas naus, que têm galhardetes e mastros…

Ateiam-lhes a febre essas minas supostas…
E, olhos fitos no vácuo, imploram, de mãos postas,
A áurea bênção dos céus e a proteção dos astros…

DANÇA DE CENTAURAS

Patas dianteiras no ar, bocas livres dos freios,
Nuas, em grita, em ludo, entrecruzando as lanças,
Ei-las, garbosas vêm, na evolução das danças
Rudes, pompeando à luz a brancura dos seios.

A noite escuta, fulge o luar, gemem as franças;
Mil centauras a rir, em lutas e torneios,
Galopam livres, vão e vêm, os peitos cheios
De ar, o cabelo solto ao léu das auras mansas.

Empalidece o luar, a noite cai, madruga…
A dança hípica pára e logo atroa o espaço
O galope infernal das centauras em fuga:

É que, longe, ao clarão do luar que empalidece,
Enorme, aceso o olhar, bravo, do heróico braço
Pendente a clava argiva, Hércules aparece…

MAHABARATA

Abre esse grande poema onde a imaginativa
De Vyasa, num fragor ecoante de cascata,
Tantas façanhas conta, e dessa estrênua e diva
Progênie de Pandu tantas glórias relata!

Ora Kansa, a suprema encarnação do Siva,
Ora os suaves perfis de Krishna e de Virata
Perpassam, como heróis, numa onda reversiva,
Nas estrofes caudais do grande Mahabarata.

Olha este incêndio e pasma; aspecto belo e triste!
Caminha agora a passo este deserto areoso…
Por cima o céu imenso onde palpitam sóis…

Corre tudo, ofegante, e, finalmente, assiste
À ascensão de Iudhishthira ao suarga luminoso
E à apoteose final dos últimos heróis.

PAISAGEM

Dorme sob o silêncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finíssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim das árvores avanço.

Ao fundo do pomar, entre as folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvíssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do límpido regato.

Nenhuma ave sequer sobre a macia alfombra
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechã sob a noturna sombra.

E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas adentro entrando, a noite desce, desce…
E espalham-se no céu camândulas de estrelas…

EM SONDA

Quieta, enrolada a um tronco, ameaçadora e hedionda,
A “boa” espia… Em cima estende-se a folhagem
Que um vento manso faz oscilar, de onda em onda,
Com a sua noturna e amorosa bafagem.

Um luar mortiço banha a floresta de Sonda,
Desde a copa da faia à esplêndida pastagem;
O ofidiano, escondido, olhos abertos, sonda…
Vai passando, tranqüilo, um búfalo selvagem.

Segue o búfalo, só… mas suspende-lhe o passo
O ofidiano cruel que o ataca de repente,
E que o prende, a silvar, com suas roscas de aço.

Tenta o pobre lutar; os chavelhos enresta;
Mas tomba de cansaço e morre… Tristemente
No alto se esconde a lua, e cala-se a floresta…

A ONDINA

Rente ao mar, que soluça e lambe a praia, a ondina,
Solto, às brisas da noite, o áureo cabelo, nua,
Pela praia passeia. A alvacenta neblina
Tem reflexos de prata à refração da lua.

Uma velha goleta encalhada, a bolina
Rota, pompeia no ar a vela, que flutua.
E, de onda em onda, o mar, soluçando em surdina,
Empola-se espumante, à praia vem, recua…

E, surgindo da treva, um monstro negro, fito
O olhar na ondina, avança, embargando-lhe o passo…
Ela tenta fugir, sufoca o choro, o grito…

Mas o mar, que, espreitando-a, as ondas avoluma,
Roja-se aos pés da ondina e esconde-a no regaço,
Envolvendo-lhe o corpo em turbilhões de espuma.

CEGA

Trôpega, os braços nus, a fronte pensa, várias
Vezes, quando no céu o louro sol desponta,
Vejo-a, no seu andar de sonâmbula tonta,
Despertando a mudez das vielas solitárias.

Arrimada ao bordão, lá vai… Imaginárias
Cousas pensa… Verões e invernos maus afronta…
Dores que tem sofrido a todo mundo conta
Na linguagem senil das suas velhas árias.

Cega! que negra mão, entre os negros escolhos
Do caos, foi procurar a treva, que enegrece,
Para cegar-te a vista e escurecer-te os olhos?

Cega! quanta poesia existe, amargurada,
Nesses olhos que estão sempre abertos e nesse
Olhar, que se abre para o céu, e não vê nada!…

RÚSTICA

Da casinha em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirão na água clara e sonora.
Este é o ninho feliz e obscuro em que ela mora.
Além, o seu quintal; este, o seu aposento.

Vem do campo, a correr; e úmida do relento,
Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora,
Que parece trazer consigo, lá de fora,
Na desordem da roupa e do cabelo, o vento…

E senta-se. Compõe as roupas. Olha em torno
Com seus olhos azuis onde a inocência bóia;
Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno.

Pegando da costura à luz da clarabóia,
Põe na ponta do dedo em feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensão de jóia.

INVERNO

Outrora, quanta vida e amor nestas formosas
Ribas! Quão verde e fresca esta planície, quando,
Debatendo-se no ar, os pássaros, em bando,
O ar enchiam de sons e queixas misteriosas!

Tudo era vida e amor. As árvores copiosas
Mexiam-se, de manso, ao resfolego brando
Da brisa que passava em tudo derramando
O perfume sutil dos cravos e das rosas…

Mas veio o inverno; a vida e amor foram-se em breve…
O ar se encheu de rumor e de uivos desolados…
As árvores do campo, enroupadas de neve,

Sob o látego atroz da invernia que corta,
São esqueletos que, de braços levantados,
Vão pedindo socorro à primavera morta.

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Francisca Júlia (1871 – 1920)

Francisca Júlia da Silva Munster nasceu em Eldorado Paulista/SP, 31 de agosto de 1871  e faleceu em São Paulo, 1 de novembro de 1920) 
Sua estreia literária deu-se em 1891, nas páginas do jornal O Estado de São Paulo. Colaborou no Correio Paulistano e no Diário Popular, que lhe abriu as portas para trabalhar em O Álbum, de Artur Azevedo, e A Semana, de Valentim Magalhães, no Rio de Janeiro. Foi lá que lhe ocorreu um fato bastante curioso: ninguém acreditava que aqueles versos fossem de mulher e o crítico literário João Ribeiro, acreditando que Raimundo Correia usava um nome falso, passou a “atacá-lo” sob o pseudônimo de Maria Azevedo. No entanto a verdade foi esclarecida após carta de Júlio César da Silva enviada a Max Fleiuss.

A partir daí João Ribeiro empenha-se para que o seu primeiro livro seja publicado e, em 1895, Mármores sai pela editora Horácio Belfort Sabino. Já a essa altura era Francisca Júlia considerada grande poetisa nos círculos literários. Olavo Bilac louvou-lhe o culto da forma, a língua, remoçada “por um banho maravilhoso de novidade e frescura”, sua arte calma e consoladora. Sua consagração se refletiu nas inúmeras revistas que começaram a estampar-lhe o retrato.

Em 1899 publica o Livro da Infância destinado às escolas públicas do estado. Sua intenção era começar no Brasil algum tipo de literatura destinada às crianças, algo que até então praticamente não existia. O livro trazia pequenos contos e versos “simples na forma, fluentes na narrativa e escritos no melhor e mais puro vernáculo”, conforme acentuou Júlio César da Silva ao prefaciar o livro.

A experiência de Francisca Júlia com os versos infantis transferiu-se, em parte, para a sua terceira obra Esfinges, publicada em 1903. A grosso modo Esfinges é uma edição ampliada de Mármores, onde excluiu 07 composições e acrescentou 20 novas, sendo 14 inéditas.

Em 1904, no primeiro dia do ano, Francisca Júlia é proclamada membro efetivo do Comitê Central Brasileiro da Societá Internazionale Elleno-Latina, de Roma.

Embora vivendo um momento de consagração como grande poetisa até aquele instante, contudo, por razões nunca esclarecidas, Francisca Júlia abandona a vida pública em São Paulo e parte para Cabreúva, em 1906, onde sua mãe exercia o magistério. Passa a dedicar-se aos serviços domésticos e torna-se professora particular das crianças da região, dando aulas de piano, inclusive, a Erotides de Campos, que mais tarde viria a se tornar um famoso compositor paulista.

Foi quando conheceu um farmacêutico recém-formado da capital que lá estava de visita aos parentes. Apaixonam-se e fazem planos para o casamento. No entanto, devido a sua fama de doido na cidade, os mais íntimos se opõem ao matrimônio. Recebendo a recusa da poetisa, o jovem parte de Cabreúva com o intuito de voltar, o que não acontece: acaba se casando no Rio e todas as cartas de amor são devolvidas, chocantemente, numa caixa de sapatos.

A poetisa, então, decide voltar para São Paulo e aguarda a possibilidade de transferência da mãe para partir com ela, o que aconteceu em outubro de 1908, quando é removida para a escola de Lajeado. Ainda em Cabreúva, recusa o convite para participar da Academia Paulista de Letras por não querer ingressar sem o irmão. No mesmo ano faz a sua primeira conferência no salão do edifício da Câmara Municipal, em Itu, sobre o tema “A Feitiçaria Sob o Ponto de Vista Científico”.
Casamento e fim

Casa-se, em 1909, com Filadelfo Edmundo Munster (1865-1920), telegrafista da Estrada de Ferro Central do Brasil. Foi padrinho de seu casamento o poeta e amigo Vicente de Carvalho. Nessa época já estava compenetrada em pensamentos místicos. Isola-se e vive para o lar, recebendo visitas esporádicas de jornalistas que publicam ainda poesias suas. Em 1912 sai seu último livro, Alma Infantil, em parceria com o irmão Júlio César da Silva, que alcança notável repercussão nas escolas do Estado quando grande parte da edição é adquirida pelo Secretário do Interior, na época, Altino Arantes.

Passa a explorar temas como a caridade, a fé, vida após a morte, reencarnação e ideologias orientais diversas (budismo). Descobre, em 1916, a doença do marido (tuberculose) e mergulha numa depressão profunda, diz ter visões, que está para morrer e tem alucinações provenientes da intoxicação do ácido úrico. Com o passar dos anos a situação se agrava, suas poesias – as poucas que ainda escreve – retratam a vontade de uma mulher que almeja a paz espiritual fora do plano terrestre. Diz, em entrevista a Correia Junior, que sua “vida encurta-se hora a hora”. Mesmo assim volta a escrever para A Cigarra e promete um livro de poesias chamado Versos Áureos.

Em 1920, Filadelfo, desenganado pelos médicos, vem a falecer no dia 31 de outubro. Horas depois do cortejo, no dia seguinte, Francisca Júlia vai para o quarto repousar e suicida-se ao ingerir excessiva dose de narcóticos, vindo a falecer na manhã de 1 de novembro de 1920.

A crítica tem destacado usualmente, seguindo nisso a primeira recepção da sua obra, as características parnasianas da poesia de Francisca Júlia, deixando em segundo plano aquilo que João Ribeiro notara no prefácio a esse livro de estréia: a presença de significativos elementos simbolistas. A leitura, hoje, da sua obra, confirma a impressão do prefaciador. Embora muitos dos seus sonetos estejam entre os mais bem acabados de sua época e muitos deles se enquadrem nos preceitos da impassibilidade parnasiana (que os melhores parnasianos, como Bilac, sistematicamente infringiram), é igualmente interessante (e talvez até mais, para o gosto de hoje) a parte da sua obra que se aproxima da dicção simbolista.

Alguns fatores, herdados em parte da primeira recepção, tem orientado, nem sempre de modo a produzir justiça ao seu talento e à qualidade da sua obra, a avaliação da sua poesia. Um deles é a insistência na condição feminina.

No seu tempo, causou muita espécie aquilo que a crítica sua contemporânea identificou como dicção máscula, ou, pelo menos, dicção não feminina – entendido, nos moldes do tempo, o feminino como predominantemente sentimental e mesmo inferior, por condição, em termos estéticos.

Recentemente, a valorização do feminino parece operar uma inversão nessa perspectiva, deslocando novamente a avaliação da obra para a questão do gênero.

Outro fator de perturbação decorreu do fato de que a poeta se suicidou no dia do enterro do marido, deixando apenas em projeto um livro que se chamaria Versos áureos.

Logo após a sua morte, organizou-se uma segunda edição de Esfinges (1920) incluindo no conjunto poemas que não fizeram parte da primeira edição, além de uma ampla fortuna crítica, de caráter mais laudatório do que analítico – compreensível naquela circunstância, sob o impacto do gesto extremo.

Como Mármores teve edição restrita e a primeira edição de Esfinges era inacessível – Otto Maria Carpeaux registrava, já em 1949, que desse livro não havia exemplar nem na Biblioteca Nacional, nem na Biblioteca Municipal de São Paulo –, essa segunda edição tornou-se a base das apreciações críticas subsequentes, apagando-se, assim, a estrutura significativa que a autora tinha dado às suas obras em volume – especialmente a Mármores. Basta olhar o índice desse primeiro livro de poesia para perceber que a ordem e posição dos poemas obedecem a um desígnio: o livro abre e fecha com sonetos gêmeos, intitulados “Musa impassível”, e se divide em duas partes de extensão igual, separadas por traduções de Goethe e Schiller. A primeira parte e a última possuem poemas numerados de 1 a 18 e contrastam no tom, sendo a segunda a que traz as marcas decadentistas, apontadas por João Ribeiro.

Da mesma forma, Esfinges é um livro planejado, e não uma recolha. Inclui poemas de Mármores, mas o rearranjo produz novos sentidos para eles. O exemplo mais claro é a junção do primeiro e último soneto de Mármores num único poema, intitulado “Musa impassível”, composto agora dos dois sonetos que tinham esse nome no primeiro livro.

Com a disponibilização das primeiras edições, por certo a poesia de Francisca Júlia ganhará nova recepção, e – agora que o preconceito modernista contra a poesia parnasiana e simbolista começa a perder força como padrão único de avaliação literária no Brasil – os muitos poemas de primeiro nível presentes nos dois volumes, bem como a disposição significativa que permite compreendê-los como parte de um desenho maior, poderão ser devidamente apreciados.

Obras

    1895 – Mármores
    1899 – Livro da Infância
    1903 – Esfinges
    1908 – A Feitiçaria Sob o Ponto de Vista Científico (discurso)
    1912 – Alma Infantil (com Júlio César da Silva)
    1921 – Esfinges – 2º ed. (ampliada)
    1962 – Poesias (organizadas por Péricles Eugênio da Silva Ramos)

Estilo literário

Francisca Júlia, segundo o historiador João Pacheco, desde cedo mostrou ortodoxamente timbres parnasianos, mas com influencia do modernismo, que deixou o poeta Olavo Bilac a inveja de ourives. Sua poesia traz a mais estrita impessoalidade, revelando-se puramente objetiva nas peças que mais célebres ficaram – “Dança de Centauras” e “Os Argonautas”, principalmente – em que não palpita nenhum estilo interior, mas em que se modela e se fixa o relevo, a cor, o movimento das formas externas. Em certos momentos, manifesta um raro poder de sonoridade e vigor à língua, imprimindo aos versos uma estrutura que não se apoiava na emoção, mas na própria força e rigor da expressão.

Todavia apresentava uma tendência ao simbolismo já muito antiga, conforme é vista na poesia “De Joelhos”, de 1894, cujo pendor pelo gosto nefelibata refletiu-se em admiráveis efeitos de luz, som e movimento. Tais efeitos repercutiram após a publicação de “Esfinges”, em 1903, até o fim da vida, nos anos em que sofrera com a doença do esposo.

Seu simbolismo, segundo Péricles Eugênio, foi uma das manifestações da moralização de sua arte, que adquiriu um caráter místico e filosófico cada vez mais pronunciado. Pode-se dizer que sua poesia evoluiu de plástica a filosófica, guardando sempre a mesma tranquilidade superior de expressão e revelando o mesmo domínio interior da alma.
       
Foi homenageada com o nome de uma importante rua no alto do bairro de Santana, na cidade de São Paulo. Curiosamente outros autores simbolistas foram homenageados também com ruas do Alto de Santana, existindo os cruzamentos Rua Francisca Júlia x Rua Alphonsus de Guimaraens e Rua Francisca Júlia x Rua Paulo Gonçalves.

Em 1933 o Senado aprovou a implantação da estátua “Musa Impassível” sobre o seu túmulo no Cemitério do Araçá, esculpida em granito carrara por Victor Brecheret. Em dezembro de 2006, após 15 anos de acordo entre a Prefeitura e o Estado para o translado, a estátua foi removida para a Pinacoteca de São Paulo, onde passou por um delicado processo de restauração antes de ser liberada para exposição pública.

Criada com o nome de Clínica de Repouso Francisca Júlia em 1972, em São José dos Campos, SP, a instituição foi idealizada pela Diretoria e de Voluntários do Programa CVV indignados ao tipo de tratamento dispensado aos doentes psiquiátricos àquela época. A ideia se tornou realidade quando se constatou que 10% das pessoas que procuravam ajuda no CVV com tendências suicidas apresentavam transtornos mentais.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisca_J%C3%BAlia_da_Silva
http://www.brasiliana.usp.br/node/373

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Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) V – A Figueira

Morava na rua da tomba em um casarão acachapado, pintado de amarelo. Ao fundo o quintal, parecendo pequeno por ter ao centro uma colossal figueira.

Esta colossal figueira havia estendido grossos braços para todos os lados e copava e fechava de tal forma a ramaria e a folhagem, que a sombra era perpétua. Não só através dela não filtrava um rastilho de sol, como também nem um pingo de chuva passava para baixo.

Não consegui manter uma galinha no quintal: quantas lá punha morriam de frio; e ali mesmo as enterrava, o cachorro, esse, tiritava como se estivesse em plena garua de agosto, batida de minuano. Por estas e outras andava eu aborrecido com a figueira. Carregar, isso carregava que era uma temeridade.., mas nos últimos anos, menos, bastante menos. Por outro lado, era debaixo da figueira que os meus pequenos e os da vizinhança brincavam; ai faziam as suas merendas, principalmente quando havia frutas; e com o andar do tempo a criançada chegou a fazer em volta dela um verdadeiro tapete de sementes diversas, de laranjas, marmelos, pêssegos, uvas, pêras, ameixas, de araçás, de butiás, de limas, melões, etc., enfim um calçamento de caroços e pevides.

Naturalmente cada ano as raízes da figueira cresciam e enterravam e afogavam essa caroçama que desaparecia. Preciso dizer que a casa e o quintal e portanto a árvore pertenceram aos avós da minha sogra, esta aí nasceu e faleceu, com noventa e sete anos; e que há cinquenta e três anos que os ditos bens pertenciam ao meu casal: basta isto para calcular-se a idade da figueira!

Ora muito bem.

Há de haver uns sete anos fez um inverno molhado e frio como nunca passei outro. Todo o mundo lembra-se desse ano. Em casa fomos todos, de ponta a ponta, atacados de tosses e catarreiras tão fortes, que julguei iríamos acabar héticos. Chiados de peito, roncos, assobios, fanhosidades, rouquidães… um barulho que até alarmava os andantes na rua!

O doutor que acudiu, como se tratasse de uma única doença, já receitava os lambedouros em dose para vir em frasco grande, dos de genebra.

Mas, qual! …     Cheguei a desanimar, e certa vez puxei o médico para uma sala dos fundos, para conversar à vontade. Conforme íamos andando, a casa ia ficando às escuras; o doutor estacou:

— Homessa! Estaremos à boca da noite às duas horas da tarde?…

— Não é nada, doutor: é a figueira!

— Que figueira, Romualdo?

— Ali, na escuridão.., não vê?

O doutor teve medo de seguir avante; eu, já se vê, prático velho, nem me abalei. Mas tanto como rodou nos calcanhares, disse-me com franqueza:

— Romualdo, toda a doença da sua casa está ali; é a umidade, a escuridão, o  abafamento que a figueira produz, derrube-a, Romualdo, derrube-a!

— O abafamento… a escuridão… a umidade…

— Sim, homem: meta-lhe o machado!

Compreendi: era tal e qual! Mas como todos estimávamos muito a figueira, resolvi derruba-la, não podá-la muito, sim.

Logo no dia seguinte começou a esgalhação; trabalhou-se uma semana, de fio a pavio, apenas parando para comer, veio carreta de bois para levantar as lenhas da poda.

Foi uma alegria, na casa. Sol, ar livre, por todas as portas e janelas; chio e paredes começaram a orear. Ninguém mais tomou lambedouro.

Logo na primavera começou a brotação e vieram galhos novos, bonitos porém com um enfolhamento esquisito.

Esquisito, deveras. Folhas compridas e curtas, e largas e estreitas; recortadas umas, lisas outras; lustrosas, foscas; … uma trapalhada! …     e até notei alguns pequenos espinhos. Vi, vi bem: eram espinhos; pequenos, porém espinhos.

Até aí nada de espantar: curioso e tal, mas tem-se visto.. No ano seguinte porém, e nos outros, é que a figueira começou a encher-me de espanto, a num e ao vizindário e outras pessoas muitas. Sinto não lhes haver tomado os nomes, mas nem tudo lembra: se tenho tido essa precaução, hoje, com tais testemunhas, entupiria a muitos incrédulos malcriados a quem hei referido este caso. Mas quem mal não pensa, mal não cuida…

Pois esse ano a figueira deu figos e… marmelos; no seguinte, pêssegos e ameixas, de repente, só peras; no noutro ano, puramente laranjas, depois, apenas figos; em seguida, uvas.., e assim sucessivamente, melancias, cocos, limas, araçás, etc.., até que em certa temporada deu umas frutas esquisitas, compridinhas, ressequidas, sem gosto nenhum, nem sumo, e que, bem examinadas, eram quase como penas de aves.., até pelo cheiro …     de galinha, que conservavam…

Matutei muito, mas encontrei a explicação do fenômeno.

Simplíssimo: a figueira tinha absorvido o suco germinativo de todas as pevides e caroços e sementes que lhe alastravam o chão.., e também o das galinhas mortas que junto às suas raízes foram enterradas… Com a força do sol tudo aquilo grelou dentro da sua seiva. Como a árvore não pôde reagir contra a invasão, antes foi dominada, assim é que começou a dar frutos, na desordem que mencionei.

Em conclusão: a figueira já não sabia o que fazia; estava como uma pessoa muito velha, de miolo mole, que já não regula.

Pobre da minha figueira. Coitada!

Estava caduca!
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continua… mais casos

Fonte:
Wikipedia

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Gonçalves Crespo (Poemas Escolhidos)

QUIMERAS

O mar já me tentou: aspirações fogosas
Fizeram-me idear fantásticas viagens;
Eu sonhava trazer de incógnitas paragens
Notícias imortais às gentes curiosas.

Mais tarde desejei riquezas fabulosas,
Um palácio escondido em múrmuras folhagens,
Onde eu fosse ocultar as cândidas imagens
Das virgens que evoquei por noites silenciosas.

Mas, tudo isso passou: agora só me resta
Das quimeras que tive, uma visão modesta,
Um sonho encantador, de paz e de ventura.

É simples: uma alcova, um berço, um inocente,
E uma esposa adorada, envolta, a negligente!
De um longo penteador na imaculada alvura…

SONETO DO OCASO

Sara, quando me vês, suave e brando,
Repelir os teus beijos amorosos,
Talvez julgues, mulher, ir declinando
O alegre sol dos dias teus formosos.

Como te enganas, flor! choro pensando
Que foste irmã dos lírios cetinosos,
E que talvez o céu fulgiu brilhando
De teus olhos nos raios luminosos…

Quem te colheu o beijo primitivo?
Que Fausto ou Mefistófeles altivo
Te enodoou as vestes, Margarida?

Escuta: enquanto dormes, impudente,
Talvez nalguma estrela resplendente
Chore tua alma triste e arrependida.

FERVET AMOR
(ao Dr. Antônio Cândido)

Dá para a cerca a estreita e humilde cela
Dessa que os seus abandonou, trocando
O calor da família ameno e brando
Pelo claustro que o sangue esfria e gela.

Nos florões manuelinos da janela
Papeiam aves o seu ninho armando,
Vêem-se ao longe os trigos ondulando…
Maio sorri na pradaria bela.

Zumbe o inseto na flor do rosmaninho;
Nas giestas pousa a abelha ébria de gozo;
Zunem besouros e palpita o ninho.

E a freira cisma e cora, ao ver, ansioso,
Do seu catre virgíneo sobre o linho
Um par de borboletas amoroso.

NA ALDEIA
(a Cristóvão Aires)
 
Duas horas da tarde. Um sol ardente
Nos colmos dardejando, e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
O grito das bigornas estridente.

A taberna é vazia; mansamente
Treme o loureiro nos umbrais pintados;
Zumbem à porta insetos variegados,
Envolvidos do sol na luz tremente.

Fia à soleira uma velhinha: o filho
No céu mal acordou da aurora o brilho
Saiu para os cansaços da lavoura.

A nora lava na ribeira, e os netos
Ao longe correm seminus, inquietos,
No mar ondeante da seara loura.

MODESTA
(a minha irmã)

Se lembro esse momento
Mais belo d’esta vida!
Voava desprendida
A tua coma ao vento…

O teu olhar, querida,
Desceu ao meu tormento,
E após enternecida
Disseste em brando acento:

“Tua alma sofre e chora,
Quando o porvir se inflora,
Quando a teu lado estou!…”

Doce te olhei tremendo;
A noite ia descendo,
Um beijo se escutou.

MODESTA (II)

Um beijo se escutou,
E eu via mal seguro
A luz que ele traçou
No azul do meu futuro.

Um beijo se escutou.
Depois… teu lábio puro
Mais brando suspirou
Que a pomba em ermo escuro.

Voz doce e piedosa!
Não fujas, mariposa,
Não tremas, Galatéia!

Gwinplaine, extasiado,
De um ósculo sagrado
Os pés ungia a Déia…

O CAMARIM

A luz do Sol afaga docemente
As bordadas cortinas de escumilha,
Penetrantes aromas de baunilha
Ondulam pelo tépido ambiente.

Sobre a estante do piano reluzente
Repousa a “Norma”, ao lado uma quadrilha;
E do leito francês nas colchas brilha
De um cão de raça o olhar inteligente.

Ao pé das longas vestes, descuidadas
Dormem nos arabescos do tapete
Duas leves botinas delicadas.

Sobre a mesa emurchece um ramalhete,
E entre um leque e umas luvas perfumadas
Cintila um caprichoso bracelete.

MIMI

Recreia-se a minh’alma se à tardinha
Na janela diviso essa inocente;
Que nunca vi olhar mais transparente,
Nem figura gentil como a vizinha!

Desce às vezes a tímida avezinha
Ao seu jardim, e afaga docemente
Da Cochinchina um galo refulgente,
Que em seu regaço lânguido se aninha.

Ajeita, ao ver-me, o seu vestido curto,
E, as longas tranças concertando a furto,
Fita os olhos no azul toda tristeza.

E nesse tempo acode-me à lembrança
O já ter visto assim uma criança
Numa gravura ideal da escola inglesa.

NA ROÇA

Cercada de mestiças no terreiro,
Cisma a Senhora Moça; vem descendo
A noite, e pouco a pouco escurecendo
O vale umbroso e o monte sobranceiro.

Brilham insetos no capim rasteiro
E vêm das matas os negros colhendo;
Na longa estrada ecoa esmorecendo
O monótono canto de um tropeiro.

Atrás das grades, pardas borboletas
Crianças nuas lá se vão inquietas
Na varanda correndo ladrilhada.

Desponta a lua; o sabiá gorjeia;
Enquanto às portas do curral ondeia
A mugidora fila da boiada.

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Gonçalves Crespo (1846-1883)

António Cândido Gonçalves Crespo (Rio de Janeiro, 11 de Março de 1846 — Lisboa, 11 de Junho de 1883) foi um jurista e poeta de influência parnasiana, membro das tertúlias intelectuais portuguesas do último quartel do século XIX.

Nasceu nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, filho de um comerciante português António José Gonçalves Crespo e de Francisca Rosa da Conceição, uma mestiça escrava à data do seu nascimento. Aos 10 anos de idade mudou-se para Portugal.

Depois de estudos preparatórios em Lisboa, matriculou-se em Direito na Universidade de Coimbra, onde se formou em 1877.

Fixou-se em Lisboa, onde apesar de ter adquirido a nacionalidade portuguesa, ao tempo requisito para o exercício da advocacia, pouco exerceu aquela profissão, optando antes pelo jornalismo. Foi colaborador de diversos periódicos, entre os quais O Ocidente (1877-1915) e a Folha, o jornal de Coimbra em que era diretor João Penha, o poeta que introduziu o parnasianismo em Portugal, e também nas revistas A Mulher (1879), Jornal do domingo (1881-1888), A Leitura (1894-1896), Branco e Negro (1896-1898) e Serões (1901-1911).

Como poeta estreou com a coletânea Miniaturas, publicada em 1870.

Também se dedicou à tradução, publicando versões em português de poemas de Heinrich Heine.

Em 1874, ainda estudante, casou com a poetisa e escritora Maria Amália Vaz de Carvalho, ingressando, graças a ela e ao seu círculo de amigos, no mundo das tertúlias intelectuais de Lisboa. Nesses círculos a avançou na sua carreira como poeta e publicista, ganhando grande nomeada.

Influenciado pela escola parnasiana, nas suas obras poéticas abandonou a estética romântica, afirmando-se como poeta de grande qualidade, particularmente após a publicação póstuma da sua obra completa (1887).

A sua coletânea Noturnos conheceu várias edições (1882, 1888, 1897, 1923, 1942). Em colaboração com a esposa publicou o livro Contos para os Nossos Filhos (1886).

A presença de Gonçalves Crespo na história da literatura brasileira se deve ao fato de seu primeiro livro, Miniaturas (1870), incluir-se entre nossas primeiras e mais influentes manifestações parnasianas. Nessa obra, certo tom narrativo ampara a emoção poética, objetivando-a através de variados pormenores descritivos.

Crespo enquadra-se na poesia realista exatamente por sua preocupação em retratar aspectos da vida cotidiana e doméstica. Sua obra, contudo, é irregular, manifestando influências nitidamente românticas, inclusive de Casimiro de Abreu.

Em poemas posteriores, Gonçalves Crespo continuará na mesma linha do livro de estreia, permanecendo, assim, como um escritor que apontou rumos e prenunciou a estética parnasiana.

Foi também atraído para o mundo da política e em 1879 foi eleito deputado às Cortes pelo círculo do Estado da Índia. Faleceu em 1883, vítima da tuberculose, com apenas 37 anos de idade.

A sua afirmação como poeta foi reforçada em 1887, quando foram publicadas as suas Obras Completas, com prefácio de Teixeira de Queirós e de Maria Amália Vaz de Carvalho.

Obras publicadas

    Miniaturas (1870)
    Noturnos (1882)
    Contos para os Nossos Filhos (1886, com Maria Amália Vaz de Carvalho)
    Obras Completas (1887)

Fontes:
Wikipedia
Uol Educação

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Márcia Lígia Guidin (Machado de Assis: Por que lê-lo?)

Machado de Assis nasceu em 1839 e morreu em 1908. Foi um escritor do tempo de dom Pedro II. Por que, então, ler as obras de alguém que morreu há quase cem anos? Na verdade, poderíamos dar muitas razões acadêmicas e culturais: ele é o maior símbolo do realismo brasileiro, movimento que introduziu no país; fundou a Academia Brasileira de Letras, era genial, veio das classes baixas etc.

Mas o fato é que a melhor razão as pessoas não dizem: ler Machado é muito engraçado. Suas histórias são irônicas, reveladoras de coisas que todo mundo sabe, mas não comenta… Elas falam de valores morais que todos criticam, mas têm.

Quando alguém diz que Machado é “cético”, é disso que está falando: esse ótimo escritor não acreditava nas boas intenções, na bondade, na generosidade, no amor romântico, na eterna lealdade.

Máscaras da sociedade

Machado desmascarou com sutileza a falsidade de homens e mulheres de sua época de, sua cidade, de nosso país. Só que as situações e temas de que trata em sua obra são tão universais (amor, adultério, egoísmo, cinismo, apadrinhamentos, pobres e ricos, casamentos por interesse etc.), que nosso escritor pode ser lido em qualquer outro país. Ou seja, temos um escritor brasileiro (na época em que havia poucos), tão importante quanto Eça de Queirós, Dostoiévski, Flaubert.

Machado de Assis não imitava outros escritores, era original. A personalidade desse autor era tão irônica, tão observadora da realidade, que temos o riso de canto de boca a cada frase em que prestamos melhor atenção.

Essa conversa de que só entenderemos Machado depois de adultos é besteira. O que existe é falta de ajuda de outros leitores (professores, pessoas mais velhas) para começarmos a ler e apreciar esse escritor universal.

O defunto Brás Cubas

Por exemplo, um de seus mais famosos personagens, o solteirão Brás Cubas, do romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881) resolve contar sua vida e seus amores depois da sua morte. Ele está entediado na eternidade, não tem o que fazer, é um defunto que vira autor (é, portanto, um defunto autor e não um autor defunto). Como Cubas quer ser original, diz que vai começar sua história narrando sua morte e não o nascimento. Moisés, o grande Moisés, começou pelo começo, diz ele; para ser original, então, vai começar pelo fim.

Perceba: só esse início (a primeira página do romance) já é suficiente para notarmos que esse defunto quer debochar de nós, leitores. E ele vai em frente: diz que havia poucas pessoas em seu enterro, mas um amigo fez um belo discurso à beira de sua cova. Depois, como se não percebesse o que diz, afirma: “Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei”. Nós, leitores, rimos ao ler a frase, pois está claro que o amigo só fez o discurso (aliás, ridículo, vá ler!) porque havia recebido uma pequena herança. Sugerir o contrário do que de fato diz (ou seja, construir a ironia) é uma especialidade machadiana.

Ironia e linguagem

E nós continuamos a ler o tal romance; com um pouco de irritação com esse narrador estranho e arrogante, mas continuamos.

Adiante, Brás Cubas, contando sua juventude (era na verdade um playboy rico e desocupado), apaixona-se por uma prostituta de luxo, com quem gasta muito dinheiro (do pai, é claro). Este ficará furioso, mas Brás Cubas, fingindo certa ingenuidade, nos conta: “Marcela amou-me por quinze meses e onze contos de réis”. Esta curta frase é maravilhosa, pois, sem denegrir a moça diretamente, o protagonista nos afirma que o amor dela era profissional, interesseiro, por dinheiro. Marcela não o amava: o autor construiu outra ironia, sugerindo que entendêssemos o contrário do que disse.

E esse romance, tão famoso, vai por aí afora. É só diversão, embora, é claro, com um vocabulário do século XIX, o que nem sempre é simples para nós. Na verdade, o tal Brás Cubas se exibe até no uso do vocabulário, ele é pedante. Se prosseguirmos na leitura, conseguimos rir muito, pensando que os vários episódios vividos naquela sociedade (por ele e por todos), são os mesmos nos tempos de hoje. E muitas ações sociais e morais são as mesmas… O pai de Brás Cubas, por exemplo, era um exibicionista. Dava festas muito ricas para ‘fazer barulho’, para aparecer na sociedade. Quanta gente faz isso ainda hoje, não? Existem até revistas especializadas nessa exibição de ricos e famosos…

Acabamos percebendo que as pessoas são as mesmas, que o mundo da hipocrisia e farsa social não mudou. Esta sensação é parte do pessimismo machadiano de que tanto nos falam os livros Não gargalhamos, apenas rimos em silêncio, com o canto da boca, para nós mesmos. E este sinal é o famoso humor inglês de que falam os estudiosos: as piadas, as ironias são todas assim, inglesas; o defunto diz o que quer, fingindo não dizer.

Um dos momentos mais cruéis (sim, a ironia às vezes é cruel com os personagens) se chama “A flor da moita”. Sabe por quê? Quando pequeno, Brás havia presenciado um beijo às escondidas que um poeta casado dava numa dama solteirona atrás de uma moita da mansão de seus pais. Pois bem, anos depois, conheceu a filha bastarda dessa mesma senhora, a menina Eugênia. Era linda, educada, pura, mas coxa (manca). Eugênia ficou então sendo “a flor da moita” porque concebida no amor ilícito. Por isso teria defeitos. Perceba que Brás é grosseiro, vulgar e deseducado. Mas quem vai punir um defunto? Quem?

Quem inventou Brás Cubas?

Porém: Quem inventou Brás Cubas, que narra em primeira pessoa toda sua história? O verdadeiro autor da obra é Machado de Assis. Pensando melhor, vemos que esse Joaquim Maria Machado de Assis, fluminense, mulato, epilético, casado com Carolina, sem filhos, e muito famoso no Rio de Janeiro inventou um modo muito original de pôr na ” boca” de um defunto inventado coisas que ele, Machado, queria dizer. Quer dizer: o narrador Brás Cubas não é nem nunca será Machado. Mas Machado, usando seu personagem, ironiza a sociedade em que viviam os ricos no Rio de Janeiro.

Fontes:
UOL Educação Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação. Atualizado em 13/12/2013, 

Imagem = http://www.naniesworld.,com

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Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 14 – 7 de marco de 1887.

Se eu fosse aquele Custódio
Gomes ou Bíblia chamado,
Que não deu esmola ou bródio,
Nem mimos por batizado,

Pela luz que me alumia,
Juro, e mais que nunca, juro,
Que pesaroso olharia
Para este processo escuro.

Daria grandes palmadas,
Ao ler tantas testemunhas,
Tantas cousas encontradas,
Tantas mãos e tantas unhas.

Pesquisas de parte a parte,
E um testamento que é tudo:
Ora forjado com arte,
Para uso e para estudo,

Ora verdadeiro e filho
Do próprio autor sepultado,
Que ajuntara tanto milho
Para não vê-lo espalhado.

Audiências e audiências,
Nomes, nomes, nomes, nomes,
Pendências sobre pendências;
Fosse eu o Custodio Gomes,

Suspiraria: —”Bem tolo
Que fui eu em prepará-lo,
Esse rico e imenso bolo,
Se não tinha de papá-lo.

“Que ajuntei, dia por dia,
Vintém a vintém suado,
Para deixar tal quantia
De dinheiro amontoado;

“Que, quando havia desmancho
Na casa de um inquilino,
Em vez de dar esse gancho;
Sabia intrépido e fino,

“Armado de cal, tijolo,
Colher e as cousas restantes,
E lograva recompô-lo,
Melhor do que estava dantes.

“Que, se vagava algum prédio
Dos meus, ia ver se tinha
Uma taboa p’ra remédio,
Talha ou taco de cozinha,

“Qualquer cousa que algum dia
Valesse às necessidades…
Com pouco e pouco (dizia)
Fazem-se as grandes cidades.

“Comi o pão que o Diabo
Amassou; fui parco e ativo,
Trazia as botas no cabo,
Mas a mão firme, o olho vivo.

“E no fim de tanta lida,
Não sei se boa ou má sorte,
Saí do rumor da vida,
Sem olhar a paz da morte.

“Todos os dias cá leio
Impresso o meu triste nome;
Vejo escrito que fui meio
Maluco e unhas de fome.

“A minha vida sem ócios,
Gente de casa e costumes,
E todos os meus negócios…
Já dá para encher volumes!

“Ah! se em vez de andar c’o a sela
Na barriga a vida inteira,
Vida de meio tigela,
De poupança e de canseira,

“Vivesse à larga, comesse
Deliciosas viandas,
E cauteloso bebesse
Vinho de todas as bandas;

“Roupa fina, o meu teatro,
Uma ou outra vez berlinda;
Moças, o diabo a quatro
Até a existência finda;

“Quem se lembraria agora
De mim? Dormia esquecido,
Sem chegar a voz sonora
Dos prelos ao meu ouvido.

“Convivas e devedores,
Pode ser que se lembrassem
Das ceias e dos favores,
E alguma vez me louvassem;

“Mas tão baixinho e tão pouco
Que a voz não me chegaria,
E eu, que acabei meio louco,
Surdo e mudo acabaria”.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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Aluízio Azevedo (Vida Literária) II – Colaboração

 Há uma cousa verdadeiramente horrorosa para todo o desgraçado em cujos dedos a triste sorte enfiou uma pena, ainda mesmo quando essa pena seja tão desatilada e tão romba como a minha – é a obrigação de concorrer com algum produto de sua lavra sempre que os amigos se lembram de realizar qualquer empresa ou empreender qualquer negócio.

Essa pequenina obrigação, que vista isoladamente não tem o mínimo valor, transforma-se todavia em um compromisso grave, em um martírio implacável, desde que ela representa a promessa de vinte, trinta, cem, mil artigos, destinados aos fins mais diversos e mais desencontrados.

E a graça é que não se pode a gente recusar a nenhum dos amigos, porque todos eles querem muito pouco: “Duas palavrinhas! Apenas duas palavrinhas, com o nosso nome por baixo!…” Ou então querem uma simples carta, uma simples notícia, um ligeiro pensamento, uma frase, um verso, uma palavra.

Este deseja que lhe escrevamos um anúncio de gosto, com que ele possa chamar a atenção do público sobre os seus queijos ou sobre os seus chapéus de pêlo: aquele quer apenas que lhe façamos uma boa resposta a uma certa carta que lhe enviou certa e determinada pessoa; estoutro não exige de nós senão uma página no seu álbum; aqueloutro contenta-se com um discurso que ele tem de pronunciar por ocasião do aniversário natalício de seu sócio; aqui é uma reclamaçãozinha pela imprensa a respeito dos escândalos que se dão em tal rua; ali uma introdução para o livro de um amigo e colega que vai estrear; mais adiante um artiguinho para encher o número do jornal, que nesse dia está fraco. Hoje – a poliantéia do senhor fulano; amanhã – o número especial da folha do Dr. Beltrano; depois – folhetim sobre os trabalhos de cicrano, rodapé pr’a cá, artigo de fundo p’ra lá, crônica para acolá.

Uf! É um nunca terminar de pequeninas maçadas que, reunidas são o bastante para nos amargurar a existência.

Chega-se a perder o gosto de sair de casa, de procurar os amigos de fazer a sua palestra; porque a cada passo surge-nos um dos tais credores de artiguinhos e pensamentos filosóficos.

“Então, fulano, aquilo!…”

“Aposto que ainda não fizeste o que te pedi!…”

“Trouxeste o artigo que prometeste?… “

“Quando estarás disposto a dar um passeio pelas nossas colunas?…”

“Queres ou não queres aprontar a correspondência?…”

E cada um, por que pede muito pouco, entende que não merecemos ser desculpados pela demora.

– Oh! Duas linhas! Duas linhas escrevem-se em três minutos!

– Mas filho! é que me falta a ideia! Estou seco, não sei o que te escreva!

– Qualquer cousa, homem!

– Enche aí duas tiras. Seja o que for.

– Seja o que for?… Pois bem, ora espera! Vais ver como te ensino!

Rio, 24 de dezembro de 1883

Fontes:
Biblioteca Virtual de Literatura

Ilustração por Domingos Medeiros

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Batista de Lima (O Velho)

Gerôncio escapou da morte. Ficou vítima da vida. Não morreu. Chegou aos cem anos e foi festejado pela idade. Todos lhe prestaram honras. Mas depois a morte não veio e as pessoas não gostaram muito disso, nem o próprio Gerôncio. É tanto que ele se recolheu como um eremita num socavão de serra para esperar a morte na placidez da velhice. Mas a morte não veio.

Pensou em suicidar-se, mas a religião que ganhara se seus pais dizia que só Deus que dá, pode tirar a vida, ninguém mais. E ali estava ele abandonado por Deus. Como seria feliz se tivesse morrido mais aos vinte e cinco anos. Mas não, perdera a quantia dos anos e como castigo estava ali, verdadeira sucata que até o tempo corrosivo acabara por esquecer. Não tinha mais com quem conversar, todos morreram. Até seus netos se foram. Seus bisnetos estavam velhinhos e não o reconheciam mais como gente e sim como um dejeto do diabo, uma excrescência divina. Naquele pé de serra, os pássaros eram outros. Rolinhas, canários, azulões, todos desapareceram. Agora só havia pardais nas árvores, num barulho infernal, e em vez de urubus, carcarás e gaviões, os céus estavam cheios de aviões, verdadeiros demônios ensurdecedores sobre sua cabeça e perturbadores do seu sono naquele fim de mundo. Mas fim para ele, era coisa que não existia. Era um esquecido de Deus. Se ia pescar no açude, não havia mais traíras, nem piaus, nem corrós, tudo era tilápia, o diabo de um peixe feio que não era de seu tempo.

Se ia tirar mel para saciar sua fome, não havia mais jati, mandassaia, jandaíra, cupira, capuxu, cafimfim, tudo era abelha italiana, com seus ferrões dourados.

Era um mundo novo e ele ali, velho, ficando para semente. Mas o que mais doía era não ter com quem conversar. As pessoas não falavam mais. Apenas ouviam rádios, televisões, aparelhos de nomes estrangeiros. E ele só, resto imortal, pronto para morrer e a morte se escondendo dele de forma tão absurda.

Até as jararacas e os cascavéis corriam com medo dele quando deveriam picá-lo para ver a queda. Isso era sofrimento demais. Ter que aturar a vida todas as manhãs. Levantar-se e sentir-se um esquecido da natureza, um postergado do cão, uma peça de museu para Deus e seus anjos. De tanto durar, resolveu arranjar novos amigos ali mesmo entre as pedras, as árvores mais velhas e uma ponta de serra escravada. Descobriu que podia conversar com aqueles entes mudos e repartir com eles a sua angústia.

Foi conversando com esses seus companheiros que constatou serem todos marcados pelo sofrimento. Todos esquecidos e condenados em sobreviver, todos com dramas iguais aos seus. Aí Gerôncio foi muito feliz. De tanto ouvir histórias e principalmente de contar histórias foi emagrecendo até não precisar mais comer e ficar se alimentando só das histórias que contava e das que ouvia. Tanto emagreceu que ficou transparente, que ficou só sua voz impressa nas pedras e suas histórias soltas pelo mundo a fora.

(Batista de Lima, Janeiro É Um Mês Que Não Sossega)

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Batista de Lima

José Batista de Lima (Lavras da Mangabeira, 1949), embora tenha pertencido ao “grupo” da revista O Saco, pois seu primeiro livro, de poemas, é de 1977, passou a divulgar seus contos mais recentemente: O Pescador da Tabocal saiu em 1997 e Janeiro é Um Mês Que Não Sossega (Prêmio Osmundo Pontes, da Academia Cearense de Letras, em 2001), em 2002. Seminarista no Crato, formou-se em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especializou-se em Teoria da Linguagem na Universidade de Fortaleza, onde exerceu a chefia do Departamento de Letras e a diretoria do Centro de Ciências Humanas. Cursou o mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará, com tese sobre a escritura de Moreira Campos. Iniciou-se como professor de Português em colégios de Fortaleza. Professor do curso de Letra da Universidade Estadual do Ceará. Na vida literária deu os primeiros passos no Clube dos Poetas Cearenses. Mais tarde participou ativamente dos grupos Siriará, Arsenal, Catolé e Plural. Publicou ainda vários livros de poesias e ensaios. Membro da Academia Cearense de Letras e Academia de Língua Portuguesa, dentre outras. Sua fortuna crítica está reunida no livro Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima (Fortaleza, Unifor, 2006), organizado por Nilto Maciel.

A presença do poeta é visível em muitas histórias. O ensaísta talvez se mostre quando a narrativa se aproxima da crônica social e política.

Batista de Lima apresenta os contos quase sempre em diversas ações, isto é, em diversos tempos e lugares. Em “Os Cavaleiros da Lua”, que oferece características de lenda, vemos: “Deu-se que Adamastor parou de respirar, porque morrer mesmo ela já havia morrido desde que voltara do seringal.” A linguagem, porém, é sempre poética e muito particular.

Ora em Tabocal, ora em Sipaúbas, é nesses lugarejos do sertão cearense que as personagens se movimentam, nascem, vivem e morrem. O sertão é pintado sem exageros de descrição. Há somente referências a objetos, situações, seres, como parte do cenário ou das vidas dos personagens: tapiocas, esterco de vaca, cuia de leite mungido, pé de muçambê, palhoça à beira do açude, vagens de feijão, queijo de cabras, coité. Nada de descrições inúteis ou excessivas.

Os personagens de Batista são homens e mulheres do sertão ou das cidades pequenas, até mesmo aqueles já desaparecidos, já tornados mitos, como Lampião. Alguns desses personagens, sempre secundários, se repetem em diversas histórias: padre Inácio é “habilidoso” em “A Festa de Janeiro”, aparece “já velho e ocupado com o rebanho em Cristo, de Tabocal”, em “O Pícaro”; Coronel Nicodemos, ou Demo, é o mandão do lugar, Tabocal; Dona Bilinha, mulher do coronel; major Apolônio; padre Otávio, Cabo Zezinho; e outros. Isto dá aos livros de Batista certa unidade, embora os dramas não se misturem, não se confundam.

Muitos dos personagens Batistianos têm características próprias – são caracteres. Como Maria Raimunda, a vendedora de abelhas (“As abelhas”). Ou como os padres, coronéis, doutores, fabricantes de cachaça, valentões, afinadores de violões, coveiros e até animais. A presença de cobras, cachorros e gatos é frequente na obra de Batista de Lima: em “O Lobisomem de Tabocal” o bicho “veio dos lados do cemitério, já trazendo uma porção de cachorros latindo desesperados.” Dona Margarida, na história de título homônimo, herda do terceiro marido alguns cachorros. Em “Bonifácio bom de fala” vê-se “um amontoado de cachorros”. Em “A botija” há também a presença desses animais. Há até um conto de gatos, que passam a dominar a casa de Macário (“Os gatos”).

O universo de Batista de Lima é habitado por criaturas às vezes picarescas, mas sempre muito reais. O narrador-escritor ou o narrador-onisciente atua como um memorialista muito cioso da verdade dos fatos ou um repórter astuto. Em vista disso, aqui e ali o leitor perceberá na narrativa o tom da crônica, como em “O Hospital Fantasma” e “O saque a Sipaúbas”. Neste a problemática da seca é o drama central: “Os sipaubenses comiam calango, miolo de mandacaru, carne de urubu, mas resistiam.” Na mesma linha está “Os sobreviventes”.

Alguns dos personagens de Batista são caricaturas, como Manilton, cheio de manias. Outros, como Macário, têm desenhado o comportamento ou o caráter e não tanto a fisionomia ou a aparência. Em vista disso, muitas histórias são de personagem. Malaquias, de “O póstumo”, por exemplo, “era morto de preguiça.” O conto de personagem é o mais frequente na obra de Batista. Muitos têm por título o nome ou o apelido do protagonista (“Carmina”, “Banana”); outros, a condição física, social (“O velho”, “O delegado”, “O insepulto”).

O tempo em Batista de Lima é dilatado. As ações de um mesmo drama são narradas de forma sucinta, ligadas uma a outra, porém entre uma e outra o tempo é de dias, meses, anos. Em “O Pícaro” no primeiro parágrafo Dona Bilinha “estava sentindo as primeiras dores do primeiro parto”. No segundo parágrafo o rebento, Caetano, “foi dado para criar ao Pe. Inácio”. No outro, o menino já crescido, bebia o vinho, comia as hóstias e roubava o dinheiro da coleta da igreja. Mais adiante, aos doze anos, virou lavador de pratos e limpador de banheiro em um bar. Mais adiante, tornou-se guia de cego. Termina sargento e provável candidato a prefeito. Em “O Afinador de Violões” a vida do protagonista daria um romance, como diz o povo. A história tem começo como muitas narrativas populares: “Naquele tempo”. A seguir o afinador de violões “tornou-se cassaco”. As referências ao passar do tempo são frequentes na narrativa: “Dias depois”, “O afinador começou a afinar-se de carnes”, “voltou para a companhia da mãe”, “Os anos se passaram”, “Foram anos e anos de afinação”, “Certa feita”, “Uma noite de agosto”. Essa variedade de ações/tempos está presente em muitos outros contos, como um recurso de linguagem utilizado com insistência.

Batista não se atém ao instante, ao flash, ao momento de tensão da trama. Importa a ele o ritmo do calendário, o passar do tempo. Em “Julho é um mês que não tem fim” o próprio título é significativo. Todo o passado do lugarejo é “revivido” como num sonho. Os mortos revivem suas façanhas. (…) “a noite continuou por dias e anos transfigurados. Muitas moagens e histórias se repetiram no pequeno espaço de horas.” Em “Dona Margarida” o mesmo processo: “em outros tempos”, “uns foram embora”, “de tempos em tempos”, “já enterrara dois maridos”, “chegou a festa do padroeiro”, “depois de alguns anos”.

Há dois tipos de conto nos dois livros de Batista de Lima: as histórias do sertão e as narrativas poéticas, quase poemas em prosa, como “Vertigem” e “A pedra”. Nestes a ausência de trama e de personagens chama a atenção do leitor. Às vezes há personagens, como em “O eremita”. São personagens-símbolo: Deus e Canlima, o eremita. Em “O capote” a protagonista Marta é uma menina. E tudo gira em torno de sua amizade com um capote, isto é, galinha d’angola. A narrativa se desenrola com suavidade e poesia até o desfecho, quando Marta se sente adolescente, “o capote já velho”: “Certa feita, depois de algum tempo,” o capote “amanheceu morto.” A menina “não derramou sequer uma lágrima. Andava muito entretida em se arrumar, ultimamente.” Vê-se também o fantástico ou o fantasioso em algumas narrativas, como “O encontro” e “Projeção”. Esses contos geralmente não se localizam no campo, no sertão, constituindo, pois, uma minoria no conjunto das histórias.

O conto sem enredo, de personagens sem nome, também compõe a obra de Batista, como “O cordeiro”. Algumas dessas peças podem ser denominadas parábolas, como “A Carta”. E o que dizer de uma história cujo personagem principal é a morte? Em “Lindolhar” o protagonista se vê “perseguido” ou “olhado” pela morte: (…) “ela estava no último galho da árvore”, como se fosse uma coruja. “Ela estava lá, antiga como a noite, afinando as garras para o bote”, como uma cobra.

E como o contista arranja os desenlaces de suas narrativas? Muitas vezes o desfecho é a morte do protagonista, como em “Luizão”, “O Lobisomem de Tabocal”, “O Afinador de Violões”. Em outros contos, no entanto, nada de tragédia no desenlace. Em “Os Enganos das Aparências” o suposto machão soldado Viriato, “só músculos”, o “gigante”, é flagrado em banho com negro Terto no banheiro de Dona Maroca. “Naquela mesma noite” “desapareceu pelos fundos da pensão”, “levando nas costas a mala de roupas e de surpreendentes mistérios.” Esse tipo de humor contido está presente em diversas narrativas, como “O Herói que não Retorna”, “Manilton”, “Os Azares do Aspirante”. Desfecho com humor se vê também em “O falso crime do Padre Arnaldo”. Talvez não tanto com humor é o desenlace de “Os gatos”.

Batista utiliza sempre a narração como forma básica de contar as suas histórias. Não há diálogos explícitos, diretos. E isto se dá tanto do ponto de vista onisciente como da primeira pessoa. As narrativas são constituídas basicamente de narrações, com raríssimas descrições e falas em discurso indireto.

Batista de Lima também cultiva o miniconto, embora os outros não sejam longos. Uns poucos alcançam mais de três páginas de livro, como “Janeiro é um mês que não termina”. Quanto mais reduzido, mais o conto tende a se afastar da forma tradicional. O miniconto às vezes se aproxima do poema. É o que se vê em Batista. É o poeta dando a mão ao narrador ou ao prosador. E ambos caminhando de cabeça erguida, certos de estarem cumprindo suas missões no vasto mundo das letras.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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Javier Di Mar-y-abá (Poemas Avulsos)

Libreria Fogola Pisa (facebook)
CASTANHEIRAS

Esperei-te séculos!
Ergui-me viçosa e bela
Até que apareceste
Com ares senhoriais.
Eu sempre pensei
Nosso sexo
Assim mesmo:
Sem nexo.

Mas essa motosserra
Foi demais.

GAMELEIRA

A casta refletirá verdades
Que a selva não denuncia;

Braços embalar-se-ão
Ao sabor de brisas
Que tuas raízes jamais saberão.
Há um sonho escondido ali,
Amores e calumbis
Debaixo da gameleira.
O sol brinca de esconder
Por detrás da gameleira.

Jaz um pedaço do mundo
Debaixo da gameleira.

INFÂNCIAS

O mundo fez piruetas
Com o pé de manga-rosa
Pintou as bolas-de-gude
Com as sobras do arco-íris.
Brincavam de amarelinhas
Felizes muricizeiros.
Curiós, xexéus e sanhaços
Faziam o maior furdunço
Nas frutas, nos arvoredos.

Os anos de todos eles
A gente contava nos dedos.

Com argamassa dos sonhos
A terra forjava os homens:
Era Bruno, Erick, Carol e Rafa
Brincando de lobisomem.


Fonte:

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Arquivado em Pará, Poemas

Javier Di Mar-y-abá (1955)

Xavier Santos, Marabaense nascido em 3 de dezembro de 1955 numa rua que se chamava Itacayunas em placa de latão esmaltada em azul e letras brancas, e que sabem lá Deus e os conquistadores porque batizaram depois de Benjamin Constant sem placa e sem letreiro.

Filho de canoeiro e chacareiro do Quindangues, terra sagrada de cajus e encantamentos, só podia ter virado poesia e música, coisas que faz como ninguém.

Achou pouco e resolveu chamar-se Javier Di Mar-y-abá.

É formado em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará.

Fonte:
BRAZ, Ademir, org.  Antologia Tocantina.   Marabá, TO: Grafecort, 1998.

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Trovadorismo (origens)

As origens da literatura de Portugal encontram-se no período que recebeu o nome de Trovadorismo, que vai de 1198 (ou 1189) a 1418.

Escolhe-se o ano de 1198 (ou 1189) como início não só do Trovadorismo, mas da própria literatura portuguesa, pois data dessa época um dos mais antigos textos literários escritos em galaico-português (ou galego-português), a “Cantiga de garvaia”, do trovador Paay Soárez de Taveyrós (ou, em português contemporâneo, Paio Soares de Taveirós), dirigida a Maria Pais Ribeiro, chamada A Ribeirinha, amante do rei dom Sancho I.

Mas por que em galaico-português?

Quando estudamos a literatura de Portugal não podemos esquecer que a formação do reino português, separado do reino espanhol, ocorre apenas quando a Guerra da Reconquista (durante a qual os visigodos cristãos, partindo da região das Astúrias, lutaram contra os árabes, expulsando-os da Península Ibérica) chega a sua fase final. Nesse ponto, assume papel preponderante a povoação de Portucale, na foz do rio Douro. O reino da Galícia (ou Galiza) localizava-se na região noroeste da Península Ibérica (e hoje é uma das comunidades autônomas que compõem a Espanha).

Antes disso, no entanto, Espanha e Portugal formavam um só conjunto de reinos mais ou menos independentes, nos quais os falares, os dialetos conviviam lado a lado, influenciando-se mutuamente. Como afirma António José Saraiva, “o galego-português e o castelhano nasceram […] como dois dialetos da mesma língua neolatina e foram-se diversificando ao longo do tempo”.

Esclarecidas, ainda que superficialmente, essas questões, podemos retornar ao Trovadorismo.

Essa primeira fase da literatura portuguesa é composta por três categorias diferentes de textos:

1) a poesia trovadoresca;
2) as novelas de cavalaria; e
3) crônicas, hagiografias e livros de linhagens.

Do ponto de vista literário, os dois últimos itens são os menos importantes – e é por eles que começaremos nosso estudo.

CRÔNICAS, HAGIOGRAFIAS E LIVROS DE LINHAGENS

As crônicas (ou cronicões), algumas delas ainda escritas em latim, guardam certo interesse pelo fato de representarem o início da historiografia portuguesa. Quanto às hagiografias, nascem sob a influência da cultura clerical, através de traduções de vidas de santos e relatos de milagres.

No que se refere aos livros de linhagens, são os mais interessantes, pois não se restringem à enumeração das famílias nobres, mas tratam também de outros temas. Redigidos sob orientação de dom Pedro, Conde de Barcelos, compõem a obra Portugaliae monumenta historica.

Encontramos nesses livros textos curiosos e bem escritos, como uma descrição da Batalha do Salado (travada, entre cristãos e mouros, em 1340, na província de Cádis, no sul da Espanha), bom exemplo da prosa medieval portuguesa, e o esboço de uma história universal que, evidentemente, começa com Adão e Eva e termina nos reis portugueses que reconquistaram a península. Há também a “Lenda da Dama Pé de Cabra”, mais tarde recontada por Alexandre Herculano.

NOVELAS DE CAVALARIA

A partir do final do século XIII – e durante o XIV – chegam a Portugal traduções do ciclo de narrativas arturianas, descrevendo as façanhas dos cavaleiros de Artur, rei e herói mítico. A influência dessas narrativas é tão grande que, segundo António José Saraiva, “numerosas pessoas em Portugal foram a partir de então batizadas com nomes de heróis daquele ciclo, como Tristão, Iseu, Lançarote e Perceval”.

Tais traduções não só influenciaram os usos e costumes sociais, incluindo as festas palacianas, as cerimônias de investidura, etc., como também fizeram surgir, no período literário seguinte (o Humanismo, 1418-1527), o Amadis de Gaula (1528), elogiada novela de cavalaria cujo verdadeiro autor – português ou espanhol – permanece um mistério.

POESIA TROVADORESCA

A experiência mais criativa e fecunda do Trovadorismo – e, portanto, dos primórdios da literatura portuguesa – encontra-se na poesia trovadoresca (e não na prosa, que é tratada num artigo à parte: veja aqui). De um lirismo estranho, quando comparados, por exemplo, à poesia moderna, os poemas dos trovadores podem parecer ultrapassados àqueles que fizerem uma leitura desatenta, superficial.

Massaud Moisés diz bem quando salienta que a poesia trovadoresca “exige do leitor de nossos dias um esforço de adaptação e um conhecimento adequado das condições históricas em que a mesma se desenvolveu, sob pena de tornar-se insensível à beleza e à pureza natural que marcam essa poesia”.

Para conhecer as origens da lírica trovadoresca, devemos recordar que, a partir do século XI, e durante todo o século XII, a região da Provença, no sul da França, produziu trovadores e jograis que acabaram se espalhando por vários países da Europa. A influência da poesia provençal chega, inclusive, aos nossos dias. Esses provençais se misturariam aos jograis e menestréis galego-portugueses, dando origem às cantigas que veremos a seguir.

É também da Provença que vem o substantivo “trovador”, pois lá o poeta era chamado “troubadour” (enquanto que, no norte da França, recebia o nome de “trouvère”). Nos dois casos, o radical da palavra é o mesmo, referindo-se a “trouver”, ou seja, “achar”. Os poetas eram aqueles que “achavam” os versos, adequando-os às melodias e formando os cantares ou cantigas.

Para fins didáticos, divide-se a lírica trovadoresca em:

1. Cantigas de amor: o trovador confessa, de maneira dolorosa, a sua angústia, nascida do amor que não encontra receptividade. O “eu lírico” desses poemas se revela, às vezes, na forma de um apelo repetitivo, no qual não há erotismo, mas amor transcendente, idealizado. Como exemplo, vejamos esta cantiga de Pero Garcia Burgalês:

Ai eu coitad! E por que vi
a dona que por meu mal vi!
Ca Deus lo sabe, poila vi,
nunca já mais prazer ar vi;
ca de quantas donas eu vi,
tam bõa dona nunca vi.

Tam comprida de todo bem,
per boa fé, esto sei bem,
se Nostro Senhor me dê bem
dela! Que eu quero gram bem,
per boa fé, nom por meu bem!
Ca pero que lh’eu quero bem,
non sabe ca lhe quero bem.

Ca lho nego pola veer,
pero nona posso veer!

Mais Deus, que mi a fezo veer,
rogu’eu que mi a faça veer;
e se mi a non fazer veer.
Sei bem que non posso veer
prazer nunca sem a veer.

Ca lhe quero melhor ca mim,
pero non o sabe per mim,
a que eu vi por mal de mi[m].

Nem outre já, mentr’ eu o sem
houver; mais s perder o sem,
dire[i]-o com mingua de sem;

Ca vedes que ouço dizer
que mingua de sem faz dizer
a home o que non quer dizer!

2. Cantigas de amigo: o trovador apresenta o outro lado da relação amorosa, isto é, assume um novo “eu lírico”: o da mulher que, humilde e ingênua, canta, por exemplo, o desgosto de amar e, depois, ser abandonada; ou o da mulher que se apaixonou e fala à natureza, à si mesma ou a outrem sobre sua tristeza, seu ideal amoroso ou, ainda, sobre os impedimentos de ver seu amado. No exemplo a seguir, do trovador Julião Bolseiro, o diálogo se estabelece entre a mulher apaixonada e sua filha, que impede a mãe de ver seu amado:

Mal me tragedes, ai filha,
porque quer ‘ aver amigo
e pois eu com vosso medo
non o ei, nen é comigo,
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.

Sabedes ca sen amigo
nunca foi molher viçosa,
e, porque mi-o non leixades
ver, mia filha fremosa,
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.

Pois eu non ei meu amigo,
non ei ren do que desejo,
mais, pois que mi por vós vengo
Mia filha, que o non vejo,
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.

Por vós perdi meu amigo,
por que gran coita padesco,
e, pois que mi-o vós tolhestes
e melhor ca vós paresco
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.

Como salienta Massaud Moisés, analisando essa dualidade amorosa do trovador, “é digna de nota essa ambiguidade, ou essa capacidade de projetar-se na interlocutora do episódio e exprimir-lhe o sentimento: extremamente original como psicologia literária ou das relações humanas, não existia antes do trovadorismo, e nem jamais se repetiu depois”.

3. Cantigas de escárnio e de maldizer: são poemas satíricos. Nas de escárnio, ressaltam-se a ironia e o sarcasmo. Já as de maldizer são agressivas, abertamente eróticas, a sátira é expressa de forma direta, sem meias palavras, chegando a usar termos chulos. Escritas, às vezes, pelos mesmos autores das cantigas de amor e de amigo, revelam um terceiro “eu lírico”, cuja licenciosidade se aproxima da vida das camadas sociais mais populares. Como exemplo, vejamos esta cantiga de maldizer de Afonso Eanes de Coton:

Marinha, o teu folgar
tenho eu por desacertado,
e ando maravilhado
de te não ver rebentar;
pois tapo com esta minha
boca, a tua boca, Marinha;
e com este nariz meu,
tapo eu, Marinha, o teu;

(…)

Não podemos esquecer que todas essas cantigas eram musicadas. Os trovadores as cantavam, acompanhados de um ou vários instrumentos musicais. E, em algumas situações, elas podiam, inclusive, ser dançadas.

Infelizmente, muitas dessas cantigas acabaram desaparecendo, já que eram transmitidas também por via oral. Alguns manuscritos, contudo, foram compilados em obras a que damos o nome de “cancioneiros”, quase sempre graças às ordens dos reis. Assim, as cantigas hoje existentes podem ser encontradas em três cancioneiros:

a) Cancioneiro da Ajuda (composto no reinado de Afonso III, no final do século XIII, tem 310 cantigas, a maioria de amor;

b) Cancioneiro da Biblioteca Nacional (ou Cancioneiro Colocci-Brancuti): contem 1.647 cantigas, de todos os tipos, elaboradas por trovadores dos reinados de Afonso III e dom Dinis.

c) Cancioneiro da Vaticana: possui 1.205 cantigas de todos os tipos.

Entre os principais trovadores, devemos citar: João Soares Paiva, Paio Soares de Taveirós, dom Dinis (que deixou cerca de 140 cantigas líricas e satíricas), João Garcia de Guilhade e Martim Codax.

De todas as cantigas existentes, apenas 13 são acompanhadas de notação musical.

Bibliografia

    A literatura portuguesa, Massaud Moisés, Editora Cultrix, 36ª edição, revista e atualizada, 2008.
    Iniciação à literatura portuguesa, António José Saraiva, Editora Cia. das Letras, 1999

Fontes:
EDUCAÇÃO UOL. Página 3 Pedagogia & Comunicação, 10/09/2009

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José Feldman (Universo de Versos n. 134)


Uma Trova de Porto Alegre/RS

LISETE JOHNSON


No brinquedo “Esconde-esconde”,
eu me escondia tão bem,
que, até hoje, não sei onde,
eu me escondi…E de quem?
============================
O Universo Poético de Francisco Macedo

FRANCISCO NEVES DE MACEDO
Natal/RN (1948 – 2012)


Patativa… Paixão e Vida

Nasceu Patativa… Poeta emoção!
Santana, seu chão… Assaré, sua vida!
Sorbone o estudou e curvou-se vencida…
Fenômeno e luz que brilhou no sertão!

Poeta maior, de uma vida sofrida,
compôs os seus versos com inspiração.
Nasceu e cumpriu sacrossanta missão,
vive em Assaré… Após “Triste Partida”!

Os versos que fez e que são imortais,
seu povo e Assaré… Não esquecem jamais:
São seus sentimentos de amor/fantasia!…

Meu mestre maior, viverá entre nós.
Em mim permanece com trêmula voz
a sua sublime e divina poesia!…
============================
Um Haicai, de São Paulo/SP

FABRÍCIO SOARES PERICORO


Friozinho da manhã
Sob as azaleias floridas
Dorme o cãozinho.
============================
Uma Trova sobre Ecologia, de Caicó/RN

FRANCISCO F. DA MOTA


Ficamos estarrecidos
vendo pra todos os lados
nossos rios poluídos,
nossos campos devastados.
============================
O Universo Poético de Perneta

Emiliano David Perneta
Curitiba (1866 – 1921)

Dor

Ao Andrade Muricy

Noite. O céu, como um peixe, o turbilhão desova
De estrelas e fulgir. Desponta a lua nova.

Um silêncio espectral, um silêncio profundo
Dentro de uma mortalha imensa envolve o mundo

Humilde, no meu canto, ao pé dessa janela,
Pensava, oh! Solidão, como tu eras bela,

Quando do seio nu, do aveludado seio
Da noite, que baixou, a Dor sombria veio.

Toda de preto. Traz uma mantilha rica;
E por onde ela passa, o ar se purifica.

De invisível caçoila o incenso trescala,
E o fumo sobe, ondeia, invade toda a sala.

Ao vê-la aparecer, tudo se transfigura,
Como que resplandece a própria noite escura.

É a claridade em flor da lua, quando nasce,
São horas de sofrer. Que a dor me despedace.

Que se feche em redor todo o vasto horizonte,
E eu ponha a mão no rosto, e curve triste a fonte.

Que ela me leve, sem que eu saiba onde me leva,
Que me cubra de horror, e me vista de treva.

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O Universo da Glosa de Gislaine

GISLAINE CANALES
Porto Alegre/RS

Glosando EDUARDO A. O. TOLEDO
A Bênção, Mãe!

MOTE:
Durmo tranquila e feliz,
na madrugada sem lei,
quando meu filho entra e diz:
a bênção mãe, eu cheguei!

GLOSA:
Durmo tranquila e feliz,
e a noite se faz amiga
quando com terno matiz
junto a mim, meu filho abriga!

Titubeia o coração
na madrugada sem lei,
maldades, sem emoção
são praticadas, eu sei!

As preces todas que eu fiz
agradeço, de mansinho,
quando meu filho entra e diz:
Oi mãe, com todo o carinho!

Eu sinto a felicidade,
ouvindo a voz do meu rei,
que diz com tranquilidade:
– a bênção mãe, eu cheguei!
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Uma Trova Lírica Filosófica, de Balneário Camboriú/SC

ELIANA RUIZ JIMENEZ


Sorriso que é cativante,
 é sincero e iluminado.
 Precioso como brilhante
 por todos ambicionado.
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O Universo do Haicai de Seabra

CARLOS SEABRA
(São Paulo/SP)


sol na varanda –
sombras ao entardecer
brincam de ciranda
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O Universo Poético de Suttana

RENATO SUTTANA
Barroso/MG

Empório


 “Timbre: rompante, a megalomania…”
(Camilo Pessanha)


 Fui ao vento pedir uma riqueza
de que o vento, já velho e despossuído,
não se lembrava mais, tendo-a perdido
entre as monções do engano e da beleza.

Curvado ao peso da delicadeza
que a tal ponto me havia conduzido
(sem meta que eu tivesse pretendido),
nada achei que me desse uma surpresa,

senão o labirinto, já ruinoso,
e os vidros, e os vitrais despedaçados,
e o projeto do salto, desastroso,

e a coleção dos uivos, e o cansaço,
saudade, grito, a pretensão de espaço,
asas de grifo – megalomania.
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Galáxia Haicaista da Benedita

BENEDITA AZEVEDO
Magé/RJ (1944)


Chega o Ano Novo –
Acenam do portão
os filhos e os netos.
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Uma Trova do Izo

IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS 1932 – 2013 São Paulo/SP


Cara-metade, em verdade,
é uma expressão… trapaceira…
– a gente quer a metade
mas tem que engolir… inteira.
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Constelação Haicaista de Marins

JOSÉ MARINS
Curitiba/PR


mas que noite curta –
o sonho do fim do mundo
ficou no começo
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Velhas Lengalengas e Rimas do Arco-da-Velha Portuguesas

SE TU VISSES O QUE EU VI


 Há inúmeras rimas começadas com “Se tu visses o que eu vi”, pois são quadras fáceis de criar. O objetivo é sempre divertir e fazer rir, pela imagem absurda que evocam.

Se tu visses o que eu vi
À vinda de Guimarães
Um barbeiro de joelhos
A fazer a barba aos cães

***

Se tu visses o que eu vi,
Havias de te admirar.
Uma cadela com pintos,
E uma galinha a ladrar.

***

Se tu visses o que eu vi,
Havias de te admirar.
Uma cobra a tirar água,
E um cavalo a dançar.

***

Se tu visses o que eu vi,
Havias de te admirar.
Uma abelha a grunhir,
E um porco a voar.

***

Se tu visses o que eu vi,
Fugias como eu fugi,
Uma cobra a tirar água,
E outra a regar o jardim.

***

Se tu visses o que eu vi,
Este caso de assombrar,
Um macaco sem orelhas
A servir de militar.

http://luso-livros.net/
=================================
Uma Trova da Rainha dos Trovadores

LILINHA FERNANDES
(Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva)
Rio de Janeiro 1891 – 1981


Como é um facho de luz,
fosse de madeira a trova,
eu mesma faria a cruz
que irá marcar minha cova.
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O Universo Poético de Emilio

EMÍLIO DE MENESES
(Emílio Nunes Correia de Meneses)
Curitiba/PR (1816– 1918)

O Plenipotenciário Da Facúndia

(a Oliveira Lima)

De carne mole e pele bambalhona,
Ante a própria figura se extasia.
Como oliveira — ele não dá azeitona,
Sendo lima — parece melancia.

Atravancando a porta que ambiciona,
Não deixa entrar nem entra. É uma mania!
Dão-lhe por isso a alcunha brincalhona
De paravento da diplomacia.

Não existe exemplar na atualidade
De corpo tal e de ambição tamanha,
Nem para a intriga igual habilidade.

Eis, em resumo, essa figura estranha:
Tem mil léguas quadradas de vaidade
Por milímetro cúbico de banha.
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Constelação Poetrix de Goulart

GOULART GOMES
Salvador/BA (1965)

Labirinto


como uma sala em outra sala
em outra sala, e não se finda
dentro, eu; eu, ainda
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Uma Trova Humorística, de Caçapava/SP

ÉLBEA PRISCILA DE SOUSA E SILVA


Gostosa! – diz, leviano.
– Ela é minha filha Ester…
– Perdão, é a outra, que engano!                 
– A outra é minha mulher.

=============================
O Universo Poético de Sardenberg

ANTONIO MANOEL ABREU SARDERNBERG
São Fidélis/RJ (1947)

Busca


Traço na tábua a trilha da traça.
Tiro da tira um tanto de nada.
Fito na foto a fita que enfeita,
O filme perfeito
De um conto de fada.

Fico atento focando no trono,
O rato roendo a roupa do rei.
Vejo ao relento a força da lei,
Perco a esperança, o sonho, o sono!

Sinto na alma um quê de saudade,
Choro sozinho o sonho perdido,
Vejo o passado morto e partido.
De mim sinto pena, dó, piedade!

Lanço o laço em busca do nada.
Sinto o horizonte mais longe que tudo.
Perco o caminho, o rumo, a estrada,
Caio na poça de um poço bem fundo.

Busco na fé a força do forte.
Conto o tempo em cada segundo.
Procuro na bússola a reta, o norte,
Acho você: meu mundo, meu tudo!
===============================
Constelação de Haicais de Haruko

HANA HARUKO
(Clevane Pessoa de Araújo Lopes)
Belo Horizonte/MG


Mini-borboletas
Orquídeas papilonáceas
– Só não podem voar
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Uma Trova Hispânica, da Argentina

ALICIA BORGOGNO


Toda mi ilusión navega
en el cauce de sus ríos…
segura estoy de que llega
con su barca y con sus bríos.
==========================
O Universo Melódico de Assumpção

MARCOS ASSUMPÇÃO
(Marcos André Caridade de Assumpção)
Niterói/RJ

A Trilha


Sei que em algum lugar,
há alguém que me espera
Nos bares que ainda não fui,
ou nas ruas desertas
Longe de mim há alguém,
que eu ainda não vi
Pode ser que talvez algum dia,
sua trilha eu vá seguir
Sei que em algum lugar,
esse amor me completa
E posso sentir pelo ar,
que esse alguém me desperta
Sei que um pedaço de mim
mora longe daqui
E a falta que ele me faz,
ninguém mais vai sentir
Tento seguir os seus passos
pelas noites vazias
Em busca de abrigo ou talvez,
me perder em seus braços
Sei que em algum lugar,
esse amor me completa
E sonho um dia encontrar,
sua trilha minha amada
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O Universo Poético de Cecília

CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio de Janeiro/RJ (1901 – 1964) Rio de Janeiro/RJ

O Mosquito Escreve


 O Mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.

O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U e faz um I.

Esse mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.

E aí, se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever o seu nome.

Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome.
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Trovadores que deixaram saudades

HERÁCLITO DE OLIVEIRA MENEZES
Rio de Janeiro/RJ


Toda criança produz,
apesar da ingenuidade,
grandes clareiras de luz
nas trevas da Humanidade.
=========================
Universo Poético de Ialmar

IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Soneto


Procuro refletir num dia assim
em que a chuva prossegue sem cessar;
e encontro a solidão dentro de mim,
enquanto avisto ali bem perto o mar…

Quisera num momento navegar
os meus sonhos de amor no mar sem fim,
pra que pudesse reviver e amar
o que me falta nesta vida, enfim…

Porém, são tão inúteis estes sonhos,
quais os meus pensamentos enfadonhos,
quando não me permitem conciliar

o que desejo obter e não consigo,
embora seja um sentimento antigo,
com o que o mundo tem a me ofertar !
=============================
Galáxia Triversa de Posselt

ALVARO POSSELT
Curitiba/PR


Nossa relação é quente
Toda noite na cama
um gato entre a gente
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Uma Trova do Rei dos Trovadores

ADELMAR TAVARES
Recife/PE 1888 – 1963 Rio de Janeiro/RJ


Há nos teus olhos escuros,
o escuro da Ave-Maria.
Desconfio que teus olhos,
são os de Santa Luzia…
======================
O Universo Poético de Quintana

MARIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994)

Os degraus


Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…
====================
Constelação Poética de Misciasci

ELIZABETH MISCIASCI
São Paulo/SP

Olho no olho…


Dos meus medos faço canção
embalando meus sonhos em desatino.
Desvairada num anseio turbulento
de quem se despede da razão

Envolta persisto e desisto
insegura me entrego aos desvios
do vazio que minh’ alma teme
meus dias são passados distantes
Versos sem rimas que se apagam
Folhas secas caindo a fremir
Atroz aparente disfarçada audaz
arsenal revestida conclamo concisa

Mar a ser atravessado
sem barco nem remo
Necessidade de transpor
lanço-me neste fluxo

Incerteza é direção
niilismo insistente
desordenada renego
este meu perecimento

Canção que me decompõe
harmonia espacejada sem ritmo
procriada dos meus medos
transformados mau grado e solidão.

Olho no olho
encaro meu ego sem receio
sou de mim mesma esteio
Dos meus medos, faço canção.
=============================
Universo Trovadoresco de Cornélio

CORNÉLIO PIRES
Tietê/SP (1884 – 1958) São Paulo/SP

Despedida


Saudade, tanta saudade!…
Quem deixa as provas da vida,
È que sabe como dói
O tempo da despedida!…
==========================
O Universo Sonetista de Alma

ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)

Veronica’s Veil


Plasmar-me vero ícone em poesia
Foi pra mim verdade e confissão,
Pois jamais em falsidade conseguia
Resistir ao linguajar do coração.

Não há como mentir ou falsear
Tua verdadeira face ao mundo
Se tiveres alma e palma que rimar
E chegar do coração ao poço fundo.

Pois se fores falso nem atinges
O que se denomina de poema,
O lenço que com más tinturas tinges…

Quais cabelos as raízes mostrarão
A cor de uma velhice que se tema:
As mais feias rugas de expressão…
==============================
Uma Poesia de Osasco/SP

DOMINGOS ALBERTO R. NUVOLARI

Você longe


 Gostaria de estar longe, bem distante,
 No campo, onde a natureza vive,
 Ver tudo que posso e quero.

Olhar os campos e sentir o aroma da vida,
 Queria ficar sozinho, só com a natureza.
 Estando sozinho me sinto bem.

Queria entrar na noite, sair dela,
 Entrar no dia, sair dele,
 Viver sem preocupações,
 Mas paro e penso:

Aqui a vida também é boa, tenho de tudo,
 Vou aonde quero, não é tão saudável,
 Mas é boa …às vezes,
 Penso realmente em sair daqui.
 Mas penso outra vez:
 E você?

Ficar sem poder te olhar?
 Ficar sem te sentir?
 Ficar sem ouvir tua voz?

Você foi quem conseguiu me mudar.
 Você fez nascer em mim a poesia.
 O drama, a crítica,
 Coisa que não gostava.

Só você.
 Não tenho mais ninguém.
 Só você, você.
=================================
O Universo de Pessoa

FERNANDO PESSOA
(Fernando António Nogueira Pessoa)
Lisboa/Portugal   1888 – 1935


Se ontem à tua porta
Mais triste o vento passou —
Olha: levava um suspiro…
Bem sabes quem to mandou…
===============================
Uma Trova do Ademar

ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN 1951 – 2013 Natal/RN


Nessa ausência tão sofrida
que a separação impôs;
vejo o grande mal que a vida
fez na vida de nós dois.
=================================
O Universo de Félix

AFONSO FELIX DE SOUSA
Jaraguá/GO (1925– 2002) Rio de Janeiro

Sonetos Elementares

VI

A Haroldo de Brito

Quantos momentos passei como este, não sabendo
se os homens estão alegres mesmo, ou se carregam
sobre os ombros o peso de todas as noites.
Embora haja vozes que dizem menos que o silêncio,

eu sou um só na rua. E se encontrasse
Deus de repente, sua presença me aniquilaria,
ou me tornaria leve como um cego perdido
que súbito deparasse nas trevas o seu guia.

Mas não lhe pediria que perdoasse os homens,
essas criaturas frágeis e sujeitas
à condição de serem levadas sem que saibam.

Ao encontrar os homens sinto-me fraco
para abraçá-los, mas dispo-me do que de mim existe em mim
e me torno como eles – pobre, orgulhoso, impenetrável.
================================
O Universo Trovadoresco  de Auta

Auta de Souza
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN

 –
Obsessão de quem ama,
ninguém consegue entendê-la:
parece vaso de lama
encarcerando uma estrela.
===============================
Uma Trova do Príncipe dos Trovadores

LUIZ OTÁVIO
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ 1916 -1977 Santos/SP


Luta sempre e desde cedo,
sem nunca desanimar,
pois o mais duro rochedo
cede à constância do mar…
========================
O Universo Poético de Vinicius

VINICIUS DE MORAES
(Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes)
Rio de Janeiro (1913 – 1980)

Desde sempre


Na minha frente, no cinema escuro e silencioso
Eu vejo as imagens musicalmente rítmicas
Narrando a beleza suave de um drama de amor.
Atrás de mim, no cinema escuro e silencioso
Ouço vozes surdas, viciadas
Vivendo a miséria de uma comédia de carne.
Cada beijo longo e casto do drama
Corresponde a cada beijo ruidoso e sensual da comédia
Minha alma recolhe a carícia de um
E a minha carne a brutalidade do outro.
Eu me angustio.
Desespera-me não me perder da comédia ridícula e falsa
Para me integrar definitivamente no drama.
Sinto a minha carne curiosa prendendo-me às palavras implorantes
Que ambos se trocam na agitação do sexo.
Tento fugir para a imagem pura e melodiosa
Mas ouço terrivelmente tudo
Sem poder tapar os ouvidos.
Num impulso fujo, vou para longe do casal impudico
Para somente poder ver a imagem.
Mas é tarde. Olho o drama sem mais penetrar-lhe a beleza
Minha imaginação cria o fim da comédia que é sempre o mesmo fim
E me penetra a alma uma tristeza infinita
Como se para mim tudo tivesse morrido.
=============================
O Universo de J. G.

J.G. DE ARAÚJO JORGE
(Jorge Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC 1914 – 1987 Rio de Janeiro/RJ

Esta Música


 Esta música que estou ouvindo
não é música,
é você.

Você está inteira nesta música,
ela guardou você com a fidelidade de um perfume
que me envolve todo,
e que de repente acende olhos em minhas lembranças.

Eu não ouço esta música. Eu vejo você.
Nela nos encontramos, e dançamos, e enlouquecemos,
como naquela noite que nunca há de amanhecer
em minha memória.

Esta música foi música. Hoje, é apenas você,
Sou eu, é aquela vida
de repente colhida
e ultrapassada,
resto de vida numa angústia
atroz,
que há de ficar tocando e bailando fantasmas
dentro de nós…
==============================
Universo Trovadoresco de Joubert

JOUBERT DE ARAUJO E SILVA
Cachoeiro do Itapemirim/ES (1915 – 1993) Rio de Janeiro/RJ


Os currais estão vazios…
o verde fugiu do chão…
e a seca, bebendo os rios,
vai devorando o sertão.
=================================
O Universo das Setilhas do Zé Lucas

ZÉ LUCAS
(José Lucas de Barros)

Natal/RN (1934)

Se chover poesia no sertão,
vou fazer meu chapéu de uma peneira,
pois não quero perder um pingo só
da fartura que desce na biqueira
e, pra o grande calor de minha febre,
eu arranco o telheiro do casebre;
quero é banho de verso a noite inteira!
====================================
O Universo Poético de Mallemont

MARIA EFIGÊNIA MALLEMONT
Petrópolis/RJ

Encantamento


Canta meu coração,
que de oprimido e sujeito
a tão duras provações,
está querendo saltar peito.
Canta meu coração,
que um dia talvez suceda
encontres o teu amor
na curva de uma vereda.
E se persistires no teu canto,
na via que vais seguindo,
pode ser que algum encanto
dê corpo a um sonho lindo.

– II –

Os dias que estás vivendo,
assim triste, esmorecida,
podes transformá-los, querendo,
em euforia merecida.
Teus versos são ambrósia,
bom alimento da alma,
que nos enchem de alegria,
e tornam a vida calma.
Teus poemas são delícia,
melhores que vinho do Porto;
são uma doce carícia,
plenos de amor e conforto.
====================
O Universo de Beça

Anibal Beça
(Anibal Augusto Ferro de Madureira Beça Neto)
Manaus/AM (1946 – 2009)

Profissão de Fé


Meu verso quero enxuto mas sonoro
levando na cantiga essa alegria
colhida no compasso que decoro
com pés de vento soltos na harmonia.

Na dança das palavras me enamoro
prossigo passional na melodia
amante da metáfora em meus poros
já vou vagando em vasta arritmia .

No vôo aliterado sigo o rumo
dos mares mais remotos navegados
e em faias de catraias me consumo.

É meu rito subscrito e bem firmado
sem o temor do velho e seu resumo
num eterno retorno renovado.
==================================
O Universo de Drummond

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG (1902 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

Procura da poesia


Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação
Que se dissipou, não era poesia
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo. ==================================
UniVersos Melodicos

Bororó e Evrágio Lopes

QUE É, QUE É?

(samba-choro, 1943)

O que é? O que é?
Adivinhe meu amor
Trabalha como um relógio
Não tem corda nem motor
Marca as horas de ventura
Marca as horas de amargor
Não há dinheiro que pague
Nem se bota em penhor

Muito embora não se esconda
Não se mostra à ninguém
Não se empresta, não se vende
Dá-se quando se quer bem
Vem conosco de nascença
Morre conosco também
Todo mundo tem no peito
Só você é que não tem
(o que é? o que é?)
================================
Uma Cantiga Infantil de Roda

ANDA À RODA


É uma roda de crianças e uma no meio. A menina do centro canta:

Anda à roda }
Porque quero }
Porque quero }
Me casar } bis

A roda responde:
Escolhei nesta roda
A quem mais vos agradar
A quem mais vos agradar

A criança do meio:
Não me serve, não me agrada,
Só a ti, a ti hei de querer,
Só a ti hei de querer.

A escolhida passa a ser a do centro na vez seguinte. E assim
por diante.

Fonte:
Veríssimo de Melo. Rondas Infantis Brasileiras. 2003.
==============================
O Universo das Poetisas Paranaenses

ANDREA MOTTA
(Curitiba)

Natureza Íntima


Sou pedra plantada.
Quando pedra, sou dura,
implacável com as palavras.

Sou água a correr.
Quando água, sou como um riacho sereno
a deslizar em silêncio.

Sou vulcão em constante erupção.
Quando vulcão, sou imaginação.
Trago na pele, no rosto e,
na alma a cor da paixão.

Sou cigana livre de preconceitos.
Sou nômade, vivo as margens dos rios
minh’ alma tem asas brancas e vermelhas,
p’ros vôos desta vida incerta.

Tenho os olhos tristes e a voz embargada,
em simultâneo a alegria d’uma criança.
No peito trago contudo, a inabalável certeza
de amar-te eternamente.
======================
O Universo Poético de Du Bois

PEDRO DU BOIS
Itapema/SC (1947)

Conversas


Não a conversa dos vizinhos
pelas janelas
abertas
nos assuntos
de todos os dias
a conversa ampliada
em gestos e sorrisos
na mímica
  e música
não a descoberta da vontade
em palavras imaginadas
nos mistérios
e desvendadas
em conversas
de vizinhos
no que acontece
diariamente.
===============================
O Universo Acróstico de Motta

SILVIA MOTTA
(Silvia de Lourdes Araujo Motta)
Belo Horizonte/MG (1951)

Precisamos Ser Verdadeiros

Homenagem Acróstica nº 4946

P-Para ser feliz é muito trabalhoso,
R-Revela-nos o escritor Mia Couto!
E-Em 1966, ouviu no Rádio de Lusaka,
C-Comunicação do Presidente Kaunda,
I-Importante  agradecimento à população:
S-Sobre a construção da 1ª Universidade,
A-A partir da ajuda de todos os cidadãos…
M-Mas, 40 anos depois, a fome continua…
O-O povo nada  mudou em sua história!
S-Será a culpa do povo ou dos governos?
 –
S-Sempre a mesma pergunta:O que falta?
E-É preciso tomar ATITUDES ATIVAS,
R-Retirar todos os preconceitos do passado.
 –
V-Vítimas não queremos ser! Avalia:
E-Em Moçambique, o maior fator de atraso
R-Revela, não se localiza na economia;
D-Deve-se à incapacidade de fazer gerar
A-A forma de pensar ousada, inovadora,
D-Dentro de idéias produtivas avançadas.
E-Em Palestra feita:[Oração da Sapiência]
I-Indicou sete ATITUDES, os sapatos sujos…
R-Responsabilidade, ousadia, igualdade,
O-O espírito consciente das possibilidades,
S-Sem preconceito, ser verdadeiros, na realidade.
=============================
O Universo Poético de Ordones

RAQUEL ORDONES
Uberlândia/MG

Estou a procura


De sorriso com mais verdade
Do carinho com toda certeza
Da nobreza vestindo coração.

E da verdade mais sorridente
Da certeza do doce acarinhar
Do coração com alma nobre.

Caço o beijo com todo gosto
A tez que encrespa ao toque
E do corpo que pede calado.

Do sabor dos lábios beijados
Do contato que a pele abala
Do silêncio dos corpos depois.
====================
Universo Poético de Machado

MACHADO DE ASSIS
(Joaquim Maria Machado de Assis)
-Rio de Janeiro (1839 – 1908)

O Sofá


OH! COMO É suave os olhos
Sentir de gozo cerrar,
Sobre um sofá reclinado
Lindos sonhos a sonhar,
Sentindo de uns lábios d’anjo
Um medroso murmurar!

Um sofá! Mais belo símbolo
Da preguiça outro não há…
Ai, que belas entrevistas
Não se dão sobre um sofá,
E que de beijos ardentes
Muita boca aí não dá!

Um sofá! Estas violetas
Murchas, secas como estão
E entre beijos vaporosos
Da terra fazer um céu!
Um sofá! Mais belo símbolo
Da preguiça outro não há…
Sobre o seu sofá mimoso,
Cheirosas, vivas então,
Achei um dia perdidas,
Perdidas: por que razão!

Talvez ardente entrevista
Toda paixão, toda amor
Fizesse ali esquecê-las
Quem não sabe? sem vigor
Estas flores só recordam
Um passado encantador!

Um sofá! Ameno sítio
Para cingir duas frontes
De amor num místico véu,
Ai, que belas entrevistas
Não se dão sobre um sofá,
E que de beijos ardentes
Muita boca aí não dá!
================================
O Universo de Versos de Simone

SIMONE BORBA PINHEIRO
Dom Pedrito/RS

Carta de Um Homem Arrependido


Quando você me deixou,
meu mundo caiu na desolação e arrependimento.
Me senti muito triste, muito só,
e sequer dormir, eu conseguia,
remoendo a culpa atroz, de você ter ido embora.

Sei que não dei à você,
a importância que você merecia,
não dei atenção, nem amor.
Vivi esse tempo todo, de forma egoísta,
pensando somente em mim.
Sei que você foi embora por que,
tinha seus motivos, que não eram poucos
mas, mesmo assim, fico imaginando,
o dia, a hora, o momento
em que você, com seu sorriso largo,
vai entrar por essa porta,
trazendo num abraço, o seu perdão.

Estou aqui, debruçado no parapeito desta janela,
assistindo ao longe, no céu,
as celebrações juninas.
Queria que você chegasse agora, assim, de surpresa,
dentro de um desses maravilhosos balões,
que passeiam no céu de junho.
Não sou santo meu amor,
sou apenas um homem arrependido
que implora pelo seu perdão pois,
sem você, não sei viver!
Volta pra mim, vai?!?.…
============================
Galáxia Poética de Nicolini

AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ (1941)

Era Bom…


Era tão bom aquele tempo, já distante,
em que íamos sempre de mãos dadas
caminhando, e olhando para adiante,
sem ver o que deixávamos na estrada.

Era tão bom esquecer o que passava,
fosse um pequeno ou grande dissabor,
porque a vida, em troca, já anunciava
que amanhã tudo teria mais valor.

Era bom esquecer que o tempo passa
e transforma esses sonhos em fumaça
que apaga as imagens e o seu som.

Porque o tempo não pára, e desse jeito,
só acabou nos restando aqui no peito
a saudade de lembrar como era bom.
============================
Galáxia de Indrisos, de Iturat

ISIDRO ITURAT
Villanueva e La Geltrú/Espanha (1973)

Rumos


Cada rendição, cada covardia, cada traição contra si,
cada medo à pública opinião, cada ato de tibieza
de espírito, cada pacto contra a voz da consciência

mais nos predestina a essa quase morte que é pior do que morrer.

Cada ação que parte do sangue íntegro, do repúdio ao que é vil
(é questão de hábito), cada rir deveras, cada chorar, deveras,
torna mais fácil a força e o saber que engendram mais a força

e sentir, a cada despertar, que vale a pena estar aqui. ===================================
Universo Poético de Camões

LUIS VAZ DE CAMÕES
Portugal (1524 – 1580)

IV


Depois que quis Amor que eu só passasse
Quanto mal já por muitos repartiu,
Entregou-me à Fortuna, porque viu
Que não tinha mais mal que em mim mostrasse.

Ela, porque do Amor se avantajasse
Na pena a que ele só me reduziu,
O que para ninguém se consentiu,
Para mim consentiu que se inventasse.

Eis-me aqui vou com vário som gritando,
Copioso exemplário para a gente
Que destes dois tiranos é sujeita;

Desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
Que deste tão pequeno está contente!
=======================
Galáxia Poética de Bandeira

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho)
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Consoada


Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
– Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
==============================
Universo Poético de Shakespeare

WILLIAM SHAKESPEARE
Stratford-upon-Avon, Reino Unido (1564 – 1616)

Soneto 6


Assim, não deixemos a mão rota do inverno desfigurar
De ti o teu verão antes que sejas destilada;
Adoça teus sumos; orna um lugar
Que tenha o valor da beleza antes de sucumbires.

Este uso não é a proibida usura
Que alegra os que pagam os devidos juros –
Para que cries, para ti mesma, um novo ser,
Ou sejas dez vezes mais feliz do que és.

Serias dez vezes mais alegre,
Se em dez de ti dez vezes te transmudasses;
Então, o que poderia fazer a Morte se partisses,

Passando a viver na posteridade?
Não sejas turrona, pois és por demais bela
Para que a Morte vença e os vermes te consumam.
==============================
O Universo Poético de Vinheiro

PAULO VINHEIRO

(Paulo Vieira Pinheiro)
Monteiro Lobato/SP

Desandanças


Tudo quanto sei são das trevas
Aquelas que renuncio sem certeza
Tudo por onde ando são breus
Quanto toco carece de luz e
Sofre de tanto esperar em vão
Sofro também, pois nada sei
Neste misto de sim e não
Nisto que aceitamos como vida
Não há, sinto, algo valioso
Seria temerário dizer que há além?
Troco passos em calçadas e afins
Me perco das sobras e de mim
=================================
Galáxia Poética de Jacob

José A. Jacob
(José Antonio de Souza Jacob)
Juiz de Fora/MG

Almas Sem Flores


Tenho tido a tristeza do meu lado,
E os olhos cheios de visões de outrora,
Com fantasmas que chegam do passado
E entram por minha porta em qualquer hora.

Eles trazem um vento desolado,
E assim, tal qual o inverno que demora,
Esses duendes, que custam ir embora,
Zombam de mim: e eu fico mais calado…

Uns vestem-se de reis, outros esmolam,
E outros, tanto se esmurram que se esfolam
Que, ao andarem, o mal rasteja atrás.

Eu tenho a casa cheia com as dores
Dessas almas, que nunca deram flores,
Eu tenho apenas isso… e nada mais.
========================
A Constelação Poética de Maial

LILIAN MAIAL
Rio de Janeiro/RJ

Idas Vindas


Sempre busco esse instante que passou,
Mas me atraso, em segundos, uma era.
E se volto, eu me perco de onde estou,
Bem não fico onde o tempo me tolera.

O caminho que escolho já chegou,
E eu não chego onde o grito reverbera.
No meu eco, a palavra silenciou,
No silêncio, ouço a voz que dilacera.

Se o meu tempo abre em mim funda cratera,
Esse abismo, em que o peito se lançou,
Sou um louco astronauta em longa espera.

Tenho a tola certeza do que sou,
Sei do tempo que me aprisiona fera,
Entre a ida e entre a volta, eu nunca vou.
=====================
O Universo Poético de Carvalho

VICENTE DE CARVALHO
(Vicente Augusto de Carvalho)
Santos/SP 1866 – 1924

Esperança


Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
==========================
Poesia Além Fronteiras

ROBERT FROST
(Robert Lee Frost)
São Francisco/EUA 1874 – 1963 Boston/EUA

A Família da Rosa


 A rosa é uma rosa
E sempre foi rosa.
Mas hoje se usa
Crer que a pêra é rosa
E a maçã vistosa
E a ameixa, uma rosa.
Pergunta a amorosa
Que mais será rosa.
Você, claro, é rosa –
Mas sempre foi rosa.

(Tradução: Renato Suttana)

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Fernando Pessoa e Antonio Manoel Abreu Sardenberg (O Amor)

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João Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) 4 – O Tatu-rosqueira

Já em rapaz eu ouvira falar numa raça de tatus-rosqueira, porém, punha minhas dúvidas nessas histórias. Passaram-se os anos caminhei muito, muito, aconteceu-me muito, mas de. tatu-rosqueira, nada!
 
Pois dessa feita, no Rincão das Tunas, vi; do outro lado do rio Camaquã, com estes, que a terra há de comer, vi… e se me fosse contado não acreditaria.
 
Periga a verdade, mas lá vai, e, demais, estavam presentes o capitão Felizardo, já falecido, o licenciado Silvinha (que perdi de vista), além dos peães, sem falar nos cachorros, por sinal bons tatuzeiros. É sabido que as jararacas andam sempre em casal e que se alguém mata uma pode também matar a outra, no mesmo lugar, porque a viúva vem pelo rastro da companheira; se se carrega a primeira, por exemplo, para perto de casa, é contar que a outra aí vem dar; quer dizer, o bicho acompanha o seu defunto, ou seja pelo faro, ou pela dor da saudade, com os olhos da alma…
 
Sabe-se também – isso eu vi, vezes e vezes! – que o lagarto conduzido pela cauda, semimorto ou semivivo (há diferença entre estes estados de saúde), quando menos se espera, quebra o rabo e escapa-se. A perdiz, finge de morta: fecha os olhos, afrouxa o pescoço, reina as asas e… zuct! de repente apruma-se e desfere o vôo.
 
O zorrilho…
 
Esta pequena divagação, que pode parecer maçante, é necessária e vem apenas provar que todo animal tem um instinto muito particular para certas aflições em que se encontra. Era por uma bonita noite de luar. Estávamos mateando e pitando; conversa vai, conversa vem, quando o major Felizardo lembrou que podia divertir-nos proporcionando-nos uma caçadita aos tatus.
 
— E tatu-rosqueira, então, que é praga! …     concluiu o major.
 
A este dito, saltei.
 
— Pois há? …     inquiri.
 
—Xi! assim!…
 
E o major juntou em molho os dedos das duas mãos, e assobiou comprido. Aprestamo-nos e saímos rumo do rincão. De chegada soltamos os cachorros, e daí a um quase-nada já lhes ouvíamos o ganiçado. Começamos a bater as toca.
 
Aquilo foi rápido. Havia mesmo muito tatu! Cachorro farejava, cavava na entrada da toca, e nós já rente, de enxada, dá-lhe que dá-lhe! Eu é que tive a sorte de descobrir o primeiro tatu; o primeiro tatu, não, o primeiro rabo de tatu. E no que o descobri, agarrei-o. Tironeei, tironeei, e nada, o bicho não vinha; já ia meter o dedo… sabem, bem?… quando o licenciado Silvinha gritou-me:
 
— Não faça isso, Romualdo… destorça a rosca do rabo!…
 
— Quê?
 
— Sim, e para a esquerda, a modo de parafuso inglês!
 
Sem ter consciência do que fazia, às mãos ambas dei umas quantas voltas para a esquerda, e qual não foi o meu espanto quando senti que efetivamente aquilo cedia, afrouxava, desatarraxava-se! …     E fiquei com o rabo na mão… sem o tatu!

Pelos outros lados os companheiros andavam na mesma faina. Algo desapontado, indaguei do licenciado:
 

— E agora?…
 
— Passe a outro. Guarde esse rabo aí no saco; daqui a pouco você verá o resto!
 
Aquilo era curioso, passei a outra cova, a mesma manobra: outro rabo, no saco; outra e outra, e assim porção delas. A certa altura o tenente-coronel deu ordem de parar, pois não poderíamos transportar toda a caçada; o saco estava cheio a mais de meio. Eu estava desconfiado e furioso, mas disfarçando, achava esquisito vir ao mato caçar tatus e só levar-lhes as caudas… Mas o coronel Felizardo fez um sinal e logo nos arrolhamos em volta do saco; fez-se silêncio e daí a pouco começou a tatuzada a sair das tocas – desrabados todos – e vieram se chegando para o saco, focinhavam nele e ficavam quietos, como viúva velha chorando na cova de marido novo…
 
Ai então é que era pegar e sangrar tatu! …     Foi uma senhora matança! Fizemos umas quantas enfiadas e voltamos para casa vergando ao peso da caçada. Eu, por mim, confesso, estava atônito! Em caminho é que o brigadeiro Felizardo me foi contando a cousa pelo miúdo
 
— Romualdo, você conhece o tatu peludo ou de rabo mole, o bola, o guaçu e outros; mas parece que este, nunca viu…
 
— De ouvido, sim!
 
— Ora! ouvir falar é uma cousa, ver é outra… Este tatu tem o rabo como uma rosca, por isso se chama rosqueira; caçá-lo é facílimo: descoberta a toca, basta poder agarrá-lo pela cauda e em vez de puxar destorcê-la e depois levá-la para um pouco distante naturalmente o rosqueira sente falta do peso do rabo e pelo faro vai em busca, acha-o e começa logo a cavar no chão um buraco estreito e fundo, entra então com o focinho a dar voltas e mais voltas à cauda solta, e tanto trabalha que fá-la cair de ponta para baixo no buraco que preparou: então, chega-lhe terra e vai-o enchendo, de forma que a cauda pode ficar fincada corno uma estaca, e quando ele sente que está firme, senta-se-lhe em cima e…
 
— E… parece incrível!
 
— E começa a andar à roda, à roda, sempre para a direita, até atarraxar-se de novo ao rabo. No que está pronto vai-se embora!
 
No dia seguinte fui ao mato, sozinho, para verificar o caso.
 
Descobri logo umas sete covas, portanto sete tatus; destorci sete rabos, pu-los no chão trepei a uma árvore topada e esperei vieram os tatus: vieram os tatus, fizeram os tais buracos, fincaram as caudas, sentaram-se em cima delas e começaram a rodar, a rodar, a rodar. Dentro em pouco um primeiro cessou o movimento e atirou-se para a frente, na sua posição natural, de quatro patas; e logo outro, enfim todos os sete, perfeitamente bons, enrabados, completos. 
Sem querer fiz um movimento, e os bichos fugiram rápidos como setas. Era a pino do meio-dia. Para comer é que não são bons: têm a carne mui dura.
=============
continua… mais casos

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Orígenes Lessa (As Cores)

 Maria Alice abandonou o livro onde seus dedos longos liam uma história de amor. Em seu pequeno mundo de volumes, de cheiros, de sons, todas aquelas palavras eram a perpétua renovação dos mistérios em cujo seio sua imaginação se perdia. Esboçou um sorriso… Sabia estar só na casa que conhecia tão bem, em seus mínimos detalhes, casa grande de vários quartos e salas onde se movia livremente, as mãos olhando por ela, o passo calmo, firme e silencioso, casa cheia de ecos de um mundo não seu, mundo em que a imagem e a cor pareciam a nota mais viva das outras vidas de ilimitados horizontes.

Como seria cor e o que seria? Conhecia todas pelos nomes, dava com elas a cada passo nos seus livros, soavam aos seus ouvidos a todo momento, verdadeira constante de todas as palestras. Era, com certeza, a nota marcante de todas as coisas para aqueles cujos olhos viam, aqueles olhos que tantas vezes palpara com inveja calada e que se fechavam, quando os tocava, sensíveis como pássaros assustados, palpitantes de vida, sob seus dedos trêmulos, que diziam ser claros. Que seria o claro, afinal?
 

Algo que aprendera, de há muito, ser igual ao branco. Branco, o mesmo que alvo, característica de todos os seus, marca dos amigos da casa, de todos os amigos, algo que os distinguia dos humildes serviçais da copa e da cozinha, às vezes das entregas do armazém. Conhecia o negro pela voz, o branco pela maneira de agir ou falar. Seria uma condição social? Seguramente. Nos primeiros tempos, perguntava. É preto? É branco? Raramente se enganava agora. Já sabia… Nas pessoas, sabia… Às vezes, pelo olfato, outras, pelo tom de voz, quase sempre pela condição. Embora algumas vezes – e aquilo a perturbava – encontrasse também a cor social mais nobre no trato das panelas e na limpeza da casa. Nas paredes, porém, nos objetos, já não sentia aquelas cores. E se ouvia geralmente um tom de desprezo ou de superioridade, quando se falava no negro das pessoas, que envolvia sempre a abstração deprimente da fealdade, o mesmo negro nos gatos, nos cavalos, nas estatuetas, vinha sempre conjugado à idéia de beleza, que ela sabia haver numa sonata de Beethoven, numa fuga de Bach, numa polonaise de Chopin, na voz de uma cantora, num gesto de ternura humana.

Que seria a cor, detalhe que fugia aos seus dedos, escapava ao seu olfato conhecedor das almas e dos corpos, que o seu ouvido apurado não aprendia, e que era vermelho nas cerejas, nos morangos e em certas gelatinas, mas nada tinha em comum com o adocicado de outras frutas e se encontrava também nos vestidos, nos lábios (seriam os seus vermelhos também e convidariam ao beijo, como nos anúncios de rádio?), em certas cortinas, naquele cinzeiro áspero da mesinha do centro, em determinadas rosas (e havia brancas e amarelas), na pesada poltrona que ficava à direita e onde se afundava feliz para ouvir novelas? Que seria a cor, que definia as coisas e marcava os contrastes, e ora agradava, ora desagradava? E como seria o amarelo, para alguns padrão de mau gosto, mas que tantas vezes provocava entusiasmo nos comentários do mundo onde os olhos viam? E que seria ver? Era o sentido certamente que permitia evitar as pancadas, os tropeções, sair à rua sozinho, sem apoio de bengala, e aquela inquieta procura de mãos divinatórias que tantas vezes falhavam. Era o sentido que permitia encontrar o bonito, sem tocar, nos vestidos, nos corpos, nas feições, o bonito, variedade do belo e de outras palavras sempre ouvidas e empregadas e que bem compreendia, porque o podia sentir na voz e no caráter das pessoas, nas atitudes e nos gestos humanos, no /“Rêve d’Amour”/, que executava ao piano, e em muita coisa mais…

Ver era saber que um quadro não constava apenas de uma superfície estranha, áspera e desigual, sem nenhum sentido para o seu mundo interior, por vezes bonita, ao seu tato, nas molduras, mas que para os outros figurava casas, ruas, objetos, frutas, peixes, panelas de cobre (tão gratas aos seus dedos), velhos mendigos, mulheres nuas e, em certos casos, mesmo para os outros, não dizia nada…

Claro que via muito pelos olhos dos outros. Sabia onde ficavam as coisas e seria capaz de descrevê-las nos menores detalhes. Conhecia-lhes até a cor… Se lhe pedissem o cinzeiro vermelho, iria buscá-lo sem receio. E sabia dizer, quando tocava em Ana Beatriz, se estava com o vestido bege ou com a blusa lilás. E de tal maneira a cor flutuava em seus lábios, nas palestras diárias, que para todos os familiares era como se a visse também.

– Ponha hoje o vestido verde, Ana Beatriz…

Dizia aquilo um pouco para que não dessem conta da sua inferioridade, mais ainda para não inspirar compaixão. Porque a piedade alheia a cada passo a torturava e Maria Alice tinha pudor de seu estado. Seria mais feliz se pudesse estar sempre sozinha como agora, movendo-se como sombra muda pela casa, certa de não provocar exclamações repentinas de pena, quando se contundia ou tropeçava nas idas e vindas do cotidiano labor.

– Machucou, meu bem?

Doía mais a pergunta. Certa vez a testa sangrava diante da família assustada e do remorso de Jorge, que deixara um móvel fora do lugar, mas teimava em dizer que não fora nada.

E quando insistiam, com visita presente, para que tocasse piano, era sistemática a recusa.

– Maria Alice é modesta, odeia exibições…

Outro era o motivo. Ela muita vez bem que ardia em desejos de se refugiar no mundo dos sons, para escapar aos mexericos de toda a gente… Mas como a remordia a admiração piedosa dos amigos… As palmas e os louvores vinham sempre cheios de pena e havia grosserias trágicas em certos entusiasmos, desde o espanto infantil por vê-la acertar direitinho com as teclas à exclamação maravilhada de alguns:

– Muita gente que enxerga se orgulharia de tocar assim…

Nunca Maria Alice o dissera, mas seu coração tinha ternuras apenas para os que não a avisavam de haver uma cadeira na frente ou não a preveniam contra a posição do abajur.

– Eu sei… eu já sei…

E como tinha os outros sentidos mais apurados, sempre se antecipava na descrição das pessoas e coisas. Sabia se era homem ou mulher o recém-chegado, antes que se pusesse a falar. Pela maneira de pisar, por mil e uma sutilezas. Sem que lhe dissessem, já sabia se era gordo ou magro, bonito ou feio. E antes que qualquer outro, lia-lhe o caráter e o temperamento. Aqueles pequeninos milagres de sua intuição e de sua capacidade de observar, todos estavam habituados em casa. Por isso lhe falavam sempre em termos de quem via para quem via. E nesses termos lhes falava também.

O livro abandonado sobre a mesa, o pensamento de Maria Alice caminhava liberto. Recordava agora o largo tempo que passara no Instituto, onde a família julgara que lhe seria mais fácil aprender a ler. Detestava o ambiente de humildade, raramente de revolta, que lá encontrara. Vivendo em comunidade, sabia facilmente quais os que enxergavam, sem que nenhum destes se desse conta disso ou dissesse que enxergava. Pela simples linguagem, pela maneira de agir o sabia. E ali começara a odiar os dois mundos diferentes. O seu, de humildes e resignados, cônscios de sua inferioridade humana, o outro, o da piedade e da cor.

Ninguém conseguia entender como sabia ela indicar qual o sapato ou a bolsa que ia melhor com este ou aquele vestido. Quase sempre acertava. Assim como ninguém sabia que, com o tempo, Maria Alice fora identificando as cores com sentimentos e coisas. O branco era como
barulho de água de torneira aberta. Cor-de-rosa se confundia com valsa. Verde, aprendera a identificá-lo com cheiro de árvore. Cinza, com maciez de veludo. Azul, com serenidade. Diziam que o céu era azul. Que seria o céu? Um lugar, com certeza. Tinha mil e uma idéias sobre o céu. Deus, anjos, glória divina, bem-aventurança, hinos e salmos. Hendel. Bach. Mas sabia haver um outro, material, sobre as pessoas e casas, feito de nuvens, que associava à idéia do veludo, mais própria do cinza, apesar de insistirem em que o céu era azul.

Aquelas associações materiais, porém, não a satisfaziam. A cor realmente era o grande mistério. Sentira muitas vezes que o cinza pertencia a substâncias ásperas ou duras. Que o branco estava no mármore duro e na folha de papel, leve e flexível. E que o negro estava num cavalo que relinchava inquieto, com um sopro vigoroso de vida, e na suavidade e leveza de um vestido de baile, mas era ao mesmo tempo a cor do ódio e da negação, a marca inexplicável da inferioridade.

E agora Maria Alice voltava outra vez ao Instituto. E ao grande amigo que lá conhecera. Voltavam as longas horas em que falavam de Bach, de Beethoven, dos mistérios para eles tão claros da música eterna. Lembrava-se da ternura daquela voz, da beleza daquela voz. De como se adivinhavam entre dezenas de outros e suas mãos se encontravam. De como as palavras de amor tinham irrompido e suas bocas se encontrado… De como um dia seus pais haviam surgido inesperadamente no Instituto e a haviam levado à sala do diretor e se haviam queixado da falta de vigilância e moralidade no estabelecimento. E de como, no momento em que a retiravam e quando ela disse que pretendia se despedir de um amigo pelo qual tinha grande afeição e com quem se queria casar, o pai exclamara horrorizado:

– Você não tem juízo, criatura? Casar-se com um mulato? Nunca! – Mulato era cor.

Estava longe aquele dia. Estava longe o Instituto, ao qual não saberia voltar, do qual nunca mais tivera notícia, e do qual somente restara o privilégio de caminhar sozinha pelo reino dos livros, tão parecido com a vida dos outros, tão cheio de cores… Um rumor familiar ouviu-se à porta. Era a volta do cinema. Ana Beatriz ia contar-lhe o filme todo, com certeza. O rumor – passos e vozes – encheu a casa.

– Tudo azul? – perguntou Ana Beatriz, entrando na sala.

– Tudo azul – respondeu Maria Alice.

 Fonte:
Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século.

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Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) VI

SERTANEJO

Pés de alpercatas
Marcam a terra vermelha
Desdenhoso o vento apaga
Cada passo a seu tempo
Seguindo andarilho
Caminhos de lugar
Nenhum.

PÍER

Todos atracados
Neste imenso porto
Por um fio amarrados
Caminhamos soltos
Olhando pra quem sabe
Na vastidão do céu
Do ser poder achando
Que a verdade encontra se aqui.

SUTIL
 
A palavra é um empecilho
Diante do que você quer tocar:
O sentimento.
Use-a
De maneira suave.
Algo como
Mergulhar olhos n’água
Ver o peixe
E sentir-se pescador.

CANTO ZEN

Gosto do cantinho
Das escadas estradas clareiras
Gosto do cantinho
De mim mesmo
E gosto muito
Deste planeta
Cantinho do universo.

ANDARILHO

Lá vinha ele
Lento sujo sebento
Pés no chão…
Aos que fingiam não vê-lo
Dançava o balé
Do ser humano.

PARTO

O poeta pare
Com imenso prazer
A dor que sugere vida
E nessa tentativa de alegria
Gera poesia.

JARDIM DOS POETAS

No jardim dos poetas
As flores são azuis e amarelas
Pequeninas libélulas
flutuando sobre a relva
Sob uma fina chuva de sol
Onde o dia alegre explode
Perenemente
Van Gogh.

OUTONO

Na amarelada
Árvore da vida
Colho alguns frutos
Do outono que chegou
De mansinho
Provando neles
Um enjoado sabor de mim.

SIMPLES ASSIM

Sou passo
O mundo espaço
A vida caminho.

O objetivo que traço
Cabe num simples abraço
Num olhar ou num carinho.

FLOR DE LÓTUS

Lá fora brilha o sol
Enquanto me escondo
Nas sombras e sobras do ego
Tentando colher
Do lodo que envolve minh’alma
A mais bela pura e alva
Flor de mim.

FENIX
 
O mundo explode à minha volta
Entre os escombros
Procuro-me
No que brota.

SONS DO SILÊNCIO

A palavra às vezes encanta
Quando embargada na garganta

A palavra às vezes enternece
No silêncio de uma prece

A palavra às vezes extrapola
Num doce acalanto de viola

A palavra às vezes atrapalha
Uma atitude ou coisa que o valha

A palavra calada ou escrita
Quando fala à alma, grita.

CAMPO SANTO

Oh, Babilônia cinzenta!
Teus caminhos violentos nos conduzem
A este jardim suspenso
Cujas flores de plástico
Regamos anualmente
Com meia dúzia
De lágrimas sinceras.

FRÁGIL LIBERDADE

Para cada pobre preso
Um verso livre
Para cada liberdade
Uma rosa
Ainda que frágil
E despretensiosa.

SUNSHINE
 
A cada manhã
Sem pressa palavra ou esquema
Nasce no horizonte
O mais belo quente e espetacular
Poema.

SILÊNCIO

Sabendo que o olhar é mira
Que a boca é cano
Que a língua é gatilho
E as palavras, balas…
Escolhi o silêncio e o sonho
Como armas.

P.A.L.A.V.R.A
 
Minhas palavras
São tijolos
Que edificam pessoas
E tijoladas
Que derrubam máscaras.

SCHOOL

Muitas vezes
Andando por seus corredores silenciosos
Sinto-me como quem caminha
Por uma catedral vazia
Entretanto
É na algazarra de suas crianças
Que ouço os mais belos hinos
Da esperança.

LIVRE DOCENTE
 
Sou um livre pensador
Que caminha por aí
Disfarçando a própria dor
Ensinando o que não aprendi
Pois o que aprendi
A escola não ensina
Vida se apreende
De esquina em esquina.

CAMINHANDO CONTRA O VENTO

Não tenho pressa pra nada
Caminho mais lento a estrada
Correndo não curto a paisagem
Parado atrapalho a passagem
Tranquilo consigo galgar
Um lance a mais dessa escada.

CREPÚSCULO

Guardou a lua no bolso
Caminhou sob uma fina garoa de sombras
Chegou em casa tranquilo…
Pendurou o cabelo no prego
Jogou os olhos sobre a cômoda
Colocou o sorriso no copo
E perenemente
Adormeceu.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

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Irmãos Grimm (O Alfaiate no Céu)

Um lindo dia veio a acontecer que o bom Deus queria descansar um pouquinho do jardim do paraíso, e levou com ele todos os apóstolos e santos, de modo que não ficou ninguém no céu com exceção de São Pedro. O Senhor então lhe ordenou, que na sua ausência, não deixasse ninguém entrar, então, Pedro ficou perto da porta e ficou de vigia o dia todo.
 
Não passou muito tempo e alguém bateu na porta. Pedro perguntou quem era, e o que ele queria? “Eu sou um alfaiate pobre e honesto que implora para entrar,” respondeu alguém
de voz suave.
 
“Honesto de verdade,” disse Pedro, “como o ladrão que foge da forca! Foste sim um mão leve atrevido a surrupiar as roupas das pessoas. Não poderá entrar no céu. O Senhor me proibiu de deixar qualquer um entrar enquanto ele estiver fora.” 
“Deixa disso, seja misericordioso,” exclamou o alfaiate. ” Migalhas que caem
da mesa por conta própria não são roubadas, e nem vale a pena ficar falando sobre essas coisas. Veja, eu sou manco, estou com bolhas nos pés de tanto caminhar até aqui, possivelmente não conseguirei voltar. Apenas me deixe entrar, e eu farei todo trabalho duro. Carregarei as crianças, lavarei as roupas delas, lavarei e limparei os bancos onde elas ficaram brincando, e remendarei todas as roupas rasgadas delas.
 
Ele foi obrigado a se sentar num cantinho atrás da porta, e teve de ficar quieto e sossegado ali, para que o Senhor, quando Ele retornasse, não o visse e ficasse bravo. O alfaiate obedeceu, mas assim que São Pedro saiu de perto da porta, ele se levantou, e cheio de curiosidade, começou a passear por todos os cantos do céu, bisbilhotando tudo em todos os lugares. Até que ele chegou num lugar onde havia muitas cadeiras lindas e confortáveis, e no centro havia uma cadeira de ouro toda decorada com joias brilhantes, e também ficava num plano mais alto que as outras cadeiras, e na frente dela havia um escabelo[1] de ouro.
 
Ela era, no entanto, o assento onde o Senhor se sentava quando ele estava em casa, e da qual ele podia ver tudo o que acontecia na Terra. O alfaiate permaneceu parado diante dela, e ficou olhando para a cadeira durante um longo tempo, e finalmente subiu e se sentou na cadeira. 
Dali ele via tudo o que acontecia na Terra, e viu uma velhinha muito feia que estava lavando roupas nas margens de um rio, e sem que ninguém percebessem pegou para ela dois véus que estavam de lado.
 
Quando viu isto, o alfaiate ficou tão nervoso que ele pegou o escabelo de ouro, e o jogou do céu lá embaixo na Terra, sobre a cabeça da velha safada. No entanto, como ele não conseguia trazer de volta o escabelo, ele saiu furtivamente da cadeira, se voltou a sentar no lugar atrás da porta, e se comportou como se nunca tivesse saído dali. 
Quando o Senhor e mestre retornou junto com seu séquito celestial, ele não viu o alfaiate atrás da porta, mas quando ele foi se sentar na sua cadeira, percebeu que o escabelo não estava mais lá. Ele perguntou a São Pedro o que tinha acontecido com o seu escabelo, mas São Pedro não sabia o que tinha acontecido. Então, Ele perguntou se alguém havia entrado ali enquanto Ele estava fora.
 “Não estou sabendo de ninguém que tivesse estado aqui,” respondeu São Pedro, “com exceção de um alfaiate manco, que ainda está atrás da porta.” 
Então, o Senhor mandou que trouxessem o alfaiate diante dele, e lhe perguntou se ele tinha atirado fora o escabelo, e onde ele o tinha colocado? 
“Oh, Senhor,” respondeu o alfaiate alegremente, “Eu o atirei lá embaixo na terra, num momento de raiva, sobre uma velhinha que estava roubando dois véus enquanto lavava roupa.” 
“Oh, seu velhaco,” disse o Senhor, “se eu fosse julgá-lo como você julga, como acha que você teria escapado durante tão tempo?”
 
“Eu não teria mais cadeiras, bancos, assentos, nada aqui, nem mesmo o garfo de usar no forno, mas teria atirado tudo nos pecadores.” 
“De agora em diante, não poderás mais ficar no céu, mas deves sair por aquela porta novamente. E vás para onde quiseres. Ninguém aplica punição aqui, com exceção de mim, que sou o Senhor. 
Pedro foi obrigado a expulsar o alfaiate do céu novamente, mas como os sapatos dele estavam furados e os seus pés estavam cobertos de bolhas, ele se apoiou num bastão com a mão, e foi embora bem devagarinho, dizendo “Esperem um pouco”, enquanto os bons soldados se sentavam de tanto rir.
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Notas e Referências do Tradutor
[1] Escabelo: banquinho para descanso dos pés.

Fonte:
Wikipedia

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Aluízio Azevedo (Vida Literária) I – A Giovani

Ilustração por William Medeiros
(Particular)

Querido desconhecido. – A tua carta é a primeira carta anônima que respondo, das muitíssimas que até hoje tenho recebido. E a razão disso está simplesmente no modo asseado por que me falas. Deitaste um pequenino dominó de seda, mas mo descalçaste as meias e não arregaçaste as mangas da camisa.

Para dizer tudo – creio até que em ti percebi uma banda de luva amarrotada na mão esquerda.

Entra, pois, assenta-te, toma um charuto, e conversemos. Não precisas tirar a máscara; pediste que te não procurasse reconhecer, e eu, apesar de minha curiosidade, estou resolvido a fazer-te a vontade.

Antes de entrarmos no assunto verdadeiro de tua carta, convém declarar-te uma cousa: – Estou reconhecido pelas palavras lisonjeiras que me dedicas e mais ainda pelo interesse que mostras pelas minhas produções.

Nada é tão agradável para quem escreve, como saber que seus escritos preocupam de qualquer forma a atenção de quem quer que seja.

Ofereceste-me obsequiosamente para anotar o meu romance O Mulato e eu aceito e agradeço o oferecimento, sentindo apenas não possuir um exemplar para pô-lo à tua disposição.

Hoje é muito difícil encontrar um volume d’O Mulato.

Quanto ao que dizes a respeito das Memórias do condenado, pesa-me confessar-te uma cousa: – Tu tomaste muito a sério essa obra.

Que não nos ouçam os leitores do rodapé, mas impõe-me a franqueza declarar-te que as Memórias, enquanto não aparecerem em volume, não merecerão desvelos de ninguém.

Romance de au jour le jour, escrito para acudir às exigências de uma folha diária, está, como facilmente se pode julgar, eivado de erros e descuidos, que só na revisão para o volume poderão desaparecer.

Além disso, os erros tipográficos são tantos e tão constantes, que constituem uma verdadeira calamidade. Ainda no último folhetim, eu escrevi – belos brilhantes, e os tipógrafos disseram – velhos brilhantes; em outro lugar falo de pedras limpas, e eles emendaram para límpidas. Isto sem querer citar as repetidas transposições que alteram completamente o sentido do que está escrito; as palavras incompletas, os saltos e mil outros inimigos do estilo e da boa lógica gramatical.

Entretanto, manda-me as tuas notas – elas me poderão ser de grande utilidade. Quando fores razoável, seguirei o teu conselho e quando não fores não seguirei; em todo caso nada perderemos com isso.

Mas vejamos as tuas três primeiras emendas:

1.o) Queima como pus.

Se bem que isto não seja unia frase completamente verdadeira, tem todavia algum fundo de verdade. Há certo pus venenoso, que possui propriedades de cáustico, e queima a epiderme. Podes facilmente verificar esse fato nas feridas venéreas. Contudo não disputo a frase, porque não reconheço nela valor algum.

2.o) O abuso das frases – Que diabo! com os diabos! etc., etc.

Não me pareces nisso muito razoável, mas enfim pode ser que tenhas razão.

3.o) Pedes a supressão de certo adjetivo, porque ele pode lembrar desgostos a uma senhora, que ambos nós respeitamos.

Quanto a isso, só me resta declarar-te uma cousa: – Para poupar um desgosto a uma senhora de minha estima, eu seria capaz de sacrificar um dedo, quanto mais um adjetivo.

Creio que te fiz a vontade; espero por conseguinte que sejas mais severo nas tuas notas. Vê se dizes alguma cousa sobre a concepção artística de meus trabalhos.

Pena é que as Memórias estejam a expirar.

E com esta – adeus, fico-te obrigado e à espera de mais.

ALUÍZIO AZEVEDO

Gazetinha, Rio,

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura

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Loreta Valadares (Poemas Avulsos)

Fonte: Espaço Das (facebook)
Não te esqueças
de mim
minha memória…
a vida que levei
as lutas que ganhei
e as sem vitória.

Não te esqueças
de meu sonho
a gargalhada
e de minh’alma
apaixonada
que te fique
a lembrança
enlouquecida
de viver
intensamente
aos arrancos
sem prantos
totalmente
sem fôlego
Paixão
descabida
de revirar tudo
tudo
tudo…

Não te esqueças
de mim
minha angústia
o tempo
que perdi
as portas
que bati
a tormenta
o fracasso…
Que de mim
te recordes
a ânsia
de ultrapassar
limites
e arrancar
raízes

Maldita
teimosia
de não desistir
nunca
nunca…
==========================================

Vértices
conexos
ângulos
inversos
caminhos
díspares
delicada
flor
(recém)
desabrochada
em terreno
árido.
Para onde vai
o que não foi feito?
Ah! Se eu soubesse…
Ah! Se eu soubesse…

Sei tudo
e não sei nada.
Vida transpassada
alma inquieta
sonho sem limite
estreita passagem
perfeita miragem…

E
não sei nada
de tudo.

Não posso ter perdido
o que nunca tive
nem ter vivido
onde não estive
não posso ter chorado
a lágrima não vertida
e sequer ter aplacado
essa paixão ensandecida
de revolver a vida
tão completamente
e me tornar cativa
dos caminhos
sinuosos
da liberdade
(re)nascente.
================================

Mar
maresia
maremoto
mar morto
marulhar
maravilha.
Mar de rosas
mar alto
encapelado.
Mar aberto
maré cheia
longe mar
beira-mar
Marejar
Lacrimar
……………..
Navegar…
navegar
onde-mais
em-que-mar….
========================

Coração,
para quê?
Eixo
do corpo
qual
eixo
do mundo
a executar
a rota
da esfera celeste.

Coração,
para quê?
Viver?
Sentir?
Ou, simplesmente,
com Fernando Pessoa,
“sentir com a imaginação
e não usar o coração”?

Coração,
para quê?
===============================

Tento
não ficar
triste
mas a dor
existe
e a espera
fere
como faca
em ponta
apontando
o instante
que pisca,
pisca
e não brilha…

(e onde é
que está
meu livro
de inglês?)
Não achei…
Não achei…

(enquanto esperava na fila do banco)
=================================

Sono
esquisito
infinito
sonho
espera
de tempos
encantados
de desejos
impossíveis
de trilhas
invisíveis.

Abro
os olhos
e espio
pela janela:
nenhum sinal
da noite.
==================================

Flor
Floreio
Florada
Flor-de-lis
Flor-da-noite
Floral
Floresta

Florete.
Ferino
Corte
============================

Humanas vozes
em gritos
de silêncio
clamam
da vida
uma resposta

Vazados olhos
em visões
sinistras
espreitam
no mundo
a loucura

Paira
sobre ondas
revoltas
(a) tormenta
do tempo
presente

Feixe
de luz
e sombras
atravessado.
Punhal
cravado
no peito
da humanidade

Fonte:
Goulart Gomes (organizador). Antologia do Pórtico.

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José Amauri do Nascimento (O Assassinato da Esperança)

O alarme soou quando os ponteiros cruzaram cinco horas em ponto e o pequeno cômodo logo foi tomado pela estridente sonoridade do despertador do relógio comprado no camelódromo do Centro do Rio de Janeiro, fazendo com que Luiz Carlos, num sobressalto, o desligasse para que seus irmãos menores não acordassem. Cansadamente abriu os olhos e esticou o corpo ainda sonolento sobre o colchonete estendido no meio do quarto, de joelhos o dobrou e o empurrou com cuidado pra debaixo do beliche onde dormiam os dois mais novos dos quatro irmãos, levantou cambaleante dando longos bocejos e, a custo, pé ante pé, na penumbra embaçada do dia que começava, tateou as duas redes onde os outros dois se remexiam em leve incômodo.

— Ui! Desculpem-me, voltem a dormir… Shhh…

No único banheiro da casa, onde dispunha apenas de água fria, o coração do garoto que acabara de completar 16 anos, experimentava um misto de sensações que fazia seus batimentos acelerarem descompassadamente.

Seu pai já não mais se encontrava em casa, levantara ainda mais cedo, sua labuta diária beirava doze horas. Sua mãe se encontrava na humilde cozinha fervendo água na única boca que funcionava do fogão velho.

Luiz Carlos tomou um banho apressado, em parte pela baixa temperatura da água, mas principalmente, pela ansiedade que o assolava. Aquele haveria de ser um dia muito importante, não queria se atrasar. Na verdade, sabia: a fila a esperá-lo seria enorme e desejava ser, senão o primeiro, um dos primeiros.

Mesmo não tendo muitas opções, vestiu a melhor roupa, pois lera numa matéria de uma revista velha, que uma boa apresentação contaria pontos. Na cozinha, açodadamente, comeu meio pão dormido sem margarina e tomou um gole de café meio amargo que a mãe acabara de preparar. Já na porta, a mulher, pouco vigorosa, lançou-lhe um olhar pesaroso, mais pela dureza dos dias do que propriamente pelo que, de fato, sentia.

Tentando, o máximo que podia passar-lhes as esperanças que somente o âmago das mães pode acumular, abraçou-o com as poucas forças de braços magros e desejou-lhe, amorosamente, boa sorte.

— A sua bênção mãe! (…)

Em meio aos anseios daquele dia que o tomavam de assalto, o jovem sonhador e esperançoso por dias melhores, viu a porta fechar-se às suas costas. Escadaria abaixo seguiu atalhando as bifurcações dos becos da comunidade.

Em cada esquina um sorriso nervoso desenhava-lhe o rosto e um calafrio fazia cócegas na barriga, porém, o pensamento era um só: o de que a sua vida e de toda a família estavam prestes a mudar, e pra melhor…

Já na última esquina, acesso a avenida principal, onde pegaria a condução que o levaria ao seu destino, num gesto inocente, levou a mão ao bolso da calça por baixo da camisa. Nesse momento um estrondoso estampido ecoou e um forte impacto o atingiu no peito jogando-o para trás de encontro ao muro. Escorregou lentamente parecendo apenas sentar-se, enquanto uma mancha escorria às suas costas pintando de vermelho a parede descascada.

Policiais que se preparavam para uma incursão surpresa, aproximavam-se:

— Você viu tudo! Ele estava armado, ia atirar…

— Não parceiro, esse daí não faz parte da facção, ele só tinha um papel no bolso!

Abaixando-se, retira da mão do jovem, de olhar estático e sem vida, um panfleto onde se lia: Primeiro emprego! Entrevista: A partir das 08:00h.
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*Suboficial da Marinha do Brasil, reside no Rio de Janeiro/RJ, é membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni.
Fonte:
Revista Literária Café-com-Letras – Ano 11 n.11. Teófilo Otoni: Academia de Letras de Teófilo Otoni, 2013.

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Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 13 – 24 de fevereiro de 1887.

Há tanto tempo calado…
E sabem por quê? Por isto:
Pelo número fadado
Da ceia de Jesus Cristo.

Número treze. Com esta
São treze as minhas Gazetas.
Numeração mui funesta,
Cheira a cova e a calças pretas.

Há, porém, quem afiance
Que treze é dúzia de frade.
É opinião de alcance,
Que anima e que persuade.

Contudo, em uma pessoa
Sendo supersticiosa,
Antes que na cousa boa,
Crê na cousa perigosa.

Daí veio esta comprida
Vadiação; era medo,
Medo de perder a vida
Cedo, mais que nunca cedo.

Lembra-me inda certo dia,
Quando eu tinha treze anos;
Jantamos em companhia
Treze rapazes maganos.

Um acabou reprovado
Na Escola de medicina;
Outro está bem mal casado;
Outro teve pior sina.

Pior, digo, e em muitos pontos;
Geria a casa dos Bentos;
Fugiu, levando dez contos,
Em vez de levar quinhentos.

Outro é político, e anda,
Ora triste, ora sinistro;
Dizem-me que ele tresanda
Vontade de ser ministro.

Em dia de crise, voa
A meter-se em casa, à espera
De alguma notícia boa;
Espera que desespera.

Só sai quando o gabinete
Fica de todo formado,
E jura pelo cacete
Que há de pô-lo derreado.

Bufa, espuma. Abrem-se as câmaras,
E o meu companheiro e amigo
Aguarda o tempo das tâmaras,
E torna ao seu voto antigo.

Outro daqueles rapazes
Procura sinceramente
Entre os meios mais capazes
De encher a barriga à gente.

Um que seja imediato
E de graúdas prebendas,
Ou testamento, ou barato…
Já não há pr’as encomendas!

Cá por mim, tive um inchaço
Na perna esquerda; diziam
Que essa doença era andaço,
E até que muitos morriam.

Sarei; mas foi sobre queda
Couce. A morte tão sombria.
Que tantas casas depreda,
Poupou-me para este dia.

Pois, minha dona, aqui fico,
Já daqui me não arranco,
Achei um recurso rico:
Deixo este número em branco.

Não dou Gazeta nem nada;
Não falo em cousa nenhuma,
Gouvea, moção, espada;
Em suma, de nada, em suma.

E tanto mais ganho nisto
Que, como se fala em rolo,
Podia um lance imprevisto
Tirar-me o melhor consolo.

Que é este: olhar para a rua
Cheia de cousas chibantes,
E dizer — Feliz a lua…
Se é que não tem habitantes.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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Nilto Maciel (Os Urubus e Deus)

– Qual a diferença entre a alma e um passarinho?
O que é a alma,
Isaac L. Peretz

 (…) formavit igitur Dominus Deus hominem de limo terrae et inspiravit in faciem eius spiraculum vitae et factus est homo in animam viventem (…)
Vulgate, Genesis, 2:7

O urubu avistou o corpo do menino, empinou-se e bateu as asas. Não pude fazer nada. Aliás, nunca posso fazer nada. Não devo fazer nada. Não posso estorvar os impulsos instintivos dos urubus, nem dos leões, nem dos sapos. Todos eles precisam sobreviver. Os olhos da alma do menino pareciam horrorizados. Então ele, um ser humano, pequenino ser humano, recém-nascido, indefeso, deveria morrer para que urubus sobrevivessem? Não entendia a lógica da morte.

Maria, coitada, mãe tão jovem, sem forças, sem amparo, desorientada, machucada, ferida, agiu por impulso, por loucura, desespero de não ter como criar o filho, de não ter lar, marido, nada. Quem seria o pai? José, João, Marcos, Mateus, Lucas? Pobre Maria, apaixonada, usada, objeto. Grávida, procurou amigas. Não podia ser mãe, abortaria. Ou criava o filho com o pão amassado pelo diabo? Não encontrou quem lhe tirasse as dúvidas. Se me buscou, não lembro. Se rezou a mim, pouco importa. Há o livre arbítrio.           

Chegado o momento de parir, Maria se acocorou, pôs-se a gemer, chorar, praguejar. Um corpo mole e ensanguentado escorria de suas entranhas. Quase a desmaiar, puxou com as mãos o fruto de seu ventre. Sentou-se e chorou mais. Urgia cortar o cordão umbilical, livrar-se daquilo. Apalpou a faca, agarrou-a e fez o corte. Estrangulava a criança? Não, ia lavar-se, descansar, dormir. Ou morrer. Cochilou, recostada à parede do banheiro. Uma barata passeava pelo chão. Apanhou o lençol e jogou-o sobre o corpo do filho. Ajoelhou-se, suada. Enrolou o pano no menino. Colheu o pacote e ergueu-se. Abriu a porta do banheiro e, pé ante pé, dirigiu-se à rua. Talvez fosse madrugada. Caminhou pela calçada. Latas de lixo recostadas a postes e muros. Olhou para os lados, as portas e janelas fechadas. Um carro passou longe, em disparada. Depositou o pacote numa das latas e correu para casa.

A alminha não parava de fazer perguntas. Por que não impedi a fecundação de Maria? Porque não posso impedir a procriação. A vida é necessária, imperiosa. A alma infantil não aceitava as minhas ponderações. Tudo, para ela, parecia injusto, errado, torto, feio, cruel. Fui insultado: chamou-me de tudo, menos de deus. Chamou-me de caos, confusão, desordem, diabo.

De manhã garis passaram pela rua, aos gritos e correrias. Pegavam as latas e despejavam o lixo no interior do caminhão. Levado para o monturo junto ao lixo, o menino foi lançado fora. Urubus, impacientes, espiavam de longe a movimentação dos trabalhadores. Ao virem afastar-se o caminhão, voaram sobre o repasto.

O capitão dos urubus se aproximou do pequeno ser. Olhos arregalados para o mundo, a criança chorava. A ave deu a primeira bicada. Faminta, passou a bicar a barriga, as pernas, o peito. O sangue tingia as penas negras do bicho.

Outros urubus se acercaram do pequeno corpo ainda vivo. E logo o banquete virou disputa, guerra. Com pouco tempo restavam apenas ossos. No entanto, a alma do menino evaporou-se e subiu ao céu. Os urubus se lamentaram, crocitando feito aves malditas. A fome não se resolve nunca, menino. Sim, todos são alimento, tudo é alimento. Nunca viste leão caçando veado? Se é justo ou injusto? Justiça e injustiça são apenas palavras.

O menino quis saber se os causadores de sua tragédia foram os urubus, sua mãe, seu pai, os garis ou o prefeito. Não posso acusar ninguém. Não devemos julgar os personagens das tragédias. Nem qualificá-los, adjetivá-los. Nada de lobo mau, mãe santa, pai-nosso. Compete-nos apenas ver e contar. Não nos cabe desenhar nada, nem dar lições de moral. Os seres existem, os fatos se dão, a vida se faz. E é só.
 

Fonte:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

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II Concurso de Poesia Narciso Araújo (Prazo: 31 de Janeiro de 2014)

Organização: Academia Marataizense de Letras.

Inscrições: de 25 de outubro de 2013 a 31 de janeiro de 2014.

Premiação: troféus e certificados.

REGULAMENTO:

1. DA INSCRIÇÃO – As inscrições se iniciam em 25 de outubro de 2013 e se encerram, impreterivelmente, em 31 de janeiro de 2014, valendo, para registro, a data da postagem nos Correios.

1.1. Podem participar do concurso todos os cidadãos brasileiros, maiores de dezoito anos, residentes
em território nacional.

1.2. O tema do concurso é livre. Cada participante pode concorrer com apenas 01 (um) poema INÉDITO, escrito obrigatoriamente em Língua Portuguesa.

2. DO ENVIO (SISTEMA DE ENVELOPES) – O trabalho deve ser digitado em 01 (uma) só face da folha, em fonte ‘arial’ ou ‘times new roman’, tamanho 12; com margens 3cm (superior e esquerda) e margens 2cm (inferior e direita); com o máximo de 02 (duas) páginas, numeradas no canto superior direito; constando apenas o título do poema, o pseudônimo do autor, e o poema concorrente.

2.1. O trabalho deverá ser remetido em 4 (quatro) vias, em envelope grande; o qual trará também, em seu interior, outro envelope menor, contendo sobrecarta fechada, com a identificação do candidato:
 

título do poema; pseudônimo do autor; nome completo do autor; endereço completo; telefones com DDD; e-mail e breve biografia (no máximo, 5 linhas). Na parte externa do envelope menor, deverá constar apenas o título do poema e o pseudônimo do autor. Na parte externa do envelope maior deverá constar o seguinte endereço do ‘destinatário’:

ACADEMIA MARATAIZENSE DE LETRAS.
II CONCURSO DE POESIAS ‘NARCISO ARAÚJO’.
Rua Pedro Sousa Maia, n.º 263 – Ap. 101 – Bairro: Arraias.
Praia da Cruz – Marataízes (ES) – CEP: 29.345-000.

2.2. O endereço do ‘destinatário’ deverá ser repetido no lugar do endereço do ‘remetente’, usando-se, no lugar do ‘nome do remetente’, o nome do patrono do concurso: NARCISO DA COSTA ARAÚJO.

2.3. Qualquer forma de identificação do autor, diferente da estipulada neste edital, tornará nula a inscrição do poema.

2.4. No interior do mesmo envelope grande deverá conter, ainda, um CD, no qual estará gravado o poema concorrente, em Word for Windows ou equivalente (*.doc); cabendo ressaltar que a comissão organizadora não se responsabiliza por eventuais danos que possam ocorrer à mídia.

3. DA AUTENTICIDADE – Para todos os efeitos legais, os participantes se declaram legítimos autores dos poemas inscritos, garantindo o ineditismo dos mesmos, bem como isentando a Academia Marataizense de Letras de quaisquer reclamações, em juízo ou fora dele; podendo os infratores sofrer as penalidades previstas na Lei n.º 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais).

4. DA COMISSÃO JULGADORA – A comissão julgadora será constituída a convite da comissão organizadora e seus nomes serão anunciados somente após o término do período de inscrições.

4.1. Os membros da Academia Marataizense de Letras, da comissão organizadora e da comissão julgadora, bem como seus parentes, não poderão participar do concurso.

4.2. A decisão da comissão julgadora é soberana, não sendo passível de recurso.

5. DO RESULTADO E PREMIAÇÃO – Os nomes dos vencedores serão divulgados no mês de março de 2014, em data ainda a ser definida.

5.1. Aos 03 (três) primeiros colocados serão concedidos: troféus e certificados.

5.2. Os vencedores serão previamente informados via correspondência eletrônica, em tempo que lhes permita comparecer à cerimônia de premiação. Quem não comparecer à cerimônia receberá o prêmio via Correios.

5.3. Os vencedores, residentes ou não no Estado do Espírito Santo, terão direito a passagens, hospedagem e alimentação gratuitas.

5.4. A entrega dos prêmios se fará (em local, data e horário ainda a combinar) em sessão solene, a se realizar em Marataízes (ES).

6. DOS TRÂMITES FINAIS – Qualquer descumprimento das normas deste edital, bem como qualquer ofensa à comissão julgadora ou aos organizadores do concurso, implicará na imediata desclassificação do candidato.

6.1. Ao fazer a inscrição o concorrente estará aceitando, naturalmente e na íntegra, os termos deste edital, ficando sujeito à desclassificação pelo não cumprimento do mesmo.

6.2. Ao final do concurso, os trabalhos não serão devolvidos.

6.3. Os casos omissos serão resolvidos pela comissão organizadora.
 

Marataízes (ES), 15 de outubro de 2013.
Bárbara Pérez – Presidente.
André Luis Soares – Tesoureiro e Diretor Literário.
Academia Marataizense de Letras.
Apoio cultural: comércio local.

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XII Concurso “Fritz Teixeira de Salles de Poesia” (Prazo: 18 de janeiro de 2014)

Promoção “Fundação Cultural Pascoal Andreta”

REGULAMENTO

I. GERAL

 1) As inscrições estarão abertas de 01 de novembro de 2013 até 18 de janeiro de 2014.

2) Cada autor poderá concorrer com até 02 (dois) poemas, inéditos, e em língua portuguesa.

a. A publicação em blogs pessoais não invalida o ineditismo, porém a publicação em livros, jornais e ou antologias quaisquer, bem como a inscrição simultânea em outro concurso similar, invalidam a inscrição.

3) O tema das poesias é livre.

4) Uma Comissão Julgadora, escolhida pela Fundação Cultural Pascoal Andreta, selecionará os melhores trabalhos.

5) Os direitos autorais dos textos são de propriedade de seus autores.

a. Ao enviar sua inscrição para esse concurso, os autores concordam expressamente com a publicação das poesias inscritas no site da Fundação Cultural Pascoal Andreta (www.fundacaopascoalandreta.com.br), bem como no livro (edição comemorativa) a ser publicado, sem que qualquer ônus, desde que os créditos de autoria sejam devidamente registrados.

b. A Fundação Cultural Pascoal Andreta declara que o livro a ser editado (edição comemorativa), não será comercializado em nenhuma hipótese, tratando-se ainda de tiragem limitada.

 6) O envio da(s) poesia(s) ao concurso significa inteira e completa concordância, por parte dos concorrentes, com este Regulamento. Casos omissos serão resolvidos pela Comissão Organizadora. As decisões são irrecorríveis.

II. INSCRIÇÕES

1) Para confirmar sua inscrição, o autor deverá ser preencher o formulário disponível no link Ficha de Inscrição e enviar sua(s) poesia(s), apenas por e-mail, para o seguinte endereço: concurso.fritz.2014@gmail.com.

2) Informar no campo ASSUNTO: XII Concurso Fritz Teixeira de Salles – Poesias

3) No campo da mensagem, informar, obrigatoriamente:

a. Nome completo

b. Data de Nascimento

c. Pseudônimo (se houver)

d. Título(s) da(s) poesia(s)

4) As poesias deverão ser enviadas, como anexo, conforme abaixo:

a. Digitação em fonte Times New Roman, tamanho12, ou fonte Arial, também tamanho 12, com espaço livre.

b. Cada poesia deverá constituir um arquivo único, sem a indicação do nome do autor (os textos serão catalogados e indexados por numeração sequencial para encaminhamento à Comissão Julgadora).

c. Preferencialmente, salvar os arquivos em formato PDF. Arquivos no formato Microsoft Word (.doc ou .docx), OpenOffice, BROffice, LibreOffice ou Google Docs também serão aceitos.

d. Não enviar links de compartilhamento em serviços como Dropbox, Google Drive, Skydrive ou similares.

e. Textos digitados no corpo do e-mail não serão considerados válidos.

5) Em até 10 (dez) dias contados a partir do envio das poesias, os participantes receberão comunicado, por email, da confirmação de sua inscrição ou serão solicitados a corrigir eventuais irregularidades.

6) Semanalmente será publicada no site da Fundação Cultural Pascoal Andreta –www.fundacaopascoalandreta.com.br – relação atualizada dos participantes e respectivos poemas cuja inscrição foi aceita pela Comissão Organizadora.

7) Eventuais esclarecimentos poderão ser encaminhados para o mesmo endereço eletrônico ( concurso.fritz.2014@gmail.com), indicando no campo ASSUNTO: XII Concurso Fritz Teixeira de Salles – Esclarecimentos.

III. PRÊMIOS

1) Haverá premiação para os três melhores trabalhos, na categoria GERAL:

a. 1º lugar: R$ 1.500,00 (Mil e quinhentos reais)

b. 2º lugar: R$ 1.000,00 (Mil reais)

c. 3º lugar: R$    800,00 (Oitocentos reais)

2) Para os três melhores trabalhos de autores da cidade de Monte Sião:

a. 1º lugar: R$ 500,00 (Quinhentos reais)

b. 2º lugar: R$ 300,00 (Trezentos reais)

c. 3º lugar: R$ 200,00 (Duzentos reais)

3) Menção Honrosa para 05 (cinco) trabalhos, na categoria GERAL.

4) Menção Honrosa para o concorrente mais jovem.

5) Todos os classificados, bem como aqueles contemplados com Menção Honrosa, receberão um livro contendo as poesias premiadas (edição comemorativa), editado por “Acervo Edições”, Diploma personalizado e assinatura do Jornal “Monte Sião” por um ano (12 edições).

6) A entrega dos prêmios acontecerá no dia 22 de março de 2014, sábado, às 20h.

7) Para os classificados do 1º ao 3º lugares, que não sejam de Monte Sião, haverá hospedagem com café da manhã.

8) No caso do não comparecimento de qualquer dos vencedores na noite da premiação, o prêmio respectivo deverá ser procurado dentro de 30 (trinta) dias, a partir da data da entrega, 22 de março de 2014. Findo este prazo o valor será devolvido ao patrocinador e o ganhador perderá o direito ao prêmio.

9) As festividades da noite serão dedicadas à memória de Segismundo Gottardello (Cid), um dos fundadores da Fundação Cultural Pascoal Andreta e do Museu Histórico e Geográfico de Monte Sião.

10) Os vencedores poderão declamar sua poesia ou, se desejarem, indicar outra pessoa para fazê-lo.

11) Os resultados do concurso serão publicados no site da Fundação Cultural Pascoal Andreta – http://www.fundacaopascoalandreta.com.br – no dia 23 de fevereiro de 2014.

Fonte:
http://www.fundacaopascoalandreta.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=49&Itemid=29

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Concurso de Contos Águas do Tijuco (Resultado Final)

A Fundação Cultural de Ituiutaba promotora do Concurso de Contos Águas do Tijuco, o mais importante concurso de contos do país, tanto pela qualidade dos contistas participantes, da comissão julgadora e pela premiação paga ao vencedor, considerado o maior prêmio literário do Brasil. Esse ano em sua segunda edição tivemos a participação de centenas de contistas, numa disputa que proporcionou a comissão julgadora muita dificuldade para se chegar ao vencedor, devido à qualidade dos contos inscritos. Tivemos a participação de contos vindos do Japão, Alemanha, Portugal e Estados Unidos, de brasileiros radicados nesses países.

Ao final do julgamento, o grande vencedor do 2° Concurso de Contos Águas do Tijuco de Ituiutaba, é Eder Rodrigues de Belo Horizonte, com o conto: “Orquestra de enxadas”. Segue abaixo a relação dos dez (10) contos selecionados pela comissão julgadora, que irá fazer parte do livro editado pela promotora, Fundação Cultural, onde serão publicados os dez contos selecionados, porém, sem ordem de classificação, destaque apenas para o conto vencedor, “Orquestra de enxadas”, que irá receber, além da publicação, R$ 3.000,00.

1º lugar: Orquestra de enxadas – Eder Rodrigues – Belo Horizonte – Minas Gerais

– Anjo Velho – Marina Tschernyschew – Guarujá – SP

– Assimétricos – Lúcio Emílio do Espírito Santo – Bom Despacho – Minas Gerais

– As areias de antes – Helder Luiz Rodrigues – Curitiba – PR

– Movimento das Marés – Osvaldo Vasconcelos Vilela – Rio de Janeiro – RJ

– O último medo – Márcia Maria Carini – Saõ Paulo – SP

– O vento – Tanussi Cardoso – Rio de Janeiro – RJ

– Perfeição – Fábio Dobashi Furuzato

– Réquiem para um escritor anônimo – Diego Trindade Hahn – Santa Maria – RS

– Vento na janela – Elicos Araujo – Brasília – DF

Fonte:
http://fundacaoituiutaba.com.br/?p=1226

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Concurso Nacional de Poesias de Ponta Grossa/PR (Resultado Final)

Mais de 400 trabalhos foram inscritos nas categorias local e nacional do Concurso de Poesias 2013, que conheceu os vencedores esta semana. O edital foi promovido pela Fundação Municipal de Cultura (FMC) e Conselho Municipal de Política Cultural (CPMC). A homenageada deste ano é a poeta ponta-grossense Sônia Ditzel Martelo. Os demais concursos literários ainda não divulgaram os resultados.

A Comissão Avaliadora, composta por Sônia Ditzel Martelo, Diego Gomes do Valle e Ubirajara Araújo Moreira, escolheu vencedores locais e nacionais. Cada premiado recebe um prêmio no valor de R$ 1 mil.

O concurso, que acontece desde 2008, visa incentivar a produção literária local e o intercâmbio com brasileiros que gostam das letras. Nesta edição, o edital recebeu centenas de inscrições, dificultando o trabalho da comissão, como explica a professora Sônia Ditzel Martelo. Ela e os demais avaliadores leram 362 poemas nacionais e 63 de Ponta Grossa. “Foi muito intenso e gratificante participar de um concurso nacional dentro da maior seriedade como são os trabalhos desenvolvidos pela Fundação”, reforça Sônia.

O presidente da Fundação Municipal de Cultura, Paulo Eduardo Goulart Netto, lembra que os interessados com residência em Ponta Grossa puderam se inscrever nos dois níveis, bastando enviar trabalhos diferentes e inéditos. “O grande número de inscrições mostra que Ponta Grossa se firma no cenário nacional como uma grande incentivadora e aglutinadora da produção literária, além de mostrar a seriedade do trabalho desenvolvido pelo órgão gestor de Cultura ao longo dos últimos anos”, revela.

Por iniciativa da Comissão Avaliadora, foram conferidas ainda 12 menções honrosas (quatro para poetas ponta-grossenses e oito para outras cidades brasileiras), devido à alta qualidade das produções apresentadas. As obras premiadas e as menções honrosas serão publicadas em antologia, numa edição especial dos concursos de Contos, Poesias e Crônicas de 2013, com 1.500 exemplares, editada pela Fundação Municipal de Cultura no 1º semestre de 2014.

Vencedores

Categoria Nacional:

1º Lugar – Vó e Vô – André Telucazu Kondo, Jundiaí/SP

2º Lugar – Ananás – Rei! – José Jair Batista Filho, de Arujá/SP

3º Lugar – A Vertigem – Adriano Apocalypse de Almeida Cirino, Belo Horizonte/MG

Categoria Local

1º Lugar – Cheiro de Sítio – Elioenai Padilha Ferreira, de Ponta Grossa/PR

2º Lugar – Fugas Caseiras – Kleber Bordinhão, de Ponta Grossa/PR

3º Lugar – Conexão Virtual – Cássia Letícia Miranda Rodrigues, de Ponta Grossa/PR

Menções Honrosas – Local

Escape – Hellen Andréia da Silva Bizerra, de Ponta Grossa/PR

Dez para as Sete – a.m. – Ana Carolina Gilgen, de Ponta Grossa/PR

Testamento – Rosana de Hollebem, de Ponta Grossa/PR

Marés – Samuel Antunes dos Santos, de Ponta Grossa/PR

Menções Honrosas – Nacional

Acróstico – Carlos Alberto de Assis Cavalcanti, de Arcoverde/PE

Poeta Analfabeto – Rômulo César L. Rodrigues de Melo, de Recife/PE

O Milagre dos Corpos – Odenir Paim Peres Júnior (Odemir Tex Jr), de Santa Maria/RS

Poema de Insetos – Marcelo Melo Soriano, de Santa Maria/RS

Porque os Amavam… – Maria Apparecida S. Coquemala, de Itararé/SP

Ilusionismo – Carlos Henrique Costa, de Rio de Janeiro/RJ

Insônia – Rodrigo Ladeira, de Itanhaém/SP

Falado! – Geraldo Trombin, de Americana/SP

Fonte:
http://www.culturaplural.com.br/concurso-de-poesias-revela-resultado/

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Prêmio Literário Fundação Biblioteca Nacional 2013 (Resultado Final)

1– Prêmio Alphonsus de Guimaraens

Categoria: Poesia
Vencedor: Armando Freitas Filho – “Dever”
Editora: Companhia das Letras
Comissão julgadora: Celina Portocarrero, Afonso Henriques de Guimarães Neto e Alberto Vasconcelos da Costa e Silva

2 – Prêmio Aloísio Magalhães

Categoria: Projeto Gráfico
Vencedor: Flávia Castanheira – “Contos maravilhosos infantis e domésticos”
Editora: Cosac Naify
Comissão julgadora: Ana Camara Soter da Silveira, Sérgio Liuzzi Guimarães e Victor Alexis Burton

3 – Prêmio Sérgio Buarque de Holanda

Categoria: Ensaio Social
Vencedor: Joel Birman – “O sujeito na contemporaneidade”
Editora: Civilização Brasileira
Comissão julgadora: Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo, Dulce Chaves Pandolfi e Maria Alice Rezende de Carvalho

4 – Prêmio Mario de Andrade

Categoria: Ensaio Literário
Vencedor: Paulo Henriques Brito – “A tradução literária”
Editora: Civilização Brasileira
Comissão julgadora: Maria Flora Sussekind, José Almino de Alencar e Silva Neto e Luiz de França Costa Lima Filho

5 – Prêmio Paulo Rónai

Categoria: Tradução
Vencedor: Denise Bottmann – “Mrs.Dalloway”
Editora: L&PM Editores
Comissão Julgadora:
Berilo Vilaça Vargas, Leonardo Fróes da Silva e Tomaz Adour da Camara

6 – Prêmio Machado de Assis

Categoria: Romance
Vencedor: Verônica Stigger – “Opsianie Swiata”
Editora: Cosac Naify
Comissão julgadora: Sérgio Ferreira Rodrigues Pereira, Marcelo Francisco Batista Moutinho e Tatiana Oliveira Siciliano

7 – Prêmio Clarice Lispector

Categoria: Conto
Vencedor: Cintia Moscovich – “Essa coisa brilhante que é a chuva”
Editora: Record
Comissão julgadora: Jorge Antonio Marques, Luísa Chaves de Melo e André Luis Mansur Baptista

8 – Prêmio Sylvia Orthof

Categoria: Literatura Infantil
Vencedor: Leo Cunha – “Haicais para pais e filhos”
Editora: Record
Comissão julgadora: Elizabeth D’Angelo Serra, Ana Maria Martins Machado e Laura Constância Austregésilo Athayde Sandroni

9 – Prêmio Glória Pondé

Categoria: Literatura Juvenil
Vencedor: Marcos Bagno – “Marcéu”
Editora: Positivo
Comissão julgadora: Rona Hanning, Marisa de Almeida Borba e Ninfa de Freitas Parreira

Fonte:
http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/12/premio-biblioteca-nacional-anuncia-livros-vencedores-da-edicao-2013.html

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24º Concurso de Contos Paulo Leminski 2013 (Resultado Final)

Vencedores
1º Lugar – “A estranha”, de Robson Rosário Curvêlo, de Praia Grande (SP);

2º Lugar – “Lalena, os sapatos e os ovos”, de José Humberto da Silva Henriques, de Uberaba (MG);

3º Lugar – “O atirador de facas”, de Carlos Bruni Fernandes, de São Paulo (SP);

Melhor Conto Toledano –
 

“Aquele sorriso”, de Valdinei José Arboleya.

Menções Honrosas:
(por ordem alfabética)

Celso Cláudio Carneiro, de Goiânia (GO). Conto: “ Ânfora, âncora e Minâncora”;

Márcia Maria Carini, de São Paulo (SP). Conto: “O Barbeiro”;

Euler Lopes Teles, de Barra dos Coqueiros (SE). Conto: “Cauê”;

Edileuza Bezerra de Lima Longo, de São Paulo (SP). Conto: “Com as mãos vazias”;

Bethânia Pires Amaro, de Salvador (BA). Conto: “Leões e gazelas”;

Amarildo de Sousa, de Divinópolis (MG). Conto: “A mulher que fabricava anjos”.

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Jangada de Versos do Ceará (1)

LEONTINO FILHO
(Aracati,1961)
DENTRO DA NOITE, PENSO EM TI


Volta e meia
sigo rumo à ilha do amor
coisas antigas que ficaram
nau perdida no porto abandonado
barco sem vela
que persiste no desenho
formado pelas águas dos rios.

Volta e meia
o fluxo de imagens paira sobre as águas
e sigo devorando
a cauda dos sonhos
retornando ao chão descontínuo da ilusória
estrada do bem querer:
uma outra história.

Volta e meia
o amor perturba o sono descontente das estrelas
e o luar embaraçado
por tantos murmúrios
arma a provisória tenda da paixão:
o meu olhar de neblina
costurado na memória
tece a infância medieval
do teu corpo.
=============================

JOSÉ LINHARES FILHO
(Lavras da Mangabeira , 1939)
A MINHA MAE, HABITANTE DA MORTE


Tua branca rede já não se arma
para a sesta. Todavia guardo,
com o ranger longínquo dos armadores,
a placidez do teu sono
a entreter o meu sonho.
No teu aposento, mansa e invisível, dorme uma ave.
A mesa posta, entre o apetite e a lembrança,
há uma cadeira sem dono.
Falta ao alimento o tempero
que de tuas mãos ninguém pode aprender.
Mas junto a mim esta um cântaro
que se encheu de lágrimas que libertam.
As dálias do jardim continuam a florescer,
cada ano, tão brancas, tão viçosas! Contudo
parecem reclamar a sutileza
de um carinho que o meu sono não esquece…
Teus pincéis dormem
com a resignação de pincéis.
Minha alma imperfeita, a despeito de teres sido
artista perfeita, pede, todo dia,
os últimos retoques.
Santa e elmo,
no navio em que eu encontrar borrasca,
os teus olhos serão santelmo…
No silêncio noturno não se ouvem mais
os passos cautelosos com que fechavas
a janela que dá para a rua,
no entanto percebo,
na lã escura da noite,
o abrigo do teu xale.
=====================================

MYRIA DO EGITO
(Fortaleza)
PINCELADAS TORTURADAS


esparramando cores
na tela apática,
embebe-se e nasce,
da mão torturada
do pintor.

Feridas jorrando tons,
amarelos desesperados,
vermelhos sangrantes.
E azuis
todas as nuances
mar, noite, água, céu.

Angústia borbulhante
em criação incansável
como se soubesse
que o tempo esvaía-se
como os que partiam
como os que morriam.

Desespero explode
vulcão em erupção.
Alma atormentada
amputando-se.
Faca, orelha, dor,
tela, campo, cor.
Olhar perdido,
sem saber de si.

Perdendo-se
no torturante
pesadelo de criar.

Carente
de um olhar por dentro
da carcaça infame.

Banido.
Tingido de cores
em tela de sombras.

 Teu legado.
que o mundo rejeitou.
espraia-se por
galerias e museus.
Inatingível
e eterno.
Impassível
como as cabeças de cervos
em paredes anónimas,
Conheço tua tortura,
parceiro na loucura,
na busca do ponto final.
==================================

EDUARDO PRAGMACIO DE LAVOR TELLES FILHO
(Foratleza, 1969)
INVASÃO


Essas imagens perdidas na noite
antes me despertavam encanto,
agora me trazem tormento.

E quando me tocam,
a rosa arranca o espinho,
a taça rejeita o vinho
e o tempo se cobre,
rapidamente,
com um lençol branco de linho.

A imagem
escorrega até a ponta
dos meus dedos,
no íntimo da palavra,
invade o papel.
==============================
HORÁCIO DÍDIMO PEREIRA BARBOSA VIEIRA
(Fortaleza, 1935)
A PALAVRA CHAVE


 a palavra chave
 já não fecha
 nem abre

 a palavra amor
 muda de cor

 a palavra verde
amadurece

a palavra ave
voa no papel
==========================

CARLYLE DE FIGUEIREDO MARTINS
(Fortaleza, 1899 – 1986)

E S T Ó I C O     

 Pelo caminho estreito em que ora sigo,
Pisando em cardos, sob um céu escuro,
Não vejo a paz serena de um abrigo,
Nem sol que aclare as trevas do futuro.

Encontrar leve alfombra não consigo,
Em toda parte o solo é áspero e duro,
Mas, no árduo impulso do vigor antigo,
Em seguir a jornada me aventuro.

Viva eu a dores infernais sujeito,
Pedradas rudes batam no meu peito,
Pervague à toa, esquálido e sozinho,

Sei que a mágoa da vida é transitória,
E hei de um dia cantar, de amor e glória,
Vendo estrelas e sóis no meu caminho.

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Clevane Pessoa (Trovas)

A arte é a essência plástica
a cada coisa do mundo
— a criatividade é elástica
faz o que é raso, profundo

A empregada, despedida,
Sai triste, trouxa na mão…
Leva no ventre, uma vida
Que é do filho do patrão…

A gestante, carinhosa,
“leva” o bebê, comovida…
Sensação maravilhosa:
Guarda, no ventre, UMA VIDA…

A honestidade aprendi
com meu pai, honrado e forte
— igual a ele, nunca vi
ser sua filha, é uma sorte…

Ajudando a toda gente
amando sem distinção
é que ganha o presente
de ter céu com pés no chão…

Ajudar a cada irmão
Fazer tudo o que pudermos
— Pois essa é a nossa missão,
Se o crescimento quisermos…

A minha alma, em plenitude,
Cheia de luminosidade
Faz-se bela, na quietude
Do amor que se faz saudade…

Amo com tal amplitude
Que nem tempo, nem espaço
Reduzem a completude
Transmitida quando abraço

Ao bom Deus, Mariazinha
Pede para devolver
Sua Santa mamãezinha
Que morreu pr’a ela nascer…

Ao ver as meias, coitado
o vovô pensa:-“Já sei!
Essas, dei no ano passado
no retrasado, as ganhei…”

Apesar das tempestades
Meu espírito cansado
Tem reservas de amizade
Pra cada momento errado.

A primeira vez da gente
É gravada por demais!
Mas é como estrela cadente
Que ao céu não volta jamais…

As duas rosas do teu rosto
De róseas, brancas ficaram,
Para mostrar teu desgosto
— Já que os olhos não choraram…

As notas interpretando
Com os pés, pernas, mãos, braços,
A moça que está bailando
Vai “escrevendo” com seus passos…

A solidão que me embala
Canta-me tristes cantigas…
Será que o silêncio fala?
Serão as sombras, amigas?

Às vezes, o Amor, querida
Pode matar a ilusão…
O sol, que dá luz e vida
Traz desgraças ao sertão…

Às vezes, te trato mal
Por coisas tolas, banais
— E até zangada, afinal
Te quero cada vez mais…

A verdade é mole ou dura
dependendo da impressão
— ou é Bem que assim perdura
ou demonstra a escuridão

Ciúme é flor que não se cheira
Por mera premonição,
— Ainda assim, erva traiçoeira
envenena o coração

Com lucidez peculiar
Quantos “doidos” são mais certos
Que os que pensam acertar
Julgando-se muito espertos…

Com uma luz interior
que os “normais” não podem ver,
o cego tem um pendor
para “enxergar” o prazer…

Deixe o orgulho, minha gente…
Abandonem tal pecado!
— No acerto, é ficar contente!
No erro, entender o recado!…

Dentro de mim, choro tanto
— E sorri tanto, o meu rosto!
— Em riso, torno meu pranto,
Para ocultar meu desgosto…

Deus, que escuta toda prece
Atende meu jardineiro
A roseira floresce
E há gerânios, o ano inteiro…

Deve-se amar aos doidinhos
São filhos de Deus, também
Agem como os passarinhos
Não fazem mal a ninguém…

É minha mãe quem me inspira
Os versos do coração:
De seu amor, sonora lira,
Eu tiro qualquer canção…

Em vão espera um brinquedo
um menininho de rua…
Risca no chão, com um dedo,
um foguete e vai prá lua…

Eu fico presa, extasiada,
Nas folhas daquele galho,
Pois amo o que é quase nada
Como o cristal do orvalho…

Eu sou sempre adolescente
Recriando quase tudo
— Inquieta, mas resiliente:
Aço puro, com veludo…

Eu vivo há uns tantos anos
— De angústia, seculares –
Sofri tantos desenganos
Que fiquei imune aos pesares…

Fui “bruxa”, ou fada, sabendo
Com as ervas curar doentes,
Bebês à luz, vim trazendo
Fiz brotar muitas sementes…

Gato pardo e belicoso
Arqueia o corpo robusto,
Projeta as unhas, raivoso
Vira um puma no seu susto

Gatos à noite são bardos
E miam versos para a lua
Dizem que então ficam pardos
Parecem da cor da rua…

Há gente que vale nada
— Rouba ideias, trai amigos
Fazendo os outros de escada,
Ocupando seus abrigos…

Há muito “louco” no hospício
Fazendo tanto escarcéu
Por ter passe vitalício
Nos auditórios do Céu…

Há no mistério da fome
este mistério profundo:
É Cristo quem se consome
Em cada pobre do mundo…

Impossível conhecer
Mesmo o presente obscuro:
Tudo pode acontecer
Sem fantasiar o futuro

Jamais terei um presente
qual o que desejo mesmo:
a presença que está ausente
porque no céu caminha a esmo…

Jardineiro os segredos
Das rosas, tem o ceguinho
— “Eu tenho olhos nos dedos
Sei contornar cada espinho”…

Mentiste sempre, é verdade
— Nunca me amaste, afinal!…
Mas não quero a realidade
Mente mais, que não faz mal!…

Meia dúzia de gatinhos,
uns nos outros, enroscados,
são novelos bem quentinhos
parecem interligados

Meu canto é de Amor e Paz
— Sou humilde passarinho
Que trovas, num leva-e-traz
Sai espalhando, de mansinho…

Meu coração galopante
Deixa-me às vezes, sem ar
Por tudo que é discrepante
Do meu jeitinho de amar…

Meu Deus, por que sofro assim,
Pardal em boca de gato?
Se não tens pena de mim,
Como ser intimorato?…

Meu mar de amor é abissal
Insondável, pois profundo:
— Esconde-me assim do Mal
E das invejas do mundo…

Meu mar de amor se renova…
— Será que vou conseguir
Na gota de orvalho — A TROVA —
Pôr meu jeito de o sentir?…

Meu pai, menino crescido
Brinca mais que meus irmãos
— Meu coração, comovido
Vê os calos em suas mãos…

Meu pai tem vista apurada
excelente pontaria…
mas jamais matava nada,
pela sua filosofia…

Meu sobrenome é pessoa
— Uma luz a me nortear:
Ser leal, ser muito boa,
a ninguém prejudicar…

Minha mãe!… Quanta saudade
Da passagem, pela Terra,
De quem me ensinou a bondade
E o perdão – que a paz encerra…

Minha rua, que se aclara
Com a luz do sol, nascente,
À tardinha se prepara
E vai dormir com o poente…

Nada é somente difícil
Tudo, mesmo, pode ser.
— O impossível só é incrível
Até quando acontecer…

Nada pode contestar
O poder da natureza
— Nem o homem a reinventar
O que Deus fez com certeza!

Não desejo nunca o Mal,
mesmo a quem mal me trouxe
A bondade é bambuzal
de mil folhas e som doce…

Não fiquei gorda, nem chata
Ao passar para a meia-idade
Sonho sempre — e intimorata
Sigo, sem indignidade…

Não há mulher que não minta
Nos diz um velho refrão…
— Tem gordura sob a cinta
E diz “sim” quando diz “não”…

Não me atingem as palavras
De calúnia ou de desdém…
Infâmia, tu não me cravas
As invejas de ninguém…

Não tendo, medo de nada,
Vivo porém escondida,
Ocultando essa espada
Que faz-me sangrar a vida…

Na tristeza da saudade,
O coração faz queixume:
Fugiu-me a felicidade
Vai-me chegando o ciúme…

Nenhum carnaval da Terra
traz de volta os que se vão
-a saudade nos encerra
em um fechado salão…

Nesse muros, tão pixados,
Vejo os conflitos do povo
— E sinto que os desgraçados
Querem ser “homens”… De novo!

No mistério dos vitrais
Há captação da energia
Que o Cosmos, às catedrais
Manda em plena luz do dia…

Nos opostos, a atração
Forma, às vezes, completude
Mas noutras, há combustão
Ou barulho em plenitude…

Nossas máscaras do dia
nem sempre nos fazem mal
a esconder dor ou alegria
de um eterno carnaval…

Nossos erros nos apontam
Novas trilhas nos caminhos
E os acertos só despontam
Se afastamos os espinhos

Nos teus olhos, a luz que arde
Faz meu espírito brilhar…
Fui entendê-los tão tarde!
Agora não posso voltar…

No verão, canta a cigarra.
Hino à vida, sem razão,
Pois a vida a que se agarra
Finda em meio da canção

Num mundo de faz-de-conta
O insano, bem contente
Parece dançar na ponta
De uma lança incandescente

O amor materno é meu ninho
— É fogo que não se acaba
— É canto de passarinho
Mesmo se a chuva desaba…


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Clevane Pessoa (Outros Versos)

HAICAIS
( em Haicais, Clevane utiliza o pseudônimo Hana Haruko)

Os risos das crianças:
No cristal, bolas de gude
— luzes trepidantes ­

Pássaros canoros
Energia em expansão
Almas projetadas…

Gestação do arco-íris
Leveza atestando o efêmero
— Bolha de sabão.

Reflexo de prata:
Luar despeja-se no mar
— Espelho do céu

Leve borboleta
Vitória sobre a crisálida:
Pétalas aladas…

Sons de flauta doce:
Murmúrios edulcorantes
– Vento no bambual…

Órgãos musicais
De sonata progressiva:
Cigarra insistente

Armadilha bela:
Luz atraindo mariposa
– Destinação cruel

Força dos opostos
Espirais de eternidade
Yin e yang: você e eu

Pescoços de cisne
Transformam em corações
O espaço vazio…

Mini-borboletas
Orquídeas papilonáceas
– Só não podem voar

Violinista freme
Libélula com o arco
Vibrações no espaço…

Pássaros nos fios
Como notas musicais:
Celestiais canções…

A chuva pingando
Devassa o botão da flor
De / flora antes da hora…

Pele contra pele
Proximidade de cheiros:
Mistura de humores

POESIAS

De Anjos e de Pássaros

Ergo olhar deslumbramento
vejo anjos sobre cabeças humanas
dentro da catedral;
Anjos de ferro negro,
esculturas na arquitetura
de formas quase profanas
a romper tradição.

Não desabe ó figura
milenar, tu que estás
bem sobre mim ,
que não rezo orações prontas
e somente sei usar
o verbo molhado em pranto
ou a metáfora cheia de luar.

(…)
Que desabem
sobre as cabeças dos poetas
os passarinhos em alarido
dentro de um mercado,
a parecer kamikaze,
suicida em massa,
ao jogar-se do teto ao chão
apenas para bicar migalhas.

São nosso retrato:
livres, sem sermos canalhas,
videntes com olhos cheios de palhas
a pre/dizer os tempos,
cada fato envolvido
no pacote dos tesouros,
crianças e sábios a um mesmo tempo,
a chamar atenção pelos voos inusitados.

(…)

Prefiro os pássaros vagabundos
das ruas e das igrejas,
mercados e sinais.
Não são artes singulares e belas
nem enfeites de catedrais:
os anjos passarinhos
de Brasília
estão presos a cabos
e suspensos
sobre nossas cabeças
a lembrar talvez pecados ,
talento, criatividade embora.
Já os pássaros – anjos
desde o Egito antigo
têm a missão de carregar almas
entre a vida terrena
e a morada dos deuses.

ALEGORIA DAS PALAVRAS SOLTAS

Que as mãos dos poetas
libertem as palavras de conceitos e preconceitos antigos.
Que a voz dos poetas entoe cantos inusitados
e muitas vezes inaudíveis aos demais.
Mas que sejam sempre palavras oloROSAS,
a perfumar os poros dos amados e dos amigos.
O que vier a mais, será benesse e lucro, e dividendo
mais importante que a glória
e a libertação do proprio menestrel.
Que os versos sejam livres, com palavras soltas,
a resignificar todas as im/possíveis metáforas!

PALMEIRA SOLITÁRIA
para Luiz Lyrio, in memoriam

Do alto, para onde cresce
em busca do azul absoluto,
a palmeira (quase) antiga,
bela e conformada,
vê passar o tempo.
Suporta intempéries e poeira
rebrilha rocio ao sol,
na terra das gemas.
Um dia, voltará ao pó
e renascerá no ciclo da vida.

A ESSÊNCIA DOS POETAS

De metáforas alimenta-se o poeta
mas também dos olores mais fragrantes.
faz das eternidades,
meros instantes,
quando voa nas asas das alegorias…

Mas de denúncia também vivem os seus versos
pois sensível qual bolha de murano
destinada á beleza singular,
aquecido pelo fogo da justiça,
consome-se em seu próprio Gilbratar,
divino e humano,
mero e avatar.

O poeta tem nas mãos,
os segredos da sacra escrita,
consagrada aos deuses da Beleza,
mas também ergue o dedo acusatório:
brilha de indignação seu anular,
pois é humanista, artista, esteta
e sabe colocar-se no lugar
de seu semelhante…

O poeta escreve sobre seus sentires
e sobre os sentimentos alheios.
Sussurra ou brada, conforme a acontecência,
mas é sempre emissário da quintessência
que muitas vezes
nessa Terra não encontra lugar…

IMPRESSÃO

A terra é mais que amante-amada:
sem ela o tudo cotidiano
vira um quase nada…
Com ela, um mínimo amplia-se
parecendo a maior riqueza do universo
na transmutação dos ciclos…

DE UM SONHO

Do sonho entressonhado
entreaberta flor
de mil pétalas
holopetalar
traduz-me as sutilezas
e multiplicações
da Palavra…
Cheiro os cheiros,
coloro as cores,
abro o entreaberto
e chego ao self
das revelação.
Ao poeta é permitido sonhar
e sonhando desvendar
o segredo

CANÇÃO PARA ELIANE POTIGUARA

Sinringe canora,
avis rara,
Eliane Potiguara.

Maracá e pena,
“mejopotara”
cocar e urucum
caneta e papel
diploma e renome:
Eliane Potiguara.

Aluá,beiju,
mani-oca
ocara,
dança e canta
voz baixa e clara,
Eliane Portiguara.

Peixe boi e boto.
uirapuru e boitatá,
igarapé, igara,
o avô rio
peixes oferece,
no livro a letra
aparece, imagina/ação
floresce,
Eliane Potiguara.

Pacifista e guerreira,
um pé no atavismo,
outro no modernismo,
mas sempre fiel às raízes.
Defenda úteros
sagrados à terra
e ás lições de continuidade.
Quer a mata, mora na cidade,
no asfalto não de ara,
mas sua sabedoria dispara
lendas e crenças,
cerimoniais,
fitoterapia ancestral,
sempre atual.
Eliane Potiguara.

Mulher
que sabe o quer
e busca, sobe montanhas
ou busca clareiras
para ela nada ocorre à toa
tudo é vestido
de muito sentido.
Atenta, ouve, fala,
cheira, sente
vê.

Na natureza,
a verdade é muito simples,
nada no mundo para,
tudo é beleza e partilha.
Eliane Poti, Potiguara,
da floresta filha,
da cidade adotada,
adapta-se, jamais é uma ilha
defende as outras mulheres…

Eli, Eliane, Eliane Potiguara,
potiguar, potiguara, poti:
chama a deusa o sol e chama a deusa lua
essa Nação é mesmo tua,
por direito ancestral.
Descendente dos úteros sadios
das mães da Terra brasilis,
você é
andiroba, seringueira,
guaraná e açaí.
roçado e igara,
peneira,
tipi-tipi,paná -paná, ati-ati,
voa, ave,
voa borboleta,
o caldo da mandioca
coa, você é tudo isso e muito mais,
Eliane Potiguara,
mesmo se vestir vestidos citadinos
e aparecer em salões nas festas…
Mas os olhos de castanhas,
os cabelos lisos e escuros,
a cor da pele bonita,
sempre apontam que você
é onça nativa, arara.
Eliane Potiguara,

Pega o microfone, tecla e fala,
defende a mulher ,a criança, a idosa,
pede proteção á iara.
você é forte e poderosa,
Eliane Potiguara,
“Metade Máscara,
Metade Cara”…

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